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BIOÉTICA

CURSOS DE GRADUAÇÃO – EAD


Bioética – Prof. Dr. Marino Antonio Sehnem

Meu nome é Marino Antonio Sehnem e minha formação aca-


dêmica inicial foi Filosofia; licenciei-me, depois, em Letras e Pe-
dagogia. Fiz o Mestrado em Filosofia da Educação pela PUC-SP,
e meu Doutoramento é em Serviço Social, nas áreas de Políticas
Públicas e Movimentos Sociais, também pela PUC-SP. Sou pro-
fessor universitário há mais de 40 anos e, simultaneamente às
atividades docentes, exerci, nos últimos 20 anos, diversos car-
gos administrativos, como: Diretor de Faculdade, Coordenador
e Chefe de Departamento, Assessor do MEC-SP para assuntos
educacionais.
Tenho publicado artigos em revistas, produzido livros em coedição e, nos últimos 10
anos, venho pesquisando, sistematicamente, a temática da Ética, Bioética e Sociedade.
Também sou pesquisador do tema Religião e Ecologia.
E-mail: masehnem@yahoo.com.br

Fazemos parte do Claretiano - Rede de Educação


Marino Antonio Sehnem

BIOÉTICA

Batatais
Claretiano
2013
© Ação Educacional Clare ana, 2008 – Batatais (SP)
Versão: dez./2013

574.9574 S443b

Sehnem, Marino Antonio
Bioética / Marino Antonio Sehnem – Batatais, SP : Claretiano, 2013.
174 p.

ISBN: 978-85-8377-028-2

1. Manipulação genética. 2. Aborto. 3. Eutanásia. 4. Clonagem.


5. Alimentos transgênicos. 6. Transplantes. 7. Doação de órgãos.
8. Ética. I. Bioética.
.

CDD 574.9574

Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional


Coordenador de Material DidáƟco Mediacional: J. Alves

Preparação Revisão
Aline de Fátima Guedes Cecília Beatriz Alves Teixeira
Camila Maria Nardi Matos Felipe Aleixo
Carolina de Andrade Baviera Filipi Andrade de Deus Silveira
Cá a Aparecida Ribeiro Paulo Roberto F. M. Sposati Ortiz
Dandara Louise Vieira Matavelli Rodrigo Ferreira Daverni
Elaine Aparecida de Lima Moraes Sônia Galindo Melo
Josiane Marchiori Mar ns
Talita Cristina Bartolomeu
Lidiane Maria Magalini
Vanessa Vergani Machado
Luciana A. Mani Adami
Luciana dos Santos Sançana de Melo
Luis Henrique de Souza Projeto gráfico, diagramação e capa
Patrícia Alves Veronez Montera Eduardo de Oliveira Azevedo
Raquel Baptista Meneses Frata Joice Cristina Micai
Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Lúcia Maria de Sousa Ferrão
Simone Rodrigues de Oliveira Luis Antônio Guimarães Toloi
Raphael Fantacini de Oliveira
Bibliotecária Tamires Botta Murakami de Souza
Ana Carolina Guimarães – CRB7: 64/11 Wagner Segato dos Santos

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SUMÁRIO

CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO


1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9
2 ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO .......................................................................... 10

UNIDADE 1 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA BIOÉTICA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 19
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 19
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE ................................................. 20
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 20
5 ORIGENS DA ÉTICA ........................................................................................... 21
6 ÉTICA E A DIGNIDADE HUMANA .................................................................... 24
7 ÉTICA, BIOÉTICA E SOCIEDADE ....................................................................... 33
8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 34
9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 35
10 E REFERÊNCIA .................................................................................................. 35
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 35

UNIDADE 2 ASPECTOS HISTÓRICO EVOLUTIVOS DA BIOÉTICA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 37
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 37
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE ................................................. 37
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 38
5 ORIGENS DA PALAVRA “BIOÉTICA” ................................................................. 38
6 NASCIMENTO DA BIOÉTICA ............................................................................ 40
7 DESENVOLVIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DA BIOÉTICA .................................. 47
8 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 49
9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 50
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 50

UNIDADE 3 CONCEITOS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 53
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 53
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 54
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE ............................................................................ 54
5 COMO TUDO COMEÇOU .................................................................................. 54
6 TEORIA PRINCIPIALISTA ................................................................................... 57
7 CRÍTICAS À TEORIA PRINCIPIALISTA E SUAS LIMITAÇÕES ............................ 62
8 BIOÉTICA: É POSSÍVEL CONSTRUIR UM CONSENSO? ................................... 64
9 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 66
10 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 67
11 E REFERÊNCIA .................................................................................................. 68
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 68

UNIDADE 4 A BIOÉTICA E A INTERDISCIPLINARIDADE


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 69
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 69
3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE ............................................... 70
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 71
5 PONTO DE PARTIDA DA BIOÉTICA MODERNA ............................................... 72
6 BIOÉTICA E INTERDISCIPLINARIDADE ............................................................ 73
7 BIOÉTICA E SUAS FRONTEIRAS EPISTEMOLÓGICAS...................................... 75
8 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 85
9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 85
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 86

UNIDADE 5 DIÁLOGO ENTRE A RELIGIÃO E A CIÊNCIA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 87
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 87
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE ................................................. 88
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 89
5 RELIGIÃO E CIÊNCIA ......................................................................................... 89
6 PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO ...................................................................... 92
7 QUANDO A CIÊNCIA ENCONTRA A RELIGIÃO ................................................ 94
8 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 100
9 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 101
10 E REFERÊNCIA .................................................................................................. 101
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 101

UNIDADE 6 A BIOÉTICA E A MANIPULAÇÃO GENÉTICA


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 103
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 103
3 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 104
4 ESTERILIDADE HUMANA.................................................................................. 104
5 PRINCIPAIS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA ..................................... 105
6 DESDOBRAMENTOS DAS INTERVENÇÕES PARA A SOCIEDADE .................... 108
7 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 113
8 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 113
9 E REFERÊNCIAS ................................................................................................ 114
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 114

UNIDADE 7 A BIOÉTICA E O ABORTO


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 115
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 115
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE ................................................. 116
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 116
5 CONCEITUAÇÃO E PRINCIPAIS TIPOS DE ABORTO ........................................ 116
6 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O ABORTO ................................................. 118
7 SEXUALIDADE HUMANA E A FAMÍLIA ............................................................ 119
8 ABORTOS NÃO ASSISTIDOS ............................................................................. 121
9 ABORTOS ASSISTIDOS ...................................................................................... 123
10 PRINCIPAIS ASPECTOS E DIMENSÕES QUE ENVOLVEM O ABORTO............. 124
11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 127
12 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 128
13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 128

UNIDADE 8 BIOÉTICA, EUTANÁSIA E CLONAGEM


1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 131
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 131
3 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 132
4 VOLTANDO ÀS ORIGENS .................................................................................. 132
5 POLISSEMIA DA PALAVRA “EUTANÁSIA” ........................................................ 134
6 CLASSIFICAÇÃO DA EUTANÁSIA ..................................................................... 136
7 DISTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO ................................................................ 136
8 CLONAGEM ...................................................................................................... 141
9 CONCEITO DE CLONAGEM............................................................................... 142
10 AS POSSIBILIDADES DE CLONAGEM HUMANA .............................................. 145
11 QUESTÃO AUTOAVALIATIVA ............................................................................ 148
12 CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 149
13 E REFERÊNCIAS ................................................................................................ 149
14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 150
UNIDADE 9 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS, TRANSPLANTES E DOAÇÃO
DE ÓRGÃOS
1 OBJETIVOS ........................................................................................................ 151
2 CONTEÚDOS ..................................................................................................... 151
3 ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE ................................................. 152
4 INTRODUÇÃO À UNIDADE .............................................................................. 152
5 CONCEITUAÇÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS ...................................... 153
6 ALGUNS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ............................................................. 155
7 ALGUNS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO USO DOS TRANSGÊNICOS ......... 156
8 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS: IMPACTOS SOBRE A SAÚDE E O MEIO
AMBIENTE ......................................................................................................... 157
9 TRANSPLANTES E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS ........................................................ 160
10 RECORDANDO ALGUNS FATOS ........................................................................ 161
11 DIMENSÃO SOCIAL DO PROBLEMA DE TRANSPLANTE ................................. 163
12 O QUE É NECESSÁRIO PARA A DOAÇÃO DE ÓRGÃOS? .................................. 164
13 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS ........................................................................ 168
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 169
15 E REFERÊNCIAS ................................................................................................ 170
16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 170
Caderno de
Referência de
Conteúdo

CRC

Ementa –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Fundamentos epistemológicos da Bioética/ Aspectos histórico-evolutivos. Con-
ceitos. Princípios fundamentais. Interdisciplinaridade. Questões atuais: manipu-
lação genética. Aborto. Eutanásia. Clonagem. Alimentos transgênicos. Trans-
plantes e doação de órgãos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

1. INTRODUÇÃO
Caríssimo aluno, seja bem-vindo ao estudo da Bioética.
Você terá oportunidade de estudar o conceito da Bioética,
a sua abrangência e os seus desdobramentos teórico-conceituais.
À medida que você for se familiarizando com os principais
conceitos e ideias sobre a Bioética, perceberá que se trata de uma
área de conhecimento que transita pelos mais diversos campos do
conhecimento científico, exigindo abertura, ou seja, diálogo por
parte da Religião e da Ciência, uma vez que a Ciência precisa da
Religião e a Religião também necessita da Ciência para avançar nas
10 © Bioética

pesquisas e estudos, visando à superação dos problemas existen-


tes na sociedade contemporânea.
A cada texto e a cada unidade, você trilhará novos passos na
aquisição de conhecimentos e ampliará sua consciência com rela-
ção ao tema da Bioética.
Portanto, coragem e ânimo neste itinerário que exigirá de você
persistência e compromisso diário de leitura e de análise de textos.
Desejamos a você bons estudos!

2. ORIENTAÇÕES PARA ESTUDO


Abordagem Geral
Aqui, você entrará em contato com os assuntos principais
deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportunidade de
aprofundar essas questões no estudo de cada unidade. No entan-
to, essa Abordagem Geral visa fornecer-lhe o conhecimento bási-
co necessário a partir do qual você possa construir um referencial
teórico com base sólida – científica e cultural – para que, no futuro
exercício de sua profissão, você a exerça com competência cogniti-
va, ética e responsabilidade social.
“É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito” (Albert
Einstein, 1879 – 1955).

A ética como pressuposto da bioética


• Relação entre ética, bioética e sociedade.
• Bioética – uma retrospectiva histórica
Van Rensselaer Potter publicou em 1971 o livro Bioética:
uma ponte para o futuro.
Potter afirma:
Como indivíduos, nós não podemos deixar nosso destino nas mãos
de cientistas, engenheiros, tecnólogos e políticos que esqueceram
ou nunca souberam essas verdades elementares
© Caderno de Referência de Conteúdo 11

Em 1974 criou-se nos EUA a “Comissão Nacional para a prote-


ção de sujeitos humanos na pesquisa biomédica e comportamental”.
Em 1978 o relatório Belmonte defendeu 3 princípios éticos
universais: 1 o respeito pelas pessoas – a autonomia, 2 a benefi-
cência, 3 a justiça.

A Bioética no Brasil
Os primeiros passos foram dados em 1993, quando o conse-
lho federal de medicina editou a revista Bioética.
Em 1996 foi criada a Sociedade Brasileira de Bioética, SBB.
Em 1996, através da resolução 196/96, foi criada a comissão
nacional de ética em pesquisa, CONEP; com a mesma resolução
também foram criados os comitês de ética em pesquisa em nível
local.

A situação atual
Duas conquistas acadêmicas recentes: 1 a legitimação da
bioética como disciplina acadêmica nos cursos universitários, e 2 a
criação de núcleos e centros de pesquisa em bioética nas universi-
dades, nos centros universitários e nos institutos de pesquisa.

Temas e questões práticas da bioética

Algumas questões atuais


Destaquem-se alguns temas atuais polêmicos:
O aborto, transplante e doação de órgãos, clonagem, euta-
násia, células tronco embrionárias, planejamento populacional,
alimentos orgânicos e transgênicos entre outros.
O estudo e o debate sobre Bioética pode produzir dois senti-
mentos contraditórios: o fascínio e a repulsa
A ciência sem religião é manca, a religião sem a ciência é cega (Al-
bert Einstein, 1879 – 1955)

Claretiano - Centro Universitário


12 © Bioética

Glossário de Conceitos
Este glossário permite a você uma consulta rápida e preci-
sa das definições conceituais, possibilitando-lhe um bom domínio
dos termos técnico-científicos utilizados na área de conhecimento
dos temas tratados em Bioética.
Veja, a seguir, a definição dos principais conceitos:
1) Genealogia: é o estudo da origem das leis, do mundo e
do próprio homem.
2) Mito: é tudo aquilo que não pode ser explicado de forma
empírica ou racional.
3) Secularização: é um processo histórico dos últimos sécu-
los em que as crenças e as instituições religiosas perde-
ram a sua centralidade e hegemonia, sendo substituídas
pelas atividades econômicas e comerciais. Origina-se do
latim seculum, que significa século ou tempo e se opõe
a eterno. Indica a sociedade laica e secularizada, gover-
nada pela razão e livre da influência político-moral da
Religião.
4) Ontologia: é a parte da Filosofia que estuda o ser huma-
no dentro do seu contexto histórico.
5) Axiologia: é o estudo que se refere à teoria dos valores
morais, filosóficos e metafísicos.
6) Ética: pode ser entendida como a forma de ser e de agir
de cada um, sempre visando o bem comum ou coletivo.
7) Autonomia: é a postura consciente e refletida de cada
ser humano como individualidade em tomar decisões,
em caminhar com as próprias pernas.
8) Responsabilidade: é desenvolver a capacidade de “res-
ponder” pelos seus atos e comportamentos.
9) Valoração/Valorização: é a capacidade do ser humano
atribuir maior ou menor importância às pessoas e às
coisas.
10) Moral: é o conjunto de regras, normas e leis existentes na
sociedade com a finalidade de regular as relações sociais.
11) Deontologia: refere-se à teoria do dever profissional,
das relações entre médicos e seus pacientes.
© Caderno de Referência de Conteúdo 13

12) Bioética: estudo sistemático da conduta humana, na


área das ciências da vida e dos cuidados de saúde, quan-
do essa conduta é examinada à luz dos valores e dos
princípios morais. (Reich).
Filosofia da investigação e da prática biomédica (Sgreccia).
Setor da ética que estuda os problemas inerentes à tutela da vida física
e, em particular, as implicações éticas das ciências biomédicas (Leone).
A ética aplicada aos novos problemas que se desenvolvem nas
fronteiras da vida (Dicionário de Bioética. Aparecida, Editora San-
tuário, 2001).
13) Relatório Belmont: refere-se à Comissão Nacional para
a Proteção de Sujeitos Humanos na Pesquisa Bioética
e Comportamental norte-americana que trabalhou por
quatro anos na elaboração dos princípios e fundamen-
tos normativos da Bioética.
14) Liberalismo: é o conjunto de ideias e doutrinas que vi-
sam a assegurar a liberdade individual no campo da po-
lítica, da moral, da Religião etc., dentro da sociedade.
15) Paradigma: conceito que significa modelo ou padrão,
um conjunto de ideias e valores capazes de explicar o
mundo, o ser humano e a realidade.
16) Transdisciplinaridade: trata-se de uma nova abordagem
científica em que o todo não é uma simples soma das
partes, mas é uma concepção em que todas as coisas
estão profundamente interligadas entre si. Equivale ao
conceito de holismo segundo Edgar Morin.
17) Inquisição: ou Santo Ofício, foi um antigo tribunal ecle-
siástico instituído com o fim de investigar e punir crimes
contra a fé católica.
18) Multiculturalismo: engloba o pluralismo cultural, incluin-
do a grande diversidade de línguas, costumes, leis, tra-
dições e valores próprios de cada grupo étnico e social.
19) Pragmatismo: é uma concepção filosófica fundamenta-
da nos valores práticos, imediatos, utilitaristas; trata-se
de valores descartáveis, efêmeros e passageiros como a
moda por exemplo.
20) Positivismo: é a visão de mundo segundo a qual a Ciên-
cia salvará o ser humano e criará um futuro positivo, su-

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14 © Bioética

perando as negatividades entre os homens, em que a


Religião deve ser eliminada.
21) Infertilidade: é a incapacidade, muitas vezes temporá-
ria, de uma mulher ou homem de ter filhos, por diver-
sas causas que podem ser diagnosticadas por exames e
acompanhamento médico.
22) Esterilidade: é a incapacidade mais ou menos definitiva
e irreversível de se conceber um filho, exceto em condi-
ções médicas excepcionais.
23) Aborto/Abortamento: é a expulsão natural ou provoca-
da de um embrião ou feto, antes da data de viabilidade.
24) Eugenia: o termo eugenia foi usado pela primeira vez
em 1883 pelo cientista inglês Francis Galton, pioneiro no
tratamento da hereditariedade. A palavra é originária do
grego e significa bom nascimento.
25) Eutanásia: o significado literal da palavra (etimologia) quer
dizer “boa morte”, morte suave e sem sofrimento, ou ainda
uma morte digna. Mais recentemente, a eutanásia é enten-
dida como ajuda ou antecipação da morte, ocasionada por
ação ou omissão deliberada de outra pessoa.
26) Distanásia: oposta à eutanásia, representa a tentativa de
prolongamento da vida, enquanto houver uma mínima
chance de sobrevida.
27) Ortotanásia: ou morte natural, significa encarar a morte
como ciclo natural e humano.
28) Clonagem: a palavra tem origem grega e quer dizer ramo
ou broto vegetal, constituindo-se num processo labora-
torial pelo qual se reproduzem organismos idênticos e
de mesma dotação genética, ou seja, que contenham o
mesmo DNA, a partir de uma célula-mãe.
29) Alimento transgênico: é todo o organismo que passa
por uma modificação genética por meio de técnicas de
engenharia genética.
30) Morte encefálica: pode ser considerada como a morte
cerebral, ou seja, é a parte do sistema nervoso central
contida na cavidade do crânio e que abrange o cérebro.
No caso de ocorrer óbito, deve ser certificada a morte
encefálica por um médico responsável.
© Caderno de Referência de Conteúdo 15

Questões Autoavaliativas
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados, as quais podem
ser de múltipla escolha ou abertas com respostas objetivas ou dis-
sertativas. Vale ressaltar que se entendem as respostas objetivas
como as que se referem aos conteúdos matemáticos ou àqueles
que exigem uma resposta determinada, inalterada.
Responder, discutir e comentar essas questões, bem como
relacioná-la pode ser uma forma de você avaliar o seu conheci-
mento. Assim, mediante a resolução de questões pertinentes ao
assunto tratado, você estará se preparando para a avaliação final,
que será dissertativa. Além disso, essa é uma maneira privilegiada
de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida
para a sua prática profissional.
Você encontrará, ainda, no final de cada unidade, um gabari-
to, que lhe permitirá conferir as suas respostas sobre as questões
autoavaliativas (as de múltipla escolha e as abertas objetivas).

As questões dissertativas obtêm por resposta uma interpretação


pessoal sobre o tema tratado. Por isso, não há nada relacionado a
elas no item Gabarito. Você pode comentar suas respostas com o
seu tutor ou com seus colegas de turma.

Bibliografia Básica
É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus
estudos, mas não se prenda só a ela. Consulte, também, as biblio-
grafias complementares.

Figuras (ilustrações, quadros...)


Neste material instrucional, as ilustrações fazem parte inte-
grante dos conteúdos, ou seja, elas não são meramente ilustra-
tivas, pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no
texto. Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con-

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16 © Bioética

teúdos, pois relacionar aquilo que está no campo visual com o con-
ceitual faz parte de uma boa formação intelectual.

Dicas (motivacionais)
Este estudo convida você a olhar, de forma mais apurada,
a Educação como processo de emancipação do ser humano. É
importante que você se atente às explicações teóricas, práticas e
científicas que estão presentes nos meios de comunicação, bem
como partilhe suas descobertas com seus colegas, pois, ao com-
partilhar com outras pessoas aquilo que você observa, permite-se
descobrir algo que ainda não se conhece, aprendendo a ver e a
notar o que não havia sido percebido antes. Observar é, portanto,
uma capacidade que nos impele à maturidade.
Você, como aluno dos Cursos de Graduação na modalidade
EAD e futuro profissional da educação, necessita de uma forma-
ção conceitual sólida e consistente. Para isso, você contará com
a ajuda do tutor a distância, do tutor presencial e, sobretudo, da
interação com seus colegas. Sugerimos, pois, que organize bem o
seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas.
É importante, ainda, que você anote as suas reflexões em
seu caderno ou no Bloco de Anotações, pois, no futuro, elas pode-
rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ-
ções científicas.
Leia os livros da bibliografia indicada, para que você amplie
seus horizontes teóricos. Coteje-os com o material didático, discu-
ta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoau-
las.
No final de cada unidade, você encontrará algumas questões
autoavaliativas, que são importantes para a sua análise sobre os
conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos
para sua formação. Indague, reflita, conteste e construa resenhas,
pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure-
cimento intelectual.
© Caderno de Referência de Conteúdo 17

Lembre-se de que o segredo do sucesso em um curso na


modalidade a distância é participar, ou seja, interagir, procurando
sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores.
Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a
este Caderno de Referência de Conteúdo, entre em contato com
seu tutor. Ele estará pronto para ajudar você.

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Claretiano - Centro Universitário
EAD
Fundamentos
Epistemológicos
da Bioética
1
1. OBJETIVOS
• Analisar e compreender a relação entre ética, Bioética e
sociedade.
• Reconhecer e analisar a pluralidade cultural como um va-
lor fundamental da condição humana.
• Interpretar a pluralidade cultural como um valor funda-
mental da condição humana.

2. CONTEÚDOS
• Origens da ética.
• Ética e a dignidade humana.
• Ética, Bioética e sociedade.
20 © Bioética

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para que você aprofunde mais os seus conhecimentos
acerca do tema aqui abordado, sugerimos a leitura da
seguinte obra: ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São
Paulo: Perspectiva, 2001.
2) No decorrer do estudo desta unidade será apresentado
a você, alguns filósofos. Antes de iniciar seus estudos é
interessante que você conheça um pouco da biografia
desses pensadores e para saber mais acesse o site indi-
cado.

Thomas Hobbes
Thomas Hobbes (1588-679) foi filósofo inglês e estudou Físi-
ca e Matemática. Publicou as obras De Cive ( 1642) e o Levia-
than (1651), em que expôs sua teoria sobre o poder político.
Thomas Hobbes. Disponível em: <http://images.google.com.br/
images?hl=pt-BR&q=Thomas+HOBBES&btnG=Pesquisar+imag
ens&gbv=2>. Acesso em: 9 ago. 2010.

Jean Paul Sartre


Jean Paul Sartre (1905-1980) foi filósofo, romancista, dramaturgo
e político francês. Transitou do Existencialismo à Fenomenologia
e passou, também, pelo Marxismo. Dentre sua vasta produção,
destaca-se Crítica da Razão Dialética, obra publicada em 1960.
Jean Paul Sartre. Disponível em: < http://sapiens.ya.com/webfilo-
sofia/sartre.jpg >. Acesso em: 9 ago. 2010.

Celestin Freinet
Celestin Freinet (1896-1966) foi um pedagogo francês e é um dos
defensores da teoria das classes cooperativas, incentivando a coo-
peração e o trabalho coletivo na educação. Celestin Freinet. Dispo-
nível em: <http://images.google.com.br/images?gbv=2&hl=pt-BR
&q=Freinet+Celestin&btnG=Pesquisar+imagens>. Acesso em: 19
ago. 2010.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta primeira unidade de Bioética, você será convidado a
compreender a relação entre ética, Bioética e sociedade. Não é
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 21

possível introduzir diretamente o assunto da Bioética sem, antes,


abordarmos a questão da ética, pois ela dará todo um embasa-
mento teórico e contextual para podermos entender melhor os
problemas da Bioética.
Tratar da ética em termos de sua fundamentação histórica
exige, de nossa parte, adentrarmos nos ambientes mais remotos
dos seres humanos, passando pelo aparecimento e construção do
pensamento filosófico grego.
Para realizar essa retrospectiva histórica, faremos um corte
histórico, a partir de 1.000 anos antes de Cristo, com a mitologia
grega, passando pelos pré-socráticos, os sofistas e as figuras como
Sócrates, Platão e Aristóteles.
A ética é um tema filosófico que surge do desejo de dizer
algo sobre o significado último da vida, do bem absoluto, do valor
absoluto.

5. ORIGENS DA ÉTICA
A origem da adoção de uma ética entre os seres humanos
pode ter surgido da presença e da existência do mal, do sofrimen-
to e da morte. Assim como temos a luz e a sombra, temos, tam-
bém, o mal e o bem. Podemos nos perguntar: por que existe o
mal? De onde ele se origina?
O problema do mal aparece, num primeiro momento, nas
narrativas mitológicas.
Nos mitos, criam-se e recriam-se, por meio de fábulas ou
ficções alegóricas, os feitos primordiais que, supostamente, for-
necem explicações e fundamentos tanto para a adoção de normas
sociais como para crenças e costumes, mediante a explanação da
genealogia das leis, ou origem do mundo e do próprio homem.

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22 © Bioética

A palavra “genealogia” origina-se das termos gregs: “genea” = ge-


ração e “logia” = discurso.
A genealogia é, dentre os ramos do saber, o que se refere às famí-
lias, estudando-lhes as origens, mostrando a sua evolução, des-
crevendo as gerações e traçando, embora resumidamente, a bio-
grafia das pessoas que as compõem. Disponível em:< http://www.
ingers.org.br/Principiante.html>. Acesso em: 19 fev. 2009.

Muitas vezes, as explicações estão associadas às atividades


de seres sobrenaturais ou de poderes excepcionais e permitem a
justificação de valores, atribuições, instituições e crenças que as
sociedades vão construindo mediante representações simbólicas
que contêm características próprias da comunidade que os cria.
Os mitos têm essa capacidade de reproduzir, de forma ideo-
lógica, as crenças e os fundamentos da sociedade que os produz.
Enquanto narrativas dos tempos primordiais no mundo grego clás-
sico, o mito é definido como narração do sagrado, do inexplicável,
do enigma. Temos, por exemplo, uma relação extensa de mitos
gregos: os mitos da criação do mundo, os mitos dos heróis e de
salvadores, os mitos sobre os diferentes povos e os mitos sobre os
fins últimos do ser humano.
Você poderá estar pensando que os mitos se constituem
em algo pertencente aos povos antigos e que já foram totalmente
eliminados na sociedade atual. Não é verdade. Mostraremos que
temos, atualmente, uma série de mitos presentes e que caracteri-
zam a sociedade atual.
O conceito de mythos, proveniente da língua grega, significa
aquilo que permanece vivo e presente na memória das pessoas e
que precisa, necessariamente, dos ritos, das comemorações. Co-
memorar é trazer para a memória, é recordar, é avivar.
Os gregos, muito cedo, tomaram consciência de que os mitos
não teriam vida longa sem as festas, os rituais, as comemorações.
Nesse sentido, enquanto o mito é memória, o rito é comemora-
ção; quer dizer, quando celebramos uma data, um acontecimento
significativo, estamos avivando a memória para não a esquecer.
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 23

Temos de pensar que toda a mitologia grega e romana, e


depois também a medieval, foi contada e repassada de geração
para geração, por meio da oralidade, e o mais impressionante é
que, até hoje, sobrevivem e se perpetuam os grandes mitos da
antiguidade clássica.
Enganam-se aqueles que acreditam que os mitos se refe-
rem às sociedades remotas e tribais; nunca tantos mitos existiram
como na sociedade contemporânea.
Segundo Buzzi (2004, p. 147):
Cada época recompõe sua fala, a partir de uma linguagem impreg-
nada de mitos. Nesses, a sociedade consubstancia as tarefas da
vida. A sociedade desenvolvida, a hegemonia do proletariado como
fim de todas as alienações, a liberdade burguesa como dignidade
do homem, a pátria, a máquina- motor, os sofisticados bens de con-
sumo, as drogas e o turismo são mitos do homem de hoje.

No momento histórico em que aparece a linguagem escrita,


por exemplo, as tradições éticas e morais começam a ser fixadas
e adotadas pelos grupos humanos. Os povos gregos assimilaram
a forma de escrever dos povos Fenícios, separando vogais e con-
soantes, e escreveram-nas separadamente.
Dessa forma, chegou-se à escrita alfabética por volta de 800
anos antes de Cristo. E, a partir do surgimento da escrita, ocorre
um problema, ou seja, a adequação da história viva, dinâmica e
mutante com aquilo que está fixado na escrita.

Por isso, temos de nos perguntar: como conciliar, veicular, analisar


e interpretar o novo, o dinâmico, o mutável com a escrita?

Nesse momento, aparece, então, a necessidade da interpre-


tação do que está escrito como norma, como lei ou tradição, em
correlação com os fatos concretos e reais. Por isso, utilizam-se a
razão e a inteligência como parâmetros na conduta humana, e a
tensão entre a teoria e a prática é permanente e exige constantes
mediações.

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24 © Bioética

Aristóteles (384-322) já preconizava que o homem é um ser


social por natureza. Entretanto, Thomas Hobbes (1588-1679) afir-
mou que, em cada indivíduo, predomina o egoísmo, o domínio de
um sobre o outro, em que a utilidade e o interesse são a única re-
gra de conduta. Portanto, na concepção hobbiana, para assegurar
ou garantir a paz comum, deve acontecer a passagem do estado
de natureza para o pacto social, quer dizer, a presença do contrato
social.
Contudo, Hobbes exagerou na sua análise, uma vez que o
ser humano não é nem tão racional nem tão egoísta, pois é um ser
que aprende a viver em sociedade, vivendo em grupo. Por meio
do processo educativo, isto é, convivendo com pessoas e grupos
formais e informais, na escola, na sociedade, cada um de nós pode
transformar o egoísmo em altruísmo ou, pelo menos, numa convi-
vência cooperativa e solidária.

6. ÉTICA E A DIGNIDADE HUMANA


Nas sociedades modernas, caracterizadas pelo processo in-
tenso de industrialização e, consequentemente, de urbanização,
constrói-se, paralelamente, um processo de secularização, no qual
a consciência pessoal e a dignidade humana alicerçam o cidadão,
o sujeito de direitos e de deveres.
A secularização é um processo histórico dos últimos séculos,
no qual as crenças e as instituições religiosas se converteram em
doutrinas filosóficas e instituições leigas. As igrejas, templos, sina-
gogas e outros espaços considerados, tradicionalmente, sagrados
vão, aos poucos, perdendo a sua centralidade, sendo ocupados e
substituídos por atividades comerciais, turísticas e de serviços em
geral.
Não é possível ao ser humano fazer o bem sem considerar
um princípio básico, que é a liberdade. Faz parte da dignidade hu-
mana agir por opção livre e consciente, movida e motivada pes-
soalmente, com ausência de qualquer coação externa ou interna.
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 25

Por que o ser humano é digno? Por que possui dignidade?


A dignidade humana contém uma qualidade ôntica e axio-
lógica, que, no fundo, é um conceito com múltiplos significados e
que abrange o respeito, a liberdade e a justiça. A dignidade ontoló-
gica refere-se ao ser enquanto ser humano que ultrapassa as suas
ações e decisões.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Ontologia: é uma parte da Filosofia que se ocupa do ser humano. Surgiu entre
os filósofos pré-socráticos no século 6 a.C., época em que faziam uma distinção
entre essência e existência. Para muitos autores, é sinônimo de metafísica.
Axiologia: é a parte da Filosofia que estuda os valores, é a ciência dos valores;
vocábulo criado por Karl Böhm em 1890. A axiologia é a teoria dos valores filosó-
ficos, morais e metafísicos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Mesmo que um ser humano aja de forma considerada in-
digna ou irresponsável, nunca deixará de ser uma pessoa, um ser
humano capaz de acertar e errar, digno de poder se defender, de
se redimir e de se recuperar. Afirmar, portanto, a dignidade hu-
mana significa que não se pode atentar contra ela, nem a tratar
de forma inferior à sua categoria ontológica. Assim, é no exercício
da liberdade, de fazer escolhas, de ter opções, que o ser humano
revela toda a sua dignidade.

A presença da Ética como fundamento da vida coletiva


Desde a formação dos primeiros grupos humanos, foram
adotadas regras e normas que tinham como objetivo regular e tor-
nar viável a convivência humana grupal e social, visando sempre
ao bem comum.
Aristóteles (384-322 a.C.) escreveu quatro obras filosóficas
sobre o tema, com destaque para Ética a Nicômaco. Do ponto de
vista da Moral e da vida espiritual, Ética a Nicômaco continua sen-
do uma referência no assunto e contém uma atualidade impressio-
nante, pois relaciona a ética ao contexto social quando afirma que
o ethos é a busca e a construção do bem comum. E o que significa
o bem comum senão respeitar, preservar, considerar a situação e a

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26 © Bioética

posição do outro, com base na sua cultura, no idioma, nos valores,


e na compreensão do mundo e da realidade?
Aristóteles (384-322 a.C.) produziu um conjunto enciclopé-
dico sobre Lógica, Metafísica, Retórica, Poética e, especialmente,
Ética a Nicômaco, em que discute não só o Bem ou o Bem Supre-
mo, mas também a excelência da moral e da vida intelectual.
Como você pode notar, há, hoje, uma pluralidade de con-
cepções culturais, ritos e linguagens que mapeiam os países e di-
ferentes povos, além das diferentes classes sociais, o que imprime
uma riqueza incomensurável nas múltiplas sociedades. Assim, é
preciso reconhecer a legitimidade da pluralidade sociocultural, va-
lorizando as diferenças entre as etnias (já que somos uma única
raça humana), religiões e culturas sem nunca renunciar à busca da
verdade, da democracia, da justiça e da igualdade real.
Entretanto, se, por um lado, as plantas e os animais adap-
tam-se ao seu habitat natural e têm seus instintos largamente de-
senvolvidos, como as abelhas e as formigas, por outro, os seres hu-
manos precisam, a toda hora, fazer escolhas livres e responsáveis.
Portanto, pode-se afirmar que os animais vivem ajustados
ao seu meio, caso contrário, entrariam em extinção; o ser huma-
no, em contrapartida, tem de utilizar sua inteligência criativa para
se integrar, para construir e transformar. Ele pode refletir prévia e
conscientemente sobre os objetivos e os fins que pretende atingir,
bem como decidir quais são os meios mais eficazes para concreti-
zá-los.
Assim, a programação instintiva é insuficiente para o ser hu-
mano sobreviver; então, ele alia o instinto com a inteligência e a
racionalidade, ou seja, desenvolve a capacidade de pensar, refletir,
discernir, avaliar, comparar e decidir qual a alternativa mais coe-
rente e condizente com a realidade vivida.
Piaget (1977) denominou de autonomia essa postura cons-
ciente e refletida de tomar decisões. Todos nós, quando crianças,
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 27

vivemos uma etapa de heteronomia, ou seja, em que algum adul-


to determine para a criança o que fazer e como fazer. Todavia, o
grande desafio que os pais e a escola enfrentam, atualmente, é o
de promover e propiciar a construção da autonomia da criança, do
adolescente e do jovem, um ser em formação permanente.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Jean Piaget (1896-1980) foi um psicólogo, pedagogo e filósofo suíço. Inicialmen-
te, especializou-se em Biologia, mas depois enveredou para a Lógica e a Episte-
mologia, o que o conduziu às pesquisas no campo da psicologia infantil.
O conjunto de suas obras tem influenciado profundamente os educadores con-
temporâneos.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Autonomia quer dizer “poder decidir”, “poder escolher as condutas que se pre-
tende trilhar”.
A autonomia é uma questão problemática, pois ela é sempre relativa ao contexto
familiar, escolar, social e, portanto, é condicionada por fatores biológicos, históri-
cos e socioculturais. Deriva dessa característica humana, que é a autonomia, um
outro aspecto valorativo fundamental, que é a responsabilidade diante de nós
mesmos e dos outros.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Originada do latim, a palavra “responsável” quer dizer “res-
ponder”, “ter a capacidade de dar respostas aos desafios e às
contradições humanas”. Respeitar a natureza, buscar uma melhor
qualidade de vida no seu sentido abrangente, sem gerar prejuízo a
ninguém, são temas éticos que precisam ser analisados dentro do
contexto pluralista existente atualmente.
Como sabemos, esse é o preço da liberdade: inicialmente,
temos de responder a nós mesmos, à nossa consciência, e, como
somos seres gregários e essencialmente sociais, temos de prestar
contas aos outros, à sociedade na qual estamos inseridos e da qual
fazemos parte.
Acerca da questão da responsabilidade, Sartre (1970, p. 22)
expressou-se desta maneira:

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28 © Bioética

Se verdadeiramente a existência precede à essência, o ser humano


é responsável pelo que é. Assim, o primeiro passo do existencialis-
mo é pôr todo o ser humano de posse do que é, e assentar sobre
ele a responsabilidade total de sua existência. E quando dizemos
que o ser humano é responsável por si mesmo, não queremos dizer
que o ser humano é responsável por sua estreita individualidade,
mas que é responsável por todos os seres humanos.

Dessa maneira, a responsabilidade social diante dos outros,


diante da sociedade, é uma marca registrada de cada ser humano:
sua essência comunitária, a sua constituição e construção social.
É por isso que o ser humano é o único animal que precisa ser
educado, como afirma Freinet (2001, p. 123): “A educação não é
uma fórmula de Escola, mas sim uma de vida”.
Observe que, se a educação estiver fundamentada no prin-
cípio da sociabilidade, da solidariedade, a ética não será barreira
nem obstáculo de convivência, mas passará a ser um instrumento
de defesa das pessoas na construção de um convívio fraterno e
justo.
Em síntese, a solidariedade entre os humanos transforma-se
em imperativo ético, que possibilita o exercício da autonomia com
responsabilidade social. A alteridade, nesse caso, é um dos funda-
mentos da ética.

A ética na teoria e na prática


A vida humana está-se tornando cada vez mais complexa e
desafiadora, considerando os problemas práticos que a convivên-
cia social nos apresenta.
Em épocas históricas anteriores, vivia-se numa concepção
humana e de mundo mais homogênea, de princípios e valores
baseados na teoria criacionista, que afirmava que Deus planejara
todas as coisas, restando ao homem optar pelo caminho do bem
ou do mal. Enquanto a maioria da população mundial era rural, ou
seja, vivia no campo, a relação com a natureza tornava mais sim-
ples a vida das pessoas.
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 29

Contudo, vivemos, atualmente, num mundo de profundas


diferenças econômicas, culturais, sociais e de valores, o que difi-
culta, sobremaneira, a regulação da vida societária.
Há, ainda, um conceito fundamental na constituição da ética,
que é o valor: a capacidade que o ser humano tem de valorização.

O que é valoração ou valorização?


É o ato de atribuir maior ou menor importância às coisas, aos ob-
jetos e às pessoas.

Com isso, estamos afirmando que a ética está fundamen-


tada, historicamente, sobre alguns princípios e valores universais
permanentes e imutáveis, como a liberdade, a justiça, a solidarie-
dade, a dignidade humana e assim por diante.
Desse modo, a sociedade vai construindo uma escala hierár-
quica de valores, da mesma forma que cada um de nós também
constrói a sua própria escala.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Por que, então, é difícil viver em sociedade e em harmonia? Porque, muitas ve-
zes, há um choque na escala de valores social e pessoal, e as partes precisam
repensar sua posição.
Logo, temos de nos perguntar: quais são os princípios, os valores que motivam
uma pessoa a agir desta ou daquela forma? O que é justo ou não, o que é válido
ou não, com base em que critérios?
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Podemos, portanto, entender que a ética não se restringe
apenas à prática profissional, no exercício da profissão, mas per-
passa e está presente o tempo todo na vida do ser humano.
No entanto, a ética tem suas relações com a Religião, com
a Sociologia, com o Direito, com a Filosofia, com as Ciências em
geral, com a Biologia e a Medicina, com a mídia, com o trânsito,
com as compras do supermercado e, até mesmo, com um estádio
de futebol.

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30 © Bioética

Assim, a compreensão de um tema tão complexo e abran-


gente tem de se fundamentar em critérios e valores claramente
definidos para não correr o risco de fanatizar e radicalizar posições
em detrimento dos matizes que a racionalidade e a convivência
humana exigem.
Por isso, o estudo da ética e, por extensão, da Bioética pre-
cisam buscar os fundamentos filosóficos, teológicos e científicos
para superar a compreensão do senso comum, que, de um modo
geral, é abordado no âmbito da mídia e nas conversas cotidianas.

Fundamentar é buscar bases mais sólidas e consistentes para po-


der julgar e opinar.

Com base nesses critérios, superam-se a arbitrariedade, o


fanatismo e os comentários baseados no simples “achismo”.
No entanto, a fundamentação é sempre uma tentativa de
responder à indagação: “baseados em que princípios fazemos juí-
zos morais ou éticos?”; ou, ainda, a questões como “o que é a ver-
dade?”. O bem e a justiça permanecem, até hoje, como questões
abertas, apesar de possuirmos milhares de livros, enciclopédias,
teses e discursos produzidos sobre o tema no decorrer da história.
O conceito de ética tem sua origem explicativa na língua gre-
ga e significa o modo de ser, de comportar-se diante dos desafios
do dia a dia. O Ethos engloba e traduz o esforço ativo e dinâmico
da pessoa que reage diante do contexto familiar e social e do am-
biente histórico-social.
Nesse sentido, o estudo e a compreensão da ética, no seu
sentido mais amplo, devem levar em conta a liberdade individual,
ou seja, o livre-arbítrio e, por extensão, todo o contexto histórico-
-social.
Dessa forma, o ser humano sempre está envolvido nos “por-
quês”. Na primeira infância, as perguntas são mais simples e dire-
tas: o que é isso? O que é aquilo? Na adolescência, já começamos
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 31

a encarar os porquês em um outro nível. Na fase adulta, quando já


atingimos a nossa autonomia, quando já definimos nossa persona-
lidade e a identidade, participamos de forma consciente e crítica
na construção de respostas sobre a existência como individualida-
de e subjetividade.

Vamos compreender o que é moral?–––––––––––––––––––––


O conceito de moral vem do latim “mos”, “moris” e significa “costume”, “tradição”,
“caráter”. Da palavra “mores” derivou “moralis”, utilizado por Cícero para traduzir
a palavra grega “ethika”. Quer dizer, do ponto de vista etimológico, Ética e Moral
têm um conteúdo semântico idêntico. A moral pode ser entendida, então, como
um conjunto de regras de conduta consideradas válidas para instituições, grupos
e pessoas.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A ética é o estudo dos juízos de apreciação referentes à con-
duta humana, isto é, julgamos se são boas ou não, justas ou injus-
tas.
Para uma melhor compreensão, poderíamos afirmar que a
moral pode ser definida como a esfera ou dimensão da legalidade
das normas e das leis ou, em outras palavras, como foram discuti-
das, elaboradas, quando e como foram aprovadas.
Numa sociedade democrática, há as instâncias do poder le-
gislativo, executivo e judiciário: as casas legislativas são as câmaras
de vereadores, a assembleia legislativa e o congresso nacional; o
poder executivo é exercido pelo prefeito, governador e presidente
da república; e o poder judiciário é constituído pelos juízes, de-
sembargadores e outros que fiscalizam o cumprimento justo das
leis.
Podemos, então, estabelecer uma distinção entre a moral e
a ética, na medida em que a ética exige uma reflexão e análise
crítica e criteriosa sobre a conduta humana e as circunstâncias que
a envolvem. Nessa perspectiva, a ética vai analisar a legitimidade
das leis, ou seja, se as leis são justas, se somos realmente iguais
perante as leis, se auxilia ou não o ser humano a ser mais feliz.

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32 © Bioética

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Em síntese, a ética é, para a moral, o que a teoria representa para a prática: a
moral marca um tipo concreto de conduta; a ética é uma reflexão filosófica sobre
o que a sustenta. Isso significa dizer que há problemas substanciais a serem
enfrentados porque a teoria e a prática não são dissociadas: elas acontecem
juntas, simultaneamente.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
O ser humano é o único ser vivo do planeta Terra que tem a
capacidade de fazer escolhas livres, conscientes e deliberadas.

A ética dá sentido à história


Quando falamos da realidade, temos de recuperar a dimen-
são histórica para que a ética e a Bioética se situem nela.
No início desta unidade, afirmamos que a Moral e a Ética
começaram a ser usadas de forma mais sistemática a partir do uso
da linguagem escrita. As regras, as normas e as leis, uma vez apro-
vadas, definidas por escrito e publicadas, devem ser observadas
para guiar o comportamento humano numa vida grupal e pública.
Desde já, surge um problema: a vida é dinâmica, mutante e variá-
vel, enquanto a lei permanece estática. Como, então, conciliar o
dinamismo existencial com a escrita?
Os valores, os paradigmas, as teorias explicativas mudam e a
lei pode transformar-se numa lei morta.
No entanto, esse é um dos papéis da ética: refletir, analisar
e questionar quando as leis geram discriminações, barreiras e in-
justiças, para, então, alterá-las, tornando-as mais justas e equâni-
mes. Quando formos capazes de perguntar e responder, eticamen-
te, diante de nós mesmos e diante dos outros, daremos sentido e
significado à história. Deve-se observar, no entanto, que sentido,
aqui, tem uma dupla dimensão: como significado e rumo, orienta-
ção e diretriz.
Nesse sentido, a ética e a Bioética têm um conteúdo maravi-
lhoso da história, na medida em que são capazes de dar significado
e orientação à vida e à história humana individual e coletiva. A
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 33

ética, na verdade, é o fazer e o agir humano, que podem ser tradu-


zidos pela palavra “práxis”, que é a humanização do ser humano
pela história e a planificação da história pelo homem, que marcam
a direção e a finalidade da Ética.

7. ÉTICA, BIOÉTICA E SOCIEDADE


Como você pode perceber, o estudo da Ética tem uma re-
trospectiva histórica milenar, como já afirmamos anteriormente, e
tem seus suportes filosóficos, teológicos e socioculturais; em con-
trapartida, o estudo e a discussão sobre a Bioética são recentes no
mundo e, no Brasil, ainda estão dando os seus primeiros passos.
Acontece que vivemos, cotidianamente, sob o impacto de
informações e notícias veiculadas, muitas vezes, de forma super-
ficial e aligeirada, sem nos atermos ao significado mais profundo
que elas contêm.
É o caso da Bioética: transformou-se, rapidamente, num
tema atual por tratar da vida e da qualidade dela no meio social.
Em outras palavras, a Bioética “virou moda” e quase que, imper-
ceptivelmente, ocupou o espaço da ética. Ambas têm profundas
relações e fundamentos recíprocos, mas a Bioética discute mais
os problemas práticos e, por isso, entre outros fatores, ela tomou
a dianteira e relevou uma análise mais apurada e contextualizada.
Podemos afirmar que a Bioética faz parte do repertório diário da
vida das pessoas, dentro de uma linha pragmática e utilitarista.
Foi com esse o objetivo que traçamos a introdução do estu-
do da Bioética, relacionando a ética com a Bioética e seus vínculos
estreitos com a sociedade e, sobretudo, o contexto de cada época,
destacando os seus problemas e desafios mais significativos.
Nas próximas etapas do nosso estudo, explicitaremos me-
lhor essas relações dialéticas entre ética, Bioética e sociedade.

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34 © Bioética

A Humanidade como destino planetário ––––––––––––––––––


A comunidade de destino planetário permite assumir e cumprir esta parte de
antropo-ética, que se refere à relação entre indivíduo singular e espécie humana
como todo.
Ela deve empenhar-se para que a espécie humana, sem deixar de ser instância
biológico-reprodutora do humano, se desenvolva e dê, finalmente,com a parti-
cipação dos indivíduos e das sociedades, nascimento concreto à Humanidade
como consciência comum e solidariedade planetária do gênero humano.
A Humanidade deixou de constituir uma noção apenas biológica e deve ser, ao
mesmo tempo, plenamente reconhecida em sua inclusão indissociável na bios-
fera; a Humanidade deixou de constituir uma noção sem raízes: está enraizada
em uma “Pátria”, a Terra, e a Terra é uma Pátria em perigo. A Humanidade deixou
de constituir uma noção abstrata: é realidade vital, pois está, doravante, pela pri-
meira vez, ameaçada de morte; a Humanidade deixou de constituir uma noção
somente ideal, tornou-se uma comunidade de destino, e somente a consciência
dessa comunidade pode conduzi-la a uma comunidade de vida; a Humanidade
é, daqui em diante, sobretudo, uma noção ética: é o que deve ser realizado por
todos e cada um (MORIN, 2002, p.113-114).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Se você abrir jornais ou revistas, ligar rádio, TV ou Internet encontrará mui-
tas notícias e artigos que falam e abordam o tema da Ética como sendo a
busca e a construção do bem comum. A partir da leitura do texto da Unidade
1 procure explicitar o que é o bem comum e quem, de fato, pode dizer ou
afirmar o que é o bem comum?
© U1 - Fundamentos Epistemológicos da Bioética 35

2) O que é Ética? E Bioética? Quais as relações que se pode encontrar entre


elas? E quais são as importâncias e implicações de cada uma na vida em
sociedade?

9. CONSIDERAÇÕES
Assim concluímos esta primeira unidade, que teve como ob-
jetivo principal introduzir você na temática da Bioética.
Procuramos mostrar, desde o início, que o assunto contém
uma dinâmica toda especial, na medida em que apresenta uma
relação dialética da ética com a Bioética e a sociedade.
No entanto, isso é apenas o início de um itinerário que irá evo-
luir, aprofundar-se e ampliar-se a cada nova unidade a ser estudada.
É importante que você não se desanime nunca. Vá em frente,
seguindo cada passo a ser trilhado, pois você terá novos conteú-
dos e explicações que possibilitarão a compreensão e, sobretudo,
a assimilação da Bioética em toda a sua complexidade.

10. EͳREFERÊNCIA
MIRANDA, C. C. Guia do principiante em Genealogia. Disponível em: <http://www.ingers.
org.br/Principiante.html>. Acesso em: 9 ago. 2010.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
BUZZI, A. R. Introdução ao Pensar. Rio de Janeiro: Petrópolis, Vozes, 2004.
FREINET, C. Para uma Escola do Povo. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
RIOS, T. A. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1999.
MORIN, E. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2002.
SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. Lisboa: Presença, 1970.
VALLS, Á. L. O que é Ética. São Paulo: Brasiliense, 2003.
______. Da Ética à Bioética. Rio de Janeiro: Petrópolis, Vozes, 2004.

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EAD
Aspectos Histórico
Evolutivos da
Bioética
2
1. OBJETIVOS
• Compreender e analisar historicamente o conceito de
Bioética.
• Reconhecer o nascimento da Bioética.
• Distinguir o desenvolvimento e a consolidação da Bioética.

2. CONTEÚDOS
• Origens da palavra “Bioética”.
• Nascimento da Bioética.
• Desenvolvimento e consolidação da Bioética.

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para aprofundar mais seus estudos sobre esse tema, é
importante ler: COSTA, S.; DINIZ, D. Bioética: ensaios.
Brasília: S.I.F., 2001.
38 © Bioética

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, iniciamos nossos estudos a partir do
conceito da ética e da sua relação com o ser humano, bem como
as relações intrínsecas que existem entre a ética e a Bioética.
Já nesta unidade, vamos dar um passo adiante, de forma que
trataremos das origens da Bioética e sobre como ela passou a cons-
truir um referencial epistemológico próprio, mas com profundas raí-
zes vinculadas à Filosofia, à Teologia e às Ciências Humanas em geral.
Bom estudo!

5. ORIGENS DA PALAVRA “BIOÉTICA”


A maioria dos pesquisadores sobre a Bioética credita o início
dos seus estudos, em 1971, a Van Rensselaer Potter, que publicou
o livro denominado Bioética: uma ponte para o futuro.
Van Rensselaer Potter era doutor em Bioquímica, pesquisa-
dor e professor na área de Oncologia no Laboratório McArdle da
Universidade de Wisconsin/EUA. O Prof. Potter tinha uma gran-
de preocupação com o problema ambiental e com a repercussão
do modelo de progresso preconizada na década de 1960. O seu
pensamento foi influenciado pelas ideias de Aldo Leopold, que
também foi professor na Universidade de Wisconsin, de Teilhard
de Chardin e de Albert Schweitzer. Essa definição evoluiu para a
proposta de uma Ética Global (Global Ethics ou Global Bioethics),
feita em 1988. O Prof. Potter faleceu em 07 de setembro de 2001,
aos 90 anos de idade, na cidade de Madison/EUA, cercado por sua
família (adaptado de UFRGS, 2009).
Contudo, recentes pesquisas no âmbito da Bioética trazem-
-nos uma grande novidade em relação às suas origens. Somos le-
vados a recuar no tempo e na história para encontrar, em 1927,
na Alemanha, um filósofo com o nome Fritz Jahr, que publicou um
artigo na revista Kosmos com o seguinte título Bioética: uma revi-
© U2 - Aspectos Históricos Evolutivos da Bioética 39

são do relacionamento ético dos humanos em relação aos animais


e plantas.
Jahr é um pastor protestante e educador que propõe um
“imperativo bioético”, ampliando o conceito de imperativo moral
defendido por Kant, respeitando todo ser vivo como princípio e
fim em si mesmo. Isso quer dizer que o conceito de Bioética de
Jahr é bem amplo, atingindo todas as formas de vida do planeta
Terra.
Esse autor, ao refletir sobre o crescente progresso da Fisio-
logia e da Medicina do seu tempo e dos desafios morais relaciona-
dos com o desenvolvimento de sociedades cada vez mais secula-
res e pluralistas, redefine as obrigações morais em relação a todas
as formas de vida, humanas e não humanas, criando um conceito
de Bioética como uma disciplina acadêmica abrangente e contex-
tualizada.
Podemos afirmar que há dois acontecimentos recentes que
estão revolucionando a Ciência, a Biologia e a genética nestes úl-
timos anos: o projeto Genoma e o uso da clonagem, em especial
aquela com fins terapêuticos.
A Medicina, em geral, evoluiu mais durante os últimos 50
anos do que nos 50 séculos precedentes. Somente para dar um
exemplo: no início do século 20, os seres humanos com mais de
40 anos eram considerados velhos. Durante o período de somente
um século, muitos países mais desenvolvidos conseguiram dobrar
a longevidade de sua população.
Além disso, houve duas revoluções recentes que alteraram
profundamente a vida humana. A primeira começou por volta
de 1936, com a utilização das sulfamidas, primeiro medicamen-
to eficaz no tratamento das infecções, descoberto por Damagk na
Alemanha e Tréfouel na França, em 1936-37, e continuou com a
produção de antibióticos, o que permitiu à Medicina vencer a tu-
berculose, a sífilis e as infecções sanguíneas ou as chamadas infec-
ções generalizadas.

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40 © Bioética

A segunda foi a revolução biológica, que inspirou o conceito


de patologia molecular que, hoje, perpassa toda a Medicina. Pode
ser ilustrada pela descoberta do código genético e das leis elemen-
tares que presidem a formação humana. Se fizermos uma pequena
digressão no tempo histórico e no campo científico, perceberemos
que a Bioética é o resultado do processo histórico recente e quali-
tativo dos avanços e das descobertas nas ciências biomédicas.
Se, há algumas décadas, tínhamos áreas de conhecimento
bastante restritas e definidas como a Ética, a Moral ou a Deontolo-
gia médica, agora a Bioética, embora abarque um vasto campo de
conhecimento, não é mais capaz de destrinchar todos os proble-
mas e desafios que envolvem a complexa vida humana.

Deontologia médica é a parte prática da Medicina que trata das


relações do médico com os colegas e com os pacientes.

6. NASCIMENTO DA BIOÉTICA
A Bioética não pode mais ser entendida como um campo de
saber específico, especializado, pois o seu referencial teórico e a
sua prática situam-se na intersecção da Medicina, da Biologia, da
Ética e da Moral, do Direito, da Filosofia e da Teologia e de todas
as ciências humanas.
Voltando à questão do nascimento da Bioética, a maioria dos
pesquisadores e estudiosos sobre o assunto concorda que a obra
Bioética: uma ponte para o futuro, de Van Rensselaer Potter, publi-
cada em 1971, é um marco importante para a genealogia da disci-
plina. Potter era um cancerologista norte-americano preocupado
com a sobrevivência ecológica do planeta e com a democratização
do conhecimento científico.
Apesar de ser contestada sua paternidade sobre o conceito
Bioética, Potter continua sendo uma referência essencial para a histó-
© U2 - Aspectos Históricos Evolutivos da Bioética 41

ria da Bioética. Na verdade, o que se questiona não é tanto a paterni-


dade e o vanguardismo de Potter, mas sim o motivo por que Thomas
Reich confirma que ele foi o primeiro a empregar a palavra “Bioética”.
Reich foi um importante compilador de livros e enciclopé-
dias sobre Bioética e, segundo ele mesmo, o nascimento da Bioéti-
ca teria ocorrido em dois locais: na Universidade de Wisconsin, em
Madison, com Potter, que foi o criador do conceito; e na Universi-
dade de Georgetown, em Washington, com Andre Hellegers, que,
diante da existência do neologismo, teria sido o primeiro a utilizá-
-lo institucionalmente com o intuito de designar uma nova área de
conhecimento que, atualmente, denominamos Bioética.
Potter, ainda hoje, é reconhecido pela lucidez e abrangên-
cia de suas afirmações, levando em consideração que o livro que
ele publicou compreende uma série de artigos que escreveu entre
as décadas de 1950 e 1960. Vale a pena conferir algumas de suas
ideias publicadas nessa época:
[...] o que nós temos de enfrentar é o fato de que a ética humana
não pode estar separada de uma compreensão realista da ecologia
em um sentido amplo. Valores éticos não podem estar separados
de fatos biológicos [...].
[...] Como indivíduos nós não podemos deixar nosso destino nas
mãos de cientistas, engenheiros, tecnólogos e políticos que esque-
ceram ou nunca souberam estas verdades elementares. Em nos-
so mundo moderno, nós temos botânicos que estudam plantas e
zoologistas que estudam animais, no entanto, a maioria deles é
especialista que não lida com as ramificações de seu conhecimento
limitado [...] (POTTER, 1971).

É impressionante como essas ideias soam atuais e preocu-


pam os estudiosos da Bioética. Em outras palavras, a ponte para
o futuro a que se referia Potter, a Bioética, deveria ser uma disci-
plina capaz de acompanhar o desenvolvimento científico (no caso,
a Biologia e seus desdobramentos), e de estar, ao mesmo tempo,
fundamentada numa vigilância ética que ele supunha estar isenta
de interesses morais. Foi por isso que Potter insistiu na democrati-
zação do conhecimento científico como única maneira de difundir
esse olhar zeloso da Ética.

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42 © Bioética

O que precisa ser destacado é que Potter, já naquela época,


tinha essa percepção futurista de que a constituição de uma ética
aplicada às situações de vida seria o caminho para a sobrevivência
da espécie humana.
Potter conseguiu vincular o conhecimento científico, que
não é neutro e descontextualizado, ao mundo dos valores huma-
nos. Nessas últimas décadas, inegavelmente, percorremos um
bom caminho nas descobertas de novos medicamentos, diagnós-
ticos precoces de doenças, prolongamentos de vidas humanas e
assim por diante, mas, no fundo, o entendimento da Biologia no
seu sentido mais amplo e abrangente é o que mantém e define o
campo da Bioética.
Potter já entendia, naquela época, que a Bioética deve servir
como ponte entre duas culturas: a das ciências e a das humanida-
des, as quais, ainda hoje, aparecem extremamente distanciadas.
Mais do que um precursor, Potter dedicou sua vida inteira a for-
talecer e abrir caminhos para que a Bioética se incorporasse às
diferentes culturas, para que ela se transformasse num projeto de
vida para todos, para cada um dos seres humanos que habitam o
Planeta.
A pergunta central elaborada por Potter era: que tipo de fu-
turo teremos pela frente? Teremos, realmente, alguma opção?
Quase ao final da sua vida, ele dizia:
Peço-lhes que pensem na Bioética como uma nova ética científica
que combina a humildade, a responsabilidade e a competência que
é interdisciplinar e intercultural e que intensifica o sentido da hu-
manidade (POTTER, 1971).

Há, nessa citação, uma mescla da necessidade de diálogo,


de compromisso social e de qualidade nas ações profissionais, que
são algumas características básicas para que o mundo se desenvol-
va verdadeiramente.
Outro autor que advoga a paternidade sobre o conceito da
Bioética é Andre Hellengers, obstetra holandês da Universidade
© U2 - Aspectos Históricos Evolutivos da Bioética 43

de Georgetown que, seis meses depois do aparecimento do livro


de Potter, utilizou o termo para dar o nome ao Centro Joseph and
Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and
Bioethics, na Universidade de Washington. Além de batizar seu ins-
tituto com o nome, Hellegers aglutinou um grupo de estudiosos,
no qual médicos e teólogos (católicos, protestantes e judeus) viam
com preocupação crítica como o progresso médico-tecnológico
encarava difíceis desafios aos sistemas éticos do mundo ocidental.
Essa discussão sobre a dupla paternidade não para aí, pois
percebe-se um duplo enfoque da Bioética. Enquanto Potter pen-
sa claramente a Bioética como uma macrobioética que transita e
deve usufruir de todo o conhecimento que o ser humano detém e
possui até o momento, Hellegers focaliza a Bioética como um ramo
da Ética aplicada, como vem acontecendo com a Medicina atual,
sobretudo nos EUA.
Podemos destacar o grande desenvolvimento tecnológico
nas últimas décadas que fez surgir problemas morais inesperados
na prática biomédica: o exercício profissional relacionado à saúde
e à doença dos seres humanos, seja no campo da Medicina pro-
priamente dita, seja nos serviços de enfermagem, nutrição, biolo-
gia, psicologia, atendimento religioso entre outros.
Contudo, nas décadas de 1960 e de 1970, foram registradas
grandes conquistas dos direitos humanos e civis, o que fortaleceu
os movimentos sociais organizados, como, por exemplo, o feminis-
mo, o movimento hippie, o movimento negro, entre outros gru-
pos e minorias sociais, promovendo, com isso, os debates sobre
a Ética normativa e aplicada. Esses movimentos trouxeram à tona
questões relacionadas ao multiculturalismo, às diversidades de
opiniões, de valores e de tradições históricas.
Paralelamente aos movimentos socioculturais no mundo in-
teiro, pôde-se observar mudanças profundas nas instituições so-
ciais tradicionais, como a família, o Estado, a Economia, a Religião
e a Educação formal, de tal maneira que a própria sociedade se viu

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44 © Bioética

obrigada a criar novas formas de organização, tais como as Orga-


nizações Não Governamentais (ONGs), que se caracterizam pela
maior flexibilidade, autonomia e eficácia em termos de ações e
práticas grupais.
A família como instituição social, e também chamada de cé-
lula-mãe, passou por mudanças estruturais no que refere à família
patriarcal: os casamentos são adiados, há casais vivendo em casas
separadas, há mães fazendo o duplo papel como também pais que
exercem ambos os papéis, há pais e mães solteiras e assim por diante.
Nas últimas décadas, houve um redesenho do Estado e da
sociedade civil e, agora, o Estado tem de assumir novos papéis
e funções diante de mudanças profundas na economia: vivemos
numa sociedade em que o setor terciário ocupa a centralidade das
ocupações e dos serviços, e na qual a vida é cada vez mais comple-
xa e complicada.
A Educação escolar está passando por uma reformulação
completa diante da presença da multimídia e dos novos recursos
tecnológicos da informática e da internet.
A religiosidade também está passando por uma profunda
metamorfose no mundo inteiro, ou seja, as pessoas declaram-se
religiosas, mas, na sua grande maioria, não praticam ou frequen-
tam cultos e templos religiosos, dado o exasperado individualismo
a que estamos submetidos na vida moderna, em que não há mais
tempo para se dedicar à vida espiritual, aos valores humanos fun-
damentais.
Assim, podemos dizer que o aparecimento da Bioética é
uma resposta no campo da Ética diante das grandes mudanças,
dos problemas, dos desafios e dos paradoxos a serem enfrentados
pelo ser humano.
Podem ser acrescentados a todos esses fatores históricos
ocorridos nesse período dois outros fatos relevantes que preci-
sam ser analisados: em primeiro lugar, tanto durante a Segunda
© U2 - Aspectos Históricos Evolutivos da Bioética 45

Guerra mundial com após o seu encerramento, surgiram muitas


denúncias, cada vez mais frequentes, relacionadas às pesquisas
científicas com seres humanos e por fatos comprovadas de atroci-
dades cometidas por pesquisadores em campos de concentração,
inadmissíveis em termos humanos. Em segundo lugar, houve uma
abertura gradual da Medicina, que, de uma profissão fechada e
autoritária, passou a dialogar com os pacientes e seus familiares,
de tal maneira que, hoje, o médico já não toma decisões isoladas.
Esse processo todo gerou desconfiança nos serviços médicos
e de saúde pública e os avanços científicos e tecnológicos come-
çaram a ameaçar a tranquilidade do processo ético de tomada de
decisão na prática médica.
De amigos e confidentes morais no modelo antigo e tradicio-
nal do médico familiar, médicos e pacientes tornaram-se distantes
morais. Esse processo de estranhamento moral foi fundamental
para o surgimento, o desenvolvimento e a consolidação da Bioé-
tica.
Na sua origem, no início dos anos de 1970 nos EUA, a Bioéti-
ca defrontou-se com os dilemas éticos criados pelo extraordinário
desenvolvimento da Medicina: as pesquisas em seres humanos, o
uso intensivo da tecnologia nos países desenvolvidos e nos centros
de pesquisa, perguntas sobre a morte e sobre a forma de morrer
baseadas no próprio conceito de morte encefálica, por exemplo.
Outras descobertas, como os transplantes, as doações de ór-
gãos e as clonagens, foram fatos históricos que revolucionaram a
Medicina e trouxeram enormes interrogações, tanto nos setores
especializados e de pesquisa como também junto ao público em
geral.
As questões originais da Bioética expandiram-se e multipli-
caram-se para os problemas relacionados com os valores das di-
versas profissões da saúde, tais como a Medicina, a enfermagem,
a saúde pública, a saúde mental, a saúde psicológica entre tantas
outras.

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46 © Bioética

Com o passar dos anos, um grande número de temas sociais,


culturais, religiosos e jurídicos foram introduzidos na abrangência
temática da Bioética, tais como: a saúde pública que é discutida
no mundo todo; a alocação de recursos em saúde, levando em
conta que a média de vida das pessoas aumentou substancialmen-
te; a saúde da mulher; os problemas relacionados ao crescimento
populacional; as questões ecológicas e o desenvolvimento susten-
tável, entre tantos outros, fazem parte da agenda que estuda e
analisa a Bioética.
No Brasil, não há uma quantidade significativa de publica-
ções sobre a Bioética. O que temos disponível como bibliografia
são obras compilatórias e temáticas, livros em que um grupo de
pesquisadores e professores do tema escreve sobre assuntos es-
pecíficos da disciplina.
Sérgio Costa e Débora Diniz (2001) publicaram Bioética:
ensaios, e afirmam que há, basicamente, três tipos principais de
abordagem da Bioética: a historicista, a filosófica e a temática. A
abordagem historicista seria a que remete o nascimento da Bioéti-
ca aos fatos e eventos passados que teriam contribuído para o seu
surgimento, especialmente as pesquisas realizadas nos campos de
concentração nazistas, as duas guerras mundiais e os tratados de
direitos humanos seriam alguns exemplos citados.
A abordagem filosófica possui uma quantidade bem menor
de adeptos, pois exige que os seus representantes tenham um
bom domínio da “História da Filosofia”, especialmente da “Filo-
sofia Moral”, tarefa para que nem todos estão preparados. Além
do mais, não há muitos formados na Filosofia, uma vez que essa
disciplina foi retirada do currículo escolar no período da ditadura
militar e a maioria dos cursos de Filosofia foi fechada.
Uma terceira modalidade é a abordagem temática, que é a
mais comumente encontrada na bibliografia brasileira, uma vez
que ela é mais utilizada pelos iniciantes da Bioética, sobretudo por
aqueles que não possuem um conhecimento científico, filosófico e
histórico mais sólido e aprofundado.
© U2 - Aspectos Históricos Evolutivos da Bioética 47

Há, ainda, uma literatura não muito extensa que inicia a


abordagem temática a partir de casos ou situações de conflito de
vida que, nos últimos anos, têm acelerado a tomada de decisões,
muitas vezes, sem um embasamento teórico mais consistente e
bem articulado.
Com relação aos autores nacionais, temos poucas publica-
ções de Bioética que ultrapassam o recurso temático como forma
de apresentações dos argumentos conceituais.

7. DESENVOLVIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DA BIOÉͳ


TICA
Se, no Brasil, não há uma literatura sólida e aprofundada so-
bre a Bioética, nos países centrais e desenvolvidos os estudos e
pesquisas já avançaram bastante, de forma que há uma legislação
mais bem elaborada.
O livro Problemas Morais na Medicina, organizado pelo fi-
lósofo Samuel Gorovitz e publicado em 1976, foi o precursor de
uma série de estudos que correlacionavam os estudos éticos às si-
tuações médicas conflituosas, em especial o aborto e a eutanásia.
A produção desse livro marcou, pela própria composição dos au-
tores, uma proposta interdisciplinar da Bioética. Isso porque mé-
dicos e filósofos foram convidados a expor suas argumentações e
concepções sobre os temas polêmicos de conflito moral na saúde.
Dentre os autores da coletânea, alguns se tornaram referên-
cias para os estudos da Bioética nos anos de 1990, como foi o caso
das filósofas Ruth Macklin e Susan Sherwin.
O livro de Gorovitz já abordava temas considerados proble-
máticos para a época, como a relação médico-paciente, o consen-
timento livre e esclarecido, a eutanásia (o suicídio assistido), o
aborto, além de questões relacionadas à justiça social.
Contudo, foi em 1979 que o filósofo Tom Beauchamp e o
teólogo James Childress publicaram o livro Princípios da Ética Bio-

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48 © Bioética

médica, obra que consolidou a fundamentação teórica nas univer-


sidades norte-americanas.
Na afirmação dos próprios autores, o livro ofereceria uma
análise sistemática dos princípios morais que deveriam ser aplica-
dos à biomedicina.
Além disso, o livro direcionava-se para um público bastante
eclético: médicos, enfermeiras, professores, pesquisadores, res-
ponsáveis pelo planejamento de políticas públicas de saúde, teó-
logos, estudantes, cientistas sociais, entre outros, sendo, portanto,
praticamente impossível não pensar em multi e interdisciplinari-
dade.
A obra de Gorovitz trata em profundidade dos quatro prin-
cípios éticos que devem nortear toda a teoria Bioética, a saber:
a autonomia, a beneficência, a não-maleficência e a justiça, que
serão abordados na próxima unidade.
O que se pode adiantar, somente para que o âmbito da Bioé-
tica seja melhor entendido e avaliado, é que as publicações ante-
riormente aludidas contêm os chamados quatro princípios éticos,
que, como num passe de mágica, poderiam resolver todos os pro-
blemas inerentes à complexa vida humana.
Foi exatamente esse idealismo universalizante da teoria que
seduziu, por longos anos, os teóricos da Bioética. A teoria princi-
pialista tornou-se sinônimo de uma técnica ética, facilmente pro-
pagada em Congressos, Seminários, Simpósios e debates locais e
nacionais.

A teoria principialista é um conceito que significa um conjunto


de princípios que fundamentam e embasam uma concepção ou
posição com relação a um determinado problema. Estudaremos
esse conceito na próxima unidade.

O suposto espírito transcultural da teoria principialista fazia


seus seguidores defenderem que os valores éticos propostos de-
veriam servir para toda a humanidade. Não se levava em conta as
© U2 - Aspectos Históricos Evolutivos da Bioética 49

tradições, valores, legislação e o contexto que cada grupo humano


ou povo vivia.
Em nome de um projeto ético comum para todos os povos,
as diferenças existentes entre as inúmeras culturas e mesmo den-
tro de grupos sociais de cada cultura foram, deliberadamente, ig-
noradas.
Desde o início do surgimento do conceito da Bioética, hou-
ve uma preocupação explícita com a abrangência mais ampla da
Bioética com a vida do planeta Terra e, agora, durante cerca de
duas décadas, a Bioética, por parte de muitos autores, repousou
num mar tranquilo de certas verdades instituídas, a partir de al-
guns princípios éticos preestabelecidos.
No entanto, a partir da década de 1990, essas teorias come-
çaram a ser questionadas por meio de uma análise crítica, apon-
tando os seus limites e entraves, os quais tiveram como efeito um
renascimento da Bioética mais aberta, plural e que dialoga com
outros campos do saber.

Texto Complementar ––––––––––––––––––––––––––––––––––


Ao perigo do holocausto nuclear hoje se acrescenta o do holocausto biológico. A
biotecnologia pode tornar-se uma bomba-relógio e a engenharia genética pode
mudar irreversivelmente o nosso mundo. A Ciência quer ditar lei à matéria vivente
às gerações futuras, sem saber nada senão aquilo que vê no microscópio, sem
saber nada sobre os fins do homem, sem saber responder sobre o bem e o mal,
e sem pedir conselhos. A Ciência pode estar escrevendo a condenação à morte
da espécie humana. O planeta está virando um imenso laboratório, e nós as
cobaias.
(Scott Eastham, canadense e professor de Cultura e Comunicação na Nova Ze-
lândia, em A bomba-relógio da Biotecnologia: como a engenharia genética pode
mudar irreversivelmente o nosso mundo.) (MARCHIONNI, 2008, p.341).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.

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50 © Bioética

A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para


testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) Van Rensselaer Potter publicou em 1971 o livro Bioética
- uma ponte para o futuro. Pesquise em jornais e revistas
de circulação nacional, uma matéria ou artigo que trate
de um tema referente à Bioética com o objetivo de ave-
riguar se o autor ou autores mantêm um diálogo aberto
entre os diferentes saberes e se preservam a autonomia
intelectual e científica.

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, tivemos a oportunidade de conhecer as ori-
gens da palavra “Bioética”, seu nascimento, desenvolvimento e
consolidação.
Na próxima unidade, iremos estudar mais sobre Bioética e
conheceremos como tudo começou, além de analisarmos a teoria
principialista.
Até a próxima!

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


DINIZ, D.; GUILHEM, D. O que é Bioética. São Paulo: Brasiliense, 2007.
ENGELHARDT, T. Fundamentos da Bioética. São Paulo: Loyola, 1998.
DURAND, G. Introdução geral à Bioética: história, conceitos e instrumentos. São Paulo:
Loyola, 2003.
© U2 - Aspectos Históricos Evolutivos da Bioética 51

MARCHIONNI, A. Ética - a Arte do Bom. Petrópolis: Vozes, 2008.


PESSINI, L. Bioética na América Latina: algumas questões desafiantes para o presente e
futuro. Bioethikos, São Paulo, v. 2, n. 1, jun. 2008.

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EAD
Conceitos e Princípios
Fundamentais da
Bioética
3
1. OBJETIVOS
• Reconhecer alguns princípios que fundamentam a Bioética.
• Compreender os limites e restrições da teoria principia-
lista.
• Analisar as principais tendências da Bioética, as críti-
cas e os limites da teoria principialista e as perspectivas
atuais.

2. CONTEÚDOS
• Como tudo começou.
• Teoria principialista.
• Críticas à teoria principialista e suas limitações.
• Bioética: é possível construir um consenso?
54 © Bioética

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para pesquisar mais sobre Bioética, sugerimos que você
visite o site disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.
br/>. Acesso em: 9 ago.2010.
2) Vale salientar que a obra Fundamentos da Bioética foi
traduzida para a língua portuguesa e publicada pela Edi-
tora Loyola em 1998.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, estudamos as origens da Bioética.
Com tais conhecimentos, nesta unidade, iremos entrar mais
objetiva e aprofundadamente na temática da Bioética. Veremos
qual é a sua abrangência, a sua fundamentação teórica e como ela
foi se sistematizando como uma área específica do conhecimento.

5. COMO TUDO COMEÇOU


Afirmamos, na unidade anterior, que a segunda metade do
século 20 registrou profundas mudanças econômicas, políticas e
sociais, uma vez que presenciamos a chamada terceira revolução
industrial, ou seja, a revolução eletrônica, a robótica e a introdu-
ção da informática.
Paralelamente às transformações técnicas, houve uma revo-
lução na Biologia e na Medicina e ocorreram inúmeros escândalos
e acusações envolvendo a pesquisa científica com seres humanos
e com animais.
A sociedade tinha de dar uma resposta a essas acusações e,
diante desse desafio, os EUA, em 1974, criaram a Comissão Nacio-
nal para a Proteção de Sujeitos Humanos na Pesquisa Bioética e
Comportamental, órgão responsável pela ética das pesquisas rela-
cionadas às ciências do comportamento e da biomedicina.
© U3 - Conceitos e Princípios Fundamentais da Bioética 55

Essa Comissão trabalhou assiduamente por quatro anos e,


desse trabalho, surgiu um relatório que ficou conhecido como o
Relatório Belmont, que é, até hoje, aceito e citado como o marco
histórico e normativo da Bioética.
O Relatório contém alguns princípios e fundamentos, supos-
tamente universais, que poderiam promover as bases conceituais
para a formulação, a crítica e a interpretação dos problemas e de-
safios morais e éticos que envolvem a pesquisa científica.
Os componentes da Comissão do Relatório Belmont justifi-
caram a definição de três princípios éticos, dentro de um universo
de possibilidades, argumentando que a escolha estava fundamen-
tada numa estrutura profunda do pensamento moral. Para eles,
os princípios éticos escolhidos pertenciam à história das tradições
morais, especialmente do Ocidente, havendo uma estreita e inter-
dependência entre eles, o que garantiria sua harmonia e coerência
quando aplicados.
Portanto, são três os princípios definidos pela Comissão:
1) Respeito pelas pessoas: esse princípio carrega consigo
pelo menos dois outros pressupostos éticos: os indiví-
duos devem sempre ser tratados como indivíduos autô-
nomos, e as pessoas com autonomia diminuída (quan-
do, por exemplo, estão socialmente vulneráveis) devem
ser protegidas de toda e qualquer forma de abuso.
Do ponto de vista prático, isso significa que a vontade deve
ser um pré-requisito fundamental para a participação na pesquisa
científica, fazendo que o consentimento somente tenha validade
após a informação e a compreensão sobre a totalidade da pesqui-
sa a ser realizada.
2) O princípio da beneficência: dentre os três princípios,
esse é o que faz a maior referência das relações entre
médico e paciente no mundo inteiro e, sobretudo, no
ocidente.
A beneficência deve ser vista como um compromisso do
pesquisador na pesquisa científica para assegurar o bem-estar das

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56 © Bioética

pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a experiência. O


apelo à beneficência procura, ainda, não causar qualquer dano ao
participante ou mesmo maximizar os benefícios previstos. Isso sig-
nifica dizer que deve haver uma avaliação permanente da relação
entre risco/benefício para as pessoas envolvidas.
3) O princípio da justiça: esse princípio é o que está mais
profundamente relacionado às teorias da Filosofia Mo-
ral em vigor nos Estados Unidos no período em que a
Comissão elaborou o Relatório. A justiça significa equi-
dade, ou seja, um tratamento equânime entre todos os
seres humanos.
Esse princípio deve ser entendido com base na perspectiva
da justiça distributiva, que tem a ver com aquilo que é devido às
pessoas, ou seja, aquilo a que lhe pertence.
Após termos assinado os três princípios, caberia uma indaga-
ção: qual seria o critério de prioridade na resolução de um proble-
ma prático e corriqueiro? Seria possível estabelecer prioridades?
Não é caso, porque a maioria das sociedades utiliza esses critérios
e outros mais, além de cada país ter sua Constituição, Código Pe-
nal e legislações diversas, geralmente definidas nas políticas pú-
blicas. Mas, de qualquer maneira, o princípio da justiça é, de fato,
aquele que prevalece se quisermos tratar todos de maneira igual.
O modelo de análise ou paradigma principialista, inicia-
do com o Relatório Belmont, em 1978, e implementado por Tom
Beauchamp e James Childress, é uma linguagem entre tantas ou-
tras linguagens éticas possíveis, mas não é a única.
A experiência ética pode ser expressa em diferentes lingua-
gens, paradigmas ou modelos teóricos, tais como o contratual, o
casuístico, o liberal autonomista, o do cuidado humano, o antro-
pológico humanista, entre tantos outros.
Obviamente, a convivência com um pluralismo de modelos
teóricos tem a sua contrapartida: exige uma profunda tolerância,
uma abertura de concepções e um diálogo extremamente respei-
toso.
© U3 - Conceitos e Princípios Fundamentais da Bioética 57

Um modelo pode lidar bem com um determinado aspecto


da vida moral, mas, ao mesmo tempo, não com outros aspectos
jurídicos, científicos, culturais, religiosos.
Os modelos não podem ser exclusivos, mas interdependen-
tes e complementares, mesmo porque as dimensões morais e hu-
manas não podem ser incluídas numa única abordagem.
Havia um contexto de incertezas éticas antes da publicação
do Relatório Belmont, o qual foi um divisor de águas para os estu-
dos de ética aplicada. A partir daí, a Bioética começou a ser estu-
dada nos Centros Universitários e de Pesquisa, e teve sua formali-
zação definitiva como um novo campo de saber.

6. TEORIA PRINCIPIALISTA
O livro Problemas Morais na Medicina, organizado pelo fi-
lósofo Samuel Gorovitz e publicado pela primeira vez em 1976,
foi o precursor de uma série de estudos que correlacionavam os
estudos éticos com as situações médicas conflituosas, como, por
exemplo, o aborto e a eutanásia.
O livro foi fruto de um trabalho interdisciplinar, já que mé-
dicos, filósofos e teólogos expuseram suas opiniões e argumen-
tações sobre temas que, até hoje, não encontraram um mínimo
consenso.
A coletânea organizada por Gorovitz teve o mérito de ter
sido pioneira no tratamento do tema, contudo, foi somente com a
publicação de Princípios da Ética Biomédica de Tom Beauchamp e
James Childress, em 1979, que a Bioética consolidou sua sistema-
tização teórica, de modo especial nas Universidades norte-ameri-
canas.
A proposta de ambos seguia a trilha aberta pelo Relatório
Belmont e defendia a tese de que os conflitos morais poderiam ser
mediados com alguns princípios éticos. Eles retomam os três prin-

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58 © Bioética

cípios já abordados no item anterior e acrescentaram um quarto


princípio, denominado de não maleficência, quer dizer, não fazer
mal a nenhuma pessoa, em hipótese alguma.
Ressalte-se, ainda, que, a partir da década de 1970, o prin-
cípio de respeito às pessoas foi substituído pelo princípio da auto-
nomia humana.
A teoria dos quatro princípios éticos elaborados e defendi-
dos por Beauchamp e Childress passou a ser conhecida por teoria
principialista e foi a teoria predominante por algumas décadas,
quase que se confundindo com a própria disciplina.
O livro Problemas Morais da Medicina direcionava-se para
um público bem diversificado, a saber: médicos, enfermeiros, pro-
fessores, pesquisadores, estudantes, teólogos, cientistas sociais,
os quais eram responsáveis pela discussão e elaboração de políti-
cas públicas e outros mais; daí seu caráter multidisciplinar.
É necessário tentar estabelecer um corpo teórico para a
Bioética, considerando que ela interage em três dimensões bem
complexas: a prática terapêutica, a oferta de serviços de saúde e a
pesquisa médica e biológica.
A conciliação de interesses e de decisões entre a teoria e a
prática traz enormes dificuldades, pois, visto que cada caso é um
caso, para se entrar no mérito de uma questão ou problema, deve-
-se levar em conta todo o contexto pessoal familiar, legal cultural
do indivíduo ou paciente.
Em outras palavras, há a liberdade individual, há a solidarie-
dade e a “privaticidade”, a tolerância e o pluralismo sociocultural,
que precisam ser considerados em cada tomada de decisão.
A análise dos quatro princípios precisa ser feita com base
nesses pressupostos que acabamos de estudar. Por exemplo: o
princípio da autonomia baseia-se nos pressupostos de que a so-
ciedade seja democrática e que haja, de fato, a igualdade de con-
dições entre todos os indivíduos, indistintamente.
© U3 - Conceitos e Princípios Fundamentais da Bioética 59

Nessa construção ideal da sociedade, vários entraves morais


podem ser levantados e, com certeza, o mais importante deles é
a definição do que viria a ser um comportamento intolerante para
determinada sociedade, ou seja, em que medida o ser humano
pode exercer a sua autonomia.
Sabemos que temos pessoas dependentes, como as crian-
ças, os deficientes mentais, os idosos e os pacientes que perderam
sua capacidade de explicitar o que sentem e o que desejam: como
estes podem exercer consciente e livremente sua autonomia, se
ela está comprometida?
Com base nesses argumentos, entendemos que o debate so-
bre o princípio da autonomia passa a ser vital dentro da Bioética
e que precisa ser estudado e analisado até a exaustão para evitar
injustiças e erros inadmissíveis.
O princípio da autonomia obriga-nos a favorecer e a promover
o exercício da autonomia pessoal. Por isso, é obrigação dos profissio-
nais da saúde revelar a informação necessária aos pacientes, tanto
sobre o diagnóstico como sobre as opções terapêuticas disponíveis.
A informação deve ser comunicada de tal maneira que o paciente
compreenda de que se trata e possa decidir com conhecimento de
causa. Somente assim foi respeitada a autonomia da pessoa do pa-
ciente e cumpriu-se com a exigência do consentimento informado,
que é o mesmo do que consentimento livre e esclarecido.
O princípio de não maleficência é a obrigação de não cau-
sar prejuízo intencionalmente e pode ser explicado pela noção de
dano. Causar dano é causar dor, moléstia, menosprezo. Quer dizer,
pode-se violar os legítimos direitos e interesses de uma pessoa.
Prejudicar é ocasionar dano ou menosprezo material ou mo-
ral. O princípio de não maleficência é o fundamento da ética médi-
ca e, também, o princípio básico de todo sistema moral.
É possível uma ação causar dano a alguém, mas ser moral-
mente justificada, quando, por exemplo, o juiz impõe uma conde-

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60 © Bioética

nação justa a uma pessoa que cometeu um crime. Nesse caso, não
seria um dano injusto porque se cometeu uma ação condenável e
que precisa ser reparada.
Assim, o princípio de beneficência significa praticar atos po-
sitivos para promover o bem e a realização dos demais.
Beauchamp e Childress tratam da beneficência em dois prin-
cípios distintos: a beneficência positiva e o princípio da utilidade,
de forma que a beneficência positiva nos obriga a agir benefica-
mente em favor dos demais, e a utilidade obriga-nos a pesar os
benefícios e os inconvenientes, estabelecendo uma análise crítica
que seja a mais favorável possível.
Podemos dar diversos exemplos de beneficência: doar ór-
gãos para transplante, proteger e defender os direitos alheios, pre-
venir danos que possam afetar terceiros, ajudar as pessoas com
incapacidade ou deficiência, resgatar as pessoas que se encontram
em perigo e assim por diante.
O princípio de justiça tem a ver com o que é devido às pesso-
as, com aquilo que, de alguma maneira, lhes pertence ou corres-
ponde. Quando a uma pessoa correspondem benefícios ou obriga-
ções na comunidade, estamos diante de uma questão de justiça.
O caminho da justiça foi determinado pelas seguintes con-
cepções políticas:
• Justiça como generalização: nessa perspectiva, a justiça
era aplicada como o maior bem para o maior número de
pessoas. Nessa concepção, não estão todos, mas somen-
te o maior número. Trata-se de uma visão democrática e
política liberal e neoliberal.

O Liberalismo constitui-se numa doutrina econômica que privile-


gia o indivíduo e a sua liberdade, e o livre jogo das ações indivi-
duais que, segundo se acredita, conduzem ao interesse geral. Foi
uma doutrina que se desenvolveu, sobretudo, a partir do século
18, em oposição ao poder absolutista monárquico.
© U3 - Conceitos e Princípios Fundamentais da Bioética 61

• Justiça como universalização: fundamentada na tradição


moderna, em que se supõe a inclusão de todos e de cada
um. É o ideal de uma sociedade como princípio universa-
lizador.
• Justiça como globalização: funciona a partir de um princí-
pio generalista, em que está somente a maioria; não pode
ser regressiva. Se a economia vai se tornando cada vez
mais global, também a justiça deverá sê-lo. Assim, o en-
tendimento da justiça no tempo de globalização somen-
te é possível se forem incluídos todos os seres humanos
atuais e das gerações futuras.
O segundo item da justiça tem suas raízes nas concepções
filosóficas. Destacaremos somente algumas mais significativas. Ve-
jamos:
a) Dar a cada um o que é seu: desde Aristóteles, foi uma
das definições de justiça. O problema aqui está em quem
estabelece o “seu” e o “meu”.
b) Dar a cada um o que merece: aqui o critério é o mérito.
Dá-se mais a quem tem mérito, mas isso é discutível por
que os méritos, frequentemente, são conseguidos na
base da disputa, da concorrência.
c) Tratar a todos igualmente: é a posição elaborada com
base nas posições igualitaristas da justiça, sobretudo
desde a Revolução Francesa. O problema é que seria
injusto tratar igualmente os que estão em situação de
desigualdade.
d) Dar a cada um de acordo com sua necessidade: contri-
buindo cada um segundo sua capacidade. Essa concep-
ção, elaborada pelas tradições marxistas, também apre-
senta suas dificuldades. Quem vai estabelecer o nível de
necessidades: o indivíduo ou o Estado? Independente-
mente dessa decisão, quem vai estabelecer os limites?
De toda a maneira, o princípio de justiça defende a igualda-
de básica de todos, e o segundo princípio é admitir o respeito às
diferenças.

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62 © Bioética

Esse conceito de justiça não é imparcial, pois toma partido,


na medida em que corrige as desigualdades e as injustiças sociais.
Nesse sentido, somente quando se estabelecem mínimos de justi-
ça, em que os mais desfavorecidos socialmente são tratados com
mais vantagem, tornamos possível um planejamento mais justo da
Bioética aplicada.
No campo da Biomedicina, é a dimensão da justiça que mais
nos interessa. A justiça distributiva refere-se, em sentido amplo, à
distribuição equitativa dos direitos, benefícios e responsabilidades
ou deveres na sociedade. A sua abrangência é mais ampla e diz res-
peito, entre outras coisas, às leis fiscais, à distribuição de recursos
e orçamentos para as diversas esferas sociais como a educação, a
saúde, o saneamento básico, a infraestrutura e a busca da sustenta-
bilidade. Isso é a distribuição de oportunidades iguais na sociedade.
Os problemas de distribuição surgem porque os bens são
escassos e as necessidades são múltiplas. Decorrente dessa dispa-
ridade ou desigualdade que não é nem natural, nem admissível, é
válido, então, estabelecer prioridades para aqueles princípios que
contribuam para superar as injustiças.
Nesse sentido, a justiça deveria passar a tratar a todos igual-
mente, porém, corrigindo-os com base em um princípio humano e
cristão, tratando com mais vantagem exatamente os mais desfavo-
recidos biológica e socialmente.

7. CRÍTICAS À TEORIA PRINCIPIALISTA E SUAS LIMIͳ


TAÇÕES
O que tentamos, mesmo que resumidamente, foi verificar,
nesses últimos vinte anos, a presença hegemônica da teoria prin-
cipialista da Bioética, e, notadamente, com o predomínio do prin-
cípio de autonomia sobre os demais princípios.
A segunda crítica, e também a mais importante para o de-
senvolvimento da Bioética, mostrou que o termo “princípio” não é
© U3 - Conceitos e Princípios Fundamentais da Bioética 63

suficiente para definir e nortear as tomadas de decisão complexas


e polêmicas. Ele não dá conta de responder a tantos problemas e
desafios, levando em conta, ainda, que cada país, região ou local
tem sua especificidade, sua tradição, valores e costumes que não
podem ser generalizados, universalizados.
Afirmar ou dizer: “faça isso”, “não faça aquilo”, “isso é bom”
e “isso não é bom” não é suficiente para assegurar um sistema
moral unificado e que oriente uma ação geral para um caso par-
ticular.
Há, ainda, alguns problemas adicionais relacionados à teoria
que dizem respeito, por exemplo, ao fato de o principialismo negli-
genciar a dimensão relacional das pessoas, não levando em conta
contextos sociais específicos.
A interdependência ética e moral entre os indivíduos e suas
atitudes solidárias na coletividade foram amplamente desconside-
radas na maioria das vezes.
Para a teoria principialista, o processo decisório da ética não
pode se basear apenas numa atitude racional, mas o ser humano
é formado de emoções e de dúvidas e, por isso, as decisões devem
sempre ser discutidas entre médico e paciente, bem como entre
paciente e familiares, dependendo da decisão a ser tomada.
Uma vez que, em outros países e regiões do mundo, foi se
construindo uma teoria da Bioética bem fundamentada e sistema-
tizada, apareceram, também, as críticas ao modelo principialista.
Um dos critérios que fortaleceu essas críticas foi a defesa da
presença multicultural como contraponto e como forma de aná-
lise. Foi assim que, para essa segunda fase da Bioética de crítica
ao principialismo, o resgate das diferenças culturais assumiu um
papel decisivo na articulação das diferenças entre os valores e as
crenças morais.
Um dos maiores pecados cometidos pela Antropologia nos
dois últimos séculos foi fazer as pessoas acreditarem, por muito

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64 © Bioética

tempo, que havia homens superiores a outros, pelo simples fato de


nascerem em lugares diferentes ou viverem de maneiras diferentes.
Por isso, o conceito de cultura passou a ser justificativa “cien-
tífica” da imposição do modelo branco, capitalista, cristão e euro-
peu como “superior” a todos os demais. Nesse sentido, a teoria
principialista foi produzida num país central e transplantada para
os demais países como modelo hegemônico e norteador de ações
por algumas décadas.

8. BIOÉTICA: É POSSÍVEL CONSTRUIR UM CONSENͳ


SO?
Podemos nos perguntar se seria desejável buscar a constru-
ção de um consenso. Aqui, assumimos a modesta posição de res-
ponder “não”.
O que caracteriza a riqueza de um povo ou nação não é ape-
nas o seu idioma, a culinária, o modo de se vestir, mas, sobretudo,
a sua cultura, os valores, as tradições; tudo isso é de uma riqueza
indescritível que forma a beleza dos grupos humanos e sociais na
sua convivência cotidiana.
Antes de concluir esta unidade, destacaremos alguns auto-
res que compõem uma bibliografia mais plural e diversificada, re-
velando os contornos e os caminhos múltiplos da Bioética.
Um autor que merece destaque é Tristam H. Engelhardt,
que escreveu Os Fundamentos da Bioética, publicado em 1986 e,
depois, revisto e ampliado em 1996, o qual foi amplamente divul-
gado entre os pesquisadores da Bioética, tornando-se, ainda hoje,
uma referência obrigatória.
Tristram H. Engelhardt é professor de Filosofia da Rice Uni-
versity e professor emérito do Baylor College of Medicine, no Te-
xas, EUA. Escreveu vários textos importantes, dentre eles: As bo-
tas, Gravata em forma de laço e barba estilo “Tio Sam” (CENTRO
DE BIOÉTICA, 2009).
© U3 - Conceitos e Princípios Fundamentais da Bioética 65

Para Engelhardt (1998), um projeto bioético somente será


possível dentro de valores morais particulares das comunidades,
defendendo, por conseguinte, uma postura aberta e plural diante
dos conflitos e dos problemas da prática cotidiana dos seres hu-
manos.
Na prática, a relação entre a Medicina e os usuários da Saú-
de deve ser pautada pela tolerância como um valor mediador para
a sobrevivência humana na diferença moral. A tese central do au-
tor é defender o exercício da liberdade moral como condição da
existência da diversidade.
De toda maneira, os problemas continuam, uma vez que não
há critérios e mecanismos justos e definitivos para a mediação de
um conflito moral. Nem os critérios mais universalistas do princi-
pialismo, nem os parâmetros culturais locais ou regionais podem
ser considerados decisivos para uma tomada de decisão.
Outro autor que precisa ser citado é Peter Singer, filósofo
australiano. Ele foi, durante anos, o presidente da Associação In-
ternacional de Bioética (I. A. B.), a entidade mais importante do
mundo nesta área.
Peter Singer é especialista em ética, tornou-se mundialmen-
te conhecido com o livro Libertação Animal, 1975, no qual defen-
dia que nada justifica os maus-tratos impostos aos animais pelos
produtores de alimentos. Ele afirma que quando pessoas normais
cometem crimes bárbaros é sinal de que a sociedade perdeu o
controle de si própria (VEJA ON LINE, 2009).
Singer é responsável pela formação de estudantes e pesqui-
sadores em diversas partes do mundo. A sua linha teórica den-
tro da Bioética é o utilitarismo e também é conhecido como autor
maldito. Escreveu: Liberdade animal em 1975, Ética prática em
1979, Deve o bebê viver? e Questão das crianças deficientes em
1988. Seus livros vêm sendo amplamente discutidos e, na maioria
das vezes, rejeitados por grupos religiosos, entidades de direitos
humanos e, especialmente, de pessoas portadoras de deficiência.

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66 © Bioética

Os livros de Singer geram polêmica pelo fato de discutir te-


mas tabus como a eutanásia, o infanticídio e o suicídio assistido,
todos temas desafiadores que estudaremos mais adiante.
Singer autodefine-se um teórico que analisa as consequên-
cias no campo da moral, ou seja, ele se preocupa com os resulta-
dos das ações consideradas boas ou más, certas ou erradas, justas
ou injustas e não com a própria definição do que se entende por
retidão ou justiça, pautando-se na premissa clássica do utilitaris-
mo.
Mas isso não significa que o autor não esteja preocupado
com valores como a autonomia, por exemplo, um princípio caro
à Bioética principialista, e sim que o princípio da autonomia é se-
cundário diante da maximização da felicidade ou pela diminuição
do sofrimento.

Texto Complementar ––––––––––––––––––––––––––––––––––


Não é expressão de laicidade, mas sua degeneração em laicismo, a hostilidade
a toda forma de relevância política e cultural da Religião; à presença, em parti-
cular, de todo o símbolo religioso nas instituições públicas. Como também não é
expressão de sã laicidade a recusa à comunidade cristã, e aqueles que legitima-
mente a representam, do direito de pronunciar-se sobre problemas morais que
hoje interpretam a consciência de todos os seres humanos, em particular dos
legisladores e dos juristas. Não se trata de ingerência indevida da Igreja na ativi-
dade legislativa, próprias do Estado, mas das afirmações da defesa dos grandes
valores que dão sentido à vida da pessoa e garantem sua dignidade. Estes va-
lores, antes de serem cristãos, são humanos, tais que não deixam indiferentes a
Igreja, a qual tem o dever de proclamar com firmeza as verdades sobre o homem
e sobre o seu destino (Discurso de Bento XVI aos juristas católicos, 2006).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

9. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
© U3 - Conceitos e Princípios Fundamentais da Bioética 67

a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para


sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
• Nesta unidade, estudamos a importância do Relatório
Belmont, que se constituiu num marco de referência para
a Bioética no mundo inteiro, mas que simultaneamente
revela as suas limitações.
• Analise a afirmação e procure justificá-la: afirmar ou dizer
“ faça isso” ou “ não faça aquilo”, “isso é bom” ou “isso
não é bom” não é suficiente para assegurar um sistema
moral unificado universal e que possa orientar uma ação
geral para um caso particular.

10. CONSIDERAÇÕES
Ao concluir esta unidade, podemos dizer que estudar e dis-
cutir a Bioética passam, necessariamente, pela tolerância na di-
versidade. Temos de reconhecer e respeitar a pluralidade moral da
humanidade e, consequentemente, admitir as diferentes crenças
e valores que fazem parte da herança humana como um patrimô-
nio legítimo e respeitável.
A resposta final para os problemas e conflitos não está no
encontro do consenso teórico, mas no desenrolar da história viva
das sociedades e dos cidadãos conscientes que se tolerem e se
respeitem mutuamente.
Na próxima unidade, iremos estudar o ponto de partida da
Bioética moderna. Veremos, também, Bioética e interdisciplinari-
dade, e suas fronteiras epistemológicas. Até a próxima!

Claretiano - Centro Universitário


68 © Bioética

11. EͳREFERÊNCIA
BIOÉTICA. Bioética e ética na ciência. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/>.
Acesso em: 4 mar. 2009.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALARCOS, M. F. J. Bioética e pastoral da saúde. São Paulo: Paulinas, 2006.
DINIZ, D.; GUILHEM, D. O que é Bioética. São Paulo: Brasiliense, 2007.
LEPAGNEUR, H. Bioética novo conceito: a caminho do Consenso. São Paulo: Loyola, 2004.
OLIVEIRA, J. Bioética: uma face da Cidadania. São Paulo: Moderna, 1997.
SARTRE, J. P. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção
Os Pensadores).
EAD
A Bioética e a
Interdisciplinaridade

4
1. OBJETIVOS
• Identificar que o tema da Bioética ultrapassa a sua dimen-
são científica e médica.
• Reconhecer a complexidade que envolve Bioética e inter-
disciplinaridade e procurar construir caminhos de diálogo
e de convergência.
• Analisar o ponto de partida da Bioética moderna, bem
como a Bioética e suas principais fronteiras epistemoló-
gicas.

2. CONTEÚDOS
• Ponto de partida da Bioética moderna.
• Bioética e interdisciplinaridade.
• Bioética e suas fronteiras epistemológicas.
70 © Bioética

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) No decorrer do estudo desta unidade será apresentado
a você, alguns filósofos. Antes de iniciar seus estudos é
interessante que você conheça um pouco da biografia
desses pensadores e para saber mais acesse o site indi-
cado.

Edgar Morin
Edgar Morin nasceu em 1921 e, em 1970, fundou, em Paris, o
Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares.
Para ele, a concepção holística não é apenas a somatória de to-
das as coisas, mas, mais do que isso, é uma integração, ou seja,
todas as coisas estão profundamente interligadas entre si (Gran-
de Enciclopédia Larousse Cultural). Edgar Morin: disponível em:
<http://www.ehess.fr/centres/cetsah/IMAGES/CarolineCuello.
jpg>. Acesso em: 4 set. 2010.

Jean Bernard
Jean Bernard é professor da Faculdade de Medicina de Paris,
Diretor do Instituto Francês de Investigação sobre a Leucemia e
as doenças de sangue, membro da Academia Francesa, mem-
bro da Academia Nacional de Medicina e Presidente honorário do
Comitê Consultivo Nacional para as Ciências da Vida e da Saú-
de. Escreveu, dentre inúmeras obras, A Bioética. Lisboa: Institu-
to Piaget, 1993 (Grande Enciclopédia Larousse Cultural). Jean
Bernard: disponível em: <http://ams.astro.univie.ac.at/~nendwich/Science/SoFi/
portrait.gif>. Acesso em: 4 set. 2010.

Immanuel Kant
Immanuel Kant (1724-1804) foi um importante filósofo alemão.
Em 1781, publicou Crítica da razão pura; em 1785, Fundamentos
da metafísica dos costumes, e, em 1788, escreveu Crítica da razão
prática, obra em que o autor remete a razão ao centro do mundo
(Grande Enciclopédia Larousse Cultural). Immanuel Kant: dispo-
nível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2f/
Immanuel_Kant_2.jpg>. Acesso em: 4 set. 2010.

Baruch Spinoza
Baruch Spinoza (1632-1677) foi um filósofo holandês. Entrou em
contato com Galileu e o pensamento renascentista de Giordano
Bruno e, depois, foi influenciado por Descartes. Publicou: Princí-
pios da filosofia de Descartes (1663) e Tratado teológico-político
em 1670 (Grande Enciclopédia Larousse Cultural). Baruch Spino-
za: disponível em: <http://philosophy.tamu.edu/~sdaniel/Images/
spinoza1.jpg>. Acesso em: 4 set. 2010.
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 71

Jean Jacques Rousseau


Jean Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo e romancista
suíço de língua francesa, conheceu Voltaire, Diderot e outros
filósofos iluministas, tendo colaborado na produção da Enciclo-
pédia. Publicou diversas obras, com destaque para: O contrato
social e Da educação em que vincula política, moral e educação
(Grande Enciclopédia Larousse Cultural). Jean Jacques Rous-
seau: disponível em: <http://ebooks.adelaide.edu.au/r/rousseau/
jean_jacques/portrait.jpg>. Acesso em: 4 set. 2010.

Hans Küng
Hans Küng nasceu na Suíça em 1928. Em 1962, foi nomeado
pelo Papa João XXIII peritus, ou seja, consultor teológico para
o Concílio Vaticano II. Em 1996, tornou-se presidente da Fun-
dação de Ética Global em Tübengen. Tem uma vasta produção
com destaque para: Igreja católica (2001), As religiões do mun-
do (2004), Teologia a caminho: fundamentação para o diálo-
go ecumênico (1999), e O princípio de todas as coisas (2007)
(Grande Enciclopédia Larousse Cultural). Hans Küng: disponível em: <http://
fratresinunum.files.wordpress.com/2009/02/kung.jpg>. Acesso em: 4 set. 2010.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Vamos prosseguir nossa caminhada com relação ao estudo
introdutório da Bioética.
Desde o início, deixamos claro que há uma relação estreita
da Ética com a sociedade, e uma relação mais íntima da Ética com
a Bioética, uma vez que elas se complementam.
Em seguida, abordamos alguns aspectos históricos evoluti-
vos da Bioética.
Acabamos de analisar, na unidade anterior, alguns conceitos
e princípios que fundamentam e dão sustentação à Bioética como
um novo campo do saber.
O nosso desafio, agora, é mergulhar mais a fundo na Bioética
propriamente dita e verificar toda a complexidade que é entender
o ser humano vivendo em grupo, em sociedade e quais as dificul-
dades daí decorrentes.

Claretiano - Centro Universitário


72 © Bioética

5. PONTO DE PARTIDA DA BIOÉTICA MODERNA


Podemos, inicialmente, afirmar que a Bioética não pode ser
entendida apenas como um campo de saber específico, pois seu
referencial teórico e metodológico e a sua prática cotidiana no en-
frentamento dos problemas situam-se na intersecção da Medicina,
da Biologia com as suas múltiplas ramificações e especializações,
com as ciências humanas, como também com a Ética, o Direito, a
Filosofia e a Teologia entre outros campos.
Já vimos que Potter, em 1971, entendia a Bioética como uma
ponte entre duas culturas: a das ciências e a das humanidades,
que, ainda hoje, aparecem extremamente distanciadas.
Mais que um precursor, Potter dedicou sua vida inteira ao
fortalecimento e à abertura de caminhos para que a Bioética se
incorporasse às diferentes culturas, para que ela se transformasse
num projeto de vida para todos os seres humanos que habitam o
planeta.
Em 2 de julho de 1974, o Presidente norte-americano assi-
nou um Projeto de Lei que ficou conhecido como a Lei Nacional
para a Investigação Científica. Uma vez promulgada a lei, criou-
-se, em seguida, uma Comissão encarregada de estudar e apreciar
os problemas éticos relativos à pesquisa científica nos campos da
Biomedicina e das ciências do comportamento. A criação dessa
Comissão respondia, pelo menos em parte, às duras críticas que
a opinião pública fazia com relação aos abusos cometidos pelos
pesquisadores na manipulação de pessoas e de animais em suas
experiências laboratoriais.
A Comissão tinha como compromisso básico revisar as nor-
mas do Governo Federal sobre a pesquisa científica, visando pro-
teger os direitos e o bem-estar dos cidadãos em geral.
Desde o início, ficou estabelecido que a Comissão não deve-
ria se restringir apenas à identificação de possíveis abusos, mas,
em especial, deveria dedicar-se a formular princípios gerais e os
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 73

mais sólidos e abrangentes que pudessem orientar e guiar a pes-


quisa futura em Biomedicina e nas ciências de conduta.
Como resultado prático, a Comissão, após quatro anos, di-
vulgou o Relatório Belmont, já estudado anteriormente, descre-
vendo e apontando os três princípios gerais e fundamentais que
são: o respeito pelas pessoas, a beneficência e a justiça.
Segundo esse relatório, o princípio do respeito às pessoas
apoia-se em duas convicções morais fundamentais:
• devem-se tratar as pessoas sempre como agentes autô-
nomos;
• devem ser tutelados os direitos das pessoas cuja autono-
mia está diminuída ou comprometida.
Isso quer dizer que o reconhecimento da autonomia alheia
implica sempre que as escolhas das pessoas autônomas sejam res-
peitadas e que não lesem a autonomia e os direitos de terceiros.
O princípio da beneficência inclui, também, a obrigação de
não fazer mal (a não maleficência) como dever moral de agir para
beneficiar os outros.
Já o princípio da justiça é entendido com base na chamada
justiça distributiva, que tem a ver com o que juridicamente é de-
nominado como aquilo que pertence às pessoas ou aquilo que é
devido a elas.
O problema está no fato de que cada país tem a sua legis-
lação, a Constituição, o seu Código Penal e a formulação de suas
políticas públicas, o que fornece e fundamenta uma autonomia de
cada Estado ou Nação.

6. BIOÉTICA E INTERDISCIPLINARIDADE
Falar das “fronteiras” da Bioética é uma tarefa bastante com-
plicada, porque envolve a compreensão dos paradigmas e das in-
ter-relações da epistemologia, isto é, envolve o ser humano, que é
o ser mais complexo do planeta Terra.

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74 © Bioética

O conceito Paradigma pode ser definido como um modelo, um


conjunto de ideias e valores capazes de situar os membros de
uma comunidade em determinado contexto, de maneira a possi-
bilitar a compreensão da realidade e a atuação, com base em va-
lores comuns. Dessa forma, o paradigma engloba todo o referen-
cial teórico-prático, todo um conjunto de saberes e conhecimentos
produzidos, acumulados e transmitidos de geração para geração,
mantendo vivas as tradições e costumes de um povo (Thomas
Kunh).

O conhecimento, então, vai sendo construído com base nas


experiências, na solução prática dos problemas, arquitetadas na
forma criativa de pensar, discernir, comparar, enfim, de fazer esco-
lhas diante de uma situação desafiadora.
Utilizamos o termo “fronteiras” entre aspas, porque compar-
tilhamos da concepção holística de Edgar Morin, que se autodeno-
mina “sequestrador” de saberes e de conhecimentos e defende a
tese de que não há, efetivamente, fronteiras reais entre as ciências
exatas, biológicas e humanas. Todas essas coisas estão intimamen-
te interligadas entre si, de tal modo que a fronteira é artificial, exis-
tindo apenas na cabeça das pessoas.
As nossas Escolas e os Currículos estão organizados, de um
modo geral, de forma estanque e fragmentados, o que nos fornece
uma visão de mundo compartimentalizada com uma nítida sepa-
ração entre as ciências exatas (as que possuem leis universais), as
ciências da natureza (que têm causa e efeito) e as ciências huma-
nas ou sociais (que têm conceitos e paradigmas diferenciados de
uma região para a outra).
Considerando as diferenças e diversidades econômicas, polí-
ticas e socioculturais entre os 240 países do mundo e levando em
conta os limites que o sistema educacional nos apresenta em ter-
mos curriculares, poderíamos afirmar que não é por acaso que há
uma “grade” curricular nas Escolas, em que cada docente mora na
sua “gaiola de ouro”, ou na sua “torre de marfim” sem estabelecer
uma abordagem interdisciplinar.
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 75

Segundo Morin, a transdisciplinaridade contém dois elemen-


tos básicos: primeiro, trata-se de algo mais que a mera intensifi-
cação do necessário diálogo entre as distintas áreas e disciplinas
científicas, porque a questão que precisa ser explicitada é a da mu-
dança de paradigma epistemológico; em segundo lugar, o diálogo
entre as ciências será mais profundo se houver uma transmigração
de certos conceitos fundantes por meio das diversas disciplinas
– em especial, a junção dos conceitos “complexidade” e “auto-or-
ganização” como base e fundamento do enfoque transdisciplinar.
Portanto, a concepção transdisciplinar é uma nova postura,
um novo olhar do educador e do educando numa visão dinâmica e
integradora dos fatos e dos conhecimentos científicos.
A Bioética, nesse sentido, não é uma metafísica, mas é um
conhecimento pragmático e processual resultante de quase todas
as áreas científicas. O seu estudo e aprofundamento podem trazer
benefícios inestimáveis, salvar e prolongar vidas humanas.
Em contrapartida, ela precisa ser tratada e estudada com
responsabilidade, porque tanto pode trazer aplicações vitoriosas,
como também pode produzir resultados ambíguos e perigosos.

7. BIOÉTICA E SUAS FRONTEIRAS EPISTEMOLÓGICAS


Tentar estabelecer clara e formalmente as fronteiras rigoro-
sas de cada campo do saber é quase que uma tarefa desnecessá-
ria, uma vez que cada disciplina ou área de conhecimento tem a
sua especificidade e a contribuição a dar com referência à explica-
ção da vida humana.
Há um leque para tentar dividir, classificar e descrever as
fronteiras dos diversos campos do conhecimento da Bioética com
relação aos demais campos do conhecimento.
Contudo, abordaremos, nesta unidade, a classificação utili-
zada por Jean Bernard.

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76 © Bioética

A Bioética e as fronteiras com a Filosofia


A Ética é um tema recorrente da Filosofia; não é exclusivo
dela, mas tem sido abordado por Sócrates, que foi o pioneiro em
criticar as regras da sociedade grega como injustas e ambíguas. O
filósofo, ao questionar profundamente a ética das aparências na
estrutura e organização da sociedade grega, foi condenado à mor-
te, embora não tenha deixado nada escrito.
Platão, por sua vez, possui uma vasta produção e o trabalho
mais importante é a República, no qual expõe suas ideias políti-
cas, filosóficas, estéticas, éticas e jurídicas. A sua filosofia culmina
com a ética: a ideia do bem é, no seu modo de entender, a ideia
suprema. Para uma realização, deve tender a todo procedimento
humano, ou seja, o bem é imperativo moral para todos.
Para Platão, há quatro tipos fundamentais de virtude:
• a sabedoria ou prudência, própria da parte racional da
alma;
• a coragem, virtude da vontade, temperança própria da
sensibilidade humana;
• a justiça, nascida do equilíbrio, que se deve estabelecer
entre todas as disposições éticas e sociais.
Aristóteles forma o tripé dos autores clássicos que consegui-
ram sistematizar, grosso modo, o pensamento humano ocidental.
Enquanto Sócrates e Platão construíram as bases filosóficas, Aris-
tóteles, as bases científicas.
Houve uma Filosofia e uma Ciência antes deles, mas a orien-
tação dada por eles fez toda a pesquisa filosófica e científica pos-
terior se basear nos resultados que eles nos deixaram.
Até a época moderna de Galileu Galilei (1564-1642), que
introduziu o método científico propriamente dito, toda a ciência
ocidental era, fundamentalmente, aristotélica. Ele produziu uma
vasta literatura sobre a Ética, que teve uma influência quase “bíbli-
ca” em toda a sociedade europeia medieval.
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 77

Na era moderna, Immanuel Kant e Baruch Spinosa dedica-


ram-se mais a fundo na discussão do tema e, contemporaneamen-
te, o estudo e a discussão da Ética situam-se em todos os campos
do conhecimento.
Segundo Bernard (1993), os filósofos podem ser divididos,
de maneira geral, em três grupos distintos: os indiferentes, os arti-
ficiosos e os renovadores.
Os indiferentes consideram os avanços da Medicina de forma
emotiva e preferem manter-se equidistantes da agitação e da polêmica.
Já os artificiosos procuram utilizar, com talento, tanto os
progressos da Medicina como da Biologia, mas, em contraparti-
da, negligenciam a revolução terapêutica. Dessa forma, acabam
esquecendo que a Medicina alimenta estudos e pesquisas para os
filósofos e diminui o sofrimento dos seres humanos.
Na terceira categoria, estão os renovadores, que percebem
a importância das recentes descobertas biológicas e médicas, de-
bruçam-se sobre a tarefa nada fácil de analisar o que é normal
e o que é patológico, percebendo que os progressos da Biologia
“iluminam” e trazem novas alternativas para temas e problemas
especificamente filosóficos.
Com base nessa visão e concepção é que se estabeleceram
intercâmbios reflexivos, anteriormente desconhecidos ou impos-
síveis de acontecer.
Portanto, podemos concluir que a Filosofia passa a ser uma
importante auxiliar no estudo, no debate e na solução de proble-
mas da Bioética.

A Bioética e as fronteiras com a Teologia


Os teólogos estão fundamentados na sua fé, que é algo ínti-
mo, interior, e os cientistas estão embasados no empirismo posi-
tivista; ambos, convencidos da posse da verdade, assumiram, du-
rante séculos, uma postura rígida, excludente e antagônica.

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78 © Bioética

As fronteiras existentes entre a ciência e a Teologia eram, na


verdade, elevados muros, fortificações e muralhas. Por esses mo-
tivos, foram condenados Galileu, Giordano Bruno e tantos outros,
por meio da Inquisição, um tribunal eclesiástico vigente por quase
toda a duração da Idade Média.

A Inquisição nasceu da intenção de combater as heresias popu-


lares que se multiplicavam na Europa a partir do século 12. Ini-
cialmente, foi confiada aos tribunais ordinários, mas, em 1231,
tornou-se “Tribunal Permanente”, dirigido por um Bispo, encarre-
gado pelo “Papado” de lutar contras heresias. Tanto Galileu como
Giordano Bruno tiveram de enfrentar a Inquisição, sendo o último
queimado na fogueira (Grande Enciclopédia Larousse Cultural).

Precisamos destacar que os cientistas, em geral, acreditam


demasiadamente na potencialidade da ciência: como se ela pu-
desse trazer as soluções mais variadas e avançadas, na tentativa de
superar problemas e limites até hoje existentes e, portanto, apos-
tam todas as suas fichas nesse campo.
Em contrapartida, os teólogos têm consciência de que o ser
humano não é um ser pronto e acabado, e que ainda não se co-
nhece o seu o pleno desenvolvimento mental e espiritual. Mais do
que nunca, há uma percepção e um certo consenso do exagerado
expansionismo material, econômico e financeiro e uma extrema
pobreza espiritual do homem contemporâneo.
Em outras palavras, há, na prática, um enorme descompasso
entre o avanço da ciência e da tecnologia, em detrimento dos va-
lores humanos e do crescimento interior. O diálogo entre a ciência
e a religião será objeto de estudo e aprofundamento na próxima
unidade, contudo, será enfatizado agora também.
Por inúmeras vezes, há posturas muito rígidas de ambas as
partes (ciência e religião) e, ao reunir cientistas e teólogos para
discutir os temas atuais da Bioética, a compreensão e um diálogo
produtivo tornam-se muito difíceis, ou quase impossíveis.
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 79

Há, atualmente, uma enorme lacuna entre as gerações, na


qual o ser humano nunca viveu de forma tão solitária, vazia e frus-
trada. O uso intensivo do micro-ondas, do telefone celular, da TV
e da internet criou uma distância mental entre as pessoas. Nas
famílias de classe média, por exemplo, há tantos aparelhos de TV
quantos forem os moradores.
Uma pesquisa feita pela CET (Companhia de Engenharia de
Tráfego), em novembro de 2007, em São Paulo, revelou que 62%
dos automóveis que circulam diariamente na cidade têm apenas
um ocupante, que é o motorista.
Isso significa dizer que o automóvel, o micro-ondas, a TV e a
internet são os símbolos máximos do individualismo exacerbado e
presente na sociedade.
Por isso, o diálogo entre a ciência e a religião, no início do
século 21, busca um maior consenso para canalizar esforços con-
vergentes no sentido de elaborar uma “agenda mínima comum”,
na qual todos os seres humanos que estão descontentes e indigna-
dos com a exclusão social, a injustiça e a desumanidade busquem
a construção de uma sociedade mais fraterna e feliz.

A Bioética e as fronteiras com a Política


A Ciência Política é a esfera do poder, isto é, do poder de
decisão para adotar esse ou aquele caminho a trilhar.
Platão foi o inventor da Política ao escrever o livro A Repúbli-
ca, que dividiu em três partes: a primeira é a exposição e proposi-
ção de uma comunidade ideal (utópica) governada pelos filósofos;
na segunda, ele apresenta o seu pensamento filosófico; e, na ter-
ceira, expõe as várias formas de governo, decidindo, no final, pela
aristocracia como a melhor delas.
Assim que os agregados humanos atingiram um certo grau
de desenvolvimento da cultura, passaram a estabelecer hierar-
quias entre seus membros e a adotar conjuntos de normas regula-
doras das relações entre grupos.

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80 © Bioética

A principal característica da organização política da Idade


Média foi a formação dos feudos, entidades intermediárias entre
o soberano e o cidadão comum. Os senhores feudais exerciam sua
autoridade sobre todos os habitantes de seus domínios e o regime
era monárquico, ou seja, era o rei quem representava a lei.
Na era moderna, aparece a figura do Estado como uma ins-
tância jurídico-administrativa, supraideológica e suprapartidária
que deveria administrar toda a sociedade. Afirmamos que “deve-
ria administrar”, pois iremos verificar que, na prática, não foi isso
o que aconteceu.
Thomas Hobbes (1588-1679), como vimos anteriormente,
escreveu o livro Leviatã, obra em que justifica a presença da mo-
narquia absoluta como o regime que melhor se adapta à natureza
humana.
Segundo ele, o Estado surgiu e é necessário devido à preci-
são de controlar as violências dos homens entre si.
Contudo, é importante aqui destacar o pensamento político
de Jean Jacques Rousseau, autor do livro Contrato Social, obra em
que aponta o regime democrático como aquele que melhor prote-
ge os direitos dos cidadãos.
Rousseau não admite que o povo delegue seus direitos nem
mesmo a uma assembleia eletiva, ou seja, o poder de participação
e de decisão deve pertencer à totalidade dos cidadãos. Evidente-
mente, essas ideias e princípios inspiraram os líderes da Revolução
Francesa em 1789, contribuindo para a destruição da monarquia
absoluta, extinção gradativa dos privilégios da nobreza e do clero
e a tomada do poder pela burguesia.
A democracia de fato e de direito, na qual os cidadãos têm
um peso real na tomada de decisões, está ainda muito precária no
mundo inteiro: há ditaduras veladas e países nos quais a democra-
cia ainda tem uma vida muito tenra, como no caso do Brasil.
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 81

Não podemos ter uma visão ingênua e nos iludir no que se


refere à dimensão política; quem tem poder econômico tem, tam-
bém, poder político e, com certeza, não quer perder esse poder.
Quem trabalha na educação, por exemplo, precisa estudar
e analisar as ambiguidades e contradições que contêm as institui-
ções, os partidos, os sindicatos, as igrejas e as organizações sociais
para não se tornar presa fácil no jogo de interesses na esfera po-
lítica.
As fronteiras entre a Bioética e a Política precisam conter
uma constante vigilância e uma análise crítica vigorosa: o avan-
ço da ciência e da tecnologia pode abrir portas e gerar benefícios
para toda a sociedade, mas pode, também, trazer e produzir gra-
ves abusos e destruições.
Nessa direção, as campanhas de vacinação obrigatórias rea-
lizadas no Brasil e em outros países do mundo são as responsáveis
pelo quase desaparecimento de doenças como varíola, difteria,
poliomielite entre outras doenças e epidemias.
Em contrapartida, as fábricas e indústrias bélicas, os enormes
investimentos em estratégias de guerra, a medicina esteticista e as
derrubadas criminosas das florestas estão, todos os dias, exibindo
os seus milhões de dólares de lucros escandalosos e imorais.
A violação das fronteiras da Bioética e da Política é trágica
para a maioria da humanidade, pois os cientistas (que não estão
neutros nesse jogo de interesses) produzem teorias, conhecimen-
tos, paradigmas que passam a ser dogmas científicos para pautar
e fundamentar sua ação predatória generalizada.
Nunca é demais perguntar quais são as políticas públicas,
quanto de investimento é feito nos seres humanos e na gestão so-
cial e quanto é a fatia orçamentária para a pesquisa tecnológica.
É razoável aceitar, por exemplo, a morte de um bebê que não
tem cérebro, mas é totalmente inaceitável que morram milhões de
crianças no mundo inteiro pelo fato de não possuírem um prato de
comida.

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82 © Bioética

A Bioética e as fronteiras com o direito


As fronteiras entre duas propriedades, entre municípios ou
entre dois países costumam ser precisas, a não ser que haja algum
conflito entre as partes.
As fronteiras entre a Bioética e o Direito, no entanto, ainda
são muito imprecisas e nebulosas. Nem todas as leis são passíveis
de interpretação dúbia ou conflituosa e, em se tratando de proble-
mas novos da Bioética, em que não se estabeleceu uma jurispru-
dência, torna-se mais difícil um posicionamento.
Num primeiro momento, o Direito pode adotar uma atitude
silenciosa, isto é, enquanto não pode prever os progressos da ciên-
cia e da tecnologia, é razoável uma postura de cautela.
Contudo, temos os adeptos progressistas, de forma que os
que estão mais abertos e dispostos a aceitar as inovações estarão
sujeitos a entrar no mérito da questão e a adotar posições mais
flexíveis.
Há uma diversidade de situações perante os avanços nas
pesquisas e investigações que não permite ao legislador que ela-
bore um código completo e minucioso em que se possam prever
todas as eventualidades.
Como meio termo, podemos imaginar uma lei-quadro na
qual estão elencados e explicitados os princípios básicos, sem en-
trar em detalhes, o que pode facilitar uma determinada tomada
de posição.
No entanto, dependendo das situações prementes, como se
decidir com relação à eutanásia, o aborto, as células-troco embrio-
nárias, e que carecem de uma legislação mais rigorosa, será difícil
chegar a um consenso.
As questões que envolvem a repetição de experiências e a
solidez das decisões poderão figurar num segundo grupo no Direi-
to, que terá mais tempo para a sua consolidação.
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 83

A Bioética e as fronteiras geográficas


Segundo Bernard (1993), as fronteiras geográficas, sem dúvi-
da, são fatores preponderantes para se entender os difíceis contor-
nos da Bioética. Cada país, região e seu povo caracterizam-se por
possuir língua, costume, tradição, valores próprios que vão imprimir
certa solidez organizativa daquele grupo humano específico.
Há, hoje, uma riqueza e, ao mesmo tempo, um problema
que engloba o multiculturalismo: o pluralismo e a diversidade cul-
tural que geram preconceitos, xenofobia e discriminações profun-
das e injustas.
No Japão, por exemplo, é proibido por lei extrair um órgão
de uma pessoa, logo após a constatação da sua morte; os japone-
ses ricos, porém, atravessam o Oceano Pacífico para efetuarem,
em São Francisco, um transplante de fígado ou de coração.
No Brasil, a venda de um rim vivo é permitida e pode ser
averiguada por meio de pequenos anúncios nos jornais e revistas.
A fecundação artificial é interditada pela Igreja Católica, mas
largamente aceita e mesmo aconselhada por diversas Igrejas Pro-
testantes.
As variações geográficas podem ser entendidas por variados
fatores. Em primeiro lugar, há, de fato, as diferenças culturais, em
que cada povo constrói suas casas, tem sua própria arte culinária,
suas festas que remontam a séculos, há milênios e que fazem par-
te constitutiva de sua história. Reside aí a riqueza incomensurável
do multiculturalismo.
Em segundo lugar, há as diferenças religiosas. A doutrina bu-
dista, por exemplo, é diferente da católica, do protestantismo, do
islamismo, do hinduísmo e assim por diante. Não se pode, porém,
admitir atitudes fundamentalistas, intolerâncias, preconceitos e
oposições irredutíveis. Há a necessidade de se buscar os pontos
de convergência, segundo Hans Kung , em seu livro As religiões do
mundo: em busca dos pontos comuns.

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84 © Bioética

Em terceiro lugar, devem ser levados em consideração os fa-


tores econômicos: a pobreza é sempre um estímulo significativo
para a venda de bebês, de órgãos humanos, o comércio de sangue,
de fígado, de rim entre outros.
Destaquem-se, ainda, as diferenças médicas: não somente a
presença física da Medicina, uma vez que há lugares e regiões onde
ela inexiste ou se apresenta totalmente precária, mas aquelas alia-
das às políticas públicas de saúde de um sistema preventivo, e não
apenas curativo, como é o caso do “Sistema de Saúde Brasileiro”, em
que temos um “Ministério de Doenças” e não de “Saúde”.
A listagem das diferenças geográficas poderia ser estendida
e ampliada, mas o importante é que cada um de nós tenha consci-
ência de que essas diferenças existem e precisam ser reconhecidas
e, sobretudo, respeitadas.
Há, atualmente, uma tendência no sentido de se criar “Co-
mitês de Ética” nas instituições, nas empresas, nos Estados e em
regiões estratégicas que deverão discutir, elaborar e divulgar, pela
mídia, suas decisões e posicionamentos, tentando aproximar as
pessoas das organizações jurídicas e civis, buscando sempre ações
mais convergentes.
Os Comitês locais, regionais, nacionais e internacionais têm
uma tarefa premente e importante: promover encontros, debates
e simpósios bem como a produção de uma legislação que demo-
cratize os estudos e pesquisas, as descobertas científicas para toda
a sociedade, em especial, a adoção de medidas preventivas quan-
to à saúde pública, ao planejamento familiar, em relação a uma
alimentação mais correta, à adoção de atividades físicas que pos-
sam contribuir para uma efetiva melhoria da qualidade de vida de
todas as pessoas, indistintamente.
Esses Comitês, num primeiro momento, podem desempe-
nhar um papel mais consultivo e informativo do que propriamente
jurídico ou político, e o seu poder está, fundamentalmente, na éti-
ca e na preservação dos valores humanos.
© U4 - A Bioética e a Interdisciplinaridade 85

Leitura Complementar ––––––––––––––––––––––––––––––––


O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de
modo inter-retroativo ou organizacional. Dessa maneira, uma sociedade é mais
de um contexto: é o todo organizador de que fazemos parte. O planeta Terra é
mais do que um contexto: é o todo ao mesmo tempo organizador e desorganiza-
dor de que fazemos parte. O todo tem qualidades ou propriedades que não são
encontradas nas partes, se estas estiverem isoladas umas das outras, e certas
qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restrições pro-
venientes do todo. Marcel Mauss dizia: “É preciso recompor o todo”. É preciso
efetivamente recompor o todo para conhecer as partes (MORIN, 2002, p. 37).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
2) Potter dedicou sua vida inteira para fortalecer e cons-
truir caminhos para que a Bioética se transformasse
num projeto de vida para todos os seres humanos que
habitam o planeta Terra, fato que ainda está muito dis-
tante de acontecer.
Pesquise na mídia uma matéria jornalística que conte-
nha preconceito, xenofobia ou algum tipo de discrimi-
nação religiosa, sexual, étnica, ideológica ou de gênero.

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, tivemos a oportunidade de conhecer o pon-
to de partida da Bioética moderna, bem como os temas relacio-

Claretiano - Centro Universitário


86 © Bioética

nados à Bioética e à interdisciplinaridade, como às suas fronteiras


epistemológicas.
Já na próxima unidade, poderemos estudar o processo de
secularização e o momento em que a ciência encontra a religião.
Até a próxima!

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BERNARD, J. A Bioética. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.
BRAGA, K. S. Bibliografia sobre Bioética Brasileira: 1990 – 2002. Brasília: Letras Livres,
2002.
DINIZ, D. Conflitos morais e Bioética. Brasília: Letras Livres, 2002.
GARRAFA, V. Pesquisas em Bioética no Brasil de hoje. São Paulo: Gaia, 2006.
VIDAL, M. Dez palavras chave em moral do futuro. São Paulo: Paulinas, 2003.
VIEIRA, T. R. Bioética e Direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2003.
MORIN, E. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. São Paulo: Cortez, 2002.
EAD
Diálogo entre a Religião e
a Ciência

5
1. OBJETIVOS
• Compreender as especificidades entre Religião e Ciência,
bem como as principais contribuições de cada uma no
campo do saber.
• Interpretar a autonomia de cada campo do conhecimento
e buscar um diálogo efetivo entre ambas, sem partir de
apriorismos e posições fechadas.
• Analisar o processo de secularização e seus desdobra-
mentos, o encontro da ciência com a religião, as princi-
pais fases de relacionamento entre ambas.

2. CONTEÚDOS
• Religião e ciência.
• Processo de secularização.
• Quando a Ciência encontra a Religião.
88 © Bioética

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para saber mais sobre o período da Idade Média, sugerimos que
você pesquise sobre Jacques Le Goff, um Importante historiador
da Idade Média, que escreveu várias obras importantes, dentre as
quais destacamos:

LE GOFF, J. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média.


Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007.

______. A civilização do Ocidente medieval. Tradução de Manuel


Ruas e José Rivair de Machado. 2. ed. Lisboa: Estampa/EDUSC,
2005. v. 1.

______. A civilização do Ocidente medieval. Tradução de Manuel


Ruas. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1995. v. 2.

______. O Deus da Idade Média: conversas com Jean-Luc Pouthier.


Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007.

LE GOFF, J.; MONTREMY, J. M. de. (colaboração). Em busca da Idade


Média. Tradução de Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005.

LE GOFF, J.; SCHMITT, J. C. Dicionário temático do Ocidente medie-


val. Tradução de Hilario Franco Junior. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado/EDUSC, 2002. v. 1.

______. Dicionário temático do Ocidente medieval. Tradução de Hi-


lario Franco Junior. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/EDUSC,
2002. v. 2.
2) Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto
aqui abordado, sugerimos que você pesquise sobre Wil-
liam James (1842-1910). Ele foi um filósofo norte-ame-
ricano que fundou o primeiro laboratório de Psicologia
em Harvard, em 1876, e é o defensor do pragmatismo,
que se trata de uma concepção filosófica fundamentada
nos valores práticos, imediatos, utilitaristas. Podemos
afirmar que esse é um dos valores preponderantes da
sociedade atual, que adota o que se pode denominar
“valores descartáveis”, utilitários e imediatistas.
© U5 - Diálogo entre a Religião e a Ciência 89

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na Unidade 4, tivemos a oportunidade de conhecer o ponto
de partida da Bioética moderna, além de analisarmos a Bioética e
a interdisciplinaridade, bem como suas fronteiras epistemológicas.
Com tais conhecimentos, iremos, nesta unidade, aprofundar
nossos estudos e aprender sobre o diálogo entre religião e ciência,
bem como o processo de secularização.
Bom estudo!

5. RELIGIÃO E CIÊNCIA
Até agora, tangenciamos a temática do diálogo entre religião
e ciência. Vamos, então, aprofundar um pouco mais esse proble-
ma.
Durante todo o percurso do conteúdo que trabalhamos até
agora, você percebeu que a Bioética provoca dois sentimentos
contraditórios nas pessoas: ou de fascínio ou de repulsa.
A primeira tendência, que tem uma ala significativa, apoia-
-se na concepção pragmática que defende que tudo pode ser feito
desde que traga benefícios e melhoria para os seres humanos. É
pensar que, quase como num passe de mágica, os problemas po-
derão ser resolvidos pelos avanços da ciência e da tecnologia.
A segunda tendência (que tem muitos adeptos) é a da re-
cusa na discussão de qualquer tema que envolva a eutanásia,
o aborto ou a clonagem, no sentido de posicionar-se contra a
adoção de experiências que se relacionam com a vida e a morte
do ser humano.
O diálogo entre a ciência e a religião é um tema complexo e
abrangente e requer uma análise histórica contextual ampla para
abranger as diversas dimensões que precisam ser consideradas no
caso.

Claretiano - Centro Universitário


90 © Bioética

Comecemos com as chamadas religiões históricas: o Judaís-


mo, o Islamismo e o Cristianismo. Estas são instituições milenares
que nasceram, expandiram-se e consolidaram-se em quase todas
as regiões do mundo. Os seus adeptos e seguidores baseavam a
sua vida num corpo doutrinário, nas tradições, nos símbolos, nos
princípios e valores que cada uma delas pregava e cultuava.
Essas religiões, com ênfase no Cristianismo, tornaram-se ins-
tituições fortes, influentes, diríamos, mesmo, hegemônicas. Elas
são portadoras de uma cosmovisão própria, têm regras e normas
e defendem o que é certo ou errado, bem como o que se pode e o
que não se pode fazer.
Na Idade Média, prevaleceu uma concepção teocêntrica, de
tal maneira que toda a vida humana girava em torno da Igreja, que
era construída no centro do vilarejo ou cidade, no ponto mais alto
da topografia (acrópole), tinha uma torre e, no alto da torre, um
sino que tocava para acordar as pessoas, para acorrer ao templo
para as orações e missas; tocava, também, para avisar seus habi-
tantes quando ocorria uma invasão ou saque.
Tudo isso não era pouco, pois a Igreja exercia uma dupla fun-
ção: a presença física, arquitetônica em torno da qual tudo con-
vergia e, além disso, ela ditava as normas e as leis, as regras e os
comportamentos que eram esperados pelos seus fiéis seguidores.
Ao mesmo tempo, vale salientar que as religiões sempre
tiveram oposições, dissidências e críticas contra a imposição de
dogmas e normas que não podiam ser questionados.
A Inquisição fez-se presente na maior parte do período me-
dieval, visto que as fogueiras e prisões testemunharam as sanções
atribuídas aos que não partilhavam e seguiam as determinações
da doutrina da Igreja.
Thomas Morus (1478-1535), chanceler de Henrique III, ten-
do desaprovado o rei quando de seu divórcio, foi obrigado a re-
nunciar ao cargo. Preso, foi depois executado. Deixou uma obra de
© U5 - Diálogo entre a Religião e a Ciência 91

capital importância, a Utopia (1516), que, sob o disfarce de ficção,


é uma ousada descrição de um sistema ideal de governo, total-
mente contrário à monarquia absoluta existente na Inglaterra.
Assim, o Renascimento não significou apenas a recuperação
da valorização dos pensadores clássicos da Grécia, mas foi uma
construção de uma nova concepção de mundo e do destino do
homem.
As transformações por que passa o Ocidente nos séculos 15
e 16 vão, aos poucos, promovendo rupturas profundas que ope-
ram entre o passado e o presente.
A expansão marítima, as descobertas geográficas e científi-
cas são responsáveis por gerar o início do processo de globaliza-
ção, que vai se consolidar apenas quatro séculos depois.
No aspecto do surgimento e ampliação da ciência, iniciamos
com Renée Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês,
que escreveu Discurso sobre o Método (1637). Preocupou-se com
o acesso ao conhecimento claro e distinto, ligando a experiência
ao conhecimento.
Leonardo da Vinci (1452-1519) era artista e sábio italiano.
Foi quase que um enciclopedista: estudou Geologia, a flora e a
fauna, Anatomia, Arquitetura, Mecânica e Hidráulica, Desenho,
Matemática e Música. Sem exagero, podemos dizer que ele foi a
expressão emblemática no campo científico-natural.
No campo político, tivemos Niccolo Maquiavel (1469-1527),
que foi filósofo, escritor e político italiano. Escreveu O Príncipe, em
1513, e Arte da Guerra, entre 1519 e 1520.
Ele propunha uma ordem política inteiramente nova, ou
seja, uma moral livre e laica, subordinada à razão de Estado em
que os mais habilidosos utilizassem a religião para governar.
Dessa forma, o ambiente silencioso, de contemplação e de
oração medieval “ora et labora” vai sendo substituído, gradativa-

Claretiano - Centro Universitário


92 © Bioética

mente, pelo mundo do trabalho, dos negócios, da exploração da


natureza e do próprio homem. De um teocentrismo centralizador,
passa-se, aos poucos, com muita resistência da Igreja e das forças
conservadoras, a um antropocentrismo em que a prioridade é o
mundo dos negócios e o lucro desenfreado.

6. PROCESSO DE SECULARIZAÇÃO
A primeira vez que a palavra “secularização” foi enunciada
fora dos muros e dos textos da Igreja Católica foi para nomear o
processo jurídico-político de desapropriação dos bens eclesiásti-
cos em favor dos poderes seculares.
Um retorno às fontes do conceito de secularização pode nos
ajudar no debate atual em torno da fermentação contemporânea
de religiosidades. De um lado, surge o Estado nacional moderno e,
de outro, a progressiva secularização das instituições públicas em
sociedades cada vez mais pluralistas em matéria de religiosidade.
Max Weber (1864-1920) estudou a história social do Oci-
dente no apogeu da racionalidade num mundo desencantado, em
que o sagrado se exilou. A Europa, no final do século 19 e início do
século 20, passou por um processo intenso de industrialização e
urbanização, que gerou, entre outros fatores, o processo de secu-
larização e, assim, as religiões foram perdendo a sua hegemonia,
sua força, seus espaços centrais mais importantes e significativos.
Assim, o sucesso da ciência foi total, pois ela está, supostamen-
te, ao lado da verdade, identifica-se com ela, a única verdade, basea-
da na mais rigorosa objetividade, segundo os adeptos do Positivismo.
Nessa perspectiva, Weber aborda o processo de seculariza-
ção como a perda gradual cultural da religião no nascedouro e,
sobretudo, na consolidação da moderna cultura capitalista.
Ele publicou A Ética Protestante, em 1904, e utilizou o con-
ceito “desencantamento” em vez de secularização. Para Weber,
© U5 - Diálogo entre a Religião e a Ciência 93

o desenvolvimento ocorre justamente em sociedades profunda-


mente religiosas e é um processo essencialmente religioso, por-
quanto são as religiões éticas que operam a eliminação da magia
como meio de salvação.
Secularização, em contrapartida, implica abandono, redução
e subtração do significado religioso. Assim, a secularização é um
processo mais rápido e perceptível, enquanto o desencantamento
tem uma duração histórica mais longa, mais extensa.
Quando a religião se deparou, pela primeira vez, com a ciên-
cia moderna, no século 17, o encontro foi amigável. Os principais
fundadores da ciência, na sua maioria, eram devotos que diziam
estudar, em seu trabalho científico, a obra do Criador.
Já no século 18, alguns cientistas acreditavam num Deus que
havia planejado o Universo, e não mais num Deus pessoal envolvi-
do ativamente no mundo e na vida humana.
No século 19, já aparecem pensadores e cientistas hostis à
religião. No século 20, a interação da Religião com a Ciência apre-
senta diferentes formatações, que analisaremos a seguir.
Na virada do milênio, o que se pode observar é que houve
um recrudescimento de interesse da discussão da Religião e da
Ciência, em especial, os temas relacionados à Ética e à Bioética,
que cruzam as dimensões da Ciência e da Religião.
A Ciência preocupa-se com relações causais entre os fatos,
enquanto a Religião se preocupa com o sentido e o propósito da
existência humana.
A relação entre a Ciência e a Religião é conflitante, funda-
mentalmente, pelo fato de ambas adotarem metodologias dife-
renciadas e específicas: uma tem como ponto de partida a crença
no Deus e em valores sobrenaturais, sendo subjetiva, pessoal e
íntima; em contrapartida, a Ciência é racional, objetiva, rigorosa,
mensurável, devendo apresentar uma farta documentação com-
probatória.

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94 © Bioética

Podemos entender a racionalidade científica como conhe-


cimento dos limites, e a racionalidade teológica como aquela que
se encontra com ela num plano mais profundo da intencionalida-
de última e da responsabilidade ética em todos os níveis: pessoal,
histórico, social e ecológico. Assim, a teologia é capaz de dialogar
com as ciências e a Filosofia, mantendo, cada uma das áreas do
conhecimento, a sua especificidade.

7. QUANDO A CIÊNCIA ENCONTRA A RELIGIÃO


Ian G. Barbour é professor emérito de Física e Religião no
Carleton College em Northfiel, no Estado Minnesota, e escreveu
o livro Quando a ciência encontra a religião: inimigas, estranhas
ou parceiras?. Nesse livro, o autor classifica a grande variedade de
maneiras que os estudiosos relacionam ciência e religião, divide-
-as em quatro etapas: a fase de conflito, a fase da independência,
a fase de diálogo e a fase da integração.
Vejamos, a seguir, cada fase resumidamente:
1) Primeira fase – conflito: a relação da Religião com a
Ciência, no período histórico dos séculos 18 e 19, pode
ser descrita como difícil, antagônica, conflitante e exclu-
dente.
2) Segunda fase – independência: a partir do fim do século
19 e início do século 20, vão sendo criadas concepções
de autonomia, de independência em termos teórico-
-metodológicos sobre a Ciência e a Religião.
3) Terceira fase – diálogo: mais ou menos na metade do
século 20, inicia-se a construção de um novo paradigma,
no qual a concepção mecanicista vai cedendo lugar a
uma visão holística da realidade, adotando-se o método
interdisciplinar, inclusive entre a Ciência e a Religião.
4) Quarta fase – integração: as décadas de 1960 e de 1970
geraram uma série de movimentos sociais que busca-
vam uma mesma direção e convergência.
© U5 - Diálogo entre a Religião e a Ciência 95

Edgar Morin, já citado na Unidade 4, é o principal respon-


sável pela defesa da tese de que todas as coisas no planeta Terra
estão profundamente interligadas e conectadas por meio do con-
ceito da transdisciplinaridade.
Vivemos, cada vez mais, num mundo globalizado econômica,
política e culturalmente, em que os fenômenos biológicos, psicoló-
gicos e ambientais estão todos marcadamente interdependentes
entre si.
Vamos, agora, descrever mais detalhadamente cada uma
das fases.

Primeira fase: conflito


A Idade Média teve como preocupação principal a com-
preensão das coisas e não a de exercer ou buscar interpretações
ou algum tipo de predição ou controle sobre o Universo. Os cien-
tistas medievais, ao investigar os desígnios subjacentes aos vários
fenômenos naturais, consideravam do mais alto significado as
questões referentes a Deus, à alma humana e à ética.
Nos séculos 17 e 18, com o surgimento da ciência coadjuva-
do pela Filosofia, a noção de um universo orgânico, vivo e espiri-
tual foi substituída pela concepção de um mundo como se fosse
uma máquina.
Esse desenvolvimento foi ocasionado por mudanças revolu-
cionárias na Astronomia, na Física, culminando nas realizações de
Copérnico, Galileu e Newton.
Não se tratava de negar a existência de Deus, porém, fazia-se
necessário encaminhá-lo para bem longe, de tal maneira que não
atrapalhasse ou interferisse no mundo do trabalho, do comércio e
dos negócios.
A tendência dominante defendida por Karl Marx e Sigmund
Freud era a de que a religiosidade estaria com os dias contados,
uma vez consolidado o processo de secularização. Foi um longo

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96 © Bioética

período de críticas agudas ao papel da religião como mecanismo e


instrumento de manipulação e de alienação.
Marx, ao abordar a expansão do cristianismo, atribui-lhe o
poder de controlar e de anestesiar a própria consciência humana.
Freud, em se livro Totem e tabu, afirma que a religião presen-
te na sociedade deverá ser passageira, uma vez que sua influência
maior se registra nas sociedades primitivas.
Podemos, com isso, constatar que as divergências maiores
não residiam apenas no que se refere à abordagem metodológica,
mas, sobretudo, às questões de fundo, da cosmovisão de mundo,
do ser humano e da realidade que ambas construíam.
Muitos exegetas bíblicos acreditam que a teoria evolucionis-
ta se choca contra a fé religiosa, enquanto os cientistas ateus ale-
gam que a prova científica da evolução é incompatível com qual-
quer forma de teísmo.
Para ambos, exegetas e cientistas, Ciência e Religião são ini-
migas, antagônicas e conflitantes.
Esses dois grupos opostos ainda existem atualmente e ga-
nham maior notoriedade na mídia, uma vez que os debates aca-
lorados e, muitas vezes, fanatizados produzem maior audiência e,
infelizmente, não ajudam a construir uma mentalidade mais re-
ceptiva e respeitosa na sociedade.

Segunda fase: independência


Nos primeiros anos do século 20, inicia-se uma nova etapa
de construção de paradigmas e de teorias explicativas sobre o Uni-
verso, os seres humanos e a realidade histórica. Podemos denomi-
nar essa fase como de autonomia e de independência do próprio
pensamento.
Os teólogos e cientistas, após décadas de divergências, che-
garam à conclusão de que cada qual tem a sua especificidade de
© U5 - Diálogo entre a Religião e a Ciência 97

campo de estudo, e cada setor tem sua prioridade, abrangência e


o contexto a ser respeitado.
Cria-se uma consciência que cada um tem o direito de ex-
pressar-se, interpretar e construir sua teoria, com autonomia inte-
lectual. Foi um período de grandes avanços em todas as áreas de
conhecimento. Gastou-se menos tempo em defender-se, em ata-
car, em divergir e canalizou-se o esforço de produzir explicações
sobre os problemas e desafios prementes da sociedade.
Nesse período, as ciências, em geral, e as humanas, em es-
pecial, foram aprofundadas e especificadas em termos de especia-
lização. Houve descobertas significativas nos campos da Biologia,
da Anatomia, da Fisiologia com o estudo das células, da microbio-
logia e na descoberta das leis da hereditariedade.
Destacamos a Genética, que se tornou uma das áreas mais
ativas na pesquisa biológica, atingindo êxito na biologia molecular,
integrando pesquisas e estudos biológicos com avanços na Medi-
cina.
Paralela e concomitantemente, a chamada Teologia Bíblica
passa por importantes revisões histórico-críticas e surgem, ainda
que esporadicamente, Centros Teológicos de Ciências da Religião,
que estudam e debatem as múltiplas dimensões do processo de
secularização; e o revigoramento da religiosidade em múltiplos
formatos e manifestações.
Assim, o ponto central que fundamenta a postura de inde-
pendência é que a Ciência investiga e explica os fatos objetivos e
comprovados; a Religião procura explicar o que a Ciência não dá
conta nos assuntos que se referem aos valores e ao sentido último
do ser humano.
Segundo Barbour (2004), uma outra versão da tese da in-
dependência afirmaria que os dois gêneros de investigação forne-
ceriam perspectivas complementares do mundo, as quais não se
excluiriam mutuamente.

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98 © Bioética

Terceira fase: diálogo


A partir da metade do século 20, inicia-se um período his-
tórico novo e fecundo entre a ciência e a religião, de diálogo, de
intercâmbio de paradigmas. A formação humana e profissional
caminhou por décadas na busca da especialização e, também, da
compartimentalização dos saberes.
A pesquisa científica aplicada à economia e à produção vai
gerar um novo paradigma que é a tecnologia. Agora, os seres hu-
manos têm à sua disposição os mais variados recursos e ferramen-
tas da tecnociência, que permitem construir uma concepção holís-
tica da realidade.
Enquanto a Ciência, ao realizar pesquisa, delimita, fragmen-
ta e reparte a realidade, a Filosofia busca analisar a realidade a
partir de três princípios: o rigor, a profundidade e a cosmovisão.
No que se refere especificamente ao diálogo entre Ciência
e Religião, destaca-se a realização do Concílio Vaticano II, entre
1963 e 1965, que lançou profundas raízes de interlocução entre
as diferentes religiões, com pesquisas e estudos interdisciplinares.
Amplia-se, também, uma consciência da necessidade de se
buscar soluções globais aos problemas econômicos, políticos e so-
ciais cada vez mais complexos e desafiadores, por meio de estudos
interdisciplinares, estabelecendo laços mais próximos entre a Ci-
ência e as Religiões.
Em contrapartida, o excessivo crescimento tecnológico gerou
um meio ambiente no qual a vida se tornou física e mentalmente
doentia. Ar poluído, ruídos irritantes, enormes congestionamen-
tos diários de tráfego urbano, poluentes químicos por toda parte;
as preocupações com o trabalho, a saúde, bem como o futuro in-
certo para quem quer entrar no mercado de trabalho e permane-
cer nele são fontes inesgotáveis de stress físico e psicológico e que
passaram a fazer parte da vida cotidiana da maioria das pessoas
que vive aglomerada nas metrópoles.
© U5 - Diálogo entre a Religião e a Ciência 99

Nessa linha de pensamento, discordamos bastante de Bar-


bour com relação ao diálogo. Na verdade, o que estamos chaman-
do de diálogo foi, e continua sendo, um “pseudodiálogo”, na me-
dida em que estudiosos e pesquisadores de diferentes áreas se
reúnem e discutem caminhos possíveis dentro das suas “gaiolas”
ou “jaulas”, isolados, e cada qual com o seu referencial teórico.
Cada um fica no seu lugar, no seu mundo, na sua concepção.
Quer dizer, fala-se dos outros, fala-se para os outros, mas não se
fala com eles. (grifo meu)
Em nossa modesta visão, o verdadeiro diálogo exige um des-
pojamento, um desarmamento teórico-conceitual e o reconheci-
mento da legitimidade do outro. O diálogo não exige de nós, que,
na maioria, somos adeptos de um neopositivismo arraigado e cris-
talizado, mas exige a humildade de valorizar e incorporar a verda-
de do outro como verdadeira e legítima.
Em nível teórico, somos capazes, por meio de um esforço
eventual, de aceitar as diferenças; entretanto, no momento de ela-
borar um projeto de pesquisa transdisciplinar, não temos tempo,
disponibilidade nem interesse para que a hipótese seja realizada
e concretizada.

Quarta fase: integração


Estamos cada vez mais em vias de construir uma nova visão
da realidade. Esta baseia-se na consciência do estado de inter-rela-
ção e interdependência de todos os fenômenos físicos, biológicos,
psicológicos, sociais, culturais e espirituais.
Essa concepção holística transcende as atuais fronteiras dis-
ciplinares e conceituais. Não há, no momento, uma estrutura bem
estabelecida, conceitual ou institucional que abranja a formulação
desse novo paradigma, mas as linhas principais de tal visão já estão
sendo formuladas por cientistas, pesquisadores, organizações e co-
munidades que estão desenvolvendo novas abordagens transdisci-
plinares com base em princípios epistemológicos abrangentes.

Claretiano - Centro Universitário


100 © Bioética

Da mesma forma, podemos afirmar que a separação entre o


pensamento científico e religioso é artificial se adotarmos a con-
cepção holística que não se refere apenas a uma justaposição ou
somatória das partes entre si, mas sim a um todo conectado, plu-
gado, interligado.

O Diálogo entre todos os Homens–––––––––––––––––––––––


Em virtude de sua missão, que é iluminar o mundo inteiro com a mensagem
evangélica e reunir em um único Espírito todos os homens de todas as Nações,
raças, culturas, a Igreja torna-se o sinal daquela fraternidade que permite e con-
solida um diálogo sincero [...]
O desejo de tal diálogo, que é guiado somente pelo amor à verdade, observada
a devida prudência, de nossa parte não exclui ninguém nem os que, honrando os
bens admiráveis do engenho humano, contudo não admitem ainda o seu Autor,
nem aqueles que se opõe à Igreja e a perseguem de várias maneiras. Sendo
Deus Pai o princípio e o fim de todas as coisas, somos todos chamados a ser
irmãos. E por isso, destinados à única e mesma vocação humana e divina, sem
violência e sem dolo, podemos e devemos cooperar para a construção do mundo
na paz verdadeira. A Igreja no Mundo de Hoje- Constituição (PASTORAL GAU-
DIUM et Spes. 1966, p.115).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

8. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
1) O Concílio Vaticano II realizado em Roma entre os anos de 1963-
1965 elaborou e promulgou diversos Documentos Pontifícios com
vistas ao diálogo da Igreja com a sociedade, em especial a Consti-
© U5 - Diálogo entre a Religião e a Ciência 101

tuição Pastoral Gaudium et Spes (Alegria e Esperança) e publicado


pela Editora Vozes. Como atividade complementar, procure esse Do-
cumento valioso e atual e leia, pelo menos, a parte conclusiva que
fala do Diálogo entre todos os Homens.

9. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, você teve a oportunidade de conhecer a Re-
ligião e a Ciência, o processo de secularização e ver o que ocorre
quando a Ciência encontra a Religião.
Lembre-se, entretanto, da importância de consultar a biblio-
grafia indicada para ampliar seus conhecimentos.

10. EͳREFERÊNCIA
MUNDODOSFILOSOFOS. O Positivismo: Auguste Comte. Disponível em: <http://www.
mundodosfilosofos.com.br/comte.htm>. Acesso em: 9 ago 2010.

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALVES, R. O que é religião? São Paulo: Loyola, 2003.
BARBOUR, I. G. Quando a ciência encontra a religião: inimigas, estranhas ou parceiras?
São Paulo: Cultrix, 2004.
BUZZI, A. R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecimento, a linguagem. Rio de Janeiro:
Petrópolis: Vozes, 2004.
CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergentes. São Paulo:
Cultrix, 1982.
FORTE, B. Teologia em diálogo. São Paulo: Loyola, 2002.
GEBARA, I. O que é teologia? São Paulo: Brasiliense, 2006.
KÜNG, H. O princípio de todas as coisas. Rio de Janeiro: Petrópolis: Vozes, 2007.
______. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas: Verus, 2004.
LE GOFF, J. A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média. Tradução de Marcos de
Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
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de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

Claretiano - Centro Universitário


102 © Bioética

LE GOFF, J.; MONTREMY, J. M. de. (colaboração). Em busca da Idade Média. Tradução de


Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
LE GOFF, J.; SCHMITT, J. C. Dicionário temático do Ocidente medieval. Tradução de Hilario
Franco Junior. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/EDUSC, 2002. v. 1.
______. Dicionário temático do Ocidente medieval. Tradução de Hilario Franco Junior.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/EDUSC, 2002. v. 2.
MCGRATH, A. E. Fundamentos do diálogo entre ciência e religião. São Paulo: Loyola,
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MORIN, E. O pensar complexo: a crise da modernidade. São Paulo: Garamond, 1999.
PETERS, T.; BENNET, G. (Org.). Construindo pontes entre a ciência e a religião. São Paulo:
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QUEIRUGA, A. T. Diálogo das religiões. São Paulo: Paulus, 2004.
SANZOVO, J. V. Repensando o universo: uma nova visão cosmológica. São Paulo: Rudyard,
2007.
EAD
A Bioética e a
Manipulação
Genética
6
1. OBJETIVOS
• Estudar e identificar alguns temas atuais da Bioética
como fundamentos epistemológicos significativos para
compreender o ser humano em toda a sua complexidade.
• Subsidiar, de forma teórica, dados e informações sobre
alguns temas relevantes dentro da Bioética, possibilitan-
do rever posições e concepções com relação à vida e à
morte.
• Interpretar, de forma crítica, os conteúdos referentes à
Bioética sem partir de posições a priori e de posturas fe-
chadas e inflexíveis.

2. CONTEÚDOS
• Manipulação genética.
• Esterilidade humana.
104 © Bioética

• Principais técnicas de reprodução assistida.


• Desdobramentos da intervenção genética para a sociedade.

3. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Veremos, nesta unidade, que a manipulação genética é um
dos temas controversos dentro da Bioética atual, pois não ape-
nas se refere a uma técnica de reprodução humana que contém
dimensões científico-médicas, mas também envolve valores hu-
manos, aspectos físicos e psicológicos, religiosos, éticos e tantos
outros.
Assim, entenderemos que a manipulação genética também
pode ser denominada como reprodução assistida, visto que ela
consiste em técnicas de reprodução humana pelas intervenções
médicas voltadas para a solução de problemas de esterilidade e,
assim, favorece a reprodução da vida humana.
Por fim, compreenderemos que essas intervenções têm
diversos aspectos a serem considerados, tais como: o técnico, o
científico, o médico, o psicológico, o sociocultural, o jurídico e o
religioso.
Bom estudo!

4. ESTERILIDADE HUMANA
Para que haja uma nova vida, um casal que queira ter filhos
deve ser fértil.
Nesse sentido, podemos definir como infertilidade a in-
capacidade de uma mulher ou de um homem (ou, ainda, am-
bos) ter filhos, embora essa situação possa não ser definitiva. Já
a esterilidade é a incapacidade definitiva ou irreversível de se
conceber um filho, embora haja casos em que se possa reverter
essa situação por meio de procedimentos médico-cirúrgicos. As-
© U6 - A Bioética e a Manipulação Genética 105

sim, a esterilidade é uma doença (ou a consequência de alguma


doença) que, geralmente, produz problemas psíquicos e/ou so-
ciais. Muitas vezes, quando é enfrentada pelo casal, pode trazer
uma série de frustrações e de problemas, podendo, inclusive,
romper as relações matrimoniais ou dificultar a continuidade de
uma convivência que se caracterizava, até então, como amorosa
e construtiva.
Temos de entender que os filhos criam vínculos importantes
não só na família à qual pertencem, mas também no âmbito social
de convivência com o qual a família se relaciona. Por essa razão, a
ausência deles limita essas possibilidades e pode acabar reduzindo
a vida do casal de forma muito restrita.
A vivência prática tem nos mostrado que a desilusão que a
esterilidade causa pode provocar estragos na integridade psicoló-
gica do casal, gerando frustrações, tensões, censuras, discussões
conflitantes, e até mesmo a possível separação do casal.
Em contrapartida, a infertilidade pode ser aceita e assumida
pelo casal de forma equilibrada, visto que há a possibilidade de
adoção ou de formas alternativas de se lidar com a ausência de
filhos, como, por exemplo, a participação do casal em atividades
sociais ou filantrópicas.
Além disso, é importante ressaltar que a esterilidade é con-
siderada pela medicina como um processo patológico ou como
uma disfunção, de forma que ela pode ser tomada como objeto de
tratamento, seja cirúrgico, seja substitutivo, tendo por finalidade
obter a descendência e restabelecer o equilíbrio psicológico e so-
cial do casal.

5. PRINCIPAIS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA


A medicina tem evoluído muito nas últimas décadas no que
se refere tanto à Inseminação Artificial (IA) como também à Fecun-
dação in vitro com Transferência de Embriões (FIVTE).

Claretiano - Centro Universitário


106 © Bioética

Assim, neste tópico, vamos analisar cada uma dessas técni-


cas de reprodução assistida.

Inseminação Artificial (IA)


A Inseminação Artificial é a técnica que consiste em levar o
sêmen do marido ou de um doador, obtido previamente por mas-
turbação como amostra fresca ou previamente congelada, à vagi-
na ou ao útero da mulher receptora.

Explicações acerca dos procedimentos da inseminação


Para realizar-se a Inseminação Artificial, há uma série de
procedimentos que devem ser seguidos. Inicialmente, realizam-se
exames adequados na mulher para se saber se ela é estéril e qual
a causa da sua esterilidade. Assim, monitora-se a ovulação, com
a finalidade de estabelecer o melhor momento para que o óvulo
possa se encontrar com os espermatozoides no interior da mulher.
Em seguida, coleta-se o sêmen do marido ou de um doa-
dor. Nessa fase, é importante mencionar que há casos em que o
sêmen do marido não é adequado para garantir que se produza a
fecundação do óvulo, de maneira que se deve proceder, então, a
sua preparação no laboratório, selecionando os espermatozoides.
Por fim, a inseminação propriamente dita consiste em depo-
sitar o sêmen na parte vaginal do colo do útero, onde deve perma-
necer por, aproximadamente, seis horas, podendo, depois disso,
ser retirado pela mulher.

Fecundação in vitro com Transferência de Embriões


A chamada Fecundação in vitro (FIV) é a realizada em labora-
tório sob as condições adequadas, na qual um ou mais óvulos são
colocados em contato com espermatozoides.
© U6 - A Bioética e a Manipulação Genética 107

Explicações acerca dos procedimentos da fecundação


Com a ajuda de um microscópio, pode-se acompanhar todo
o processo de desenvolvimento do embrião ou dos embriões origi-
nados. Assim, uma vez conseguida a fecundação in vitro, e depois
de ter sido considerada bem-sucedida, procede-se a Transferência
dos Embriões (TE) para o interior do útero da mulher.
É importante ressaltar que a chamada Fecundação in vitro
com Transferência de Embriões (FIVTE) consiste, basicamente, em:
coleta do óvulo da mulher, coleta do sêmen e Fecundação in vitro
com Transferência de Embriões.
Nesse sentido, é recomendado que a transferência dos em-
briões seja feita entre 24 e 48 horas depois da fecundação. Então,
terminada a FIVTE, a mulher permanece em repouso e em decú-
bito por várias horas ou, até, por um dia inteiro, podendo ser libe-
rada em seguida.
Na hipótese de a gravidez ser conseguida, o que pode ser
confirmado duas semanas mais tarde, realizam-se os exames de
controle e as prescrições médicas normais e necessárias.
Dessa forma, as técnicas de reprodução humana assistida
foram pensadas e também utilizadas para resolver os problemas
de esterilidade masculina ou feminina. Entretanto, o que se pode
perceber nos últimos anos é que a manipulação genética originou
uma autêntica revolução na realidade e no imaginário da reprodu-
ção humana.
O que está ocorrendo é um descompasso entre o uso da tec-
nologia de reprodução e a discussão e a elaboração da legislação
e de normas, as quais são sempre muito lentas. Há inúmeras in-
tervenções que têm a finalidade reprodutiva imediata ou mediata.
Essas intervenções, geralmente, são divididas em três tipos:
• Intervenções com finalidade reprodutiva, que são, basica-
mente, a IA e a FIVTE.

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108 © Bioética

• Intervenções com embriões pré-implantados ou com em-


briões “sobrantes” em laboratório. Nesses casos, seria
sempre preferível a “doação” imediata a casais necessita-
dos, fazendo quase que uma pré-doação, do que utilizar o
congelamento dos embriões.
• Intervenções no processo reprodutor, sobre as quais o
Brasil ainda não tem uma legislação explícita.
Com relação às técnicas de reprodução assistida, é impor-
tante mencionar que, dentro das inúmeras alternativas que se
praticam atualmente com relação às intervenções no processo re-
produtivo, há duas situações muito polêmicas, que são: a escolha
do sexo e a clonagem de embriões, as quais enfrentam posturas
bastante negativas e questionadoras dentro da comunidade mé-
dica e científica.

6. DESDOBRAMENTOS DAS INTERVENÇÕES PARA A


SOCIEDADE
A abertura de possibilidades e o uso efetivo das diversas téc-
nicas de reprodução assistida trazem mudanças significativas para
a sociedade e, especialmente, para as pessoas que vivem e parti-
cipam desse processo.
Em outras palavras, o que se pretende aqui é fazer uma re-
flexão sobre o uso da ciência genética sem abusar dos pontos ex-
tremos, ou seja, ou pode-se fazer tudo em nome do bem-estar do
ser humano, ou, então, nada se pode fazer, uma vez que tudo já
está predeterminado.
Portanto, partimos do ponto de que é preciso reconhecer
que a esterilidade é algo problemático e que não pode ser anali-
sado sob o ponto de vista apenas biológico, mas também psico-
lógico, humano e social. A ausência de filhos na vida de um casal
bem como a certeza da impossibilidade de tê-los são complicadas
e todos os esforços realizados para que seja solucionado o proble-
ma são elogiáveis.
© U6 - A Bioética e a Manipulação Genética 109

No Brasil, por exemplo, embora não tenhamos estudos mais


completos sobre o problema da esterilidade, segundo dados de
especialistas, cerca de 20% dos casais têm algum tipo de problema
sobre a reprodução humana – um dado que é bastante significa-
tivo.
Assim, podemos destacar alguns desdobramentos com rela-
ção às técnicas de reprodução humana, tais como:
• O casal, a partir do critério de livre escolha, decide su-
perar os obstáculos biológicos, psicológicos ou sociais da
esterilidade, buscando uma procriação livremente assu-
mida.
• A procriação como um direito – da escolha passa-se ao
direito, sem nenhum extremismo, seja pelo aborto, seja
pela supervalorização, mediante as técnicas de reprodu-
ção.
• A procriação como ação não relacional – no caso de mu-
lheres desacompanhadas, solteiras, separadas, divorcia-
das, viúvas, que tenham direito ao uso das técnicas de
reprodução humana assistida.
Logo, a escolha não está apenas no ato de procriar, mas tam-
bém nas condições de procriação, superando as deficiências gené-
ticas que, porventura, existirem.
Pela literatura pesquisada, não há nenhum consenso com re-
lação ao direito de a mulher constituir sua própria família. No Bra-
sil, a Resolução n. 1358, de 11 de novembro de 1992, trata dessa
questão, estabelecendo que:
[...] toda mulher, capaz nos termos da Lei, que tenha solicitado e
cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução, pode ser
receptora das técnicas de reprodução assistida, desde que tenha
concordado de maneira livre e consciente em documento de con-
sentimento informado. Estando casada ou em união estável, será
necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro, após pro-
cesso semelhante de consentimento informado (BRASIL, 1992, p.
180).

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110 © Bioética

Dessa forma, é esse o entendimento majoritário com relação


às intervenções no processo reprodutor humano quando se refere
às técnicas de reprodução humana assistida, e, também, quando
necessita impedi-lo via controle de natalidade. Poderíamos nos
questionar, ainda, se é válido e, sobretudo, ético utilizar as inter-
venções da reprodução assistida fora do matrimônio, ou seja, para
uma mulher solteira, separada, divorciada, viúva, ou que tem uma
união homossexual.
Em resposta a isso, a Constituição brasileira traz-nos as-
suntos referentes à família, à criança, ao adolescente e ao idoso.
Podemos ter uma ideia desses assuntos mediante a informação
contida no Capítulo VII, parágrafo 5º, que diz: “Os direitos e deve-
res referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
homem e pela mulher.”
Ainda segundo o que rege a Constituição brasileira, Art. 226
no parágrafo 7º, lê-se:
Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da pa-
ternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do
casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas (BRASIL,
1998).

Logo, o casamento ainda é o âmbito humano em que a pes-


soa necessita estar para que a procriação seja concretizada. Partin-
do da hipótese de que se o próprio casamento não garante, em si
mesmo, um ambiente qualitativo para a educação e para a forma-
ção que toda criança e/ou adolescente tem direito, inferimos que,
fora dele, será muito mais difícil para a criança encontrar o amor,
o carinho e o acompanhamento necessários para se sentir uma
pessoa amada e querida.
Assim se explica a ênfase dada na Constituição acerca da
chamada paternidade responsável, em que se reafirma que, em-
bora o casal seja livre, o fato de ele ter tomado a decisão de gerar
um filho mostra que estava ciente da responsabilidade assumida
© U6 - A Bioética e a Manipulação Genética 111

com relação à tarefa de criar o filho com amor e carinho, não dan-
do, pois, importância apenas à vida material.
Por conseguinte, não são aceitáveis, moral e eticamente, as
chamadas gravidezes “adotivas” ou “de aluguel”, em que a mulher
contrata uma mãe para realizar, em troca de dinheiro ou por ou-
tras razões, a tarefa da gestação.

Técnicas de reprodução assistida: intervenções especiais


Há, ainda, as intervenções especiais nas técnicas de reprodu-
ção assistida que precisam ser citadas e comentadas. Destacam-se
as seguintes:
• O uso de embriões depois da morte de um dos cônjuges,
em que se extrai o esperma de um recém-falecido ou uti-
liza-se o sêmen congelado previamente, ou seja, coletado
antes da morte do marido. Ambas as situações descritas
gerariam um “filho órfão,” o que, de toda maneira, não
seria aconselhável, uma vez que este não teria a oportu-
nidade de viver num ambiente familiar.
• O uso da FIVTE em mulheres com idade avançada. Essas
“mães-avós” com mais de 60 anos, por exemplo, não se
encontram mais numa situação biológica adequada para
proporcionar a educação de uma criança, uma vez que o
filho passa a ser, praticamente, um neto.
• A seleção arbitrária do sexo do filho. No fundo, considera-
-se uma manipulação humana que ultrapassa a necessi-
dade do uso terapêutico, ou mesmo pode ser considera-
do como uma discriminação injusta entre sexos.
Podemos concluir, então, que a utilização da manipulação
genética que visa resolver o problema da esterilidade modificou
profundamente a concepção sobre o casamento e a família, espe-
cialmente a nuclear. Por fim, com relação a este tema, podemos
indicar três posturas ou concepções bastante díspares, mas pre-
sentes na apreciação favorável ou contrária na utilização da repro-
dução humana assistida:

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112 © Bioética

• Numa perspectiva pragmática e utilitarista, a adoção da


postura com relação ao fato de que todos os recursos e
técnicas que possam ser acionados por um casal estéril
é válida e benéfica para o próprio casal. Assim, ela pode
ser encontrada tanto na esfera científica como na opinião
pública.
• No extremo oposto, encontra-se o magistério católico,
que se opõe ao uso do recurso das técnicas de reprodu-
ção e que o considera como ato lesivo à vida do casal. Essa
posição não se refere apenas a casos extremos, como ida-
de avançada da mãe e aluguel do útero, mas também ao
uso intraconjugal.
• Numa postura intermediária, estão aqueles que conside-
ram válido o uso do recurso de técnicas de reprodução
para resolver o problema da esterilidade, desde que se-
jam acompanhadas as implicações sociais e psicológicas
no casal e nos indivíduos.
Como você pode perceber, a adoção desse processo pode
ocasionar ansiedades, expectativas e, no caso de fracasso ou expe-
riência mal-sucedida, podem advir traumas e frustrações maiores
do que as esperanças otimistas do início.
Assim, perante o desdobramento de problemas que podem
se fazer presentes às pessoas que vivenciam esse processo, a psi-
cologia e a religião podem ajudar muito no enfrentamento de mo-
dificações significativas na condição e na convivência humana.

Leitura Complementar ––––––––––––––––––––––––––––––––


Os avanços extraordinários da ciência, nos últimos anos em relação à biolo-
gia, à reprodução humana e à genética, trouxeram muitas esperanças de cura
de doenças, mas também profundas inquietações e interrogações éticas. O que
antes o acaso ou a natureza resolviam, hoje passa pelo crivo da intervenção
humana. As possibilidades técnicas de implementação de determinadas inova-
ções no âmbito da vida humana, como clonagem,utilização de células tronco
embrionárias, manipulação de embriões nas clínicas de reprodução assistida,
entre outros procedimentos, estão obrigando a humanidade a pensar nos seus
valores e repensá-los.
© U6 - A Bioética e a Manipulação Genética 113

A emergência e o interesse público pela discussão ética dizem que nem tudo o
que é tecnicamente possível é necessariamente desejável para a vida e a digni-
dade humana. A ciência é inventiva, inovadora e ousada. A ética, nesse cenário,
procura salvaguardar a dignidade de todos sob a ótica da responsabilidade e da
prudência. É a sabedoria humana que vai discernir o bem e o mal, o que deve
ser implementado e o que deve ser limitado. Enfim, o que ajuda o ser humano a
ser mais feliz, nasce do diálogo honesto e respeitoso entre ousadia científica e
prudência ética. Portanto, não se trata de satanizar, a priori, a ciência (PESSINI,
2006, p. 44).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

7. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA
Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
1) Você estudou nessa Unidade temática a possibilidade dos casais terem fi-
lhos, o que pode ser considerado uma dádiva divina e maravilhosa. A Cons-
tituição Brasileira refere-se à paternidade (e maternidade) responsável,
quando reafirma que, embora o casal seja livre na tomada de decisão de
gerar um filho, deve estar ciente da responsabilidade de assumir a tarefa de
criá-lo com amor e carinho, não dando apenas importância à vida material.
Faça uma pequena pesquisa por meio de jornais, revistas e da Internet sobre
o problema do abandono de crianças e adolescentes no Brasil e procure rela-
cionar a afirmação anterior com os dados estatísticos profundamente desu-
manos e inaceitáveis existentes no país.

8. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao final desta unidade, na qual tivemos a oportu-
nidade de conhecer e aprender um pouco mais sobre a genética,

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114 © Bioética

no que tange à manipulação, à esterilidade e às intervenções no


processo de reprodução.
Na próxima unidade, estudaremos conteúdos relacionados
ao aborto. Entretanto, antes de iniciá-la, faça uma pausa, reflita
e certifique-se de que não há nenhuma dúvida deixada para trás.

9. EͳREFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do. Título VIII: da ordem social, 1998.
Disponível em: <http://www.tj.ce.gov.br/cejai/pdf/arts_constituicao_republica_
federativa_brasil.pdf>. Acesso em 9 ago. 2010.
DATASUS. Departamento de Informática do SUS. Disponível em: <www.datasus.gov.br>.
Acesso em: 9 ago. 2010.
EDIÇÕES LOYOLA. Home page. Disponível em: <www.loyola.com.br>. Acesso em: 9 ago.
2010.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Bioética e início da vida: alguns desafios. São Paulo:
Centro Universitário São Camilo, 2004.
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1358, de 11 de novembro de 1992.
Adota normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução humana assistida.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 nov. 1992.
DINIZ, D. Conflitos morais e bioética. Brasília: Letras Livres, 2001.
DWORKIN, R. Domínio da vida-aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
FORTES, P. Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola, 2003.
JUNIOR, Klinger Fontinele. Ética e bioética em enfermagem. São Paulo: AB, 2006.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Plano
de ação 2004-2007. Brasília, DF, 2004.
MOSER, A. Biotecnologia e bioética: para onde vamos? Petrópolis: Vozes, 2004.
PESSINI, L. Problemas atuais da bioética. São Paulo: Loyola, 1997.
______. Bioética: um grito por dignidade de viver. São Paulo: Paulinas, 2006.
EAD
A Bioética e o Aborto

7
1. OBJETIVOS
• Estudar o tema aborto com base nas suas múltiplas di-
mensões para poder compreender toda a sua dramatici-
dade e complexidade.
• Analisar as implicações decorrentes do aborto, não ape-
nas para a gestante, mas para toda a sociedade.

2. CONTEÚDOS
• Conceituação e principais tipos de aborto.
• Legislação brasileira que versa sobre esse tema.
• Sexualidade humana e a família.
• Abortos não assistidos e assistidos.
• Principais aspectos e dimensões que envolvem o aborto.
116 © Bioética

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Para aprofundar seus conhecimentos sobre a história
da eugenia praticada pela medicina nazista com o apoio
dos americanos, uma ótima sugestão de leitura é a obra
A Guerra Contra os Fracos, de Edwin Black, editada em
2003, pela A Girafa Editora Ltda.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, conhecemos conteúdos relacionados à
manipulação genética, à esterilidade humana e às principais técni-
cas de reprodução assistida.
Nesta unidade, nosso objeto de estudo será o “aborto”, o
qual é um tema pertinente de bastante discussão, uma vez que en-
volve valores éticos e cristãos. Acerca desse tema, você conhecerá
alguns conceitos, tipos, a legislação brasileira, bem como os seus
principais aspectos e dimensões.

5. CONCEITUAÇÃO E PRINCIPAIS TIPOS DE ABORTO


Inicialmente, é importante que seja mencionado que, na
verdade, o termo correto para tratar-se do ato de interrupção
da gravidez é “abortamento”, porém, com o tempo, passou a ser
chamado de “aborto”. Por isso, utilizaremos apenas esse termo
(“aborto”) neste caderno.
A palavra “aborto” vem do latim “abortus”, que quer dizer
expulsão natural ou provocada de um embrião ou feto, junta-
mente com os anexos ovulares, antes da data de viabilidade. Há,
atualmente, uma variedade conceitual significativa sobre os tipos
de aborto, e isso não acontece por acaso. Na verdade, cada pes-
quisador ou debatedor no assunto, para impressionar o leitor ou
o ouvinte, utiliza termos e conceitos que possam oferecer certo
impacto ou sensibilizar o outro, no sentido de convencê-lo a aderir
a essa ou àquela postura, a favor ou contra o aborto.
© U7 - A Bioética e o Aborto 117

A terminologia médica oficial, basicamente, pode ser sinteti-


zada em quatro tipos de aborto:
1) Interrupção Eugênica da Gestação (IEG): são os casos
de aborto ocorridos em nome de práticas eugênicas, ou
seja, de situações em que se interrompe a gestação por
valores e princípios racistas, sexistas e étnicos. Em geral,
a IEG acontece contra a vontade da gestante, sendo obri-
gada a abortar. Aqui é impossível não fazer referência à
medicina nazista praticada nos judeus, negros e ciganos,
durante a Segunda Guerra Mundial.
2) Interrupção Terapêutica da Gestação (ITG): são os casos
de abortos praticados para salvaguardar a saúde mater-
na, ou seja, para salvar a vida da gestante.

No Brasil, o Código Penal prevê e aceita essa prática de aborto,


assim como no caso de estupro, que abordaremos mais adiante.

3) Interrupção Seletiva da Gestação (ISG): são os casos de


aborto que tratam de alguma anomalia fetal, isto é, si-
tuações em que se interrompe a gestação pela constata-
ção de lesões fetais. Os casos que justificam a ISG são as
patologias incompatíveis com a vida extrauterina, sendo
um exemplo clássico o da anencefalia, isto é, quando o
bebê não tem cérebro.
4) Interrupção Voluntária da Gestação (IVG): são os casos
de aborto ocorridos em nome da autonomia reproduti-
va da gestante ou do casal, isto é, situações em que se
interrompe a gestação porque a mulher ou o casal não
mais deseja a gravidez.
Nesse sentido, há diferentes legislações nos diversos países
do mundo que impõem uma série de limitações com relação à prá-
tica abortiva. Com exceção da primeira modalidade (IEG), todas as
outras formas de aborto, por princípio, levam em consideração a
vontade da gestante ou do casal em dar continuidade à gravidez.
Há muitos autores que preferem utilizar a expressão “auto-
nomia reprodutiva” em vez de utilizar “interrupção voluntária da

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118 © Bioética

gravidez”, que, segundo eles, explicitaria mais claramente a liber-


dade de escolha, de decisão.
Também não há o menor consenso sobre o resultado de um
aborto, de forma que as denominações variam: “embrião”, “feto,”
“criança”, “não nascido” e “pessoa”.
Até a 8ª semana de gestação, o termo científico correto é
“embrião”, o qual é usado para indicar que o seu desenvolvimento
ainda está no estágio inicial. Por exemplo, até a 10ª semana de
gravidez, ainda não existem células que irão constituir os ossos e
os músculos, e os órgãos vitais ainda estão imaturos. Além disso, o
sistema nervoso está dando os seus primeiros passos na 8ª sema-
na, o que descarta a hipótese de consciência ou dor. Nessa fase, o
tamanho do embrião é de 27 a 35 milímetros, aproximadamente.

6. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE O ABORTO


Grosso modo, podemos dividir o mapa do mundo em três
grandes grupos de países: no primeiro grupo, há, aproximadamen-
te, 56 países que permitem o aborto, representando 40% da po-
pulação mundial; no segundo grupo, em torno de 40 países per-
mitem o aborto com restrições; e, por fim, no terceiro grupo de
países, onde está a maioria, inclusive o Brasil, não se permite o
aborto, exceto nos casos previstos no Código Penal.
Como afirmamos, o Código Penal Brasileiro, nos artigos de
124 a 127, afirma que o aborto é considerado crime contra vida.
No entanto, a Legislação excetuou dois casos de aborto, pre-
vistos no artigo 128, incisos I e II do Código Penal, em que se deixa
de punir o agente quando houver risco de vida da mãe, ou quando
a gravidez for resultado de estupro.

Classificação de abortos permitidos


A lei Brasileira prevê a permissão de aborto nas seguintes
situações:
© U7 - A Bioética e o Aborto 119

• Aborto terapêutico: é aquele que é efetuado em casos


em que há perigo de vida para a gestante, ou perigo de
lesão grave e duradoura para a saúde física e/ou psíquica
da mulher, ou, ainda, quando há má-formação fetal. Qual-
quer uma dessas hipóteses está enquadrada na legislação
vigente.
• Aborto por violação: aborto permitido quando a gravidez
resulta de crime contra a liberdade e autodeterminação
sexual da mulher. A interrupção tem de ser realizada nas
primeiras 16 semanas de gestação.
• Aborto em menores de idade: para que possa ser reali-
zado o aborto, é sempre necessário o consentimento da
mulher grávida. No caso de a mulher grávida ser menor
de 16 anos, o consentimento é prestado pelo represen-
tante legal por ascendente ou, na sua falta, por quaisquer
parentes de linha colateral.
Fora os casos elencados, o aborto, no Brasil, é considerado
ilegal. Então, por aborto ilegal entende-se a interrupção de uma
gravidez, quando os motivos não se encontram enquadrados na
legislação em vigor, ou quando é realizado em locais que não são
oficialmente reconhecidos.
Em todas as outras situações, estão previstas penas tanto
para a mulher como para quem realiza o procedimento, as quais
variam de três a dez anos de reclusão. Além disso, as penas são
aumentadas em um terço caso a gestante sofra lesão corporal de
natureza grave, e são duplicadas no caso de morte por causa da
lesão, considerando-se, nesse caso, um crime de homicídio.

7. SEXUALIDADE HUMANA E A FAMÍLIA


Por muito tempo, tivemos como modelo de família o patriar-
cal, no qual o casamento era visto e encarado como possibilidade
de um bom negócio e de ascensão social. Já na sociedade moder-

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120 © Bioética

na, a família nuclear passa a ser vista como uma instituição de du-
pla condição: a natural e a cultural.
A família é a instituição humana mais universalizada no tem-
po e no espaço histórico. Ela não foi instituída por nenhum legis-
lador, mas está pré-formada na espécie humana desde os primór-
dios.
Nesse contexto, a condição natural é exigida pela condição
da espécie humana, que necessita organizar os vínculos de paren-
tesco, de matrimônio e de filiação e, desse modo, assegurar a con-
tinuidade do grupo humano, incorporando a ele novos indivíduos.
Já a condição cultural é necessária, pois a estrutura e as fun-
ções da instituição familiar estão submetidas às variações da evo-
lução humana e do pluralismo cultural.
Entretanto, nas sociedades atuais, a família passou por pro-
fundas mudanças, uma vez que sua formação passou a apresentar
variações significativas, nas quais há casais que vivem em casas
separadas, mulheres que desempenham papéis de pai e mãe, ho-
mens que desempenham ambos os papéis, casais sem filhos, ho-
mens e mulheres solteiros, e assim por diante.
Da mesma forma, a sexualidade humana passou por ruptu-
ras e transformações nessas últimas décadas, no mundo inteiro.
Existem muitas informações sobre a vida sexual, comparada
com gerações anteriores, que está iniciando mais cedo. Os casa-
mentos estão sendo adiados pelos jovens e, também, desfazendo-
-se com maior rapidez; a questão da virgindade deixou de ser tabu;
os medicamentos que agem sobre as disfunções eréteis propiciam
uma vida sexual mais intensa para as gerações de terceira idade e
o uso intensivo de métodos contraceptivos possibilitam uma vida
sexual contínua e prolongada.
Dentro desse leque de novas opções para os seres humanos,
o fato mais grave e assustador é que, anualmente, ocorrem, apro-
ximadamente, 210 milhões de casos de gravidez no mundo.
© U7 - A Bioética e o Aborto 121

Desse número elevado, segundo a Organização Mundial de


Saúde (OMS, 1999), 46 milhões, ou seja, 22% terminam com um
aborto induzido e, de um modo geral, a grande maioria das mulhe-
res com até 45 anos de idade já teve, ao menos, um antecedente
de interrupção voluntária de gravidez.
Ainda conforme a OMS, o mais dramático é que cerca de 20
milhões desses abortos são classificados como inseguros, pelo fato
de serem realizados por pessoal não qualificado e/ou em condi-
ções sanitárias inadequadas.
É importante mencionar, ainda, que há, basicamente, dois
tipos diferentes de aborto: os assistidos e os não assistidos.

8. ABORTOS NÃO ASSISTIDOS


Pensemos na seguinte hipótese: se todos aqueles que tive-
rem uma vida sexual regular adotassem métodos contraceptivos,
utilizando-os de forma correta e perfeita, mesmo assim, existiriam,
pelo menos, 6 milhões de gravidezes acidentais, todos os anos, no
mundo.
Assim, mesmo com elevados índices de utilização de contra-
ceptivos, podem ainda ocorrer gravidezes indesejadas, que podem
ser interrompidas por meio do aborto pelas próprias mulheres ou
pelos casais.
Podemos, agora, definir “aborto não assistido” como um
procedimento para interromper a gravidez indesejada, o qual é
efetuado por pessoas sem as qualificações profissionais necessá-
rias e/ou em ambientes sem as mínimas normas médicas adequa-
das.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de
20 milhões de abortos não assistidos são realizados todos os anos
e em torno de 95% deles ocorrem, infelizmente, nos países mais
pobres.

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122 © Bioética

Dentre esses números, há a taxa de um aborto não assisti-


do para cada sete nascimentos; contudo, nas regiões mais pobres,
essa taxa aumenta consideravelmente. Aproximadamente, 13%
das mortes relacionadas com a gravidez são atribuídas como de-
corrência de abortos não assistidos.

Segundo fontes do Ministério da Saúde no Brasil, o parto repre-


senta a primeira causa da internação de adolescentes no Sistema
Único de Saúde (SUS). Na faixa etária entre 15 e 19 anos, o prin-
cipal motivo para a internação das mulheres é a gravidez, o parto
ou o pós-parto.

Os dados estatísticos totalizadores mais recentes apontam


que são realizados, em média, mais de um milhão de abortos
anuais, de forma que a maior parte deles é feita de modo inseguro.

Decorrências de abortos não assistidos


Temos de analisar, ainda, as consequências decorrentes do
aborto não assistido, no qual pelo menos uma em cada cinco mu-
lheres que recorreram a ele sofreu, posteriormente, infecção no
processo de reprodução. Essas infecções revelam-se muito compli-
cadas e, muitas vezes, conduzem à infertilidade, podendo causar
até mesmo a morte da paciente.
É sabido que o acesso aos serviços médicos para um abor-
to é restrito por lei e que, mesmo que a lei permita o aborto, os
serviços médicos e hospitalares são insuficientes ou de baixa qua-
lidade. No entanto, as mulheres com maior capacidade financeira
conseguem adquirir serviços médicos competentes no setor priva-
do da Saúde.
Em contrapartida, as mulheres mais pobres que vivem em
regiões isoladas ou que se encontram em situações mais vulne-
ráveis, tais como: refugiadas políticas, mulheres deslocadas de
suas casas, adolescentes e, em particular, mulheres solteiras têm
menor acesso às informações e aos serviços de saúde reproduti-
© U7 - A Bioética e o Aborto 123

va; são, na maioria das vezes, muito fragilizadas e vulneráveis à


coerção e à violência sexual e podem adiar a decisão de fazer um
aborto, tornando-se passíveis à prática do aborto não assistido e
com pessoal não qualificado.

9. ABORTOS ASSISTIDOS
Pelo que acabamos de descrever anteriormente, quase to-
das as mortes e complicações decorrentes de um aborto não assis-
tido poderiam ser evitáveis.
Do ponto de vista médico e clínico, os procedimentos e as
técnicas para a indução determinada de um aborto são bastan-
te simples e, especialmente, seguros. Logo, quando praticado por
pessoal médico qualificado, com equipamentos apropriados e em
condições sanitárias adequadas, o aborto é uma das intervenções
médicas mais seguras.
Estudos e dados estatísticos do Instituto Alan Guttmacher
revelam que em países onde as mulheres têm acesso a serviços
médicos seguros, o risco de morte é ínfimo, ou seja, um caso para
cada 100.000 pessoas. Já nos países pobres e em desenvolvimen-
to, o risco de morte devido a complicações decorrentes de um
aborto não assistido é centenas de vezes maior do que o risco do
aborto realizado por profissionais em condições seguras.
Nesse sentido, o Instituto Alan Guttmacher (2004) produziu
estimativas para o Brasil no período compreendido entre 1996-
2005, em que houve a redução de 38% de abortamentos. A grande
maioria desses abortamentos induzidos (3 em cada 4 em 2005)
ocorreu nas regiões nordeste e sudeste. A taxa anual de aborta-
mentos induzidos por 100 mulheres de 15 a 49 anos no país foi
reduzida de 3,69% em 1992 para 2,7% em 2005.
Até o momento, estudamos o problema dentro da ótica da
saúde pública e da concepção médica e sanitária; todavia, não está
em discussão apenas o aspecto econômico e financeiro, tampouco

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124 © Bioética

só o lado da saúde pública: há outros inúmeros aspectos e valores


que precisam ser avaliados e considerados, os quais são tão ou
mais importantes. É o que veremos no tópico a seguir.

10. PRINCIPAIS ASPECTOS E DIMENSÕES QUE ENͳ


VOLVEM O ABORTO
Para compreendermos com maior profundidade o problema
do aborto, temos de refletir sobre os aspectos biológicos, psicoló-
gicos, mentais, ético-morais, legais, financeiros, religiosos, entre
outros que o envolvem. Sem nenhuma pretensão de esgotá-los,
destacaremos apenas os aspectos que são considerados essen-
ciais:
1) Aspectos educacionais e culturais: as camadas de baixa
renda são grandes parcelas da sociedade, especialmen-
te aquelas que não tiveram oportunidades de escolari-
zação, e, também, não por coincidência, que não conhe-
cem os principais métodos contraceptivos, não fazendo,
consequentemente, o uso deles.

Em ambientes rurais e mais isolados, os casamentos são realiza-


dos precocemente. Nessas uniões, geralmente, há prole nume-
rosa, visto que esse tipo de população não conhece os métodos
contraceptivos seguros, ou, se os conhece, não têm acesso fácil
aos meios contraceptivos.

2) Aspectos econômico-financeiros: apesar de as pessoas


terem acesso às informações e aos conhecimentos ade-
quados sobre os métodos contraceptivos, não fazem o
uso deles, uma vez que os produtos são caros ou não
têm o devido acesso a eles. Logo, para a classe trabalha-
dora que recebe entre um e dois salários mínimos por
mês, o uso regular da pílula ou de preservativos acaba
inviabilizando essa prática pelo elevado custo.
3) Aspectos político-administrativos: cada país ou região
tem a sua população total compatível com os recursos e
© U7 - A Bioética e o Aborto 125

as condições de vida. Isso quer dizer que cada país de-


veria ter um planejamento da política populacional, com
estudos e projeções que indicassem a necessidade ou
não do crescimento demográfico necessário e possível.

No caso brasileiro, nas duas últimas décadas, a taxa vegetativa de


crescimento, que é a diferença entre nascimentos e mortes duran-
te um ano, decresceu significativamente: de 3,5% caiu para 1,7%.
Em termos estatísticos, o Brasil, ainda assim, tem o aumento de
um milhão e setecentas mil crianças por ano, e, se considerarmos
as creches, as moradias, os hospitais, a alimentação e os empre-
gos, não há poder público que garanta, efetivamente, as condi-
ções adequadas para esse aumento populacional anual.

4) Aspectos de saúde pública: o aborto não está relacio-


nado apenas aos valores éticos e morais, mas também a
um contexto de saúde pública, que é um direito previsto
na Constituição.

Destacamos que o Ministério da Saúde não trata apenas das


doenças em si, mas também da saúde preventiva, de forma que
todo cidadão deveria visitar, ao menos, um dentista e um médico
por ano para exames periódicos e de rotina. Desse modo, os co-
fres públicos estariam livres das internações hospitalares longas,
trazendo uma melhor qualidade de vida à população.

5) Aspectos psicológicos e emocionais: qualquer que seja


a situação econômica e financeira da mulher grávida, o
aborto sempre trará consequências psicológicas graves
e negativas, que, se não tratadas, poderão provocar se-
quelas indesejáveis para o futuro.
6) Aspectos legais e jurídicos: cada país tem a sua Consti-
tuição, o seu Código Civil e Penal e as demais normas e
leis para regular e regulamentar a vida em sociedade.
Essas leis precisam ser estudadas, debatidas, revistas
e atualizadas, de forma a verificar em que medida elas
têm a sua dimensão de legalidade e legitimidade, se aju-
dam na construção da liberdade, da equidade, da justiça

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126 © Bioética

e da cidadania, bem como observar até que ponto, de


fato, somos iguais perante a lei.
7) Aspectos filosóficos: enquanto a Biologia estuda o cor-
po humano na sua constituição física, a Filosofia estuda
o ser humano na sua dimensão ontológica, ou seja, per-
cebe o ser humano na sua totalidade vivendo no planeta
Terra de forma coletiva e integrada.
8) Aspectos religiosos: todos os países do mundo, indepen-
dentemente do estágio econômico e civilizatório em que
se encontram, têm um patrimônio espiritual e cultural.
É importante ressaltar que as religiões, com seu corpo dou-
trinário, suas tradições, valores e princípios que norteiam e orien-
tam os seus crentes e seguidores, precisam ser respeitadas e va-
lorizadas.
Assim, do ponto de vista religioso, a grande maioria das reli-
giões, em especial a Igreja Católica, desde o século 4º, assume uma
posição contrária ao aborto em qualquer estágio, pois considera a
concretização da concepção na junção do espermatozoide com o
óvulo, de forma que a alma é infundida no novo ser no momento
da fecundação. Dessa maneira, a Igreja propõe como método con-
traceptivo apenas a abstinência sexual nos dias férteis da mulher.
Em contrapartida, nas Igrejas Reformadas, há um leque de
opções e atitudes mais amplo com relação ao aborto. A principal
diferença entre elas e a Católica está no respeito à vida da mãe,
sobre a qual recairá a prioridade da preservação da vida. Já no
Judaísmo, o aborto não é desejável, mas não é considerado um as-
sassinato e, em todos os casos, é a saúde da mulher que prevalece
tanto no que se refere ao equilíbrio físico como ao psíquico.
No Hinduísmo e no Budismo, o cerne da questão está no
modo de interpretar o sêmen, considerado o veículo transmissor
da vida, uma vez que, para essas religiões, é no momento da fe-
cundação (óvulo–espermatozóide) em que se dá o início da vida.
Ambas, por isso, defendem que o homem é portador da vida e a
mulher é portadora de um corpo cuja finalidade é proteger o feto.
© U7 - A Bioética e o Aborto 127

Além disso, elas defendem uma concepção machista, na qual o


homem é que tem o direito de decidir pela continuidade ou não da
gestação. De toda maneira, temos de avaliar o processo cultural de
cada país e de cada povo, tendo a consciência de que cada nação
tem o seu idioma, as suas tradições, os seus valores e princípios,
bem como uma legislação autônoma que precisa ser respeitada.
Como você pode perceber, o diálogo entre a ciência e a re-
ligião é difícil pelo fato de, muitas vezes, existirem posturas extre-
madas entre as duas formas de interpretar a realidade. No entan-
to, estamos certos de que a religião precisa da ciência e vice-versa,
para que seja construída uma sociedade mais compreensiva e feliz.

O respeito à Vida –––––––––––––––––––––––––––––––––––––


Até muito recentemente, tanto o início da vida humana quanto o seu final escapa-
vam por completo do nosso controle. Nascia-se por obra do acaso, da natureza,
ou, então, “graças a Deus”, e também se despedia da vida pelas mesmas razões.
O conhecimento humano era muito pequeno em relação a esses processos.
Hoje, essa realidade mudou e praticamente quase tudo passa pelo crivo da ação
e/ou intervenção humana. Agora, tal intervenção acontece à luz de que valores
e princípios? Aumentou muito a responsabilidade da vida, pois nem tudo o que
é técnica e cientificamente possível de realizar-se é eticamente aceitável. Diante
do imperativo tecnológico, do fazer algo novo a qualquer custo, devemos con-
trapor o imperativo ético, que vai perguntar por que fazer? Qual o sentido? Essa
intervenção honra a dignidade humana? Entramos, aqui, no âmago da discussão
ética (PESSINI, p. 38).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

11. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação

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128 © Bioética

a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-


perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
1) A questão do aborto envolve múltiplos e distintos aspectos que precisam
ser levados em consideração, mas de toda a maneira, antes de praticá-lo, as
pessoas precisam pensar nas suas consequências.
Pelo fato da sua gravidade e importância, releia o texto da Legislação Brasileira
que prevê os casos nos quais a realização do aborto é permitida por lei.

2) Troque ideias e converse com seus amigos, parentes e conhecidos a respeito


do aborto, para que você se torne um agente multiplicador de consciências
bem informadas e responsáveis diante da maior riqueza que é a vida huma-
na.

12. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, vimos que a questão do aborto precisa ser
muito bem situada e contextualizada, uma vez que se está tratan-
do do início de uma vida, do seu desenvolvimento e, talvez, do seu
término.
Dessa forma, pudemos compreender que a vida é uma dádi-
va divina e que, por isso, precisa ser preservada sempre.
De posse desses conhecimentos, vamos estudar, na Unidade
8, a eutanásia e a clonagem.
Até lá!

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARCHIFONTAINE, C. de P. Bioética e início da vida: alguns desafios. São Paulo: Centro
Universitário São Camilo, 2004.
DINIZ, D. Conflitos morais e bioética. Brasília: Letras Livres, 2002.
DWORKIN, R. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
MARKHAN, Ú. Aborto espontâneo. São Paulo: Summus, 2004.
PAPALEO, C. C. Aborto e contracepção: atualidade e complexidade da questão. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000.
© U7 - A Bioética e o Aborto 129

VIEIRA, T. R. Bioética e Direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2003.


PESSINI, L. Bioética: um grito por dignidade de viver. São Paulo: Paulinas, 2006.

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EAD
Bioética, Eutanásia e
Clonagem

8
1. OBJETIVOS
• Compreender a eutanásia como um problema controver-
so da Bioética, uma vez que envolve a vida humana.
• Incentivar a leitura e o debate sobre o tema, ampliando
a consciência com relação à adoção ou não da eutanásia.
• Estudar a questão da clonagem, compreendendo as con-
tribuições que essa técnica pode trazer ao ser humano.
• Abordar a clonagem terapêutica e discutir os pontos favo-
ráveis e contrários para a sociedade.

2. CONTEÚDOS
• Voltando às origens.
• Polissemia do conceito eutanásia.
• Classificação da eutanásia.
132 © Bioética

• Distanásia e ortotanásia.
• Considerações favoráveis e contrárias à adoção da euta-
násia.
• Conceituação e abrangência.
• Clonagem vegetal, animal e humana.
• Abordagem sobre os limites e as possibilidades do uso da
clonagem.

3. INTRODUÇÃO À UNIDADE
No estudo da unidade anterior, você foi subsidiado com con-
teúdos sobre o aborto, assunto que envolve valores éticos e cris-
tãos.
Embrenhamo-nos nas malhas tortuosas e emblemáticas da
Bioética e vamos dar um passo adiante. Agora, nesta unidade, en-
tra em cena um tema com um vocabulário bem complicado: eu-
tanásia, distanásia e ortotanásia. No rol dos assuntos polêmicos
que caracterizam o estudo da Bioética, está incluída, também, a
clonagem.
Entretanto, não se preocupe: cada fato a seu tempo. Dare-
mos as explicações plausíveis que irão facilitar o nosso itinerário.
A clonagem será abordada com base na sua conceituação e
nos seus diferentes tipos. Dessa forma, centralizaremos o enfoque
da clonagem humana e seus desdobramentos possíveis em uma
outra oportunidade.
Bom estudo!

4. VOLTANDO ÀS ORIGENS
O ser humano é o único ser vivente da Terra consciente de
sua finitude, que sabe que sua passagem neste mundo é transi-
tória e que deve terminar um dia; em outras palavras, ele tem a
certeza de que irá morrer.
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 133

O estudo sobre a morte e o fato de morrer motivou a me-


dicina a criar um novo ramo do conhecimento científico sobre o
assunto, o qual é denominado Tanatologia, ou seja, a ciência que
estuda a morte e que busca, na Filosofia e nas Ciências Sociais, as
diferentes formas de representação ritualística da extinção da vida
entre diferentes povos e culturas.
Houve épocas em que o ser humano se sentia senhor tanto de
sua vida quanto de sua morte. Então, com o desenvolvimento científico,
encontrou-se uma solução para o dilema; tal fato foi traduzido na me-
dicalização da morte, o que ocorreu no século 19. Assim, passou-se a
determinar que os doentes fossem levados e morressem nos hospitais,
ao contrário do que ocorria antes, quando as pessoas morriam em casa.
Com isso, a morte tornou-se laica e não mais religiosa. Dentro
desse contexto, ela transformou-se em uma dimensão menos dra-
mática e mais técnica, na qual era o médico quem decretava quando
se deveria interromper todo e qualquer tipo de tratamento.
Vamos buscar, na História, as primeiras notícias com relação
ao uso da eutanásia. Nesse sentido, veja como Suetônio, no século
2º, descreveu a morte do Imperador Augusto:
Sua morte foi suave, tal como sempre a tinha desejado, porque
quando ouvira dizer que alguém tinha morrido rapidamente e sem
dor, ele desejava o mesmo para si e os seus, usando a expressão eu-
thanásia (De vitae Caesarum) (SUETÔNIO apud LEPARGNER, 2009).

Caio Suetônio (69-126) foi arquivista e historiador latino que escre-


veu uma biografia sobre a personalidade dos Imperadores romanos.

Bem mais tarde, Thomas Morus, no seu livro Utopia (1516),


expressou sua posição com relação à morte:
Se a doença é incurável e faz-se acompanhar de dores agudas e con-
tínuas angústias, os sacerdotes e magistrados devem ser os primei-
ros a exortar os infelizes a decidirem-se a morrer. Então, devem fazer
com que vejam que, não tendo mais utilidade neste mundo, não têm
razão para prolongar uma vida que corre por sua conta e os torna
insuportáveis para os outros (MORUS apud LEPARGNER, 2009).

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134 © Bioética

Thomas Morus (1478- 1535), por vezes conhecido, como já men-


cionamos, como Thomas More, renascentista e grande humanista,
escreveu o livro Utopia e foi falsamente acusado de incesto por
Henrique VIII, preso na Torre de Londres e, mais tarde, executado.

No século 17, Francis Bacon compartilha dessa mesma atitu-


de e defende o uso da eutanásia.
Já a tradição deontológica é claramente oposta à eutanásia,
isso desde Hipócrates, e a sua condenação percorre os códigos
médicos de vários países. As legislações dos países variam, pois
uma parte adota a eutanásia, outros fazem restrições e há aqueles
que a proíbem.

Hipócrates foi o maior médico da Antiguidade (460-377 a.C.). É


conhecido como pai da medicina e o famoso Juramento de Hipó-
crates foi criado a partir de sua inquestionável conduta ética. Até
hoje, os recém-formados realizam o juramento de colocar a servi-
ço da sociedade os conhecimentos adquiridos dentro da medicina.
Acesse o site disponível em: <http://www.todabiologia.com/pesqui-
sadores/hipocrates.htm>. Acesso em: 30 jun. 2009, e conheça o
Juramento de Hipócrates.

5. POLISSEMIA DA PALAVRA “EUTANÁSIA”


A palavra eutanásia designa uma morte suave, sem sofrimento;
outros ainda a traduzem por morte digna, mas cada pessoa, cada
grupo interpreta a dignidade que convém à pessoa no contexto de
suas próprias crenças, isto é, do seu contexto familiar, social e cul-
tural (LEPARGNEUR, 1999).

Etimologicamente, “eutanásia” quer dizer “boa morte”. Na


acepção moderna, essa ausência de sofrimento é provocada pela
antecipação voluntária da morte de uma pessoa que sofre de ma-
neira insuportável.
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 135

A eutanásia é realizada com a ajuda de auxiliares benevo-


lentes ou com a antecipação de óbito, por compaixão, ocasionada
por ação ou omissão deliberada de outra pessoa. De acordo com
Hubert Lepargneur (1999), “Se a eutanásia é a morte de acordo
com as aspirações do sujeito, reconheçamos nela um lugar privi-
legiado da aplicação do princípio-mor da bioética de cunho norte-
-americano: a autonomia do sujeito humano”. Em nível teórico, há
princípios, valores e crenças que podem figurar como impedimen-
tos de tomar essa ou aquela posição controversa.
Ainda de acordo com Lepargneur (1999):
Na prática, a palavra chega a significar o adiantamento de um óbito
que o sujeito deseja em razão de sofrimentos que suas convicções
e sensibilidade não conseguem agüentar e/ou valorizar. O conceito
é freqüentemente usado de maneira pejorativa ou imprópria, não
sem riscos de confusões com conceitos realmente próximos. A euta-
násia não deve ser confundida com o homicídio, matança criminal,
direta ou indireta (como o envenenamento) de uma pessoa, sem seu
consentimento sequer implícito. O “homicídio por piedade” existe,
mas este tipo de “eutanásia” não pode ser defendido como padrão
normal da mesma. A eutanásia é também muito vizinha do suicídio
(muito pouco condenado no Antigo Testamento, se tanto) sendo, no
fundo, um suicídio assistido. O uso preferível do termo “eutanásia”
visa à situação em que o interessado quer livremente morrer, mas
não consegue realizar seu desejo amadurecido, por motivos físicos.
Compreende-se atualmente a eutanásia como o emprego ou abs-
tenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o
óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo dos extremos so-
frimentos que o assaltam ou em razão de outro motivo de ordem
ética. A afirmação teórica de que, em nossos dias de farmacopéia
avançada, toda dor encontra seu analgésico eficaz não correspon-
de ainda a uma prática generalizada. Na eutanásia, a morte deve
constituir a finalidade primária e não secundária da intervenção.
[...]
O cerne da eutanásia consiste, portanto, no adiantamento volun-
tário da morte pessoal por qualquer meio disponível, na maioria
das vezes para evitar sofrimentos julgados insustentáveis, encurtar
uma vida inútil, sem sentido (por exemplo, pela perda da honra em
certas culturas como a japonesa, reconhecemos que neste caso
trata-se de suicídio) ou penosa. [...]
[...] mais problemática é a interpretação do desejo de eutanásia por
parte de um paciente incapaz de se exprimir, já que existe o risco de
transferir-lhe, indevidamente, uma aspiração que lhe é estranha.

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136 © Bioética

As incertas fronteiras da eutanásia podem se sobrepor aos confins


da consciência, da capacidade de se comunicar, bem como às incer-
tezas interpretativas.

6. CLASSIFICAÇÃO DA EUTANÁSIA
Segundo Goldim apud Barbosa (2007), a eutanásia, depen-
dendo do critério considerado, pode ser classificada de diversas
formas, destacando-se as seguintes:
Quanto ao tipo de ação
Eutanásia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofri-
mento do paciente, por fins misericordiosos.
Eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre dentro
de um quadro terminal, ou porque não se inicia uma ação médica
ou porque há interrupção de uma medida extraordinária, com o
objetivo de minorar o sofrimento.
Eutanásia de duplo efeito: a morte é acelerada como uma conse-
qüência indireta das ações médicas que são executadas visando ao
alívio do sofrimento de um paciente terminal.
Quanto ao consentimento do paciente
Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a
uma vontade do paciente.
Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a von-
tade do paciente.
Eutanásia não-voluntária: quando a morte é provocada sem que o
paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela.

7. DISTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO


A distanásia é a agonia prolongada, é a morte com sofrimento físi-
co ou psicológico do indivíduo ainda lúcido e consciente. Esse ter-
mo foi proposto por Morache, em 1904, no seu livro Nascimento e
Morte e que foi publicado em Paris pela Editora ALCAN (OLIVEIRA
et al., s/d).

Em outras palavras, a distanásia é a tentativa de adiar o desfe-


cho da morte enquanto houver uma mínima chance de sobrevida.
Mas até que ponto o médico deve relatar ao paciente a sua
verdadeira situação? Ele deve contar toda a verdade ou não?
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 137

Em geral, para cada situação haverá uma norma ou reco-


mendação, pois depende de cada caso, da pessoa, da sua família,
da sua condição real, e assim por diante.
A postura diante da distanásia também é complicada, por-
que a eterna tentativa de manter a pessoa viva, mesmo que ela
esteja em coma profundo, também é discutível, afinal, não está
em jogo somente o paciente, mas também a sua família, os seus
parentes e, inclusive, a vaga no hospital.
O termo ortotanásia tem sido usado como sinônimo de morte na-
tural (do grego - orthós: normal, correta e thánatos: morte), ou
eutanásia passiva na qual se age por omissão (inversamente à eu-
tanásia ativa na qual existe um ato comissivo com real induzimento
ou auxílio ao suicídio), esta seria também a manifestação da mor-
te boa, desejável; ao contrário, enquanto isso o termo distanásia
seria, portanto, a morte dolorosa, com sofrimento, conforme se
observa com freqüência nos pacientes terminais de AIDS, câncer
doenças incuráveis, e tantas outras (OLIVEIRA et al., s/d).

É importante ressaltar ainda que, na ortotanásia, podem ser


adotadas medidas paliativas para aliviar o sofrimento da pessoa
que está em vias de falecer. A ortotanásia pode ser encarada, en-
tão, como a síntese ética entre morrer com dignidade e o respei-
to à vida humana, que se caracteriza pela negação da eutanásia
(abreviação da vida) e da distanásia (prolongamento da agonia e
do processo de morrer).
Assim, a ortotanásia permite ao doente que se encontra
diante da morte iminente e inevitável, sendo rodeado pela famí-
lia, amigos e pelos próprios profissionais da saúde, enfrentar com
naturalidade a realidade dos fatos, encarando o fim da vida não
como uma doença da qual se busque a cura a qualquer custo, mas
sim como uma condição que faz parte do ciclo natural e humano.

Algumas considerações contrárias ao uso da eutanásia


Há inúmeros argumentos expostos e defendidos por médi-
cos, estudiosos e especialistas que não admitem a hipótese do uso
da eutanásia.

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138 © Bioética

Nesse sentido, foi realizada uma pesquisa na PUC-SP nos


anos de 2006 e de 2007, na qual foi analisada a fundamentação
teórica sobre o tema. Houve, também, uma pesquisa empírica, de
forma que foram entrevistadas aproximadamente 60 pessoas de
diferentes áreas: médicos, advogados, psicólogos e religiosos de
vários credos.
O mesmo tema foi objeto de estudo de um grupo de estu-
dantes de Direito da PUC-SP, no qual 20 pessoas relativamente
idosas, 10 pessoas leigas, 15 servidores da justiça, 10 médicos e 5
sacerdotes foram entrevistados.
O principal argumento que apareceu nas entrevistas é pau-
tado na tradição bíblica: a vida não pertence ao ser humano, mas
a Deus. Quer dizer, há a crença de que o direito da vida e da morte
pertença exclusivamente a Deus. Dessa forma, do total de entre-
vistados, 48% alegaram a influência religiosa como argumento for-
mador de opinião.
Um segundo argumento que apareceu com frequência foi a
questão financeira: a eutanásia, uma vez implementada, poderia
gerar um comércio, banalizando a vida humana, esquecendo-se
do seu verdadeiro valor.
Houve, ainda, entrevistados que alegaram o próprio princípio
Constitucional no artigo 5º da Constituição Federal, que afirma: “a
vida é um direito inviolável, não sujeito a qualquer tipo de renúncia”.
Outro argumento que aparece com certo destaque contra a
eutanásia é o avanço contínuo da ciência médica, em que se toma
por provável o fato de que o que ainda hoje não possui cura, em
um futuro bem próximo, poderá passar a tê-la.
Assim, alguns entrevistados declararam-se totalmente con-
trários à prática da eutanásia, pelo fato de viverem, mais do que
nunca, os valores pragmáticos e utilitaristas que visam exterminar
todos os considerados inúteis e improdutivos dentro de uma pers-
pectiva capitalista.
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 139

Algumas considerações favoráveis ao uso da eutanásia


Com relação aos argumentos favoráveis à eutanásia, o mais
consistente e frequente destacado pelos advogados, médicos e
especialistas é o que parte, novamente, dos princípios constitu-
cionais, ou seja, da dignidade humana e da autonomia do pacien-
te, as quais deveriam ser levadas em consideração na decisão
médica.
Alegam os entrevistados que, na maioria das vezes, são os
familiares que, de maneira egoísta, procuram protelar a vida de
seu parente querido até um final terrivelmente doloroso, para
que, assim, possam permanecer perto dele por mais tempo.
Já na hipótese de o paciente pedir para não adiar o sofri-
mento e estando ele em sã consciência, para eles, o médico e os
parentes deveriam obedecer-lhe.
O princípio da autonomia, se for considerado e valorizado
de fato, tem o seu peso e a sua validade; logo, ao ser acoplado à
dignidade humana, ele amplia e alarga o fundamento da toma-
da de decisão do paciente que está, ainda, em plena consciência.
Atualmente, as pesquisas que são feitas no mundo inteiro revelam
que todos os avanços da ciência e da medicina que proporcionam
uma melhor qualidade de vida ao ser humano e que o auxiliam a
superar os seus problemas são válidos e desejáveis.
A ciência biomédica, por exemplo, conta com um arsenal de
ferramentas para controlar ou mitigar a dor física. No entanto, o
problema persiste, pois, quando acalmadas as dores, o sofrimento
continua.
Com efeito, vêm à nossa mente as seguintes perguntas: por
que há o sofrimento? Por que sofremos? Infelizmente, como sa-
bemos, essa dúvidas não podem ser respondidas cientificamente.
O atendimento e acompanhamento de pacientes terminais
representam uma situação desafiadora para os médicos, para os
amigos e para os familiares. Opta-se, então, pelo cuidado com a dor

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140 © Bioética

e com o sofrimento humano nas suas dimensões física, psíquica, so-


cial e espiritual, garantindo-lhe a dignidade no momento final.
Segundo Francisconi e Goldim (2003), as questões que se co-
locam são as seguintes: o paciente deve saber de toda a verdade
desde o início? Ou é melhor que o médico aguarde uma oportu-
nidade mais adequada para conversar com os familiares e, assim,
somente depois revelar a verdade ao doente? Nesse momento,
deve-se tomar muito cuidado, uma vez que essa revelação pode
gerar um impacto pequeno, ou, então, um trauma, que pode tra-
zer prejuízos psicológicos devastadores.
Só pode se auto-determinar, de maneira adequada, aquela pes-
soa que tiver pleno conhecimento dos fatos médicos ligados à sua
doença. Para tanto, o acesso à verdade é essencial. Mas o direito
à verdade cria uma obrigação para os médicos de sempre dizer a
verdade para os pacientes? O médico prudente avaliará cada caso
tentando pesar os prós e contras das duas alternativas: dizer a ver-
dade ou mentir para o paciente (FRANCISCONI; GOLDIM, 2003).

Além disso, o argumento de aliviar o sofrimento do pacien-


te está presente em boa parte da literatura que trata da eutaná-
sia. Encontra-se esse argumento, também, nas entrevistas citadas
anteriormente, em que a maioria dos entrevistados é favorável a
essa prática.
Até onde o ser humano pode suportar o sofrimento? Quem
vai determinar o limite e a capacidade de enfrentar uma enfermi-
dade irreversível que retire, por completo, o desejo de viver?
É bastante provável aceitar que, assim como somos ajuda-
dos a nascer, poderíamos ser, também, ajudados a morrer sem dor
ou sofrimento, caso isso seja realmente possível.
No entanto, o problema é tão abrangente e complexo que
mesmo os profissionais da saúde e os especialistas na área não
têm uma posição formada e firmada com relação à eutanásia, de
forma que muitos deles acreditam, no fundo, que cada caso pre-
cisa ser avaliado e analisado dentro do contexto familiar, social,
cultural etc. Até mesmo em países cuja legislação é mais sólida, as
dúvidas e os impasses continuam.
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 141

Atualmente, há certo consenso nos benefícios que a biotec-


nologia pode trazer para a preservação da vida, na erradicação e
cura de doenças e na reversibilidade da expectativa diante de con-
dições mais adversas.
Mas o que precisa ser discutido e aprofundado exaustiva-
mente é o mau uso desses recursos, com suas implicações éticas,
econômicas e legais, evitando-se que seja transformado em um
instrumento de exploração ou em um mecanismo de sofrimento
inútil e injusto.
Propomos, então, que a discussão sobre a eutanásia não
apenas se restrinja ao âmbito acadêmico e escolar ou na dimensão
da formação dos profissionais da Saúde, mas, também, amplie-se
para toda a sociedade, do modo que os meios de comunicação,
que são concessões públicas, assumam, de fato, seu papel de
construir uma mentalidade madura e equilibrada no meio social
a que servem.
Abordar a Bioética significa, portanto, ingressar em um ter-
reno complicado e desafiador, especialmente quando se trata da
vida e da morte, ou seja, do aborto, da eutanásia e da clonagem, a
qual será nosso próximo assunto.

8. CLONAGEM
Até aqui, realizamos uma caminhada tranquila e estimulante,
na medida em que nos deparamos com temas que ainda proporcio-
narão muito “pano para manga”, como se diz na linguagem popular.
Em fevereiro de 1997, a Revista Nature noticiava com desta-
que a história da primeira clonagem animal com sucesso, realizada
por Ian Vilmut, no Roslin Institute de Edimburgo: a ovelha Dolly.
O fato de a clonagem ter sido realizada em um mamífero e, so-
bretudo, a partir de uma célula adulta ou diferenciada fez com que
essa experiência científica assumisse uma importância toda especial
não só no meio da opinião pública, mas também no meio científico.

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142 © Bioética

Assim, quase que imediatamente, começou-se a falar da


possibilidade de se poder fazer a clonagem em seres humanos.
É interessante mencionar que um pouco antes, em 1993, ocor-
reu uma experiência envolvendo a divisão de embriões humanos, ou
seja, a clonagem de células embrionárias totipotenciais. Contudo,
com a clonagem da ovelha Dolly, realizada com células diferenciadas,
levantou-se a hipótese da possibilidade da clonagem humana.

9. CONCEITO DE CLONAGEM
A palavra “clonagem” tem sua raiz proveniente do termo
“clon”, originada do grego e que quer dizer “ramo”, “estaca”.
A clonagem é, pois, um processo pelo qual se reproduzem
organismos idênticos, ou seja, que têm a mesma dotação genética,
o mesmo DNA dos quais procedem os organismos vivos.
Portanto, a clonagem não pode ser entendida como algo
natural ou espontâneo, visto que se realiza por meio de uma in-
tervenção humana especial. Desse modo, uma vez que é uma in-
tervenção humana especial no processo de reprodução, ela pode
ser realizada em todas as dimensões da natureza, tanto em micro-
-organismos no reino vegetal, animal e humano.

INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR –––––––––––––––––––––––


O termo “clone” foi criado em 1903 pelo botânico Herbert J. Webber enquanto
pesquisava plantas no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Segun-
do Webber, o termo vem da palavra grega “Klón”, que significa broto vegetal. É,
basicamente, um conjunto de células, moléculas ou organismos descendentes
de uma célula e que são geneticamente idênticas à célula original.
Dessa forma, a clonagem é um processo de reprodução assexuada, onde são
obtidos indivíduos geneticamente iguais (micro-organismo vegetal ou animal) a
partir de uma célula-mãe. É um mecanismo comum de propagação de espécies
de plantas, bactérias e protozoários. Em humanos, os clones naturais são gê-
meos univitelinos, seres que compartilham do mesmo DNA, ou seja, do mesmo
material genético originado pela divisão do óvulo fertilizado (LEITE, s/d).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 143

Clonagem em micro-organismos
A manipulação de micro-organismos na forma de vírus e de
bactérias com objetivos biotecnológicos possibilita o uso da clona-
gem; por exemplo: se forem introduzidos genes humanos em bac-
térias, obteremos insulina humana e hormônios de crescimento.
Com a mesma base, podem-se produzir vírus ou bactérias
para outras finalidades, como, por exemplo, para eliminar insetos
nocivos, produzir adubos nitrogenados e, até, produzir armas bio-
lógicas.

Clonagem no reino vegetal


Esses tipos de intervenções descritas anteriormente tam-
bém podem ser praticados na genética do reino vegetal.
A replicação nas plantas, por exemplo, é uma prática habi-
tual passada de geração para geração e bastante comum entre os
agricultores, em especial, entre os fruticultores, que realizam a
prática do enxerto em árvores frutíferas.
O enxerto trata da parte de um organismo anterior, como,
por exemplo, uma árvore frutífera, da qual se faz uma replicação
em uma árvore silvestre convertida; assim, a partir do enxerto,
origina-se uma nova árvore frutífera. Além disso, esse enxerto tem
vantagem sobre as demais plantas frutíferas, pois ele não cresce
muito e produz frutos em menor tempo que as demais.
Nesse sentido, o uso de técnicas de clonagem nas espécies
vegetais é realizado após as modificações genéticas (como, por
exemplo, em plantas transgênicas), fazendo-se a replicação de es-
pécies geneticamente modificadas em legumes e cereais, como o
tomate, a batata, o arroz, o trigo e assim por diante. Por essa ra-
zão, o universo de possibilidades é vasto e promissor.
Logo, o que se pretende, em última instância, com o uso
dessas técnicas é elevar e melhorar os resultados da agricultura e,
portanto, dos alimentos em geral.

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144 © Bioética

Clonagem de animais
A clonagem em animais é um fenômeno ainda mais significa-
tivo. Por volta da década de 1930 do século passado, registraram-
-se os primeiros avanços na Biologia Celular e Molecular, com a
prática das cisões embrionárias e com a produção artificial de gê-
meos.
Assim, na década de 1950, começou-se a realizar a clonagem
de rãs na fase embrionária e, em 1980, começaram a ser clona-
dos ratos com células embrionárias. Já a partir da década de 1990,
ocorreram os clones embrionários com ovelhas, gado bovino e, so-
bretudo, com macacos.
O caso da ovelha Dolly, em 1997, foi um marco importante,
pois Ian Vilmut fizera mais de 270 experiências anteriores, todas
fracassadas. Até aquele momento, não se conseguira a clonagem
com células somáticas.
Depois da clonagem de Dolly, veio a clonagem de Polly, uma
ovelha em cujo DNA introduziu-se um gene humano para que fos-
se aumentada a potencialidade das proteínas do leite, deixando-o
mais adequado para o consumo humano. Com essa experiência
bem-sucedida, houve a continuidade de inclusão de um gene hu-
mano, com o objetivo de transplantes humanos e da produção de
medicamentos para os seres humanos.
Em alguns países, como EUA e Japão, foram clonados, no
mesmo ano (1997), bezerros com células somáticas.
A repetição e a ampliação de experiências com clonagem de
animais possibilitaram que os Centros de Pesquisa clonassem ape-
nas partes de organismos de animais, com o objetivo de utilizar os
órgãos e os tecidos para consolidar os resultados e as conclusões
sobre a segurança nesse processo.
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 145

10. AS POSSIBILIDADES DE CLONAGEM HUMANA


Do ponto de vista científico, não se pode descartar a hipó-
tese de, em um futuro não muito distante, realizar-se a clonagem
nos seres humanos.
Na Universidade de George Washington (EUA), em 1993,
uma equipe de pesquisadores já conseguira realizar uma divisão
de embriões humanos. Contudo, até hoje, não há experiências em
clonagem humana com células diferenciadas. De toda maneira, a
clonagem como pesquisa científica tem as suas ambivalências e
contradições.
Nas experiências com micro-organismos e vegetais, por
exemplo, podem ser produzidos medicamentos e, também, a ce-
lulose como forma de substituição ao uso tradicional da madeira.
Em contrapartida, a clonagem de micro-organismos pode também
ser utilizada para produzir armas biológicas.
Além disso, a clonagem de plantas transgênicas visa aumen-
tar a quantidade e a qualidade de alimentos para toda a humanida-
de. Em compensação, ela põe em risco a biodiversidade, podendo
acarretar o desaparecimento de espécies animais, com eliminação
de pragas, juntamente com as plantas. Com a prática da clonagem,
o reino animal poderá ser incrementado e ampliado no que tange
à zootecnia, à biotecnologia e às técnicas de transplantes.
Em contrapartida, não se pode negar os interesses econômi-
co-financeiros das grandes corporações internacionais em contro-
lar os preços dos produtos e mercadorias no mundo inteiro.
No caso da ovelha Dolly, por exemplo, foi uma empresa far-
macêutica que patrocinou todo o período experimental e, com o
anúncio do sucesso, suas ações tiveram grande destaque e valori-
zação no mercado de capitais.
Já em relação à clonagem humana, em termos técnico-cien-
tíficos, esta é possível de ser realizada; contudo, devem ser ques-
tionados quais seriam os aspectos positivos dessa experiência.

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146 © Bioética

Muitos pesquisadores defendem a ideia de que a clonagem


de células embrionárias criaria a possibilidade de se prever doen-
ças, geneticamente transmitidas, podendo-se selecionar uma par-
te do DNA sadio e, assim, fazer uma replicação. Em outras pala-
vras, a reprodução de seres idênticos, geneticamente, ofereceria
uma melhor aceitação de transplantes entre eles.
Outra hipótese bastante lembrada é que a clonagem permitiria
estudar melhor as doenças genéticas, como, por exemplo, o câncer.
Como já estudamos anteriormente, nas técnicas de repro-
dução assistida, o que ocorre não é a falta, mas o excesso de em-
briões guardados nos laboratórios.
Dessa forma, a clonagem humana realizada a partir de célu-
las somáticas teria a vantagem de poder resolver o problema de
procriação em um casal estéril e que não encontrou a solução da
infertilidade pelos meios científicos disponíveis hoje em dia.
É importante que deixemos bem claro que há dois tipos de
clonagem humana, a saber: a clonagem reprodutiva e a clonagem
terapêutica.
Em janeiro de 2001, um grupo de cientistas liderado por Pa-
nayotis Zavos, um ex-professor da Universidade de Kentucky, jun-
tamente com o pesquisador italiano Severino Antinori, disse que
clonaria um ser humano nos próximos dois anos.
Assim, surgiu a dúvida: quem usaria a clonagem humana
meramente reprodutiva e com quais finalidades?
Nesse sentido, não há, no mundo inteiro, nenhuma legisla-
ção segura e explícita e que contenha alguma fundamentação con-
sistente. No caso, a clonagem terapêutica pode ser pensada para
o futuro, tendo em vista que possa vir a combater uma série de
doenças como Parkinson, Alzheimer e outras. Pode ser utilizada,
também, como método reprodutivo pelos casais que enfrentam
problemas de infertilidade, mas deve pautar-se pela ética de se
trazerem benefícios a toda a sociedade, sem excluir ninguém.
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 147

Como você pode perceber, problemas complexos como es-


ses exigem análises complexas e aprofundadas; em outras pala-
vras, a clonagem contém uma série de aspectos que não podem
ser reduzidos ou simplificados.
O ser humano possui a dignidade como pessoa, como sujei-
to, agente de construção e transformação. Por isso, ele não pode
ser reduzido a uma “coisa”. Tratar o ser humano como objeto de
manipulação é uma forma de violência que precisa, de todas as
maneiras, ser evitada. O homem contém uma biodiversidade que
não apenas é genética própria, mas também tem um caráter cul-
tural plural.
Vale ressaltar que a clonagem reprodutiva traz em seu bojo o
risco da manipulação humana, seja ela racista, social ou comercial.
E há, ainda, outro aspecto: o ser humano tem a sua própria iden-
tidade; ele é um ser único, original e singular. Trata-se do princípio
de individualização, e a clonagem atenta diretamente contra ele.
Dessa forma, a clonagem de células humanas com fins tera-
pêuticos apresenta-se como uma alternativa bastante promissora
para um futuro próximo, uma vez que ela não ocasiona uma clona-
gem completa de um ser humano, mas apenas obtém, pela repli-
cação a partir de células-mães, células humanas que substituam
outras, visando à cura de doenças como o diabetes, o Alzheimer e
tantas outras.
O ponto mais polêmico reside no uso de células somáticas
ou embrionárias. No caso do uso de embriões, está-se ferindo a
dignidade humana, correspondente à vida que vai nascer. Em con-
trapartida, o uso de células-mães somáticas pode ser justificado e
validado.
Para encerrar esta unidade, citamos dois importantes no-
mes: Richard J. Roberts, pesquisador britânico, e Roger Konnberg,
pesquisador norte-americano, que são ganhadores dos prêmios
Nobel de Medicina em 1993 e de Química em 2006, respectiva-
mente, os quais afirmam que a realização da clonagem é possível

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148 © Bioética

de forma técnico-científica; porém, até o momento, a concepção


ética postula a inviabilidade da clonagem de seres humanos.

Recriar a vida: oitavo dia da criação? ––––––––––––––––––––


O crescente conhecimento científico e poder de intervenção sobre a vida huma-
na que a humanidade conquistou nos últimos anos, especificamente na área da
biologia e genética, com possibilidade real de re-criação da vida, assusta muita
gente.
Manchetes na mídia alardeiam, com freqüência, a expressão os “cientistas não
deveriam brincar de Deus”. Temos uma questão teológica implícita nessa frase.
Na maioria das vezes, a expressão “brincar de Deus” destina-se a proibir certas
formas de pesquisa científica e terapia médica, significando que o ser humano
não tem direito de alterar os planos estruturais dos organismos vivos, inclusive
do seu próprio, pois isso se constituiria em uma usurpação do privilégio de Deus
criador. A todo e qualquer avanço científico, levanta-se a placa: “Não brincará de
Deus”. “Diante dos extraordinários progressos da biotecnologia, a expressão bí-
blica de que o ser humano foi criado à “imagem e semelhança de Deus” está sen-
do substituída por outra: “Autocriado à sua própria imagem e semelhança” [...]
Deus criou a natureza como algo bom, mas ela não está completa. O sofrimento,
a doença e a morte são realidades marcantes. O conhecimento científico que
adquirimos busca o aprimoramento da criação que herdamos. A humanidade,
criada à imagem e semelhança de Deus, atua não concorrendo com Deus, mas
em aliança com ele. Por outro lado, o ser humano é apenas uma pálida imagem
de Deus. Suas intervenções técnicas também são marcadas, com freqüência,
pelo mal, pecado e finitude, é sua marca de criatura. Surge, aqui, a necessidade
de sabedoria ética, para discernir e orientar que intervenções tecnocientíficas de-
veriam ser evitadas ou encorajadas. Nessa visão, o ser humano não é um mero
executor passivo do eterno destino traçado desde sempre, mas alguém que, no
uso de sua liberdade criativa e responsável, assume sua vocação original de ser.
Concluímos lembrando Paul Ramsey, que diz: “Não deveríamos brincar de Deus
antes de aprendermos a ser seres humanos; e quando aprendermos a ser seres
humanos, não desejaremos brincar de Deus” (PESSINI, 2006, p.54-55).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

11. QUESTÃO AUTOAVALIATIVA


Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
© U8 - Bioética, Eutanásia e Clonagem 149

revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação


a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
1) Booker Washington é autor da seguinte frase: “ Uma
grama de aplicação vale mais de que uma tonelada de
abstração.”
Inspirado nessa ideia, procure conversar com familiares,
parentes e amigos para checar quem já teve um proble-
ma familiar semelhante de uma longa internação hospi-
talar, às vezes na UTI e em coma e como foi decidida essa
questão. Optou-se pelo ciclo da natureza, ou foi adotada
a eutanásia ou a distanásia? Essa checagem visa aferir a
distância que existe numa discussão teórica ou abstra-
ta e o enfrentamento de um problema real e concreto,
sobretudo quando envolve alguém muito querido e fa-
miliar.

12. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, conhecemos as definições de eutanásia, dis-
tanásia e ortotanásia, bem como suas características. Estudamos,
também, a clonagem com base na sua conceituação e nos seus
diferentes tipos.
Na próxima unidade, convidaremos você a conhecer conteú-
dos relacionados aos alimentos transgênicos e à doação de órgãos.
Até lá!

13. EͳREFERÊNCIAS
APARECIDA, et al. Saúde em foco: uma proposta para reflexão em ética e cidadania.
Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/EST/Revistas_EST/III_
Congresso_Et_Cid/Comunicacao/Gt04/Ana_Paula_Camila_M_Karoline_J_Mirian_M_
Nadia_D_Renata_B_Tatiane_S__Paulo_F.pdf>. Acesso em: 9 ago. 2010.

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150 © Bioética

BARBOSA, Edglay Lima. Eutanásia. 2007. Disponível em: <http://br.monografias.com/


trabalhos3/eutanasia/eutanasia2.shtml>. Acesso em: 9 ago. 2010.
FRANCISCONI, Carlos Fernando; GOLDIM, José Roberto. Problemas de fim de vida:
paciente terminal, morte e morrer. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/
morteres.htm>. Acesso em: 9 ago. 2010.
LEITE, Leonardo. Clonagem: conceitos e linguagem. Disponível em: <http://www.ghente.
org/temas/clonagem/index.htm>. Acesso em: 9 ago. 2010.
LEPARGNEUR, Hubert. Bioética da eutanásia: argumentos éticos em torno da eutanásia.
Disponível em: <http://www.bioeticaefecrista.med.br/textos/bioetica%20da%20
eutanasia.pdf>. Acesso em: 9 ago. 2010.
OLIVEIRA, et al. A ética da vida e da morte. Disponível em: <http://www.unincor.br/
revista/%C3%89tica%20da%20vida%20e%20da%20morte3.html>. Acesso em: 9 ago.
2010.

14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CUNDIFF, D. A eutanásia não é a resposta. Tradução de Jorge Pinheiro. Lisboa: Instituto
Piaget, 1997.
D’ASSUMPÇÃO, E. A. Biotanatologia e bioética. São Paulo: Paulinas, 2005.
DWORKIN, R. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. (Coleção Justiça e Direito).
FARIA, A. O. Eutanásia: a morte com dignidade. Florianópolis: Edufsc, 2007.
HINTER, M. P. Eutanásia: a dignidade em questão. São Paulo: Loyola, 2006.
JAKOBS, G. Suicídio, eutanásia e Direito. São Paulo: Manoel, 2003. v. 10.
LEPARGNEUR, H. Bioética, novo conceito: a caminho do consenso. São Paulo: Loyola,
2004.
MIRANDA, G. Bioética e eutanásia. Florianópolis: Edufsc, 2005.
PESSINI, L. Como lidar com o paciente em fase terminal. Aparecida: Santuário, 2004.
______ .Bioética:um grito por dignidade de viver. São Paulo: Paulinas,2006
______. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Loyola, 2001.
______. Eutanásia: porque abreviar a vida? São Paulo: Loyola, 2004.
______. Problemas atuais da bioética. São Paulo: Loyola, 1997.
SARMENTO, D.; PIOVESAN, F. (Coords.). Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e
eutanásia sob as perspectivas dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
VIDAL, M. Dez palavras-chave em moral do futuro. São Paulo: Paulinas, 2003.
ZATZ, M. A biologia molecular contribuindo para a compreensão e a prevenção das
doenças hereditárias. São Paulo: Ciência & Saúde Coletiva, 2002. v. 7.
EAD
Alimentos Transgênicos,
Transplantes e
Doação de Órgãos
9
1. OBJETIVOS
• Estudar a temática sobre os alimentos transgênicos, ana-
lisando os prós e os contras do seu uso.
• Analisar os impactos dos alimentos transgênicos sobre a
saúde humana e o meio ambiente.
• Compreender o tema referente aos transplantes e à sua
importância para salvar vidas humanas.

2. CONTEÚDOS
• Conceituação, argumentos favoráveis e contrários ao uso
dos transgênicos.
• Impactos sobre a saúde humana e o meio ambiente.
• Em que consistem o transplante e a doação de órgãos.
• Dimensões dos transplantes e os seus desdobramentos:
quem pode doar ou não.
• Necessidade de combater o mercado de órgãos.
152 © Bioética

3. ORIENTAÇÃO PARA O ESTUDO DA UNIDADE


1) Ao final da 2ª Guerra Mundial, o Tribunal Militar Inter-
nacional processou criminosos de guerra nazistas, in-
cluindo médicos que haviam realizado experimentos em
prisioneiros nos campos de concentração. A decisão do
tribunal incluiu o que agora é chamado de Código de
Nuremberg, uma declaração contendo 10 pontos, que
resumem aquilo que seria permitido em experimentos
médicos com participantes humanos.
A Declaração de Helsinque foi publicada pela primeira
vez pela World Medical Association (Associação Médica
Mundial) em 1964. É regularmente citada como referên-
cia na maioria das diretrizes nacionais e internacionais,
e é considerada por muitos como sendo o primeiro pa-
drão internacional de pesquisa biomédica. No centro
da declaração está a afirmação de que ‘o bem-estar do
ser humano deve ter prioridade sobre os interesses da
ciência e da sociedade’. Também fornece atenção espe-
cial à importância do consentimento livre e esclarecido
por escrito (Disponível em: <http://www.fhi.org/sp/RH/
Training/trainmat/ethicscurr/RETCCRPo/ss/Contents/
SectionVI/b6sl69.htm>. Acesso em: 27 maio 2009).

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você estudou temas atuais da Bioética
como a eutanásia e a clonagem.
Agora, nesta última unidade, você terá a oportunidade de
estudar os alimentos transgênicos, os transplantes e a doação de
órgãos.
Então, vamos lá!
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 153

5. CONCEITUAÇÃO DOS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS


O debate sobre os alimentos transgênicos traz à tona alguns
problemas cruciais de ética com relação à saúde da população, os
quais precisam ser enfrentados com toda a clareza e lisura.
Em nosso país, foi promulgada, em 24 de março de 2005, a
Lei n. 11.105, que trata dos Organismos Geneticamente Modifica-
dos (OGMs), sendo criada, assim, a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTBio).
Não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, há muitas in-
definições e desconhecimentos acerca da aplicação e do resultado
no cultivo das plantas, bem como na criação de animais que po-
dem trazer benefícios e riscos.

Quais são os benefícios e quais são os riscos?


Como toda novidade passa por improvisações, em um pri-
meiro momento, no Brasil, permitiu-se tudo em relação ao uso de
transgênicos. Depois, vieram as pressões internacionais e, então,
começou-se a proibir tudo.
Nos meios acadêmicos e, também, na mídia em geral, o que
se percebe é um desencontro total de concepções entre cientistas,
políticos, economistas e agentes de mercado.
Afinal, devemos ser a favor ou contra o uso de transgêni-
cos? Com que base? Com quais argumentos? Qual a postura ética
a ser adotada diante de tantas interrogações e dúvidas? Essas são
algumas indagações que precisam ser elucidadas, aprofundadas e
respondidas.
O grande desafio da utilização de transgênicos não está re-
lacionado apenas ao clima e ao meio ambiente, mas também ao
seu controle ético-social. Referimo-nos, pois, à adoção de uma éti-
ca que esteja fundamentada na responsabilidade com o futuro da
humanidade, a qual deve orientar a aplicação das pesquisas e das

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154 © Bioética

descobertas científicas em função da saúde e do bem-estar das


pessoas, e, consequentemente, conhecer quais são os interesses
que estão em jogo.
Podemos definir os produtos transgênicos como organismos
que recebem e incorporam genes de outras espécies.
TRANSGÊNICO é todo o organismo que seja modificado ge-
neticamente, pelas técnicas de engenharia genética.
Em outras palavras, é qualquer organismo em que se tenha
introduzido uma ou mais sequências de DNA (genes) provenientes
de uma outra espécie, ou uma sequência modificada de DNA da
mesma espécie (OPINA TUDO, s./d.).
As manipulações genéticas possíveis consistem na adição,
subtração (destruição), substituição mutagênese, bem como na
desativação ou destruição de genes.
O conceito transgênico foi utilizado em 1982 por Gordon
e Ruddle, época em que foram divulgados, nos EUA, os camun-
dongos gigantes “fabricados” por Palmiter Brinster e Hammer. Em
1983, foi feita a primeira planta transgênica.
A partir daí denominou-se transgene o gene adicional que
passa a integrar o genoma empedeiro, sendo o novo caráter dado
a ele transmitido à descendência, o que significa que a transgêne-
se é germinativa (OPINA TUDO, s./d.).
Na verdade, os resultados da transgenia já tinham sido al-
cançados desde a década de 1970, na qual foi desenvolvida a téc-
nica do DNA recombinante.
Nesse sentido, para Vogt (2002):
O potencial da biotecnologia é imenso e esta pode ser uma das fer-
ramentas mais poderosas na resolução de problemas, como foi o
caso do primeiro produto surgido em 1982: a insulina humana para
o tratamento de diabetes. A partir daí foram intensificadas as pes-
quisas com plantas e animais transgênicos. Algumas descobertas
importantes precisam ser destacadas: “batatas-vacinas” que evi-
tam doenças como a hepatite B; frutas e vegetais fortalecidos com
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 155

vitaminas C e D; “bananas-vacina” contra doenças infantis; canola


com óleo enriquecido com betacaroteno, o qual é convertido em
vitamina A, são alguns exemplos do potencial de aplicação dessas
técnicas [...].
Os argumentos de que a fome cresce no mundo e de que a produ-
ção tradicional de alimentos não será capaz de atender as necessi-
dades das populações crescentes dos diferentes países do mundo
são frequentemente usados pelos defensores das modificações
transgênicas [...].
As discussões sobre segurança dos alimentos geneticamente mo-
dificados, seus riscos e benefícios ocupam espaço importante no
meio científico, no segmento industrial, nos movimentos sociais e
ecológicos, nos Fóruns Internacionais, nos Tribunais, na imprensa
e, aos poucos, junto à população que, muitas vezes, não tem a ver-
dadeira dimensão de o quanto os produtos transgênicos já fazem
parte do seu cotidiano.

Em sua maioria, os alimentos transgênicos são mais baratos


que os convencionais, mas ainda não se sabe se a diferença de
preço é ocasionada por causa do aumento da produtividade ou se
é para induzir a compra desse tipo de alimento pelo consumidor.

6. ALGUNS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS


Pelo fato de o uso dos transgênicos ter uma história muito
recente, ainda é muito complicado estabelecer uma fundamenta-
ção mais convincente e condizente sobre o seu uso.
De qualquer maneira, desde que essa discussão foi iniciada,
os alimentos transgênicos ganharam muitos defensores.
Dessa forma, dentre os principais argumentos a favor desse
tipo de alimento, podemos destacar os seguintes:
a) A produção de alimentos transgênicos em larga escala beneficia
o consumo humano, pois é menos onerosa e isso a tornaria mais
acessível a toda a população.
b) A manipulação genética de plantas é relativamente simples e fácil,
pois a partir de uma única célula se pode obter outra planta (AMABIS).
c) As propriedades dos genes bacterianos de resistência a pragas na
lavoura seriam transportadas para as plantas transgênicas, com o
mesmo efeito, e isso viria a baratear o custo dos alimentos.

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156 © Bioética

d) Uma das esperanças dos cientistas, diz Amabis, é a de que as


variedades produzidas adquiram a capacidade de fixar o nitrogênio
diretamente no ar, como fazem as bactérias e algumas legumino-
sas, e para isso eles consideram que a produção agrícola fica limita-
da justamente pela disponibilidade de nitrogênio no solo.
e) Uma planta com maior teor de nutrientes pode saciar a fome e
trazer benefícios à saúde.
f) A produção de um alimento transgênico permite introduzir, nesse
alimento, elementos que antes não existiam, como o betacaroteno
(da vitamina A), tornando-o mais rico e saudável (BOA SAÚDE, 2009).

7. ALGUNS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS AO USO


DOS TRANSGÊNICOS
É importante que ressaltemos, também, os opositores à uti-
lização dos alimentos transgênicos, de forma que podemos men-
cionar os seguintes argumentos:
a) Os transgênicos representam um aumento de riscos para a saú-
de dos consumidores e as multinacionais querem negar o direito
dos consumidores à informação.
b) Não há regulamentos técnicos para a segurança no uso de pro-
dutos transgênicos, e estes tendem a provocar a perda da diversi-
dade genética na agricultura.
c) A erosão genética ameaça o futuro da agricultura e os transgê-
nicos tornam a agricultura cada vez mais arriscada, podendo pro-
vocar poluição genética e o surgimento de superpragas, além de
matar insetos benéficos para a agricultura.
d) Os transgênicos podem afetar a vida microbiana no solo e os
impactos dos transgênicos na natureza são irreversíveis.
e) Ninguém quer assumir a responsabilidade pelos riscos dos trans-
gênicos.
f) Umas poucas multinacionais podem monopolizar a produção de
sementes para a agricultura, tornando os agricultores brasileiros e
o Brasil dependentes de seus interesses.
g) As variedades transgênicas não são mais produtivas do que as
convencionais ou muitas das tradicionais.
h) Os transgênicos podem aumentar o desemprego e a exclusão
social no Brasil e representam um risco para a segurança alimentar
dos brasileiros.
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 157

i) Não existem conhecimentos científicos sobre os impactos do uso


de transgênicos no meio ambiente ou na saúde humana para a rea-
lidade brasileira (BOA SAÚDE, 2009).

Há uma ala de defensores do uso de transgênicos que apre-


goam que a engenharia genética poderá produzir alimentos livres
de fertilizantes, e que, para isso, bastaria inocular nas plantas ge-
nes capazes de aumentar a fixação de nitrogênio.
No entanto, uma pergunta paira no ar: quais são as conse-
quências dessa prática no balanceamento de nutrientes no solo?
Essa técnica envolve questões referentes ao equilíbrio ambiental,
ao macro e ao microssistema.
Temos, de um lado, as empresas transnacionais que anun-
ciam os seus produtos como alternativas para melhorar o rendi-
mento da colheita, a diminuição dos custos finais da produção e
a redução da utilização de agrotóxicos; de outro lado, as organi-
zações de defesa do meio ambiente e de defesa dos direitos do
consumidor alertam o público que tais sementes e/ou alimentos
podem ser nocivos à saúde humana e prejudicial ao meio ambien-
te, já tão degradado e destruído.

8. ALIMENTOS TRANSGÊNICOS: IMPACTOS SOBRE A


SAÚDE E O MEIO AMBIENTE
Uma parte significativa de cientistas e pesquisadores argu-
menta que as manipulações genéticas dos Organismos Genetica-
mente Modificados (OGMs) podem causar mutações que modifi-
cariam o funcionamento normal dos genes naturais do organismo,
gerando efeitos colaterais imprevisíveis. O processo não é total-
mente controlado e surpresas indesejáveis poderiam acompanhar
aquelas mudanças ambicionadas.
Alega-se, ainda, que o plantio de transgênicos poderia redu-
zir a biodiversidade, como consequência da maior agressividade
das culturas transgênicas, levando ao desaparecimento de varie-
dades nativas e espécies silvestres.

Claretiano - Centro Universitário


158 © Bioética

Além disso, há críticas, também, no que se refere à possibi-


lidade de eliminação de insetos e de fungos por OGMs, alterados
para a produção de inseticidas e fungicidas, interferindo, assim,
nas populações de insetos benéficos ou predadores e na comuni-
dade de organismos do solo.
Segundo Faria (s/d):
Do ponto de vista da saúde humana, muitos especialistas, tanto
da comunidade científica nacional quanto da internacional, adver-
tem, igualmente, que os alimentos transgênicos não foram ainda
de todo testados e sua segurança, suficientemente comprovada.
Poucos seriam os estudos efetivos referentes a potenciais riscos à
saúde no médio e no longo prazos. Defendem a necessidade de
ensaios toxicológicos e avaliações epidemiológicas mais aprofun-
dadas e conduzidas por períodos mais longos.

A rejeição quanto ao uso dos alimentos transgênicos está bas-


tante presente no mundo inteiro. Quase todos os países da Europa
têm rejeitado os produtos transgênicos. Assim, devido à pressão
de grupos ambientalistas e da própria população, os governos eu-
ropeus proibiram sua comercialização e seu cultivo, de forma que
quase 80% dos europeus não querem consumir esses produtos.
Além dos aspectos ambientais e de saúde humana, há ou-
tros aspectos, como os econômicos e os estratégicos, que preci-
sam ser avaliados: os europeus, por exemplo, mantêm uma posi-
ção de cautela em relação ao consumo de produtos alimentícios
transgênicos.
O Brasil poderia valer-se da preferência de compradores in-
ternacionais por produtos não transgênicos para aumentar as ex-
portações agrícolas e, até mesmo, obter um preço melhor para as
mercadorias, tendo em vista que podemos produzir várias safras
anuais, enquanto a Europa, Japão e América do Norte têm inver-
nos rigorosos e por longo tempo.
Dessa forma, pelo fato de o Brasil ser rico em biodiversidade,
o impacto do uso de sementes transgênicas não pode ser avaliado
com base nos estudos provenientes somente do exterior.
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 159

Por isso, é necessário promover estudos locais, regionais e


nacionais sobre os riscos do meio ambiente. As condições climá-
ticas e ambientais, como país tropical, são totalmente diferentes
daquelas observadas em países de clima temperado.
Segundo dados do Serviço Internacional para a Aquisição de
Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA), em 2002, a área mundial
cultivada com produtos transgênicos atingiu 58 milhões de hecta-
res e os quatro maiores plantadores são:
a) EUA, com 66%.
b) Argentina, com 23%.
c) Canadá, com 6%.
d) China, com 4%, com predomínio da soja, milho, algodão
e canola.
Destacar as contradições e incertezas que englobam os ali-
mentos transgênicos não significa, pois, direcionar o debate a uma
perspectiva ideológica ou apriorística a favor ou contra, sem entrar
no mérito do problema.
As intervenções sobre a genética vegetal e animal devem ser
pensadas e realizadas em função do bem comum para toda a hu-
manidade.
Ao aceitar os benefícios realizados nessas intervenções,
como também em outros, não se pode incorrer em novas formas
de imperialismo e monopolismo econômico, agora de caráter bio-
tecnológico. Há limites reais nas intervenções biotecnológicas,
quando estas podem causar danos ou desastres ecológicos e, até
mesmo, algum tipo de risco para o ser humano, como, por exem-
plo, a transmissão de vírus ou contaminações não controláveis.
A ética da Biologia e da Medicina não pertence somente aos
biólogos e aos médicos; também não pertence aos filósofos, aos
teólogos, aos juristas e aos cientistas políticos e sociais. A ética,
como valor, pertence a todos os cidadãos. A todo instante, o cida-
dão comum pode enfrentar questões de vida e de morte, de doen-

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160 © Bioética

ças graves e incuráveis, de dúvidas e de desafios que requerem


uma tomada de decisão consciente, crítica e abalizada.
Por essa razão, todos são responsáveis pelo estudo e apro-
fundamento da Bioética e da Biotecnologia. O que acontecerá no
futuro, em termos do uso mais massivo dos produtos transgênicos,
é difícil de prever. Os Comitês, as Comissões, os órgãos de fiscaliza-
ção e supervisão deverão fazer-se presentes e atuarem com lisura
e transparência. Esses grupos serão ainda necessários enquanto a
maioria se omitir e desconhecer os debates que se estão realizan-
do em torno do tema.
O ser humano não é um mero executor passivo de ações e
práticas cotidianas, mas, imbuído de sua liberdade criativa e res-
ponsável, deve assumir o protagonismo na construção de sua his-
tória, da cultura e do próprio conhecimento como ferramenta que
auxilia o seu bem-estar.

9. TRANSPLANTES E DOAÇÃO DE ÓRGÃOS


No decorrer dos estudos que estamos realizando sobre a
Bioética, o problema crucial e mais relevante é o que se relaciona
à vida ou à morte do ser humano, ou seja, quando, de fato, inicia
a vida, qual o significado da existência, quando ocorre a morte e
em que circunstâncias. Como a vida é um valor extremamente va-
lioso, há que se ter todo o cuidado no que se refere ao tema trans-
plantes e doação de órgãos, que pode ser encarado por diferentes
pontos de vista.
Por um lado, é a esperança e a possibilidade concreta de
um órgão doado poder dar continuidade a outra vida, como, por
exemplo, no caso do transplante de coração, de fígado, de rim,
de córnea, entre tantas ou outras hipóteses. Por outro lado, há a
possibilidade de se instaurar um processo de comércio mesquinho
e explorador de órgãos, sobretudo em países ou regiões mais po-
bres e desprovidas de recursos.
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 161

Cotidianamente, a mídia noticia denúncias e matérias alar-


mantes sobre esse assunto, em diversas partes do mundo.
Sabemos que empresas multinacionais e indústrias farma-
cêuticas poderosas investem pesadamente em pesquisas, visando,
exclusivamente, ao lucro e ao enriquecimento fácil, uma vez que
é muito mais fácil realizar testes em um ambiente empobrecido e
necessitado, do que em países onde há normas e legislação, regu-
lamentando as pesquisas biomédicas.

10. RECORDANDO ALGUNS FATOS


Costuma-se dar ênfase às atrocidades praticadas, antiga-
mente, e mais recentemente nos campos de concentração nazista
e, com base no conhecimento por parte do público de fatos explo-
ratórios que ocorrem, começam as reações em cadeia no sentido
de cobrar diretrizes éticas em defesa da dignidade e da vida hu-
mana.
Em 1947, surgiu o Código de Nuremberg; mais tarde, em
1964, elaborou-se a Declaração de Helsinque, que passou a ser
considerada como um marco de referência, passando por inúme-
ras reformulações e atualizações.
O primeiro transplante registrado no Brasil foi realizado em
1954, no qual foram transplantadas as córneas de um paciente.
Com o passar do tempo, a evolução, as técnicas de captação, a re-
moção e o transplante foram aperfeiçoados, assim como os equi-
pamentos cirúrgicos, os Centros de Saúde e os medicamentos para
evitar uma possível rejeição.
A partir de 1980-1990, quase todos os países do mundo, in-
clusive os não desenvolvidos, começaram a criar seus Comitês de
Ética na pesquisa biomédica.
No caso do Brasil, já que nossos estudos são direcionados
prioritariamente para a nossa realidade, em 1996, o Conselho Na-

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162 © Bioética

cional de Saúde do Ministério da Saúde, por meio da Resolução n.


196, criou a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP) e uma
rede institucional de 315 Comitês de Ética e Pesquisa, espalhados
em Hospitais, Universidades e em Instituições de Pesquisa pelo
Brasil inteiro.
A Resolução n. 196/96 de 10 de novembro de 1996 contém
os quatro referenciais éticos fundamentais que devem ser obser-
vados em toda a pesquisa que envolver seres humanos, a saber:
III - ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMA-
NOS
As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigên-
cias éticas e científicas fundamentais.
III. 1 - A eticidade da pesquisa implica em:
a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a pro-
teção a grupos vulneráveis e aos legalmente incapazes (autono-
mia). Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá
sempre tratá-lo em sua dignidade, respeitá-lo em sua autonomia e
defendê-lo em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como poten-
ciais, individuais ou coletivos (beneficência), comprometendo-se
com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficên-
cia);
d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para
os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os sujeitos vul-
neráveis, o que garante a igual consideração dos interesses envolvi-
dos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária
(justiça e eqüidade) (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996).

A Lei n. 9.434, datada de 1997, regulamentou o uso de par-


tes do corpo humano, tecidos e órgãos de pessoas mortas a serem
destinadas a transplantes ou tratamento após comprovação de
morte encefálica. Inicialmente, a Lei definia a doação resumida e
deveria constar no documento de identidade.
Na época, houve um decréscimo enorme de doadores, dada
a suspeita de que se poderiam cometer muitas arbitrariedades.
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 163

Em 2001, a Lei n. 10.211 descrevia que a doação presumida


foi revogada e o poder de decisão passou a ser da família do pa-
ciente, após certificada a morte encefálica.
A legislação também viabilizou a criação da Associação Bra-
sileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), e, mais tarde, a Alian-
ça Brasileira de Doação de Órgãos e Tecidos (ABDOT) e o Sistema
Nacional de Transplantes, coordenado pelo próprio Ministério da
Saúde.

11. DIMENSÃO SOCIAL DO PROBLEMA DE TRANSͳ


PLANTE
Vejamos algumas questões relacionadas ao grande proble-
ma que é o transplante de órgãos:
• Quantas pessoas, somente no Brasil, aguardam a doação
de um órgão para transplante?
• Quem pode doar um ou mais órgãos para serem trans-
plantados em outro paciente?
• Quais são os requisitos e os cuidados com relação à doa-
ção, retirada dos órgãos, conservação, transporte e reim-
plante?
São essas as questões que analisaremos a seguir.
O Ministério da Saúde estima que, atualmente, mais de
70.000 pessoas aguardam a possibilidade de realizar um trans-
plante de algum tipo de órgão.
Em contrapartida, na prática, há poucos doadores, sobre-
tudo porque não há uma conscientização por parte da sociedade
para esse problema.
Recentemente, o Ministério da Saúde lançou uma campanha
chamada Tempo é vida, com o objetivo de esclarecer e incentivar
mais pessoas a se tornarem doadoras de órgãos.

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164 © Bioética

Segundo o Dr. José Medina Pestana, presidente da Associa-


ção Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), para que um ór-
gão seja doado, basta, apenas, que a família autorize.
Dessa forma, a doação pode ser autorizada quando se cons-
tata a morte encefálica do paciente.
Segundo o Ministro José Gomes Temporão, o Brasil hoje de-
tém o maior programa público de transplantes de órgãos e tecidos
do mundo, sendo que 95% das intervenções são realizadas no Sis-
tema Único de Saúde (SUS). O Brasil é o segundo país do mundo
na realização de transplantes. (MATIAS, 2009). Por causa de uma
divulgação mais agressiva e permanente, somente no primeiro se-
mestre de 2008, foram feitos 8.365 transplantes no país, o que
significa um aumento de 15% com relação ao ano passado.
O Novo Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Trans-
plantes, lançado em setembro de 2008, prevê a padronização das
regras da fila de espera em todos os estados do país e o mecanis-
mo para evitar tentativas de fraudes e irregularidades com acom-
panhamento pela internet.
Ainda há filas de, aproximadamente, 35.000 pessoas apenas
para o transplante de rim. Com esse transplante, evitam-se as ses-
sões dolorosas e regulares de hemodiálise.

12. O QUE É NECESSÁRIO PARA A DOAÇÃO DE ÓRͳ


GÃOS?
A primeira atitude a ser tomada por um doador potencial
ou real é conversar com a família e deixar claro o seu desejo. Não
precisa ser por escrito; basta que os familiares, com parentesco de
até segundo grau, autorizem.
A retirada de órgãos ou tecidos somente poderá ser realiza-
da com a comprovação de morte cerebral (encefálica), com base
em dois exames neurológicos, realizados por dois médicos que
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 165

não participem das equipes de captação e de transplante, além de


um exame complementar.
Devemos ressaltar que a morte encefálica é diferente do
coma, no qual as células do cérebro ainda estão vivas, respirando
e alimentando-se, mesmo que estejam com dificuldades ou este-
jam um pouco debilitadas. Assim, embora ainda haja batimentos
cardíacos, a pessoa com morte cerebral não pode respirar sem
os aparelhos e o coração não baterá por mais de algumas poucas
horas.
É importante, ainda, saber que todo o processo deve ser
acompanhado por um médico de confiança da família do doador.
A doação de órgãos também pode ser feita em vida, por
qualquer pessoa que apresente um bom estado de saúde e seja
compatível. Vejamos algumas exigências necessárias para esse
tipo de doação:
a) ser um cidadão juridicamente capaz;
b) estar em condições de doar órgão ou tecido sem com-
prometer a saúde e as aptidões vitais;
c) apresentar condições adequadas de saúde avaliadas por
um médico que afaste a possibilidade de existir doenças
que comprometam a saúde durante e após a doação;
d) querer doar um órgão ou tecido que seja duplo, como o
rim, e não impeça o organismo do doador de continuar
funcionando;
e) ter um receptor com indicação terapêutica indispensá-
vel de transplante;
f) ser parente de até quarto grau ou cônjuge. No caso de
não parentes, a doação só poderá ser feita com autoriza-
ção judicial (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
A Legislação Brasileira também prevê normas para quem
não pode fazer doações em vida. Destacamos algumas delas con-
sideradas mais importantes:

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166 © Bioética

a) Pacientes portadores de insuficiência orgânica que com-


prometa o funcionamento de órgãos e tecidos doados,
como insuficiência renal, hepática, cardíaca, pulmonar,
pancreática e medular.
b) Portadores de doenças contagiosas transmissíveis por
transplante, como soropositivos para HIV, doença de
Chagas, hepatite B e C, além de todas as demais con-
traindicações utilizadas para a doação de sangue e he-
moderivados.
c) Pacientes com infecção generalizada ou insuficiência de
múltiplos órgãos e sistemas.
d) Pessoas com tumores malignos, com exceção daqueles
restritos ao sistema nervoso central, carcinoma basoce-
lular e câncer de útero, e doenças degenerativas crôni-
cas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009).
Não podemos deixar de destacar um tipo de doação que
também pode ser feito em vida: o de medula óssea, que é um te-
cido líquido que ocupa o interior dos ossos. O transplante é indica-
do em alguns tipos de leucemia e em algumas doenças do sangue.
Logo, qualquer pessoa pode doá-la, desde que tenha idade entre
18 e 55 anos e goze de boa saúde.
Com a escassez de doadores de medula óssea, temos como
outra opção a utilização do sangue do cordão umbilical, que é uma
rica fonte de células-tronco. O cordão reconstitui as células do san-
gue, e, por isso, podem ser transplantadas sem a necessidade de
uma completa semelhança entre o paciente e o doador.
Assim, se, por um lado, o país avança muito com relação aos
transplantes e à doação de órgãos, por outro, ainda há muitos pre-
conceitos e desconfianças, pouca consciência de solidariedade en-
tre os cidadãos comuns e raro conhecimento da importância e da
necessidade de doações.
Nesse sentido, milhares e milhares de pessoa ainda morrem
por falta absoluta de doadores. Além disso, há, também, os pro-
blemas técnicos, como, por exemplo, a inexistência de condições
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 167

médicas no que concerne à retirada de órgãos, o transporte rápido


e seguro e o transplante propriamente dito, que salva vidas e que
dá outra chance para um paciente, muitas vezes, em fase terminal.

Necessidade de combater o mercado de órgãos


Afirmamos diversas vezes no decorrer deste estudo que a
vida é um valor precioso e inestimável, de modo que devemos evi-
tar transformá-la em um simples produto ou mercadoria.
Não é tarefa difícil averiguar em jornais e revistas de circula-
ção nacional anúncios de venda de órgãos.
No caso dos transplantes e doações de órgãos, a demanda
por um órgão é sempre superior do que a oferta. Decorre daí os
abusos, o comércio velado ou explícito, os subterfúgios, os alicia-
mentos e assim por diante.
As organizações internacionais que se referem às medicinas,
à Saúde e, também, aos Direitos Humanos são claramente con-
trárias à compra e à venda de órgãos de pessoas vivas ou após a
morte.
Desse modo, a legislação brasileira, baseada na Lei n.
9.434/97, considera crime o comércio de órgãos e pune tanto
quem vende quanto quem alicia vendedores e recepta órgãos,
com pena de prisão que varia entre 8 e 13 anos.

O controle ético-social dos transgênicos –––––––––––––––––


[...] O grande nó em relação aos transgênicos não está somente na utilização ou
não dessa nova tecnologia, mas no seu controle ético-social. Tal controle deve
acontecer num nível diferente dos planos científico e tecnológico. É bom lembrar
que a ética sobrevive sem a ciência e a técnica, e sua existência não depende
delas. Por sua vez, a ciência e a técnica não podem prescindir da ética, sob
pena de transformarem-se, nas mãos de ideologias e minorias inescrupulosas,
em poderosas armas que ameaçarão o futuro da humanidade. A história, nesse
sentido, apresenta vários exemplos nada edificantes.
Falamos, aqui, da necessidade de uma ética referente à responsabilidade para
com o futuro da humanidade, a qual vai orientar a utilização e a aplicação das
descobertas científicas em função da saúde e do bem-estar das pessoas, ques-
tionar a respeito dos interesses a quem servem, bem como sobre as conseqüên-

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168 © Bioética

cias sociais de sua aplicação. A ciência e a técnica devem ser utilizadas como
instrumentos a serviço da saúde. Nessa perspectiva, é indispensável agregar à
discussão sobre os transgênicos referenciais éticos que direcionem as fronteiras
do progresso da tecnociência, sem, obrigatoriamente negá-lo. “Temos que intro-
duzir um debate, para além dos referenciais éticos da prudência, da tolerância e
da responsabilidade, a questão da equidade e da justiça distributiva dos benefí-
cios.” O grande nó em relação aos transgênicos não está somente na utilização
ou não desta nova tecnologia, mas no seu controle ético-social (PESSINI, 2006,
p. 50).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

13. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS


Sugerimos, neste tópico, que você procure responder às
questões a seguir, que tratam da temática desenvolvida nesta uni-
dade, bem como que as discuta e as comente.
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
testar seu desempenho. Se encontrar dificuldades em responder
a essas questões, procure revisar os conteúdos estudados para
sanar suas dúvidas. Este é o momento ideal para você fazer uma
revisão do estudo desta unidade. Lembre-se de que, na Educação
a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma coo-
perativa e colaborativa. Portanto, compartilhe com seus colegas
de curso suas descobertas.
1) Os países europeus e o Japão são os mais exigentes com relação aos ali-
mentos que consomem e a maioria deles exige todas as discriminações dos
produtos nos rótulos e embalagens, de forma detalhada e pormenorizada.
Como atividade prática, propõe-se:
primeiro, que você crie o hábito de ler e prestar atenção sobre a data de vali-
dade dos produtos e mercadorias que você consome, diariamente;
segundo lugar, comece a pesquisar na Internet quais são os produtos transgê-
nicos ou não. E certifique-se da composição de cada produto que você venha
a adquirir.

2) Quanto à doação de órgãos (ainda em vida ou após a morte): converse e


troque ideias com seus familiares, parentes e amigos para averiguar quem
está disposto a autorizar a doação de órgãos e divulgue a ideia da doação,
estimulando as pessoas para essa tarefa importante e profundamente hu-
manitária de partilha e de solidariedade.
© U9 - Alimentos Transgênicos, Transplantes e Doação de Órgãos 169

14. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ao concluir a abordagem deste tema, nunca é demais rati-
ficar o significado da vida e do corpo humano como um valor em
si mesmo, ou seja, a vida não tem preço e, por isso, precisa ser
preservada.
A doação de órgãos é uma decisão humanitária louvável, de-
sejável e, especialmente, necessária diante do quadro brasileiro que
descrevemos. Entretanto, é evidente que o problema é mundial.
Por isso, propomos que cada um de nós assuma a sua parcela
de responsabilidade nas escolas, na agenda da mídia, nos partidos
políticos, nas igrejas, nos sindicatos, e, sobretudo, que participe-
mos das políticas públicas nacionais e internacionais, discutindo o
tema para conscientizar as pessoas com relação a uma perspectiva
de partilha, de solidariedade e de ajuda mútua entre todos.
Assim, chegamos ao final do Caderno de Referência de Con-
teúdo Bioética. Esperamos que os conhecimentos adquiridos com
estes estudos tenham contribuído para sua formação.
Nosso estudo encerra-se aqui, mas não o nosso diálogo.
Você, ao optar pela Educação a Distância, tem, além de todos os
seus colegas de curso, o seu tutor para contar. Sempre que neces-
sitar de nossa ajuda, não tenha receio em nos contatar.
Foram muitas atividades, interatividades, horas de leitura e,
com isso, nosso dever, agora, está cumprido. Mais do que isso!
Alguns dos tópicos aprendidos aqui serão levados com você em
sua prática profissional, pois são imprescindíveis à nossa profissão.
A manutenção e atualização diária de seus conhecimentos
sobre a Bioética devem ser preservadas por você.
Para finalizar nosso estudo, perguntamos: você é um doador
potencial ou real? Pense nisso com todo o carinho!
Foi um prazer trabalhar com você!

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170 © Bioética

15. EͳREFERÊNCIAS
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lib/showdoc.cfm?LibCatID=-1&Search=alimentos&CurrentPage=0&LibDocID=3833>.
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