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Berta Wá1dman
Náo me po¡" mmúr porque náo ie pode ¡omr uma cadeira e daaJ ma¡ás.
Eu sou uma cadeira e dua! ma[áI. E náo me somo:
I.
* O cstudo que sc le[á a seguir rep[oduz trechos dos ensüos "A retórica do sfléncio em Clarice Lispector'' e "O fftrangerio ern Clarice L*-
to['' induídos no hvro Emgp4f,oj , ffim,..p,ffc#f&,'riá¬,.a4 m¢ /¡.#w4 4mJ,.4'.m co"gpoza"¢ (Sáo Paulo: Perspccüva/Fundacáo de Ampa-
ro á Pequisa do Estado de Sáo mo - Fapesp/ASodacáo Universitíria de CultmJüca, 2003, pp. 313 e 15-33, respccüvamcnte).
24l
Conduzindo a reflexáo para o que interessa a este trabalho relevar, ob-
servo que há uma divisáo nítida, na imagem acima, e a tendéncia será a de agre-
gar tragos identitários que_ se ligaráo, por pregnáncia, a cada um das partes.
Como pf_?tendo observa_Lmarcas do judai'si±n9__t?_x_t_9__!: autora, comeco por
tentar situar rastros de sua.orige±JII±±isa, queslío em si mesma complexa, pois
/ 1
até hoj¬ dificil res onder: uem é udeu? O ue éser E, por extensáo,
é possi,vel distinguir tragos judaicos na expressáo arti'stica?
O judai'slpo de escritores como l.L.Peretz e Scholem Aleichem, por
exemplo, tem a mrioi±±s!syáncia para qu±er abordagem séria de empreendi-
mento literário, porque seus mmdos ficciomis foram moldados sobre o pano
de fimdo da vida judaica do leste europeu.
Entretanto, náo é clara a a reensáo do udai,smo em um escritor
ue náo
uie__uma 1±gI+±gsiLmjudaica (i'diche, hebraico,1a_dino, haki±ia), nem descreva um
meio ti ou se filie a. tradi Óes literárias ue sáo reconhecivel-
mente judaicas3
A dificuldade em apreender tragos judaicos em escritores judeus estí no
fato de que serjudeu tem significagóes diferentes
para cada sujeito - e, desse mo-
o, a questáo náo com orta res únicas ou definitivas. Por isso é dificil che-
gar
-_ ao judai'smo na escrita de Clarice Lispector, tarefa que náo elimina, é claro,
E==
a in_sé_rid_± autora na iteratura Éira, apenas introduz ao repertório de lei-
turas de sua obra um ingrediente a mais: a consideracáo de seu lado imi
rante e
á suposicáo de ue esse fato tra a conse üéncias no ni'vel da lin
Sabe-se que a
jp_co_rporacáo dos imigrantes ao Brasil, almente na
virada do século x, mexeu com a com eral do ondo em
de reavalia o conceito
- _-__ de énea com base na mesti em fórma-
da pela heran a ibérica, africana e
i±±íg:±±iLm±ge_fp_que as comemora
confirmar. Sabc-sc,
a5iOnOda:qO:edeOss:eiSdCeOnbt:i:::te:::mgá: o projeto homogéneo de nacáo náo se
sustenta, porque esconde um corpo fragmentado - no qual uns tém mais direi-
'++ -
tos que outros, e grupos étnicos con±i_nuam á margem (.é o caso dos índios, por
exemplo) - e maquia as injusti¬as da reprodusáo de posieóes culturais desiguris
resultante da dominagáo entre grupos.4
242
/
¡.u,emcaod:ef*1bpe:tl: `+- -_ - O +
1
re com a
vem sendo a.plic nos estudos literários e culturais, sem
óe em contato os anta ónicos
va de qu?
cindidos, numa
ante muta áo, cu as fronteiras cul-
turais se transformam
decorre desse . A premis-
Mas a literatura interessa a escrita que
a em1 transferiria. também
a de que a Cena violenta
sabásica é _torn_i_n_do
ossível ao desloca.do sentir-se "em ca.sa'', lan-
lingu_age_rlt, '', confome expressáo do historia-
¡ado que é ao «lugar de alteragóes itinerantes
dor francés Michel de Certeau5.
a COn áo do ser udeu e do ser brasileiro, vé-se que
Quando se unto de
sío termos que caminham untos. Cada um deles carrega_ um
referentes li ados a realidades
entrelugares, o ponto de intersec-
Ma;é PuDoJyiJ., ei a.
lVlab Cpossível, _ literatura
,,+i_L_____ o_faz, escavar os
íaɱ
rios, forjando uma terceira posi‡o que reconhece as duas outras, mas flui epi
trilho próprio6. Isso porque o criador é o depositário de um legado que o mns-
cende e se expóe no nível da linguagem, pedindo, de certo modo, para ser lido,
e "im passar a existir. O sujeita"e á organiza¬áo simbólica mduz um situa-
¡áo onde náo se vive jamais inteiramente no presente, sendo este pressionado
issaiJ.u.
pelo passado
~
naO e
/
:.Í=:
mas_i±ma realidade socia1 transmitida
tes e de instituicóes
"+-l---- ____- +l _ L
a_nlZa
Para tal autor, a história come¢a onde termina a tracliqao, omc iiiu". 4 iuiiLLv
ria coletiva.
Já Pierre Noras e K. Pomian9, da éco/e ¢,4%4/cf, sustentam que a memó-
ria e a história mantém relagóes radicdmente diferentes cop o pass±, enLguan-
e a memória
243
to na primeira este continua no presente sob forma reatualizada, a segunda rom-
pe com o passado, reconstituindo-o por meio dos vesti'gios que dele sobraram.
Regulando o foco para a situacáo dos judeus, Y.H.Yerushalmi" acrescen-
ta que a história nunca fQijLg±a_rd_iá d_q memória udaica, o
que se confirma na
escassa produgáo historio ráfica de iniciada com o movimento da f7ÁrJ-
Á¢/Áífi, no século xlx, oriundo doiluminismo,
que tem seu eixo em farta produ-
J. _ _ ___
¬áo de obras históricas completamente desvinculadas do padráo de memória.
Na história do judai,smo, o século xlx inauura uma cisáo
entre memória e h lS-
tória. Tiata-se a ui da memória ue obri a a lembrar.
Outra é a memória invo-
lu_n_tZ= A mercé das coisas do mundo que, a sua maneira, refratam uma gra-
___ O__
. ^
mática da existéncia, sua organizagáo pode ser pensada em confomidade com
as figuras da linguagem - símile, metáfora, metoni'mia, sinédoque - de modo
que cada coisa é, m verdade, muitas coisas, dependendo do que está a seu la-
do, do que as contém, ou do lugar de onde foram retiradas. Neste caso, esque-
cer é manter uma figura inc?mpleta, fltando-1he, por exemplo, o segundo ter-
mo de uma comparasáo. E graeas a esse tipo de memória que o passado
flutuante pede passage_p e se deposita de diferentes modos no texto hterário. É
gracas a ela, ainda, que podemos identificar tragos literários que ultrapassam as
intengóes do autor.
II.
244
mum aos filhos de imigrantes judeus no Brasil. Essa lín ua silenciada (
aparece de forma encoberta numa referéncia da escritora a seu pai, na crónica
«Persona'': «[...] Quando elogiavam demais alguém, ele resumia sóbrio e calmo:
245
brihava como redatora, a Oswaldo Aranha, entáo ministro das Relacóes Exte-
riores. A carta - um esforco para agilizar o processo de mturahzagáo de Clari-
ce Lispector como brasileira, o que ela tentava desde que atingira a maioridade
- ressdta as qúidades de inteligéncia, de profissiond competente e sobretudo
sua perfeita in_tegra¢áo aos hábitos brasileiros. Carrazonni reforga, em tom en-
fático, o último atributo.. o de sua brasilidade:
Foi com surpresa que a soube estrangeira, tal a s_Ta mneira de ser,
táo nossa que a torna legi'tima filha do Brasil. Realmente, a nacioúida-
de, nesse caso, constitui um acaso. Clarice veio para o Brasil com mes
de idade. Aqui aprendeu a ler e a escrever. Aqui formou o seu espi'rito,
como verdadeira brasileira.ls
:=-=---:===---
mentários exegéticos
gar á divindade,
p_re;sos aJo Pentateuco, ue remetem ao des ejo de se ache-
tarefa de antemáo fadada ao
dada a particularidade
246
do concentrado em U7# Jopro ó/¬ w!'Z¢, diálogo desarticulado entre um autor e
sua personagem. É esse que ifirma:
248
"inominável'', o que náo pode ser determinado pela palavra, e que fiincionam co-
IV
7ln
Os animis passíveis de identificaqáo sáo os domesticáveis (cavalo, ca-
chorro), isto é, aqueles que podem ser integrados no sistema de valores do ho-
mem (pdavra, trabdho etc.). Já os animais do segundo grupo sáo selvagens, re-
pelem
r,.Jl\,J-L* a+- domestica‡o,
".. ,
--____ estáo fora da 1íngua c formam um bolsáo de
- -----_i__ __ _alnrñpc h,` l,f`mm com o mundo (formigas, be-
agressividade que perturbaús relagóes do homem com o mundo
s;uros, percevejos, sapos, barata).
«Eu fizera o ato proibido de tocar no que é imundo''." Essa passagem do
en=Lt*
\,) \/`-----veíe=Zseteeías.usmeaeSm&ct=qeu=itO?=1esit=it=,3=PtíC:Ce±_'ii_íf_d_-=r-íít±
' __ , l l _® _ __ _ ~.-----r®
s animais da for¬a
omem renunciar á elimina
de elimi-
maculante. A li¬áo teológica. está contida, exatamente, no movimento
_n;gáoTTo animal, já que mcularespacos,
espacos, coisas
coisas e nomemreduzo
e homens lcuu4 lugar
u "6a.da
__di-
_
1 1
vnian¬dáaodtoe.&t=tlit)o&,qdu=slil`ta¢uEi `%oan`+vf*iaii-Te_s_e__a_t_é1_?.art^intivpdner1=-`
puro está subsumida aos cuidados com a higiene e ao respeito * conven¬óes
que nos sáo próprias, a impureza é um critério usado por antropólogos para
classificar as religióes em primitivas e modernas. No primeiro caso, as prescri-
góes relativas ao sagrado e á impureza seriam inseparáveis; n_9 segundo, & re-
gras relativm á impureza desaparecem da religiáo_, sendo relegadas á cozinha, ao
chuveiro, aos servigos de saneamento, á medicina etc. A observáncia dos pre-
ceitos, positivos e negativos, tem a sua eficácia, porque pode trazer a prosperi-
dC¬a`teO`*YUo.=i:Sis-st=io-=-no¢áo de smtiiade-dlvlna que os honens de-
vem alcancar em sua própria vida.35
O caminho da escritora será o do questionamento dos preceitos e náo o>
da obediéncia.:
25l
Eu me sentia imunda____
como a Bíblia
______ falai..ic.
_ i_i_.i_ dos uu.
imundos.
uuiiiiuuó.Por
ror lt
foi que a Bíblia se ocupou tanto dos imundos, e fez uma lista dos an
mais imundos e proibidos? Por que se, como os outros, também eles l
viam sido criados? E por que o imundo era proibido? Eu fizera o ato f
bido de tocar no imundo.36
252
O tema da submissáo da ordem, deliberada por Deus na Bíblia, Í um tó-
aísmo: num universo ontologicamente bom,
?ico que se destaca com vigor no Ju
r-__ _L
253
samente a de conjurar, eliminar a eventualidade do indeterminado,
cendo uma relagáo inequi,voca entre norma e conduta, transgressáo e
punicáo)
visando sempre a uma estabilidade institucional. Sáo os fundamentos dessa es-
tabilidade que a autora discute em um de seus textos prediletos -
nho'', em que um marginal responsável por delito de assassinato é morto pel
poli'cia com treze tiros. Ai', a narradora recusa a discussáo forense e abstrata
para buscar respostas em sua própria subjetividade a pergunta: "Por que est
doendo a morte de um faci,nora?"42 Ora, se a justiga tem de ser a manteneJo
ra da lei, ao assassinar, ela a transgride. E ela transgride também porque pro
tege uns e náo outros; ricos e náo pobres. Recuando para uma nova no¢áo d
justiga, a narradora póe em circulacáo a /'#rrz'f¢ pyéyz'4 aquela que deve atua
sobre aquilo que é energia básica em nós, e que ela chama também de /!,#,o
g7iáío Zc wz'¢ impedindo que o impulso vital se transforme em violéncia. As-
sim, Mineirinho torna-se assassino porque foi exclui,do dessa justica e
numa estrutura social que abandona alguns.
Esse texto de dificil classificagáo além de ser um libelo contra a exclus¡o so-
cial, um questionamento do sentido histórico de justiga, é também um comentá-
rio da lei bi'blica expressa no mandamento #¢-o?%¢£z7á. Baseado mais em precei
tos do que em dogmas, ao judai,smo importa o que se deve fazer mais do que en
que se deve acreditar. As leis morais que regulam as relagóes humanas devem se
conduzidas de acordo com a necessidade de justisa, compaixáo e paz. O assassim
to é considerado como particularmente horroroso, porque destrói umser criado i
imagem e semelhanqa de Deus (Gn9; Ex20, Dt5, S4!z!,gé/,;7? 4:5). No caso de
neirinho, filha a justiga prévia e a conduta humana náo está mais modelada pelos
atributos divinos, acenando para uma crise nas relagóes entre os homens.
A matéria viva da barata é anterior á classificagáo puro/impuro, assim co-
mo o gráo de vida de Mineirinho está antes de sua existéncia social e histórica.
A busca de uma espécie de estágio primeiro da vida, flutua no horizonte do
to, na contramáo dos preceitos e da lei.
V.
254
co. A referéncia que se faz é ao ¿;wo ¿o, A44c4G¬% dois volumes náo-canóni-
cos da Bíblia, considerados apócrifos pelos judeus. Ambos foram transmitidos
em grego, ms o primeiro foi prowelmente traduzido de um original hebrai-
co, que se perdeu.
Pode-se dizer que o tem dos dois ¿;t"of ¿of A44c4Ge% é a resisténcia,
pois eles mmm o conflito entre os judeus (a famí1ia dos Macabeus) e seus
opressores gregos. O nome da protagonista, remete imediatamente ao texto bí-
blico, direciomndo o olhr do leitor para dois planos textuais paralelos que, de
algum modo, dialogam, mesclando simis que se ressignificarn.
Como os mcabeus, Macabéa é vítim da opressáo dos poderosos, um
pobre nordestim perdida m cidade grande e, como eles, ela resiste.
A rela¬áo tragada entre os dois planos náo é simples, pois a exclusáo da
protagonista das relagóes de produ¢áo, e sua decorrente exclusáo socioculturri,
aelevam evidentemente como figura símbolo do exército de excluídos que com-
póe a populagáo brasileira. Mas há uma situacáo específica
r em
l que
T . se_insere
J__ hÁ^a
iluminar na contraface do £!.vro áf A44-
persona_gem
r ___ _ (J l quel permite, a meu ver,
255
- Mas vocé sabe que se chama Macabéa, pelo menos isso?
- É verdade. Mas náo sei o que está dentro do meu nome.44
mance que a conta também se mostra desarticulado. Tocados pela feiura e pe-
quenez da protagonista, os grandes temas se amesquinham, embora o comá-
rio também seja verdadeiro. As perguntas tolas e mal formuladas da personagem
a respeito do que a palavra alcanga dizer, por exemplo, sáo retomadas em outra
instáncia da narrativa, transformando o pequeno e o grande em escalas relati-
vas e intercambiantes que justificam a sinalizagáo que se faz no livro á ,4/,',, w
paíl dd¡ marauílhas, deIJc,nírs CíTrroNl.
..-.-:ij
256
se _ a\ien*áo de Mwti)e'a pode ser eTtJen11ta==+t:"=. C.?rrO"?=ite&1hti
ra de um judaísmo em crise, de uma proscri¢áo dm £fcr;£%#, é precisamente
o rituú de sua imolacáo que desencadeia a possibilidade de outra escritura, a
possibihdade de continuar escrevendo. Mas essa possibilidade exercitada póe em
questáo o próprio ato de escrever. Aí, como num jogo de espelhos, "1iena¬áo
intransponível de Macabéa aponta para a impoténcia do namdor-dati1ógrafo
que náo consegue p"r o fio da narrativa de come¬o a fim, que aponta par"
fracasso do outro mrrador, n"erdade Clarice Lispector, que admite a faléncia
da foma e o impasse em que se encontra a fic‡o quando pretende expressar o
que náo tem nome.
Assim, sobrepostos em cadeia náo ordenada, personagem, narrado" aT
tora trazem para o corpo do texto os sinais de uma impossibilidade de conti-
nuar. O fato de essa ruptura sintonizar e expor um descaminho próprio da mo-
demidade náo ehmim a virtualidade de o romance propiciar, pelo avesso, uma
visáo do judaísmo problematizada pela escritora.
EOsltids&uLtlstinreOsDsL=ie`_idt`tiaduuamt't_r=i_i_,t_r?_t_ert\OT:qnteiiOdr#sfitt£uenfit
rido, remete á tradigáo m;á4,¢.cds comentários bíblicos, onde ffi £fc".f"#
demarcam um campo significante original, a partir do qual se abre um leque
sdeemm1=sun? =%t Sd`osnsLiL*tai.'ófe.L_i:u_ii__a_=_Pilra1íentá=i=?oSs:notL:do?
de "impulso midráshico', de modo a fazé-1o integrar os comentários laicos, o ro-
mance 4 hm ók ,,#/pderia ser considerado um m!¿¢,he, na segunda
metade do século xx, póe em pé um cenário do passado, fazendo caminha"om
novo almto os protagonistas de uma história que é vivida agora no Brasi"n-
tretanto, a distáncia tempord (e tudo que ela carrega) obriga a leitur" circu-
lar por pavimentos cujas pontes precisam ser construídas.
A história recente cria novas posi¬óes e contingéncias para seus protago-
nistas - os Macabeus - sumarizados numa única figura- Macabéa, que se apre-
senta desde o início com a marca do deslocamento, um"ez que migra do nor-
deste par" sudeste do país, de uma sociedade rural e arcaica pm um"rbana
e modemauáo cabendo no processo geral de modernizae-ao a queu"erdade,
poucos tém acesso. Apresentad"omo Tm corpo estrmho no Rb de Janeiro
(«Como é que sei tudo o que vai se seguir e.que ainda desconhe¬o, já que nuT
ca o vivi? É que numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o senti-
mento de perdicáo no rosto d"ma mo¬a nordestina,,48), a estrmheza da per-
257
sonagem encorpa, quando a ela se soma sua correlagáo com a fonte bíblica. Tró-
pega, a trajetória de Macabéa conduz o leitor a um novo epílogo, diverso e opos-
to aquele impresso no ¿z'2w é/oJ A4tzc¢cÍ¢,.
Ressalvadas todas as transformcóes históricas que marcam a distáncia
de um texto a outro, e náo_sáo poucas, fiá que se ressaltar algo precioso para o
judai'smo que se p_erde no meio do caminho: a esperanca, a crenga num pos-
sível redengáo.
W.
258
Retomndo a resposta de Lispector á entrevista já citada - «Sou judia,
vocé sabe. [...] Eu, enfim, sou brasileira, pronto e ponto''49 -, a autora alude di-
retamente á sua origem, ms imprime um giro tal na frase, que acabar se des-
1
talvez a forma. de
vencilhando da primeira afirmaqáo. Essa operaeáo_
Clarice Lisr
riosamente, tém a marca dessa mesma operacáo
uma metáfora
afi-rmando e ne ando o vínculo identitário, faz-se e desfaz-se
resistente á unificacáo, co-
bil que assim mesmo dilata múltipla e imprevisível,
mo uma cadeira_ e duas ma‡s.
Dr:ra': iít:r%#:'b::tJf;rU;,"nW;J;;u;;:;í;íi;;;iralde
BemWaldmm, profis]om de ltiemiw? h.eb:aica: n?CamPina.
r?:erit!adeelCreueZ:nn::.iO_:tiF::+b:?oC:ok,&:
::__:_:.O^:a^:::em::ne.O:t:aMl:te:)Í:_
r:'acee#se#U_Wí':££Wseug:;i:'¬:[ ii:;d., revista e íumentada, Sáo Paub.. ECuta, 1992).
NOTAS
I LlspEcToR, Clarice. 4#4 ".%. BJo de Janeiro: Artenova, 1973,.p. 75.
2 Cf. MORAES, Eliane Robert. O copo ,'pJfít¢/. Sáo Paulo: Ilummuras, 2003.
3 JmER. Robert. Tewish drc_s md nighmarcs''. ,%. NEsHER, mm Wirth (org.). WIJ4f "ewí,, /;.,er¢mr,? madelphiaUcmsdcm
The Jewish Publication Society, 1994, pp. 53-6l.
4 A respeito do "untog porém em hgulo gcrd, ürm García Cmclini: "Si bien el patrimomo siwe para mificff a cada nación, lü dc-
siguauadS en su formción y apropriación exigen estudiarlo t_bién como espacio de lucha materid y simbó1ica entre lffi cl#es, las
emim y los grupos.'' Cf. mcLiNi¡ Néstor García (em tradu¢áo brgileira de Aia Regina Lessa e Heloísa Pczza Cintrio). CWwff W-
¿rj'ót4j, Sáo Paulo.. Edusp, 1997.
; VeJa-se, a propósito, o cnsrio de Rosana Kohl Bines, "Escrita diaspórica (?) na obra de S_uel Rawet". J" V%cff, n. 2, Sáo mo: Hu-
mmitasflaculdadc de Filosofia, Lems e Cienciff Hummas da Universidade dc Sáo Paulo, 2000. Neste ensrio, a autora avaha de quc
modo a di*ora, incorporada á tr_a do texto, trmsfoma-se. em heg.oria da dispersáo da identidade, do sentido, de no¬Óü de ver-
dade c de origem, sendo a dissemimgáo dc significantes t"uais a ela vmculados concebida, ainda, como um modelo crí"o a coma-
pelo dos discursos naciondist* ancorados numa correspondéncia estrelta e mtas vezff explosiva entre língu, pátria e ra¬a.
6 Em 7#, /o,#.o# o/c#m, üdon: Routledge, 1994), Homi Bhabha defende o concdto de híbrido como um proc® de?c?ociaGáo,
m entrelugaL um interstício, quc abrc a possibilidade de um cuhra consideru a diferen¬a independente de u" hierarqm mposta.
7 Pmis: Presscs Universitaircs de Fmce, 1968. Edicáo brmileira: 4 %m'".¢ co/,,;v4Traducáo de Laurent Lcón Schaffer. Sáo mo: Vér-
ticc, 1990.
8 Cf. NoRA, Pierre, £,, /,'c#x d, 4g mémo¡.,c. Paris: Gallimard, 1984.
9 Cf. "L" KHysztof, "De l'hstoire, partie de la mémoire, á la mémoirc, objet dc l'histoirc''. Jm Révw, d, mé'@¿yf,9wc ¬' # ""/¿.
mémo,+¬, Á;J,o;rc,. n. 1, mar. 1998, Paris.. PUF.
10 Cf "usii."i, Yosscfmyim, Z#". /cwJM fJ,,,", ¢#,.,w;J, mcmo, Wmhington.. Universiv ofWisHngton Press, 1982. Edi-
¢áo braflei[a: Zz%"- Z7;,,ó"q#,c4 , %ú,4j#;c4 Traduíao de Lina G. Ferreira. Rio de Janeiro: Imgo, 1992.
T_- __ 1
259
18 E#zm'c# KT"fé o temo utihzado pclos nazis'as para desígnar e denegrir aquela que eles consideravam como anti-arte, arte "impura",
em rehgáo a outra tida como cxprcssáo racid purificada da verüdeira arte alcmá. Cf. L.Mauer, CL'art dégénéré, l'eugenisme á l'oemc",
Élrtzz'm, n. ll, 2003, pp. l99-226.
19 A referéncia á cafta, sua cita9áo e dados biogríficos form extrúdas do citado livro de Nádia Battella Gotlib, C¿,,c, - y"4 "¿¢ g%
JCJOm¡1 PP. l65-l66.
2fi ',:=::,:"::?:r=J±,_S±_L::?fc_`:r':.,:?:atu_r?_.4 pfpe+ T!rra._de li:em±u_r: Ó- sexo c+ filclore ó camval Ó.ftteboi ¢ tebri_
JGo c, o#oJ fÍ" 4b wdZ. Rio dc Janciro/Brmíha: Civiliza9áo Br"leiraflnstituto Naciond do Livro, 1980, pp. 165-170. Seguc a ci-
ta9áo completa: "Sou judja. vocé sabe. Mas náo acredito nessa besteira de judeu ser o povo cleito de Deus. Náo é coisa nenhum. Os
demáes é que dcvcm ser, porque fizeram o que fizeram. Que grande elei¡áo foi essa, para os judeus? Eu, enfim, sou br"ileira, pronto
e ponto,,.
21 Cf. meu livro EmepJzm c raffroJ, citado anteriormente.
22 Rio de Janeiro: Francísco Alvcs, 1997. Ver, a propósíto, J1 ¿xp,ffi4ro,'#c¢ 7¡¢ o¿% ó¢ C4z".c, £,.,p,cf% de Nelson H. Vieira, em Jh
m4# ó¢ A44/c', n. 9. Organiza¬áo de Bcrta Wddman e Vilma Aféas. Campinas: Instituto de Estudos da Lingmgem/Universidade de
Eo=<p?"`%i..:_933.).:JTo^ l!l_v=_!_:ri^h
1995), Vieira estuda o lolnance ,4 ÁoÍ4:oices' in b"Pi4n
d¢ ¿rri em sualitemtun: +?ro.p!e;ic
cxpressño di"oui;-iidit:rii`Gñl-i[.'_áf..-G£'=[&s:'`tpu:isysc3[`uf\I.IdUf'
jüca, assim como a obra da autora de modo gerd.
23 CANDIDO, Antonio. J# VZr,.oJ ¿Jcr¡.,oJ. Sáo Paulo: Duas cídades, 1970, pp. 125-131.
24 LlspEcToR, Clarice. C," Jop'o ¿c %'db..p4gfo-¿i 8. ed., Rio dc Jancíro: Nova Fronteim, 1978, p. 72.
2.5 Ibidem. p. L2;9_
26 LlspEcToR, Claricc. J4 p¿¢o ,cg#do CfJ. Edigáo crítica. Coordenagáo dc Bcncdito Nunes. Paris/Brasília/Sáo Paulo: Association Ar-
chivcs de la Li"érature Latino-Anéricaíne, dcs Cara1.b¬s ct Africainc du xx Siéde/Consclho Nacíonal de Desenvolvimento Gentífico
c Tecnológico do Brasil - cNpq/Scipione, 1996, p. 295.
27 Buenos Aires: Amarrortu Editores, vol. )MII, 1939.
28 Cf. dgum tcxtos quc tratTn das fontes jücas m obra de Clarice Lispcctor. De Alfredo Margarido, "A relagáo Animüs-Bíblia m olra
de Claricc LispcctoP, rev"ta Coíóg#;'o ¿cfffij n. 126-127, jul.-dez. 1992; de Jhariles G. Hill,.CReferenci_ cristiams y judaicu en Á
mffé."o cffm e ,4 p4riño J¬g%# G.f7.", e de Jhtonio Maura, "Resonancias Hcbrricas en la obra de Chrice Lispector" (ambos en-
saios intcgram a revista ,4móropoJ, n. 14, Barcelona.. Extra 2, l997).
29 LlspEcl.oR, Claricc. Á %'4 c7.Ífcz'í do copo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974.
30 LISPECTOR, Clarice. 4 ¿or¢ dt¢ ¿J»g4L Rio de Janeiro: José Olypio, l977.
3l Os livros l e ll dos Macabeus sáo apócrifos, ísto é, náo fazem partc do cánone dos livros do Antigo Testamcnto. O cánone judaico fioi
fixado aproximadamente no find do século l d.C., sendo incluídos somente livros escritos em hebraico (ou parciahente em aramü-
co), considerados como datados cm tcmpo náo posterior a Esdras (síc. Iv a.C.).
32 LISpECTOR, Clarice. ,4g*f¢ %.zw, Rio de Janeiro: Artenova, p. ;0.
33 LISPECTOR, Claricc. Áp4,*¢~o Jcg##óío G.fJ., p. 47.
34 LlspECToR, Clarice, ,4 ¿g7.¢-o fJ»z#,t¢. Rjo de Janeiro: Editora do Autor, l964.
35 Ver, a propósito, o livro da antropóloga Mary Douglas, J)w¬zz cp,"go fPm.9/ "dd%c,/. Traduqáo de Sónia Pe[eira da Sih. Lisboa:
Edic6cs 70, s-d (cm particular o capítulo lll, '.As abomimgóes do Levítico'').
36 LlspEcToR, Clarice. 4 p4íxéo Jcg%ú G.fZ Edisáo crítica. Coordenacáo de Benedito Nuncs. Paris/Brastlia/Florianópolis: Associatíon
Archives de la Littératurc Latino-Amérícaine, dcs Cafa.i.bes et Africaine du Jqc Si¿cle/Comclho Nacional de Dcsenvolvilnento Cicntr
fico e Tecnológíco do Brasil - cNpq/Editora da Universidade Federd de Sama Catarim, 1996, p. 46.
37 Ibid-,p. 55.
38 pEssANm, José Américo. "Clarice Lispector: o itinerário da paixáo''. ,# júz"4?, ¿c A4#J, edicáo citada, p. 195.
39 Ibídcm, p. lO2.
40 A_paixá"egundo G.H., p. 113.
41 ,4g7Á4 oÍ'v4. Rio de Janeiro: Artenova, p. 16.
42 A legiáo eStmngeim, p. 253.
43 ,4 Ácm!z ó# ¬f»4 p. 52, grifo meu.
44 Ibidem, p.73.
45 Ibídem, p.98.
46 Cf. a mflisc dc 4 h4 c# c'*4 dc autoria de Lúcia Helem, em JV,m m% #cm mc,#,4 ff,!%,á"'oJ ,4 e"Á¢ f" C4m, ¿zp,,,o,/.
Rio de Janeiro: Editora da Universidade FederaI Fluminense, 1997.
47 A hom d4 cStrela, p.23.
48 Á6!'Ám, p. 26, grifos meus.
49Cf.nota19.
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