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TEORIZAÇÃO ORGANIZACIONAL:
UM CAMPO HISTORICAMENTE
CONTESTADO
se conseguiu no passado. De fato, qualquer contexto histórico e que está voltada para a
processo de reconstrução histórica que pre- construção e mobilização de recursos ide-
tenda servir de base às visões do presente e ais, materiais e institucionais para legitimar
do futuro é, na verdade, uma interpretação certos conhecimentos e os projetos políti-
controversa e contestada que sempre pode- cos que deles derivam. O debate teórico está
rá ser refutada. Portanto, o objetivo deste inserido em contextos intelectuais e sociais
capítulo é mapear a teoria da organização que têm um efeito crucial na forma e no
como um campo de conflitos históricos em conteúdo das inovações conceituais especí-
que diferentes línguas, abordagens e filoso- ficas, à medida que estas lutam com o obje-
fias lutam por reconhecimento e aceitação. tivo de obter aceitação dentro da comuni-
A próxima seção examina a criação e dade em geral (Clegg, 1994; Thompson e
o desenvolvimento da teoria em estudos McHugh, 1990). Como afirma Bendix, "um
organizacionais como uma atividade inte- estudo das idéias como armas para a gestão
lectual que está necessariamente envolvida de organizações poderia proporcionar um
com o contexto social e histórico em que melhor entendimento das relações entre
ela é criada e recriada. O capítulo então idéias e ações" (1974 : xx).
examinará seis modelos interpretativos que Isto não significa, contudo, que não
estruturaram o desenvolvimento do campo existam bases coletivas reconhecidas que
ao longo do último século, bem como os possam ser utilizadas para a avaliação de
contextos histórico-sociais em que eles atin- conhecimentos contraditórios. Em qualquer
giram certo grau de predominância intelec- momento histórico, os estudos organiza-
tual (sempre sujeita a contestação). A pe- cionais sempre foram constituídos por linhas
núltima seção considera as exclusões ou comuns de debate e diálogo, que estabele-
omissões mais significativas que se eviden- ceram os limites intelectuais e oportunida-
ciam nessas principais tradições narrativas. des para julgamento de novas contribuições.
O capítulo é concluído com uma avaliação O julgamento coletivo de novos e velhos tra-
de desenvolvimentos intelectuais futuros,
contextualizados dentro das formas narra-
tivas previamente esboçadas.
A ORGANIZAÇÃO DA TEORIA
balhos é feito com base em regras e normas va científica" (Thompson, 1978 : 205-206).
negociadas, das quais emergem um voca- Assim, a teoria organizacional é sujeita a
bulário e uma gramática da análise orga- procedimentos metodológicos comuns, mas
nizacional. Essa "racionalidade fundamen- que podem ser revisados, por intermédio dos
tada" (Reed, 1993) pode pecar pela falta de quais modelos e teorias explicativas são ne-
universalidade que normalmente se associa, gociados e debatidos. A interação e contes-
ainda que erroneamente (Cf. Putnam, tação de tradições intelectuais rivais impli-
1978), às chamadas ciências hard, mas mes-
mo assim ela estabelece um modelo
identificável de procedimentos e práticas
"que geram seu discurso próprio sobre pro-
TRIUNFO DO RACIONALISMO
REDESCOBRINDO A COMUNIDADE
ciedade e a organização eficaz são aquelas moldados por valores que estão profun-
capazes de facilitar e sustentar a realidade damente internalizados pelos membros
sociopsicológica de cooperação espontânea da
organização. O foco empírico, portanto, é
e estabilidade social em face de mudanças
direcionado a estruturas que emergem
econômicas, políticas e tecnológicas que es-
ameaçam a integração do indivíduo e do pontaneamente, sancionadas normativa-
grupo dentro de uma comunidade mais mente na organização (Gouldner, 1959 :
ampla. 405-406).
Ao longo de vários anos, essa concep-
ção de organizações como unidades sociais Dessa forma, processos emergentes, e
intermediárias que integram os indivíduos não estruturas planejadas, asseguram a es-
à civilização industrial moderna, sob a tu- tabilidade e sobrevivência de longo prazo
tela de uma administração benevolente e do sistema.
socialmente hábil, institucionalizou-se de tal Ao final dos anos 40 e começo dos 50,
modo que começou a desbancar a posição essa concepção de organizações como sis-
predominante mantida por exponentes do temas sociais voltados para as "necessida-
modelo racional (Child, 1969; Nichols, des" de integração e sobrevivência das or-
1969; Bartell, 1976; Thompson e McHugh, dens societárias maiores, das quais elas fa-
1990). Essa concepção convergia em teo- ziam parte, estabeleceu-se como o modelo
rias organizacionais com características so- teórico predominante dentro da análise
ciológicas e abstratas mais acentuadas, que organizacional. Simultaneamente e de for-
detinham grande afinidade com as prefe- ma convergente, eram desenvolvidos os fun-
rências evolucionistas e naturalistas da es- damentos da "teoria geral dos sistemas",
cola de relações humanas (Parsons, 1956; originária das áreas da biologia e da física
Merton, 1949; Selznick, 1949; Blau, 1955). (von Bertalanffy, 1950; 1956), o que forne-
Portanto, em suas origens o pensamento cia inspiração conceituai considerável para
organicista nos estudos organizacionais ba- o desenvolvimento subseqüente da teoria de
seou-se na crença de que o racionalismo
fornecia uma visão extremamente limitada
e freqüentemente enganadora das "realida-
des" da vida organizacional (Gouldner,
1959; Mouzelis, 1967; Silverman, 1970).
Ela enfatizava a ordem e o controle impos-
tos mecanicamente ao invés da integração,
da interdependência e do equilíbrio que
deveria existir nos sistemas sociais em de-
senvolvimento orgânico (cada um com sua
dinâmica própria). "Interferências" por parte
de agentes externos, tais como o projeto
planejado das estruturas organizacionais,
ameaçam a sobrevivência do sistema.
A organização como um sistema so-
cial facilita a integração de indivíduos den-
tro da comunidade mais ampla, bem como
a adaptação desta às condições técnico-so-
ciais de mudança, que freqüentemente ocor-
re de forma volátil. Essa visão é teoricamente
antecipada, ainda que de forma embrioná-
ria, por Roethlisberger e Dickson, que fa-
lam da organização industrial como um sis-
tema social operante que busca o equilíbrio
em um ambiente dinâmico (1939 : 567).
Essa concepção é influenciada pela teoria
dos sistemas sociais equilibrados de Pareto
(1935), em que as disparidades nas taxas
de mudança sociotécnica e os desequilíbrios
que estas trazem aos organismos são com-
pensados automaticamente por respostas
internas que, ao longo do tempo, restabele-
cem o equilíbrio do sistema.
mas de dominação que eles legitimam turais e a ação social, à medida que molda
(Francis, 1983; Perrow, 1986; Thompson e as formas institucionais reproduzidas e
McHugh, 1990). Essas abordagens tratam transformadas pela prática social (Giddens,
a "organização" como sendo constituída de 1985; 1990; Layder, 1994). Ele rejeita o
uma ordem social e moral em que os inte- determinismo ambiental inerente às teorias
resses e valores individuais e grupais são organizacionais baseadas no mercado, com
simplesmente derivados de uma estrutura sua ênfase obstinada nos imperativos de efi-
de "interesses e valores do sistema", que não ciência e eficácia que garantem a sobrevi-
se contaminam por conflitos setoriais e lu- vência de longo prazo de certos tipos de
tas de poder (Willman, 1983). Uma vez que organização em detrimento de outros. A
esse conceito unitário é considerado inato, perspectiva do poder também questiona os
"aceito" como um aspecto "natural" e virtu- pressupostos unitaristas que são inerentes
almente invisível da organização, o poder, aos modelos racionalista, orgânico e de
os conflitos e a dominação podem ser segu- mercado, pois conceitua a organização como
ramente ignorados, tratados como elemen- uma arena de interesses e valores confli-,
tos "externos" ao campo de visão analítica e tantes, constituída pela luta de poder.
de preocupação empírica do modelo. O modelo de poder em análise
Essa forma unitária de conceber a or- organizacional é fundamentado na sociolo-
ganização é inteiramente compatível com gia de dominação de Weber e na análise da
um contexto político e ideológico mais am- burocracia e burocratização que derivam de
plo, dominado por teorias neoliberais de seu trabalho (Weber, 1978; Ray e Reed,
organização e controle da sociedade, que 1994). Mais recentemente, essa tradição
elevam as "forças impessoais de mercado" weberiana tem sido complementada pelas
à categoria analítica de universalidades teorizações de poder que se inspiraram no
ontológicas determinando as chances indi- interesse de Maquiavel pela micropolítica do
viduais e coletivas de sobrevivência (Miller
e Rose, 1990; Rose, 1992; Silver, 1987).
Desde as ideologias neoliberais ou darwi-
nianas do século XIX (Bendix, 1974) até
doutrinas mais recentes que enfatizam a
"sobrevivência dos mais aptos", todas essas
teorias defendem a expansão progressiva do
mercado, da racionalidade econômica e da
iniciativa privada, em detrimento de con-
ceitos cada vez mais frágeis e marginaliza-
dos de comunidade, serviço público e preo-
cupações sociais. Por meio da globalização,
as nações e empresas envolvem-se em lutas
cada vez mais acirradas, que terão por ven-
cedoras as organizações e economias que
se adaptarem de forma intensiva às deman-
das do mercado (Du Gay e Salaman, 1992;
Du Gay, 1994). Assim, teorias organiza-
cionais baseadas no mercado lidam com
movimentos cíclicos, dentro do próprio con-
texto socioeconômico, político e ideológico
do qual fazem parte (Barley e Kunda, 1992).
No entanto, elas permanecem negligentes
quanto à questão das estruturas e lutas de
poder dentro das organizações, por meio das
quais estas respondem a pressões econômi-
cas supostamente "objetivas" e "neutras".
FACES DO PODER
poder organizacional e sua expressão con- mos hierárquicos que sustentam a reprodu-
temporânea, refletida no trabalho de ção do poder" (Fincham, 1992 : 742).
Foucault (Clegg, 1989; 1994). As análises Esse diálogo entre conceituações de
baseadas em Weber enfatizam o caráter poder weberianas/institucionais e maquia-
relacionai do poder como recurso ou capa- vélicas/processuais levaram a uma compre-
cidade distribuídos de forma diferenciada e ensão muito mais sofisticada da natureza
que, se empregado com o devido grau de multifacetada das relações e processos de
habilidade estratégica e tática pelos atores poder, bem como de suas implicações para
sociais, produz e reproduz relações hierar- a estruturação das formas organizacionais.
quicamente estruturadas de autonomia e A análise de Lukes (1974) das "múltiplas
dependência (Clegg, 1989; Wrong, 1978). facetas do poder" tornou-se o maior ponto
Isto leva à priorização das formas institu- de referência para a pesquisa contemporâ-
cionais e aos mecanismos por meio dos quais nea sobre a dinâmica e os resultados do
o poder é alcançado, convertido em rotinas poder organizacional. Sua diferenciação
e contestado. A "ênfase está nas restrições entre as três faces ou dimensões de poder,
mais amplas e nos determinantes do com- ou seja, entre as formas de poder
portamento: as formas de poder que deri- "episódico", "manipulativo" e "hegemônico"
vam de estruturas de classe e propriedade, (Clegg, 1989), resulta em uma ampliação
o impacto dos mercados e profissões, e fi- considerável do programa de pesquisa para
nalmente a questão do gênero, que vem o estudo de poder na organização, bem
despertando cada vez mais interesse" como dos modelos pelos quais o tema pode
(Fincham, 1992: 742). Assim, a análise ser abordado.
weberiana da dinâmica e das formas de po- O conceito "episódico" de poder con-
der burocrático na sociedade moderna en- centra-se nos conflitos de interesse que se
fatiza a interação complexa que há entre a observa entre atores sociais identificáveis e
racionalização da sociedade e a da organi- seu encontro com objetivos opostos, parti-
zação, ambas reproduzindo estruturas cularmente em processos de tomada de de-
institucionalizadas sob o controle de "espe- cisão. A visão "manipulativa" concentra-se
cialistas" e "peritos" (Silberman, 1993). nas atividades de "bastidores", por meio das
Essa concepção estrutural ou institu- quais grupos que já detêm o poder manipu-
cional de poder organizacional foi comple- lam o processo de tomada de decisão a fim
mentada por um foco mais concentrado nos
processos micropolíticos, por meio dos quais
o poder é obtido e mobilizado, em oposição
ou em paralelo a regimes estabelecidos e a
suas estruturas de comando. Essa aborda-
gem está em forte consonância com o tra-
balho de Foucault sobre o mosaico das coa-
lizões e alianças diagonais que mobilizam
regimes disciplinares (Lyon, 1994). Nesses
casos, observam-se práticas organizacionais
em que o poder "sobre outros" pode ser
mantido temporariamente de uma perspec-
tiva "de baixo para cima", ao invés da tradi-
cional visão "de cima para baixo". Essa in-
terpretação processual do conceito de po-
der organizacional tende a concentrar-se nas
manobras táticas que buscam inverter o
equilíbrio de vantagens entre os diversos
interesses sociopolíticos (Fincham, 1992),
sendo menos convincente quando tenta ex-
plicar os mecanismos organizacionais mais
amplos que se institucionalizam como es-
truturas e retóricas aceitas, retóricas que
legitimam "associações coordenadas de for-
ma imperativa", e que são permanentes e
menos perceptíveis. Assim sendo, esse
enfoque mais recente de pesquisa sobre os
processos de interação, ou micropolítica, por
meio do qual as relações de poder são tem-
porariamente sedimentadas em estruturas
de autoridade mais permanentes e estáveis,
desvia a atenção para longe dos "mecanis-
16 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
de descartar questões que têm o potencial Friedland, 1985; Cerny, 1990; Miller e Rose,
de perturbar, ou ameaçar, seu domínio e 1990; Johnson, 1993). Tal pesquisa também
controle. A interpretação "hegemônica" questiona a coerência analítica e o alcance
enfatiza o papel estratégico de estruturas explanatório de um modelo teórico de po-
ideológicas e sociais existentes ao formar, e der com capacidade limitada de lidar com
assim limitar, seletivamente, os interesses e as complexidades materiais, culturais e po-
valores - e portanto a ação - de atores so- líticas das mudanças organizacionais.
ciais em qualquer campo de decisão. À me-
dida que se avança da concepção "episódica"
para a "manipulativa" e, enfim, "hege- CONHECIMENTO É PODER
mônica" de poder, ocorre um movimento
progressivo de análise e valoração que vai O modelo baseado em conhecimento
desde a capacidade humana de constituir tem sérias prevenções contra os tendências
relações de poder, até o papel dos mecanis- institucionais e estruturais que caracterizam
mos materiais e ideológicos de determinar os modelos analíticos previamente exami-
as estruturas de dominação e controle, por nados. Esse modelo rejeita as várias formas
meio das quais essas relações são institu- de determinismo metodológico e teórico e
cionalizadas (Clegg, 1989 : 86-128). Há a explanação lógica "totalizante" na qual os
também uma ênfase crescente na explica- outros se inserem. Ao invés disso, essa abor-
ção das estruturas de nível "macro" e dos dagem trata de todas as formas da ação so-
mecanismos que determinam os processos cial institucionalizada e estruturada como
organizacionais pelos quais as lutas de po- um mosaico temporário de interações e
der micropolíticas são mediadas. Isto acar- alianças táticas, que formam redes mutáveis
retou uma relativização das práticas orga- e relativamente instáveis de poder, tenden-
nizacionais específicas que produzem e re- do à decadência e dissolução internas. Ele
produzem formas institucionais.
Alguns pesquisadores (e.g. Fincham,
1992; Clegg, 1994; Knights e Willmott,
1989) tentaram contornar esta divisão en-
tre a concepção institucional/estrutural e a
processual/ intervencionista ao focalizar as
práticas organizacionais genéricas (ainda
que "localizadas"), por meio das quais al-
guns padrões de dominação e controle são
mantidos. Eles tentaram combinar o enfoque
weberiano na reprodução institucional de
estruturas de dominação com a abordagem
de Foucaut das micropráticas que geram
formas mutáveis de poder disciplinar. O
ponto focai, tanto em termos analíticos
quanto empíricos, é o discurso que usa o
pretexto de "perícia" para estabelecer pa-
drões particulares de estruturação e controle
organizacionais em diferentes sociedades e
setores (Abbott, 1988; Miller e 0"Leary,
1989; Powell e DiMaggio 1991; Larson,
1979; 1990; Reed e Anthony, 1992). Esses
discursos criam tipos específicos de regimes
disciplinares em um nível organizacional ou
setorial que estabelecem uma mediação
entre políticas governamentais estratégicas
centralizadas em agentes de intervenção,
por um lado, e a sua implementação tática
dentro de domínios localizados, por outro
(Miller e Rose, 1990; Johnson, 1993; vide
também alguns trabalhos recentes sobre a
teoria do processo de trabalho, e.g. Burawoy,
1985; Thompson, 1989; Littler, 1990; e ges-
tão da qualidade total, e.g. Reed, 1995;
Kirkpatrick e Martinez, 1995).
Esse tipo de pesquisa tenta explicar a
decadência e quebra de estruturas
"corporativistas" dentro das economias po-
líticas e práticas organizacionais de socie-
dades industriais avançadas, à medida que
enfoca suas contradições internas e a inca-
pacidade de responder a iniciativas políti-
cas e ideológicas externas, trazidas pela di-
reita neoliberal que ressurge (Alford e
TEORIZAÇÃO ORGANIZACIONAL UM CAMPO HISTORICAMENTE CONTESTADO 17
ESCALAS DE JUSTIÇA
zações modernas que, como sugere Giddens, nhecimento que trata do que é geral e
tem o tema da "reflexividade institucional" integrativo para o homem [sic]; uma vida
como seu objeto de estudo estratégico. Tra- de envolvimento comum".
ta-se da Essa aspiração de reaver uma "visão
institucional" em análise organizacional, que
institucionalização de uma postura inves-
fale do relacionamento entre o cidadão, a
tigadora e calculista que se interessa por
condições genéricas de reprodução do sis- organização, a comunidade e o Estado nas
tema; ela ao mesmo tempo estimula e re- sociedades modernas (Etzioni, 1993; Arhne,
flete um declínio nos meios tradicionais 1994), é um tema rico. As pesquisas sobre
de fazer as coisas. Está também associada participação e democracia organizacional
à geração de poder (entendida como ca- sugerem que esforços de desenvolvimento
pacidade transformativa). A expansão da de projetos organizacionais mais partici-
reflexividade institucional está por trás da pativos e igualitários têm encontrado difi-
proliferação de organizações em contex- culdades extremas nos últimos 15 anos
tos modernos, incluindo organizações de (Lammers e Szell, 1989). Perspectivas de
alcance global (1993 : 6).
longo prazo para a democracia parecem
A ascensão de formas e práticas igualmente pessimistas em um mundo cada
organizacionais modernas é vista como in- vez mais globalizado e fragmentado, que
timamente ligada à crescente sofisticação, desestabiliza ou mesmo destrói identidades
alcance e variedade de sistemas burocráti- sociopolíticas e culturais estabelecidas, cor-
cos de vigilância e controle, que podem ser roendo a segurança cognitiva e a certeza
adaptados a várias circunstâncias sociais e ideológica que antes se imaginava possíveis
históricas diferentes (Dandever, 1990). A (Cable, 1994).
emergência e a sedimentação institucional A combinação de políticas neoliber-
do estado-nação e das estruturas adminis- tárias com vigilância sofisticada não teve
trativas profissionais desempenham um pa- êxito, contudo, para erradicar o desafio per-
pel crucial no avanço das condições materi- manente de encontrar formas de disciplina
ais e sociais aos quais a vigilância e o con- e controle organizacional mais discretas e
trole organizacional podem ser estendidos
(Cerny, 1990; Silberman, 1993). Mudanças
tecnológicas, culturais e políticas relativa-
mente recentes estimularam a criação e a
difusão de sistemas de vigilância mais dis-
cretos, que são muito menos dependentes
da supervisão e do controle diretos (Zuboff,
1988; Lyon, 1994). O crescimento da sofis-
ticação técnica e da penetração de sistemas
de controle também servem para reafirmar
a relevância atual da preocupação de Weber
sobre a perspectiva, a longo prazo, de
envolvimento individual significativo em
uma ordem social e organizacional, que
parece cada vez mais próxima, ainda que
continue distante, das vidas cotidianas (Ray
e Reed, 1994).
A análise organizacional parece, en-
tão, ter completado um ciclo ideológico e
teórico, uma vez que a percepção de amea-
ça à liberdade representada pelas formas
organizacionais burocráticas "modernas" do
início do século XX ecoam agora em deba-
tes sobre participação e democracia, em
meio ao regime de vigilância e controle, tão
sofisticado quanto discreto, que emergiu no
final do século (Webster e Robins, 1993). À
medida que a organização pós-moderna tor-
na-se um mecanismo de controle sociocul-
tural altamente disperso, dinâmico e des-
centrado (Clegg, 1990), impossível de ser
detectado ou combatido, questões que rela-
cionam responsabilidade política e cidada-
nia tornam-se tão importantes agora quan-
to eram há cem anos. Como Wolin (1961 :
434) elegantemente argumentou, a teoria
organizacional e a teoria política "devem
novamente ser vistas como a forma de co-
TEORIZAÇÃO ORGANIZACIONAL UM CAMPO HISTORICAMENTE CONTESTADO
O debate individualista/
coletivista
A última vertebra analítica que cons-
titui a estrutura teórica dessa breve história
dos estudos sobre organizações é o debate
ideológico entre a visão individualista e
coletivista da ordem organizacional. As te-
orias organizacionais individualistas estão
fundamentadas em uma perspectiva analí-
tica e normativa que vê a organização como
resultado de ações e reações individuais
potencialmente redutíveis a suas partes com-
ponentes. Portanto, teorias baseadas no
mercado, e a rica vertente das teorias da
tomada de decisão criadas em torno dessa
perspectiva individualista (Whittington,
1994), negam que conceitos coletivos tais
como "organização" têm alguma outra ca-
racterística ontológica ou metodológica
além de representarem um código simplifi-
cado para os comportamentos de atores in-
dividuais. A justificativa ideológica para esse
I26 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE_______________________________
controle por meio das quais se perpetua sua sas categorias analíticas e compromissos
subordinação (Witz e Savage, 1992). ideológicos básicos.
tecnologia como agente e produto da pro- meçam também a atrair a atenção dos pes-
dução cultural e social. Ele argumenta que quisadores organizacionais (Escobar, 1994;
novos desenvolvimentos em inteligência Ramirez, 1994). Contudo, todo o terreno da
artificial e biotecnologia, que radicalmente globalização política, econômica e cultural
transformam o relacionamento entre as dominada pelo Ocidente e seus impactos nas
máquinas, corpos e comportamentos, deses- novas formas organizacionais emergentes
tabilizam a divisão convencional do traba- no Primeiro e no Terceiro Mundo permane-
lho entre ciência, tecnologia e sociedade. Em cem como temas pouco explorados nas aná-
vez da tradicional distinção categórica en- lises contemporâneas da organização (Calas,
tre "natureza" e "sociedade", está se forman- 1994).
do, "por meio de intervenções tecnológicas Essa breve revisão de algumas das
baseadas na biologia, uma nova ordem para omissões apresentadas pelas tradições teó-
a interação entre a vida, a natureza e o cor- ricas revela sua capacidade limitada de auto-
po" (1994 : 214). Ela reconfigura radical- reflexão crítica. Qualquer das narrativas
mente a prática e o discurso organizacional analiticamente estruturadas, bem como as
que giram em torno dos desenvolvimentos abordagens teóricas particulares e progra-
tecnocientíficos. Escobar afirma ainda que mas de pesquisa que elas estimulam, exclui
esses desenvolvimentos levarão a "profun- e marginaliza ao mesmo tempo que inclui e
das mudanças na acumulação do capital, nas estrutura. Contudo, a interação dinâmica
relações sociais e na divisão do trabalho em entre tradições rivais abre espaço para o
muitos níveis... A mudança para novas diálogo racional e a reflexão criativa por
tecnologias da informação marcou o apare- meio das quais o estudo de organizações se
cimento de processos de trabalhos mais fle- desenvolve ou "progride" como prática in-
xíveis e descentralizados, altamente telectual identificável e coerente. O diálogo
estratificados por fatores de gênero, etnia, racional entre tradições que competem en-
classe e fatores geográficos" (1994 : 120). tre si e a auto-reflexão crítica sobre suas li-
Considerado nesses termos, o concei- mitações inerentes são características sem-
to de "tecnociência" começa a sensibilizar
pesquisadores organizacionais para os no-
vos campos organizacionais e cenários insti-
tucionais nos quais os desenvolvimentos
científicos e tecnológicos se combinam para
criar novas formas de apropriação e meca-
nismos de decisão. Isso é, particularmente,
o caso do desenvolvimento do Terceiro Mun-
do, onde corporações transnacionais dedi-
cam-se à pesquisa e desenvolvimento
biotecnológico, nas áreas de genética de
plantas, cultura de tecidos industriais e
manipulação genética de microorganismos,
que provavelmente resultarão em uma
"biorrevolução" dirigida pelos imperativos
da acumulação de capital ao invés de cres-
cimento interno. É nesses termos que o re-
lativo silêncio sobre as implicações cultu-
rais e políticas da biotecnologia se encaixa
perfeitamente com a negligência constante
dos interesses e tradições do Terceiro Mun-
do nos estudos organizacionais.
Desenvolvimento global e
subdesenvolvimento
Pesquisadores como Castells (1989) e
Smith (1993) têm começado a reconhecer
as "novas dependências" entre os países "ri-
cos em tecnologia" e os "pobres em
tecnologia", que resultam da dominação,
pelo Primeiro Mundo, das inovações como
computadores, tecnologia biológica e de
informação, bem como de sua coordenação
sistemática dos mecanismos organizacionais
associados à "tecnociência". As práticas cul-
turais e as formas políticas por meio das
quais esses novos relacionamentos de ex-
ploração e dependência são mediados co-
TEORIZAÇÃO ORGANIZACIONAL UM CAMPO HISTORICAMENTE CONTESTADO 29
pre presentes no campo. Elas provavelmen- rativas que gerem questões" (1994b : 249).
te se tornarão características ainda mais sig- Isto não necessariamente leva os estudos
nificativas quando os debates interno e ex- organizacionais a um redemoinho incon-
terno a cada narrativa descortinarem as con- trolável de relativismo, argumenta Law, pois
tradições e tensões encontradas em qualquer essa opção nos sensibiliza para a necessida-
comunidade intelectual, bem como nas au- de de preservar e utilizar o pluralismo inte-
diências mais amplas para as quais ela diri- lectual viabilizado pela crítica e de revelar
ge seu discurso. O estudo das organizações os "processos pelos quais os atos de narrar
vem atravessando um debate prolongado e ordenar as estórias ocorrem espontanea-
sobre sua identidade, razão e objetivo há mente" (1994b : 249).
mais de três décadas. Esse debate tem lan- Como já foi relatado em seções ante-
çado uma verdadeira torrente de novas riores desse capítulo, o chamado para a re-
abordagens, cujas falas são dirigidas a uma clusão e o reagrupamento em torno de uma
extensão cada vez maior de audiências, e ortodoxia intelectual renovada é uma ten-
que trata de um conjunto muito mais am- dência forte dentro do campo no presente
plo de questões do que o fazia quando as momento. A seus próprios modos,
necessidades técnicas e os interesses políti- Donaldson (1985; 1988; 1989; 1994) e
cos de uma pequena elite formadora de di- Pfeffer (1993) tentam reviver a narrativa dos
retrizes dominavam o cenário. O debate estudos organizacionais como um empreen-
atual também enfatiza algumas questões bá- dimento científico em sintonia direta com
sicas sobre os rumos mais apropriados para as necessidades técnicas e interesses políti-
o desenvolvimento futuro do estudo de or- cos das elites formadoras de diretrizes; esta
ganizações. é, aliás, uma aspiração e uma motivação que
dominou o desenvolvimento do campo des-
de as primeiras décadas deste século. Seu
NARRANDO O FUTURO TEÓRICO apelo por consenso paradigmático e disci-
plina em torno de uma ortodoxia meto-
Law sugeriu que, ao longo das últimas dológica e teórica dominante, que forneces-
duas décadas, os estudos organizacionais se, cumulativamente, conhecimento codifi-
atravessaram uma "fogueira de certezas" em cado e "amigável ao usuário" às elites for-
relação a suas fundações ontológicas, com- madoras de diretrizes, está em consonância
promissos teóricos, convenções metodoló- com o atual desejo de restabelecer ordem
gicas e predileções ideológicas (1994b : 248- intelectual e controle em um mundo cada
249). Os pressupostos do domínio relacio- vez mais fragmentado e incerto. Eles são
nados à prevalência analítica da "ordem" herdeiros intelectuais e ideológicos do
sobre a "desordem"; da "estrutura" sobre o cientificismo tecnocrático que permeia as
"processo"; das "internalidades" sobre as
"externalidades"; dos "limites" sobre as "eco-
logias"; e da "racionalidade" sobre a "emo-
ção" têm sido incinerados por críticas fero-
zes a sua arrogância teórica inata e a sua
pretensão metodológica. Law delineia as
duas respostas possíveis para essa situação:
"avançar a qualquer custo" ou, o oposto,
"deixar que brotem mil flores". A primeira
opção sugere uma reclusão às fortificações
intelectuais que oferecem proteção contra
os efeitos radicalmente desestabilizadores
da crítica contínua e da desconstrução, des-
de que seja feita uma reforma adequada
dessas fortificações. Ela apoia um reagru-
pamento geral em torno de um paradigma
teórico aceito e um programa básico de pes-
quisas, que neutralizem a dinâmica frag-
mentária criada pelas abordagens que rom-
peram com a ortodoxia. A segunda opção
estimula uma continuada proliferação de
"mais questões e incertezas e (...) mais nar-
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38 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
tido abrigo nos encontros anuais da Asso- é considerado como de alta qualidade ou co-
ciação Nacional dos Programas de Pós-gra- nhecimento relevante. Diferentemente de
duação em Administração (Anpad) - o nú- outras áreas das ciências sociais e humanas,
cleo de formação de uma comunidade de a produção de conhecimento em adminis-
estudiosos que tem se reunido já há 20 anos tração é, geralmente, aberta a diferentes
e que hoje seleciona artigos com base em paradigmas e diferentes abordagens meto-
sistemas de blind review cada dia mais aper- dológicas, o que ainda uma vez nos remete
feiçoado. Nas revistas mais respeitadas da à necessidade das "conversações" tão insis-
área, também o processo "cego" de avalia- tentemente referidas neste texto.
ção há muito se produz, mesmo que com as Rodrigues (1997) afirma o declínio, no
deficiências desvendadas em estudo recen- Brasil, da influência dos estudos organi-
te de Bertero, Caldas e Wood Jr. (1998). zacionais tradicionais oriundos da vertente
Há necessidade, porém, de uma comu- americana e britânica. As mudanças enfren-
nidade mais efetiva de estudiosos sobre or- tadas pelo país (tais como abertura de mer-
ganizações, o que hoje é dificultado não só cado, a presença cada vez mais forte do ca-
pela fragmentação das áreas de estudo como pital estrangeiro, em suma, os passos que
pelas deficiências existentes na estruturação nos levam ao termo "globalização") têm
geral da área: resultado da fragilidade e ins- provocado novos temas (vantagens compe-
tabilidade das instituições, da falta de apoio titivas, métodos de produção baseados nas
(e recursos) nas universidades para desen- experiências japonesas, inovação e apren-
volver trabalho de pesquisa (e ainda que dizagem organizacional) bem como novos
haja apoio de órgãos federais de fomento, relacionamentos de pesquisa, mas, ainda
há instabilidades notórias nas políticas de assim, et pour cause, os estudos tradicionais
desenvolvimento científico) e do apoio qua- têm sido incapazes de proporcionar as ex-
se exclusivo na literatura estrangeira plicações esperadas e as soluções para os
(Rodrigues, 1997; Fachin, 1990). É uma problemas enfrentados pela sociedade bra-
área de estudos sem dúvida em busca de sileira de hoje.
legitimação. Não é uma área que se afirmou Entre os estudos destinados a mapear
como atraente para o meio empresarial - a evolução do conhecimento administrati-
como marketing e finanças - a não ser quan-
do elabora em torno da estratégia (Bertero
e Keinert, 1994), mas há sinais, porém, de
uma presença forte da área dentro da co-
munidade acadêmica de administração, tais
como a apresentação numerosa de papers
às sessões específicas sobre "organizações"
nos encontros da ANPAD e a recente consti-
tuição, dentro da Anpad, do Grupo de Estu-
dos Organizacionais.
Em qualquer circunstância, o quadro
teórico delineado por Reed leva-nos nova-
mente a referir o conceito de "conversações".
Na própria intenção inicial do livro de Clegg,
Hardy e Nord estava implícita a noção do
enraizamento cultural da teoria organiza-
cional, além de ser um empreendimento
cujos "produtos estão sujeitos, freqüente
mente, a negociações e rearranjos de signi-
ficado" (Rodrigues, 1997). É ainda de se
fazer menção ao texto de Astley (1985, re-
ferido por Rodrigues, 1997) que descreve
os estudos organizacionais como uma ativi-
dade social moldada pelo consenso sobre o
que se constitui em expressão válida de co-
nhecimento, não somente em termos de
quadro conceptual, mas também em termos
de estrutura lingüística. Uma narrativa vá-
lida, segundo Astley, seria aquela conside-
rada como de alta qualidade pelos acadê-
micos reputados como "guardiães" do que
seja conhecimento relevante. E na análise
dos critérios de avaliação da produção
científica em administração no Brasil
(Bertero, Caldas e Wood Jr., 1998) que se
constata o ainda pouco consenso sobre o que
I 42 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE ______________________________
Entre os estudos organizacionais, a única que seja altamente efetiva para todas
Teoria da Contingência tem fornecido um as organizações. A otimização da estrutura
paradigma coerente para a análise da es- variará de acordo com determinados fato-
trutura das organizações. O paradigma cons- res, tais como a estratégia da organização
tituiu um quadro de referência no qual a ou seu tamanho. Assim, a organização óti-
pesquisa progrediu, levando à construção ma é contingente a esses fatores, que são
de um corpo de conhecimento científico. O denominados fatores contingenciais. Por
objetivo deste capítulo é traçar os contor- exemplo, uma organização de pequeno por-
nos da teoria da contingencial da estrutura te, que tenha poucos empregados, é estru-
organizacional e mostrar como a pesquisa turada otimamente ao possuir uma estrutu-
dentro desse paradigma evoluiu na forma ra centralizada, em que a tomada de deci-
da ciência normal. são está concentrada no topo da hierarquia,
O conjunto recorrente de relaciona- enquanto uma organização de grande por-
mentos entre os membros da organização te, que possua muitos empregados, é estru-
pode ser considerado como sendo a estru- turada otimamente utilizando uma estrutu-
tura da organização, o que inclui (sem se ra descentralizada, em que a autoridade
restringir a isso) os relacionamentos de au- para a tomada de decisão está dispersa pe-
toridade e de subordinação como represen- los níveis inferiores da hierarquia (Child,
tados no organograma, os comportamentos 1973; Pugh et al., 1969). Há diversos fato-
requeridos pelos regulamentos da organi- res contingenciais: estratégia, tamanho, in-
zação e os padrões adotados na tomada de certeza com relação às tarefas e tecnologia.
decisão, como descentralização, padrões de Essas características organizacionais, por sua
comunicação e outros padrões de compor- vez, refletem a influência do ambiente em
tamento. Engloba tanto a organização for- que a organização está inserida. Assim, para
mal oficialmente prescrita, quanto a orga- ser efetiva, a organização precisa adequar
nização de fato, não oficial e informal sua estrutura a seus fatores contingenciais,
(Pennings, 1992). Não há definição de es- e assim ao ambiente. Portanto, a organiza-
trutura organizacional que circunscreva fir-
memente seu objeto a priori; mas cada pro-
lares ou fabricação em pequenos lotes, exi- estrutura (amplitude média de controle dos
gindo habilidades manuais e artesanais, supervisores de primeira linha), como tam-
como por exemplo, instrumentos musicais, bém indica que as organizações que ado-
a organização era razoavelmente informal tassem a amplitude de controle encontrada
e orgânica. Onde a produção havia avança- teriam melhor desempenho; inversamente,
do para grandes lotes e produção em mas- as que se afastassem da amplitude de con-
sa, utilizando equipamentos mais sofistica- trole reduziriam seu desempenho.
dos, como nas montadoras de automóveis, Woodward (1965) argumentou que adequa-
a organização do trabalho era mais forma- ção entre estrutura organizacional e tecnolo-
lizada e mecanicista, e mais de acordo com gia leva a um desempenho superior ao das
as prescrições da administração clássica. organizações onde a estrutura está em de-
Entretanto, com o avanço tecnológico pos- sacordo com a tecnologia.
terior levando a uma produção mais auto- Burns e Stalker e Woodward trabalha-
matizada e utilização mais intensa de capi- ram no Reino Unido. Contribuições pionei-
tal, surge uma produção por processo con- ras vieram também dos Estados Unidos.
tínuo, como numa refinaria de petróleo. Lawrence e Lorsh (1967) têm o mérito de
Aqui, a organização da produção em massa terem iniciado o uso do termo "teoria da
cede lugar para equipes de trabalho dirigi- contingência" para identificar a então inci-
rem linhas orgânicas e de relações huma- piente abordagem para a qual contribuíram
nas. A previsibilidade cada vez maior do sis- de maneira decisiva. Eles determinaram que
tema técnico e a suavidade da produção, à a taxa de mudança ambiental afeta a dife-
medida que a tecnologia avança, levam pri- renciação e a integração da organização.
meiro a uma estrutura mais mecanicista e Taxas elevadas de mudança ambiental exi-
depois a uma estrutura mais orgânica. gem que certas partes da organização, como
O modelo de Woodward (1965) era o departamento de Pesquisa e Desenvolvi-
mais complexo que o de Burns e Stalker mento (P&D), enfrentem índices de incer-
(1961), contando com três estágios ao in- teza maiores do que outras partes, tais como
vés de dois. Entretanto, eles compartilha- o departamento de produção. Isto leva a
vam uma conceitualização similar de estru- grandes diferenças de estrutura e de cultu-
tura, enquanto mecânica a orgânica, e tam- ra entre os departamentos, com P&D sendo
bém convergiam a respeito da tecnologia internamente mais orgânico e a produção
como indutora de incerteza. Além disso, mais mecanicista. Essa grande diferencia-
Woodward, como Burns e Stalker, sustenta-
ram que o futuro pertenceria ao estilo de
administrar orgânico de relações humanas,
e que isto seria imposto à Administração pela
evolução tecnológica. A tarefa da pesquisa
e dos trabalhos acadêmicos seria chamar a
atenção dos administradores para essas
descobertas, de maneira que se evitassem
as ineficiências que tanto Woodward (1965)
quanto Burns e Stalker (1961) descreve-
ram como conseqüência de não se adapta-
rem com a rapidez necessária as estrutu-
ras organizacionais às evoluções da tecnolo-
gia.
Diferentemente de Burns e Stalker
(1961), Woodward (1958; 1965) utilizou
medidas quantitativas da estrutura organi-
zacional, tais como a amplitude de controle
(número de subordinados que o chefe pos-
sui) dos supervisores de primeira linha, o
número de níveis hierárquicos (cadeia es-
calar) e a proporção entre mão-de-obra di-
reta e indireta. Woodward (1965) obtém
muitos resultados quantitativos mostrando
associações entre tecnologia de operações
e vários aspectos da estrutura organi-
zacional. Há também uma tabela (1965 :
69, Tabela 4) que não só mostra uma asso-
ciação entre a tecnologia e um aspecto da
I 50 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE _____________________________
ção torna a coordenação entre os dois de- as diferentes partes dessa estrutura espe-
partamentos, por exemplo, para lançar um cializando-se para ir ao encontro das exi-
novo produto, mais problemática. A solu- gências das diferentes partes daquele ambi-
ção é promover um nível maior de inte- ente. Thompson teorizou também a respei-
gração por meio de pessoal mais integrado to das políticas organizacionais, como o fi-
em equipes de projeto e coisas do gênero, zeram Burns, Stalker e Perrow. O foco prin-
ao lado de processos interpessoais de reso- cipal da teoria da contingência, contudo,
lução de conflitos por meio de abordagens permanece no modo como a estrutura
do tipo problem-solving. Lawrence e Lorsh organizacional é modulada de maneira a
(1967) apresentaram sua teoria num estu- satisfazer as necessidades do ambiente e nas
do comparativo de diferentes organizações tarefas daí decorrentes (v. Donaldson,
de três indústrias: containers, alimentação 1996).
e plásticos. Eles demonstraram também que Nos EUA, Blau (1970) desenvolveu a
organizações cujas estruturas adequaram- teoria da diferenciação estrutural. Ela afir-
se a seu ambiente obtiveram melhores de- ma que as organizações crescem em tama-
sempenhos. nho (empregados), de modo que se estrutu-
Hage (1965) desenvolveu uma teoria ram de forma mais elaborada, em um cres-
axiomática das organizações, similar a Burns cente número de subunidades, tais como
e Stalker, em que organizações centraliza- mais divisões, mais seções por divisão, mais
das e formalizadas obtinham alta eficiên- níveis hierárquicos e assim por diante. Tam-
cia, porém baixos índices de inovação, en- bém argumentou que o crescimento orga-
quanto as organizações descentralizadas e nizacional leva a grandes economias de es-
menos formalizadas eram menos eficientes, cala, com a proporção de funcionários que
mas apresentavam altos índices de inova- ocupam cargos de gerência ou staff de su-
ção. Assim, cada estrutura pode ser ótima, porte diminuindo.
dependendo do objetivo da organização:
eficiência ou inovação. Hage e Aiken (1967; Conforme ficaram conhecidas no Brasil. (N.T.)
1969) demonstraram a validade da teoria
num estudo sobre organizações de saúde e
de previdência social.
Perrow (1967) argumentou que a
tecnologia do conhecimento era contingen-
te à estrutura organizacional. Quanto mais
codificado o conhecimento utilizado na or-
ganização e quanto menos exceções encon-
tradas nas operações, mais o processo
decisório da organização poderia ser cen-
tralizado.
Thompson (1967) desenvolveu uma
extensa teoria das organizações, contendo
muitas idéias e proposições. Ele separou
organizações de tipo "sistema fechado" de
organizações que são "sistemas abertos",
efetuando trocas com seu ambiente. Argu-
mentou que organizações tentam isolar suas
principais tecnologias de produção num sis-
tema fechado para emprestar-lhes eficiên
cia, defendendo-as do meio ambiente. Lida-
se com perturbações externas por meio de
projeções, relatórios e outros mecanismos.
Thompson (1967) também distinguiu três
diferentes tecnologias: cadeias longas, me-
diadoras e intensivas* (long-linked,
mediating e intensive). Além disso, distinguiu
três níveis de interdependência entre as ati-
vidades no fluxo de trabalho - combinadas,
seqüenciais e recíprocas (pooled, sequential
e reciprocal) - e identificou os diferentes
mecanismos de coordenação para se lidar
adequadamente com cada interdependên-
cia. Ele concluiu que as interdependências
entre as atividades no fluxo de trabalho da
organização tinham que ser manejadas em
diferentes níveis hierárquicos, gerando as-
sim o desenho da organização. Thompson
(1967) acrescentou que o ambiente molda
diretamente a estrutura organizacional, com
TEORIA DA CONTINGÊNCIA ESTRUTURAL 51
Max Weber (1968) argumentou que contendo divisões geográficas e matrizes por
as organizações estavam-se tornando estru- área e por produto. Egelhoff (1988) desen-
turas cada vez mais burocráticas, caracteri- volve uma teoria da contingência formal
zadas por uma administração impessoal, baseada nas exigências de processamento
promovida em parte por seu tamanho cres- de informações.
cente. No Reino Unido, o Grupo de Aston Outros fatores contingenciais, tais
(assim chamado por causa de sua universi- como hostilidade ambiental (Khandwalla
dade) argumentou a favor da necessidade 1977) e ciclo de vida do produto
de se melhorar a medição da estrutura (Donaldson, 1985b), têm sido identificados,
organizacional (Pugh et al., 1963). Seus in- e suas implicações para a estrutura orga-
tegrantes desenvolveram um grande núme- nizacional teorizadas. Para um modelo que
ro de medidas quantitativas de diferentes prescreve o desenho organizacional ótimo
aspectos da estrutura organizacional, com requerido pela combinação das contingên-
atenção para a confiabilidade (Pugh et al., cias estratégicas e de inovação, vide
1968; Pugh e Hickson, 1976). O Grupo de Donaldson (1985a : 171).
Aston pesquisou organizações de diversos
tipos, incluindo muitas organizações indus-
triais e organizações de serviços tanto pú-
blicas como privadas. Distinguiram empi- O MODELO TEÓRICO DA
ricamente duas grandes dimensões da es- CONTINGÊNCIA ESTRUTURAL
trutura organizacional: estruturação das
atividades (o quanto a organização adota O aumento do índice de inovação de
de especialização funcional, regras e proce- uma empresa pode refletir a competição
dimentos) e concentração da autoridade com outras empresas por meio de novos
(centralização da tomada de decisão) (Pugh produtos, assim, em última instância, a cau-
et al., 1968). Examinaram um grande nú- sa é o ambiente. Por essa razão, a aborda-
mero de fatores contingenciais e utilizaram- gem contingencial é freqüentemente chama-
se de regressão múltipla para identificar di- da de "a abordagem da organização e seu
ferentes conjuntos de preditores da estru- ambiente". Entretanto, a inovação ambiental
tura organizacional. Para estruturação o leva a organização a aumentar seu grau de
principal preditor foi o tamanho da organi- inovação pretendida, a qual é causa imedi-
zação em número de empregados, sendo as ata da adoção de uma estrutura orgânica.
maiores as mais estruturadas (Pugh et al., Assim a estrutura é causada diretamente por
1969). Para centralização, a principal con-
tingência foi o tamanho da organização e
se a organização estudada era ou não sub-
sidiária de uma organização maior, sendo a
descentralização maior em organizações
independentes (Pugh et al., 1969).
Uma variante da teoria da contingên-
cia estrutural focalizou as implicações da
estratégia corporativa como contingente
para a estrutura organizacional das empre-
sas. Chandler (1962) mostrou historicamen-
te que a estratégia determina a estrutura.
As corporações necessitam manter uma ade-
quação entre sua estratégia e sua estrutura,
caso contrário terão menor desempenho.
Especificamente, uma estrutura funcional
ajusta-se a uma estratégia não diversificada,
mas não se ajusta a uma estratégia diver-
sificada em que uma estrutura divisional é
requerida para o gerenciamento efetivo da
complexidade de produtos e mercados mui-
to diferentes (Chandler, 1962).
Outros pesquisadores analisaram o sig-
nificado estrutural da passagem de uma
operação exclusivamente doméstica para a
multinacionalização (Stopford e Wells,
1972; Egelhoff, 1988; Ghoshal e Nohria,
1989). Isto levou à adoção de estruturas
I 52 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE ______________________________
ta ao meio ambiente. Adequação (fit) é a Child (1974). Em segundo lugar, houve uma
premissa subjacente. Organizações buscam crescente atenção para a confiabilidade das
a adequação, ajustando suas estruturas a medidas. Woodward (1965) não se preocu-
suas contingências, e isto leva à associação pou em indicar a confiabilidade de suas
observada entre contingência e estrutura. medidas e se valeu de aproximações que
A ênfase na adaptação da organização a levaram a uma baixa confiabilidade, como
seu ambiente faz da teoria da contingência medidas de itens isolados. Pesquisadores
estrutural parte do funcionalismo adapta- posteriores buscaram melhorar a confiabi-
tivo. lidade pelo uso de medidas de múltiplos
A base teórica do funcionalismo têm itens, como o Grupo de Aston (Pugh et al.,
significado que o paradigma da contingên- 1968). Hoje, é comum entre os trabalhos
cia pode ser adotado tanto por sociólogos publicados nos melhores periódicos infor-
interessados apenas na explicação da estru- mar sobre a confiabilidade das variáveis. Em
tura organizacional, para os quais a funcio- terceiro lugar, os modelos teóricos utiliza-
nalidade da estrutura é puramente uma cau- dos para explicar um aspecto da estrutura
sa, e por teóricos da administração, para os organizacional evoluíram do uso de um
quais a efetividade oriunda da estrutura único fator contingencial, por exemplo,
orienta uma atitude prescritiva aos admi- tecnologia em Woodward (1965), para o uso
nistradores. Na história da teoria da contin- de diversos, tal como em Pugh et al. (1969),
gência, ambos os valores têm motivado os isto é, evoluíram da monocausalidade para
pesquisadores (Hickson, comunicação pes- a multicausalidade. Por último, a análise dos
soal). dados utiliza estatísticas mais sofisticadas.
O método utilizado na pesquisa contin- Woodward (1965) utilizou apenas estatísti-
gencial tendeu a seguir Joan Woodward cas simples, ao passo que, no final dos anos
(1965). Um estudo comparativo é feito com 60, se usava estatística multivariada e téc-
organizações diferentes (ou usando diferen- nicas que levavam em consideração o tama-
tes unidades da mesma organização, se nho da amostra utilizada (p. ex.: Pugh et
apresentarem interesse). Cada fator contin- al., 1969).
gencial e estrutural é medido, com uma es-
cala quantitativa, ou com uma série de ca-
tegorias ordenadas. Cada organização rece-
be um escore em cada fator estrutural e
contingencial. A distribuição cruzada de
escores das organizações em um par de fa-
tores contingenciais e estruturais é exami-
nada para verificar-se onde há uma asso-
ciação. Isto é feito por tabulação cruzada
ou correlação. A teoria que continha a hi-
pótese de associação entre a contingência e
a estrutura é testada. Organizações em con-
formidade com a associação são compara-
das com aquelas que desviam de tal asso-
ciação. Se as organizações que estão con-
formes com a associação suplantam, em de-
sempenho, as organizações "desviantes",
isto significa que temos uma adequação
entre a contingência e a estrutura. Assim,
em muitas pesquisas, a associação empírica
se apoia numa adequação aproximada
(Child, 1975; Drazin e Van de Ven, 1985;
Woodward, 1965). Contudo, em outras pes-
quisas, o modelo de adequação é derivado
da teoria (Alexander e Randolph, 1985;
Donaldson, 1987). É desejável unir os mo-
delos de adequação empírica e teoricamen-
te derivados, ao longo do curso da pesqui-
sa.
Com o passar do tempo, as pesquisas
tornaram-se mais sofisticadas em quatro
aspectos. Em primeiro lugar, maior impor-
tância foi dedicada à definição operacional
dos conceitos. Por exemplo, Woodward
(1965) mediu o desempenho organizacional
de forma vaga. Pesquisadores posteriores
foram mais precisos e registraram suas de-
finições de maneira mais explícita, como
TEORIA DA CONTINGÊNCIA ESTRUTURAL 55
peito de a adaptação contingencial ser mes- em pequenas empresas não pode ser gene-
mo uma rota alternativa. Quando a mudan- ralizado para empresas, grandes. Portanto,
ça de estratégia produz uma nova adequa- os efeitos da personalidade do CEO restrin-
ção, isto não se deve ao fato de que se pre- gem-se a pequenas empresas, pois nas
feriu alterar a estratégia para satisfazer a grandes empresas a institucionalização da
estrutura existente; na verdade, tratou-se de estrutura organizacional restringe a influ-
um retorno a uma estrutura funcional por- ência de fatores contingenciais de natureza
que foi decidido que se deveria reduzir o pessoal.
nível de diversificação, pois a estratégia Fligstein (1985) mostra que a origem
diversificadora tinha acabado de gerar que- funcional do CEO afeta a estrutura. Por sua
da de desempenho. Portanto, não se tratou vez a origem funcional do CEO é afetada
de adequar estratégia à estrutura, mas se pela estrutura e pela estratégia, isto é, por
alterou a estratégia, optando-se por centrar uma contingência estrutural (Fligstein,
as atividades no core business, com a venda 1987). Assim, não está claro que a origem
dos negócios considerados não fundamen- funcional do CEO seja causa da estrutura e
tais. Ao invés de rotas alternativas para a que independa da estrutura e das contin-
adequação e escolha, a pesquisa sustenta a gências estruturais. Muitos dos fatores em
visão de que corporações selecionam a es- nível individual que Child (1972b) e outros
tratégia e então costuram uma estrutura que vêem como moldadores de decisões estru-
seja adequada (Chandler, 1962; Christensen turais podem ser afetados pela estrutura
et al., 1978). organizacional, pela estratégia, pelo tama-
Assim o desenvolvimento de uma nho e por outras contingências. Por exem-
"ciência normal" tem sido capaz de respon- plo, o poder para afetar a escolha de estru-
der às objeções ao paradigma da teoria da turas é possivelmente afetado pela estrutu-
contingência estrutural pelo campo da es- ra organizacional existente; de maneira si-
colha estratégica. Os imperativos sistêmicos milar, o interesse de um administrador é
são fortes e limitam em alto grau a escolha
dos administradores sobre a estrutura or-
ganizacional. As organizações, mesmo as
grandes e saudáveis, curvam-se ao impera-
tivo de ter que adequar sua estrutura às con-
tingências para evitar perdas intoleráveis de
desempenho. Se alguma escolha resta, re-
duz-se em grande parte à ocasião em que
efetuar a mudança estrutural (v. tb.
Donaldson, 1996).
Têm havido alguns movimentos no
sentido de demonstrar o papel dos indiví-
duos em formatar a estrutura organiza-
cional, em que as características individu-
ais somam-se às contingências na explica-
ção da estrutura. Miller e seus colegas mos-
traram que a estrutura é afetada pela per-
sonalidade do CEO - Chief Executive Officer
(Miller et al., 1988; Miller e Droge, 1986;
Miller e Toulouse, 1986). Entretanto, o es-
tudo de Miller et al. (1988) foi realizado
em pequenas organizações, onde o impacto
do CEO é provavelmente maior do que em
grandes organizações, onde o CEO tem
menos influência, dividindo-a com especia-
listas do staff, e as decisões são mais buro-
cratizadas (como os autores aceitam
(1988 : 564). Além disso, o efeito do ta-
manho é restrito num estudo de pequenas
organizações. Assim, o estudo de Miller et
al. (1988) provavelmente superestima o im-
pacto da personalidade do CEO e subesti-
ma o efeito do tamanho. De fato, Miller e
Droge (1986 : 552) não encontraram rela-
cionamento entre a personalidade do CEO
e a estrutura organizacional em grandes
organizações. Igualmente, Miller e Toulouse
(1986 : 1397) encontraram mais efeitos da
personalidade do CEO sobre a estrutura
organizacional de pequenas do que de gran-
des firmas. Assim, o efeito da personalida-
de do CEO sobre a estrutura organizacional
TEORIA DA CONTINGÊNCIA ESTRUTURAL 63
afetado por sua posição na estrutura (vide gência nas escolas de administração acele-
também Donaldson, 1996). ra a adoção de estruturas organizacionais
A principal tentativa feita por Child mais efetivas, como esperado pelos pesqui-
(1973) para forjar uma teoria da estrutura sadores pioneiros (Woodward, 1965).
ao nível do ator individual sustenta que a
formalização burocrática é afetada pelo grau
de qualificação e especialização do staff ad- ADEQUAÇÃO E DESEMPENHO
ministrativo que é o arquiteto da burocra-
tização. Dessa forma, a especialização leva Como já foi apontado, a idéia central
à formalização. Assim, a teoria é essencial- da teoria da contingência é que há uma ade-
mente estrutural, explicando a estrutura quação entre a estrutura e a contingência
pela própria a estrutura. Isto não chega a organizacional que afeta o desempenho
substituir a teoria estrutural por uma teoria organizacional. A partir dos anos 80, res-
do ator individual. surgiu o interesse pela conceituação e men-
A teoria da escolha estratégica forne- suração operacional da adequação, princi-
ceu-nos o estímulo para um exame mais palmente entre os pesquisadores norte-ame-
detido de vários itens na teoria da contin- ricanos, como o trabalho crítico de
gência estrutural. O resultado confirma a Schoonhoven (1981). Outros têm procura-
teoria estrutural em sua forma original, dei- do investigar o relacionamento empírico
xando intacto seu determinismo. entre suas definições operacionais de ade-
A teoria da escolha estratégica fre- quação e desempenho organizacional, ava-
qüentemente exibe um aspecto negativo que liada de diversas maneiras (Alexander e
consiste em procurar assegurar um papel Randolph, 1985; Argote, 1982; Drazin e Van
para a escolha gerencial mostrando que de Ven, 1985; Gresov, 1989; Gresov et al.,
administradores escolhem estruturas que 1989; Van de Ven e Drazin, 1985).
não são as mais apropriadas (ótimas) para Drazin e Van de Ven (1985) modela-
a situação (Child, 1972b), manifestando um ram adequação como uma linha de iso-de-
capricho pelo qual deveriam ser moralmen- sempenho e efetuaram medidas do grau de
te culpados (vide especialmente Whitting- inadequação entre uma variável contingen-
ton, 1989). Assim, a escolha manifesta-se te e diferentes variáveis estruturais de di-
pela preferência de uma estrutura que não versas organizações. Isto trouxe à luz a
é a mais efetiva. Entretanto num segundo
movimento, mais positivo, os administrado-
res selecionam a estrutura que conduzirá a
organização à adequação com aumento da
efetividade organizacional, e reconhecimen-
to dos imperativos sistêmicos. Assim, indi-
víduos escolhem, mas na verdade são ato-
res humanos que acionam um sistema che-
gando a um resultado benéfico para a orga-
nização porque em conformidade com a te-
oria da contingência.
A sustentação para essa maneira posi-
tiva de entender a escolha gerencial é
fornecida por Palmer et al. (1993). Eles
mostram que a adoção de uma estrutura
multidivisionalizada em empresas america
nas era mais freqüente quando o CEO era
um diplomado de uma escola de adminis-
tração de elite. Palmer et al. (1993) argu-
mentam que os CEOs teriam adquirido a
idéia de uma estrutura multidivisional pela
educação. A adoção de uma estrutura
multidivisional em grandes corporações
norte-americanas foi uma adaptação predo-
minantemente racional às mudanças em
estratégia. A estrutura multidivisional foi
adotada para que se adequasse estratégia e
estrutura (Donaldson, 1987). Assim, o efei-
to da educação em administração sobre a
divisionalização é uma evidência encora-
jadora de que o conhecimento que os admi-
nistradores adquirem da teoria da contin-
I 64 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE ____________________________
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NOTA TÉCNICA: TEORIA DA
CONTINGÊNCIA ESTRUTURAL
CARLOS OSMAR BERTERO
Em seu capítulo, Lex Donalson postu- se pode negar que isto em muito auxiliou
la ser a Teoria da Contingência Estrutural para que se tornasse um modelo de traba-
não só um conjunto respeitável de conheci- lho, e em conformidade com o paradigma
mentos acumulados na área organizacional, tivesse gerado livros, modelos de consultoria
mas possivelmente a maneira mais adequa- e grande quantidade de teses de mestrado
da de se construir uma "ciência" organiza- e doutorado. Contemporaneamente, diría-
cional. mos que na América Latina o mesmo suces-
Não é possível negar que a Teoria da so em termos de ciência normal foi obtido
Contingência constitui o mais amplo con- pelo paradigma da Teoria da Dependência,
junto de trabalhos publicados lidando com versão marxista com base nalgumas ques-
Análise Organizacional. A preocupação com tões de comércio internacional e que busca-
estrutura, como variável que deve ser va explicar o subdesenvolvimento e a mar-
explicada, a situa dentro da melhor tradi- ginalidade do Terceiro Mundo, e especial-
ção organizacional, influenciada pelo "admi- mente da América Latina, em face do gran-
nistrativismo", que era uma das formas as- de bloco desenvolvido situado no Atlântico
sumidas pela velha proposta da one best way. Norte. Como o paradigma da Dependência
No fundo, a origem da preocupação com permeou todas as ciências sociais, também
estrutura procurava responder à pergunta: se fez sentir na Análise Organizacional. Po-
Qual a forma correta, ou qual a melhor rém, se hoje a Teoria da Dependência é re-
maneira de organizar? Antes da abordagem ferência apenas para a história das ciências
contingencial, a resposta era buscada em sociais na América Latina, o mesmo não se
termos absolutos, com a contingencializa- pode dizer da Teoria da Contingência Es-
ção, inegavelmente, a resposta relativizou-
se, pois serão possíveis tantas estruturas
"corretas" quantas forem as variáveis contin-
gencializadoras. As origens e os trabalhos
pioneiros estão bem lembrados no texto de
Lex Donaldson e ainda julgamos aconselhá-
vel que muitos desses textos sejam revisi-
tados pelos estudiosos de nossos dias. A
maioria deles já padece da triste sina de
muitas obras, freqüentemente citadas e ra-
ramente lidas. Exemplos seriam os trabalhos
conhecidos, como o do Grupo de Aston
(Pugh e Hickson, 1976; Pugh e Hinings,
1976), o livro de Burns e Stalker (1961) e o
livro de Joan Woodward (1965).
O fato de a Teoria da Contingência
Estrutural situar-se confortavelmente no in-
terior de um paradigma funcionalista auxi-
liou para que pudesse assumir as caracte-
rísticas kuhnianas da "ciência normal". Não
NOTA TÉCNICA: TEORIA DA CONTINGÊNCIA ESTRUTURAL 75
trutural quando tratamos de Análise Organi- Donaldson apresenta em seu capítulo. Boa
zacional. Ela continua viva e gerando gran- parte da literatura gerencialista apresenta
de quantidade de trabalhos e de abordagens sucessos e insucessos empresariais como
gerenciais, seja por meio da consultoria, seja conseqüência de capacidades ou incapaci-
pela ação de administradores que gerenciam dades de readaptação a um ambiente de
organizações. negócios que se teria alterado. Quando a
Isto pode ser comprovado pelas duas readaptação ocorre, o resultado é visto como
grandes variáveis contingencializadoras que a recuperação do sucesso, caso contrário,
até o momento foram utilizadas: tamanho temos o fracasso e o eventual desapareci-
e meio ambiente. Classicamente, os tra- mento da organização ou sua queda no
balhos de Peter Blau (1970) e do Grupo de ranking que lhe é relevante. Portanto a Teo-
Aston foram obras importantes, em que se ria da Contingência Estrutural explica boa
buscava o impacto do tamanho sobre o que parte da literatura recente, entenda-se dos
hoje chamaríamos de formatação organiza- últimos 15 anos, envolvendo gestão estra-
cional. Os trabalhos referidos foram elabo- tégica e mudança e transformação organi-
rados no período do desabrochar e da gran- zacional.
de expansão das organizações de tipo buro- Também se deve reconhecer que boa
crático funcional, que fizeram amplo uso da parte da literatura e das práticas hoje ado-
tipificação ideal weberiana, além de adap- tadas em design organizacional, envolven-
tarem os conceitos durkheimianos de dife- do reorganização ou reestruturação e os fa-
renciação e integração. Nos dias atuais, a mosos "problemas" de readequação, ou sim-
questão se altera. Se é fato que a buro- plesmente adequação entre estratégia, es-
cratização hoje perdeu sentido em boa par- trutura e processos administrativos conti-
te das explicações que se podem oferecer nuam altamente dependentes de uma visão
para formatação organizacional, não há organizacional que é fornecida pela Teoria
dúvida de que o abandono ou a mitigação da Contingência Estrutural. A medida que
do burocratismo funcional recolocam a a idéia de paradigma de Kuhn implica se-
questão da variável tamanho, mas de for- não a suspensão, pelo menos o amorteci-
ma alguma a excluem do cenário. Na ver- mento do senso crítico, pois quando um
dade, nada lida mais diretamente com ta- paradigma "triunfa" ele tende a ser sofre-
manho do que as propostas de reestru- gamente abraçado pela comunidade cientí-
turação que enveredam pelo downsizing. Se fica, pode-se constatar que isto de fato ocor-
no passado o aumento de tamanho era vis- reu com o contingencialismo voltado à ex-
to como elemento decisivo, em nossos dias plicação de estrutura organizacional em
sua redução e a fragmentação organiza- nosso mundo de administração e análise
cional em substituição ao burocratismo fun- organizacional. É necessário reconhecer que
cional continuam correndo por dentro de nem todos o abraçaram crítica e conscien-
um contexto de explicação contingencial da temente, mas com certeza colocaram seus
estrutura. barcos para flutuar no caudal contin-
O ambiente continua variável deci- gencialista. Se a Teoria da Contingência Es-
siva nos dias atuais como explicação de trutural for vista como uma desistência de
contingencialização e isto não apenas na construir uma one best way em nível da prá-
clássica proposta de Alfred D. Chandler tica administrativa, e também como a afir-
(1962), mas especialmente no SARFIT mação da impossibilidade de construir uma
(Structural Adaptation to Regain Fit) que explicação única para a estrutura organi-
NOTA TÉCNICA: TEORIA DA CONTINGÊNCIA ESTRUTURAL 76
zacional, ela pode ser vista como um sinal entendida como o reconhecimento de que
de maturidade. Aqui, a maturidade deve ser modelos universais, absolutos e necessá-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
do governo. Populações desenvolvem rela- que para toda a população das organizações:
ções com outras populações engajadas em existem limites para a influência das ações
atividades distintas, formando comunidades individuais sobre a variabilidade nas pro-
organizacionais. Comunidades organizacio- priedades organizacionais. Conseqüente-
nais são sistemas funcionalmente integra- mente, as ações de indivíduos poderão não
dos de populações interagentes. Os resulta- explicar muito a respeito da diversidade nas
dos para as empresas em qualquer popula- populações de organizações.
ção são fundamentalmente interligados com
empresas em outras populações dentro da
mesma comunidade. Abordagens ecológicas para a
mudança organizacional
Ecologia organizacional e As mudanças nas populações organi-
determinismo ambiental zacionais refletem a atuação de quatro pro-
cessos básicos: variação, seleção, retenção e
Embora a ecologia organizacional seja competição (Aldrich, 1979; Campbell, 1965;
atualmente um notável subcampo dos estu- McKelvey, 1982). Variações fazem parte dos
dos organizacionais, existem muitos críticos comportamentos humanos. Qualquer tipo
e céticos em relação a ela. Por quê? O deba- de mudança, intencional ou não, é uma va-
te centraliza-se primeiramente nas hipóte- riação. Indivíduos produzem constantemen-
ses a respeito das influências relativas da te variações em, por exemplo, competên-
história organizacional, de seu ambiente e cias administrativas e técnicas, em seus es-
de seus padrões de escolha estratégica so- forços para ajustar a relação de suas orga-
bre os padrões de mudança da organização, nizações ao ambiente. Algumas variações
desenvolvidas pela teoria da inércia estru- trazem mais benefícios que outras na aqui-
tural (Hannan e Freeman, 1977; 1984). A sição de recursos num ambiente competiti-
teoria da inércia estrutural afirma que as
organizações existentes freqüentemente têm
dificuldades para mudar sua estratégia e
estrutura de forma suficientemente rápida
para acompanhar as demandas de ambien-
tes incertos e mutáveis e enfatiza que a
maioria das inovações organizacionais,
freqüentemente ocorre no início da história
das organizações e populações. A mudança
e a variabilidade organizacionais são, por-
tanto, consideradas essencialmente, o refle-
xo da substituição de uma organização iner-
te (isto é, inflexível) por outra. Para os críti-
cos e céticos, isto significa determinismo
ambiental e a desconsideração da ação hu-
mana (Astley e Van de Ven, 1983,
Perrow, 1986).
Abordagens ecológicas implicam que
as ações de indivíduos em particular não
importam para as organizações? A resposta
é não, é claro. Uma parte da confusão é que
o determinismo é erroneamente contrasta-
do com oprobabilismo (Hannan e Freeman,
1989; Singh e Lumsden, 1990). Deixando
de lado se a discussão a respeito de se as
ações são tolas ou inteligentes, cuidadosa-
mente planejadas ou instintivas, o fato é que
indivíduos podem claramente influenciar o
futuro das organizações. Sob as condições
de incerteza, contudo, existem severas res-
trições às habilidades dos indivíduos para
conceber e implementar corretamente mu-
danças que aumentem as chances de sobre-
vivência e sucesso organizacional diante da
competição. Conseqüentemente, "num mun-
do de grandes incertezas, esforços adapta-
tivos... tornam-se essencialmente randô-
micos em relação a seu valor futuro"
(Hannan e Freeman, 1984 : 150). Uma se-
gunda parte da confusão está ligada ao ní-
vel da análise. As ações dos indivíduos são
mais importantes para sua organização do
ECOLOGIA ORGANIZACIONAL 80 |
Este capítulo
81
ECOLOGIA ORGANIZACIONAL
PROCESSOS DEMOGRÁFICOS
Tabela 1 Continuação.
Variáveis-chave Previsões-chave Referências-
chave
reprimindo novas fundações.
Crescimentos das fundações
anteriores que sinalizam
diferenciação organizacional
diminuem as taxas de
fracasso.
Fracassos anteriores 0 início do crescimento nas
mortes prematuras libera
recursos, estimulando novas
fundações, mas tal
crescimento adicional sinaliza
um ambiente hostil,
reprimindo novas fundações.
Os recursos liberados pelas
mortes prematuras diminuem
as taxas de fracasso.
Dependência da Densidade da 0 início do crescimento na Hannan e
densidade população (isto é, densidade aumenta a Freeman, 1987;
número de legitimidade institucional de 1988;1989;
organizações numa uma população, aumentando Hannan e Carrol,
população) as taxas da fundação e 1992
diminuindo os fracassos;
aumentos adicionais, porém,
produzem competição,
diminuindo as fundações e
aumentando os fracassos.
Interdependência da Densidade da Examina os efeitos da Hannan e
comunidade população densidade entre populações. Freeman, 1987;
Populações competitivas 1988;
(mutualistas) sufocam Barnett, 1990;
(estimulam) as taxas de Brittain, 1994.
fundação entre elas e
aumentam (diminuem) as
taxas de fracasso de cada uma.
Processos ambientais Desordem política Desordens políticas afetam os Carroll e
padrões das fundações e Delacroix, 1982;
Processos institucionais
fracassos, mudando os Delacroix e
alinhamentos sociais, Carrol, 1983;
rompendo relações Carrol e Hup,
estabelecidas entre 1986
organizações e recursos, e
liberando recursos para
utilização por novas
organizações.
Regulamentações Políticas governamentais Tucker et al.,
governamentais afetam padrões de fundação e 1990a; Baum e
fracasso, melhorando, por Oliver, 1992;
84
ECOLOGIA ORGANIZACIONAL
J
Tabela 1 Continuação.
1992
1633-1988
1991
1879-1934
fundação
empresas
Unidos, 1877-1914
1958-1982
1976-1991
a x/y dá os sinais dos significantes (p < 0,05) de termos lineares e quadrados, respectivamente, quando
estimados. X dá o sinal dos efeitos do crescimento inicial em idade, Y dá os sinais do efeito para aumentos
no futuro
b \feja Hannan e Freeman (1989 : 257-259) para uma interpretação desse efeito de tamanho positivo,
c na - não aplicável
d Amburgey et al. (1994) testa um efeito cúbico do tamanho para examinar o risco de fracasso das organiza-
ções de tamanho médio.
Resultados da pesquisa e
direções futuras
88 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
como padrão pode levar à subestimação das lido para o tamanho organizacional, é cla-
taxas de fracasso em prazos mais curtos ro), avanços recentes oferecem a promessa
(Guo, 1993). de progressos futuros.
Enquanto a suscetibilidade das nova-
tas pode normalmente ser subestimada, a
suscetibilidade da idade pode ser superesti- PROCESSOS ECOLÓGICOS
mada. Se a idade coincide com a quantida-
de de mudanças ambientais experimenta- Dinâmicas de extensão de nicho
das pela organização e se o risco de fracas-
so aumenta com a mudança ambiental cu- Na afirmação inicial a respeito da eco-
mulativa, então a probabilidade de fracas- logia organizacional, Hannan e Freeman
so aumentará artificialmente com a idade, (1977) usam a teoria do tamanho de nicho
se a mudança ambiental não for controlada para formular um modelo de capacidades
(Carroll, 1983 : 313). Então, da mesma for- diferenciais de sobrevivência das organiza-
ma que a dependência negativa da idade ções especialistas - que possuem pouca so-
pode resultar artificialmente do tamanho bra de recursos e concentram-se nos modos
não controlado, a dependência positiva da de exploração de uma estreita faixa de cli-
idade (após controlada pelo tamanho) po- entes potenciais - e organizações
derá resultar artificialmente da exposição generalistas - que apelam para a média dos
não controlada à mudança ambiental. Cla- consumidores que ocupam o meio do mer-
ro que isto implica que, após o controle pelo cado e exibem tolerância adaptativa para
tamanho e mudança ambiental, nenhuma variações mais amplas nas condições am-
dependência da idade deveria ser encontra- bientais. Baseadas na teoria da posição de
da. ajuste (Levins, 1968), Hannan e Freeman
A sustentação limitada para a hipóte- focalizam dois aspectos da variação
se da suscetibilidade da idade pode ter uma ambiental para explicar a relativa preva-
explicação mais simples: testes da hipótese lência de especialistas e generalistas. A pri-
da suscetibilidade da adolescência são pou- meira - variabilidade - refere-se à variação
co freqüentes. Visivelmente, cinco dos sete nas flutuações ambientais em torno de sua
estudos na Tabela 2 que permitem a depen- média, ao longo do tempo. A segunda,
dência da idade não regular, encontram a granulosidade, refere-se à desigualdade, ir-
suscetibilidade da adolescência. regularidade dessas variações, com muitas
Pesquisas a respeito da dependência
da idade devem ir além do uso da idade
como substituto para todos os constructos,
salientando os vários modelos de dependên-
cia da idade e começando a testar as hipó-
teses do modelo diretamente. Por exemplo,
a hipótese da suscetibilidade das novatas
assume que a falta da aprovação social, de
estabilidade e de recursos suficientes tipifica
novos entrantes numa população, e que es-
sas deficiências aumentam seus riscos de
fracasso, mas a variação organizacional nes-
ses fatores é raramente medida diretamen-
te. É claro, se organizações jovens são capa-
zes de obter legitimidade e acesso aos re
cursos mais cedo, por meio da formação de
vinculações institucionais à comunidade e
agentes públicos, a suscetibildade das no-
vatas poderá não ser observada (Baum e
Oliver, 1991). Um benefício adicional desse
tipo de abordagem é que as suscetibilidades
das novatas, da adolescência e da obso-
lescência, podem ser tratadas como comple-
mentares, em vez de serem consideradas
processos organizacionais competitivos.
Então, embora saibamos muito pouco so-
bre como a idade diminuirá os fracassos
organizacionais ou as condições sob as quais
uma ou outra ou algumas combinações des-
ses modelos predominarão (o mesmo é vá-
ECOLOGIA ORGANIZACIONAL 89
Fine-grained, no original.
Coarse-grained, no original.
pecialistas e generalistas em ambientes ca-
racterizados por economias de escala. Em
contraste com a teoria de ajuste, que prevê
que dentro de determinada população a es-
tratégia ótima existe, Carroll propõe que a
competição entre grandes organizações
generalistas numa população para ocupar
o centro de mercados livres libera recursos
periféricos que, provavelmente, serão usa-
dos por membros menores e mais especiali-
zados de uma população. Carroll denomina
o processo de geradores desses resultados
de particionamento de recursos. O modelo
de particionamento de recursos implica que,
em mercados concentrados com (poucas e
grandes organizações generalistas), as pe-
quenas organizações especialistas podem
explorar mais recursos sem um engajamento
na competição direta com organizações
generalistas maiores. Isto resulta na previ-
____________________ ECOLOGIA ORGANIZACIONAL 90 [
Elaboração do modelo de
dependência da densidade
92 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
População Referência
Fundações Densidade
Fracassos da
prévias prévios população
Estudos de Fundações
Modelo de Problemática Perspectivas ilustrativas/ Transições
metanarrativa principal exemplos contextuais
interpretatíva
Racionalidade Ordem Teoria das Organizações clássica, de Estado
administração científica, teoria da guarda-noturno
decisão, Taylor, Fayol, Simon a Estado
industrial
Integração Consenso Relações Humanas, neo-RH, de capitalismo
funcionalismo, teoria da empresarial
contingência/sistêmica, cultura a capitalismo do
corporativa, Durkheim, Barnard, bem-estar
Mayo, Parsons
Mercado Liberdade Teoria da firma, economia de capitalismo
institucional, custos de transação, gerencial
teoria da atuação, dependência de a capitalismo
recursos, ecologia populacional, neoliberal
Teoria Organizacional liberal
Poder Dominação Weberianos neo-radicais, marxismo de coletivismo
crítico-estrutural, processo de liberal
trabalho, teoria institucional, Weber, a corporativismo
Marx negociado
Conhecimento Controle Etnométodo, símbolo/cultura de
organizacional, pós-estruturalista, industrialismo/
pós-industrialista, pós-fordista/ modernidade
moderno, Foucault, Garfinkel, teoria a pós-
do ator-rede industrialismo/
pós-modernidade
Justiça Participação Ética de negócios, moralidade e OB, de democracia
democracia industrial, teoria repressiva
participativa, teoria crítica, a democracia
Habermas participativa
Tabela 1 Narrativas analíticas em análise organizacional.
Variáveis-chaves Previsões-chaves Referências-
chaves
Tabela 4 Continuação.
Inclui somente analise que estima tanto a dinâmica da população quanto os efeitos de dependência da
densidade. X/Y dá os sinais de significantes (p < 0,05) em termos lineares e quadrados, respectivamente.
j
tenham desenvolvido além de
sua densidade de pico.
Nível de análise Densidade da cidade, Tenta descobrir o nível de Carroll e Wade, 1991;
do estado, da região, análise apropriado para estudar Swaminathan e
nacional (densidade os padrões de dependência da Wiedenmayer, 1991;
da população em densidade, comparando Hannan e Carrol,
vários níveis de processos de dependência da 1992
agregação geográfica) densidade entre os vários níveis
de análise.
Competição localizada Similaridade de Detalha novamente o efeito da Hannan et al., 1990,
tamanho, preço, densidade da competição, Baum e Mezias, 1992
localização permitindo que organizações
(densidade de similares possam competir num
população medida nível de intensidade mais alto.
pelo tamanho das
diferenças das várias
características
organizacionais)
I 95 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
dem de viajantes individuais), então padrões postos de uma organização com o de todas
de uso de recursos serão especializados pela as outras organizações na população. Jun-
distribuição de segmentos de tamanho. Con- tas, as densidades de sobreposição e de não-
seqüentemente, a competição entre grandes sobreposição desagregam as forças compe-
e pequenas organizações será menos inten- titivas e não competitivas para cada organi-
sa que a competição entre organizações zação numa população. Empreendedores
grandes ou entre as pequenas. Embora a são vistos como pouco inclinados ou inca-
competição localizada por tamanho não te- pazes de fundar organizações em partes do
nha recebido atenção empírica até pouco espaço de recursos em que a densidade de
tempo (Hannan et al 1992), estudos de ban- sobreposição é alta. Prevê-se que organiza-
cos (Banaszak-Holl, 1995) e hotéis de ções que operam em condições de alta den-
Manhatan (Baum e Mezias, 1992) e organi- sidade de sobreposição são também menos
zações americanas mantenedoras de saúde sustentáveis. Inversamente, prevê-se que há
(Wholey et al., 1992) fornecem agora evi- mais chances de investidores mirarem ou
dência empírica da competição localizada serem capazes de fundar organizações em
por tamanho. Esses resultados demonstram partes do espaço de recursos em que a den-
que a intensidade da competição enfrenta- sidade de não-sobreposição é alta, devido à
da por organizações numa população de- falta de competição direta por recursos e ao
pende não somente do número de outras potencial para o aumento da demanda com-
organizações, mas também de seus tama- plementar. Por essas razões, a alta densida-
nhos relativos. Baum e Mezias (1992) ge- de de não-sobreposição, espera-se uma que-
neralizam os modelos de competição loca- da nas taxas de fracasso. Baum e Sihgh en-
lizada por tamanho para outras dimensões contram suporte para essas previsões em
organizacionais e mostram que, além da si- populações de creches da região metropoli-
milaridade do tamanho das organizações, a tana de Toronto, para as quais as exigências
competição numa população pode ser mais de recursos foram definidas pelas idades das
intensa entre organizações geograficamen- crianças que elas tinham capacidade de
te próximas ou entre aquelas que praticam matricular. Esses estudos indicam que as
preços similares. organizações têm diferentes probabilidades
A pesquisa futura sobre a competição de se tornarem estabelecidas e de suportar
localizada pode oferecer compreensão di-
reta da dinâmica da diversidade organiza-
cional. Modelos de competição localizada
implicam um padrão de seleção por ruptu-
ra ou por segregação (Baum, 1990b,
Amburgey et al., 1994), no qual a competi-
ção entre entidades semelhantes por recur-
sos finitos leva, eventualmente, a diferen-
ciação (Durkheim, 1933, Hawley, 1950:
201-203). Esse modo de seleção tende a au-
mentar a diferenciação organizacional, pro-
duzindo muito mais lacunas do que suaves
variações contínuas na distribuição dos
membros de uma população, em algumas
dimensões organizacionais.
Sobreposição de nicho organizacio-
nal Baum e Singh (1994b; 1994c) testam o
modelo de sobreposição de recursos, no qual
o potencial para competição entre duas or-
ganizações é diretamente proporcional à
sobreposição de suas bases de recursos-al-
vos, ou nichos organizacionais. A competi-
ção potencial para cada organização é me-
dida pela densidade de sobreposição, ou seja,
pela sobreposição das exigências de recur-
sos de uma organização somada às exigên-
cias de todas as outras organizações da po-
pulação (isto é, a densidade da população
medida pela sobreposição das exigências de
recursos). Baum e Singh definem uma variá-
vel complementar, densidade de não-sobre-
posição, que agrega os recursos não sobre-
I 101 PARTE I — MODELOS DE ANÁLISE ________________________
diferentes destinos de sobrevivência após tos dessas interações sobre a dinâmica das
sua fundação em função das locações que comunidades organizacionais estão emer-
elas objetivam, num espaço de recursos gindo agora como uma área importante de
multidimencional. A generalização dessa investigação (Singh e Lumsden, 1990). Re-
desagregação da densidade da população sultados de estudos recentes de interação
em densidades de sobreposição e não- da comunidade estão resumidos na Tabela
sobreposição pode ajudar a explicar melhor 6.
o papel da heterogeneidade populacional
nas interpretações dos resultados de depen-
dência de densidade não regular (Petersen Resultados de pesquisa e
e Koput, 1991, Hannan et al., 1991). direções futuras
Tabela 6 Continuação.
Comunidade Interações da comunidade Referências
Produtores de Componentes Competição total (-,-): fundação, nenhuma; fracasso, Brittain, 1994
Eletrônicos nos EEUU, 1947- r-especialistas e r-generalistas,
81: k-especialistas e k-generalistas
r-especialistas, Competição parcial (-,0): fundação,
k-especialistas, r-generalistas e k-especialistas; fracasso,
r-generalistas, r-generalistas e k-generalistas
k-generalistas2 Competição predatória (+,-): fundação, nenhuma;
fracasso, r-especialistas e
k-especialistas
Neutralidade (0,0): fundação, nenhuma; fracasso, r-
generalistas e k-generalistas
Comensalismo (+,0): fundação, r-especialistas e r-
gereralistas, r-generalistas e k-generalistas; fracasso,
r-especialistas e k-generalistas
Simbiose (+,+): fundação, r-especialistas e
k-especialistas, r-especialistas e k-generalistas, k-
especialistas e k-generalistas; fracasso, nenhum
Companhias de Transmissão Competição parcial (-,0): firmas de transmissão de Baum et al., 1995
de fax, 1965-92: cortes de fax com design predominante diminuem fundação e
design pré e pós-dominantes aumentam o fracasso de firmas de transmissão de fax
com design pós-dominante
Singh, 1994d, Korn e Baum, 1994) defen- a partir de seus antecessores, a fim de en-
deram o uso de uma técnica analítica cha- contrar populações de organizações e ex-
mada análise de loop (Puccia e Levins, 1985) plicar suas origens. Enquanto a herança
para modelagem de sistemas comunitários biológica é primariamente baseada na pro-
complexos. A análise da curva permite a pagação dos genes, processos de heredita-
derivação das previsões no nível da comu- riedade para organizações sociais parecem
nidade e justifica os efeitos das interações muito diferentes e sugerem uma dinâmica
indiretas e dos processos de feedback no sis- evolucionária completamente diferente da-
tema da comunidade. quelas esperadas com a pura transmissão
Mais fundamentalmente, contudo, em- genética. Baum e Singh (1994a) antecipam
bora Hannan e Freeman (1977) clamem por uma abordagem de processos genealógicos
pesquisas populacionais, como o primeiro organizacionais que expressa a preponde-
passo para o estudo do fenômeno no nível rância de mecanismos lamarkianos de he-
da comunidade, a pesquisa em ecologia reditariedade, visto que a competência de
organizacional permanece primariamente produção e organização adquirida por meio
focada no nível da população. Então, a per- do aprendizado pode ser retransmitida.
gunta - por que há tantos tipos de organi- Não obstante a alguns trabalhos em
zações? - ainda tem que ser perseguida se- economia evolucionária (Nelson e Winter,
riamente. Se, contudo, a diversidade pre- 1982; Winter, 1990), em teoria organiza-
sente das organizações é entendida como cional (Van de Ven e Grazman, 1994; Zucker,
um reflexo do efeito cumulativo de uma lon- 1977) e em teoria do aprendizado organi-
ga história de variação e seleção (Hannan e zacional (Levinthal, 1991b) estarem preo-
Freeman, 1989 : 20), então é necessária uma cupados com processos genealógicos das
explicação de como as formas das popula- organizações, a agenda de pesquisa sobre
ções organizacionais se tornam e permane- hereditariedade organizacional permanece
cem diferentes através do tempo. O desen- aberta.
volvimento desse problema parece impro-
vável, sem atenção para o desenvolvimento
de uma teoria de evolução organizacional PROCESSOS AMBIENTAIS
(Baum e Singh, 1994a; mas, para diferen-
tes pontos de vista, veja Carroll, 1984a; Em sua revisão da ecologia orga-
Hannan e Freeman, 1989). A evolução nizacional, Singh e Lumsden (1990 : 182)
organizacional envolve uma inter-relação
complexa entre processos ecológicos e his-
tóricos. Isto começa com a proliferação di-
ferencial de variações dentro das populações
que leva, em última análise, a fundações, o
produto do pensamento empreendedor que
emerge de populações estabelecidas para
criar novas populações e termina com a
extinção do último membro da população
que a imitação criou em torno da organiza-
ção fundadora (Lumsden e Singh 1990).
Poucos pesquisadores têm-se dirigido à
emergência e ao desaparecimento de popu-
lações organizacionais (para exceções veja
Aldrich e Fiol, 1994; Astley, 1985; Lumsden
e Singh, 1990; Romanelli, 1991). Conse-
qüentemente, ainda sabemos muito pouco
sobre as estruturas da herança e transmis-
são organizacional. Além disso, uma teoria
de evolução organizacional deve conside-
rar processos históricos de conservação e
transmissão da informação (isto é, proces-
sos genealógicos), pelos quais a produção e
a organização de rotinas, organizações e
populações são levados (isto é, replicadas)
através do tempo (Baum, 1989b; McKelvey,
1982; Nelson e Winter, 1982).
O estudo desses processos genealó-
gicos envolve o traçado das linhas evolu-
cionárias de descendência das organizações
105 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
bulência política têm vida curta, compara- eventos de rotina cujos efeitos cumulativos
dos com aqueles formados em períodos mais são substanciais. Por exemplo, com o tem-
estáveis (Carroll e Delacroix, 1982). Para po, por meio de processos coercitivos,
explicar esses resultados, Carroll e seus co- miméticos e normativos, expectativas insti-
legas argumentam que jornais fundados em tucionais das regulamentações governamen-
períodos de turbulência política são opor- tais tornam-se inerentes às práticas e carac-
tunistas que prosperam graças aos recursos terísticas das organizações (DiMaggio e
liberados em períodos de conflitos sociais, Powell, 1983). Essas características institu-
mas então, tornam-se obsoletos ou pouco cionais que proporcionam a certeza de que
competitivos, quando o ambiente se estabi- as organizações são confiáveis para funcio-
liza. Em outras palavras, os jornais são par- nar produzem conseqüências ecológicas,
te de um ambiente político. O processo po- como, por exemplo, a restrição do espectro
lítico afeta outros tipos de organizações? de comportamentos competitivos possíveis
Carroll et al. (1988) fornecem um argumen- (Freeman e Lomi, 1994). Outros são mais
to teórico que generaliza as predições a res- dramáticos e interrompem os laços estabe-
peito de outros tipos de organizações, mas lecidos entre as organizações e os recursos,
este ponto permanece sem prova empírica. liberando recursos para o uso por novas or-
ganizações (Carroll et al., 1988).
Uma vez que o contexto regulatório
Regulamentação governamental varia bastante, a pesquisa ecológica freqüen-
temente formula hipóteses sobre os efeitos
Partindo de um ponto de vista ecoló- reguladores e regulatórios de áreas de pes-
gico, as regulamentações governamentais quisa particulares. Contudo, a pesquisa re-
são vistas como restrições importantes na cente identifica quatro maneiras básicas em
organização e na aquisição de recursos que que as regulamentações governamentais in-
afetam a diversidade organizacional fluenciam as taxas de fundação e fracasso
(Barnett e Carroll, 1993; Hannan e Freeman, (veja Tabela 7). Consistente com a perspec-
1977). Aumentando (diminuindo) o núme- tiva de que os processos ecológicos estão hi-
ro e/ou a variedade de restrições, a regula- erarquicamente contidos pelos processos
mentação aumenta (diminui) a hete- institucionais, essa pesquisa mostra como re-
rogeneidade ambiental, expandindo (con- gulamentações governamentais agem, para
traindo) o número de nichos potenciais e restringir e impulsionar o comportamento
aumentando (diminuindo) a diversidade organizacional bem como condicionar as
organizacional total possível dentro de uma relações ecológicas entre as organizações.
comunidade organizacional. Embora os te-
óricos institucionais concordem, o assunto
central de suas perspectivas é o nível de frag-
mentação na estrutura do ambiente institu-
cional regulatório (Scott e Meyer 1983).
Quando a influência no ambiente regula-
tório é centralizada, as demandas insti-
tucionais são facilmente coordenadas e im-
postas sobre as organizações. Em contras-
te, estruturas regulatórias fragmentadas
sofrem com a ambigüidade e o conflito, e a
ação coordenada para influenciar organiza-
ções é mais difícil. Então, consistente com
as hipóteses ecológicas, quanto maior a frag-
mentação das estruturas regulatórias num
campo organizacional (isto é, quanto
maior o número de recursos institucionais
e restrições distintos), maior a diversi-
dade de organizações que podem ser man-
tidas.
A pesquisa ecológica sobre os efeitos
regulatórios procura saber como as mudan-
ças nas regulamentações governamentais
influenciam o padrão de fundação e o fra-
casso organizacional. Algumas mudanças
regulatórias incorporam certos processos ou
107PARTE I - MODELOS DE ANALISE
Tabela 7 Continuação.
Tabela 8 Continuação.
Variável Previsões Exemplos Referências
técnicas dominará dentro dos
regimes competitivos é
completamente incerto.
Designs dominantes Um design dominante cria uma Organizações fundadas antes Suárez e
vantagem competitiva para as do design dominante nas Utterback, 1992
empresas estabelecidas, ao indústrias de automóveis,
permitir a realização de transistores, calculadoras
economias de produção e de eletrônicas e de TV nos
outros tipos, produzindo uma Estados Unidos tiveram taxas
onda de fracassos entre de fracasso de idade específica
empresas que não controlaram mais baixa, depois dos designs
a tecnologia dominante, dominantes, do que aquelas
criando barreiras à entrada de fundadas posteriormente.
novas empresas, levando a um Ondas de fracasso ocorreram Anderson, 1988
profundo declínio no número no período imediatamente
de organizações e à após a emergência de designs
estabilização da indústria. dominantes nas indústrias de
cimento, recipientes de vidro,
e industria de vidros para
janelas, mas as taxas de
fracasso declinaram com o
passar do tempo, à medida
que a indústria foi
restabilizada.
A emergência do padrão DOS Ingram, 1993
foi seguido por uma onda de
fracassos na indústria de
minicomputadores, mas taxas
de fracasso declinaram com o
tempo, conforme a indústria
foi estabilizada
a Embora Tushman e Anderson (1986) interpretem sua descoberta original de que as taxas de entrada-saída
declinaram nos cinco anos após as descontinuidades de destruição de competências na indústria de cimen-
to e microcomputadores dos Estados Unidos - como contraditórias às previsões - uma vez que se espera
que ambas as taxas aumentem após as descontinuidades de destruição de competências, uma comparação
de pré e pós-discontinuidades das taxas de entrada e saida é um teste que pode confundir.
( + )
Institucionalizaçã Momentum (-)
o
X+) (+)
(+)
Tentativa de
Estrutura (+) (-) mudança na
Inércia competênci
reprodutível
a
(+1 principal
(+)
,(+)/(-)
Rotinas
padronizada (+)
s Fracasso
(-)/
Idade
organizacional
(+)
Tamanho
organizacional
MUDANÇA ORGANIZACIONAL:
TEORIA DA INÉRCIA ESTRUTURAL
A mudança é benéfica?
1774-1865 Layout - 0 + na
Conteúdo 0 0 0 na
Objetivos + 0 na na
Grupo de clientes 0 0 na na
Condições de serviços 0 0 na na
Executivo Chefe + + na na
Estrutura + 0 na na
do Vale do
Silício"
médico por
imagem dos
Estados Unidos,
1959-1988
de saúde dos
Estados Unidos"
de negócio 0 - + na
Especialismo no nível
de corporação 0 0 + na
Generalismo no nível
de corporação 0 - + na
proprietário da terra 0 0 + 0
ECOLOGIA ORGANIZACIONAL 119 [
Tabela 9 Continuação.
Baum e
Korn,
1996
Baum e
Singh,
1996
na
na
120 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
X/Y da os sinais dos significantes (p < 0,05) termos lineares e quadrantes, respectivamente, quando estimado
Dados do período de observação não fornecido
ECOLOGIA ORGANIZACIONAL 121 [
Direções futuras
1800-1975
1774-1865 Layout 0 na na na
Conteúdo 0 na na na
1970-1982 Objetivos 0 na na na
Grupos de clientes + na na na
Executivo chefe
- na na na
Estrutura 0 na na na
Mudança periférica 0 na na na
1959-1988
de marca 0 0 na na Swaminathan e
produto
- 0 na na
Diminuição da linha de
produto 0 0 na na
Aquisição de terra
- 0 na na
Diminuição de terra 0 0 na na
Localização 0
- + na
Nome + - + na
Seguros lastreados
hipotecas 0 na na na
I 125 PARTF I - MODELOS DF. ANÁLISE
Tabela 10 Continuação.
Protetores de transformação - Um
tópico correlato é o pressuposto de que to-
das as organizações são igualmente suscetí-
veis aos efeitos das mudanças no fracasso.
Hannan e Freeman (1984) identificaram a
idade e o tamanho como fatores que alte-
ram a exposição das organização à susce-
tibilidade da mudança. Contudo, até o pre-
sente, somente três estudos (veja Tabela 10)
explicaram essa variabilidade (Amburgey et
al., 1993; Baum e Singh, 1996; Haveman,
1993c). Conexões institucionais (isto é, li-
gações a importantes instituições do Estado
e da comunidade) podem também fornecer
essa proteção da transformação, ao confe-
ECOLOGIA ORGANIZACIONAL 126
rir recursos e legitimidade extras para as com implicações muito diferentes para os
organizações (Miner et al., 1990; Baum e estudos das organizações, essas visões não
Oliver, 1991). Assim como a performance são fundamentalmente incompatíveis. En-
não mensurada, a variação não mensurada quanto a teoria ecológica enfatiza a predo-
da suscetibilidade aos riscos da mudança minância da seleção sobre a adaptação, a
podem causar especificações viesadas nas complementaridade dos efeitos adaptativos
estimativas do modelo. e ecológicos é claramente refletida na pes-
quisa revisada aqui. As pesquisas nas Tabe-
Variação de tipo interna - A ênfase eco- las 8 e 9 não parecem sustentar a hipótese
lógica ao processo de mudança tem resulta- ecológica com firmeza: organizações mu-
do numa menor atenção dada pelos pesqui- dam freqüentemente em resposta a mudan-
sadores ecológicos ao conteúdo da mudan- ças ambientais, e quase sempre sem nenhum
ça. Embora categorias abrangentes de mu- efeito prejudicial. Além disso, as taxas de
dança estejam sendo diferenciadas, de acor- mudança em geral não são compelidas pela
do com seu conteúdo (veja Tabelas 9 e 10), idade e tamanho, conforme previsto pela
todas as instâncias de uma categoria de Teoria da Inércia Estrutural. Ao mesmo tem-
mudança em particular são tipicamente con- po, contudo, em contraste com uma forte
sideradas equivalentes. Enquanto essa hipó- visão de adaptação, as conseqüências da
tese pode fornecer uma aproximação inici- mudança para a sobrevivência parecem mais
al razoável, para muitos tipos de mudança ligadas a buscas aleatórias do que a uma
podem existir diferenças de tipo interno, ação estrategicamente calculada (Baum e
com substanciais implicações sobre a sobre- Singh, 1996; Delacroix e Swaminathan,
vivência. Uma dessas diferenças é a varia- 1991). Analisados em conjunto, os resulta-
ção de tipo interna no efeito das mudanças dos sugerem uma relação complexa entre
sobre a intensidade da competição (Baum e adaptação e seleção: porque a mudança
Singh, 1996). Por exemplo, dependendo de organizacional pode afetar o fracasso
como as ações específicas de uma organiza- organizacional, o resultado ao nível de po-
ção alteram o tamanho de seu domínio re- pulação resultante de processos de adapta-
lativamente ao tamanho do número de or- ção e seleção combinados não é a simples
ganizações que competem nesse domínio, agregação de cada processo separadamen-
as atividades de diversificação da organiza- te. Estudando as transformações das popu-
ção podem aumentar, diminuir ou deixar lações organizacionais durante os períodos
inalterada a intensidade da competição que de rápida mudança ambiental, podem-se
a organização enfrenta. Baum e Singh abrir as janelas para a oportunidade de exa-
(1996) mostram que os efeitos de mudan- minar mais de perto as ligações entre as
ças no domínio do mercado (tanto de ex- perspectivas de adaptação e seleção na mu-
pansão quanto contração) sobre a sobrevi-
vência das creches dependem de como as
mudanças afetam a intensidade da compe-
tição: mudanças que diminuem a intensi-
dade da competição melhoram as chances
de sobrevivência organizacional, enquanto
aquelas que aumentam a intensidade da
competição diminuem as chances de sobre-
vivência. Desse modo, ao incorporar a va-
riação de tipo interno nos efeitos da mu-
dança, pode-se ajudar a explicar alguns re-
sultados anteriores confusos nos estudos das
conseqüências adaptativas da mudança or-
ganizacional.
Reconciliando
adaptação e seleção
da idade, e em menor grau aquela sobre generalidade pode "esconder" muitos pro-
dependência de tamanho, também sofre blemas-chaves de ecologia organizacional.
com o problema. Conseqüentemente, ao sacrificar alguma
Embora problemas empíricos não re- generalidade por maior precisão e realismo,
solvidos e problemas conceituais não sejam os ecólogos organizacionais podem ser ca-
incomuns em áreas novas e emergentes da pazes de começar a resolver alguns desses
pesquisa científica, quanto mais tempo os problemas. A pesquisa que adota essa es-
problemas - especialmente, problemas tratégia de solução de problema tem con-
conceptuais - permanecem sem solução, tribuído para a literatura em pelo menos três
maior torna-se sua importância nos deba- maneiras. Primeiro, as elaborações do mo-
tes sobre a veracidade da teoria que a ge- delo de dependência da densidade (veja
rou (Lauden, 1984 : 64-66). O que produz Tabela 5) ajudam a aumentar tanto a preci-
os problemas da ecologia organizacional? são da mensuração, por exemplo, medindo
Embora ecólogos organizacionais gostariam os processos subjacentes de competição e
que suas teorias fossem generalizáveis en- legitimação ou diferenciadamente ou mais
tre populações organizacionais, maximi- diretamente (Baum e Oliver, 1992; Baum e
zassem o realismo de contexto e a precisão Singh, 1994b; 1994c), ou realismo contex-
na mensuração das variáveis, de fato, ne- tual, por exemplo, ao incorporar as caracte-
nhuma teoria pode ser geral, precisa e rea- rísticas específicas da população tais como
lista ao mesmo tempo (McGrath, 1982; distribuições do tamanho organizacional ou
Puccia e Levins, 1985; Singh, 1993). Teori- estruturas de nicho de mercado no modelo
as devem, portanto, sacrificar algumas di- (Barnett e Amburgey, 1990; Baum e Mezias,
mensões para maximizar outras. Por exem- 1992; Baum e Singh, 1994b; 1994c). Se-
plo, teorias realistas podem ser aplicadas a gundo, as análises ecológicas que incorpo-
somente um domínio limitado, enquanto ram processos tecnológicos e institucionais
teorias gerais podem ser imprecisas ou en- ajudam a melhorar o realismo contextual,
ganadoras para aplicações específicas. ligando processos ecológicos em populações
Ecólogos organizacionais parecem favore- organizacionais a processos históricos nos
cer a decisão entre precisão e realismo pela ambientes circunvizinhos (Barnett, 1990;
generalidade. Por exemplo, precisão e rea- Barnett e Carroll, 1993; Tucker et al., 1990a;
lismo são claramente sacrificados pela ge- Singh et al., 1991). Terceiro, a pesquisa
neralidade na teoria da dependência da den- que enfatiza uma precisão de mensuração
sidade e na teoria da inércia estrutural. Isto maior esclarece as causas subjacentes da de-
é menos verdadeiro na teoria de extensão pendência de tamanho e idade nas taxas de
de nicho e no modelo de particionamento fracasso organizacional (Singh et al., 1986;
de recursos.
Por um lado, essa estratégia de pes-
quisa produz a principal força da ecologia
organizacional: a acumulação de uma for-
ça de evidência empírica comparável a situ-
ações organizacionais diversas num espec-
tro de problemas empíricos sem paralelo nos
estudos das organizações. Por outro lado,
ela também cria uma maior fraqueza: o
grande conjunto de coeficientes de medi-
das indiretas, tais como tamanho, idade e
densidade da população, revela pouco so-
bre as explicações teóricas desenhadas para
justificar os problemas empíricos de interes-
se. Isto cria problemas conceituais ao pro-
mover ceticismo a respeito da veracidade
do processo subjacente inferido, porque os
resultados ajustados não podem ser preci-
samente interpretados, criando problemas
empíricos não solucionados ao dificultar a
explicação teórica de resultados não ajusta-
dos.
Então, o sacrifício do realismo contex-
tual e da precisão de medidas em favor da
I 129 parte i - modelos df analise ___________________________
Baum e Oliver, 1991). Medidas mais robus- quanto o autor era Professor Assistente em
tas no nível organizacional são necessárias Administração na Stern School of Business,
para estabelecer mais precisamente as na New York University.
microfundamentações da teoria ecológica.
Meu ponto de vista é que agora temos 1. Sou grato a Jim Ranger-Moore pelo uso do título
desta seção, que é o título de seu manuscrito de
testes indiretos mais do que suficientes das
1991.
teorias gerais e que a resolução de proble-
mas e o progresso em ecologia organi-
zacional podem ser ampliados, movendo-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
se em direção a uma maior precisão e rea-
lismo na teoria e na pesquisa. Isto significa
ABERNATHY, William. The productivity dilemma.
ficar mais próximo dos problemas da pes-
Baltimore, MD : Johns Hopkins University
quisa. A proximidade pode adicionar realis- Press, 1978.
mo e revelar aspectos importantes do fenô-
ALDRICH, Howard E. Organizations and
meno que pesquisadores ecológicos distan- environments. Englewood Cliffs, NJ :
ciados não podem detectar. Isto também sig- Prentice-Hall, 1979.
nifica o foco maior sobre as anomalias. Re-
______ , AUSTER, Ellen R. Even dwarfs started
sultados que são inconsistentes uns com os small: liabilities of age and size and their
outros ou com a explicação teórica são co- strategic implications. Research in
muns em ecologia organizacional. O enten- Organizational Behavior, 8: 165-198.
dimento dessas anomalias é crucial para Greenwich, CT : JAI Press, 1986.
especificar as condições sob as quais as vá- ______ , FIOL, Marlene C. Fools rush in? The
rias previsões sustentam e aumentam a pre- institutional context of industry creation.
cisão. Significa também a formulação de Academy of Management Review, 19: 645-
novos tipos de questões de pesquisa que 670,
desenvolvam conexões com outras linhas de 1994.
pesquisa na teoria das organizações e rela- ______ , PFEFFER, Jeffrey. Environments of
cione os processos micro e macro. Uma co- organizations. Annual Review of Sociology, 2:
nexão desse tipo na qual algum trabalho já 79-105, 1976.
se iniciou é a especificação dos impactos da
dinâmica ecológica das organizações sobre
os empregos e pessoas (Haveman e Cohen,
1994; Korn e Baum, 1994). Finalmente, isto
significa deixar os problemas de pesquisa
dirigirem a escolha da modelagem da pes-
quisa e metodologia e não o contrário. Para
algumas questões específicas, a história
organizacional será mais apropriada do que
a história de uma população inteira.
Ecólogos organizacionais necessitam come-
çar a planejar estudos e usar métodos que
capacitem melhor as questões de pesquisa
a serem respondidas. Em alguns casos, isto
pode requerer o uso de métodos múltiplos
- qualitativo tanto quanto quantitativo. A
alteração da orientação de pesquisa ecoló-
gica nessas direções pode ajudar a concluir
mais sobre a grande contribuição potencial
da ecologia organizacional para a teoria e
pesquisa nos estudos das organizações, bem
como para a prática na política pública, ad-
ministração e empreendimentos.
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ECOLOGIA ORGANIZACIONAL 138
de institucionalização, e sobre como tais va- sem qualquer reflexão ou resistência com-
riações podem afetar o grau de similarida- portamental, sem questioná-las, unicamen-
de entre conjuntos de organizações. te baseados em seus interesses particulares
Neste capítulo, analisamos estas ques- (veja Wrong, 1961). Sugerimos que estes
tões oferecendo uma abordagem teórica dois modelos gerais devem ser tratados não
específica dos processos de instituciona- como opostos, mas representando dois pó-
lização. Começamos apresentando um bre- los de um continuum de processos de toma-
ve panorama histórico da pesquisa e da teo- das de decisão e comportamentos. Deste
rização sociológica em organizações em modo, um problema-chave para a teoria e a
meados da década de 70. Esta visão geral pesquisa é especificar as condições sob as
pretende não só esclarecer as ligações entre quais o comportamento aproximar-se-á de
a teoria institucional e a precedente tradi- um lado ou outro deste continuum. Em sín-
ção sociológica sobre estrutura organiza- tese, precisa-se de teorias que clarifiquem
cional, como, também, contextualizar a quando há probabilidade da racionalidade
compreensão a respeito da aceitação, por ser mais ou menos limitada. A clarificação
parte dos estudiosos de organizações, do dos processos de institucionalização propor-
quadro explanatório da teoria institucional ciona um ponto de partida útil para a ex-
no final da década de 70. A seção seguinte ploração dessa questão.
examina a exposição inicial da teoria no ar-
tigo original de Meyer e Rowan (1977), con-
centrando-se no modo como este desafiou ANÁLISES SOCIOLÓGICAS DAS
as tradições teóricas e empíricas então do- ORGANIZAÇÕES: AS ORIGENS DA
minantes na pesquisa organizacional. Apon-
tamos uma aparente ambigüidade lógica
TEORIA INSTITUCIONAL
nessa formulação, que envolve a condição
fenomenológica de arranjos estruturais que Análises funcionalistas das
são os objetos dos processos de institu- organizações
cionalização. No restante do capítulo, ofe-
recemos um modelo geral dos processos de O estudo das organizações tem uma
institucionalização, com o propósito de es- história relativamente curta dentro do cam-
clarecer essa ambigüidade e de elaborar as po da Sociologia. Antes do trabalho de
implicações lógicas e empíricas de uma ver- Robert Merton e seus discípulos, no fim da
são da teoria institucional baseada na feno- década de 40, as organizações não eram
menologia, originada por Zucker. Finalmen- propriamente reconhecidas pelos sociólogos
te, com base nessa análise, consideramos americanos como um fenômeno social dis-
uma variedade de questões que requerem
desenvolvimento teórico adicional e estudo
empírico.
Nossos principais objetivos nesse es-
forço são dois: classificar as contribuições
teóricas da teoria institucional para a análi-
se organizacional e também avançar nesta
perspectiva teórica a fim de melhorar sua
utilização em pesquisa empírica.' Há, tam-
bém, um objetivo mais geral e mais ambi-
cioso, que é o de construir uma ponte entre
os dois modelos distintos de ator social
subjacentes à maioria das análises organi-
zacionais, aos quais nos referiremos como
modelo do ator racional e modelo institu-
cional. O primeiro baseia-se na premissa de
que indivíduos estão constantemente envol-
vidos em cálculos dos custos e benefícios das
diferentes alternativas de ação e que o com-
portamento segue critérios de maximização
de utilidade (Coleman, 1990; Hechter,
1990). No segundo modelo, ao contrário,
pressupõe-se que indivíduos "sobre-sociali-
zados" aceitam e seguem normas sociais,
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA TEORIA INSTITUCIONAL 141
tinto, merecedor de estudo próprio. Embo- rico geral, o exame empírico das relações
ra organizações tenham, certamente, sido entre os elementos da estrutura organiza-
objeto de estudo por sociólogos antes do cional era um foco natural de estudo.
advento da análise funcionalista (veja, por A segunda premissa é a de que as es-
exemplo, o trabalho de teóricos americanos truturas existentes contribuem para o fun-
associados à escola de Chicago: Park, 1922; cionamento de um sistema social, pelo me-
Thomas e Znaniecki, 1927), tais estudos tra- nos para a manutenção de seu equilíbrio,
tavam as organizações mais propriamente pois, de outro modo, o sistema não sobrevi-
como aspectos de problemas sociais gerais, veria. Uma implicação desta premissa, men-
tais como desigualdade social, relações cionada por Merton (1948), é que a mu-
intercomunitárias, desvio social etc; o foco dança provavelmente ocorre quando as dis-
da análise não estava nas organizações en- funções associadas a determinado arranjo
quanto organizações. A despeito do papel- institucional excedem às contribuições fun-
chave atribuído por Weber (1946) e Michels cionais daquele arranjo. Esse raciocínio le-
(1962) às organizações formais em suas vou a um interesse explícito na identifica-
análises sobre a ordem industrial, a noção ção das conseqüências funcionais e disfun-
de que organizações, nos processos sociais cionais de certos arranjos estruturais.2
modernos, são atores sociais independen-
tes não foi amplamente reconhecida até o
trabalho pioneiro de Merton e seus colegas Análises quantitativas da co-
(veja Coleman, 1980; 1990). Conforme será variação estrutural
explorado mais adiante, considera-se tanto
atores organizacionais quanto individuais A busca do primeiro problema, ou seja,
como potenciais criadores de nova estrutu- o exame das inter-relações entre elementos
ra institucional (Zucker, 1988). (Veja tam- estruturais estabeleceu as bases para uma
bém a discussão de DiMaggio de 1988 so- linha geral de pesquisa que veio a dominar
bre empreendedores institucionais.) e definir os estudos sociológicos de organi-
O interesse inicial de Merton (1948)
no estudo das organizações parece ter sido
direcionado primeiramente por preocupa-
ção com o teste empírico e o desenvolvimen-
to de uma lógica geral da teoria social
funcionalista. As organizações, vistas como
sociedades em microcosmos, ofereciam a
oportunidade de condução do tipo de pes-
quisa comparativa necessária ao exame
empírico dos princípios funcionalistas (veja
Selznick, 1949; Gouldner, 1950; Blau,
1955). Desse modo, uma das maiores mar-
cas produzidas pela análise de organizações
realizadas por Merton e seus alunos foi o
foco na dinâmica da mudança social, uma
questão que a teoria funcionalista tem sido
freqüentemente acusada de negligenciar
(Turner, 1974).
A preocupação com a mudança se re-
fletia em dois objetivos principais, que fo
ram as características marcantes dos estu-
dos organizacionais na tradição funcio-
nalista: o exame da natureza da "co-varia-
ção" entre diferentes elementos da estrutu-
ra, e a avaliação do equilíbrio dinâmico en-
tre os efeitos benéficos e disfuncionais de
determinados arranjos estruturais. Tais ob-
jetivos referem-se diretamente às duas
premissas-chave encrustradas na teoria fun-
cionalista a respeito de requisitos de sobre-
vivência de coletividades sociais.
A primeira premissa é a de que os com-
ponentes estruturais de um sistema devem
ser integrados para que o sistema sobrevi-
va, uma vez que os componentes são partes
inter-relacionadas do todo. Um corolário
derivado desse pressuposto principal é que
uma mudança em um componente estrutu-
ral requer mudanças adaptativas em outros
componentes. Assim, dado este quadro teó-
142 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
zações para as próximas duas décadas. Essa outras organizações. Ao enfatizar o papel
linha de pesquisa foi cada vez mais caracte- determinante de considerações de poder
rizada por análises quantitativas de co- para explicar a estrutura das organizações
variância entre os elementos da estrutura (veja Thompson e McEwen, 1958), desafia-
organizacional formal, e por explicações va abordagens teóricas dominantes que fo-
essencialmente econômicas destas co-varia- calizavam, em grande parte ou exclusiva-
ções. A rápida ascendência desta abordagem mente, os aspectos da eficiência da produ-
na análise organizacional reflete principal- ção. No entanto, na linha de trabalhos an-
mente sua afinidade com tradições de pes- teriores, uma abordagem voltada para a
quisa organizacional já estabelecidas no dependência de recursos também estava
campo da "ciência administrativa", na épo- presente, implicitamente ligada ao modelo
ca em que os sociólogos voltaram sua aten- decisório do ator racional, embora, nesse
ção para o estudo da burocracia (Follett, modelo, o comportamento dos atores esti-
1942; Fayol, 1949; Gulick e Urwick, 1937; vesse baseado em cálculos voltados para a
Woodward, 1965). Considerava-se que a maximização do poder e da autonomia em
estrutura formal refletia os esforços racio- lugar da eficiência pura. A influência de pro-
nais dos decisores no sentido de maximizar cessos sociais, tais como a imitação ou a
a eficiência, assegurando-se coordenação e conformidade normativa, que poderiam re-
controle de atividades de trabalho. Assim, a duzir ou limitar o processo decisório autô-
descoberta de uma relação positiva entre nomo, era amplamente ignorada.
tamanho e complexidade era explicada em
termos da: (a) necessidade e capacidade de
organizações maiores buscarem especializa- ESTRUTURAS FORMAIS COMO
ção visando ao aumento da eficiência; (b)
relação entre complexidade e tamanho do
MITO E CERIMÔNIA
componente administrativo em termos do
crescimento da necessidade de supervisão Propriedades simbólicas da
para lidar com problemas de coordenação estrutura
decorrentes da especialização etc.3
A pesquisa organizacional mudou seu A análise feita no já clássico artigo de
foco no fim dos anos 60 para incluir consi- Meyer e Rowan (1977) ofereceu, portanto,
derações sobre os efeitos das forças ambien- uma mudança radical nos modos conven-
tais na determinação da estrutura, mas o
quadro explanatório básico funcionalista/
econômico foi mantido na maioria dos tra-
balhos (veja, por exemplo, Thompson, 1967;
Lawrence e Lorsch, 1967). Apesar do domí-
nio dessa abordagem na análise e na expli-
cação da estrutura organizacional formal
(ou talvez por causa dela), esse paradigma
esteve sujeito a críticas crescentes no come-
ço dos anos 70. Em parte, um crescente ce-
ticismo refletia a ausência geral de desco-
bertas empíricas cumulativas feitas por tra-
balhos nessa tradição (Meyer, 1979). O
amplo renascimento e reavaliação da apli-
cabilidade geral de argumentos desenvolvi
dos anteriormente por Barnard (1938),
Simon (1947), e March e Simon (1957),
enfatizando os limites da racionalidade dos
decisores, pode também ter ajudado a esta-
belecer as bases para a aceitação de para-
digmas alternativos (Weick, 1969).
Refletindo a crescente insatisfação com
explicações tradicionais da estrutura formal,
um novo enfoque às relações organização-
ambiente, chamado dependência de recur-
sos (Pfeffer e Salancik, 1978), tornou-se
cada vez mais proeminente na década de
70. Esta perspectiva concentrava sua aten-
ção no interesse dos decisores em manter
autonomia e poder organizacionais sobre
I 143 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE _____________________
Implicações
tante força causai de padrões estáveis de temas de regras (...) [que levam a uma ên-
comportamento. fase no] fluxo de recompensas e sanções"
Isso cria uma ambigüidade inerente no (1994 : 98). Nessa abordagem não se per-
argumento fenomenológico de Meyer e cebe, no entanto, nitidez entre as fronteiras
Rowan, pois a própria definição de "institu- das teorias de dependência de recursos e a
cionalizado" contradiz a alegação de que institucional, obscurecendo, desse modo, a
estruturas institucionais são passíveis de ser autêntica contribuição teórica desta última
desvinculadas do comportamento. Para ser para a análise organizacional em particu-
institucional, a estrutura deve gerar uma lar.
ação. Segundo argumento de Giddens Para ilustrar essa questão, é interes-
(1979), uma estrutura que não se traduz sante fazer uma comparação entre estudos
em ação é, fundamentalmente, uma estru- recentes baseados na teoria institucional e
tura "não-social". Geertz (1973 : 17) toca estudos anteriores no âmbito conceituai da
numa tecla semelhante: "Acessamos siste- dependência de recursos. Usando uma pers-
mas simbólicos somente por meio do fluxo pectiva institucional para examinar os efei-
do comportamento - ou, mais precisamen- tos de leis e políticas governamentais sobre
te, da ação social." estruturas de emprego, Sutton et al. argu-
A discussão sobre a desvinculação en- mentam:
tre estrutura e ação lembra a definição de "Confrontados com um ambiente
Goffman (1959) de estruturas instituciona- le-
lizadas;* a crença na eficácia e na necessi- gal aparentemente hostil, os empregado-
dade de tais estruturas está sujeita a con- res adotam procedimentos institucionali-
trovérsias; as estruturas, porém, são, ainda zados, legalmente reconhecidos para evi-
assim, vistas como servindo a um útil pro- tar possíveis litígios, bem como demons-
pósito de apresentação. Daí resulta que a trar conformidade adequada, de boa-fé,
tais estruturas fundamentais falte legitimi- com as determinações governamentais".
(1994 : 946)
dade normativa e cognitiva (Delia Fave,
1986; Walker et al., 1986; Stryker, 1994; Do mesmo modo, Edelman sugere que
Aldrich e Fiol, 1994), não sendo elas, de as organizações que constróem estruturas
modo algum, sinais reais de intenções formais como gestos simbólicos de confor-
subjacentes. Segundo definições-padrão do mação com a política governamental são
termo, no entanto, há dúvida sobre o fato
de tais estruturas poderem ser apropriada-
mente descritas como institucionalizadas.
PROCESSOS DE
INSTITUCIONALIZAÇÃO
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA TEORIA INSTITUCIONAL
205 |
Legislação
Mudanças Forças do
tecnológicas mercado
i T l
Inovação
Objetificação
Tabela 1
Modelo de
metanarrativa
Estágios de institucionalização e dimensões comparativas.
interpretatíva
Problemática
principal
Perspectivas ilustrativas/
exemplos
Transições
contextuais
I
Racionalidade Ordem Teoria das Organizações clássica, de Estado
administração científica, teoria da guarda-noturno
decisão, Taylor, Fayol, Simon a Estado
industrial
Integração Consenso Relações Humanas, neo-RH, de capitalismo
funcionalismo, teoria da empresarial
contingência/sistêmica, cultura a capitalismo do
corporativa, Durkheim, Barnard, bem-estar
Mayo, Parsons
solicitações de institucionalização das estru- Além disso, nossa análise sugere que
turas, uma vez que resultados associados a a identificação dos determinantes das mu-
uma dada estrutura, provavelmente, depen- danças no nível de institucionalização das
derão do estágio ou nível de institucio- estruturas representa um caminho impor-
nalização em que se encontrar. Dependen- tante e promissor para trabalhos teóricos e
do da amplitude e da forma pela qual os empíricos. Estudos existentes já sugeriram
dados são colhidos, diferentes procedimen- certo número de determinantes potenciais
tos poderão ser utilizados. do processo de legitimação de uma estrutu-
Por exemplo, análises sobre o nível de ra e, portanto, quão institucionalizada ela
institucionalização de estruturas contempo- se torna. A esse respeito, alguns estudos
râneas poderiam utilizar pesquisa tipo demonstraram que quando organizações
survey sobre a percepção da necessidade de grandes e centralizadas são inovadoras e
permanência de determinada estrutura para logo adotam uma estrutura, esta estrutura
o funcionamento eficiente da organização tem mais probabilidade de se tornar total-
(por exemplo, Rura e Miner, 1994), ou usar mente institucionalizada do que outras
questionários sobre atributos relacionados (DiMaggio e Powell, 1983; Fligstein, 1985;
ao grau de institucionalização, tais como o 1990; Baron et al., 1986; Davis, 1991;
grau de certeza subjetiva sobre os julgamen- Palmer et al., 1993). Além disso, os traba-
tos feitos (Zucker, 1977). Ainda que o de- lhos de Mezias (1990) e seus colegas (Mezias
senvolvimento de indicadores adequados
para essa medição seja, sem sombra de dú-
vida, uma tarefa controversa, este proble-
ma não é exclusividade do construto da
institucionalização (estamos nos referindo,
por exemplo, a conceitos padronizados, tais
como: produtividade, eficácia, incerteza).
Como ocorre com outros construtos difíceis,
este problema pode ser solucionado em par-
te utilizando técnicas psicométricas padro-
nizadas.
Pesquisa histórica utilizando dados de
arquivos, por outro lado, poderá lidar com
o problema prestando maior atenção à do
cumentação do contexto histórico - ou
doumentando-o - como das mudanças cul-
turais ao redor da pretendida institu-
cionalização das estruturas (Zucker, 1988).
A análise de conteúdo de materiais escri-
tos, em alguns casos, pode fornecer indica-
dores úteis a respeito do estado cultural das
estruturas (Tolbert e Zucker, 1983). Qual-
quer que seja a metodologia usada para co-
letar dados, no entanto, qualquer afirma-
ção plausível a respeito do grau de institu-
cionalização de estruturas, provavelmente,
residirá numa estratégia envolvendo trian-
gulação de fontes e métodos.
I 155 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
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NOTA TÉCNICA:
A TEORIA INSTITUCIONAL
CLÓVIS L. MACHADO-DA-SILVA E SANDRO A. GONÇALVES
O texto de Tolbert e Zucker (1997) giu nos anos 70. A despeito de parecer afir-
trata da contribuição da Teoria Institucio- mativa óbvia, compartilhada por Tolbert e
nal para a área de estudos organizacionais, Zucker, deve-se entender que a Teoria Insti-
mais especificamente para o entendimento tucional não é conjunto de proposições que
do processo de construção e reconstrução vise especificamente a análise organiza-
dos arranjos estruturais em organizações. cional; pelo menos, a ela não se restringe.
A análise das autoras baseia-se na evidên- O que, usualmente, coloca-se sob tí-
cia de que predominam na Teoria Institu- tulo de Teoria Institucional, constitui o re-
cional pesquisas de natureza restritiva, isto sultado da convergência de influências de
é, que tratam as instituições como dadas corpos teóricos originários principalmente
pelo ambiente, e a institucionalização como da ciência política, da sociologia e da eco-
um estado qualitativo: dado arranjo estru- nomia, que buscam incorporar em suas pro-
tural está ou não institucionalizado na or- posições a idéia de instituições e de padrões
ganização. De fato, no exame da literatura de comportamento, de normas e de valo-
especializada sobre o assunto, poucos são res, de crenças e de pressupostos, nos quais
os relatos empíricos sobre os mecanismos e encontram-se imersos indivíduos, grupos e
sobre suas dinâmicas que resultam naque- organizações. De acordo com esse entendi-
les estados, da mesma forma que também mento, Scott (1995) observa que grande
são raros os estudos sobre as formas pelas parte da ausência de consenso sobre os prin-
quais as organizações levam a cabo mudan- cipais conceitos, métodos e formas de men-
ças no plano institucional. suração, na literatura especializada, deve-
Cabe acrescentar que a proposta e as se à variedade de níveis de análise conside-
sugestões das autoras não se baseiam em
relato de pesquisa, mas essencialmente em
considerações teóricas. Na presente nota
técnica procura-se apresentar algumas con-
siderações complementares, de mesma na-
tureza, para que se possa localizar a contri-
buição dada pelas autoras, o que eqüivale
dizer: estabelecer limites e gerar dúvidas que
possam contribuir para melhor aproveita-
mento do raciocínio de Tolbert e Zucker.
Teoria institucional
Como já se afirmou, as autoras explo-
ram os possíveis uso da Teoria Institucional
para o entendimento de mudanças nos ar-
ranjos estruturais das organizações. Para
tanto, dirigem o foco para uma forma espe-
cífica de organização, a empresa, e realizam
revisão histórica para situar o momento e
as razões pelas quais está tendência emer-
164
NOTA TÉCNICA: A TEORIA INSTITUCIONAL
Pilares
Mundial
Subsistema
Organizacional
População de
Fonte: SCOTT) W. R. Institutions and organizations. Londres : Sage Publications, 1995. p. 59.
Fonte: SCOTT, W. R. Institutions and organizations. Londres : Sage Publications, 1995. p. 59.
Intensidad
e
da
mudança
fase 1: fase 2: fase 3: fase 4:
mudança tendenciosidade mudança mudança
Tempo
Fonte: JOHNSON, G. Strategic change: managing cultural processes. In: FAHEY, L., RANDALL, R. The portable
MBA in strategy. New York : John Wiley and Sons, 1994. p. 421.
Figura 2 Tendenciosidade estratégica.
esquema
(modalidades interpretativ recursos normas
) o
Fontes teóricas de
inspiração e distinção
-------------
Relação com o discurso
social dominante
Dissenso
Consenso
trumentos de divisão e classificação. As di- chamar atenção para uma diferença central
ferenças entre a teoria crítica e o pós-mo- entre as posições pós-modernas e da teoria
dernismo são contestadas com freqüência, crítica, mas também para contrastar estu-
e muitas pesquisas utilizam ambas as tradi- dos normativos dos interpretativos. A Tabe-
ções. Ainda assim, é útil dar conta do que la 2 apresenta uma matriz destes contras-
faz essas diferentes tradições não se tes. No lado da elite, o discurso produz o
colapsarem facilmente uma na outra. pesquisador como um agente mais forte,
com intuições privilegiadas - tendo ao me-
nos a habilidade para produzir um conheci-
A dimensão consenso-dissenso mento confiável - e deixa claro o compro-
misso com uma agenda política.
O conjunto de concepções a priori de-
Consenso ou dissenso não deveriam
monstra alianças implícitas ou explícitas
ser entendidos tão-somente como conformi-
com diferentes grupos da sociedade. Por
dade e divergência, mas como a apresenta-
exemplo, à medida que os conceitos de pes-
ção de unidade ou de diferença, a continui-
quisadores normativos alinham-se com con-
dade ou a ruptura de um discurso dominan-
cepções gerenciais e definição de problemas,
te coerente, a confiança ou a dúvida como
e são aplicados a priori em estudos, as pre-
hipótese básica. A chave para esta dimen-
tensões de conhecimento são intrinsecamen-
são é o argumento sob a ótica do dissenso
te enviesadas na direção de certos interes-
de que pessoas, ordens e objetos são cons-
ses, conforme são aplicados dentro de uma
truídos no trabalho, na interação social e
comunidade específica. As pretensões de
no processo de pesquisa e, conseqüentemen-
conhecimento tornam-se parte dos mesmos
te, o mundo percebido está baseado em pro-
processos que estão sendo estudados, repro-
cessos políticos de determinação que, fre-
duzindo visões de mundo e identidades pes-
qüentemente, demonstram dominação e
soais, e sustentando interesses particulares
poderiam/deveriam ser contestáveis; por
dentro da organização (veja Knights, 1992).
outro lado, o discurso de consenso propor-
Feministas e, principalmente, aqueles preo-
ciona a identidade das pessoas, das ordens
cupados com análises de classe, normalmen-
sociais e dos objetos como naturais ou, se
te em afinidade com a maioria dos aspectos
construído, legitima a esperada descoberta
do pós-modernismo, freqüentemente vol-
do pesquisador. Quando uma visão de cons-
tam-se para a teoria crítica (ou uma posi-
trução é defendida por certos pesquisado-
ção semelhante) para adquirir uma agenda
res do consenso, ela tende a enfatizar a na-
política baseada em divisões sociais precon-
tureza natural, orgânica e espontânea das
cebidas e formas de dominação que são con-
construções, em vez de seu caráter arbitrá-
sideradas gerais (veja Fraser e Nicholson,
rio e político, como na versão de investiga-
1988; Flax,1990). Enquanto tais concepções
dores do dissenso. Para economizar espaço,
da teoria crítica são críticas de grupos de
veja a Tabela 1 para a conceitualização des-
elite no sentido de criar uma sociedade mais
sa dimensão.
eqüitativa, eles tendem a privilegiar as con-
cepções de grupos desprivilegiados ou
ideais intelectuais e, conseqüentemente,
A dimensão local/emergente - produzem o próprio, normalmente tempo-
elite/a priori rário, elitismo. As concepções local/emer-
gente vêem os próprios agrupamentos so-
A dimensão local/emergente - elite/a ciais como construções, o poder e a domi-
priori será usada, aqui, principalmente para nação como dispersos, e a própria agenda
TEORIA CRÍTICA E ABORDAGENS PÓS-MODERNAS PARA ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 179 [
Discurso
Modelo de Problemática Perspectivas ilustrativas/ Transições
metanarrativa principal exemplos contextuais
interpretatíva
Racionalidade Ordem Teoria das Organizações clássica, de Estado
administração científica, teoria da guarda-noturno
decisão, Taylor, Fayol, Simon a Estado
industrial
Integração Consenso Relações Humanas, neo-RH, de capitalismo
funcionalismo, teoria da empresarial
contingência/sistêmica, cultura a capitalismo do
corporativa, Durkheim, Barnard, bem-estar
Mayo, Parsons
Mercado Liberdade Teoria da firma, economia de capitalismo
institucional, custos de transação, gerencial
teoria da atuação, dependência de a capitalismo
recursos, ecologia populacional, neoliberal
Teoria Organizacional liberal
Poder Dominação Weberianos neo-radicais, marxismo de coletivismo
crítico-estrutural, processo de liberal
trabalho, teoria institucional, Weber, a corporativismo
Marx negociado
Conhecimento Controle Etnométodo, símbolo/cultura de
organizacional, pós-estruturalista, industrialismo/
pós-industrialista, pós-fordista/ modernidade
moderno, Foucault, Garfinkel, teoria a pós-
do ator-rede industrialismo/
pós-modernidade
Justiça Participação Ética de negócios, moralidade e OB, de democracia
democracia industrial, teoria repressiva
participativa, teoria crítica, a democracia
Habermas participativa
Tabela 1 Narrativas analíticas em análise organizacional.
Variáveis-chaves Previsões-chaves Referências-
vida no trabalho chaves
Clima Otimista Despersonali Suspeita Totalização,
Desordem - Autoridade normalização
Temor social
zação
Amigável Brincalhão
---
Um esboço de abordagem de incline a tratar a Administração como
institucionalizada, e as ideologias e práti-
pesquisas alternativas
cas administrativas como expressões de for-
mas contemporâneas de dominação. A teo-
A relação entre pós-modernismo e te-
ria crítica pode oferecer muito à Adminis-
oria crítica e entre estes e o trabalho
tração e aos administradores. As contribui-
normativo e interpretativo pode ser mostra-
ções fornecem insumos para a reflexão na
do, comparando-se o discurso que eles ge-
escolha de carreira, recursos intelectuais
ram com relação a tópicos de estudos da
para contrariar tendências totalitárias na
organização. Veja a Tabela 3. Considerando
socialização corporativa administrativamen-
que usaremos estas caracterizações para
te controlada, e estímulo para incorporar um
construir nossa discussão dos estudos em
conjunto maior de critérios e considerações
teoria crítica e pós-modernismo, não os dis-
na tomada de decisão - especialmente em
cutiremos aqui.
casos nos quais lucro e crescimento não
competem diretamente com outros fins ou
em que existe incerteza em relação aos re-
TEORIA CRÍTICA E PESQUISA sultados de lucro de vários meios e estraté-
ORGANIZACIONAL gias alternativas (Alvesson e Willmott, 1996:
Cap. 8; Deetz, 1995: Cap. 4).
A meta central da teoria crítica nos
estudos da organização tem sido criar soci-
edades e lugares de trabalho livres de do-
minação, em que todos os membros têm
igual oportunidade para contribuir para a
produção de sistemas que venham ao en-
contro das necessidades humanas e condu-
zam ao progressivo desenvolvimento de to-
dos. Os estudos têm enfocado externamen-
te a relação de organizações na sociedade,
enfatizando os possíveis efeitos sociais de
colonização de outras instituições e o do-
mínio ou destruição da esfera pública, e,
interiormente, no domínio do raciocínio ins-
trumental, do cerceamento do discurso, e
processos de consentimento no local de tra-
balho. Como indicado, os pesquisadores crí-
ticos tendem a entrar em seus estudos com
todo um conjunto de compromissos teóri-
cos que os ajudam a pesquisar analiticamen-
te situações de domínio e distorção. Orga-
nizações são amplamente vistas como espa-
ços políticos e, assim, as teorias sociais em
geral e, especialmente, as teorias de toma-
da de decisão na esfera pública, são vistas
como apropriadas (veja Deetz, 1992; 1995).
Teóricos críticos, às vezes, têm um pro-
grama de trabalho político claro, focado nos
interesses de grupos específicos identifi-
cáveis, tais como mulheres, trabalhadores,
negros, mas, normalmente, endereçam as-
suntos gerais de objetivos, de valores, de
formas de consciência e distorções comuni-
cativas dentro das corporações. Cada vez
mais importante para os estudos críticos é o
enriquecimento da base de conhecimento,
a melhoria do processo de decisão e os au-
mentos na "aprendizagem" e na adaptação.
Seu interesse em ideologias considera as
dificuldades que grupos desprivilegiados
têm de entender seu próprio interesse polí-
tico, porém é mais freqüentemente dirigido
às limitações das pessoas em geral, desafi-
ando a tecnocracia, o consumismo, o carrei-
rismo, e a preocupação exclusiva com o cres-
cimento econômico. A maior parte do tra-
balho tem enfocado a crítica da ideologia
que mostra como interesses específicos fa-
lham em ser realizados, em parte devido à
inabilidade das pessoas para entender ou
agir de acordo com esses interesses. No con-
texto da Administração e dos estudos
organizacionais, deveria ser enfatizado que
a teoria crítica, tal qual o marxismo, não é
anti-administração de per se, ainda que se
TEORIA CRÍTICA E ABORDAGENS PÓS-MODERNAS PARA ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 183
Podem ser identificados dois tipos do com seus próprios interesses. A ideolo-
principais de estudos críticos na Teoria das gia também seria credora do fracasso dos
Organizações: crítica ideológica e ação co- "profissionais e gerentes" em alcançar au-
municativa. tonomia em relação a suas necessidades e
desejos e à pressão conformista para padro-
nizar os meios para satisfazê-los (consumo
Crítica ideológica conspícuo, carreirismo e "auto-reifícação")
(veja Heckscher, 1995). Isso daria conta da
As primeiras críticas ideológicas do tradição da crítica ideológica.
local de trabalho foram oferecidas por Marx. Uma quantidade considerável de tra-
Em sua análise dos processos de trabalho, balho crítico tem considerado a Administra-
ele enfocou, principalmente, as práticas de ção e os estudos organizacionais como ex-
exploração econômica por meio da coerção pressões, tal como "produtores", de ideolo-
direta e as diferenças estruturais em rela- gias que legitimam e fortalecem relações
ções de trabalho entre os donos do capital e sociais e objetivos organizacionais específi-
os donos de seu próprio trabalho. Entretan- cos (Burrell e Morgan, 1979; Alvesson,
to, Marx também descreve o modo como a 1987; Alvesson e Willmott, 1996; Stefly e
relação é encoberta e é feita parecer legíti- Grimes, 1992). Acadêmicos, particularmen-
ma. Essa é a origem da crítica ideológica. te aqueles que estudam Administração, são
Condições econômicas e estrutura de classe freqüentemente vistos como ideólogos. Eles
ainda eram centrais para entender se o re- servem a grupos dominantes por meio da
conhecimento distorcido dos interesses era socialização em escolas de negócios, dão
um resultado do domínio das idéias da classe suporte a administradores com idéias e vo-
governante (Marx, 1844) ou da compulsão cabulários que visam a um controle cultu-
entorpecida das relações econômicas (Marx, ral-ideológico ao nível do local de trabalho
1867). e proporcionam uma aura científica para
Os temas da dominação e da explora- apoiar a introdução e o uso de técnicas de
ção por proprietários e depois por gerentes dominação administrativas.
têm sido central para a crítica ideológica do Quatro temas são recorrentes nos nu-
local de trabalho neste século pelos teóri- merosos e variados escritos sobre organiza-
cos organizacionais de inspiração marxista ções que trabalham na perspectiva da críti-
(por exemplo, Braverman, 1974; Clegg e ca ideológica: (1) a naturalização da ordem
Dunkerlery, 1980; Edwards, 1979; Salaman,
1981). A atenção dos analistas de esquerda
recai sobre a ideologia, visto que os traba-
lhadores parecem não reconhecer esta ex-
ploração e seu potencial revolucionário de
base classista nos países industriais. Gra-
dualmente, as mais recentes análises se tor-
naram menos preocupadas com a coerção e
as explicações de classe e econômicas, à me-
dida que seu foco deslocou-se para o por-
quê da coerção ser tão raramente necessá-
ria e para processos sistemáticos que pro-
duziam consentimento ativo. Tópicos como
"autocompreensão da experiência dos tra-
balhadores" tornam-se mais relevantes (por
exemplo, Gramsci, 1929-1935; Burawoy,
1979; Willmott, 1990). Em crescente medi-
da, as críticas à ideologia não apenas ou
fortemente dirigem-se a assuntos de classe,
mas também ampliam seu horizonte de atu-
ação e estudam como o controle cultural-
ideológico opera em relação a todos os em-
pregados, incluindo níveis de gerência
(Hodge et al., 1979; Czarniawska-Joerges,
1988; Deetz e Mumby, 1990; Kunda, 1992).
A ideologia produzida no local de trabalho
estaria ao lado daquela presente na mídia,
e o crescimento da cultura do consumidor e
o estado de bem-estar social respondem pelo
fracasso dos trabalhadores em agir de acor-
I 184 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE
mm 241 I
----------- 1
A primazia da racionalidade
instrumental
de toda proposição na base de um dos se- çadas, desenvolvidas, e ilustrado sua rele-
guintes critérios (universais) de validade: vância para a compreensão de organizações
compreensibilidade, sinceridade, veracida- modernas, em particular, de corporações.
de e legitimidade. A ação comunicativa é, Alvesson e Willmott (1996) chamaram a
portanto, aspecto importante da interação atenção para algumas metáforas para orga-
social na sociedade, em instituições sociais nizações e gerência a partir da teoria críti-
e na vida diária. A situação ideal de fala, ca: organização como tecnocracia, mistifi-
que possibilita a racionalidade comunicati- cação, entorpecimento cultural e poder co-
va e é, por sua vez, permeada por ela, exis- lonizador. Isso chama a atenção para como
te sob as seguintes condições: "a estrutura a competência gerencial leva à passividade
de comunicação não produz nenhum cons- de outros participantes organizacionais,
trangimento se e somente se, para todos os como as ambigüidades e contradições são
possíveis participantes, houver uma distri- mascaradas, como a engenharia de valores
buição simétrica de chances para escolher e e definições de realidade tendem a debili-
aplicar ações comunicativas". (Habermas tar grupos de nível mais baixo e outros gru-
apud Thompson e Held, 1982 : 123). Claro pos marginais, na negociação da realidade
que a situação ideal de fala não é uma qua- do lugar de trabalho e, respectivamente,
lidade da comunicação ordinária, mas uma como os códigos do dinheiro e do poder for-
antecipação contrafactual que fazemos mal exercem um encerramento da posição
quando buscamos entendimento mútuo, hegemônica sobre as experiências, valores
tentando alcançar a forma de argumenta- e prioridades articulados no lugar de traba-
ção que pressupomos poder utilizar, quan- lho. Como indicado anteriormente, dois/oci
do buscamos nos retirar do fluxo de ação básicos podem ser apontados aqui: um
cotidiana e verificar uma afirmação proble- orientado para conteúdo, enfatizando as
mática. Como iremos sugerir, ao olhar para fontes de constrangimento, outro orienta-
a contribuição de teoria crítica, tal ideal, do para processo, enfatizando a variação na
quando usado como quadro analítico em ação comunicativa em organizações.
estudos de organizações, pode oferecer sig- A teoria crítica chama a atenção, por
nificativa orientação para discussões sobre exemplo, para a estreiteza do pensamento
reestruturação e tomada de decisão em or- associado ao domínio da razão instrumen-
ganizações (por exemplo, Lyytinen e tal e do código do dinheiro. Potencialmen-
Hirschheim, 1988; Power e Laughlin, 1922). te, quando sabiamente aplicada, a razão
Não repetiremos, aqui, a crítica à teo-
ria de Habermas (veja Thompson e Held,
1982; Fraser, 1987; Burrell, 1994), mas ape-
nas mencionaremos que ela enfatiza em
demasiado a possibilidade de racionalidade,
assim como valoriza o consenso (Deetz,
1992) e dá muito peso na clareza e no po-
tencial da racionalidade da linguagem e da
interação humana. Em certa medida, ela
confia em um modelo de indivíduo poten-
cialmente autônomo e esclarecido, mas esta
suposição tem papel menos central quando
comparado à teoria crítica anterior, visto que
o enfoque não está na consciência, mas na
estrutura da interação comunicativa como
a portadora de racionalidade. No entanto,
Habermas ainda pode ser criticado por sua
"visão benigna e benevolente da espécie
humana" (Vattimo, 1992), que conta com o
conhecimento e com a argumentação para
mudar o pensamento e a ação, posição di-
ante do qual os pós-modernistas são alta-
mente céticos.
|248
tidade e modo de ser?" (1993 :131) O pro-
cesso e a morte do indivíduo, autônomo,
blema aqui, observa Forester, é relacionar
sujeito criador de significado no qual a pro-
estruturas de controle com experiência diá-
dução discursiva do indivíduo substitui o
ria, voz e ação. Tal relato se transforma
convencional entendimento "essencialista"
numa fenomenologia estrutural: estrutural
das pessoas; (c) a crítica da filosofia da
porque mapeia "a representação e o enqua-
presença e representação na qual as incer-
dramento sistemáticos da ação social; é
tezas da linguagem assumem precedência
fenomenologia porque explora as interações
sobre a linguagem como um espelho da re-
sociais concretas (promessas, ameaças, acor-
alidade e um meio para a transmissão de
dos, conflitos) que são assim representados"
significado; (d) a perda dos fundamentos e
(1993:140). Forester (1992) ilustra seu
do poder das grandes narrativas, em que
enfoque por meio de leitura sensível de uma
uma ênfase em múltiplas vozes e políticas
situação empírica mundana, aparentemen-
locais é preferida em relação a quadros teó-
te trivial, uma reunião da equipe de plane-
ricos e projetos políticos de grande escala;
jamento de uma cidade. Ele explora seus
(e) a conexão poder/conhecimento no qual
dados - doze linhas de transcrição da reu-
as impossibilidades de separar poder de co-
nião - e mostra como as pretensões de vali-
nhecimento são assumidas e o conhecimento
dade pragmáticas de Habermas são produ-
perde um senso de inocência e neutralida-
tivas para explorar como as relações sociais
de; (f) hiper-realidade - simulacro - substi-
e políticas são estabelecidas, reordenadas e
tui o mundo real, em que simulações têm
reproduzidas, à medida que o pessoal da
precedência sobre a ordem social contem-
equipe fala e escuta.
porânea; e (g) a pesquisa visa à resistência
e à indeterminação, nas quais a ironia e o
jogo são preferidos à racionalidade,
PÓS-MODERNISMO E PESQUISA previsibilidade e à ordem. Consideremos
ORGANIZACIONAL cada um brevemente.
A centralidade do discurso
lingüísticas são centrais para a produção do lidades para o entendimento que estão es-
objeto. Tal posição é familiar já há algum condidas atrás do óbvio. A linguagem é,
tempo em trabalhos tão variados quanto então, central à produção de objetos na qual
Mead, Wittgenstein, e Heidegger, mas con- ela prove as distinções sociais/históricas que
tinua conduzindo a mal-entendidos, sendo fornecem unidade e diferença. A linguagem
o mais comum a pretensão ao relativismo. não pode refletir a realidade "lá fora", ou os
A posição não é, porém, relativista em qual- estados mentais de pessoas (Shotter e
quer modo solto ou subjetivo. A maioria dos Gergen, 1989; 1994). A linguagem é figu-
pós-modernistas não está preocupada com rativa, metafórica, cheia de contradições e
a chance de ser chamada relativista, ela está inconsistências (Brown, 1990; Cooper e
mais preocupada com a estabilidade apa- Burrell, 1988). O significado não é univer-
rente de objetos e a dificuldade de desfazer sal e fixo, mas precário, fragmentado e lo-
o alcance das atividades que produzem ob- cal (Linstead e Grafton-Small, 1992). Os
jetos particulares e os sustentam. pesquisadores organizacionais têm usado
Como mencionado na seção de iden- estas concepções para desconstruir objetos
tidades fragmentadas, os pós-modernistas da vida organizacional, incluindo o próprio
diferem dos demais à medida que descre- conceito limitado de organização. Talvez
vem o discurso no textual, versus uma for- entre os mais produtivos estejam aqueles
ma mais extensa. No conjunto, porém, eles que estudaram práticas contábeis. Prejuízo,
começam com a demonstração de Saussure despesas, e assim por diante, não têm ne-
que o ponto de vista cria o objeto. Ele pre- nhuma realidade sem práticas específicas
tendia que isso desse conta da importância que as criem. (Hopwood, 1987; Power e
da natureza carregada de valores do siste- Laughlin, 1992; Montagna, 1986). Outros
ma de distinções na linguagem, mas as prá- têm olhado para o conhecimento e a infor-
ticas lingüísticas e não lingüísticas rapida- mação (Boland, 1987). E outros, ainda, têm
mente relacionam-se. Deixe-nos usar um
breve exemplo: Um trabalhador é um obje-
to (como também um sujeito) no mundo,
mas nem Deus nem a natureza fizeram um
trabalhador. Duas coisas são requeridas para
um trabalhador existir: uma linguagem e um
conjunto de práticas que tornam possível
unidades e divisões entre pessoas, e algo ao
qual essas unidades e divisões possam ser
aplicadas. As perguntas "o que é realmente
um trabalhador"?, "O que é a essência de
um trabalhador?", "O que torna uma pes-
soa um trabalhador?" não são respondidas
olhando-se para algo que pode ser descrito
como um trabalhador, mas são produtos de
práticas lingüísticas e não lingüísticas que
fazem este algo tornar-se objeto. Neste sen-
tido, um trabalhador não é uma coisa isola-
da. Ter um trabalhador já implica uma divi-
são de trabalho, a presença de gerentes
("não trabalhadores"). A "essência" do tra-
balhador não são as propriedades que o "ob
jeto" contém, mas os conjuntos de sistemas
relacionais incluindo a divisão de trabalho.
O enfoque no objeto e nas propriedades do
objeto é um engano; a atenção deveria vol-
tar-se para os sistemas relacionais que não
estão simplesmente no mundo, mas são uma
compreensão humana do mundo, são dis-
cursivos ou textuais. O significado de "tra-
balhador" não está evidente e presente (con-
tido lá), mas adicionado aos conjuntos de
oposições e conjunturas, às relações que o
fazem parecido e não parecido com outras
coisas.
Desde que qualquer coisa no mundo
pode ser construído/expresso como muitos
objetos diferentes, limitado só pela cria-
tividade humana e pelos leitores de rastros
de compreensões passadas, o significado
nunca pode ser final, sempre estará incom-
pleto e indeterminado. A aparência de per-
feição e fechamento nos leva a negligenciar
as políticas em e de construção e as possibi-
TEORIA CRÍTICA E ABORDAGENS PÓS-MODERNAS PARA ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 197
I
A conexão poder/conhecimento
WÊÊkmmmmW
entram nos estudos organizacionais a par- capacidade de construir rapidamente ima-
tir daí é o conceito de disciplina de Foucault gens que substituem, mais do que represen-
(1977). As demarcações fornecem formas tam, um mundo exterior. Tais sistemas po-
de comportamento normativo apoiadas em dem dominar a cena com uma variedade de
reivindicações de conhecimento. Treinamen- mundos imaginários reproduzidos. O refe-
to, rotinas de trabalhos, autovigilância e rente desaparece como qualquer coisa a
especialistas compreendem a disciplina na mais além de outro sinal; assim, sinais só se
qual fornecem os recursos para a normali- referem a outros sinais; imagens são ima-
zação. Especialistas normativos em particu- gens de imagens. Tais sistemas podem se
lar e o conhecimento que eles criam provê- tornar puramente auto-referentes, ou o que
em de um disfarce para as práticas discur- Baudrillard chama de simulações (veja
sivas arbitrárias e geradoras de vantagens e Deetz, 1994b). Em tal mundo, na análise
facilitam a normalização (Hollway, 1984; de Baudrillard, os sinais estão desconectados
1991). O trabalho de Townley (1993), já para abrir uma relação com o mundo e as
discutido, mostrou cuidadosamente como o respostas modelares para um mundo-mo-
desenvolvimento do especialista em recur- delo substituem a ação responsiva em uma
sos humanos e o conhecimento de recursos em mudança real. Sinais alcançam o limite
humanos foi usado como um modo para estrutural de representação por referenciar
"determinar" e subordinar empregados. Tal apenas a eles mesmos, com pequena rela-
conhecimento também pode ser utilizado ção com qualquer exterior ou interior.
por empregados para se ocupar da autovi- Baudrillard expressa essa relação como se-
gilância e autocorreção de atitudes e com- gue:
portamentos com relação a normas e expec-
tativas estabelecidas por outros (Deetz, 'A forma-signo [presente em um có-
1995; Capítulo 10; no prelo b). digo monopolista] descreve uma organi-
zação completamente diferente: o signifi-
cado e o referente são abolidos, agora em
proveito exclusivo do jogo dos significan-
Hiper-realidade tes, de uma formalização generalizada na
qual o código já não se refere a qualquer
Escritos pós-modernos variam em ter- realidade subjetiva ou objetiva, mas a sua
mos de como lidam com a relação da lin- própria lógica... O sinal já não designa
guagem com a área não lingüística das pes- qualquer coisa. Ele aproxima seu verda-
soas e do mundo. Um foco lingüístico rígi-
do e uma crítica rigorosa da filosofia da pre-
sença deixam pouco interesse em referên-
cia a uma realidade extratextual pré-forma-
da e relativamente constante. A maioria dos
pós-modernistas trata o exterior como um
tipo de excesso ou alteridade, que serve
como recurso para formações e também
impede sistemas de linguagem de se torna-
rem fechados e puramente imaginários.
Enquanto o referente não tem nenhum ca-
ráter específico, ele sempre excede os obje-
tivos feitos dele, o que nos lembra a nature-
za limitada de todos os sistemas de repre-
sentação e suas indeterminações fundamen
tais (Cooper, 1989). A presença da alte-
ridade na indeterminação fornece um mo-
mento para mostrar a dominação presente
em qualquer sistema, para abri-la e quebrar
a auto-referencialidade de alguns sistemas
textuais.
Os pós-modernistas mostram como
muitos sistemas lingüísticos ou represen-
tacionais são auto-referentes. Tais sistemas
não estão ancorados no mundo socialmen-
te produzido como objetivo, nem respeitam
o excesso de um exterior. Eles produzem o
mesmo mundo que parecem representar
com precisão. Por exemplo, a mídia contem-
porânea e os sistemas de informação têm a
I 200 PARTE I - MODELOS DE ANÁLISE ___________________
deiro limite estrutural que é referir-se mos . Ela demonstra a atividade de constru-
ape- ção e prove a indeterminação baseada no
nas a outros sinais. Toda a realidade, en- excesso de exterior. As construções positiva
tão, se torna o lugar de uma manipulação e polar são, ambas, mostradas como atos
semi-impulsiva, de uma simulação estru-
de dominação, subjetividade violentando o
tural" (1975 : 127-128).
mundo e se limitando no processo. Nesse
O mundo como compreendido não é movimento, conflitos que foram reprimidos
realmente uma ficção nessa situação, uma pelo positivo são trazidos de volta para
vez que não há um "real" fora, que seja re- redecisão, e o campo conflitivo do qual os
tratado falsamente ou que possa ser usado objetos são formados é recuperado para a
para corrigir essa compreensão. Ele é cor- determinação criativa - diferenciação cons-
retamente imaginário, não tem nenhum tante e rediferenciação. Dado o poder do
oposto, nenhum exterior. Baudrillard usou fechamento e o modo como ele entra em
o exemplo da diferença entre fingir e simu- rotinas e no senso comum, especialmente
lar uma enfermidade para mostrar o cará- em simulações, tais releituras requerem uma
ter desta representação pós-moderna: fin- forma particular de rigor e imaginação. As
gir ou dissimular deixa o princípio de reali- releituras são formadas por um agudo senti-
dade intacto; a diferença sempre está clara, do de ironia, uma jocosidade séria e, fre-
só é mascarada; enquanto que a simulação qüentemente, são guiadas pelo prazer que
ameaça a diferença entre o verdadeiro e o a pessoa tem de estar livre das compulsões
falso, entre o imaginário e o real. Desde que estúpidas de um mundo tornado excessiva-
o simulador produza os sintomas verdadei- mente fácil e violento. Um exemplo bom
ros, ele está doente ou não? Ele não pode desse tipo de leitura é o relato que Calas e
ser tratado objetivamente nem como doen- Smircich (1988) fazem do artigo de uma
te, nem como não doente (1983:5). Essas revista positivista da corrente dominante -
idéias têm inspirado alguns estudos de or- em que eles começam com a pergunta "Por
ganização enfatizando o caráter imaginário que nós deveríamos acreditar neste autor?"
de organizações modernas (Berg, 1989; e, então, apontam os truques retóricos en-
Alvesson, 1990; Deetz, 1994c; 1995). Como volvidos em persuadir o leitor. Outro exem-
é comum com idéias pós-modernas em teo-
ria de organização, esses estudos não se-
guem suas fontes de inspiração até suas con-
seqüências finais (extremas).
à ciência social do que foi expresso pelos gurus dominant ideology thesis. Londres : Allen and
referidos. Isso significa que não há necessariamen- Unwin, 1980.
te uma relação "um-para-um" entre o que se pode
encontrar apoio claro em textos-chave de Derrida, ALVESSON, M Organization Theory and
Foucault etc. e o que se sumaria como uma posi- technocratic consciousness: rationality, and
ção pós-modernista. Aqui seguiremos esta práti- quality of work. Berlin, New York: de
ca e conteremos as dúvidas com respeito às ra- Gruyter,
zões para resumir parcialmente autores e temas
1987.
intelectuais muito diferentes (Alvesson, 1995), -
uma ação que provavelmente conquistaria pouca ______ . Organization: from substance to image?
simpatia por parte dessas pessoas. Organization Studies, 11: 373-394, 1990.
2. Nós deveríamos observar, antes de seguir adian-
______ . Cultural perspectives on organizations.
te, que uma das funções das histórias é produzir
um número de textos/acadêmicos (a) como uma Cambridge : Cambridge University Press,
escola de pensamento, e (b) como nova ou dife- 1993a.
rente, tanto pelas vantagens profissionais para __ . The play of metaphors. In: HASSARD, J.,
seus praticantes, quanto como um jeito de demar-
PARKER, M. (Eds.). Postmodernism and
car uma comunidade. E interessante observar que
esta produção histórica é importante não para
organizations. Londres : Sage, 1993b.
precursores ou gurus - que freqüentemente re- __ . The meaning and meaninglessness of
sistem a rótulos como pós-modernismo - mas, postmodernism: some ironic remarks.
também, para seguidores e apoiadores. As vanta-
Organization Studies, 15, 1995.
gens políticas e de confirmação de identidade são
mais claras para estas pessoas. __ . Communication, Power and organization.
3. Como em muitas questões, há variações, aqui, Berlin/New York : de Gruyter, 1996.
entre os pós-modernistas. Derrida não aborda
diretamente o tema. Foucault é o que chega mais
__ , SKÒLDBERG, K. Towards a reflexive
perto, ao apoiar uma visão da teoria crítica con- methodology. Londres : Sage, 1996.
tra a engenharia social como uma solução, em- _, WILLMOTT, R (Eds.). Critical
bora ele não esteja sem ambigüidade neste pon- management studies. Londres : Sage, 1992.
to. Lyotard aparece para ter sentimentos mistu-
rados sobre este problema. A maioria dos autores __ , WILLMOTT, H. Strategic management as
da ciência social, que defendem o pós-modernis- domination and emancipation: from
mo, partilham o ceticismo da teoria crítica neste planning and process to communication and
ponto. praxis. In: STUBBART, C, SHRIVASTAVA, P
4. A discussão nesta sessão foi adaptada da discus- (Eds.). Advances in strategic management.
são de Deetz (no prelo a) sobre os problemas com Greenwich, CT : JAI Press, 1995. v. 11.
as divisões de paradigmas de Burrell e Morgan
(1979). Várias revisões de Burrell e Morgan são
cruciais. O termo "normativo" é usado para des-
crever na sua maior parte as mesmas posições de
pesquisa que Burrell e Morgan chamaram de
"funcionalista". Isto livra a descrição de uma es-
cola particular de pensamento sociológico e cha-
ma a atenção para suas pesquisas do normal, da
regularidade e da natureza carregada de valor de
seu uso em "normalizar" pessoas e as condições
sociais existentes. "Dialógico" chama a atenção
para o aspecto relacionai do pós-modernismo e
evita a questão da periodização. Observe que o
trabalho crítico é mostrado com mais afinidade
com o trabalho normativo (em vez da total opo-
sição na configuração funcionalista/radical-
humanista de Burrell e Morgan) por causa de suas
qualidades diretivas em contraste com a forte
orientação para a alteridade nos trabalhos inter-
pretative e dialógico. A dimensão elite/a priori,
local/ emergente substitui a dimensão subjetivo-
objetivo em Burrell e Morgan. O dualismo sujei
to/objeto, no qual a dimensão deles foi baseada,
é severamente falho. Primeiro, ela tende a repro-
duzir o dualismo sujeito/objeto presente nas filo-
sofias que sustentam a pesquisa normativa, mas
não as outras posições. Segundo, ela posiciona
erradamente a pesquisa normativa, menosprezan-
do sua subjetividade na dominação da natureza
e definindo a experiência de pessoas para elas. E
terceiro, ela deixa de realçar a qualidade do cons-
trucionismo de todos os programas de pesquisa.
5. Isto é, então, basicamente, uma sociologia ou tipo
de periodização da psicologia pós-moderna e é,
também, usada, em certa medida, por autores que
não se vêem como pós-modernistas ou falam de
pós-modernismo, por exemplo, Berger et al.
(1973) ou Lasch (1978; 1984).
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-
9
NOTA TÉCNICA: FRUTAS MADURAS
EM UM SUPERMERCADO DE
IDÉIAS MOFADAS
THOMAZ WOOD, JR.
POSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
QUESTÕES E TEMAS
EMERGENTES
EM ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS
10
Do PONTO DE VISTA DA MULHER:
ABORDAGENS FEMINISTAS EM
ESTUDOS ORGANIZACIONAIS*
MARTA B. CALAS E LINDA SMIRCICH
ABORDAGENS FEMINISTAS E
ESTUDOS TEORIA FEMINISTA LIBERAL
ORGANIZACIONAIS
Essa perspectiva tem sua origem na
Neste capítulo, descrevemos como di- tradição política liberal desenvolvida duran-
versas abordagens do pensamento feminis- te os séculos XVII e XVIII, quando o domí-
ta se conectam com as teorias e as práticas nio da igreja e do feudalismo davam cami-
organizacionais, e como cada uma destas nho para o surgimento do capitalismo e da
enfoca aspectos específicos, enquanto igno- sociedade civü; quando aspirações por igual-
ra outros. Conforme a discussão for avan- dade, liberdade e fraternidade levavam à
çando, perceberemos mudanças nos temas, superação da ordem monárquica (Cockburn,
nas questões centrais e no vocabulário; des- 1991). Uma nova visão de pessoas e de so-
de a preocupação com a mulher (seu aces- ciedade estava surgindo com base em dois
so a organizações e seu desempenho), pas- pressupostos fundamentais sobre a nature-
sando pela relação entre gênero e organi- za humana: o dualismo normativo (dicoto-
zação (a noção de práticas organizacionais mia mente/corpo), que concebe a raciona-
influenciadas por relações de gênero), até a lidade como capacidade mental separada do
consideração da estabilidade das catego- corpo; e o individualismo abstrato, que dá à
rias "gênero", "masculinidade", "feminilida-
de" e "organização". Cada linha de pensa-
mento oferece formas alternativas para o No original, (dis)located positions. (N.T.)
Fontes: Jaggar (1983); Mohanty, Russo e Torres (1991) ; Tong (1989); Tuana e Tong (1995); Weedon (1987).
222 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
literatura sobre mulheres gerentes ainda mos da pesquisa organizacional que não
está tentando demonstrar que as mulheres considera o gênero (Calas e Jacques, 1988).
também são pessoas. Consistentemente com Ou seja, é difícil encontrar nesses trabalhos
os lemas do liberalismo político, concebe as qualquer desenvolvimento teórico sobre o
organizações como loci da racionalidade, tema do gênero. As questões formuladas e
dos atores autônomos, cujo objetivo maior as abordagens seguidas mimetizam o conhe-
é tornar as organizações eficientes, efetivas, cimento desenvolvido e utilizado em pes-
eficazes e justas (Tabela 2). Assim, o tema quisas que não enfatizam essa questão.
central não é a eliminação da desigualdade Uma preocupação recorrente nesta li-
sexual, mas a busca da eqüidade sexual (jus- teratura é determinar se há diferenças de
tiça de gênero). sexo/gênero, dentro dos conceitos orga-
nizacionais tradicionais tais como liderança
(Adams et al., 1984; Butterfield e Powell,
Trinta anos tentando 1981; Chapman, 1975; Dobbins e Platz,
demonstrar que as 1986; Eagly et al., 1992; Jago e Vroom,
1982; Schneier e Bartol, 1980); usos do po-
mulheres também são pessoas der (Ayers-Nachamkin et al., 1982;
Mainiero, 1986; Wiley e Eskilson, 1982);
Discutiremos brevemente, em segui- stress no trabalho (Jick e Mitz, 1985; Nel-
da, alguns temas representativos dessa lite- son e Quick, 1985); satisfação no trabalho
ratura, que é também a que mais extensiva- (Brockner e Adsit, 1986; Smith e Plant,
mente revisamos (veja também Adler e 1982; Varca et al., 1983; Waters e Waters,
Izraeli, 1994; Fagenson, 1993; Gutek e 1969; Weaver, 1978); e compromisso
Larwood, 1987; Moore, 1986; Pilotta, 1983; organizacional (Bruning e Snyder, 1983;
Powell, 1988,1993; Sekaran e Leong, 1991;
Terborg, 1977). Parte substancial dessa área
de pesquisa tem-se devotado a documentar
desigualdades nos locais de trabalho em ter-
mos de ocupações segregadas, desigualda-
des remuneratórias e carreiras com peque-
na amplitude (Larwood e Gutek, 1984; Blau
e Ferber, 1986; Freedman e Phillips, 1988).
Em geral, a pesquisa mostra que as atitu-
des, as tradições e as normas culturais ain-
da representam barreiras para o acesso das
mulheres a posições de maior status e mais
bem remuneradas, apesar das sanções le-
gais contra a discriminação sexual (Nieva e
Gutek, 1981; Larwood e Gutek, 1984). Da-
dos os padrões considerados discrimina-
tórios, pesquisadores tentam determinar os
fatores que os sustentam.
A literatura aborda esses problemas de
diferentes formas. As primeiras pesquisas
sobre mulheres gerentes enfatizaram as va-
riáveis psicológicas que contribuíam para a
discriminação. Mais recentemente, tem ha
vido um interesse crescente em explicações
estruturais, com a ênfase mudando para
pesquisas com enfoque sociológico. Uma ter-
ceira abordagem vai além das circunstânci-
as legais e aborda a interseção da organiza-
ção com o sistema social.
Pesquisa psicológica e
centrada no indivíduo
Chusmir, 1982; Zammuto et al, 1979). Além Gallos, 1989; Ragins e Cotton, 1991; Smith,
disso, conceitos específicos tais como este- 1979; Tharenou et al., 1994).
reótipos sexuais (Brenner, 1982; Cleveland
e Landy, 1983; Gordon, 1974; Ilgen e
Terborg, 1975; Osborn e Vicars, 1976) e
androginia (Bem, 1976; Powell e Butterfield,
1979; Sargent, 1981; Spence e Helmreich,
1981) parecem ser levados em considera-
ção apenas para fins corretivos: a possibili-
dade de eliminar diferenças de sexo/gêne-
ro dos temas organizacionais.
Há igualmente uma considerável pro-
dução sobre tópicos da gestão tradicional de
recursos humanos, tais como os vieses atri-
buíveis às diferenças sexuais ou de gênero
no recrutamento (Forsythe et al., 1985;
Powell, 1987; Sterrett, 1978); seleção
(Heilman e Martell, 1986; Mai-Dalton e
Sullivan, 1981; Rosen e Mericle, 1979); ava-
liação de desempenho (Grams e Schwab,
1985; Hall e Hall, 1976; Heilman e Stopeck,
1985; Nieva e Gutek, 1980; Pulakos e
Wexley, 1983; Rose, 1978); e remuneração
(Cooper e Barrett, 1984; Martin e Peterson,
1987; Sigelman et al., 1982).
Pesquisa sociológica e estrutural
do que, embora sua intenção seja a de trans- nismo radical pregou a criação de um espa-
cender o gênero, poderia provavelmente ço das mulheres, por meio de instituições e
reforçar e perpetuar estereótipos. organizações alternativas, voltadas para a
Esse feminismo é "radical" por ser satisfação de suas necessidades: colocação
centrado na mulher. Visa a uma nova or- do cuidado médico em suas mãos;
dem social em que as mulheres não sejam propiciação às mulheres de habilidades tra-
subordinadas aos homens. Para esse propó- dicionalmente inexistentes, tais como me-
sito, cruza a sexualidade com as relações cânica de automóveis e carpintaria; criação
de poder. Propõe arranjos sociais, políticos, de asilos para mulheres fisicamente
econômicos e culturais alternativos, agredidas e centros de apoio a vítimas de
freqüentemente separatistas, que desafiam estupro, assim como outras organizações
os valores da cultura dominada pelo mas- culturais, tais como livrarias, galerias de
culino (Koedt et al., 1973). Feministas radi- arte, festivais de cinema e de música, para
cais retomaram a ligação entre mulher e fortalecer sua expressão cultural. Tais espa-
natureza (em contraposição à homem-cul- ços são necessários para articular e
tura) e nela encontraram uma fonte de for- revalorizar o que é desvalorizado pela cul-
ça e poder. Enfatizaram o valor positivo de tura predominantemente masculina. Como
qualidades identificadas com as mulheres: Ellen Randall mostra, no Caso 2, o teto de
sensibilidade, capacidade de expressar emo- vidro existe apenas porque se valoriza mui-
ções e de prover cuidados. Em virtude de to a ascensão na corporação, com uma abor-
sua proximidade com a natureza, as mulhe- dagem competitiva de empregos que enfa-
res têm uma forma diferente de encarar o tiza a escassez.
mundo: emocional, não verbal, espiritual, Os grupos de conscientização, como
que contrasta com as formas patriarcais, fóruns de análise coletiva da opressão das
baseadas na lógica e na razão (Jaggar, mulheres, eram referidos como "sem líde-
1983). O feminismo radical sugere que é res" e "sem estruturas" - uma prática de
possível para as mulheres reconquistar o grupo. O "sistema de sorteio e rotatividade"
sentido de unicidade e conectar-se ao "fe- tentava institucionalizar a igualdade, a par-
minismo autêntico fora do patriarcado por ticipação e o desenvolvimento das habilida-
meio de uma contracultura feminina: um des dos membros (Koen, 1984). Papéis es-
feminismo cultural (Echols, 1983; pecíficos para cada reunião, tais como pre-
Eisenstein, 1983). Genericamente então, sidente ou secretária eram distribuídos ao
feministas radicais propõem políticas sepa- acaso, enquanto outros, como tesoureiro, ao
ratistas, pelo menos até que homens e mu-
lheres se tornem iguais.
Ao reforçar todos os valores femini-
nos, o feminismo radical abriu espaço para
as mulheres etnicamente não brancas e para
as lésbicas articularem suas diferenças, pes-
soais e políticas, das mulheres brancas e
heterossexuais (Frye, 1983; Lorde, 1983;
Moraga e Anzaldúa, 1983). Ainda, a pers-
pectiva radical das mulheres não brancas
tende a enfatizar subjetividades mais flui-
das e flexíveis que as posições fortemente
essencialistas de outras perspectivas radicais
(Alcoff, 1988).
Teoria feminista radical e
organizações alternativas
No fim dos anos 60, as feministas ra-
dicais descobriram e colocaram em prática
formas organizacionais que refletem valo-
res feministas, tais como igualdade, comu-
nidade, participação e integração de forma
e conteúdo (Brown, 1992; Ferree e Martin,
1995; Koen, 1984). No início, isso implicou
a negação da liderança e da estrutura
(Joreen, 1973). Eram, então, reativas, pro-
curando rejeitar todos os elementos asso-
ciados à forma masculina de poder. O femi-
I 230 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
acaso e por tempo determinado. Nas reuni- os mais importantes para a aderência de
ões, a rotatividade equilibrava a participa- uma organização aos valores feministas se-
ção e evitava qualquer monopolização das jam a estrutura e os processos decisórios
discussões. Embora tais formas organiza- participativos, em detrimento da liderança.
cionais tenham-se mostrado excelentes para A Tabela 3 compara o modelo de Koen com
criar comunidades de aprendizagem, foram os de Rothschild, Iannello e P Y. Martin.
menos eficazes para garantir a sustenta-
bilidade de ações políticas: ao dispersar ou
pulverizar a energia, os grupos se dissolvi-
am. Conseqüentemente, os grupos começa-
ram a experimentar formas organizacionais
igualitárias e não opressivas, mas que tam-
bém reconhecessem um papel para formas
de "estrutura" e "liderança" (Koen, 1984;
Brown, 1992).
A partir dos anos 70, inúmeros estu-
dos de caso exploraram práticas organiza-
cionais feministas (Baker, 1982; Brown,
1992; Cholmeley, 1991; Epstein etal., 1988;
Farrell, 1994; Ferree and Martin, 1995;
Hyde, 1989; Koen, 1984; Iannello, 1992;
Leidner, 1991a; Morgen, 1994; Reinelt,
1994; Riger, 1984; Rothschild, 1992 -seu
modelo de seis pontos foi republicado em
Robbins, 1996 : 568; Schwartz et al., 1988;
Sealander e Smith, 1986). A maior parte
dessas organizações aceitam os valores e
metas do feminismo radical, combinados
com a atenção aos temas da hierarquia e
das estruturas organizacionais similares
àquelas encontradas nas teorias da anarquia
e nas organizações coletivistas (Iannello,
1992; Rothschild-Whitt, 1979). Por exem-
plo, a pesquisa etnográfica de Koen (1984)
em três "negócios" explicitamente "femini-
nos" sugere que encontrar uma estrutura
organizacional que promova maior partici-
pação e empowerment é chave para a práti-
ca feminista. Ela identificou cinco elemen-
tos organizacionais que refletem valores fe-
ministas em organizações: processo decisó-
rio participativo, sistema de liderança
rotativa, desenhos de trabalho flexíveis e
interativos, sistema de distribuição de ren-
da eqüitativo, responsabilização política e
interpessoal. Entre estes, ela acredita que
DO PONTO DE VISTA DA MULHER! ABORDAGENS FEMINISTAS EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 231 |
■■■■■■■■I
Tabela 3 Uma comparação entre quatro "práticas organizacionais feministas".
ca favorece abordagens clínicas que no, seriam menos obedientes e mais influen-
conectem o mundo da mente dos indivídu- ciadas pelos sentimentos em detrimento da
os com suas experiências de desenvolvimen- razão. A crítica feminista a esse corpo teóri-
to. Apesar de utilizar uma variedade de co refere-se à sua visão insensível e inacu-
métodos, todas compartilham a ênfase na rada da estrutura psicológica feminina
compreensão da pessoa em sua totalidade (Firestone, 1970; Millet, 1970; Friedan,
e de seu modo de se relacionar com seu 1963); ou rejeita o determinismo biológico
mundo. Muitas teorizações feministas psi- freudiano e reinterpreta a teoria psicanalí-
canalíticas originaram-se da psicanálise tica em termos de influências culturais que
freudiana, mas como crítica e correção de afetam a identidade de gênero da mulher
seus vieses misóginos ou como base para (Thompson, 1964; Horney, 1974).
uma interpretação psicanalítica centrada na Em geral, o feminismo psicanalítico
mulher (Tong, 1989). nega o determinismo biológico das interpre-
Freud propôs que, para se desenvol- tações psicanalíticas tradicionais de gênero
ver como adultos normais, as crianças pas- e sexualidade. Em vez disto, considera que
sariam por diversos estágios de desenvolvi- arranjos sociais específicos (como a família
mento psicossexual. Originalmente, as patriarcal) levam a distinções no desenvol-
crianças, a despeito de seu sexo biológico, vimento psicológico feminino e masculino,
são "polimoríicamente perversas", obtendo o que pode ser alterado pela mudança das
prazer sexual físico a partir de diversas for- condições estruturais que produzem o de-
mas de estímulo corporal. As crianças tran- senvolvimento desigual de gênero (Flax,
sitariam dessa sexualidade perversa e múl- 1990; Tong, 1989). A esse respeito, uma
tipla para uma sexualidade genital heteros- corrente importante do feminismo psicana-
sexual normal, ao passar pelos diversos es- lítico, inspirada na teoria relações-objeto
tágios de desenvolvimento. A passagem mais (Winnicott, 1975), enfoca o estágio pré-
crítica para as crianças é a resolução do com- edipiano em vez do edipiano, e os relacio-
plexo de Edipo, a mãe como objeto de amor namentos entre mãe e criança. A respeito,
e de desejo, que surge em média dos três Dinnerstein (1977) argumenta que, por ser
aos quatro anos. O fato de que os meninos a mãe a fonte tanto da dor quanto do pra-
têm pênis, e as meninas não, afeta o modo zer, as crianças aprendem a culpar a mãe/
como superam esse estágio. Para os meni- mulher por tudo de errado que lhes aconte-
nos, ela reside em sua habilidade de trans- ce na vida, o que, por sua vez, leva a um
formar seu amor pela mãe em medo do pai,
o que ocorre quando percebem que as mu-
lheres não têm pênis e que devem ter sido
castradas pelo pai. O medo da castração pelo
pai os faz renunciar ao desejo pela mãe e se
submeter à autoridade paterna, desenvol-
vendo então um forte superego e, eventual-
mente, eles mesmos se tornando pais. As
meninas resolvem seu drama edípico de
outra forma. Ao perceber que não têm pê-
nis, mas que os meninos sim, pressupõem
que foram castradas e começam a invejar a
superioridade dos corpos infantis masculi-
nos. Devido a isto, começam a rejeitar suas
mães e a transferir seu amor para o pai (su
perior). Eventualmente, o desejo pelo pênis
do pai é sublimado por seu desejo de ter
um bebê, que se torna o mais importante
substituto do pênis.
De acordo com a teoria freudiana, as
meninas teriam maior dificuldade em supe-
rar o complexo de Édipo e vir a desenvolver
uma sexualidade adulta normal, o que está
explicitado nos trabalhos sobre diferentes
neuroses e limites do desenvolvimento
psicossexual da mulher, incluindo referên-
cias a seu senso ético inferior (Tong, 1989).
As mulheres não conseguem desenvolver
superegos tão fortes como os homens: fal-
tar-lhes-ia o forte senso de justiça masculi-
ü234 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
como as identidades são construídas por A teoria feminista socialista é uma con-
meio de práticas sociais como o trabalho, fluência dos feminismos marxista, radical e
observando que poder e sexualidade estão psicanalítico (Jaggar, 1983; A. Ferguson,
entrelaçadas nas relações de trabalho. 1989). Resultou da insatisfação de feminis-
O feminismo marxista não é apenas tas marxistas com a cegueira da questão de
crítico do feminismo liberal por sua concep- gênero e sua tendência a considerar a opres-
ção errônea da natureza humana e por seu são feminina como não sendo tão impor-
entendimento inadequado do processo de tante quanto a opressão dos trabalhadores
trabalho, mas também por sua cegueira do (Tong, 1989). As feministas socialistas tam-
patriarcado (Hartmann, 1976; Game e bém criticam os feminismos radical e psica-
Pringle, 1984). Portanto, o feminismo mar- nalítico por suas tendências generalizantes,
xista acrescenta gênero às preocupações assumindo as condições patriarcais como
analíticas da perspectiva marxista, para cor- normativas, dando pouca importância às
rigir sua falta de atenção para com essa di- circunstâncias históricas ou culturais. Em
nâmica. Embora exista uma hierarquia en- particular, o feminismo radical é considera-
tre os homens, materializada na estrutura do ingênuo ao pretender que exista uma
de classes, os homens (como um grupo) "cultura das mulheres" sob o patriarcado e
dominam e controlam as mulheres (como o capitalismo. As teorias feministas socia-
um grupo), por meio de uma estrutura/sis- listas pretendem, pois, incorporar as virtu-
tema de gênero (Jaggar, 1983; Lorber, des de cada uma dessas correntes e, ao mes-
1994). O feminismo marxista, então, trata mo tempo, superar seus limites. Em parti-
da dupla opressão da mulher, como classe e cular, essa visão teoriza o gênero dinamica-
gênero. mente, em termos processuais e materiais.
Dessa perspectiva, o feminismo libe- Gênero aqui significa mais que uma identi-
ral é totalmente inadequado para explicar a dade binaria socialmente construída: "gê-
situação das mulheres na economia. Sua nero é um elemento constitutivo das rela-
abordagem acrítica das mulheres nas orga- ções sociais baseadas nas diferenças perce-
nizações e o excesso de ênfase no geren- bidas entre os sexos e uma forma primor-
ciamento são totalmente inadequados para dial de significação de relacionamentos de
os interesses das mulheres. Isto é, para as poder" (Scott, 1986 : 1067).
feministas marxistas, a economia capitalis- Para analisar esses relacionamentos, as
ta não é mais bem descrita por conceitos feministas socialistas utilizam duas aborda-
como forças de mercado, padrões de troca,
oferta e demanda - como apregoa a teoria
econômica liberal/clássica -, mas pelas re-
lações de desigualdade e poder. Nesse sen-
tido, as organizações de trabalho são im-
portantes loci para a análise da reprodução
da desigualdade de sexo/gênero, à medida
que expõem a conexão entre patriarcado e
capitalismo.
Em síntese, o feminismo marxista ana-
lisa a dinâmica produtiva e reprodutiva das
dinâmicas de gênero na organização capi-
talista e patriarcal da economia e da socie-
dade, lembrando que as desigualdades de
gênero persistem e persistirão se não ocor
rerem grandes mudanças estruturais. As
perspectivas feministas marxistas tradicio-
nais deram lugar a perspectivas feministas
socialistas, elaboradas em seguida, que são
de especial importância para estudos orga-
nizacionais. Ainda, alguns trabalhos
neomarxistas recentes trazem contribuições
significativas sobre a análise dos relaciona-
mentos público (local de trabalho) e priva-
do (ambiente doméstico) (Gibson, 1992;
Fraad et al., 1989).
gens principais: teoria sistêmica dualista e balho baseada em critérios de gênero, Young
teoria sistêmica unificada. A primeira con- chama a atenção para os indivíduos que
sidera o capitalismo e o patriarcado como produzem na sociedade e como são dife-
fenômenos separados que se conectam e se renciadamente explorados: por exemplo,
relacionam mútua e dialeticamente: o capi- como o papel das mulheres como força de
talismo é sempre um modo de produção trabalho secundária se tornou um aspecto
material e historicamente determinado, e o fundamental do capitalismo.
patriarcado é considerado tanto uma estru- Em resumo, o feminismo socialista tem
tura material como ideológica. Mitchell enfatizado a integração analítica da estru-
(1974), por exemplo, observa que o status tura social e da ação humana para explicar
e as funções de uma mulher são determina- a persistência da segregação e da opressão
dos conjuntamente por seu papel na produ- de gênero (Wharton, 1991). Além disso, por
ção, na reprodução, na socialização das meio de desenvolvimentos teóricos que le-
crianças e na sexualidade. É bem provável vam em consideração o espaço e as relações
que a opressão da mulher persista, caso suas sociais, tais como os "pontos de vista das
psiques não experimentem uma revolução mulheres" (Hartsock, 1983; Harding, 1986),
equivalente a que se efetivará na transição ele tem-se preocupado particularmente com
do capitalismo ao socialismo. Em seu ponto questões epistemológicas: não apenas o que
de vista, o capitalismo é material, mas o há para ser conhecido, mas como o conhe-
patriarcado é ideológico e, portanto, mais cimento é constituído e com que propósi-
próximo da visão psicanalítica. tos. Por isto, o feminismo socialista tem-se
Outras abordagens sistêmicas dualis- reportado a interseções entre gênero, raça,
tas, similares ao feminismo radical, consi- classe e sexualidade de modo mais eficaz
deram o patriarcado como uma estrutura que as abordagens feministas já analisadas
material. Hartmann (1976; 1981a.; 1981b) (Collins, 1990; Anzaldúa, 1990; Lugones e
argumenta que o feminismo marxista, ao Spelman, 1983).
subsumir a relação das mulheres aos ho-
mens sob relações dos trabalhadores com o
capital, desmerece o objeto real da análise
feminista: as relações entre masculino e fe-
minino. Uma análise marxista do capita-
lismo necessitaria ser complementada por
uma análise feminista do patriarcado - as
diferentes formas de dominação da mulher
por interesses masculinos. O "salário da fa-
mília" é negociado pelos homens para man-
ter a servidão das esposas e sua subordina-
ção em casa; a "família de renda dupla" não
mudou realmente a situação patriarcal - a
mão-de-obra feminina é mais mal remune-
rada e sobrecarregada, uma vez que man-
tém a maior parte da responsabilidade quan-
to ao trabalho doméstico e à manutenção
da família. Do ponto de vista de Hartmann,
então, as mulheres têm que lutar contra sua
exploração material sob o patriarcado,
ao mesmo tempo em que lutam contra sua
exploração material sob o capitalismo.
No entanto, cada uma dessas lutas tem que
ser travada com armas diferentes e muito
específicas, de acordo com a arena: se no
ambiente doméstico ou nos locais de traba-
lho.
Teorias sistêmicas dualistas não estão
imunes a críticas (Ferguson e Folbre, 1981;
Folbre, 1985, 1987; Young, 1980). A abor-
dagem sistêmica unificada, defendida por
Young, considera os relatos sobre a deter-
minação material do patriarcado como pro-
motora de uma dicotomização entre as es-
feras familiar e econômica, que não questi-
ona quando e como essa divisão ocorreu e
se sustenta. Ela também argumenta que o
patriarcado, como uma construção psicoló-
gica, poderia ser falsamente considerado
como sendo menos opressivo para as mu-
lheres que a opressão econômica capitalis-
ta. Por meio do conceito da divisão do tra-
DO PONTO DE VISTA DA MULHERI ABORDAGENS FEMINISTAS EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 239
vos (Collinson et al., 1990). O trabalho Zimmerman, 1987) e nas piadas (Collinson,
empírico, realizado por sociólogos, teóricos 1988), de modo que a organização em si é
do processo de trabalho, etnólogos e outros, considerada como um ato de comunicação
mostra como pressupostos de gênero im- baseado em gênero (Buzzanell, no prelo;
pregnam as expectativas sociais e como Mills e Chiaramonte, 1991). Por meio de
interagem com as regras e práticas conversas organizacionais e de interações
organizacionais. Revelam, igualmente, os interpessoais, limitam-se as escolhas dos
microprocessos e as micro-práticas que cons- indivíduos (Nes e Iadicola, 1989), e atribu-
tituem os arranjos estruturais macrossociais tos de personalidade que podem bloquear
(Acker, 1990; 1994). o desenvolvimento humano são criados e
Conforme foi concebido por Acker, a mantidos ("muito emocional", "muito sen-
persistente estruturação por linhas de gê- sível", "não suficientemente independente
nero é reproduzida de diversas formas, sen- a ponto de tomar as decisões mais difíceis").
do uma delas pelos procedimentos cotidia- Os processos de criação de identidade - es-
nos que segregam, gerenciam, controlam e colha da profissão, uso da linguagem, estilo
constróem hierarquias nas quais o gênero, e sua apresentação como um membro
a classe e raça estão envolvidos (Acker, sexuado da organização - também contri-
1990). Nas práticas de recrutamento e de buem para a segregação (Acker, 1990,1994;
promoção, percebem-se claramente os "cír- Benschop e Doorewaard, 1995; Hearn et al.,
culos viciosos da segregação do trabalho" 1989; Hearn e Parkin, 1987; Rantalaiho e
(Collinson et al., 1990). Quando as firmas Heiskanen, no prelo; Reskin e Roos, 1990).
oferecem empregos de meio-expediente, A esse respeito, Sheppard (1989) e Piller
eles tendem a ser ocupados por mulheres, (1996) analisam o "trabalho corporal" re-
aumentando, assim, a proporção destas nos querido para mulheres gerentes; Leidner
níveis mais baixos da organização (1991b), por seu turno, examina como a
(Cockburn, 1991). A estrutura de gênero separação de profissões reforça a idéia de
persiste também nas práticas remunera-
tórias e nos processos de avaliação de de-
sempenho, resultando na desvalorização das
dimensões interpessoais do trabalho, tais
como a preocupação, o escutar, a emparia.
"Trabalho assistencial" é "trabalho de mu-
lher" e menos remunerado (Acker, 1989;
Fletcher, 1994b). Outra forma de perpetua-
ção das estruturas de gênero e de raça nas
organizações também ocorre com a justifi-
cativa e legitimação das diferenças e desi-
gualdades por meio de símbolos, imagens
ou ideologias (Acker, 1990,1994; Benschop
e Doorewaard, 1995; Billing e Alvesson,
1993; Gherardi, 1994, 1995; Mills, 1988,
1995; Mills e Tancred, 1992): ao se imagi-
nar como seria o membro ideal da organi-
zação, o top manager ou seu herói, a ten-
dência predominante é que sejam homens
(Kanter, 1977; Aaltio-Marjosola, 1994;
Stivers, 1993). Os processos simbólicos tam
bém estão associados às atividades de tra-
balho, ocasionando o surgimento de empre-
gos diferenciados por gênero e constituin-
do as "estruturas de oportunidade" que alo-
cam corpos sexuados na organização, como
acontece nas academias (Morley, 1994; J.
Martin, 1994) e nas vendas de seguros
(Collinson e Knights, 1986; Leidner, 1991b).
As estruturas de gênero também se
sustentam por meio de interações sociais que
propiciam a dominação e a submissão
(Acker, 1990,1994; Cockburn, 1991; Game
e Pringle, 1984; Hall, 1993; Rantalaiho e
Heiskanen (no prelo); P Y. Martin, 1996; D.
Smith, 1987, 1990a, 1990b; West e
Fenstermaker, 1995). Análises de conversa-
ções mostram como diferenças de gênero
em interrupções das discussões e na sua re-
tomada, bem como na preparação da pau-
ta, recriam desigualdades de gênero no
"fluir" da conversa rotineira (West e
DO PONTO DE VISTA DA MULHER." ABORDAGENS FEMINISTAS EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 241
■r-------------- -mm
diferença "natural"; enquanto Sahlin-
Andersson (1994), mostra, em um estudo O QUE PODE SER FEITO?
sobre enfermeiras, como a "identidade fe- TEORIZANDO SOBRE UMA DIFERENTE
minina" se reflete nas interações entre elas
ORDEM SOCIAL
e entre elas e o médico. Recentemente, a
atenção dos pesquisadores tem-se voltado
A criação de "homens" e "mulheres"
para "homens" como categoria social, exa-
socialmente intercambiáveis requer trans-
minando os pontos comuns entre masculi-
formações nos sistemas sociais: a restru-
nidades, gerência e organização (Collinson
turação de nossas relações mais íntimas, de
e Hearn, 1994,1996; Connell, 1995; Kerfoot
laços de parentesco, sexualidade, amizade,
e Knights, 1993; Kvande e Rasmussen, 1994;
paternidade/maternidade, assim como re-
P Y. Martin, 1996). Segundo a visão de Acker
lações de trabalho (Lorber, 1986); o desen-
(1990 : 145):
volvimento de uma estrutura remuneratória
Homens, individualmente, e grupos neutra, em que todo trabalho possa ser
particulares de homens nem sempre ven- igualmente valorizado e que todos os tra-
cem nesses processos, mas a masculinida- balhadores assalariados possam receber
de sempre parece simbolizar a auto-estí- igual compensação por seu trabalho; o de-
ma para os que estão nos níveis orga- saparecimento da divisão sexual do traba-
nizacionais inferiores, e poder para os que
lho no mercado e na família; a compensa-
estão nos níveis superiores; ao mesmo
ção igual para todos os trabalhos, incluindo
tem-
po em que confirmam, para ambas as ca- o cuidado com os dependentes (Folbre,
tegorias, a superioridade de seu gênero. 1994; Phillips e Taylor, 1980); a adoção de
As teorias que defendem a neutralidade políticas legais e tributárias não baseadas
de gênero da organização e da burocracia em gênero, famílias e sexualidade não
não podem dar conta, adequadamente, marcadas pelo gênero (Hooks, 1984; Lorber,
dessa contínua estruturação. Precisamos 1986,1994; Paige e Paige, 1981). Essas so-
diferentes estratégias teóricas para luções são muito mais radicais que as tenta-
exami- tivas de "nivelamento" de homens e mulhe-
nar as organizações como processos de
res em relações e categorias de trabalho já
gênero, nas quais a sexualidade também
desempenha um importante papel.
cínio, o "conhecimento" termina sendo, por ção positiva e uma constante lembrança aos
exclusão, nada além da diferença com rela- "senhores" da posição igualmente precária
ção aquilo que é "não-conhecimento" - uma de suas afirmações sobre o "conhecimento".
representação que depende de um "outro", Irigaray (1985a, 1985b) utiliza imagens
freqüentemente desvalorizado e invisível sobre a heterogeneidade e a multiplicidade
para a legitimação. da mulher, os múltiplos pontos de prazer
O foco no relacionamento entre lin- sexual em seus corpos, para contrariar os
guagem e conhecimento estende-se em di- argumentos filosóficos e psicanalíticos.
versas direções pelos diferentes teóricos. Kristeva (1980), por sua vez, desaloja o re-
Derrida, por exemplo, enfatiza a multi- lacionamento entre a linguagem feminina e
plicidade do "outro" como uma condição a masculina e os corpos sexuados de homens
que sempre defere o significado do termo e mulheres. A busca humana pelo retorno
primário (denominado "conhecimento"). As da linguagem feminina reprimida na ordem
tradicionais noções logocêntricas sobre "co- simbólica torna a subjetividade humana ins-
nhecimento", desconstruídas por Derrida em tável e sempre em processo, permitindo,
sua textualidade imediata, são analisadas assim, identidades de gênero e posições sub-
por Foucault por meio de genealogias his- jetivas mais fluidas e flexíveis.
tóricas. Foucault (1977; 1980) enfatiza as A influência de Foucault produziu ou-
emergentes relações entre poder e conheci- tra linha de feminismo pós-estrutural. Em-
mento constituídas constantemente em dis- bora reconhecendo os problemas de adotar
cursos e práticas, por meio das quais consti- um olhar acrítico sobre seu trabalho
tuímos nossos selves e definimos nossa sub- (Sawicki, 1991), a influência de Foucault
jetividade. Assim, o corpo humano se torna não é surpreendente se considerarmos o
um locus que legitima e normaliza certos apelo político mais imediato de seus argu-
discursos e práticas como "verdade" e "co- mentos sobre o poder, e sua ruptura com as
nhecimento". Por sua vez, Lacan (1977) teorias tradicionais do sujeito que privile-
reinterpreta as teorias freudianas sobre os giam visões dominantes (patriarcais) sobre
estágios pré-edipiano e edipiano no desen- conhecimento e conhecer. Diamond e
volvimento infantil ao enfatizar a importân- Quinby identificam quatro interseções en-
cia da entrada das crianças no domínio da tre Foucault e o feminismo:
linguagem. Ele argumenta que ocorre uma Ambos identificam o corpo como o
divisão quando a criança entra no estágio locus do poder, isto é, da dominação para
simbólico (lingüístico), perde o senso do a obtenção da docilidade e da constitui-
todo e a noção de completude do estágio
imaginário (pré-lingüístico). Assim, o self
que é possível dentro da ordem simbólica é
sempre uma essência, um self desejoso de
ser novamente completo.
Essa breve excursão por algumas
idéias pós-estruturalistas básicas prepara o
cenário para os argumentos de diferentes
correntes de "teorias" feministas pós-estru-
turalistas. As feministas francesas concen-
traram seus argumentos no relacionamen-
to entre linguagem e "ser mulher". Elas es-
tenderam os insights de Derrida e de Lacan
para considerar o espaço particular que a
figura lingüística da "mulher" ocupa, como
aquele que é "outro" para o sistema de lin-
guagem dominante (falocêntrica), no siste-
ma de regras e conceitos de conhecimento
da modernidade. Para essas autoras, tenua-
mente inspiradas por Simone de Beauvoir
(1972), a "alteridade das mulheres" é um
espaço a ser ao mesmo tempo exigido e
problematizado. Por exemplo, Cixous e
Clément (1986) articulam a possibilidade
de uma écriture feminine como um espaço
em que "o outro" representaria a si próprio.
A marginalidade e elusividade dessa idéia a
torna, ao mesmo tempo, uma representa-
244
(Cullen, 1994); a análise feminista de Gray Fischer, 1993; Fischer e Bristor, 1994) e ad-
(1994) de seus próprios trabalhos sobre ministração escolar (Capper, 1992), entre
colaboração; enxertos de uma "ética do cui- outras.
dado" em argumentos de construção de te- Todos esses trabalhos não apenas fo-
orias (R. Jacques, 1992); a desconstrução calizam a construção e a precária natureza
de tabus organizacionais que permitem o do gênero na organização, mas também re-
ressurgimento de conflito de gênero es- velam o envolvimento dos "estudos organi-
condido (J. Martin, 1990); e análises femi- zacionais" na constituição de arranjos de
nistas sobre a "racionalidade limitada" gênero. Ellen Randall, no Caso 5, retrata
(Mumby e Putnam, 1992). Os trabalhos de como o "teto de vidro" pode ser visto de uma
Holvino (1994) e Nkomo (1992) são exem- perspectiva feminista pós-estruturalista. Dis-
plares; questionam a "racialização" e a solve-se a separação entre as práticas
"generização" do discurso organizacional. organizacionais que criam o teto de vidro e
No entanto, não há fronteiras disciplinares as práticas de pesquisa que produzem co-
na análise organizacional pós-moderna, nhecimento sobre ele: ambos são interliga-
embora existam pesquisas representativas dos, como a "política do conhecimento" e a
nas áreas de contabilidade (Shearer e "política da identidade" constituem-se uma
Arrington, 1993), marketing (Bristor e à outra.
-------------------------------------------------
TEORIZAÇÕES TERCEIRO- loniais para articular "outros conhecimen-
MUNDISTAS/ tos", que iluminariam
utilizadas pelo "restante" para desconstruir centrado e essencial para sua legitimação.
o Ocidente. Alguns argumentam que as fer- Há uma subjetividade positiva com base na
ramentas teóricas utilizadas em análises qual os colonizados poderiam representar-
(pós)colonialistas são as dos opressores; se depois do ato desconstrutivista? Diver-
outros tentam demonstrar como os coloni- sas respostas a essa preocupação foram ofe-
zados semprem reapropriam as ferramen- recidas: a noção de essencialismo estratégi-
tas dos mestres (Lorde, 1983) e as empre- co desenvolvida por Spivak (1988) e Said
gam em seus próprios interesses. Assim, o (1989) descreve "um uso estratégico do
movimento desconstrutivista é perfeitamen- essencialismo positivista em prol de um in-
te consistente com as práticas históricas: é teresse político escrupulosamente visível"
uma forma de recriá-las no presente. Ainda (Spivak, 1988 : 13), e demonstra a possibi-
há, no entanto, o problema da identidade lidade para o engajamento em lutas políti-
representativa dos colonizados: quem é esse cas aparentemente contraditórias, enquan-
"outro" que desconstrói o Ocidente? Existe to mobiliza suporte para e de grupos que po-
um dilema em como representar as subjeti- deriam, de outra forma, aparecer em apoio
vidades pós-colonialistas sem pintá-las como a diferentes agendas. No entanto, alguns te-
um romântico "outro nativo" ou apenas em óricos (pós) colonialistas (Radhakrishnan,
seu relacionamento com seus opressores. 1994) consideram o essencialismo estraté-
Como os escritores podem articular um su- gico como outra instância de reutilização das
jeito terceiro-mundista/(pós)colonial sem "ferramentas do mestre", por meio da re-
reclamar um espaço original primordial, versão de suas táticas metropolitanas. Ou-
com base no qual possa representar sua tra noção, a hibridização (Bhabha, 1988;
ação, tanto histórica como experiencial- García-Canclini, 1990), pode ser lida tanto
mente? Como podem oferecer um espaço como resistindo às forças de assimilação em
para a representação fora das lutas de po- uma cultura dominante como representan-
der com o colonizador? do novas formas que, simultaneamente, in-
Parry (1995) identifica duas aborda- tegram e desintegram a modernidade e a
gens diferentes nas desconstruções (pós)
colonialistas, a primeira representada pelo
trabalho de Gayatri Spivak (1987, 1988) e
a outra por Homi Bhabha (1985, 1990). As
desconstruções de Spivak são produzidas
por meio de um duplo movimento. Primei-
ramente, ela considera o silêncio e a mudez
do colonizado (subalterno) que, ao cruzar
sua própria tradição patriarcal com os inte-
resses do colonizador, conspira em sua pró-
pria subjetivação e, dessa forma, não pode
falar por si mesmo. A mulher subalterna é
ainda mais silenciosa. O segundo movimen-
to de Spivak requer que a intelectual
(pós) colonialista contemporânea desenvol-
va uma estratégia específica para ler a his-
tória do colonizado, pontuando uma estó-
ria que dê à mulher subalterna uma voz na
história. Isso significa uma releitura de ve-
lhas estórias coloniais, por exemplo, sobre
o Sati (sacrifício da viúva), dispondo de ca-
tegorias fixas de gênero das quais depen-
dem para sua inteligibilidade no Ocidente
(Mani, 1989). Bhabha segue uma aborda-
gem diferente. Em sua leitura das estórias
coloniais, ele revela que os colonizados já
questionaram anteriormente o texto do co-
lonizador de seu próprio jeito: as posições
subjetivas mutantes e contraditórias que os
colonizados demonstram nesses textos são
indicativas das dificuldades representa-
cionais que colocaram para o colonizador.2
As preocupações permanecem, no en-
tanto, sobre o poder político de um discur-
so que reside em um sujeito descentrado,
móvel, múltiplo, constituído na diferença,
como uma posição para representar o "co-
nhecimento", uma vez que as "políticas do
conhecimento", como as conhecemos, têm
se baseado em um sujeito universal,
DO PONTO DE VISTA DA MULHER! ABORDAGENS FEMINISTAS EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 249
MM ■■■■MM ■■■■MM
de reprodução da
desigualdade dos
gêneros.
As relações
familiares que
identifica
podem aplicar-se
somente a algumas
famílias
privilegiadas em
termos de
gênero, raça e
classe.
Nulo em termos de
impacto na
literatura
organizacional e
nas
relações
trabalho/família.
Na literatura
organizacional, a
abordagem da
vantagem feminina
reitera, sem
críticas, as
condições que
DO PONTO DE VISTA DA MULHER! ABORDAGENS FEMINISTAS EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS 255
Tabela 4 Continuação.
Tabela 4 Continuação.
1 314
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das como estabelecidas, que mais e mais AALTIO-MARJOSOLA, Iiris. Gender stereotypes
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enquanto eram abordadas muitas preocu- 4(2):
pações já expressas neste capítulo. Nesse 139-58, 1990.
contexto, então, é adequada a reprodução
das palavras de Betty Friedan por ocasião
da Conferência:
A compreensão dos problemas em
nosso mundo social dinâmico requer um
novo paradigma de política social, trans-
cendendo toda a "política de identidade"...
Buscar os interesses separados das
mulhe-
res não é a forma mais adequada e provo-
ca, até mesmo, mais divisão. Em vez dis-
so, deve haver uma nova visão de comuni-
dade - precisamos reenquadrar nosso
con-
ceito de sucesso... As "questões das mu-
lheres" são sintomas de problemas que
afe-
tam a todos... Nossa tarefa agora é a de
sair dessa polarização para uma noção de
comunidade que possa unir a todos como
pessoas decentes. Será que as mulheres
estão fortalecidas o suficiente para se jun-
tar aos homens e, eventualmente, condu-
zi-los rumo a essa nova visão? (Friedan,
1995 : 31-2)
A isto respondemos: apenas se estiver-
mos fortalecidas o suficiente a ponto de de-
safiar as noções convencionais de organiza-
ção, sua ética e seus valores, isto é, se for-
mos fortes o suficiente para desafiar e mu-
dar o discurso dominante e colonialista tan-
tas vezes quantas forem necessárias. Esse é
o objetivo desse capítulo.
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tos em seus próprios méritos para afiliação dores independentes de status (isto é, inde-
ao grupo (i.e., independente da pendentes de posse de recursos ou de ou-
autodefinição de alguém). Por exemplo, o tros traços relevantes de status). O núcleo
fato de uma pessoa não se identificar forte- de seu argumento é que quando as identifi-
mente como sendo homem ou mulher não cações de grupo tornam-se altamente
significa que seu gênero não será importan- correlacionadas com uma diferença de re-
te na maneira pela qual as outras pessoas cursos intercambiáveis, a identificação do
relacionam-se com ele/ela e, assim, a iden- grupo torna-se um indicador de status que
tidade sexual pode afetar as experiências de é, depois, usado para determinar a inclusão
vida, quer a pessoa se identifique por gêne- ou exclusão de redes sociais importantes e,
ro ou não. À luz disso, para que a extensão definitivamente, é assumida como uma au-
em que a identidade social seja entendida torização para a competência geral. Usan-
como limitada à autoconcepção de uma pes- do as equações desenvolvidas por Skvoretz
soa (Abrams e Hogg, 1990), algum outro (1983), Ridgeway prevê que o gênero é uma
conceito é necessário para entender o papel identidade de grupo especialmente vulne-
que outros assumem na definição das iden- rável para este ciclo porque homens e mu-
tidades de grupo relevantes para uma pes- lheres são quase igualmente representados
soa. na população.
Embora bem desenvolvida na litera- Uma contribuição notável desses teó-
tura de psicologia social, a teoria da identi- ricos da construção social para o trabalho
ficação social apenas recentemente tem sido sobre a diversidade é que eles discutem a
aplicada ao campo organizacional. Ashforth aplicabilidade da identidade social em múl-
e Mael (1989) e Wharton (1992) apresen- tiplos níveis de análise. Tradicionalmente,
tam trabalhos teóricos que mostram a a TIS tem enfocado o nível individual, mas
interação da identidade social com um ou ao enfatizar o contexto social, esses autores
mais aspectos do contexto social. Ashforth deixam claro a importância do grupo - e da
e Mael (1989) sinalizam que uma combina-
ção dos fatores prevalecentes das organiza-
ções trabalha para intensificar os efeitos da
identificação do grupo. Esses fatores in-
cluem a presença de numerosos grupos for-
mais e informais e a distinção dos traços de
vários grupos (por exemplo, diferenças de
metas e processos entre as unidades de tra-
balho).
Wharton (1992) e Ridgeway (1991)
adotam uma abordagem de construção so-
cial para mostrar como a identidade social
é especificamente aplicável ao tópico da di-
versidade da força de trabalho nas organi-
zações. Wharton (1992) argumenta que
gênero e raça devem ser vistos como cate-
gorias socialmente construídas na pesquisa
organizacional. Para ela, uma implicação
dessa abordagem é que a identificação com
grupos de gênero e raça deve ser entendida
como evocada por estímulos contextuais em
vez de o ser por componentes fixos de um
autoconceito individual. Essa visão acom-
panha diretamente um trabalho anterior
sobre etnicidade situacional e etnicidade
emergente (por exemplo, Yancey et al.,
1976; Okamura, 1981; McGuire et al., 1978;
Stayman e Deshpande, 1989). Uma contri-
buição central desse corpo de trabalho é ilu-
minar as forças contextuais que determinam
saliências de identidade, como o tipo de ta-
refa a ser desempenhado e as característi-
cas demográficas dos grupos de trabalho.
O trabalho de Ridgeway (1991) enfoca
o valor do status das características nomi-
nais. Usando a teoria estrutural de Blau
(1977) e a teoria dos estados de expectati-
va de Berger e Zelditch (1985), ela explica
por que as identidades de grupo como gê-
nero e raça causam impacto em níveis de
interação social com pessoas que têm aces-
so a recursos e, portanto, tornam-se indica-
DIVERSIDADE E IDENTIDADE NAS ORGANIZAÇÕES 282 I
zacional oferece a pesquisa mais direta e Antes do final dos anos 60, pouca aten-
extensiva sobre os efeitos específicos da di- ção era dada a assuntos de raça e gênero no
versidade nos resultados e no desempenho estudo das organizações (Cox e Nkomo,
no trabalho. De fato, a motivação central 1990), sugerindo que os empregados esta-
do trabalho empírico sobre a demografia vam isentos dessas identidades. A atenção
organizacional tem sido no sentido de de- em larga escala para assuntos de raça e gê-
terminar o impacto da composição demo- nero nas organizações iniciou-se após a
gráfica das organizações ou grupos de tra- aprovação da legislação sobre a igualdade
balho nos resultados do trabalho (Tsui et de oportunidades de emprego e sobre a não-
al., 1995). Uma revisão da pesquisa empírica discriminação no final dos anos 60 e início
sugere que a heterogeneidade potencial- dos anos 70 nos Estados Unidos e, em me-
mente demográfica tem efeitos positivos e nor grau, em países da Europa Ocidental,
negativos sobre os resultados do trabalho principalmente na Grã-Bretanha (Cox e
de interesse para os profissionais. Por um Nkomo, 1990; Nkomo, 1992; Sivanandan,
lado, a heterogeneidade (comparada à 1985). A literatura que apareceu repenti-
homogeneidade dos grupos) reduz a coe- namente girou em torno das seguintes ca-
são dentro do grupo e a satisfação dos mem- tegorias cobertas pela legislação: gênero,
bros (pelo menos nos grupos majoritários) raça, país de origem, religião e idade. Uma
e aumenta o turnover (Jackson et al., 1991; vez que o maior volume de pesquisa acu-
Tsui et al., 1992; Wharton e Baron, 1987). mulado retrata racioetnia e gênero, enfo-
Por outro lado, a heterogeneidade, pelo camos nossa atenção nessas duas áreas.
menos sob certas condições, aumenta a Muito menos atenção tem sido dada à
criatividade, a qualidade da tomada de de- orientação sexual e à habilidade física (Hall,
cisão e a inovação (Jackson e associados, 1989; Harris, 1994; Munyard, 1988; Stone
1992; Ancona e Caldwell, 1992; Bantel e et al., 1992; Woods, 1993).
Jackson, 1989). A meta de muitas dessas pesquisas tem
E significativo notar que esse corpo de sido documentar o tratamento diferencia-
pesquisa mostra o que denominamos "di-
versidade não administrada", isto é, nenhum
esforço aparente foi feito para reduzir os
potenciais efeitos negativos da diferença nos
grupos de trabalho ou para acentuar os po-
tenciais efeitos positivos. Portanto, a ques-
tão que surge é: podem atitudes tais como
o conhecimento sobre as diferenças cultu-
rais, permitindo mais tempo para se chegar
às decisões, além de outras intervenções,
serem usadas para reduzir os efeitos nega-
tivos da heterogeneidade e aumentar os efei-
tos positivos? Acreditamos que a resposta é
sim. Há alguma pesquisa empírica que pa-
rece apoiar essa conclusão. Adler (1986)
relata estudo experimental em que equipes
culturalmente diversas foram comparadas,
em termos de produtividade, a equipes cul-
turalmente homogêneas. Os resultados in-
dicaram que uma atenção cuidadosa para a
dinâmica da diversidade pode ser a diferen-
ça entre os efeitos globais positivos e nega-
tivos sobre os resultados de desempenho do
grupo. Em outro estudo, os escores de cria-
tividade de díades heterogêneas (definidas
como diferentes em atitudes) foram com-
parados àqueles de díades homogêneas. As
constatações indicaram que quando não há
intervenção para dirigir as diferenças de
atitude, as díades heterogêneas foram me-
nos criativas do que as homogêneas, mas
quando houve algum treinamento destina-
do a aumentar o entendimento e a comuni-
cação entre os membros, os resultados fo-
ram revertidos (Triandis et al., 1965).
Pesquisa sobre
racioetnia e gênero
DIVERSIDADE E IDENTIDADE NAS ORGANIZAÇÕES
Etnologia
cipais partes do modelo são aspectos da di- conseqüências negativas. Nossa modelagem
versidade, estados de mediação e processos alternativa exige elaboração.
e conseqüências/manifestações comporta- A principal implicação desse conjunto
mentais. Todas as três são analisadas em três de prescrições é que a identidade deve ser
níveis - individual, interpessoal e equipe - entendida como um constructo complexo,
e dentro de um contexto mais amplo de for- multifacetado e passageiro (Bhavnani e
ças organizacionais e sociais. Conforme esse Phoenix, 1994). O fato dos indivíduos te-
modelo, pode-se analisar "diversidade" rem identidades múltiplas e não uma iden-
como uma característica: de indivíduos, das tidade única contribui para a complexidade
diferenças entre um indivíduo e seu grupo da identidade nas organizações. Os indiví-
de trabalho e como uma característica do duos não são apenas africanos, europeus,
próprio grupo de trabalho. Além disso, as coreanos, brancos, negros, mulheres, ho-
dimensões da diversidade são listadas como mens, gerentes de marketing ou gerentes de
relacionadas à tarefa (tempo de trabalho, produção. As identidades se cruzam para
formação educacional etc.) ou orientadas às criar uma identidade amalgamada. As ma-
relações (gênero, raça etc). A combinação neiras pelas quais as identidades interagem
dos atributos individuais, similaridade ou tornam-se destacáveis são importantes
interpessoal e formação de equipes é posi-
cionada para afetar resultados como desem-
penho pessoal, equilíbrio de poder e cria-
tividade da equipe. Entretanto, esse rela-
cionamento é mediado por grande número
de tarefas e variáveis relacionais, tais como
atenção, memória, estágio de socialização
e respostas cognitivas e afetivas.
Em resumo, três desses modelos pos-
suem arquiteturas similares uma vez que são
conjuntos de aprendizados sobre o que é
importante, e não declarações teóricas
parcimoniosas, que são facilmente adapta-
das às equações matemáticas a serem testa-
das com estatística linear Também, como
pode-se esperar, há considerável sobrepo-
sição dos conceitos dentro dos modelos te-
óricos, embora as definições e o posicio-
namento desses conceitos difiram conside-
ravelmente. O nível de complexidade dos
modelos, embora apropriado ao fenômeno,
provavelmente, impedirá seu teste empírico
completo. Ao contrário, parece que eles são
melhor usados como modelos heurísticos
que podem orientar a pesquisa empírica
desenhada para testar várias subconfi-
gurações. Para facilitar tal utilização, Cox
(1993) oferece mais de 40 proposições teó-
ricas testáveis derivadas do modelo inte-
rativo de diversidade cultural (MIDC).
REMODELANDO IDENTIDADE E
DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES
Após revisar parte da teoria e pesqui-
sa que forma largamente a base para a pes-
quisa sobre diversidade, na última coluna
da Tabela 1 oferecemos nossa sugestão para
o tratamento do conceito de identidade. Para
acelerar o desenvolvimento teórico da di-
versidade nas organizações, devemos come-
çar com a remodelação do conceito de iden-
tidade. Especificamente, o entendimento das
identidades de diversidade será acelerado
por perspectivas teóricas que: (1) definem
e mensuram explicitamente a identidade de
grupo dos indivíduos; (2) atendem ao sig-
nificado cultural, histórico e social da iden-
tidade; (3) tratam a identidade como uma
medida de escala contínua em vez de mera-
mente como categorias discretas, assim,
permitindo aos membros dos grupos dife-
rir, na extensão em que uma identidade es-
pecífica seja mais perceptível para eles; (4)
detalham a relevância da categorização so-
cial por outros à identidade de grupo de al-
guém; (5) detalham efeitos da identidade
em níveis múltiplos de análise (individual,
grupai, organizacional e societal); e (6)
mostram explicitamente os efeitos da diver-
sidade sem assumir a inevitabilidade das
DIVERSIDADE E IDENTIDADE NAS ORGANIZAÇÕES 292
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- , __ _
para um contexto organizacional. Assim, o nero (por exemplo, Acker, 1990; Calas e
estudo de uma identidade envolve, neces- Smircich, 1992; Mills e Tancred, 1992); a
sariamente, a atenção com sua interação identidade social das mulheres (por exem-
com outras identidades. plo, Skevington e Baker, 1989); e a identi-
Entretanto, deve-se fazer distinções dade homossexual (por exemplo, Cass,
entre as identidades baseadas em catego- 1979) que têm relevância na pesquisa so-
rias sociais como raça, gênero, etnia e clas- bre identidades diversas nas estruturas
se e as identidades baseadas em categorias organizacionais. Por exemplo, há um corpo
como função organizacional ou tempo de de trabalho emergente explorando o signi-
serviço. A teoria da identidade social pode ficado da identidade racial branca e da cons-
parecer um modelo geral para o exame das trução social da cor branca (por exemplo,
conseqüências de todos os tipos de identi- Carter et al., 1994; Frankenberg, 1993;
dades de grupo. Entretanto, seu campo Helms, 1990; Roediger 1991).
empírico original nos experimentos de gru- Ao mesmo tempo, devemos evitar o
po mínimo limita sua aplicação para o en- essencialismo em nosso tratamento de iden-
tendimento das identidades de grupo base- tidade, reconhecendo sua variabilidade. A
adas em categorias socialmente marcadas, identidade é construída socialmente e não
como racioetnia, gênero e classe (Henriques, inata. Pode ser mensurada nominalmente
1984; Lloyd, 1989; Michael, 1990). De acor- como propriedade objetiva de um indivíduo.
do com Michael (1990), as teorias Como Stuart Hall (1992) tem enfatizado, a
intergrupais e a teoria da identidade social, identidade não é estável ou fixa, mas social
em particular, têm sistematicamente negli- e historicamente construída e sujeita a con-
genciado o conteúdo, preferindo esclarecer tradições, revisões e mudança. Uma visão
os processos ou mecanismos que delineiam de construção social enfatiza o entendimen-
o comportamento intergrupal. Conseqüen- to do processo por meio do qual as distin-
temente, a exclusão do conteúdo tende a ções de identidade emergem e tornam-se
elevar o processo, sugerindo que os proces- visíveis aos indivíduos e grupos nas organi-
sos são universais, independentemente da zações (Wharton, 1992).
base de identidade. Entretanto, a identida- A identidade precisa ser entendida em
de baseada na função organizacional ou no quatro níveis de análise: individual, grupai/
tempo de serviço pode ser assumida, difun- intergrupal, organizacional e social. Isso é
dida ou perdida quando um indivíduo dei-
xa uma organização. Quando as categorias
de identidade sócio-históricas são compa-
radas com categorias menos marcadas so-
cialmente, como função organizacional, o
significado do racismo, sexismo e outras
formas de dominação nas organizações e na
sociedade mais ampla é negligenciado.
O estudo das identidades diversas nas
organizações deve, portanto, ser adequada-
mente situado em seu contexto social e o
conteúdo específico das diferentes catego-
rias sociais deve ser explicado (Duveen e
Lloyd, 1986). Especificamente, para estabe-
lecer a dialética entre o conteúdo e os pro-
cessos intergrupais, há necessidade de al
guma teoria sobre a relação que existe en-
tre grupos específicos e as circunstâncias
sócio-históricas que têm dado origem às
identidades relevantes. Em outras palavras,
isso significa identificar e descrever o con-
teúdo da identidade racial, identidade de
gênero, identidade étnica, identidade cul-
tural etc. versus uma identidade social ge-
nérica ou, ao mínimo, pensar em termos da
identidade social de um grupo específico
(por exemplo, a identidade social das mu-
lheres). Há algumas pesquisas em outras
disciplinas sobre: identidade racial (por
exemplo, Helms, 1990; Cross, 1991; Tinsley,
1994); o significado de raça (por exemplo,
Omni e Winant, 1986); o significado de gê-
293PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
I
_____________________
_ ____________
particularmente importante para evitar a zões. As oposições fixadas ocultam a exten-
tendência da pesquisa sobre identidades são em que as coisas apresentadas como
diversas implicar que o peso da mudança opostas são, de fato, interdependentes e re-
deve ser atribuído apenas aos membros da lacionadas.3 Hall afirma que "por exemplo,
organização. E, também, para evitar a su- há diferenças entre as maneiras que os gê-
posição que os efeitos negativos das identi- neros são social e fisicamente construídos.
dades diversas são originados nos deficien- Mas não há rigidez nessas oposições. Trata-
tes processos cognitivos dos indivíduos. Se se de uma oposição relacionai; é uma rela-
confinarmos nossa análise ao nível indivi- ção de diferença" (1991 : 16, com nossa ên-
dual, mais a dinâmica sistêmica intergrupal, fase). O pensamento oposto implica não
organizacional e societal ficará inexplorada apenas a diferença, mas a hierarquia em que
e, conseqüentemente, a real possibilidade um grupo é, geralmente, superior e o outro
de mudança organizacional será reduzida. inferior (Derrida, 1976). O grupo dominante
Os aspectos importantes da identidade como obtém, de fato, o privilégio de reduzir ou
uma posição de grupo pode também ser suprimir seu opositor. Martin (1992 : 136)
negligenciada se os pesquisadores confina- também observa que o pensamento oposto
rem suas análises ao nível individual. Por não pode valorizar a diversidade em toda
outro lado, a confiança apenas na análise sua complexidade porque não pode expli-
ao nível de grupo falha em reconhecer que car os atributos mistos que podem cair en-
podem haver diferenças individuais de iden- tre pólos opostos.
tidade do grupo. A identidade também não
é homogênea nos grupos sociais. Isto é,
deve-se prestar atenção às diferenças de
identidade dentro dos grupos. Muitos indi-
víduos podem não compartilhar as normas,
valores e linguagem de um grupo, apesar
da similaridade em termos demográficos ou
culturais. No nível organizacional, deve-se
prestar atenção aos fatores contextuais mais
amplos que afetam e moldam a identidade.
Os significados societais, a construção e a
formação da identidade também permeiam
as fronteiras organizacionais. Por exemplo,
nova legislação, desenvolvimentos políticos
e mudanças demográficas têm afetado o
modo como a identidade é percebida e en-
tendida.
Finalmente, grande parte do trabalho
sobre a diversidade nas identidades tem sido
dominada pelos efeitos negativos das dife-
renças. Tem havido uma tendência a univer-
salizar as condições para o conflito inter-
grupal e a ver a diversidade das identida-
des como um "problema" que não pode ser
evitado. Isto sugere que as conseqüências
negativas da categorização representam
uma condição da natureza humana e que
pouco pode ser feito para mudar os fenô-
menos dos grupos. Entretanto, argumenta-
mos que todos os efeitos potenciais devem
ser entendidos, e que o foco deve estar no
entendimento da categorização como uma
prática discursiva (ver Marshall e Wetherell,
1989).
PROBLEMAS E DILEMAS
METODOLÓGICOS
Pensamento dicotômico
As prescrições mencionadas neste ca-
pítulo dão origem a inúmeras questões e
dilemas metodológicos práticos. Entender
isso é importante para se ir além dos
paradigmas de pesquisa que têm dominado
a pesquisa organizacional sobre diversida-
de e identidade. Na maior parte, a pesquisa
decorrente das teorias e da bibliografia re-
visada neste capítulo reflete o pensamento
dicotômico sobre a identidade (por exem-
plo, negro versus branco; inglês versus lati-
no, homem versus mulher etc). O pensa-
mento oposto é problemático por várias ra-
DIVERSIDADE E IDENTIDADE NAS ORGANIZAÇÕES 294 |
A mensuração da identidade
295PARTE II - QUESTÕES E
---------------- , --- _ --------------
TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
----
podem mensurar apenas a quantidade (ou tudo de caso enfocando as relações dos neo-
a força) da identidade, respondendo a ques- zelandeses brancos com os neozelandeses
tão: quanta identificação (Condor, 1989)? maoris revelou a textura heterogênea e
Elas não podem mensurar a questão da qua- estratificada das práticas, argumentos e re-
lidade: De que maneira a identidade é ma- presentações, admitidos como verdadeiros
nifestada? Para entender o significado cul- em uma sociedade específica. Eles concluí-
tural e a variabilidade do significado da ram que o racismo é uma manifestação do
identidade entre grupos sociais dentro das padrão desigual das relações de poder na
organizações, os pesquisadores necessitam Nova Zelândia, e não o resultado de um gru-
expandir suas metodologias para incluir po étnico tendo ilusões irracionais em rela-
abordagens etnográficas. Nas abordagens ção a outro.
tradicionais de pesquisa, a categorização dos Relacionado à mensuração da identi-
grupos é vista como fenômeno natural, ao dade está como considerar as diferenças
invés de como algo passageiro (Potter e intergrupais. Não podemos presumir igual-
Wetherell, 1987). Nas abordagens mais dade de identidade dentro de um grupo.
lingüisticamente orientadas, como na Nem todos os membros de um grupo po-
etnometodologia e na análise do discurso, dem construir ou responder à identidade de
o interesse está em como as categorias são seu grupo da mesma forma. Ao invés de
constituídas no discurso diário e as várias assumir homogeneidade de identidade, os
funções que satisfazem (Potter e Wetherell,
1987). A categorização é considerada uma
realização social sutil e complexa. A teoria
e a análise do discurso cobrem o estudo de
todos os tipos de textos escritos e a interação
oral (formal e informal), com particular
atenção às funções atendidas pela lingua-
gem e às implicações das construções lin-
güísticas específicas. Ela examina como as
categorias são flexivelmente articuladas no
curso de certos tipos de conversas e reda-
ções para realizar metas específicas como
exclusões, culpas ou justificativas (Parker,
1992; Potter e Wetherell, 1987). Ao estudar
a linguagem, costumamos falar que a diver-
sidade das identidades é tão importante por-
que, como Parker (1992 : xi) destaca: "A lin-
guagem é tão estruturada para refletir as
relações de poder que, freqüentemente, po-
demos não ver outras maneiras de ser, e ela
estrutura a ideologia de tal forma que é di-
fícil ser a favor ou contra a mesma."
Há exemplos disponíveis da aplicação
da análise do discurso no estudo da identi-
dade. Entrevistas abertas têm sido usadas
por alguns acadêmicos para enfocar o con-
teúdo das categorias de identidade e sua
construção a partir da experiência social
(por exemplo, veja Condor, 1986). A análi-
se do discurso tem sido usada como uma
forma de entender como a identidade de
gênero é constituída no discurso
(Skevington e Baker, 1989; Marshall e
Wetherell, 1989). A ênfase está em exami-
nar como as pessoas conversam sobre uma
identidade específica. Em artigo de 1989,
Marshall e Wetherell examinaram como um
grupo de estudantes composto por homens
e mulheres, recém-ingressos na carreira de
advogado, constróem sua identidade e ima-
gem próprias em relação ao seu próprio gê-
nero. Os pesquisadores encontraram mui-
tas inconsistências e contradições na amos-
tra de entrevistados. A maioria dos questio-
nados desenvolveu um modelo essencialista
de gênero e muitos também argumentaram
que homens e mulheres eram iguais em ter-
mos de perspectiva e habilidades. Este tipo
de variabilidade, argumentado por Marshall
e Wetherell (1989) é lugar comum no dis-
curso espontâneo. Tais análises ajudam a
capturar a natureza fluídica e contraditória
da identidade.
Whetherell e Potter (1992) usaram a
análise do discurso para mapear a lingua-
gem do racismo na Nova Zelândia. Seu es-
DIVERSIDADE E IDENTIDADE NAS ORGANIZAÇÕES
296__,
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projetos de pesquisa devem testar explici- descrição da força de trabalho total, não um
tamente as diferenças de identidade dentro nome para os membros de grupos mino-
do grupo. A questão de como tratar identi- ritários. Além disso, a diversidade deve ser
dades múltiplas permanece relativamente distinguida de conceitos relacionados tais
subexplorada. Embora acadêmicos tenham como ação afirmativa, pesquisa de gênero e
divulgado a necessidade de examinar as de racioetnia, ao mesmo tempo preservan-
interações entre diferentes categorias so- do a legitimidade dessas áreas. Os pesqui-
ciais, há poucos estudos empíricos que de- sadores devem ser cautelosos ao esclarecer
monstrem como isso pode ser realizado. A como a diversidade se relaciona a tópicos
mensuração é problemática porque as como oportunidades iguais, discriminação,
interações são mais sinérgicas do que pesquisa sobre racioetnia e gênero e ação
aditivas. Além disso, pouca atenção tem sido afirmativa. Talvez, a maior dificuldade até
dedicada ao relacionamento entre identida- aqui tenha ocorrido em torno da ação afir-
des de grupo baseadas em categorias soci- mativa. Embora a ação afirmativa esteja
almente marcadas como raça e gênero e dentro do tema diversidade, os dois concei-
outras bases de identidade como estilo de tos não são claramente equivalentes. Os que
trabalho ou carreira. Entretanto, o estudo trabalham sobre a diversidade nas organi-
de Marshall e Wetherell (1989) dá luz à zações são mais abrangentes nos tipos de
interação entre a construção da identidade identidades de grupos humanos tratados, e
profissional/ocupacional e de gênero de a ação afirmativa aplica-se especificamente
mulheres e homens. Em seu estudo, a rela- a uma ferramenta corretiva formulada para
ção entre mulheres e identidade ocupacional criar oportunidades iguais. Diversidade re-
torna-se problematizada, enquanto a rela- presenta um conceito muito mais amplo,
ção entre homens e identidade ocupacional dirigido ao entendimento da estrutura
torna-se normalizada. Mulheres e advoga- multidimensional e os efeitos das diferen-
dos foram retratados como dissonantes, o ças nas organizações. Para evitar conflitos
relacionamento de identidade tornou-se um entre diversidade e tópicos mais tradicio-
local de luta; mas, em contraste, o masculi- nais, os pesquisadores podem usar o título
no e a lei tornaram-se sinônimos, com a per- de "pesquisa sobre diversidade" quando tra-
sonalidade masculina retratada como idên- tarem das múltiplas dimensões das diferen-
tica à personalidade legal. Há alguma pes- ças e dos fenômenos que são comuns em
quisa sugerindo que os membros de grupos muitas dimensões. Por exemplo, parece
subordinados têm uma faixa mais limitada apropriado intitular um artigo tratando de
de comportamento aceitável do que os mem- gênero, raça e nacionalidade como "pesqui-
bros de grupos majoritários. Enagly et al. sa sobre diversidade". Por outro lado, um
(1992:16), em uma análise dos dados de artigo que examina os estilos de decisão de
61 pesquisas sobre gênero e liderança con- latinos e ingleses parece cair no domínio da
cluiu que "os homens têm maior liberdade "pesquisa de racioetnia" ou, no melhor dos
do que as mulheres para liderar em estilos casos, deve ser especificado como "diversi-
variados sem encontrar reações negativas". dade de racioetnia".
Terminologia
sido a base dominante para a pesquisa so- ALPORT, G. The nature of prejudice. New York :
bre a diversidade nas organizações. Nosso Doubleday, 1954.
exame sugere a necessidade de ir além dos ANCONA, D. G., (lALDVVELL, D. E Demography
modos tradicionais de pensar sobre o con- and design: predictors of new product team
ceito de identidade que repousa no âmago performance. Organization Science, 3(3), p.
dessa pesquisa. A extensão de nossa análise 321-341,1992.
reflete a complexidade do tópico e os desa- ANTAL, A. B., IZRAELI, D. A global comparison
fios que são aguardados. of women in management: women
managers
in their homelands and as expatriates. In:
NOTAS FAGENSON, Ellen (Org.). Women in
management: trends, issues, and challenges
in managerial diversity. Newbury Park, CA :
1. Há contradições em como as pessoas usam os ter-
mos raça e etnia. Por exemplo, diz-se que os afro-
Sage, 1993. p. 52-96.
americanos nos Estados Unidos representam um ASHFORTH, B. E., MAEL, E Social identity theory
"grupo racial", enquanto os latinos e asiáticos são,
and the organization. Academy of Manage-
às vezes, vistos como grupos étnicos. A etnia tem
sido tradicionalmente usada para os imigrantes
ment Review, 14, p. 20-39, 1989.
que chegam aos Estados Unidos procedentes da BANTEL, K. A, JACKSON, S. E. Top management
Europa. Entretanto, na Grã-Bretanha e em alguns and innovations in banking: does the
outros países europeus, os imigrantes proceden-
composition of the top team make a
tes da África, Caribe, índia e Paquistão são
freqüentemente vistos como "negros". Taylor Cox diference? Strategic Management Journal,
Jr. (1990) assinala que "as classificações são, 10,
freqüentemente, inapropriadas porque implicam p. 107-124, 1989.
em um grupo ser biologicamente ou culturalmente
distinto de outro, embora ambas sejam verdadei- BARTOL, K. M., EVANS, C. L., STITH, M. Black
ras". Ele tem sugerido o uso do termo "racioétni- versus white leaders: a comparative review
cos" para referir-se a grupos biologicamente (pes- of the literature. Academy of Management
soalmente, preferimos "fenotípico" em vez de "bi- Review, 3, p. 294-304, 1978.
ológico") e/ou culturalmente distintos. Além dis-
so, os acadêmicos dedicados ao estudo das rela-
ções de raça e etnia, freqüentemente, decidem
adotar teorias que abordem os termos raça e etnia.
2. Usamos explicitamente os termos "mulheres bran-
cas" e "minorias raciais" para evitar a tendência
de autores referirem-se a "mulheres e minorias".
A última terminologia não reconhece que as mu-
lheres têm raça e gênero. Também omite a cate-
goria das mulheres das minorias raciais.
3. Uma citação de Stuart Hall (1991), mostra, ele-
gantemente, a natureza relacionai da identida-
de: "Apenas quando há um outro, alguém pode
conhecer sua própria identidade."
4. Muito dessa discussão foi retirado de Taylor Cox
Jr. (1994) e Stella M. Nkomo (1993). O título do
último artigo, "Muito que ver com a diversidade"
não é usado por sugerir que o tópico da diversi-
dade seja frívolo, mas para destacar que os pes-
quisadores têm muito trabalho a fazer para en-
tender a diversidade nas organizações. Se esse
desafio não for atendido, talvez, a diversidade se
juntará aos arquivos de outras modas passagei-
ras, de vida curta, da administração.
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301 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
13
NOTA TÉCNICA: A DIVERSIDADE
CULTURAL ABAIXO DO
EQUADOR
MARIA TERESA LEME FLEURY
Na introdução a seu artigo "Diverse não tenham sido objeto de intensas discus-
identities in organizations", Nkomo e Cox sões políticas, discussões estas lideradas por
comentam que o tema diversidade cultural grupos de movimentos de defesa de direi-
vem ganhando espaço como tópico de estu- tos dos negros, mulheres e homossexuais.
dos, impulsionado pelo interesse demons- Esses debates repercutem na mídia, nas es-
trado por profissionais que questionam feras governamentais, porém poucas medi-
como gerenciar a diversidade nas organiza- das concretas têm sido tomadas para com-
ções. bater as discriminações no local de traba-
Procurando cobrir a lacuna teórico- lho e favorecer a diversificação.
metodológica deixada pelos estudiosos do Em 1996, foi instituído em Brasília o
assunto, os autores realizam um excelente Programa Nacional de Direitos Humanos,
trabalho de diálogo interdisciplinar, recupe- objetivando a implementação de atos e de-
rando o tema em suas diferentes raízes teó- clarações internacionais, relacionados com
ricas. direitos humanos, que contam com a ade-
No Brasil, a discussão sobre identida- são brasileira; um desses instrumentos é a
de tem sido feita segundo as fronteiras das Convenção 111 da OIT, que dispõe sobre a
diversas áreas do conhecimento; em outras discriminação no emprego e ocupação,
palavras, na Psicologia encontram-se os es- ratificada pelo governo em 1965. Com base
tudos sobre identidade e representações em denúncias apresentadas à OIT por re-
sociais; na Antropologia, os estudos sobre presentantes de organizações de trabalha-
identidade cultural de grupos; na Sociolo- dores sobre o descumprimento no Brasil dos
gia do Trabalho, as pesquisas cujo recorte compromissos assumidos, o Governo brasi-
metodológico privilegia as questões de gê- leiro, presente à Conferência de 1995, soli-
nero, raça. Na teoria das organizações, a citou à OIT cooperação técnica para formu-
disciplina de Comportamento Organizacio- lação e efetiva implementação de políticas
nal vem discutindo questões ligadas à iden- que promovam a igualdade de oportunida-
tidade dos grupos e à cultura organizacional.
É interessante observar que os estu-
dos sobre cultura em suas várias instâncias
de manifestação, da sociedade brasileira,
dos grupos, das organizações, vêm se mul-
tiplicando nos últimos anos. As pesquisas
sobre diversidade cultural, entretanto, são
em número bastante reduzido e só recente-
mente este tema despertou o interesse dos
pesquisadores e profissionais de empresas.
Isto não significa que, no Brasil, a ques-
tão das desigualdades raciais e de gênero
des no emprego (Ministério do Trabalho,
1996). 1. FLEURY, Maria Tereza Leme. Managing cultural
As medidas governamentais brasilei- diversity: experiences from brazilian companies,
1998.
ras para combate da discriminação no em-
prego são recentes, se comparadas às da
América do Norte: nos Estados Unidos, a
Affirmative Action foi promulgada no final
da década de 60, e no Canadá o Employment
Equity Act na década de 70.
A nosso ver, as medidas legais chocam-
se, no Brasil, com uma barreira cultural não
explicitada, de recusa da aceitação do pre-
conceito e discriminação racial. À medida
que o Brasil é um país racialmente bastante
heterogêneo, fruto das migrações, desde o
momento de sua formação, as quais se acen-
tuaram a partir do século XIX, faz parte do
imaginário popular o pensar-se como um
país sem preconceito. Ou seja, uma socie-
dade contraditória, cuja população valori-
za sua origem diversa, incluindo suas raízes
africanas, presente na música, na comida,
no sincretismo religioso; mas, por outro
lado, uma sociedade estratificada, em que
o acesso às oportunidades do sistema edu-
cacional e a posições no mercado de traba-
lho são definidas pela origem econômica e
racial.
A preocupação com o tema da diver-
sidade cultural nas empresas brasileiras en-
contra-se associada à necessidade de criar
vantagens competitivas, atraindo e desen-
volvendo competências novas, entre os cha-
mados grupos minoritários.
Em uma pesquisa recente, realizada
com empresas brasileiras que vêm desen-
volvendo programas para gestão da diver-
sidade cultural (Fleury, MT. 1998)1 obser-
vamos que a maioria das organizações
contatadas era subsidiária de empresas nor-
te-americanas e havia iniciado seu progra
ma com o incentivo da matriz. Entretanto,
em todos os casos de programas bem-suce-
didos, o impulso inicial foi dado pela ma-
triz globalmente, mas o desenvolvimento de
práticas para gestão da diversidade foi feito
localmente.
Cada empresa precisou definir suas
próprias diretrizes, trabalhar internamente
o conceito de minoria e do que seria uma
política de diversidade para então definir
as práticas adequadas a suas condições. E
não por acaso, a maioria está procurando
iniciar seus programas, concentrando as
atenções nas relações de gênero, procuran-
do refinar suas políticas de recrutamento da
mão-de-obra feminina, observando as bar-
reiras para promoção e treinamento das
mulheres nas organizações. A justificativa é
que as mulheres são mais facilmente encon-
tráveis para as diversas posições, com o ní-
vel educacional exigido. Sem negar a evi-
dência de que as mulheres têm ascendido
em termos de educação, nos últimos anos,
é possível levantar a hipótese de que nas
organizações brasileiras o gênero feminino
é objeto de menos preconceito do que os
negros.
No cenário de intensa competição eco-
nômica e busca da democratização das re-
lações sociais, o tema da diversidade cultu-
ral é pouco explorado, no Brasil, e uma in-
teressante agenda de pesquisas e de pesqui-
sa-ação se delineia para os estudiosos do
assunto.
NOTAS
306 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
14
As ORGANIZAÇÕES E A BIOSFERA:
ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE*
CAROLYN P EGRI E LAERENCE T. PINFIELD
ção ao mesmo tempo em que esgota recur- organizacional. Quem são esses defensores
sos não renováveis. Associadas a essas in- da mudança? Quais são suas visões e suas
quietações estão outras como a perda da agendas para a mudança nas organizações
biodiversidade e a transformação, irrecu- modernas e nas sociedades? Quais são as
perável, de biorregiões e ambientes natu- implicações para nossas teorias organiza-
rais em áreas para sempre hostis à habita- cionais? Estas são apenas algumas das ques-
ção humana (Brown, 1991; Buchholz, 1993; tões que podem ser exploradas para desen-
Commoner, 1990; Daly e Cobb, 1994; volver uma compreensão das intersecções
Paehlke, 1989). teóricas e práticas entre as organizações e a
Essas questões são sintomáticas da biosfera.
estrutura profunda de crenças quanto às Nossa discussão começará com as ori-
conseqüências de uma sociedade industria- gens históricas e o estado atual da teoria
lizada. Acredita-se que tanto organizações ecológica e das modernas perspectivas
governamentais como empresariais, em sua ambientalistas. São apresentadas três pers-
perseguição de metas e objetivos organiza- pectivas a respeito de eco-ambientes para
cionais, não levam em consideração os in- demonstrar como os valores ecológicos es-
teresses, as aspirações e as necessidades dos tão entrelaçados com os valores humanos
cidadãos. De acordo com a perspectiva da- no que concerne às realidades social, políti-
queles que querem agir conforme tais con- ca e econômica desejadas. São perspectivas
vicções, a situação está cada vez mais difícil que variam desde valores fortemente antro-
porque é improvável que a ação direta seja pocêntricos do "paradigma social dominan-
bem-sucedida. O "problema ambiental" é te" que visualiza progresso ilimitado resul-
uma conseqüência de como a sociedade está tante da exploração de recursos naturais
estruturada.Como múltiplas organizações infinitos (Catton e Dunlap, 1978; Daly,
perseguem seus interesses próprios, os pe-
quenos espaços, os interstícios da socieda-
de tornam-se um residual cada vez mais
degradado. Os pressupostos institucionali-
zados e tidos como certos da sociedade con-
temporânea, fundada em organizações, pro-
duzem conseqüências que mal conseguem
ser percebidas e processadas dentro da ló-
gica daquele quadro de referência.
A exploração do tópico "as organiza-
ções e a biosfera" requer uma abordagem
holística multifacetada, interdisciplinar e
controversa. Multifacetada porque investi-
ga os fenômenos em diferentes níveis (indi-
vidual, grupai, organizacional, social e glo-
bal) a partir de perspectivas alternativas (fí-
sica, técnica, econômica, social e ética).
Interdisciplinar porque investiga-se tanto
nas ciências naturais (Ecologia, Biologia,
Química, Física) como nas ciências sociais
(Filosofia, Sociologia, Teoria Organiza-
cional) em busca de áreas de intersecção e
de divergências. Controversa porque é uma
arena em expansão repleta de conflitos po-
líticos entre atores sociais propondo condu-
tas alternativas. Como identificado por
Merchant, na citação da abertura, existem
aqueles que afirmam que nossas teorias da
natureza e das sociedades são inextrica-
velmente entrelaçadas e não podem (ou não
devem) ser consideradas em separado. De
forma alternativa, existem outros, tais como
Schnaiberg e Gould (1994), que sustentam
que existe um "conflito duradouro" entre a
lógica e a dinâmica dos ecossistemas natu-
rais e os da sociedade industrializada que
impedem qualquer síntese significativa, quer
no nível teórico quer no prático. É esta últi-
ma percepção que parece ter sido adotada
pelos teóricos organizacionais tradicionais
e pelos profissionais por conveniência
conceituai e prática. Contudo, aqueles que
desafiam essa visão tradicional do mundo
sustentam que existe uma necessidade ur-
gente de incorporar princípios ecológicos e
o meio ambiente na teoria e na prática
AS ORGANIZAÇÕES E A BIOSFERA: ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE 308
HHBHB8HMHI
1977) até os valores biocêntricos da filoso- de sistemas para ilustrar os desafios con-
fia do ambientalismo radical da ecologia ceituais e práticos para integrar as perspec-
profunda que defende o "igualitarismo das tivas ambientalistas de ambientes biofísicos
bioespécies", no qual o progresso econômi- dentro das perspectivas organizacionais dos
co é negligenciado em favor da harmonia ambientes. Finalmente, encerra-se o capí-
com a natureza (Devall e Sessions, 1985; tulo com conclusões e pensamentos sucin-
Naess, 1973). Outras filosofias ambientais tos com relação às direções futuras da teo-
radicais tais como a ecologia espiritual (Fox, ria e da pesquisa.
1990), a ecologia social (Bookchin, 1990a),
e o ecofeminismo (Merchant, 1980; 1992;
Salleh, 1984; Warren, 1990) defendem ar- As PERSPECTIVAS AMBIENTALISTAS
ranjos sociais e biológicos nos quais existe EA
um equilíbrio entre os interesses da huma-
ECOLOGIA
nidade e da natureza. Nessa conceitua-
lização idealizada dos valores ecocêntricos,
A origem histórica do termo ecologia
os relacionamentos ecológicos entre as pes-
pode ser localizada em 1866, quando o zo-
soas e a natureza em cada comunidade es-
ólogo alemão Ernst Haeckel combinou as
tão integrados com outras eco-regiões com-
duas palavras gregas logos (significando 'o
partilhadas, que, por sua vez, cooperam para
estudo de') e oikos (significando "casa" ou
sustentar a ecosfera compartilhada da fá-
"lugar para viver") (Buchholz, 1993). Con-
brica (Tokar, 1988). Perspectivas interme-
forme foi elaborado por Haeckel, em 1870,
diárias são denominadas como ambienta-
"ecologia" era originalmente definida como:
lismo renovado,* e significam os graus de
modificação dos valores antropocêntricos o corpo de conhecimento relativo à eco-
que buscam incluir o ambiente natural nos nomia da natureza - a investigação da to-
esforços humanos. Nas propostas de desen- talidade das relações do animal com o seu
ambiente inorgânico e orgânico;
volvimento sustentável, todos os tipos de
engloban-
recursos de capital e ambientais são consi- do acima de tudo, suas relações de amiza-
derados na política de desenvolvimento lo- de e inimizade com estes animais e plan-
cal e nacional (Colby, 1990; World tas com os quais ele mantém contato dire-
Commission on Environment and Develop- ta ou indiretamente - em resumo, a ecolo-
ment, 1987) e o gerenciamento do risco gia é o estudo de todas aquelas complexas
emerge como uma tarefa crucial inter-relações referidas por Darwin como
(Kleindorfer e Kunreuther, 1986). Além dis-
so, políticas de proteção ambiental mantêm
a postura fortemente antropocêntrica do
paradigma social dominante dentro de um
sistema de escolhas entre crescimento eco-
nômico e degradação ambiental (Berkes,
1989; Colby, 1990). Cada ponto de vista é
descrito e, então, analisado criticamente
para identificar contradições entre as pro-
postas e a ação. Por clareza conceituai apre-
senta-se inicialmente as perspectivas dos
as condições de luta pela sobrevivência, bem como pela sua atratividade para ou-
(traduzido em Allee et al . 1949, fron- tras atividades estéticas. As preocupações
tispício; apud Mcintosh, 1985 : p. 7-8). ambientais, especialmente entre as gerações
De sua conceptualização do século 19 mais jovens, tornaram-se então associadas
como um ramo da biologia, a ecologia tor- às aspirações humanas, profundamente
nou-se uma "ciência polimórfica" acordada enraizadas, por uma vida melhor e expec-
e estendida para abranger vários aspectos tativas de realizações pessoal e social. Em
dos fenômenos natural e social (Mcintosh, outras arenas, notadamente na Europa Oci-
1985). Fundamental para as conceitua- dental, sentimentos anti-nucleares tiveram
lizações teóricas de ecologia e ecossistemas1 impactos radicais e de integração no movi-
são os princípios do holismo (interconexões mento verde. Em todos os países, atenção e
dentro e entre sistemas e ambientes); o equi- apoio adicional fluíram para as causas
líbrio da natureza (equilíbrios auto-regula- ambientalistas como conseqüência do au-
dos de sistemas biológicos e não-biológicos); mento da capacidade científica em detec-
diversidade (tendência para maior biodiver- tar, medir e ligar contaminantes ambientais
sidade em sistemas naturais); limites íinitos com a saúde humana e a degradação ecoló-
do sistema planetário de suporte à vida (ca- gica (Carson, 1962; Sarkar, 1986). Relató-
pacidade de sustento para suportar popula- rios do Clube de Roma, no início dos anos
ções e comunidades de organismos); e mu- 70, também focalizaram a atenção pública
dança dinâmica dos processos e ciclos na- nos perigos insidiosos do crescimento indus-
turais (Daly e Cobb, 1994; Buchholz, 1993; trial descontrolado para os ambientes so-
Lovelock, 1979; Sarkar, 1986; Serafin, 1988; cial e natural. Cada vez mais, as noções pre-
Wilson, 1992). Em sua essência, ecologia re- dominantes da supremacia da ciência,
presenta o corpo de conhecimento relacio- tecnologia e industrialização estão sendo
nado com as relações entre os organismos e desafiadas (Sarkar, 1986). Ainda que a ideo-
seus ambientes orgânicos e inorgânicos. logia política dominante dos anos 70 e 80,
Dentro da ecologia, o termo "ambien-
te" refere-se a todos os fatores externos, fí-
sicos e biológicos, que influenciam direta-
mente a sobrevivência, o crescimento, o
desenvolvimento e a reprodução dos orga-
nismos" (Colby, 1990, p. 10). O
ambientalismo está primordialmente relaci-
onado com as interações entre a biosfera, a
tecnosfera e a sociosfera.2 De um lado, o
ambientalismo é a aplicação da teoria eco-
lógica para compreender o desenvolvimen-
to e operação dos sistemas sociais dentro
da biosfera. De outro lado, ambientalismo
é o estudo dos valores sociopolíticos huma-
nos que instruem a conceitualização e a
interação das relações humanas com o am-
biente natural (Bird, 1987; Hays, 1987;
Paehlke, 1989).
Foi somente depois da Segunda Guer-
ra Mundial que o ambientalismo ganhou
apoio popular suficiente para tornar-se o
nascente movimento social que atualmente
manifesta-se como uma preocupação social
predominante (Hays, 1987 : 3). Diferentes
origens moldaram diferentes movimentos
nacionais. Na Inglaterra e em outras regi-
ões da Europa, os grupos ambientalistas se
originaram de grupos naturalistas estabele-
cidos que tinham uma longa tradição de
acesso às tomadas de decisões (Rudig e
Lowe, 1986), enquanto que os movimentos
na América do Norte e Australasia tiveram
pouca ou nenhuma ligação com grupos so-
ciais anteriores (Fox, 1981; Hay e Haward,
1988). Na América do Norte, o ambien-
talismo começou com um enfoque con-
servacionista e de preservação dos ambien-
tes naturais para o propósito de recreação
ao ar livre e de preservação dos locais sel-
vagens. Os recursos naturais foram, cada vez
mais, sendo valorizados por suas qualida-
des existenciais em um estado de natureza,
AS ORGANIZAÇÕES E A BIOSFERA: ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE 310
bem como a crise econômica induzida pelo reza. (Cicero, 106-43 aC, apud Hughes,
cartel do petróleo nos anos 70, pudessem 1975 : 30).
ter restringido o crescimento dos movimen- O advento de antigas civilizações ur-
tos ambientalistas durante aquelas décadas, banas marcou a emergência do antropo-
o ativismo ambiental provou ser uma carac- centrismo no pensamento espiritual e filo-
terística persistente, profundamente enrai- sófico sobre o relacionamento da humani-
zada e organizada da sociedade contempo- dade com a natureza. Para os antigos
rânea (Dunlap, 1989; Sale, 1993). mesopotâmios, os homens possuíam um di-
Enquanto existe algo em comum na reito divino de domesticar o "caos monstru-
evolução dos movimentos ambientalistas, oso" da natureza; para os humanistas gre-
existem também diferenças fundamentais. gos clássicos (Aristóteles, Platão) e os pri-
Os movimentos verdes, em geral, são frag- mitivos estóicos, os homens reivindicavam
mentados e suborganizados, com vários os recursos da natureza para seu uso exclu-
subgrupos representando de forma indepen- sivo (Hughes, 1975; Sessions, 1987; Wall,
dente interesses mais específicos tais como 1994). Antigas evidências do preço que a
a preservação dos locais selvagens, o desen- ecologia paga à ordem e dominação pelo
volvimento de política ambiental, o geren- homem tornar-se-iam visíveis na destruição
ciamento de resíduos tóxicos, a proteção e das antigas florestas de cedro do Líbano, na
conservação de recursos, os direitos dos desertificação da outrora fecunda Meso-
animais e assim por diante (Sale, 1993; potamia e na erosão, poluição e extinção de
Snow, 1992a). Atualmente, não existe numerosas espécies sob o império de Roma
um outro foco claro para esses diferentes (Hughes, 1975). Ensinamentos judaico-cris-
submovimentos do que sua associação tãos são também identificados como promo-
geral com algum aspecto do ambienta- tores de uma visão antropocêntrica do mun-
lismo, desafiando, de várias maneiras, as do, na qual o papel da humanidade era
conceitualizações e os costumes tradicionais "crescer e multiplicar-se," bem como "ter
de uma sociedade predominantemente domínio sobre toda coisa vivente que se
urbana, industrial e baseada em organiza- move sobre a terra" (Merchant, 1980;
ções. White, 1967).
Três estruturas da filosofia ambiental Um aspecto crítico da visão antro-
e conceitos relacionados representam as pocêntrica do mundo é a noção de dualismo,
primeiras escolas de pensamento quanto ao semelhante à separação ideológica da men-
relacionamento homem-natureza. O para- te e do espírito humano da realidade física
digma social dominante não é uma perspec- da existência e a divisão entre entidades
tiva "ambientalista" per se, mas representa superiores e inferiores. O dualismo da mente
a visão tradicional de mundo da sociedade e da matéria foi fundamental para a defesa,
industrializada - o status quo contra o qual
são comparadas outras perspectivas ambien-
talistas. A perspectiva do ambientalismo
radical representa a visão de mundo daque-
les que defendem a mudança transforma-
cional. A perspectiva do ambientalismo re-
novado representa aqueles que ocupam a
área intermediária na filosofia e na prática
ambiental. As origens históricas, crenças e
suposições de cada perspectiva são apresen-
tadas e, então, criticamente, discutidas.
O paradigma social dominante
pelos filósofos (século 17) da Idade do diferentes em pistas diferentes, mas todos
Iluminismo (em particular, Bacon, Descar- os caminhos apontando para a mesma di-
tes, Newton, Hobbes), do domínio sobre a reção. Os verdes consideram que é a pró-
pria direção que está errada, ao invés da
natureza como essencial para o progresso
escolha por qualquer uma das pistas em
científico e social (Daly e Cobb, 1994; detrimento das outras. É nossa percepção
Ehrenfeld, 1978; Merchant, 1980). O ma- que a auto-estrada da industrialização
terialismo mecanicista, a racionalidade e o leva,
reducionismo científico tornaram-se os ali- inevitavelmente, para o abismo - por esta
cerces ideológicos das Revoluções Científi- razão a nossa decisão de sair fora e buscar
ca e Industrial das sociedades ocidentais e um objetivo totalmente diferente (Porrit,
1994: 43).
são agora considerados como os elementos
centrais do paradigma social dominante A perspectiva do ambientalismo radi-
(Bramwell, 1989; Fox, 1990). cal promove uma visão da biosfera e da so-
Como representado na moderna so- ciedade humana baseada nos princípios eco-
ciedade industrial, o paradigma social do- lógicos do holismo, do equilíbrio da nature-
minante (PSD) representa uma aderência za, da diversidade, dos limites finitos e das
aos princípios e objetivos econômicos mudanças dinâmicas (Catton e Dunlap,
neoclássicos (crescimento econômico e lu- 1978; Cotgrove e Duff, 1981; Drengson,
cro), com os fatores naturais tratados ou 1980; Devall e Sessions, 1985; dentre ou-
como externalidades ou como recursos tros). Como identificado por Donald Worster
exploráveis infinitamente. Se existem pro- (1977), a "idéia de ecologia é muito mais
blemas ambientais observáveis, estes podem velha do que o nome." Foi demonstrado que
facilmente (ou eventualmente) serem resol- aspectos da perspectiva do ambientalismo
vidos por meio do progresso científico e radical precederam, bem como tem-se de-
tecnológico (Daly e Cobb, 1994; Hawken, senvolvido em oposição às ideologias
1993; Milbrath, 1989). O PSD está mais in- antropocêntricas. Evidências arqueológicas
timamente associado às sociedades capita- das primitivas sociedades (de caça e colhei-
listas ocidentais, nas quais imperam os prin- ta) e das antigas civilizações oferecem um
cípios de "livre mercado" e de propriedade
privada. Contudo, os sistemas econômicos
fechados, informados pela filosofia marxis-
ta, também estão incluídos nessa perspecti-
va. Esse casamento ideológico, aparente-
mente paradoxal, justifica-se em virtude da
forte tendência antropocêntrica do marxis-
mo que apoia os objetivos de produção ca-
pital-intensivos do industrialismo moderno
(Daly e Cobb, 1994; Jacobs, 1993; Jung,
1991; Lee, 1980; Porritt, 1984).3 Outra ra-
zão aparece nas provas de degradação
ambiental nos modernos estados socialistas,
que muitos afirmam superar às do capita-
lismo desenfreado (Clow, 1986; Davies,
1991; Feshbach e Friendly, 1992; Jancar-
Webster, 1993).
Outras facetas do paradigma social
dominante dizem respeito à noção de
autodeterminismo do indivíduo e ao con-
trole centralizado das sociedades pelas eli-
tes social, política e econômica. Em socie-
dades baseadas em estruturas e relaciona-
mentos hierárquicos, tanto as pessoas como
a natureza não-humana são coisificadas e
avaliadas somente em termos instrumentais
(como inputs ou consumidores da produ-
ção), em vez do sê-las por seu valor intrín-
seco ou espiritual (Cotgrove e Duff, 1981;
Devall e Sessions, 1985; Drengson, 1980).
A perspectiva do
ambientalismo radical
retrato da natureza e de suas forças, perso- tecnologias de larga escala, capital intensi-
nificadas como divindades para serem ado- vas, para o complexo industrial e militar, a
radas e obedecidas (Eisler, 1987; Merchant, ciência precisa ser redirecionada para de-
1980). Vestígios de divindades da natureza senvolver tecnologias que reduzam a inter-
estiveram/estão presentes nas tradições es- ferência humana com o mundo não-huma-
pirituais do xamanismo, no panteísmo dos no. Isto é para ser efetuado por meio do
egípcios, gregos e romanos (com a Gaia desenvolvimento e utilização de tecnologias
como a Mãe Terra), no misticismo oriental intermediárias (apropriadas) que reduzam
(Taoismo, Sufismo, Zen, Budismo), no Islam a depleção e a poluição dos recursos natu-
e no paganismo (deusa Mãe Terra) (Wall, rais, bem como desenvolvam a qualidade
1994). Subjacente a essas conceptualizações artesanal no trabalho humano (Commoner,
de uma natureza todo-poderosa, existe a 1990; Schumacher, 1973). Em contraste à
crença de que a sobrevivência humana de- crença do PSD no recurso material e no cres-
pende de uma síntese e integração holística cimento econômico ilimitados, a perspecti-
da humanidade com o ambiente natural. O va radical afirma que os limites e o delicado
holismo filosófico do antigo filósofo grego equilíbrio da biosfera requerem a preserva-
Heráclito (535-475 aC) ecoa no trabalho dos ção e a conservação dos recursos naturais
filósofos naturais e dos teólogos dos sécu- por meio das éticas anticonsumistas e anti-
los 17 e 18 (von Linné, Emerson, Malthus, materialistas.
Thoreau) que escreveram sobre a interco- Uma faceta importante da perspecti-
nexão dos homens e da natureza na "teia va do ambientalismo radical é o biorre-
de vida" (Wall, 1994). O conceito do holismo gionalismo como o princípio organizador
organicista seria desenvolvido mais adian- dos sistemas social, econômico e político
te, no início do século 20, por Jan Smuts descentralizados (Irvine e Ponton, 1988;
(1926 : 86) como uma síntese ou "uma Leopold, 1949; Mumford, 1938; Sale,
união de partes que é tão compacta e inten- 1985). Uma biorregião é "um lugar defini-
sa que é mais do que o total de suas par- do por suas formas de vida, sua topografia
tes... e o todo e as partes, conseqüentemen- e sua biota, ao invés de ser governada pelos
te, influenciam-se e determinam-se recipro- preceitos humanos; é uma região governa-
camente". da pela natureza, não por legislações" (Sale,
O respeito biocêntrico por outras for- 1985 : 43). À medida que critérios naturais
mas de vida pode ser rastreado até o ve- para definir limites de uma biorregião não
getarianismo das religiões orientais, aos fi- são mutuamente exclusivos nem destituídos
lósofos clássicos gregos, a São Francisco
de Assis (do século 13) e, no final do século
18, aos Românticos Ingleses (por exemplo,
Blake, Shelley, Wollstonecraft), que equa-
lizaram os direitos dos animais com os di-
reitos humanos (Wall, 1994). Críticas da
sociedade científica industrial são encontra-
das nos escritos do movimento Romântico
Europeu (do século 17 até o século 18), bem
como nos trabalhos dos filósofos trans-
cendentalistas dos Estados Unidos (Sessions,
1987). Um dos dogmas centrais da perspec-
tiva do ambientalismo radical é a retomada
de uma visão do mundo de um pré-Ilumi-
nismo organicista, na qual o universo é vis-
to como orgânico, vivo e espiritual
(Cotgrove e Duff, 1981; Devall e Sessions,
1985; Drengson, 1980; Sale, 1985).
O ponto de vista do ambientalismo
radical moderno está situado em oposição
direta à defesa do paradigma social domi-
nante do industrialismo moderno como al-
ternativa revolucionária demandada para a
sobrevivência ecológica de longo prazo. A
perspectiva do ambientalismo radical defen-
de o redesenho massivo dos sistemas agrí-
cola e industrial de produção e transporte
(Commoner, 1990). Em vez de desenvolver
313 FARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
Ecologia espiritual
WÊtmwÊmwmmwmwmwkmmmmMkmmwÊÊkmw
Sharfman e Ellington, 1993; Shrivastava, servar e proteger seu ambiente natural. Nem
1994). Em sistemas industriais fechados, o podem dispor de recursos para evitar a ex-
uso de recursos naturais não-renováveis é ploração e exportação de seus recursos na-
minimizado e/ou suplantado pelas fontes turais, necessários para manter o alto pa-
renováveis de energia e recursos naturais. drão de vida das nações industrializadas (p.
Os resíduos industriais e os poluentes são ex., com apenas um quinto da população
reduzidos, reciclados e/ou descartados de mundial, as nações industrializadas conso-
maneira ecologicamente segura. Enquanto mem quatro quintos do combustível fóssil e
os sistemas tecnológicos são fechados, pro- dos recursos produzidos em metais mine-
cessos de política e estratégia ambiental in- rais). Embora reconhecendo que os padrões
dustrial são abertos, para abranger toma- de consumo das nações industrializadas são
das de decisão colaborativas com múltiplos ambientalmente insustentáveis e que neces-
stakeholders (comunidade e grupos de inte- sitam ser reduzidos, a erradicação da po-
resse, agências governamentais, emprega- breza nos países do Terceiro Mundo é vista
dos). Procedimentos de auditoria ecológica como uma parte integrante da auto-
são utilizados para medir o desempenho sustentabilidade econômica, social e políti-
ambiental e expor abertamente as ativida- ca. Além disso, estilos e modos alternativos
des industriais aos empregados e públicos de desenvolvimento econômico, apropria-
interessados. dos às culturas locais e ambientes biofísicos,
Um aspecto importante da perspecti- necessitam ser desenvolvidos. Conseqüen-
va do ambientalismo renovado é o conceito temente, uma das preocupações do desen-
de stakeholders e os direitos dos stakeholders volvimento sustentável é o gerenciamento
(McGowan e Mahon, 1991; Shrivastava, dos bens comuns, biorregionais e locais, mas
1994; Stead e Stead, 1992; Steger, 1993; não de forma isolada dos bens comuns glo-
Throop, 1991; Westley e Vredenburg, 1991). bais - uma visão mais inclusiva do que o
Enquanto não se inclui, como stakeholders conceito biorregional fechado do
formais, o ambiente natural e as entidades ambientalista radical (Keating, 1993; Sitarz,
não-humanas, reconhece-se, no entanto, 1993; World Commission on Environment
interesses públicos que buscam assegurar and Development, 1987).
sustentabilidade ambiental a longo prazo. No sentido de que a biosfera represen-
Desse modo, a partir da perspectiva do ta um bem comum global, o potencial de
ambientalismo renovado, a questão relevan-
te não é se os stakeholders não-industriais
(por ex., governos, organizações ambien-
talistas, público em geral) estão incluídos
nas tomadas de decisão organizacional, mas
como e em até que ponto eles estão incluí-
dos nas decisões relativas ao ambiente na-
tural (Bennett, 1991; Berle, 1990; Elkington
e Burke, 1989; Schmidheiny, 1992; Scott e
Rothman, 1992; Steger, 1993; e outros).
Geralmente, são as grandes organizações da
corrente principal do ambientalismo reno-
vado que têm desenvolvido acordos de co-
laboração com a indústria e o governo
(McCloskey, 1991; Sale, 1993; Snow
1992a).
Gerenciando o ambiente comum
uma "tragédia dos bens comuns não-geren- em 1992), no qual os signatários garanti-
ciados" obriga a que haja o envolvimento ram terminar com a utilização de CFCs
formal do governo e que se regule institu- (clorofluorcarbonos, que ameaçam a cama-
cionalmente o desenvolvimento e o geren- da de ozônio do planeta) até o ano 2000
ciamento dos recursos naturais (Hardin, (Cairncross, 1991). Menos bem-sucedidos
1968; 1991; The Ecologist, 1993; Throop, têm sido os esforços internacionais para re-
1991). Como foi proposto por Hardin mediar a degradação ambiental do ecossis-
(1991), pressões informais para evitar a tema dos Grandes Lagos - Canadá e Esta-
destruição dos bens comuns funcionam ape- dos Unidos - (Colburn et al., 1990;
nas com grupos pequenos, envolvendo en- MacLarkey, 1991). Iniciada em 1972 e am-
tre 50 e 150 atores. Se os bens comuns glo- pliada em 1978, a Comissão Internacional
bais não são geridos e não são regulados, a para o Acordo da Qualidade da Água dos
motivação das partes individuais para jogar Grandes Lagos foi arrojada em seu objetivo
o jogo do "distribuir os custos enquanto se de envolver as agências governamentais
privatiza os lucros"* (DC-PL) leva, inevita- (nos níveis federal, provincial/estadual e
velmente, à degradação dos bens comuns. local), indústria, academia e grupos ambien-
Dentro da perspectiva do ambientalismo re- tais para desenvolver e implementar um pla-
novado existem variações, com respeito à no de ação. A despeito da melhor das inten-
natureza desejável da responsabilidade, e ções, após dez anos de esforços, os partici-
do envolvimento dos governos, no geren- pantes concordaram que
ciamento dos bens comuns globais e locais.
Em muitos aspectos, foi um período
Em direção à extremidade antropocêntrica frustrante: novas descobertas, freqüente-
do continuum antropocêntrico-ecocêntrico, mente, parecem servir para ampliar o
o governo admite responsabilidade limita- ema-
da pela conservação e gestão dos recursos ranhado dos relacionamentos ambientais,
naturais públicos (por exemplo, em parques tornando as ações e as soluções mais difí-
nacionais), cobrando taxas pela utilização ceis e, aparentemente, cada vez mais com-
dos recursos públicos e regulando os níveis
de poluição. No meio-termo, o governo as-
sume um papel mais ativo, desenvolvendo
e administrando regulamentos ambientais,
taxas e licenças de comercialização para a
poluição industrial (Cairncross, 1991; Hahn
e Hester, 1989). Enquanto existe uma pre-
ferência geral por pressões informais vo-
luntárias, para encorajar a responsabilida-
de ambiental, os estrategistas políticos re-
conhecem que a potencialidade para uma
rédea-solta ambiental necessita de ativa in-
tervenção governamental. Entretanto, o pro-
tocolo para começar tais intervenções não
tem sido muito encorajador, porque as re-
gulamentações ambientais provaram ser
dispendiosas, de difícil manejo e, fre-
Tabela 1 Continuação.
tos e benefícios projetados a longo prazo, gem ou na natureza (Fox, 1990); e a com-
sistemas complexos, e assim por diante. Um param ao antigo neoestoicismo (Cheney,
exemplo, freqüentemente citado, para ilus- 1989). Além disso, a ecologia profunda é
trar as inadequações da economia neoclás- criticada pela falta de uma teoria de transi-
sica é o paradoxo de que a limpeza de de- ção para um mundo biocêntrico (Fox, 1990;
sastres ambientais é contabilizada, no PIB Luke, 1988) e sua posição, logicamente in-
de um país, como crescimento, enquanto consistente e simplista (Wexler, 1990;
que a preservação e a conservação de re- Bookchin, 1994 : 6), fornece a crítica mais
cursos ambientais são consideradas como contundente do que considera como a "po-
custos (Cairncross, 1991; Daly e Cobb, breza intelectual, cultural e espiritual" da
1994). Com essas contradições, na prática, abordagem da ecologia profunda, que bei-
o paradigma social dominante pode ser con- ra, afirma ele, à "propaganda ecofascista".
siderado, mais precisamente, como uma Os ecologistas profundos, que defendem que
perspectiva ideológica que serve como um existe apenas "um caminho", isto é, "o seu
ponto final conceituai contra o qual outras caminho" de reconstrução do relacionamen-
perspectivas e ações ambientalistas podem to homem-natureza, podem estar mais pa-
ser medidas.
Críticas da perspectiva do
ambientalismo radical
Como o conjunto mais extremo des-
sas perspectivas alternativas, o ambien-
talismo radical propõe uma completa refor-
ma filosófica da sociedade baseada nos prin-
cípios do PSD. Todavia, é a agenda da uto
pia política, social e econômica da ecologia
profunda que evocou as reações mais fortes
dos filósofos, dentro e fora do movimento
ambientalista (Fox, 1990; Jacobs, 1991). Os
críticos, a partir das perspectivas do ambien-
talismo radical e renovado, salientam, quan-
to à ecologia profunda, sua desassociação
das questões ecológicas dos problemas so-
ciais (Bookchin, 1994; Bradford, 1987); sua
defesa da interferência na liberdade indivi-
dual dos homens, mas não na da vida selva-
AS ORGANIZAÇÕES E A BIOSFERA! ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE
recidos com seus oponentes do PSD do que 1993). Em uma escala menor, as organiza-
eles poderiam supor ou desejariam admitir. ções populares têm centrado seu foco nas
Poderia ser argumentado que os ecologis- crises ambientais, em nível local e regional,
tas profundos estão caindo na armadilha tais como a do depósito de lixo tóxico no
positivista de tomar como natural e incon- Love Canal (Wallace, 1993).
testável conjuntos de suposições que são Contudo, os ambientalistas radicais
resultado de interação política e social, em têm tido limitada influência nas mudanças
vez de uma versão unitária da realidade ou sociais, pelo motivo de que eles se opõem,
"verdade". A despeito destas críticas, a eco- claramente, aos arranjos e às instituições
logia profunda tem provado ser significati- mais poderosas da sociedade moderna. Em
vamente influente no discurso ecofilosófíco vez de trabalharem de forma menos eviden-
(Fox, 1990), bem como tem-se tornado a te, a partir do lado interno, e correr o risco
filosofia operante de muitos ambientalistas da cooptação, os proponentes do ambien-
radicais (Devall, 1988; Manes, 1990). talismo radical têm tentado realizar a mu-
A natureza radical utópica e abstrata dança social pelo lado externo. Embora eles
dos objetivos social e biológico, subsumidos possam ter tido algum efeito marginal, em
sob o rótulo do ambientalismo radical, tem questões locais restritas, tais como a nítida
limitado o grau em que essa filosofia exerce redução de florestas antigas (Egri e Frost,
influência nas questões do dia-a-dia da so- 1994), eles ainda não produziram um mo-
ciedade moderna. Não obstante, o ambien- vimento social coerente, nem um con-
talismo radical serve como um guarda-chu- junto de reformas sociais propostas com
va filosófico, útil para diversos grupos de probabilidade de serem aceitas ou adotadas
interesse, cujos próprios objetivos coinci-
dem, embora somente de forma parcial, com
outros ambientalistas radicais. A composi-
ção de grupos específicos que se combinam Província do Canadá (NT).
para empreender uma ação depende, por
conseguinte, da ação específica que está sen-
do contemplada. O ambientalismo radical
alcançou voz política formal na eleição de
candidatos do partido verde no Parlamento
da Comunidade Econômica Européia e em
vários governos europeus (Fisher, 1993;
Jancar-Webster, 1993; Spretnak e Capra,
1986). Na América do Norte, os partidos
verdes têm sido menos capazes de conquis-
tar o apoio do eleitorado (McCloskey, 1991;
Slaton, 1992). Em vez disso, o ambienta-
lismo radical tem sido mais freqüentemente
adotado pelas organizações de defesa po-
pular (Sale, 1993; Snow, 1992a; 1992b).
Para as organizações ambientalistas radicais,
tais como Earth First, Sea Shepherd Society,
Friends of the Earth, Rainforest Action
Network e outras, os princípios da ecologia
profunda fornecem uma base lógica das
campanhas de ação direta de ecotage (sabo
tagem ecológica) e desobediência civil con-
tra aqueles que eles vêem como inimigos
da natureza. Nem todos os ambientalistas
radicais toleram o uso da violência na luta
por uma mudança transformacional no re-
lacionamento homem-natureza. Mais nume-
rosas têm sido as campanhas de resistência
passiva contra governos e interesses indus-
triais, como o movimento de mulheres de
Chipko, no norte da índia, para prevenir o
desmatamento nos contrafortes do Himalaia
(Shiva, 1988), e os bloqueios ambientalistas
para prevenir o desmatamento nas velhas
florestas costeiras de Clayoquot Sound, na
Columbia Britânica.* Nas pré-democracias
da Europa Oriental, existem numerosos
exemplos de protestos populares efetivos,
de grande escala, contra a degradação
ambiental, projetos de energia nuclear, pro-
jetos de indústrias poluidoras e o represa-
mento do Rio Danúbio (Jancar-Webster,
322PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
pelos membros da organização na corrente econômicos e suas bases de poder. Por exem-
principal da sociedade. plo, o endosso da UNCED à liberalização
global do capital e do comércio é conside-
rada como antitética ao princípio ambien-
Críticas da perspectiva do talista do biorregionalismo (Hawken, 1993;
ambientalismo renovado McRobert e Muldoon, 1992). Hawken é es-
pecialmente precavido a respeito da eficá-
Embora o ambientalismo renovado cia potencial de padrões internacionais para
não seja um paradigma "puro", ele repre- regulamentações ambientais e de comércio,
senta uma diversidade de meios pelos quais em face dos registros ambientais das cor-
a sociedade industrializada tem procurado porações multinacionais, bem como a natu-
integrar o meio ambiente ao processo de reza de entidades reguladoras do livre co-
tomada de decisão. Como foi observado por mércio (tais como o GATT), que excluem
Gladwin (1993), o conceito de "esverdear", pequenos negócios, fazendas, igrejas, orga-
na sociedade e em suas organizações, está nizações ambientalistas e sindicatos. Tam-
repleto de ambigüidades e contradições, bém existe pouca confiança na capacidade
mais indicativo do modelo "lata de lixo" de de entidades internacionais (tais como o
tomada de decisão (March, 1978) do que Banco Mundial) para efetivamente estabe-
de qualquer escolha racional ou planejamen- lecerem políticas econômicas, ambiental-
to. mente sustentáveis, em face de pressões
O ambientalismo renovado tem sido contraditórias dos governos dos países-
criticado mais pelos ambientalistas radicais membros (Hawken, 1993; Rich, 1990).
do que pelas agências principais que ele tem As críticas do ambientalismo radical
procurado reformar. Enquanto os proponen- também atingem o Brundtland Report e a
tes do ambientalismo renovado sustentam Agenda 21 da UNCED ao classificar o apoio
ser ambientalmente responsáveis, uma crí- dado ao desenvolvimento da energia nu-
tica feita pelos ambientalistas radicais é que clear e da tecnologia da engenharia bioge-
a tendência antropocêntrica dos ambien- nética como destruidores do ambiente e não-
talistas renovados propõe somente ajustes sustentáveis (Rifkin, 1983; Shiva, 1993;
incrementais secundários nos sistemas eco- WEDO - Women's Environment and
nômico e tecnológico, em vez de mudanças Development Organization, 1992). As
transformacionais na sociedade humana ecofeministas objetam particularmente à
(Colby, 1990). identificação das taxas de fertilidade femi-
O conceito de desenvolvimento susten-
tável é, talvez, o aspecto mais contencioso
da perspectiva do ambientalismo renovado,
tanto para os ambientalistas radicais como
para os renovados (Hawken, 1993; Jacobs,
1993; McRobert e Muldoon, 1992;
Schnaiberg e Gould, 1994; The Ecologist,
1993). Com pretensão de englobar ampla
diversidade de abordagens e iniciativas, a
imprecisão do termo 'desenvolvimento sus-
tentável' permite ampla variedade de inter-
pretações e ações. Para alguns, o desenvol-
vimento sustentável não é possível devido às
contradições fundamentais entre os princí
pios e objetivos da sustentabilidade am-
biental e aqueles do desenvolvimento eco-
nômico (Schnaiberg e Gould, 1994). Alguns
críticos argumentam que o conceito de de-
senvolvimento sustentável possibilita aos go-
vernos e à indústria "abraçarem o ambien-
talismo sem comprometimento" (Jacobs,
1993 : 59). Acusa-se também de que os par-
ticipantes em eventos públicos de perfil des-
tacado, tais como a UNCED, em verdade
engajam-se em política simbólica - proje-
tam a ilusão de mudança ambiental subs-
tantiva, enquanto, simultaneamente, prote-
gem e promovem seus próprios interesses
AS ORGANIZAÇÕES E A BIOSFERA! ECOLOGIA E MEIO AMBIENTE
ações organizacionais para as qualidades dentes. Além disso, essa perspectiva tam-
do(s) ambiente(s) que as contém. bém falha em considerar o potencial para
As perspectivas tradicionais sobre or- as crenças, normas e valores ambientais a
serem incorporados nos axiomas,
ganizações e seus ambientes ganharam acei-
pressupos-
tação em virtude de sua utilidade para a tos e valores de poderosos membros
iniciação e comprometimento da ação cole- organi-
tiva (Starbuck, 1983), especialmente por zacionais (Beyer, 1981).
poderosos decisores organizacionais, cujos As atividades organizacionais não são
interesses pessoais admitia-se estar alinha- independentes dos sistemas social, econô-
dos com os das organizações por eles repre- mico, cultural, político e técnico, mais am-
sentadas. No emergente mercado de edu- plos, dos quais são uma parte. Todos têm
cação empresarial, durante o período pós- interesses e comprometimentos externos
Segunda Guerra Mundial, pelo menos duas que norteiam seus comportamentos dentro
gerações de gerentes em treinamento foram da organização, bem como seus objetivos
expostas a exposições fundamentadas* de pretendidos para as atividades organiza-
ordem limitada como estas. Contudo, ou- cionais. As organizações importam conhe-
tras visões das organizações e seus ambien- cimento e tecnologias para seus domínios
tes via concepções de sistemas abertos têm internos. Elas também absorvem recursos e
sido desenvolvidas a partir de perspectivas suprimentos, que são combinados e trans-
mais institucionais e críticas. formados, para gerarem produtos (outputs)
Nas perspectivas dos sistemas abertos, para o ambiente social maior. As organiza-
o limite entre as organizações e seus ambi- ções necessitam, a longo prazo, continuar
entes é visto como permeável. As organiza- provendo funções de valor para a socieda-
ções não podem ser facilmente separadas de maior se quiserem continuar a sobrevi-
dos ambientes em que estão inseridas. Elas ver (Fellmeth, 1970; Maniha e Perrow,
não somente se adaptam a seus ambientes, 1965).
mas também influenciam fortemente a na- A conseqüência líquida dessas pressões
tureza desses ambientes. Originado do tra- é que as organizações devem tornar-se mais
balho seminal de Selznick (1948 :1957) em ou menos isomórficas com seus ambientes,
sociologia organizacional, numerosos estu-
dos examinaram os processos de adaptação
organizacional. Perrow (1972) esboça duas
opções genéricas. As organizações menos
poderosas são "capturadas" pelos podero-
sos elementos ambientais e modificam suas
metas e objetivos para assegurar tanto a
sobrevivência da organização como, pre-
sumivelmente, uma continuação das quali-
ficações dos atores organizacionalmente
dependentes. Alternativamente, organiza-
ções mais poderosas são capazes de impor
sua visão de mundo em outras organizações
e agências. Neste último cenário, podero-
sos líderes organizacionais adaptam a ideo-
pois exige-se tal "ajustamento"* se quiserem nizacionais que degradam o ambiente local
adquirir os recursos e a legitimidade neces- tornam-se pertinentes quando a sobrevivên-
sários para operar nesses ambientes. Em cia organizacional futura ou sua lucrati-
termos convencionais, as organizações am- vidade é ameaçada pelas restrições impos-
bientalmente dependentes terão que se ajus- tas pela legislação ou pela escassez de re-
tar a fortes demandas ambientais, ao passo cursos naturais. Em contraste, um tema cla-
que as organizações mais poderosas podem ro para muitos ambientalistas é que as ações
moldar as exigências ambientais de forma limitadas e míopes dos atores organiza-
a melhor se adaptarem a suas necessidades. cionais degradam, inevitavelmente, o meio
Em ambos os casos, os valores sociais serão ambiente. A partir dessa perspectiva, existe
trazidos pelos participantes organizacionais uma ligação clara entre as ações organiza-
para dentro do comando e da orientação das cionais e sua concepção do que se constitui
atividades organizacionais. Dessa forma, no meio ambiente. Contudo, o que os am-
pode ser dito que as organizações adaptam- bientalistas têm feito, exortando as organi-
se a seus ambientes, em, pelo menos, duas zações a modificarem seus comportamen-
maneiras. Primeira, dentro da perspectiva tos, sem, no entanto, estruturar tal persua-
limitada de um modelo racional e meca- são à luz dos interesses próprios das orga-
nístico, as organizações mudam quando está nizações, é não compreender bem a lógica
dentro dos interesses próprios limitados da da ação organizacional.
organização agir assim. Segunda, a partir A despeito de tais confusões, acredi-
do ponto de vista institucional, as organiza- tamos que existe um nexo para essas dife-
ções ajustar-se-ão aos valores sociais em rentes perspectivas. Demonstramos que as
mudança, à medida que estes são incorpo- abstrações funcionalistas dos ambientes
rados nas premissas decisórias dos membros organizacionais subestimam o potencial
da coalizão dominante da organização para os aspectos do ambiente natural a se-
(Meyer e Rowan, 1983; Powell e DiMaggio, rem incluídos nas premissas de decisão dos
1991). Está completamente claro, apesar de atores organizacionais. Como indivíduos
raramente examinado de forma explícita, que esperam continuar a existir na limitada
que os conceitos orgocêntricos dos ambien- biosfera da espaçonave terra, acreditamos
tes organizacionais possuem aparentemen- que as ações ambientais interessadas serão
te pouca superposição com as preocupações norteadas pelos valores, conhecimentos e
dos ambientalistas. Nenhuma tem uma vi- experiências dos atores organizacionais.
são completa das outras, e concepções er-
radas são ativamente encorajadas. A pers-
pectiva ambientalista do homem de palha -
homem facilmente dominado - do para-
digma social dominante, bem como a pers-
pectiva dos ambientalistas radicais, falham
em reconhecer organizações com as carac-
terísticas de sistemas abertos. Defensores da
racionalidade limitada, inserida nas perspec-
tivas do PSD, receiam a indeterminação,
associada com a inclusão de valores huma-
nísticos, nas considerações organizacionais.
Fit, no original.
Os ambientalistas radicais têm proposto,
até agora, somente ideais românticos,
com pouca atenção dispensada à forma
prática pela qual seu nirvana pode ser al-
cançado. Os ambientalistas renovados pro-
puseram várias modificações aos valores do
PSD, mas relativamente poucas foram
traduzidas em estruturas orgocêntricas de
ação.
A partir da perspectiva da teoria
organizacional, a degradação ambiental tor-
na-se relevante somente quando o desem-
penho de uma organização focal e o bem-
estar dos participantes organizacionais são
afetados por tais questões. As ações orga-
I 329 PARTE II ~ QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
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O exame acurado e a avaliação políti- Existem várias questões teóricas que
ca ocorrem dentro de uma ideologia nor- permanecem, em grande parte, sem solu-
mativa existente. Como parte do processo ção na literatura da teoria sociológica e
de tentar mudar ou retrabalhar a legislação organizacional sobre sistemas sociais como
existente, a ação política necessariamente também na teoria ecológica sobre os siste-
envolve tentativas de mudar as ideologias mas ecológicos. A teoria dos sistemas aber-
existentes. Os proponentes de nova legisla- tos nos direciona para considerar as organi-
ção podem tentar aplicar a persuasão mo- zações e a biosfera como fenômenos dinâ-
ral às atividades de uma organização focai. micos, que estão constantemente se ajustan-
Eles podem tentar mudar os valores dos do às mudanças ambientais. Os sistemas
membros da coalizão dominante ou traba- compreendem subsistemas e unidades in-
lharem para mudar os valores sociais maio- dividuais, que também estão em estado de
res de forma tal que as atividades das em- mudança dinâmica em relação ao outro.
presas-alvo sejam percebidas como sendo Contudo, as ligações entre a ação indivi-
cada vez menos legítimas. Em qualquer caso, dual e as conseqüências no nível sistêmico
a condição de legitimidade dos arranjos (o relacionamento micro e macro) e as liga-
organizacionais existentes torna-se o gati- ções entre as mudanças no nível sistêmico e
lho para mudança das atividades organiza- as conseqüências individuais (o relaciona-
cionais em que julga-se que os interesses mento macro e micro) permanecem, em
próprios da coalizão dominante são contrá- grande parte, inexploradas pelos cientistas
rios aos interesses dos outros membros da sociais (Ashmos e Huber, 1987; Coleman,
sociedade. Conflito político contínuo conti- 1986; Namboodiri, 1988). Uma exceção im-
nuará a existir entre objetivos sociais e portante é a exploração da natureza das
organizacionais e a qualidade do ambiente conexões entre os sistemas social e ecológi-
natural (Schnaiberg e Gould, 1994). co, em termos de acoplamento rígido e frou-
xo (Weick, 1979).
Em geral, sistemas frouxamente aco-
A promessa da plados têm sido freqüentemente considera-
teoria dos sistemas dos como uma característica positiva das
organizações, enquanto sistemas rigidamen-
A teoria dos sistemas parece ser uma te acoplados são considerados como menos
estrutura conceituai comum para ambos os desejáveis nas organizações modernas.
domínios, o ambientalista e o organiza- Como foi determinado por Perrow (1984),
cional. Na verdade, prescrição comum en- sistemas tecnológicos rigidamente acopla-
tre os escritores ambientalistas consiste na
adoção, total, em sociedades e organizações,
dos princípios de sistemas ecológicos como
o "único caminho" na direção da susten-
tabilidade ambiental (Milbrath, 1989;
Shrivastava, 1992/1994; Stead e Stead,
1992). O que é menos discutido dentro de
cada perspectiva é que a realidade é social-
mente construída, sendo problemático o
efeito que as fronteiras temporal e espacial,
que tanto focalizam como limitam a aten-
ção, produzem. De forma paradoxal, essas
características problemáticas, de ambos os
domínios, permitem uma futura confluên-
cia, otimista e adaptável, de dois esquemas
conceituais historicamente separados. À
medida que a informação, sobre os efeitos
das ações coletivas, humana e organi-
zacional, na biosfera, torna-se disponível, ela
será, gradualmente legalizada dentro das
crenças de atores sociais (Gamson et al.,
1992). Os indivíduos, quer por meio do in-
teresse próprio ou por meio do cultivo de
uma consciência ecológica, modificarão as
conceitualizações coletivas das organizações
e seus ambientes.
PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
mos que pagar nossos débitos de uma só dades de sustento, proteção e segurança dos
vez, o que pode ser inconveniente para a seres humanos. De forma similar, preservar
nossa própria sobrevivência (Wiener, o ambiente natural meramente pelo seu
1954 : 2). valor estético (como pela ecologia profun-
O "ciclo problema-atenção" das ques- da), com a exclusão de outras relações com
tões sociais poderia sugerir que a atual pre- o ambiente natural, renega o desenvolvi-
ocupação com as questões ambientais é ape- mento das relações materiais necessárias
nas temporária e se desvanecerá quando os para a existência física humana. Por fim,
problemas forem resolvidos e um público existe uma necessidade de equilíbrio entre
aborrecido dirigir sua atenção para outros esses relacionamentos díspares e, algumas
temas (Downs, 1972). Contudo, evidência vezes, conflitantes com o ambiente natural
histórica e empírica está provando o con- - não um equilíbrio final estático, mas um
trário (Dunlap, 1989). A preocupação com equilíbrio dinâmico entre sistemas existen-
o ambiente natural tem uma longa história ciais naturais e humanos, em evolução.
e provou ser notavelmente resiliente, ape- Um argumento similar pode ser feito
sar dos desvios e bonanças temporárias na com relação à introdução do ambiente na-
atividade. Um dos motivos por que o desa- tural dentro do discurso da teoria e da prá-
fio ambiental para a sociedade e suas orga- tica das organizações. Como desenvolvido
nizações promete permanecer e tornar-se em nossa discussão da teoria organizacional,
mais proeminente é que os seres humanos as conceitualizações ortodoxas dos interes-
estão testemunhando e experienciando os ses e ações organizacionais têm sido ampla-
efeitos deletérios da degradação do am- mente destituídas das considerações da co-
biente natural em escala e escopo sem pre- nexão homem-natureza. Contudo, existe
cedentes na história da humanidade. ainda evidência crescente de que mudan-
Outro motivo pode ser encontrado no ças no ambiente físico virão trazer, clara-
conceito de biofilia, que é definido como "a mente, mudanças societais. A partir das
afiliação emocional inata dos seres huma- perspectivas ambientalistas, a mudança
nos com outros organismos vivos" (Wilson, biofísica e social é iminente e inevitável.
1984 : 31). A hipótese da biofilia propõe Dessa maneira, apoiar o status quo na teo-
que as relações humanas com o ambiente ria e na ação organizacional não é um ca-
natural são afetadas, simultaneamente, pe- minho seguro, e sim um caminho destrutivo
las dimensões material, emocional, cog- para a biosfera e a espécie humana. Que a
nitiva, estética e espiritual da existência mudança é inevitável não é assunto em ques-
humana (Kellert, 1993). As três perspecti-
vas alternativas em eco-ambientes, iden-
tificadas neste capítulo, representam graus
de ênfase em cada dimensão inter-relacio-
nada. Enquanto o paradigma social domi-
nante enfatiza relações utilitárias e de do-
minação dos homens para com a nature-
za, a perspectiva do ambientalismo radical
enfatiza as conexões emocional, estética e
espiritual dos homens com o ambiente na-
tural. A perspectiva (de meio termo) do
ambientalismo renovado representa uma
abordagem mais cognitiva (ou científica)
para integrar e equilibrar essas dimensões,
algumas vezes contraditórias. O dogma cen-
tral da hipótese da biofilia é que cada abor-
dagem tem um lugar e um papel a desem-
penhar na história evolucionária da huma-
nidade. Ênfase demasiada em uma ou em
algumas facetas, com a exclusão de outras,
pode ter conseqüências destrutivas tanto
para os homens como para o ambiente na-
tural. Por exemplo, focalizar somente no
valor material e nos benefícios a serem ob-
tidos a partir do ambiente natural (como
pelo paradigma social dominante) norteia
ações ambientalmente insustentáveis e irá
ameaçar, a longo prazo, por fim, as necessi-
335 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
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EVOLUÇÃO E REVOLUÇÃO: DA
INTERNACIONALIZAÇÃO À
GLOBALIZAÇÃO
BARBARA PARKER
I
Cresce o sentimento de que eventos enças que afligem humanos, animais e cul-
mundiais estão rapidamente convergindo turas são exportadas com produtos de con-
para delinear um mundo único, integrado, sumo. Esse exemplo ilustra que eventos po-
em que influências econômicas, sociais, cul- líticos e econômicos de escopo global tam-
turais, tecnológicas e dos negócios e tam- bém têm implicações culturais, políticas,
bém de outras naturezas atravessam fron- tecnológicas e humanas, e à medida que as
teiras tradicionais, como nações, culturas fortunas econômicas de indivíduos, organi-
nacionais, tempo, espaço e indústrias, com zações e nações estão conectadas entre si,
facilidade crescente. Essa dissolução de são criadas novas interdependências. Orga-
quaisquer fronteiras tradicionais tornou con- nizações não são simplesmente afetadas pela
fusas distinções que já foram mais claras. globalização: as atividades combinadas de
Atividades de negócios, por exemplo, são todos os tipos de organização estimulam,
conduzidas ou delineadas por organizações facilitam, sustentam e expandem a glo-
não empresariais, como as ONGs (organi- balização. Empresas de negócios, na busca
zações não governamentais). Essas ativida- por novos produtos e mercados, não distri-
des confundem as fronteiras entre setores, buem apenas produtos para os consumido-
antes mais claramente definidas. Recorrer
a pistas visuais ou verbais para distinguir
entre forma e conteúdo, entre homem e
mulher, entre o que é real e o que é virtual,
entre o que organizações podem fazer o que
elas devem fazer tornou-se mais difícil. As
implicações de tais mudanças são potenci-
almente revolucionárias, levando a mudan-
ças significativas e de amplo escopo em to-
das as esferas da vida, gerando novos desa-
fios e responsabilidades para todos os tipos
de organizações.
nal do século XX. Este capítulo estrutura essa o futuro. Essa seção começa examinando o
tarefa, olhando a natureza da globalização que é a globalização, fazendo uma referên-
no contexto de negócios, suas causas, no que cia particular ao mundo de negócios e mos-
consiste, como os negócios a direcionam e trando como a pesquisa tem evoluído. Na
como os negócios são afetadas por ela. Além seção seguinte, aborda-se a empresa global,
disso, o que pode significar, não somente argumentando que a empresa globalizada
para os negócios, mas também para todos se envolve em diferentes tipos de ativida-
aqueles que acordam num mundo global. A des, criando responsabilidades adicionais
primeira seção descreve como a pesquisa para as organizações, em comparação com
sobre negócios internacionais tem mudado as empresas internacionais. Em particular,
nos últimos 50 anos. A segunda discute as enfatizamos que as empresas operam num
características da empresa global, mostran- mundo com fronteiras mais permeáveis do
do como ela difere das empresas interna- que um mundo dividido em estados nacio-
cionais ou multinacionais. A terceira seção nais, espaços geográficos e culturais. Por
mostra como a globalização é um fenôme- outro lado, crescem igualmente as interco-
no que engloba muito mais que o empreen- nexões entre atividades empresariais e ou-
dimento global, envolvendo mudanças mui- tros tipos de atividade, tornando as frontei-
to mais fundamentais e amplamente basea- ras organizacionais também mais permeá-
das. Essa seção também explora como cin- veis.
co contextos em particular são afetados por O estudo acadêmico de negócios in-
essas mudanças: economia, política, cultu- ternacionais (NI) é um fenômeno recente,
ra, tecnologia e recursos naturais. Finalmen- iniciando-se com os estudos formais que
te, são abordadas as implicações da globa- surgiram depois da Segunda Guerra Mun-
lização para empresas e outras organizações. dial, com a crescente importância das ex-
No final, este capítulo faz mais per- portações e dos investimentos diretos exter-
guntas do que apresenta respostas. Em vez nos (IDE) norte-americanos na reconstru-
de documentar o que sabemos sobre a aná- ção e no desenvolvimento do mundo. Até
lise comparada de negócios internacionais, 1960, a maioria das pesquisas de NI busca-
apresentamos o que não sabemos sobre va explicações econômicas dos fluxos de tro-
globalização. O capítulo tenta esclarecer cas entre países, refletindo seu embasa-
algumas implicações profundas da globali- mento na teoria macroeconômica e enfa-
zação para todas as sociedades. Ao apontar tizando a teoria da vantagem comparativa
essas implicações e as tensões envolvidas, (Bartlett e Ghoshal, 1991; veja também
talvez estejamos preparando-nos para refor- Grosse e Behrman, 1992; Dunning, 1993).
mular nossa agenda de pesquisa.
O CAMINHO DE NEGÓCIOS
INTERNACIONAIS PARA
NEGÓCIOS GLOBAIS
Perlmutter (1969) que descreveu a evolu- nal, mais sofisticada e orientada para pro-
ção das estruturas de EMs. Stopford e Wells cessos, substituiu o trabalho de relaciona-
(1972), Franko (1976) e Dyas e Thanheiser mento entre estratégia e estrutura (por
(1976) ampliaram o trabalho de Chandler exemplo, Beamish et al., 1991; Melin,
(1962) sobre a relação estratégia/estrutura 1992), focando a necessidade de alcançar
para empresas internacionais. Outros auto- uma convergência maior entre estratégia,
res, como Prahalad, Doz, Bartlett e Hedlund, estrutura e sistemas (Ghoshal e Bartlett,
começaram a examinar as ações da 1995). Outros pesquisadores se ativeram às
gerência e dos processos estratégicos em abordagens de rede para entender os negó-
EMs (veja Bartlett e Ghoshal, 1991; Melin, cios internacionais (por exemplo, Hedlund,
1992). 1986); desenhar estratégias globais (por
A década de 70 também marcou uma exemplo, Kogut, 1989); alianças globais
mudança nos tipos de assuntos abordados (Hamel, 1991; Hedlund e Rolander, 1990);
pelos pesquisadores, à medida que países e aprendizagem (Bartlett e Ghoshal, 1989;
hospedeiros começaram a questionar a pos- Hamel, 1991).
tura etnocêntrica das EMs, e, em alguns ca- Muitas das pesquisas iniciais de NI
sos, a rejeitar seu papel (Robinson, 1981). manifestaram convicção na superioridade
O nacionalismo crescente e as preocupações norte-americana, expressa por Henry Luce
sobre o papel político das EMs levaram à quando chamou esse período de tempo de
nacionalização de alguns ramos e empre- "o século americano". As pesquisas eram
sas, e ao crescimento das regulamentações. caracterizadas por "pesquisadores america-
Ao mesmo tempo, aumentava a competição nos centrados por empresas americanas,
da Europa e do Japão. De acordo com esses perspectivas americanas, e por questões
movimentos, a pesquisa começou a exami- mais importantes para gerentes americanos"
nar os laços entre a empresa e seu ambien- (Boyacigiller e Adler, 1991 : 264). O suces-
te político; a análise política do risco e a so econômico e o reforço, tanto público
negociação representaram duas abordagens quanto acadêmico, confirmaram, sem ne-
para entender o ambiente político de negó- nhuma dúvida, a impressão de superiorida-
cios internacionais (por exemplo, Moran, de das formas burocráticas de geren-
1973; 1974; Rummel e Heenan, 1978). As ciamento como as desenvolvidas pelas em-
análises de estratégica competitiva direcio- presas americanas, uma impressão aborda-
navam-se para as relações entre as condi- da por Robinson (1971) em seu discurso
ções da indústria e as organizações (por para a Associação para a Educação em Ne-
exemplo, Porter, 1980; 1985). A importân-
cia crescente da sensibilidade cultural para
o sucesso das empresas internacionais foi
demonstrada pelos estudos comparativos de
culturas nacionais realizados por Hofstede
(1980; 1983) e pela análise de agrupamen-
to de países com base nos valores de traba-
lho e nas atitudes realizadas por Ronen e
Shenkar (1985). À medida que muitos dos
novos poderosos competidores eram empre-
sas japonesas, desenvolveu-se também um
interesse por estudos de empresas japone-
sas e de técnicas japonesas de administra-
ção, principalmente conceitos de qualidade
total e suas implicações para empresas não
japonesas (Reitsperger e Daniel, 1990). As
estruturas sugeridas por Stopford e Wells
(1972) foram exploradas visando identifi-
car formas estruturais apropriadas para di-
versas estratégias multinacionais (Daniel et
al., 1984) ou para incluir fatores contin-
genciais na análise das escolhas das EMs
(Lemak e Bracker, 1988). O interesse nas
formas estruturais e nos mecanismos for-
mais de controles, da década de 70, muda-
ram para formas menos formais de coorde-
nação (Melin, 1992; veja Martinez e Jarillo,
1989). Uma visão de estratégia internacio-
349PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
bal pode ser mais ou menos global, depen- total de investimentos diretos das nações
dendo da quantidade de seus negócios com desenvolvidas européias, $ 40 bilhões (15%)
presença no mundo todo. Esforços para do total dos investimentos diretos exterio-
equilibrar mundialmente as demandas para res do Japão, e $ 15 bilhões em IDE (3%)
posicionar produtos e serviços também já do total dos IDE realizados pelos Estados
foram chamados de estratégia global Unidos. Olhando por outro prisma, cerca de
(Hamel e Prahalad, 1985), não obstante Yip 28% das PMEs americanas têm algum in-
(1995 : 8) a tenha descrito essa abordagem vestimento direto externo, porém cerca de
como multifocal* e Phatak (1992) e 60% das empresas japonesas do mesmo ta-
Ashkenas et al. (1995) a tenham chamado manho participam de alguma forma de in-
de glocal.** vestimentos no exterior, mesmo sem ser
Resumindo, usos diferentes da pala- majoritários (Bleakley, 1993). Empresas fa-
vra global podem estar diluindo qualquer miliares das Américas do Sul e Central, de
significado específico que ela possa ter para Portugal, Espanha, Ásia e índia também es-
descrever uma estratégia (Yip, 1995 : 8). tão procurando o crescimento global. Kim
Essas diferenças são um legado da percep- Woo-choong, fundador da Daewoo, afirma
ção crescente das mudanças - complexas e que o objetivo da empresa "é tornar-se uma
freqüentemente intratáveis - que estão acon- companhia sem fronteiras" (Forbes, 1995).
tecendo no mundo, que enfatizam uma co- A influência crescente de chineses e india-
ordenação interna das funções da empresa nos que emigraram de seus países demons-
e geram uma percepção maior da necessi- tra que existe mais de um modelo de em-
dade de analisar os eventos mundiais. Para- presa familiar. Como um grupo, os chineses
doxalmente, enquanto as definições variam, fora da China geram um resultado econô-
as pesquisas continuam voltadas para as mico estimado em 500 bilhões de dólares,
maiores empresas mundiais. Abertura de comparável ao produto nacional bruto da
capital e tamanho fazem com que as 37.000 China em 1993. A maioria dos bilionários
maiores MNs sejam identificáveis. O con- do sudeste asiático são chineses étnicos que
trole de mais de 206.000 subsidiárias no vivem fora da China. E, acredita-se que es-
mundo todo e ativos que atingem trilhões
de dólares salienta sua contribuição para o
crescimento econômico e para o desenvol-
vimento no mundo. As maiores 100 MNs
do mundo (sem incluir aquelas que atuam
em bancos e finanças) tinham mais de 3
trilhões de dólares em ativos globais em
1992 (United Nations, 1994a : 5). Elas in-
cluem empresas como Daimler Benz,
Hanson, Glaxo, McDonalds's, Siemens, Saint
Gobain, Sony, Itochu, Amoco, Michelin e
Grand Met; todas com bases em países eco-
nomicamente desenvolvidos. São essas or-
ganizações que normalmente são conside-
radas "globais".
ses empresários de origem chinesa são res- deradas globais, porque procuram estabe-
ponsáveis por apenas uma porção da rique- lecer uma presença mundial na maioria ou
za crescente dos chineses no mundo todo, em todas as suas linhas de produtos. Gran-
especialmente no Sudeste asiático (Drucker, des ou pequenas, essas empresas enfrentam
1994). Empresas como essas, com proprie- o mesmo desafio gerencial: criar processos
tários independentes ou controladas por e estruturas gerais na organização que
grandes "famílias", contribuem para a di- apoiem seu comprometimento global. Gran-
versidade de práticas gerenciais e objetivos des empresas como Nestlé e Unilever tam-
de negócios na esfera global, porém se sabe bém têm uma presença global significativa,
muito pouco sobre elas. apesar de não atuarem globalmente em to-
Alianças entre governos e empresas, das as linhas, da mesma forma que os pro-
assim como negócios estabelecidos por ini- dutores de frutas independentes do Estado
ciativas globais (Oviatt e McDougall, 1995), de Washington freqüentemente vendem
são partes do crescimento global dos negó- mundialmente uma linha de produtos, mas
cios, e muitos que haviam sido banidos pela não todas. Essas empresas também enfren-
expansão das grandes empresas estão per- tam o desafio mundial de criar processos e
cebendo a possibilidade de se tornar parte estruturas capazes de alcançar o equilíbrio,
do cenário global de negócios (Hymowitz, evitando que se criem interesses confli-
1995). Organizações sem fins lucrativos tantes.
contribuem crescentemente para as ativida- Esses exemplos demonstram que or-
des econômicas, assim como organizações ganizações de qualquer tamanho podem
não governamentais (Commission on Glo- estabelecer uma presença global e podem
bal Governance, 1995). Finalmente, gan- ser pensadas como empresas globais, e tam-
gues globais, piratas, senhores da guerra bém mostram que estabelecer presença
(warlords) e outros da mesma laia também num, em vários ou em todos os negócios
povoam as terras dos negócios globais. À cria desafios únicos para líderes organi-
medida que mercados globais são caracte- zacionais. Podemos, portanto, pensar em
rizados por esses competidores múltiplos de "global" como uma visão mundial de mer-
diferentes tamanhos e formas que operam cados de negócios, usando descritores como
com motivos competitivos diferentes, geren- "multilocal" para nos referirmos a estraté-
ciamento global pode ser considerado mais gias que as empresas empregam quando
complexo e menos seguro do que o geren- combinam padrões mundiais com capacida-
ciamento quando competidores tinham o de de resposta local, ou "padronização mun-
mesmo tamanho e motivações semelhantes.
Este capítulo sustenta que a globa-
lização não está confinada a grandes orga-
nizações, podendo ser encontrada "virtual-
mente em qualquer indústria" (Yip, 1995),
sendo difícil uma empresa permanecer to-
talmente indiferente às condições globais.
Embora virtualmente todas as organizações
possam ser afetadas pela globalização dos
negócios e todas as empresas crescente-
mente operem numa esfera de negócios glo-
bais, não se pode, todavia, afirmar que toda
empresa é uma empresa global. Empresas
globais geralmente podem ser descritas
como as que mantêm uma presença mundi-
al em um ou mais negócios. Empresas como
Pepsi Cola, CNN ("a rede global de notí-
cias") e Benetton podem ser identificadas
como empresas globais porque estabelecem
uma presença global em virtualmente todos
os seus negócios. Apesar de serem meno-
res, empresas como Britain's R. Griggs (fa-
bricante das botas Doc Martens), Israel's
Vocal Tech (que desenvolveu o programa
que facilita ligações à distância na Internet),
ou Netherland's Digicash (que desenvolveu
o equivalente digital de dinheiro para com-
pras eletrônicas) também podem ser consi-
EVOLUÇÃO E REVOLUÇÃO: DA INTERNACIONALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO 353
portância dessas fronteiras internas e exter- cidos de New York, Tóquio e Londres para
nas pode variar em função do tamanho, in- países como Egito, Namíbia, China, Quênia,
dústria e outros fatores e cada empresa pode Hungria e Bermudas, para citar apenas al-
priorizá-las de forma diferente. Por exem- guns.
plo, uma empresa iniciante numa indústria Enquanto a economia global oferece
dependente da Internet pode priorizar oportunidades, ela também produz desafi-
tecnologia do conhecimento, enquanto uma os crescentes. Atualmente, os bancos cen-
empresa já estabelecida pode sentir uma trais precisam encarar a força dos negocia-
necessidade maior em quebrar as barreiras dores independentes, que movimentam
internas à diversidade para alavancar o co- mais de US$ 1 trilhão por dia. Esforços rea-
nhecimento. Nesse contexto, é importante lizados pelos bancos centrais dos Estados
perceber que a diversidade é representada Unidos, Japão e Alemanha para manter o
não apenas pelas diferenças visíveis, como dólar derramaram US$ 30 bilhões nos mer-
gênero e etnicidade, mas também pelas di- cados globais entre janeiro e maio de 1995.
ferenças em níveis, alocações funcionais ou Não obstante isso, o dólar desvalorizou-se
papéis. Enquanto existe um debate consi- 17% com relação ao iene e 11% com rela-
derável e diferenças de opiniões em relação ção ao marco alemão (Sesit, 1995), provan-
à organização global, parece claro que tal do que provavelmente são os especuladores
atividade não está confinada simplesmente que desempenham papel dominante nos
a grandes organizações com presença física mercados de câmbio (Millman, 1995). En-
em diferentes países, mas também inclui quanto Millman (1995) acredita que esses
configurações mais flexíveis que permitem negociadores disciplinam o mercado finan-
às organizações menores beneficiarem-se ceiro global, outros sugerem que eles ame-
das oportunidades globais. açam a ordem econômica mundial, dificul-
tando as ações governamentais para defen-
der o interesse público (Solomon 1995).
Como disse um alto funcionário canadense,
GLOBALIZAÇÃO: UM FENÔMENO EM participando de uma reunião do G-7 em
EXPANSÃO 1994: "Com um trilhão de dólares fluindo
pelos mercados financeiros diariamente, há
Não obstante a globalização seja diri- pouco que os governos possam fazer, com
gida e delineada com base em atividades de exceção de parar o movimento por um dia,
negócios, ela estende-se além das frontei-
ras individuais e das organizações globais,
não importando o quão amplamente sejam
definidas. Globalização é um fenômeno em
expansão, e o interesse pelo fenômeno não
pode estar confinado somente às atividades
de negócios. Nessa seção, o interesse expan-
de-se para cinco arenas, incluindo econo-
mia, política, cultura, tecnologia e recursos
naturais. Separá-las é um processo artifi-
cial, uma vez que interagem naturalmente
e sinergicamente, porém separá-las esclare-
ce os conteúdos e proporciona uma forma
de ilustrar tensões nacionais e organiza-
cionais resultantes da globalização.
Economia global
uma hora - ou talvez por apenas dez minu- da dos que vivem fora da lei, tanto de paí-
tos" (Gumbel e Davis, 1994). ses como da comunidade internacional. Pun-
Os mercados de capitais, antes domi- guistas navegam pela Internet, em busca do
nados pelos bancos, estão cada vez mais equivalente eletrônico de uma porta aberta
dominados por fundos de pensão e hedge- ou de um cofre desguarnecido. Organiza-
funds baseados nos Estados Unidos e que ções do tipo da Máfia, gangues, piratas e
controlam cerca de US$ 3 trilhões em ati- cartéis de drogas também emergiram à pro-
vos. A busca global desses investimentos por cura de um território no fértil reino econô-
retornos crescentes cria dinheiro "quente" mico das negócios mundiais, e são respon-
que financiam crescimento econômico rá- sáveis por negócios no mercado ilegal de
pido, cria empregos e traz estabilidade po- drogas, estimado pela Interpol em US$ 400
lítica, mas tais investimentos podem retirar- bilhões; providenciam papéis ilegais para
se com a mesma facilidade em busca de pessoas interessadas no mercado de traba-
maiores retornos noutros lugares (Kwan, lho, ou respondem pela demanda global
1991). O capital privado está provendo as crescente por todos os tipos de produtos e
necessidades de capital que deveriam vir de serviços ilícitos.
instituições como o Banco Mundial e o FMI, A atividade econômica crescente as-
resultando em questionamentos sobre a vi- sociada à globalização direciona a atenção
abilidade desse tipo de instituição financei- para premissas econômicas nunca questio-
ra no atual cenário mundial (Bello e nadas. Fica mais difícil ignorar atividades
Cunningham, 1994; Owen, 1994). econômicas realizadas informalmente, uma
A globalização crescente da atividade vez que o trabalho não pago, no mundo,
econômica também está levando mais or- tem um valor não contabilizado de US$ 16
ganizações para o mercado, estimulando trilhões, sendo que US$ 11 trilhões são ge-
negócios e dispersando a produção pelo
mundo (Dicken, 1992). No passado, os pa-
íses industrializados eram as maiores fon-
tes de crescimento econômico mundial. Hoje
esse crescimento também provém de "flu-
xos reversos" com o mundo em desenvolvi-
mento, com a transferência de investimen-
tos diretos dos países em desenvolvimento
para os países desenvolvidos. Enquanto a
América do Norte, Europa e Japão foram
responsáveis por aproximadamente 65% do
PIB mundial em 1993, essa figuras deverão
cair para 55% até 2010, com o desenvolvi-
mento da China e de países na Ásia e Amé-
rica do Sul (World Bank, 1995). Na última
década, empresas provenientes de países
recém-industrializados, como Coréia do Sul,
Taiwan, Tailândia e Cingapura, aumentaram
seu papel na economia global, de 4% na
década de 1960 para 25% na década de
1990 (Farrell, 1994). Além do mais, a velo-
cidade do desenvolvimento está crescendo.
A Inglaterra levou 58 anos para dobrar sua
renda per capita a partir de 1789. Come-
çando a contagem em 1839 os Estados Uni-
dos levaram47 anos. O Japão levou 34 anos
a partir de 1885; a Coréia do Sul 11 anos a
partir de 1966; e ainda mais recentemente,
a China dobrou sua renda per capita em
menos de 10 anos (The Economist, 1994).
Dessa forma, enquanto a economia global
tem a capacidade de corrigir desequilíbrios
econômicos entre o mundo desenvolvido e
o mundo em desenvolvimento, isto não se
faz sem um custo. Países recém industriali-
zados tiveram que aprender, em pouco tem-
po, o que países como a Inglaterra ou os
Estados Unidos levaram mais de um século.
O crescimento econômico pune a humanidade
com eventos como o trabalho infantil, locais de
trabalho perigosos e degradação ambiental.
É importante notar que dessa arena
global não participam unicamente aqueles
que desfrutam de legitimidade, estão den-
tro da lei e são respeitáveis. O acesso mais
livre à arena global também facilita a entra-
356 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
rados por mulheres (Nações Unidas, 1995). reduzem a autonomia nacional por meio de
Premissas sobre interesses próprios também arranjos especiais, como zonas francas aber-
necessitam ser reexaminadas com base na tas e cidades estados no interior de nações;
evidência que mostra que nos Estados Uni- alianças de produtores como a OPEC; ali-
dos se espera que a pessoa ou organização anças regionais como UE, ASEAN,
individual seja ator com interesses pró- MERCOSUL e NAFTA; ou alianças mundi-
prios, enquanto no Japão a motivação dá- ais como GATT e seu sucessor a OMC (Or-
se com base nos interesses da economia na- ganização Mundial do Comércio) e a APEC.
cional, enquanto na Europa Ocidental, a Esses grupos não reduzem somente as
qualidade de vida é valorizada (Hampden- barreiras comerciais, mas também a auto-
Turner e Trompenaars, 1993; Sharp, 1992). nomia nacional. A OMC promete introduzir
Embora indicadores como Produto Interno um conjunto de regras comerciais mundi-
Bruto (PIB) já tenham sido considerados pa- ais comuns. Diferentemente do Gatt, que
drões quase universais do desenvolvimento privilegiava os países maiores, a OMC pro-
econômico de uma nação, a aplicação des- mete uma atuação mais equilibrada, bene-
se indicador está se tornando cada vez mais ficiando, mais do que no passado, países
suspeita num mundo global. O PIB não pode menores (Wall Street Journal, 1995d) e en-
ser ajustado a custos de vida diferentes, a corajando mais países a participar (Becker,
diferenças entre ricos e pobres na mesma 1994), o que irá, por sua vez, gerar amar-
nação, ou a fatores intangíveis que contri- ras adicionais aos países já acostumados li-
buem para a qualidade de vida (Ibbotson e berdades maiores. O processo de nivela-
Brinson, 1993). mento não vem sem custos. Depois do pra-
Uma economia globalizada requer um zo de 10 anos concedido pela OMC, a Afri-
reexame de várias premissas a respeito de ca Meridional Subsaariana vai sofrer uma
riqueza: se a economia mundial deve ser perda líquida em sua balança comercial de
entendida como um jogo de soma zero (em US$ 2,6 bilhões por ano, principalmente por
que o ganho de uns significa necessariamen- causa do aumento do custo da importação
te perdas de outros); como recursos devem de comida devido à redução de subsídios à
ser alocados com justiça, considerando sis- agricultura nos países desenvolvidos. Em-
temas de mercado diferentes; qual trabalho bora o aumento dos preços da comida im-
e o trabalho de quem deve ser considerado portada nos países africanos possa ser re-
fator de produção e mesmo como avaliar os solvido com o aumento na ajuda externa e
próprios critérios da economia. Embora a
globalização econômica possa criar conver-
gência entre interesses próprios e interes-
ses coletivos ou comunitários (Naisbitt,
1994), economias com interesses próprios
não operam em um vácuo, mas são molda-
das pelas políticas globais (Sorenson, 1995)
e outros fatores nacionais, regionais e glo-
bais.
Políticas globais
A esfera política está envolvida numa
tensão entre autonomia e dependência à
medida que governos nacionais tentam des-
montar as barreiras ao comércio mundial.
O economista Robert Reich (1991) enfatiza
que a globalização vai fazer com que líde-
res de negócios comecem a se ver cada vez
menos como atores autônomos e cada vez
mais como participantes totalmente conec-
tados uns aos outros em indústrias globais,
além de reduzir a autonomia nacional. A
medida que a destruição de fronteiras au-
menta as oportunidades, ela também cria
dependências que restringem a autonomia.
Buscando ganhos econômicos, poucos reco-
nhecem que acordos de troca bilaterais,
multilaterais e unilaterais necessariamente
EVOLUÇÃO E REVOLUÇÃO: DA INTERNACIONALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO 357 [
Alguns autores vêem essas influênci- dade ao controle de doenças, têm trazido
as como fontes potenciais de corrupção cul- mais pessoas ao mercado de trabalho; des-
tural (Finel-Honigman, 1993). Eles vêem cobertas de processos e de produtos cons-
convergência cultural como uma forma de tantemente alteram a natureza de seu tra-
neo-imperialismo capaz de eliminar a vari- balho e tecnologias baseadas na informa-
edade cultural (Tomlinson, 1991) e produ- ção tornam as pessoas e as informações re-
zir pressões culturais que levam a formas cursos críticos para as organizações. Dife-
destrutivas de conflito (Barber, 1992; rentemente da terra, do trabalho e do capi-
Huntington, 1993). Outros desafiam essas tal, tão importantes ao crescimento econô-
suposições, argumentando que o emprésti- mico durante a Revolução Industrial, a for-
mo cultural associado à "creolização", ça motriz que apoia a revolução da infor-
"mestiçagem", "orientalização" e similares, mação é intangível: o conhecimento. Os in-
realça, mas não redefine, a cultura (Pieterse, divíduos são donos do conhecimento, e por
1995). "Glocalização" ou conexões soltas isso ele só se torna um recurso organi-
entre o que é local e o que é global formam- zacional quando partilhado (Handy, 1994),
se (Robertson, 1995), levando à multiplica- criando um potencial para maior igualdade
ção das diferenças culturais em vez de a sua ou aumentando a desigualdade.
redução (Kahn, 1995). Em vez de a A tecnologia de telecomunicação, ca-
globalização levar a uma cultura predomi- paz de transmitir informação quase instan-
nantemente ocidental, onde linguagem, va- taneamente por todo o mundo, tornou pos-
lores e comportamentos de negócios são sível para pessoas e empresas comunicarem-
padronizados e homogeneizados numa base se e operarem 24 horas por dia, sete dias
mundial, Robertson (1995) argumenta que por semana. Mais ainda, o custo do proces-
as influências culturais do oriente sobre o samento de dados e da computação tem
ocidente têm sido seriamente subestimadas, declinado rapidamente em anos recentes.
em questões referentes à religião, casa e
comunidade que se tornam mais, em vez de
menos, importantes (Abu-Lughod 1994).
Aqueles que categorizam cultura como
fenômeno global ou uma série de culturas
nacionais diversas talvez estejam tendo uma
visão limitada. Em vez dessa abordagem
dicotômica, vemos uma tensão entre
homogeneidade e heterogeneidade sendo
percebida pelas nações, organizações e in-
divíduos, como demonstram os conflitos
armados baseados em diferenças étnicas,
pelo debate público sobre imigração e por
debates privados sobre fundamentos religi-
osos. Enquanto as estimativas sugerem que
o número de nações pode crescer de 300
para 1.000 no século XXI (Outlook, 1994),
em parte devido a diferenças culturais
(Davis, 1994), países heterogêneos estão-
se juntando para formar blocos de comér-
cio. Os sinais estão misturados: enquanto
os conflitos étnicos explodiram na antiga
Iugoslávia, a violência religiosa diminui na
Irlanda do Norte; enquanto diferenças polí-
ticas, religiosas e étnicas fragmentam o Ori-
ente Médio, diferenças raciais estão sendo
postas de lado na África do Sul. A Checos-
lováquia readapta-se ao processo democrá-
tico, tendo votado pela separação, enquan-
to a província de Quebec, numa votação
apertada, escolhe continuar integrando o
Canadá.
Tecnologias globais
419 V
-------
um futuro viável para as gerações futuras ilegal, está crescendo. Nos Estados Unidos
(Gore, 1992; Hawken, 1993). Propostas a imigração foi responsável por 39% do cres-
para o desenvolvimento sustentável reque- cimento populacional na última década; na
rem mudanças fundamentais. Enquanto Europa grandes aumentos populacionais
mercados geralmente criam divisões entre que ocorreram nos últimos 20 anos resulta-
países ricos e pobres, o desenvolvimento ram da integração econômica e da imigra-
sustentável requer mais igualdade econômi- ção. Ao mesmo tempo que a imigração acon-
ca mundial. Isso não significa que a riqueza tece e, em alguns casos, é ativamente in-
do mundo deve ser redistribuída, mas que centivada, surgem barreiras como o acordo
desigualdades entre as nações mais ricas e de Schengen. Para impedir alguns fluxos
as mais pobres devem ser suplantadas, ofe- migratórios, indivíduos são devolvidos a
recendo às nações mais pobres oportunida- seus países de origem, e imigrantes têm sido
des melhores do que as oferecidas no pas- vítimas de ataques violentos, bem como suas
sado. Segundo os autores do Human propriedades, com violação de seus direitos
Development Report, das Nações Unidas na Europa, nos Estados Unidos, no Japão
(1994b), "o conceito de um mundo e um (Fernandez, 1991) e em outras partes do
planeta não pode vingar num mundo desi- mundo.
gual". Crescimento sustentável em escala glo- As decisões que envolvem opções en-
bal sem justiça não passa de uma miragem. tre investimento econômico e humano aca-
Ironicamente, mesmo que alguns ar- bam sendo sempre mais prejudiciais aos que
gumentem que os estilos de vida nas nações possuem menos. Freqüentemente, as pesso-
mais ricas devem ser alterados para consu- as que perdem mais com a ênfase em cres-
mir menos, muitos em países desenvolvidos cimento e desenvolvimento são as mulhe-
advogam uma mudança oposta para adotar res. O Human Development Report das Na-
hábitos materialistas consistentes com uma ções Unidas mostra que os países que for-
sociedade de consumo. Alguns estão dispos- necem estatísticas com questões de gênero
tos a trocar sua terra ou matérias-primas por não tratam igualmente mulheres e homens.
bens de consumo, enquanto outros acham Em vários países a diferença no tratamento
a sobrevivência impossível a não ser por
meio da exploração dos recursos disponí-
veis. A medida que esses recursos desapa-
recem, florestas e água desaparecem e a
desertificação cresce. Num ambiente de ne-
gócios competitivo e com a população mun-
dial ansiosa ou pressionada para fazer par-
te da economia mundial, empresas que não
queiram comprometer o meio ambiente tal-
vez percam oportunidades; aquelas, porém,
que tomam medidas efetivas para preser-
var o meio ambiente podem ser acusadas
de impor seus próprios valores em países
hospedeiros ansiosos por desenvolvimento
econômico. Portanto, um dos desafios ao
desenvolvimento sustentável é o paradoxo
de gerenciar o crescimento econômico e si-
multaneamente proteger o meio ambiente
e as pessoas que nele vivem.
Devido à globalização, indivíduos
mudaram suas expectativas com relação à
riqueza. Por causa das demandas de empre-
go, a mão-de-obra passou a mover-se mais
livremente pelo mundo, e como as expecta-
tivas individuais freqüentemente não podem
ser satisfeitas em países emergentes, as pes-
soas vão buscar emprego noutros lugares.
Falta de trabalhadores em países industria-
lizados, como Japão e Coréia do Sul, e opor-
tunidades limitadas em outras partes da
Ásia, levou mais de 2 milhões de pessoas do
leste e sudeste Asiático a abandonarem suas
casas para buscar trabalho em nações vizi-
nhas (Pura, 1992). Os pobres da China ru-
ral migram para as cidades ou pagam gran-
des somas para emigrar ilegalmente para
países onde possam encontrar trabalho. A
imigração mundial, tanto a legal quanto a
PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
discrimina as mulheres no acesso à segu- 1993). Grupos de defesa dos direitos dos
rança básica, à seguridade, à nutrição, às consumidores e empresas cada vez mais
oportunidades educacionais e aos recursos assumem responsabilidades políticas, en-
de saúde. Mulheres de países emergentes quanto algumas responsabilidades de em-
freqüentemente são mandadas para outros presas estão sendo assumidas por organi-
países para trabalhar em tarefas servis que zações governamentais e não governamen-
criam oportunidades para o abuso. Algumas tais. Organizações de todos os setores estão
são vendidas para serem escravas ou pros- sendo pressionadas por mais eficiência,
titutas, servindo de iscas para o turismo se- medindo a relação entre insumos e resulta-
xual globalizado. Em conseqüência, o de- dos; a serem mais "profissionais". Ao mes-
senvolvimento econômico restringe-se ape- mo tempo, implora-se às empresas que se-
nas à metade da população, roubando às jam mais responsáveis socialmente na ma-
gerações futuras a oportunidade de desen- neira pela qual se globalizam, que acomo-
volver seu potencial. As mulheres, sem edu- dem homogeneidade e heterogeneidade,
cação, tendem a permanecer como reci- que reduzam desigualdades enquanto man-
pientes passivas dos bens e serviços em vez têm a lucratividade interna, que mantenham
de contribuírem com seu trabalho e paga- crescimento sustentável enquanto exploram
mento de impostos. Tornam-se também oportunidades de maneira imediata. Portan-
menos atraentes às empresas globais em to a globalização, ao difundir-se muito além dos
busca de trabalhadores. limites dos negócios, cria novos e significati-
Em nações industrializadas, a discri- vos desafios a todas as partes da sociedade.
minação de mulheres reflete-se em desigual-
dades salariais e de status entre mulheres e
homens. A relação entre o salário semanal IMPLICAÇÕES PARA AS
feminino/masculino ficou na faixa de 80 a ORGANIZAÇÕES
90% na Austrália, Dinamarca, França, Nova
Zelândia, Noruega e Suécia, enquanto nou- A abordagem baseada no tripé estra-
tros países da Europa Ocidental encontram- tégia/estrutura/sistemas administrativos
se diferenças entre 65% e 75%. Mulheres
americanas recebem 76% do que os homens
recebem, enquanto as japonesas recebem
61% do que os homens percebem em em-
pregos similares (Wall Street Journal,
1995a). Entretanto, existem algumas evi-
dências de que as mulheres estão progre-
dindo no acesso a posições gerenciais. Por
exemplo, entre 1985 e 1991 a percentagem
de gerentes mulheres aumentou em 39 dos
41 países que divulgam estatísticas compa-
rativas de mão de obra (World of Work -
US, 1993). A medida que essas desigualda-
des são resolvidas, levam à percepção de
outras formas de desigualdade. Por exem-
plo, melhorias educacionais para as mulhe-
res tanto em países em desenvolvimento
como em países desenvolvidos são
conseguidas primeiramente por aquelas com
recursos econômicos. As mulheres pobres
continuam pobres.
A globalização freqüentemente resul-
ta em desigualdades, ou entre os países ri-
cos do norte e os países pobres do sul, ou
entre homens e mulheres ou dentro de gru-
pos étnicos, ou entre eles. Existe uma ex-
pectativa freqüente de que organizações e,
especialmente, organizações de negócios, se
voltem para essas desigualdades, porém, ao
fazê-lo, elas enfrentam a tensão entre capi-
talizar o potencial de crescimento e prote-
ger e reabordar tais diferenças.
Resumindo esta seção, podemos dizer
que a globalização envolve mudanças revo-
lucionárias nas esferas econômica, política,
cultural, tecnológica e natural. Uma busca
global dos benefícios da criação de riqueza
alterou relacionamentos tradicionais entre
empresas, governos e sociedades (Hawken,
EVOLUÇÃO E REVOLUÇÃO: DA INTERNACIONALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO 364 [
Responsabilidade social
Estratégia organizacional
367 PARTE II - QUESTÕES E TEMAS EMERGENTES EM ESTUDOS ORGANIZACIONAIS
CONCLUSÃO
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EVOLUÇÃO E REVOLUÇÃO: DA INTERNACIONALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO 376
435 |
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m posta e apresentada como uma tendência
globalizada acaba por abolir a headquarters' irreversível, no mundo da economia e dos
mentality. Não é isto uma crítica à autora, negócios. O que se fala de globalização tem
mas uma constatação de uma etapa talvez em grande medida sua origem em círculos
inevitável no tratamento que hoje se faz do empresariais e econômicos. Acredito que
tema. noutras áreas, como Antropologia, História
Nosso mea culpa é nesse momento e Sociologia, o cuidado em abraçar e pro-
oportuno. Autores de Terceiro Mundo ao clamar tendências globalizadoras é bem
tratarem da globalização o vêm fazendo de maior. Isto quando não se tem uma atitude
maneira defendida e ainda utilizando as de contestá-la como no caso de Huntington.
velhas categorias de imperialismo, hege- Diante de visões tão contraditórias a
monia e dominação, (Ianni, 1995), como se respeito do tema seria de todo desejável que
nada tivesse substancialmente mudado. A ele merecesse maior atenção de pesquisa-
globalização é uma nova roupagem ou uma dores do Terceiro Mundo entre os quais nós
nova etapa do mesmo processo em que as brasileiros poderíamos oferecer nossa con-
nações ricas e poderosas, quase todas oci- tribuição. Questões importantes seriam dis-
dentais, tentam impor uma ordem econô- cutir criticamente a globalização, procuran-
mica, social e política ao restante do mun- do fugir seja do triunfalismo da irrever-
do, e que atualmente assumiria aspecto ain- sibilidade, seja do viés ideológico de que ela
da mais avassalador, já que a globalização não é mais do que o velho "imperialismo"
implicaria em boa medida uma homo- sob novo disfarce. Caso se aceite que mes-
geneização do mundo, feita sempre com mo sem triunfalismo globalizante, há uma
base em um modelo de cultura ocidental. real mudança na economia e no mundo
Curiosamente, o trabalho de Samuel empresarial, indaga-se sob as possíveis for-
P Huntington (1997), que não se ocupa di- mas de inserção nessa nova ordem. No caso
retamente de globalização, acaba por ser um brasileiro, houve início de mudanças em
interessante argumento contra sua viabili- políticas industriais e comerciais que eram
dade. O texto de Huntington, certamente um seculares, como o protecionismo que era um
autor de "contra-corrente" em seu universo pilar de nossa política econômica desde os
intelectual, acredita que o futuro nos reser- dias do Império. As transformações há pou-
va não a globalização enquanto "triunfo" da co iniciadas alteraram nosso mundo indus-
Cultura Ocidental, mas um declínio relati- trial e grandes mudanças ocorreram sob a
vo do Ocidente e a ascensão e aumento de forma de vendas, encerramentos de ativi-
importância de outras culturas, especial- dades de empresas, fusões etc. A nova or-
mente a chinesa e a islâmica. A conseqüên- dem que perspectivas traz ao país e a suas
cia é que a globalização passa a ser vista empresas? E claro que podemos inserir-nos
como manifestação, mais retórica do que vantajosa ou desvantajosamente na nova
uma possibilidade real, do etnocentrismo e ordem. Quais seriam as alternativas com que
arrogância ocidentais, mas que será apenas poderíamos contar?
um dos vetores a aumentar o potencial A pesquisa sobre negócios internacio-
conflitivo entre as diversas civilizações. O nais e globalização é não só feita nos países
trabalho de Huntington surgiu no mesmo centrais, como também a perspectiva é sem-
contexto em que desabrocharam as idéias pre do centro do sistema econômico e em-
triunfalistas e indiscutivelmente insólitas de presarial. Mesmo trabalhos importantes,
Fukuyama (1992), mas negando-as e enve- como os que vêm sendo realizados por
redando por outro caminho. Falar de globa- Bartlett e Ghoshal (1992), são pouco mar-
lização no meio de negócios sempre exige cados por dados, análises e perspectivas das
cautela. A globalização tem sido mais pro-
NOTA TÉCNICA: DA INTERNACIONALIZAÇÃO A GLOBALIZAÇÃO NA PERSPECTIVA BRASILEIRA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONCLUSÕES
17
CIÊNCIA NOPJVIAL,
PARADIGMAS,
METÁFORAS DISCURSOS E
GENEALOGIA DA ANÁLISE*
GIBSON
BURRELL
A VIDA NOS ANOS 60 reduzidas a tais simplicidades. Seu estilo era
tal que ele sempre se mantinha cuidadoso
Nos anos 60, o campo da análise em mostrar o quão provisório, parcial e ex-
organizacional era ilusoriamente simples. A perimental eram seus pensamentos. Seu
figura de Max Weber preenchia o espaço tal conceito de verstehen também lançou ques-
como um colosso e foi sob sua sombra que tões desconfortáveis, por apontar para o tra-
quase todo o trabalho foi desenvolvido. As dicional Idealismo alemão, e pelo qual os
ingenuidades do período eram correntes e teóricos organizacionais anglófilos tinham
envolviam suposições acerca da centralidade pouca simpatia ou entendimento. Assim,
da modernidade, a superioridade institucio- mesmo com a análise organizacional cons-
nal das estruturas burocráticas e a necessi- tituída a partir de uma imagem santificada
dade de medição do tipo ideal da constru- de Weber, eram ignoradas aquelas partes de
ção de Weber. A ascensão da teoria da con- seus fecundos escritos, que os parsonianos
tingência não havia feito nada para questi- desejaram consciente ou inconscientemen-
onar tais pressupostos, uma vez que a teo- te suprimir.
ria ainda estava sendo testada, normalmen- Temos pouco espaço aqui para avaliar
te, por meios de ênfase quantitativa, utili- a importância do Círculo de Pareto na Uni-
zando os métodos positivistas padrões na versidade de Harvard, mas seu impacto so-
busca de conclusões gerenciais relevantes. bre a teoria da organização pode ser facil-
Os autores organizacionais desse pe- mente subestimado. Esse grupo encontra-
ríodo, no qual o desenvolvimento dos esta- va-se como um clube recreativo no início
dos de bem-estar e de conflito armado ha- dos anos 30, e incluía os nomes de muitos
via criado uma espécie de movimento na
direção do corporativismo, perceberam sua
tarefa como sendo a de cientificar a área e
adicionar a ciência administrativa à lista dos
campos gerenciais relevantes, assim como
a ciência operacional e a economia. Seu
personagens eminentes que, coletivamente, Bruno Latour (1982) mostrou-nos que para
se chamavam pelo nome de Vilfredo Pareto, o campo da ciência ser bem-sucedido, uma
o "Marx da burguesia". Parsons, Merton, rede tem que ser desenvolvida, e se a área
Mayo, Homans, Roethlisberger e Chester desenvolve ou não seu pleno gozo, na prá-
Barnard pertenciam todos ao círculo inter- tica isso depende do trabalho árduo e do
no das maiores figuras da teoria organi- consenso político entre seus líderes refe-
zacional. Na busca de rejeitar a influência renciais.
de Marx, eles se voltaram para outros teóri- Assim, podemos perdoar os primeiros
cos sociais da Europa. Se, por um lado, teóricos organizacionais por alguma miopia,
Pareto cumpriu esse propósito no início dos uma vez que isto serviu a um propósito polí-
anos 30, foi Weber quem foi resgatado ao tico mais importante. No entanto, a noção
posto no período da II Grande Guerra (Ray de época de ouro sempre é suspeita, visto
e Reed, 1994). que quando olhamos para trás, podemos ver
Não que Parsons não fosse um teórico não apenas um campo menor, mas um cam-
social extremamente competente, ou que po onde os poderosos concordaram em ig-
ignorasse a tradição do Idealismo alemão, norar problemas fundamentais no direcio-
ou que intencionalmente deturpasse as idéi- namento de questões fundamentais. O po-
as de Weber mais do que os outros. É prefe- der que o grupo ganhou veio mais de um
rível dizer que na busca por uma ciência amplo reconhecimento externo de seu
administrativa, unidade, homogeneidade e explanandum do que de seu explanans. Em
coerência eram enfatizadas, às custas da fra- outras palavras, muitas pessoas influentes
tura, fissura e diferença. Na discussão imaginaram que administração fosse um
parsoniana do trabalho de Max Weber, sua fenômeno importante a ser explicado (o
filosofia original e suas tensões políticas são explanandum), sem levar em consideração
quase totalmente ignoradas. Ademais, suas o quadro explanatório usado, que no caso
análises das organizações podiam ser sus- era positivista e estrutural (o explanans).
tentadas como se prescindissem de Marx ou Portanto, tão logo a natureza problemática
de idéias de esquerda. Weber, ou mais pre-
cisamente o weberianismo, forneceu a de-
fesa perfeita da regra burocrática e da im-
portância da função administrativa
(Mouzelis, 1975). Enquanto isso, a relevân-
cia do weberianismo de esquerda era igno-
rada juntamente com o conceito de
verstehen. Assim, quase desde o princípio,
uma teoria da organização unificada come-
çou a se dissolver diante de nossos olhos.
Nem bem um Weber modificado tinha sido
apresentado como um santo padroeiro da
análise organizacional, e os vândalos come-
çaram a pichar com o grafite da aversão
política e metodológica.
Ciência administrativa, então, não é
estranha às linhas fraturadas da análise. O
Weber que foi politicamente de esquerda e
intelectualmente idealista foi ignorado em
muitos dos trabalhos clássicos. Tão logo esse
Weber foi ressuscitado, o projeto da teoria
organizacional, quase que em seu instante
de concepção, transformou-se em luta. Te-
oria organizacional, daquele dia em diante,
foi um "terreno contestado".
Tal visão da análise organizacional
sugere que a contestação sobre solo políti-
co, epistemológico e metodológico estava
presente mesmo no auge dos Estudos de
Aston, o lançamento da ASQ - Admi-
nistrative Science Quartely - e a ascensão da
teoria da contingência. Enquanto as figuras
líderes não bradaram suas preocupações
sobre sua coerência - de fato alguém pode
argumentar que a figura "líder" só se trans-
forma nisso porque nunca expressou em
público nenhuma dúvida sobre a natureza
integral de seu projeto - tal coerência tinha
que ser afirmada, mais do que demonstra-
da, para auditórios que a desconheciam.
CIÊNCIA NORMAL, PARADIGMAS, METÁFORAS, DISCURSOS E GENEALOGIAS DA ANÁLISES 384 I
lectuais. O Atlântico não mais representa o de estagnação e para estagnação por meio
centro geopolítico inconteste da teoria das quais a mudança, a dinâmica, a
geopolítica como o fora uma vez. inquietude são forçadas a se oferecer para a
Agora, a existência da Teoria das Or- contemplação do observador. Conceitos são
ganizações do Atlântico Norte (OTAN) não a forma definitiva de panóptico (Foucault,
significa que os construtores originais algu- 1977). Ao classificar e marcar suas vítimas,
ma vez compartilharam uma identidade to- os conceitos desempenham um ato de apri-
tal de abordagem. O que eles realmente sionamento de considerável sofisticação.
compartilharam foi um consenso de pós- Todavia, ocorre muito mais do que um
guerra no qual o welfarism trazido pelos encarceramento. Uma vez imobilizada, a
governos do pós-guerra foi fundido com a estrutura de pensamentos transforma-se em
economia Keynesiana, uma desconfiança da objeto de legenda. O conceito escreve suas
URSS e do Euro-comunismo, tipos de rees- marcas sobre o corpo da literatura e, no pro-
truturação organizacional posta em prática cesso de marcar com cortes e incisões, dei-
por empresas de consultoria americanas, xa um rastro de lesões atrás do qual todos
enormes gastos de defesa e supostas tenta- podem seguir. Os cortes mais profundos são
tivas de manter o desemprego baixo. Todos aqueles que deixam as maiores impressões
esses traços apoiavam-se em atividades cen- sobre os que entenderam a significância das
tralmente planejadas e coordenadas nas observações do autor para eles próprios.
quais as idéias americanas, exatamente Contudo, esses magníficos cortes, em últi-
como as tropas americanas, predominavam. ma análise, significam morte e imobilida-
Como foi recentemente salientado, os de- de. No mínimo, o assunto é ferido pelos mais
sembarques do Dia-D representaram a pri- profundos e incisivos rótulos.
meira invasão bem-sucedida em solo euro- Paradigmas, metáforas, discursos e
peu desde que o Leste sucumbiu para um genealogias são todos lesões entalhadas no
dos paxás no fim do século 14. Quinhentos corpo da vida organizacional. Análises de
anos de predominância européia foram des- quase todo tipo requerem a morte ou, ao
feitos por uma invasão do capital, idéias e menos, a mutilação, daquilo que é analisa-
aparatos militares do Oeste. A teoria orga- do. Para identificar algo como explanandum,
nizacional, delicadamente inserida na estru- deve-se oferecê-lo para a execução. Para
tura de um sociólogo alemão, tal como ocor- apear-se sobre algo como um explanans,
reu, foi, todavia, uma re-importação ameri- deve-se fornecer, pelo menos, uma temível
cana.
A teoria organizacional era, e em al-
guma medida ainda o é, construída em tor-
no dessa mistura intercontinental. E tal
como ocorre com todos os produtos de in-
tercâmbio, ela convida a tentativas de com-
preensão da forma como opera.
A chave para o tema é a centralidade
da ciência em nossas formas de olhar para
a administração e para o comportamento
organizacional. A ciência começa pela colo-
cação da dinâmica perpétua num campo de
estagnação. As cláusulas de ceteris paribus,
o experimento e o laboratório são todos for-
mas de estabilizar o fluxo perpétuo do mun
do real. Tem o terrível exemplo de um pi-
nheiro de 4.900 anos no Wyoming que foi
derrubado por um pesquisador impaciente,
porque seu instrumento de tirar caroços de
árvores não iria funcionar. A coisa viva mais
antiga no planeta foi assassinada para que
fosse descoberto quão velha ela era (Zwicky,
1992). A criação da estagnação, o melhor
para manter a vítima científica estável para
que pudesse ser anatomicamente examina-
da, é extensa. Temos que olhar, talvez, para
a série de conceitualizações dentro da teo-
ria da organização como uma maneira de
reforçar uma estagnação anatomizante so-
bre a dinâmica da vida real. Existem noções
I 387 CONCLUSÕES _______________________________________________
agora, por fim, que desviar para as formas ries que ele estava editando. Gioia e Pitre
nas quais os estabilizadores tentaram ofe- (1993) sugerem que
recer lampejos momentâneos de um mun-
A ironia de incluir o trabalho supos-
do em fluxo. Nisso, eles forçaram a análise tamente radical de Kuhn na série de
organizacional para um Leito de Procusto, Neurath et al. pode ser apenas aparente.
no qual ela geme e se contorce, porque não Apesar do trabalho de Kuhn ser
é do tamanho correto para caber na estru- tipicamen-
tura paralisada na qual vem sendo prensa- te citado como um marco na queda do
da. Todavia, as forças continuam. Cada um empiricismo lógico, sua atual oposição ao
dos termos apontados a seguir forçam o empiricismo de pós II Grande Guerra é
tema para uma estrutura compreensível e exagerada.
simplificada. Isso, afinal, é o que faz a ciên- Apesar disso, o que Kuhn alcançou na
cia. Mas precisamos dar conta que o que The Structure of Scientific Revolutions não se
todo conceito faz é excluir, tanto quanto in- ajustou bem às óticas contemporâneas de
cluir; ignorar, tanto quanto concentrar-se; então sobre o progresso da ciência e como
entregar para a obscuridade, tanto quanto isso tinha que ser explicado. Ao desenvol-
trazer para os refletores. Conceitos passam ver o conceito de "ciência normal", Kuhn
dos limites. E em lugar algum isso acontece argumentou que as evidências no progres-
mais do que no conceito de "paradigma". so nas ciências físicas, particularmente no
grande trabalho de síntese de Newton e
depois Einstein, não se ajustavam às visões
A ORIGEM DO PENSAMENTO DE indutivista ou falsificacionista da ciência. A
PARADIGMA ciência não evolui por fatos se revelando a
pensadores inteligentes, ou por cientistas
No início do século, a ciência e a filo- tentando falsificar suas próprias hipóteses
sofia alemãs eram vistas como estando num em cada experimento. Kuhn vê a ciência se
estado de caos. A visão externa, que desenvolvendo por meio de tensões políti-
enfatizava a força desses sistemas de pen- cas, que são resolvidas na comunidade ci-
samento, não era compartilhada por Carnap, entífica em um ciclo que começa com o de-
Neurath e os positivistas vienenses ou pela safio dos mais jovens e conseqüente resis-
Berlin School de empiricistas lógicos. Todos tência dos poderosos, a morte dos podero-
eles buscavam sobrepujar a situação já acei- sos, sua substituição pelos mais jovens que,
ta de heterogeneidade e fragmentação, ofe- então, passam a dominar e, finalmente, o
recendo o cenário de uma linguagem co- desafio de outros novos jovens, novamen-
mum para a ciência que iria levar eventual-
mente a uma ciência unificada. Sua ciência
unificada, para os olhos de alguém de fora,
parece excepcionalmente como matemáti-
ca, mas para eles esse caminho assenta pro-
gresso. Neurath e Carnap propuseram um
trabalho central que atingiria essa meta. The
Foundations of the Unity of Science: Toward
an International Encyclopaedia of Unified
Science foi iniciado em 1938 e por volta de
1962 incluiu em seu programa um texto-
chave para aqueles interessados na noção
de paradigma. Era a The Structure of
Scientific Revolution de Thomas Kuhn
(1962).
O surgimento desse livro particular
nesse projeto particular é incrivelmente irô-
nico, porque o livro de Kuhn é visto por
muitos como oferecendo a defesa de uma
ciência não unificada. Todavia, por razões
que examinaremos dentro em breve, não
está assim tão evidente que Kuhn esteja to-
talmente comprometido com o impacto be-
néfico de uma ausência de unidade da ciên-
cia. Como Gioia e Pitre (1993) mostram,
Carnap, um grande unificacionista, deu
boas-vindas ao surgimento do livro nas sé-
389 CONCLUSÕES
■ . ,.■ ■ ■ ■ ....
PARADIGMAS ORGANIZACIONAIS
--
consciente ou inconscientemente, então não organizacional é pluralístico. O que não sig-
está sendo feita uma afirmação da ciência nifica que a análise organizacional seja "ima-
social. Burrell e Morgan tentaram identifi- tura" ou esteja, com o fôlego suspenso,
car a natureza dessas afirmações em dois aguardando sua fase de ciência normal. É
eixos que, ao serem colocados em ângulo tão-somente que uma pluralidade de legi-
reto, criam quatro paradigmas "mutuamente timações e perspectivas que competem, deve
excludentes". Esse mapeamento, tal como ser esperada em todas as ciências, especial-
é, é apresentado nas Figuras 1 e 2. mente nas sociais.
Tão logo o livro apareceu, foi alvo de Apesar da desaprovação dirigida a
uma crítica sustentada, muito dela focali- Burrel e Morgan, e apesar de alguma pres-
zando a impossibilidade de se forçar as teo- são dos editores, os autores não produzi-
rias social e organizacional em quatro cate- ram uma segunda edição. Eles tinham visto
gorias estáticas. Enquanto o termo "leito a forma como escritores modificavam seus
procustiano" não era largamente utilizado trabalhos em respostas às críticas, e a ten-
nas críticas, muitos comentadores se con- dência para esse tipo de modificação asse-
trapunham à super-simplificação forçada do melha-se a uma diluição de argumentos ra-
esquema. Clegg (1982), por exemplo, disse dicais. Eles se abstiveram da oportunidade
que esse ajuste de complexidades pelo uso de responder às críticas pela simples e du-
de uma matriz 2 x 2 era uma abordagem vidosa razão de manter a "pureza".
tipicamente funcionalista ao objeto de es- O presente autor ousa acreditar que
tudo. Enquanto o livro dizia-se ser capaz de este livro resiste como uma peça escrita em
identificar e encorajar alternativas ao fun- um período em que o funcionalismo estava
cionalismo, ele caiu na própria armadilha
do conservadorismo. Muita atenção foi pres-
tada ao próprio conceito de paradigma e às
formas pelas quais este divergia da "visão"
(sic) que Kuhn tinha do termo. As dimen-
sões componentes da dicotomia subjetivo-
objetivo, conforme sublinhado na Figura 2,
também foram atacadas pelo suposto mal
uso do termo "ontologia". O que as críticas
acharam mais incômodo, contudo, foi a no-
ção de incompatibilidade de paradigma, ao
qual Burrell e Morgan aderiram de forma
tão tenaz. Aqui, a idéia de paradigma não
poderia aparecer, visto que paradigma foi
tomado até o momento para sugerir que
conceitos e termos e métodos de um para-
digma não eram traduzíveis em outros usa-
dos por outro paradigma. A ausência de re-
gras de tradução foi presumida por Burrell
e Morgan para conduzir à exclusividade
mútua de paradigmas. Eles argumentaram
que, uma vez que as afirmações metateó-
ricas de paradigmas diferiam, não pode-
riam existir regras de conversão totalmente
efetivas. Os comentadores, todavia, argu
mentaram em favor da possibilidade de al-
guma tradução estar disponível e nesta
assertiva, como visto, existe certamente al-
gum apoio do próprio Kuhn em suas últi-
mas publicações.
No que o livro de Burrell e Morgan
pode ter tido sucesso foi em ressaltar a fa-
lência do campo da teoria organizacional
com seus grupos conflitantes, e em demons-
trar que sua orientação funcionalista, en-
quanto popular, politicamente superior e
comum, não era de forma alguma a única
estrada possível aberta para a análise
organizacional. O texto articulava e legiti-
mava, em algum grau, as vozes daqueles que
não compartilhavam as orientações funcio-
nalistas. Observe-se aqui que o argumento
em Sociological Paradigms and Organiza-
tional Analysis não é de que o funcionalis-
mo é representativo de uma ciência normal
em nossa disciplina, e que será eventual e
inevitavelmente substituído por uma outra
orientação depois de um período de revolu-
ção (à la Kuhn). Pelo contrário, o livro ar-
gumenta que o estado normal da ciência
Sociologia da mudança radical
A dimensão subjetiva-objetiva
A visão subjetiva A visão objetivista
de ciência social de ciência social
Nominalismo Ontologia
Anti-positívismo Epistemologia
Ideográfico k- Metodologia
Realismo
Positivismo
Determinismo
Nomotética
reiros do paradigma" que dependem, para paradigmas e sua potência em explicar di-
sua força, nas questões baseadas na lógica, ferentes posições filosóficas. Para Donaldson
teoria lingüística e análise de discurso (p. isso mostrou o oposto. Porém, talvez esta
ex. Wülmott, 1993) falham em reconhecer diferença esteja na natureza do próprio pen-
isso. Essas críticas também falham em ava- samento paradigmático!
liar que não apenas o discurso sobre poder Mais ou menos na mesma época, Reed
mas, concomitantemente, o poder sem o (985) também discutiu tais questões, mas
discurso é muito mais fraco. Diálogo é uma de forma alguma da mesma posição que
arma do poder. Donaldson. Nem mesmo deveria ser admi-
Muito do que alguém lê hoje sobre tido que ele chegou perto de aceitar os ar-
ciência normal e paradigmas diz respeito a gumentos de um fechamento paradigmá-
alguma injunção habermasiana para envol- tico. Seu livro Redirections in organizational
ver-se com o discurso e para falar direto do analysis termina com uma discussão de
problema de alguém. Muito do que alguém como tais redirecionamentos para a disci-
lê é afirmado na cultura do debate universi- plina poderiam parecer. Quatro possibilida-
tário, na argumentação e no diálogo. A apre- des foram destacadas: integracionismo,
sentação de idéias é, freqüentemente, vista isolacionismo, imperialismo e pluralismo. A
como separada da força intelectual do ar- primeira refere-se à esperança de uma re-
gumento de alguém (o que explica, parcial- conciliação eclética; a segunda, à estratégia
mente, a falta de habilidade de muitos eru- do separatismo paradigmático; a terceira,
ditos de, efetivamente, discursarem), ainda ao sucesso de uma posição teórica sobre
que seja óbvio que esses últimos dependem, outra; e a quarta, que Reed pessoalmente
fortemente, de convencer a audiência da defendia, envolvia a rejeição de todas as
utilidade de seu pensamento, contido em abordagens e a promulgação da noção de
sua apresentação. E quase impossível esca- "deixem mil flores vicejar".
par dessas convenções, uma vez que eu me Num veio similar, Hassard (1993 : 74-
sento aqui escrevendo este parágrafo, estou 75) argumentou mais recentemente que
envolvido em convencer você, leitor, que o nós, atualmente, enfrentamos uma crise.
que estou dizendo vale a pena ser ouvido. A crise está aprofundada pelo fato
Universidades contam com a boa vontade de que aquela noção de heterodoxia para-
daqueles que tentam falar (ou, no mais das digmática está freqüentemente atrelada a
vezes, escrever) a outros de forma persua- um dos fechamentos paradigmáticos. Es-
siva. Assim, a ameaça a essa noção univer-
sal de verdade era e é demais para alguém
suportar.
Uma réplica hostil ao conceito de en-
cerramento paradigmático na teoria da or-
ganização veio de Lex Donaldson (1985)
que, apropriadamente, denominou o texto
In Defense of Organization Theory, e tentou
inter alia refutar os argumentos contidos em
Sociological Paradigms and Organizational
Analysis (Burrell e Morgan, 1979).
Donaldson argumenta que o funcionalismo
estrutural nunca esteve em estado de crise,
e de fato tem sido muito capaz de lidar com
as novas questões teóricas e práticas quan
do elas surgem. Ele garante que aquele nú-
cleo de conceitos funcionalistas é bastante
razoável, tanto conceituai quanto fílosofi-
camente. Argumenta a favor de uma teoria
da contingência renovada, que suportaria a
área todo dia, diante do trabalho sem subs-
tância desenvolvido pelos críticos do fun-
cionalismo. O editor do jornal Organiza-
tional Studies dedicou uma edição inteira
para Donaldson em 1988, e convidou uma
quantidade de eruditos para falar sobre "ata-
que e defesa" (cf. Hassard, 1993 : 71). O
triunfalismo de Donaldson nessa época não
era muito fácil de entender porque para
muitos o debate destacava a existência de
395 CONCLUSÕES
são superiores a um só, também duas metá- temente das ciências naturais que, por sua
foras são melhor do que uma. Todavia, como vez, pegam suas idéias da literatura clássi-
metáforas podem ser processadas pela equi- ca, por exemplo, o caos) faz pouco para es-
valência de regiões visuais do cérebro não é capar da pressuposição de que elas são for-
explorado. A afirmação feita - em vez de mas de organizar, capturar e consertar pen-
defendida - é de que metáforas não são in- samentos. Existe uma evidência clara, tam-
compatíveis. Ao contrário, elas, supostamen- bém, da importância do trabalho de Stephen
te, podem ser sintetizadas numa visão Pepper (1948) no mundo das hipóteses do
binocular superior. Morgan desse estágio, visto que a influên-
A outra metáfora implícita que susten- cia de Pepper é bem mais evidente do que a
ta o livro é típica de meados dos anos 80. E de Thomas Kuhn. Naturalmente, não deve-
a idéia de supermercado. Está claro que in- ríamos subestimar a sofisticação da forma
compatibilidade não é mais central nas como tais idéias são expressas no texto, por
idéias de Morgan porque nos estudos da or- Morgan demonstrar sua erudição na litera-
ganizações, metáforas podem ser apanha- tura muito claramente. Muitos cursos foram
das conforme se queira das prateleiras de e ainda são ensinados usando esse quadro,
um supermercado. Claro que elas trazem e a riqueza dos exemplos contidos nele e
consigo todos os tipos de suposições, mas seu interesse intrínseco para nossa discipli-
isso é apenas parte do produto. Tivessem na fazem de Images of organization um li-
Burrel e Morgan usado a mesma metáfora vro muito importante para os anos 80. Exa-
em 1979, e a posição equivalente dentro do tamente como Morgan esperava, sua influ-
SPOA teria sido que aquelas seções integrais ência no ensino foi considerável, visto que
do hipermercado estavam fora dos limites o texto e a noção de metáforas geralmente
dos compradores, por força de sua recusa têm-se tornado um princípio organizacional-
em entrar em áreas que não sejam de seu chave para muitos cursos.
interesse. A carne, comida de neném, comi-
da de animais e seção de bebidas teriam sido
ignoradas pelos paradigmas equivalentes de ENQUANTO ISSO, DE VOLTA À
vegetarianos, os que não têm filhos, e assim EUROPA
por diante. Mas quando escreveu sozinho
para uma platéia americana, Morgan disse O desenvolvimento da posição de
aos leitores de Images of organization que, Morgan foi cuidadosamente observado por
se eles desejassem, nada estaria fora de suas seus ex-colegas em Lancaster, onde existia
fronteiras, e eles poderiam perambular con-
forme quisessem no mercado das idéias. Eles
eram benvindos como consumidores. En-
quanto incompatibilidade dentro do SPOA
significava que a mensagem ali e naquele
momento era completamente diferente, aos
funcionalistas dizia que eles não poderiam
colocar suas mãos compradoras naqueles
produtos genuinamente "verdes" daquele
hipermercado textual; em Images of
organization, a loja era mantida aberta para
que eles pudessem pilhar e saquear confor-
me achassem conveniente. Eles tinham li-
cença do livro para vagar de acordo com o
estereótipo do turista norte-americano. Uma
vez mais, a procura por uma grande barga-
nha suprimiu qualquer preocupação de que
a tradução da linguagem doméstica para
além-mar não fosse possível. Nada poderia
ser afastado do olhar intenso do turista
(Urry, 1990).
Essa abertura de idéias, a poderosa e
persuasiva maneira pela qual o livro foi es-
crito, e o distanciamento do livro das limi-
tações segregacionistas do SPOA teve um
impacto tremendo. Naturalmente, os críti-
cos apresentaram que metáforas também
são conceitos estáticos, e que o desenvolvi-
mento de outras novas (furtadas freqüen-
397 CONCLUSÕES
uma pronta disposição a atribuir seu óbvio corpo e o próprio corpo de sua obra. Ele
movimento intelectual a pressões culturais procurava desviar-se de termos fixos o me-
e institucionais. O assunto naquela época, lhor que podia, e mudava sua posição inte-
logo no início dos anos 80, era a iminente e lectual constantemente. Seu movimento
ansiada transferência do poder para o go- daquilo que chamou de orientação "arque-
verno de Margareth Thatcher e, menos cer- ológica" para o que classificou de "genea-
to, do trabalho do filósofo francês Michel lógica" será discutido mais tarde, mas pre-
Foucault. Nós fomos apresentados as suas cisa ser admitido que nós mesmos estamos
idéias, originariamente na forma do livro fixando no tempo e no espaço, dentro de
Discipline and punish (1977), por Bob uma classificação relativamente tosca, idéi-
Cooper. Minha reação pessoal ao ler aquele as de um intelectual de considerável estatu-
texto foi quanto ao importante deslocamen- ra, que são essencialmente dinâmicas. Isso
to de Gestalt, no qual os padrões do mundo faz seu trabalho estranhamente difícil para
passaram a ser vistos por meio de lentes audiências anglo-saxãs apreciarem-no com-
novas e aperfeiçoadas. Para Morgan, o fu- pletamente, uma vez que ele transgride
turo era binocular: em Lancaster, esse futu- muitas de suas suposições. De fato, sua obra
ro era panóptico, o que tinha se tornado é diretamente relevante para os estudos
evidente em 1984, quando uma obra escri- organizacionais, visto que em seus últimos
ta sobre a contribuição de Foucault para a trabalhos, principalmente, ele se concentra
análise organizacional foi submetida ao em questões nas quais nossa disciplina tem,
ASQ. Ressalto os comentários dos revisores tradicionalmente, interesse. A primeira vis-
daquela época. Todos os três questionaram ta, todavia, tantas são as dificuldades em
a relevância de "um filósofo francês desco- compreender suas idéias que sua relevân-
nhecido", e perguntaram "o que poderia cia para todas as ciências sociais, e não ape-
uma audiência americana aprender" com nas para a teoria da organização, precisa de
esse tipo de pensamento. Meu entendimen- uma articulação cuidadosa. Fazer isso requer
to da importância do Oceano Atlântico Norte
como um divisor, assim como uma rota de
comunicação, foi fortemente firmado nesse
momento. Talvez ainda haja uma questão
relevante, a qual o próximo trecho tentará
responder.
O PÊNDULO DE FOUCAULT
mais espaço do que o disponível aqui, daí cia também, e sua interpretação teve um
dever o leitor recorrer ao texto lúcido de importante efeito em Thomas Kuhn. Contu-
Dreyfus e Rabinow (1982) sobre o trabalho do, Foucault é relativamente silencioso na
de Foucault. Não obstante, pontos-chave questão de paradigmas como "jogos de lin-
necessitam de alguma atenção aqui. guagem". Dreyfus e Rabinow (1982: 60)
concluíram que esse silêncio é porque ele
entendeu mal a noção e o propósito
Arqueologia e discurso kuhniano. O silêncio também pode ter sido
resultado de sua relutância em confrontar
idéias de fora do domínio particular de seu
Enquanto a metáfora de uma história
próprio discurso. Ele diria em vida, mais tar-
cuidadosa e desprotegida e de artefatos his-
de, que não lera o trabalho de Habermas
tóricos influenciou muitos cientistas sociais
sobre o discurso quando isso, também, pa-
com o recurso de sua imaginação sedi-
rece que teria sido um exercício útil. Certa-
mentar, Foucault não adotou, em seu traba-
mente, ele não ignorou a existência de tal
lho inicial, um estruturalismo primitivo em
literatura.
sua discussão de arqueologia. Para ele, aná-
Entretanto, qual a relevância do mé-
lise do discurso é aquele método no qual "o
todo arqueológico para os estudos organi-
arqueólogo" atua sobre o passado, obser-
zacionais? Antes de tentarmos demonstrá-
vando dentro da história os códigos preci-
lo, talvez também seja útil considerar o tra-
sos de conhecimento que ali repousam, es-
balho de Foucault em genealogia.
perando por nossa descoberta. Qualquer
arqueólogo do conhecimento precisa distan-
ciar-se do passado e procurar ser objetivo,
mas ele percebe muito rapidamente, e mui-
Genealogia
to claramente, que nosso próprio período
presente contém discursos. Nossos códigos Uma vez dispensado o método arque-
de compreensão hoje são também discur- ológico, Foucault voltou-se para a genea-
sos, sujeitos às mesmas regras de articula- logia. Dreyfus e Rabinow (1982: 106) per-
ção, como no passado. Nossos discursos con- guntam, retoricamente: "o que é genealo-
temporâneos são sujeitos às mesmas infle- gia?" A resposta, dizem eles, é
xibilidades e problemas tal como muitas te- genealogia se opõe ao método histórico
orias originadas da Idade Média. Discurso é tradicional: seu propósito é gravar a "sin-
colocado tão distante de seu cenário social gularidade de eventos fora de qualquer fi-
quanto possível, nesse trabalho inicial de
Foucault e, agindo com um arqueólogo, ele
tenta descobrir as regras que governam sua
auto-regulação. Para fazer isso, recorre à
ajuda de uma noção um tanto efêmera - a
"episteme". A episteme unifica o conjunto
de práticas discursivas que existe em qual-
quer momento, de forma que numa dada
época alguém perceberá que uma episteme
em particular predomina. Modernidade,
então, fica caracterizada pela episteme, pos-
ta toscamente, na qual o Homem se inven-
ta. Essa episteme requereu uma catastrófi-
ca transformação social, uma "mutação ar
queológica" que assinalou ter a Idade Clás-
sica chegado ao fim sem que antes pudesse
ter-se tornado forte dentro de sua própria
existência. Desde o início de sua luta pela
vida, teve sucesso em dominar sua época.
Em seu livro The archaeology of
knowledge (1972), Foucault aplica seu mé-
todo às recém-descobertas profundidades de
análise. Em seu texto ele está interessado
em "atos sérios de fala", ciente que o con-
texto no qual esse tipo de prática discursiva
ocorre é crucial para a compreensão de pro-
fundas diferenças de significado. Ludwig
Wittgenstein obviamente notou essa tendên-
399 CONCLUSÕES
nalidade monótona" (...) Para o genealo- se opondo ao corpo físico - para o coração,
gista não existem essências fixas, nenhu- Foucault explora a forma na qual
ma lei fundamental, nenhuma finalidade
metafísica. Genealogia procura por o corpo é também diretamente envolvido
descon- num campo político... Relações de poder
tinuidades, onde outros encontraram um têm uma apropriação imediata sobre ele;
desenvolvimento contínuo. Ele encontra elas o envolvem, o marcam, o treinam, o
recorrências e divertimentos, enquanto torturam, forçam-no a desempenhar suas
outros encontraram progresso e serieda- tarefas, a realizar suas cerimônias, a emi-
de. Ele grava o passado da humanidade tir seus signos (1977 : 25).
para desmascarar os hinos solenes do
pro- Essa passagem maravilhosa prefigura
gresso. Genealogia evita a busca pela pro- seu interesse na tecnologia política do cor-
fundidade. Ao contrário, ela busca a su- po que, é anunciado, tem a mais alta
perfície dos eventos, pequenos detalhes, significância para as sociedades do Oeste
mínimos deslocamentos e contornos sutis. (Shilling 1993: 75-82). Entretanto, nós não
deveríamos assumir que esta análise sugere
Assim, a busca pelas metas modernis- que o estado é a chave para o entendimento
tas de significado oculto, pela verdade, pe- do poder-conhecimento e o corpo. De fato,
los significados do inconsciente repousa na Foucault não acredita que o estado tenha o
falha em reconhecer que eles são simula- papel mais importante nisso tudo. Ao con-
cros. Foucault diz que deveríamos evitar trário, é nas instituições como prisões, asi-
esses tipos de atividade, visto não existirem los, escolas, fábricas e quartéis que encon-
essências que possamos descortinar. Assim, tramos os loci de poder. A metáfora da pri-
Platão é um arquiinimigo dos genealogistas, são é central aqui, visto que todos esses ti-
enquanto que, claro, Nietzsche é a figura pos de instituições pretendem ser confina-
central, heróica. As bases da moralidade doras, e numa famosa seção de Discipline
estão por ser encontradas não no ideal de and punish, Foucault articula a importância
verdade, mas na pudenda origo com suas do Panopticon de Bentham como definindo
mais baixas origens. História é sobre menti- a busca pela "ferramenta gerencial definiti-
ra, não sobre verdade. É sobre luta pela va". Aqui, os corpos dos internos são sujei-
dominação representada num jogo de von- tos às tecnologias disciplinadoras de vigi-
tades. Mas não existe ninguém que seja res- lância cerrada, o assombro e o processo de
ponsável pela emergência de qualquer even- "normalização". O que Foucault faz é abrir
to; para o genealogista, não existe nenhum
indivíduo ou nenhuma coletividade capaz
de mover a história, visto que vivemos num
interstício criado por este jogo de dominações.
E tudo o que vemos é tudo o que existe.
Isto é importante por sugerir firme-
mente que o relativismo das conceitua-
lizações humanas da verdade, da beleza e
da virtude precisa ser reconhecido. Essas são
noções que estão sempre mudando, e não
estão localizadas em nada essencial. Mes-
mo o corpo humano não deve ser entendi-
do como alguma coisa com uma essência
que resistiu ao teste do tempo através dos
milênios. Justo pelo contrário. É uma no-
ção que sofreu muitas modificações. E o
corpo humano era uma das maiores preo
cupações de Foucault. Em Discipline and
punish (1977), Foucault reverteu a priori-
dade da arqueologia para a genealogia, pri-
vilegiando esta. O genealogista é retratado
como um diagnosticador que concentra a
relação entre o poder, o conhecimento e o
corpo. Nesse ponto, Foucault vira a teoria
da organização de cabeça para baixo ao
focar o corpo como o local onde práticas
sociais mínimas encontram a grande escala
da organização de poder. A organização do
corpo e seu prazer se transformam numa
área primeira do debate prático e teórico.
Apesar de não tomar a noção de Merleau-
Ponty de le corps propre - o corpo vivo como
CIÊNCIA NORMAL, PARADIGMAS, METÁFORAS, DISCURSOS E GENEALOGIAS DA ANÁLISES 400