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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE EDUCAÇÂO, FILOSOFIA E TEOLOGIA

FEITIÇARIAS E MAGIAS: MULHERES NEGRAS E AS VISITAS PASTORAIS


NA CAPITANIA DE SÃO PAULO – SÉC XVIII

ALEXANDRE BUENO SALOMÉ DE SOUZA

Orientadora: Profa. Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro

SÃO PAULO – SP
2016
FEITIÇARIAS E MAGIAS: MULHERES NEGRAS E AS VISITAS PASTORAIS
NA CAPITANIA DE SÃO PAULO – SÉC XVIII

ALEXANDRE BUENO SALOMÉ DE SOUZA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós- Graduação em Ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, em cumprimento as exigências
para obtenção do título de Mestre em Ciências da
Religião

Orientadora: Profa. Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro

SÃO PAULO – SP

2016
S173f Salomé de Souza, Alexandre Bueno
Feitiçarias e Magias: Mulheres Negras e as Visitas
Pastorais nA
Capitania de São Paulo / Alexandre Bueno Salomé de Souza

2016.
103 f.: il ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade


Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2016.
Orientador: Profª. Dra. Lídice Meyer Pinto Ribeiro
Bibliografia: f. 90-94

1. Bruxas 2. Feiticeiras 3. Heresias 4. Brasil colonial 5. Inquisição


6. Mulher negra I. Título

LC BF1584.B7
Ao meu Marido, Vagner Salomé, com amor e carinho
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer incansavelmente a Deus, que me deu forças para


continuar, nos momentos mais difíceis e árduos, ao meu marido Vagner
Salomé, que me acompanhou e me acompanha desde o início da caminhada
acadêmica, por quem tenho tanto amor e carinho, que me ajudou em tudo, que
esteve presente em todas as dificuldades que passamos, que somente eu e ele
sabemos quais foram... especialmente na criação de todos os slides (que com
certeza eram os melhores), ficando as vezes madrugadas inteiras acordado,
criando, elaborando, dando o melhor de si para eu fazer sempre a melhor
apresentação e que enfrentou comigo todos os obstáculos, barreiras e
dificuldades, ao longo dessa jornada. A minha querida orientadora, Prof. Dra.
Lídice Meyer Pinto Ribeiro, que me acolheu em todas as dificuldades, que me
ajudou a lapidar o projeto, que sempre me orientou da melhor maneira
possível, que me aconselhou sempre, que me deu dicas e que me ensinou
incansavelmente, que teve paciência para me aguentar, que respondia todos
os e-mails (que muitas vezes eram mais de cinco ao longo do dia), que
respondia todos os meus questionamentos, desabafos, e acalmava minha
ansiedade em relação a conclusão da dissertação, ao coordenador do
programa Ricardo Bitun, que gentilmente me acolheu no Universo Acadêmico,
a todos os professores do programa das ciências da Religião da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, especialmente ao Prof. João Batista, Prof
Hermestein, Profa Suzana e Prof Jorge Gutierrez, a querida secretária do
programa, Dagmar Dollinger, que sempre foi tão prestativa, carinhosa, a qual
tenho grande carinho e amizade, aos amigos de longa data, Aline Mariana e
Cristiane Conceição, que me ajudaram financeiramente, e que torcem por mim,
aos amigos de sala, especialmente Fernando Pereira da Silva, Bernadete Alves
Marcelino, Priscilla Luciane Bastos Oliveira e Thiago Amaral amigos que me
ajudaram em todos os momentos e em todas as dificuldades enfrentadas,
sejam financeiras e até mesmo acadêmicas, a minha grande amiga, Terica,
que mesmo morando longe, está sempre perto, que me ajudou e ajuda em
todos os momentos; que considero quase que uma mãe. Na esfera familiar,
gostaria de agradecer em primeiro lugar ao Tio Lula ( Dr. Luiz Gomes), sem ele
não seria possivel ter conseguido pagar a matricula e a primeira mensalidade,
ele é responsável pelo começo da minha vida acadêmica, agradeço milhões de
vezes e assim ainda é pouco a minha melhor amiga, querida e única Mãezinha
Maria Gomes de Oliveira, carinhosamente conhecida por todos como Lica, que
me ajuda e me ajudou em todos os momentos, que fez e faz o possível e o
impossível para eu chegar aonde cheguei, ela é responsável por tudo, pois
sempre me educou da melhor maneira possível, que me deu sempre o melhor
me amando incondicionalmente, ao meu querido pai, Argemiro Cândido de
Oliveira, conhecido carinhosamente como Ico, que nunca conheceu as letras,
porém sempre teve orgulho de mim, a minha única irmã Ana Maria Borges, que
me ajuda em todos os momentos, que me apóia muito e que quando eu era
criança me ajudou com as primeiras letras, que perdia horas do seu tempo, me
ajudando nos deveres escolares, com muita paciência, pois eu era muito difícil;
a minha querida e amada sogra Antônia Salomé de Souza que desde sempre
me apoiou e apóia e tem o maior orgulho de mim, que fez o possível e o
impossível também para chegar aonde cheguei, que me aconselhou nos
momentos que parecia que nada ia dar certo; ao meu sogro Benedito
Eustáquio de Souza, conhecido por todos como Bené, que me ajudou e ajuda
sempre, sem eles nada seria possível. Agradeço a CAPES, ao Mack Pesquisa,
ao Núcleo de Estudos do Protestantismo ( NEP), que financiou a ida a todos os
congressos, ao Jair Mongelli da Cúria Metropolitana de São Paulo que também
teve paciência comigo e a todos que direta ou indiretamente torcem por mim. E
um agradecimento especial a Profa Sônia Siqueira, que me presentou
carinhosamente com seus livros, que aceitou participar da minha banca que me
fez ver os caminhos do historiador, que me recebeu por várias vezes em sua
casa, para me ajudar nos momentos que tudo parecia escuro, ao Prof. João
Batista Borges Pereira, que gentilmente aceitou também o convite para
participar das minhas bancas, contribuindo para a excelência da minha
pesquisa, ao Prof. Carlos André Cavalcanti e a Profa. Nereida Soares da Silva,
que ajudou muito, me indicando caminhos e olhares, através da bibliografia. E
que venha outros desafios, outros caminhos a percorrer, sei que não serão
fáceis, mas estou disposto a enfrenta-los. Doutorado, ai vou eu!

RESUMO

Essa pesquisa se dedica ao estudo de feitiçaria, no Brasil Colônia em meados


dos setecentos, pelo Brasil Colonial, tendo como fontes principais a
documentação inquisitorial referente ao período colonial. No âmbito deste
trabalho, nos deteremos sobre a análise de casos de práticas mágicas e de
feitiçaria protagonizadas por mulheres negras e nosso enfoque temático se
concentra em crenças e práticas mágicas especificamente portuguesas, tendo
como aporte teórico os relatos a história das mentalidades e suas
representações culturais. Essa pesquisa também tem o objetivo de analisar a
mulher negra em relação a sua religiosidade. Ao longo da nossa pesquisa,
podemos observar a mulher ao longo dos períodos históricos, relacionando
épocas e lugares, observados em sua cultura religiosa trazidos para o Brasil.
Contudo esse trabalho se faz relevante no campo da historiografia, em face do
preconceito que a mulher negra sofreu ao longo da história em relação aos
seus credos e crenças, interpretados muitas vezes como feitiçarias e magias.
Esse tema vai desmistificar também a relação das práticas de feitiçarias com
os cultos das religiões afro brasileiras, mostrando a visão e o perfil da mulher
negra no Brasil colonial. A pesquisa pode ser útil para a sociedade e para os
estudiosos de História do Brasil para a compreensão da sociedade colonial, o
conhecimento sobre o papel da mulher e para os estudiosos das Ciências da
Religião por favorecer a compreensão da religiosidade do período colonial
brasileiro, colaborando para o desenvolvimento de estudos contra a
intolerância.

Palavras Chave: Bruxas. Feiticeiras. Heresias. Brasil Colonial. Inquisição.


Visitas Pastorais. Mulheres Negras.
ABSTRACT

This research is dedicated to the study of witchcraft, in colonial Brazil in the


mid-seven hundred, by Colonial Brazil, having as main sources the inquisitorial
documentation referring to the colonial period. In this work, we will focus on the
analysis of cases of magic and witchcraft practices carried out by black women
and our thematic focus focuses on specifically Portuguese magical beliefs and
practices, having as a theoretical contribution the accounts of the history of
mentalities and their cultural representations. This research also aims to
analyze the black woman in relation to her religiosity. Throughout our research,
we can observe women throughout the historical periods, relating periods and
places, observed in their religious culture brought to Brazil. However, this work
is relevant in the field of historiography, in the face of the prejudice that black
women have suffered throughout history in relation to their creeds and beliefs,
often interpreted as witchcraft and magic. This theme will also demystify the
relationship of witchcraft practices with the cults of Afro-Brazilian religions,
showing the vision and profile of black women in colonial Brazil. The research
may be useful for society and for Brazilian History scholars to understand
colonial society, knowledge about the role of women and for scholars of the
Sciences of Religion to favor understanding of the religiosity of the Brazilian
colonial period, collaborating for the development of studies against intolerance.

Keywords: Witches. Heresies. Colonial Brazil. Inquisition. Pastoral visits. Black


Women.
LISTA DE FIGURAS:
Figura 1 – Cozinha das bruxas..........................................................................18
Figura 2 - Desenho de Bruxas feito em 1514 por Hans Baldung Grien (1480 –
1545)..................................................................................................................21
Figura 3 - A Bruxa (Albrecht Durer)...................................................................26
Figura 4 – rapaz enfeitiçado na estrebaria........................................................28
Figura 5 – Esquema do Processo Inquisitorial..................................................53
Figura 6 – Formação Hieráquica nos Tribunais Inquisitoriais............................54
Figura 7 – Formação da Família Brasileira sob regime de Economia
Patriarcal............................................................................................................67
Figura 8 – Imagem de Nossa Senhora do Rosário...........................................72
Figura 9 – Imagem de São Benedito................................................................72
LISTA DE TABELAS:
Tabela 1: Visitações Pastorais a Colônia Brasileira (séc. XVI-XVII)..................50
SUMÁRIO

Introdução..........................................................................................................14

1 - Definição de Feitiçaria, Bruxaria e Magia...........................,,,,,....................17

1.1 - Bruxaria e Feitiçaria na Europa.................................................................22

1.2 Bruxaria e Feitiçaria no Brasil...................................................................32

2 - Visitas Pastorais e Visitações do Santo Ofício no Brasil


Colonial..............................................................................................................45

2.1- Os Tribuanais Eclesiásticos no Brasil Colonial..........................................61

2.2 – Histórico da Sociedade Colonial...............................................................63

2.3 – Religiosidade na Colônia X Religião Africana e o Pecado de Heresia.....66

3. Mulheres Acusadas de Bruxaria e Feitiçaria no Brasil Colonial....................80

Considerações Finais........................................................................................84

Referências Bibliográficas.................................................................................86

ANEXO I – ORDENAÇÕES FILIPINAS - Livro 5 Tit. 3: Dos


Feiticeiros..........................................................................................................91

ANEXO II – Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Processos-crimes.


Feitiçaria. Joanna. Santos, 1759......................................................................94
Ficarão de fora os cães, as feiticeiras, os
impuros, os assassinos... (Bíblia Sagrada -
Apocalipse, 22:12)
INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi inicialmente pensada pelo autor com o objetivo de falar
sobre as bruxas na idade média, e sobre os processos inquisitorais
envolvendo, mulheres, os aspectos históricos das crenças e práticas de
feitiçaria na Europa e no Brasil Colonial. Falar sobre o Universo Colonial é bem
complexo, pois envolve três séculos. Trabalhar com documentos e processos
de crimes, leva tempo, paciência e complexidade, pois os textos são difíceis, as
vezes com caligrafia muito desenhada... e no mestrado o tempo é muito curto,
contudo acredito que as pesquisas deveriam estar mais completas... Foram
vários casos de processos crimes encontrados, porém decidi separar alguns
casos apenas, primeiro pelo tempo e segundo pela complexidade. Decidi
então, a achar mulheres negras, acusadas de feitiçaria, no Brasil Colonial, nos
fins do século XVIII, analisando crimes que envolvessem, sortilégios, crimes,
animais, raízes, plantas e práticas mágicas. Entretanto antes de tecer as
feiticeiras do Brasil, tinha que definir o que era feitiçaria e bruxaria, num sentido
mais amplo, então me propus a descrever as diferenças, no aspecto geral,
depois passando pela Europa, destacando assim as Bruxas e só assim
analisando e descrevendo a feiticeiras do Brasil. Para a execução deste
estudo, levantamos inicialmente inúmeras fontes bibliográficas acerca do
período histórico que foi pesquisado relativas as visitas pastorias e do Santo
Ofício no Brasil colonial. Em paralelo procuramos compreender através dos
registros bibliográficos o perfil da mulher negra, escrava e liberta, no período
estudado, verificamos suas relações com a religião e com a sociedade livre.
Tendo realizado estas pesquisa introdutórias, analisamos as preciosas fontes
primárias dos processos crimes de feitiçaria, onde mulheres negras foram
aprisionadas e julgadas por estes crimes. Os processos criminais que foram
estudados estão arquivados na Cúria Metropolitana de São Paulo. Sendo
assim:
O primeiro capitulo foi dedicado a discutir e analisar a Bruxaria e a
Feitiçaria num sentido geral, apoiando se em bases teóricas e historiograficas
que discutiram esse tema. Nesse sentido procedemos a intenção de analisar
também Magia, feitiçarias e bruxarias, passando pela Europa e caindo no
Brasil, uma vez que o mesmo herdara da Europa e da África praticas mágicas
e cheia de encantos. Procuramos traçar as principais características da Bruxa e
da Feiticeira, destacando as práticas, as acusações e as relações delas com a
sociedade. Fizemos grande estudo sobre trabalhos já publicados e analisados
anteriormente, desde a antiguidade, passando pela Idade Média, até chegar no
Mundo Moderno. Em sintese fizemos conexões entre as bruxas da Idade
Média, com as feiticeiras do Brasil Colonial, extraindo nos documentos
inquisitorias a cultura religiosa de uma época.
Os processos crimes analisados neste trabalho versam sobre histórias
de mulheres negras que fizeram maleficios contra seus senhores, monstrando
que muitas vezes essas práticas eram por vingança em relação a violência que
sofriam nas senzalas. No primeiro capítulo nos preocupamos em conceituar
feitiçaria e bruxaria em diferentes aspectos, conceito esse que se mostra de
suma importância para a análise dos documentos que fizemos posteriormente.
O segundo capítulo está mais específico ao tema proposto da pesquisa, pois
apresentamos como eram as visitas pastorais e do Santo Oficio no Brasil
Colonial, focando mais nas visitas pastorias e analisando mais o que era de
cunho singular e a mentalidade da sociedade em relação as práticas de
feitiçaria e como eram essas mulheres acusadas, o que faziam, qual o papel
que representavam na sociedade da época, enfim a relação entre igreja, as
práticas mágicas e a relação a religiosidade dos negros em frente a
religiosidade dos brancos e a presença diabólica nos cultos que representavam
o pecado de heresia. Dois processos crimes foram citados neste trabalho com
o objetivo de dar mais credibilidade e consistência a pesquisa: fontes primárias.
O temor da repressão, o contato com as visitas pastorais, nessas vilas,
conforme analisa Souza (1986) contribuiram decisivamente para que os traços
de um mundo antigo se lapidassem, tornando o diabo, como o terrivel, o
monstruoso, senhor dos tempos a luz das bulas papais, do Malleus
Maleficarium; “foi ainda a cultura das elites que contribuiu para que o diabo
ganhasse dimensão virulenta na vida cotidiana dos colonos, misturando
sagrado e profano, deixando pelo caminho mortes e sofrimentos atrozes,
fundindo: sabbats, missas e calundus”. (SOUZA, 1986, p. 378)
No último capítulo nos dedicaremos à análise dos processos crimes de
feitiçarias que se encontram na Cúria Metropolitana de São Paulo. Conclui-se,
portanto, que as práticas mágicas de feitiçaria e magia estão espalhadas pelo
Brasil, e que estão não apenas representadas em mulheres negras e sim em
índias, brancas, mestiças e também em homens. Sendo assim: “Feitiçaria e
religiosidade popular apresentavam – se extremamente multifacetadas,
agregando concepções e crenças diversas”. (SOUZA, 1986, p. 375).
DEFINIÇÃO DE FEITIÇARIA, BRUXARIA E MAGIA
A magia é vista pelo cristianismo, como algo exercido pelo demônio,
Pierucci ( 2011, p. 76 – 77 ) nos informa que a história da civilização é cortada
por essa desconfiança. Por isso a ideia de que todo o feiticeiro ou bruxo, no
fundo é sempre um agente das trevas; contudo, conforme Pierucci descreve,
acredita-se que as bruxas, se não chegam de fato a firmar um pacto com o
diabo, pelo menos cultivam intimidade com os espíritos maus. Entretanto em
suas pesquisas afirma que a feitiçaria é o desempenho consciente de um ato
tecnicamente possível, ou seja, é o mal real. Portanto é o oficio da magia negra
e pode ser aprendida por qualquer um; já a bruxaria é a qualidade inata da
bruxa, e todas as manifestações de bruxaria são intrinsicamente sobrenaturais.

(...) muitas pessoas são bruxas e não sabem, sobretudo quando


jovens. Já os feiticeiros e feiticeiras realizam conscientemente um
ritual mágico, operam de modo instrumental com um know – how
conscientemente adquirido. A bruxa é. A feiticeira faz. Faz feitiço,
pratica feitiçaria, realizam rituais, prescreve receitas. Para os
azandes, uma pessoa é bruxa de dentro pra fora, seu ser interior é o
de uma bruxa. Está claro, então , que bruxaria, feitiçaria e magia
negra podem não diferir quanto aos fins, mas diferem quanto aos
meios. ( EVANS - PRITCHARD, 1937 apud PIERUCCI. 2011. p.78 –
79)

O historiador Nogueira (1991, p.26), nos relata que Evans-Pritchard,


procurou fazer uma divisão entre magia – feitiçaria e bruxaria, demonstrando
que as palavras e as manipulações guardam relações entre si, muito mais do
que acreditamos.

Por outro lado, Russell (2008, p.17-18) define que bem diferente dos
sistemas sofisticados da alta magia é a magia aplicada quase que
tecnologicamente com fins extremamente práticos, para ele essa é a baixa
magia ou apenas uma simples feitiçaria. Entretanto se a feitiçaria é uma magia
automática, há quem faça bruxaria e outro, tecnologia. O autor afirma que
alguns antropólogos não estabelecem nenhuma distinção entre feitiçaria e
bruxaria, outros como Evans – Pritchard, ainda fazem diferenças entre
bruxaria e feitiçaria africanas, distinguindo os magos maus, que usam objetos,
tais como ervas e sangue para realizar encantos malignos, de magos que
utilizam das mesmas ervas para curar atribuindo o significado da palavra
inglesa “sorcerer” [feiticeiro] aos primeiros e o de “witch” [bruxo], aos últimos. A
distinção é válida, mas a escolha das palavras inglesas foi arbitrária. A maioria
dos historiadores estabelece uma distinção entre a bruxaria européia, que era
uma forma de diabolismo – isto é, a adoração de espíritos malignos – e a
feitiçaria de âmbito mundial, que não envolve a veneração dos espíritos, mas a
exploração deles. A palavra inglesa wicca, que já aparece em um manuscrito
do século IX, significava originalmente “feiticeiro”; todavia, durante as
perseguições às bruxas, passou a ser usada como o sinônimo de maleficus, do
latim, que significava um bruxo (a) adorador (a) do diabo.

Figura 1 – Cozinha das bruxas (autor:J.B.RUSSEL) (fonte:NOGUEIRA, 1991, p. 147)

A bruxaria seria, dentro desta visão uma sobrevivência do antigo


paganismo, suprimido durante longos séculos pelos cristãos. Russell ainda
relata que os bruxos modernos também se diferenciam das bruxas históricas
por rejeitarem tanto a crença em Deus como no diabo cristão. Também se
distinguem dos feiticeiros por adorarem deuses e deusas – ou a natureza, ou o
cosmos – em vez de praticarem a baixa magia. “Feitiçaria” seria a magia negra
(ou baixa magia) praticada em todo o mundo, quer seja benéfica ou maléfica,
quer seja mecânica ou envolva a invocação de espíritos. Contudo, Russell
conclui dizendo que “ bruxaria” significa tanto a chamada “ bruxaria diabólica”
da caça às bruxas quanto a moderna “bruxaria neopagã”. Uma das funções da
feitiçaria seria justamente, a de aliviar tensões sociais. A feitiçaria simples, pelo
menos em suas linhas benéficas, freqüentemente é aceita como parte da
cultura de algumas comunidades. Russell ainda afirma que a crença na
feitiçaria ajudaria a definir e a sustentar certos valores sociais; explicando
eventos assustadores e fenômenos aterrorizantes; dando ao indivíduo um
senso de poder diante de um mundo muitas vezes incompreensível e
amedrontador. A feitiçaria também serviria como um estranho sistema de
justiça, uma forma de corrigir erros ou de quitá-los: em geral, onde as
maldições seriam empregadas pelos fracos contra os fortes, a quem não
podem atingir de outra maneira.

O termo feitiçaria traz consigo a ideia de “algo feito”, para alguns autores
estando relacionado ao latim fatum = destino, Nogueira ( 1991, p. 26 – 27) nos
informa que na Europa, a palavra parece estar ligada a magia amatória ou
erótica, desenvolvida na Grécia, ou, nas operações mágicas vinculadas aos
desejos e paixões amorosas, o que faz com que a feiticeira, além de efetuar
elocubrações mágicas, intervenha como intermediária de casos amorosos, com
o auxilio da observação e de técnicas comuns e correntes as praticas
amorosas. Silva ( 2012, p. 28) nos informa que o estereótipo da feiticeira
diabólica se solidificou na idade Moderna sob as luzes da cultura letrada, diante
destas características, Nogueira (2011, p. 32), nos relata que a feitiçaria seria
uma prática individual, de caráter urbano. “É no meio urbano que se encontra a
possibilidade do encontro e da mescla de desigualdades materiais e mentais,
criando novas necessidades e desejos nas consciências dos indivíduos e que
justificam a necessidade da feitiçaria”. Em relação à Bruxaria, o autor afirma
que seria uma prática rural e de caráter coletivo e que assume dentro do
imaginário uma situação passiva.
Figura 2 - Desenho de Bruxas feito em 1514 por Hans Baldung Grien ( 1480 – 1545).
(fonte:CLARK, 2006, p.38)

Evans-Pritchard (2005, p.33 – 34), afirma que a bruxaria é um fenômeno


orgânico e hereditário, e que os Azande1 acreditavam que certas pessoas são
bruxas e podem lhes fazer mal em virtude de uma qualidade intrínseca, ou seja
um bruxo não pratica ritos, não profere encantações e não possui drogas
mágicas. Um ato de bruxaria seria um ato psíquico. Eles acreditavam ainda
que os feiticeiros podiam fazer as pessoas adoecerem por meio da execução
1
Os Azande vivem em tribos na República Democrática do Congo, no Sudão e foram
estudados pelo antropólogo Evans Pritchard entre 1926 a 1930.
de ritos mágicos que envolviam drogas maléficas. Os Azande distinguiam
claramente bruxos e feiticeiros. Contra ambos empregavam adivinhos, oráculos
e drogas mágicas. Os Azande acreditavam que a bruxaria é uma substância
existente no corpo dos bruxos. O autor ainda descreve algumas peculiaridades
sobre os bruxos e bruxas, que são bem intrigantes, no qual afirma que um
bruxo não apresenta sintomas externos de sua condição, embora o povo diga:
"É pelos olhos vermelhos que se conhece um bruxo”. A bruxaria não é apenas
um traço físico, mas também algo herdado. É transmitida por descendência uni
linear, dos genitores a seus filhos. Os filhos de um bruxo são todos bruxos,
mas suas filhas, não; as filhas de uma bruxa são todas bruxas, mas seus filhos,
não. Contudo, afirma que a transmissão biológica da bruxaria - de um dos
genitores para todos os filhos do mesmo sexo que ele - está em
complementaridade com as opiniões Azande sobre a procriação e com suas
crenças escatológicas. Entretanto considerava-se que essa concepção devia -
se a uma união das propriedades psíquicas do homem e da mulher, sendo
assim o autor descreve: “quando a alma do homem é mais forte, nascerá um
menino; quando a alma da mulher é mais forte, nascerá uma menina. Assim,
uma criança participa das qualidades psíquicas de ambos os pais, mas uma
menina tem mais da alma da mãe, e um menino, mais da alma do pai. No
entanto, certos atributos são herdados exclusivamente de apenas um dos
genitores, como as características sexuais, a alma corpórea e a substância-
bruxaria”.

Porém todas as vezes que quisermos entender as crenças em bruxaria


Clark ( 2006, p. 27) informa que precisamos começar a entender a linguagem,
ou seja, não só os termos de como foram expressas, mas de como a
linguagem autoriza qualquer tipo de crença, e que essa última descrição
apresenta problemas assustadores, maiores para os filósofos do que para os
historiadores. Para Thomas (1991, p. 376), a bruxaria é uma qualidade inata,
um traço pessoal involuntário, derivado de uma peculiaridade fisiológica que
pode ser descoberta na autópsia. Nogueira (1991, p.34-36-38), em suas
pesquisas conclui que a inquisição católica no período moderno se preocupa
muito com a feitiçaria, chamando para si o julgamento da mesma, “herética ou
não herética”. Ainda para Nogueira as origens da bruxaria ainda constituem um
assunto controverso, pois a bruxaria européia, aparece pela primeira vez no
ano de 589 d.C, no qual diz respeito aos campos e é fundamentalmente no
meio rural que permanece localizado, levando a que Charles Lanceli, em sua
obra La Sorcellerie dês Campagnes, afirme: “Por sua própria essência, a
bruxaria só pode evoluir em um meio carente de instrução como a população
camponesa. Não é na cidade onde se encontra a verdadeira bruxa, mas sim
nos campos. Seus desenvolvimento e conceituação com a prática mágica
estão intimamente ligados ao triunfo do cristianismo e os próprios inquisidores
a colocavam como uma nova seita”. Por fim para Silva ( 2012, p. 37 – 38 ) ,
não apenas a feiticeira se torna bruxa no final da idade média, mas também o
diabo, sob a influência dos pensadores cristãos, ele sofre uma mundança
simbólica essencial. Nesse processo a feiticeira surge, então, como a rainha
das trevas, na qual se une as deusas mortuárias que têm a chave do
submundo e que transitam entre os vivos e os mortos. (MICHELET, 1976, p. 83
apud SILVA, 2012, p. 37).

BRUXARIA E FEITIÇARIA NA EUROPA

Durante a Idade Média, Silva (2012, p. 35-36) nos informa que a


imagem da feiticeira era de mulheres criminosas, perversas, ignorantes e
supersticiosas, fiéis a crenças e práticas pagãs enraizadas, sobretudo na
população do campo; a fraqueza e a ignorância, próprias de sua condição
social fazia com que fossem mais propensas às práticas relacionadas as
superstições e as ilusões provocados pelo Diabo. De acordo com Silva ( 2012 )
, a crença em cavalgadas e reuniões noturnas chefiadas por uma misteriosa
divindade pagã2 sobreviveu durante muito tempo e as mulheres que
compartilhavam tal crença foram consideradas loucas pelas autoridades
religiosas da época. Dessa forma a feiticeira medieval era relacionada, as
aldeãs curandeiras, às mulheres solitárias e velhas supersticiosas que

2
Na Europa medieval, difundiu-se a crença de que "Herodíade" era a líder, demônia ou deusa
de um culto de feiticeiras, que também foi identificada como Diana, Sácia, Abúndia, Fortuna
etc. Na Idade Média, a Igreja freqüentemente classificou como culto de Diana ou de Herodíade
várias aparentes sobrevivências de cultos e superstições pagãs e chamou as "bruxas" que as
praticavam de "dianas", termo mais tarde popularmente alterado para janas.Não se sabe ao
certo como a personagem bíblica foi sincretizada com uma divindade pagã, mas é possível que
a confusão tenha se originado de um sincretismo da grega Hera com a romana Diana -
Heradiana -, que veio a ser erradamente interpretada pelos inquisidores como Herodias ou
Herodíade.
causavam desconfiança e receio no meio social no qual estavam inseridas e
que, embora tivessem alguns casos de repressão violenta, Silva (2012) afirma
que pouca atenção suscitavam entre as autoridades eclesiásticas. Sendo
assim:

(...) para além dos registros oficiais, a literatura medieval cortesã


legou imagens contudentes à respeito da crença bastante difundida
nas entidades mágicas femininas que habitavam o imaginário das
pessoas de alto a baixo da sociedade medieval. Os textos literários
que compõem o famoso “ciclo arturiano” , também denominados
como “ Matéria da Bretanha” se apresentam como importantes fontes
para o Medievo. (SILVA, 2012, p. 36)

Contudo Silva (2102, p. 36) nos diz que uma imagem feminina relacionada à
sabedoria, ao poder e ao divino estão inseridas nestas histórias inspiradas pela
religiosidade céltica3 na qual a figura da mulher cumpria importante papel, a
autora informa que no imaginário ocidental uma importante “bruxa” se destaca:
a personagem Morgana ou Morgana das Fadas, vista por muitos como uma
reformulação, a partir de elementos cristãos, de antigas divindades célticas.

(...) as fadas eram seres míticos, portadores de poderes mágicos e


capazes de in terferir no dstino individual das pessoas, protegendo,
concedendo dons ou proferindo maldições. (...) a idade Média seria
um misterioso e fascinanate mundo habitado por fadas, foram outrora
rainhas da Gália, bizarras e orgulhosas. (MICHELET, 1976, p.40 apud
SILVA, 2012, p. 36)

As fadas após a inserção do cristianismo, segundo Silva (2012, p. 36),


tornaram seres arrogantes, sendo tratadas com desprezo. Diante disso foram
jogadas à marginalidade; o ambiente agora era outro, estava cada vez mais
cristianizado e intolerante a presesnça delas. “As fadas atraiam pessoas com
suas danças encantadas ao redor do mosteiros”; quando uma criança nascia
elas desciam pela chaminé, ofertando lhes presentes e traçando seus destinos.

3
A religiosidade dos celtas era marcada por uma série de divindades que possuíam poderes
únicos ou tinham a capacidade de representar algum elemento da natureza ou animal. Com o
passar do tempo, alguns mitos e deuses foram incorporados pelo paganismo romano e, até
mesmo, na trajetória de alguns santos cristãos Em relação às leis romanas, o crime de magia
foi proibido em toda tradição jurídica latina. Pela Lei das XII Tábuas, escrita em meio a uma
sociedade basicamente agrária, o praticante de magia era punido por usar de sortilégios para
transportar a colheita de um vizinho para seu próprio campo e usar conjuros para causar danos
a alguém. Em ambos os casos a pena era a morte por fustigação. Em 81 a.C. foi instituída por
Sila a Lex Cornelia de sicariis et veneficiis que daí em diante pontuou as ações legais contra a
magia. Nesta lei temos a punição àqueles que atentarem contra a vida de outrem a mão
armada, a confusão se dava devido ao veneno usado para o assassinato receber o mesmo
nome que a poção mágica (veneficium).
Silva, ainda afirma que as fadas teciam divinamente, daí a expressão “tecer
como uma fada”.

(...) As fadas tinham natureza ambígua, sendo boas e más, a


reformulação contemporânea destes seres, nos contos e fábulas, as
resguardou em sua conotação positiva e, a necessidade da cultura
cristã ocidental de pôr tudo em termos dualistas, fez da fada o
contraponto da bruxa, embora as fadas do romance apresentem
estreita relação com os seres encantados que figuram nos processos
de feitiçaria Escoceses datados dos séculos XVI e XVII (GINZBURG,
1998, p. 106 apud SILVA, 2012, p. 36)

Sendo assim, ainda de acordo com Silva (2012) qualquer meio termo
no Universo da magia é inaceitável e incompreensivel para a cultura
eclesiástica, os termos “magia branca” e “magia negra”foram cunhados para
resolver essa incoerência que está no âmago do imaginário da feitiçaria. Já
Silva (2006) nos diz que tanto a magia branca como a magia negra são termos
que permanecem populares até nossos dias e que exprimem intuitivamente a
convicção do ponto de vista social; uma é pública e benéfica, a outra é secreta,
anti-social e maléfica na sua essência.

No caso de Roma a magia era totalmente proibida em relação às leis


romanas. Silva (2006) esclarece que o crime de magia foi proibido em toda
tradição jurídica latina. Pela Lei das XII Tábuas, escrita em meio a uma
sociedade basicamente agrária, o praticante de magia era punido por usar de
sortilégios para transportar a colheita de um vizinho para seu próprio campo e
usar conjuros para causar danos a alguém. Em ambos os casos a pena era a
morte por fustigação. Em 81 a.C. foi instituída por Sila a Lex Cornelia de sicariis
et veneficiis que daí em diante pontuou as ações legais contra a magia. Nesta
lei tinha - se a punição àqueles que atentarem contra a vida de outrem a mão
armada, a confusão se dava devido ao veneno usado para o assassinato
receber o mesmo nome que a poção mágica (veneficium).
Entretanto a Europa não foi apenas berço da civilização, foi também
berço de toda uma história de superstições, magia, crenças e mitos. Bologne
(1998, p.269), informa que as práticas de feitiçaria, até os séculos XIII – XIV
eram sem dúvida altamente condenáveis, porém o autor enfatiza que não eram
consideradas diabólicas. “Não se deve, portanto, confundir, nos primeiros
séculos da Idade Média, o maleficus com o necromante, invocador de espíritos
cuja antiguidade é igualmente respeitável”. Porém para Silva ( 2012, p. 27), a
construção do modelo de feiticeira na Europa, era totalmente ligado ao
imaginário e as atitudes dos homens sobre as mulheres, atitudes essas que
sempre foram marcadas por contradições, que se alternavam entre veneração
e hostilidade, por vezes violenta e repressora, Silva (2012) , ressalta que essa
contradição é fruto de uma natureza ambígua. Mainka (2002, p.115 – 116 -
117), esclarece que a bruxaria européia foi um fenômeno de transição entre o
fim da Idade Média e o início do mundo moderno, estendendo - se até o fim do
século XVII, quando a era do Iluminismo estava começando a mudar
fundamentalmente a visão do mundo. O mesmo ainda esclarece que a bruxaria
estava ligada estreitamente a questões da história social e cultural e somente
a partir do início do século XV, que as práticas de feitiçaria e a heresia se
uniram ao novo delito da bruxaria. Sendo assim o pesquisador descreve dois
grandes centros desse fenômeno: Savoia, uma região no Sudeste da França
atual, e a Suíça, onde na cidade de Luzern o termo hexereye [= bruxaria] pela
primeira vez foi utilizado em um processo criminal. Porém não se pode
esquecer que ao redor do Concílio da Basiléia na Suíça (1431-1448), nasceram
os escritos demonológicos, que descreveram e definiram o crime da bruxaria.
Para Mainka, enquanto na demonologia antiga, ou seja, na feitiçaria tradicional,
pessoas foram prejudicadas ou até mortas pelo uso múltiplo de meios mágicos,
o fenômeno do combate a bruxaria, nascido sob a grande influência dos
dominicanos, foi definido, em regra geral, por quatro elementos:

1. o pacto feito com o Diabo;

2. o casamento realizado pelo ato sexual com os demônios;

3. os feitiços maléficos para prejudicar pessoas ou animais;

4. a participação no assim chamado sabá das bruxas.

O autor afirma que o fato das bruxas participarem de reuniões uma


com as outras – foi o mais fatídico, pois significava que uma bruxa conheceria
necessariamente outras bruxas que provavelmente tinham visto e participado
de festas bacanais. Por isso, a bruxaria foi um fenômeno coletivo, que se
manifestou literalmente em “ondas”, enquanto as feiticeiras (mulheres que
curavam com ervas) foram fenômenos individuais. Entretanto Mainka relata
que a caça as bruxas, válido até o fim do século XVII, tanto nos territórios
católicos quanto nos territórios protestantes, definiu a bruxaria definitivamente
como um pacto real entre o demônio e a bruxa, realizado verdadeiramente por
meio do ato sexual e, com isso, como abjuração direta e herética a Deus.

Figura 3 - A Bruxa (Albrecht Durer) (fonte: NOGUEIRA, 1991, p. 69)

Os centros da perseguição as bruxas foram a Suíça, a França, a


Escócia e, principalmente, o Sacro Império Romano - Germânico, onde havia
mais da metade dos aproximadamente 100 mil casos acusados de bruxaria e
também mais da metade das 50 mil execuções em toda a Europa. O ápice das
perseguições que aconteceram, em ondas relativamente sincrônicas esteve
entre 1560 e 1660 ou, mais concretamente, entre 1585 até 1590 e de 1630 até
1635. Em suas pesquisas Mainka (2002, p. 117) calculou várias execuções na
Europa: na Inglaterra com 300, na Noruégia com 300, na Holanda com 150, na
Islândia com 22, na Escócia calvinista com 1.000, na Dinamarca luterana com
1.000, na Itália com 1.000, na França com 2.500 e na Suíça com 4 mil. O
fenômeno da bruxaria era, portanto, um fenômeno acima das fronteiras
religiosas, ou seja, não pode ser explicado somente através de categorias
religiosas. As mulheres acusadas de bruxaria e feitiçaria4 eram submetidas a
uma prova:
(...) as bruxas suspeitas tinham que se submeter, antes das torturas,
a uma prova de bruxaria, ou seja, a um juízo de Deus, mesmo que
essas provas de bruxaria fossem consideradas ilegais e recusadas
pelos juristas eruditos. Existiam várias formas, dependendo das
tradições regionais: o carrasco picava, por exemplo, uma pinta ou um
outro local acentuado da pele; se nenhum sangue saísse, a culpa da
delinqüente estava comprovada (prova da agulha). Além disso, havia
a prova da água: a bruxa suspeita era amarrada e empurrada à água;
se ela não afundasse e sobrevivesse, isso provava suficientemente
que ela era culpada pelo delito da bruxaria. (MAINKA, 2002, p. 121)

Em suas pesquisas Mainka ( 2002, p. 124) , esclarece que em relação


ao crime de bruxaria, a Constitutio Criminalis Carolina determinava a pena
máxima. Caso fossem produzidos males, o acusado deveria ser sentenciado
ao fogo. A cremação das bruxas, mais disseminada no século XVI, era uma
pena de extermínio e de purgação5. Após 1600, esse modo de execução, muito
dispendioso e trabalhoso, pelo menos, para o carrasco, foi menos utilizado.
Quando foi aplicado, o carrasco matou os delinqüentes, presos a uma estaca
por uma cadeia de ferro, por estrangulamento já antes da cremação ou pela
afixação de uma sacola de pólvora no colo.

4
O Código Criminal de 1508 determinou que, quando por meio delas acontecia um dano real,
as pessoas acusadas deveriam ser condenadas, da mesma maneira como hereges, ao fogo;
quando não, elas deveriam ser punidas de outra maneira, em proporção ao delito.
5
Purgação - Purificação
Figura 4 – rapaz enfeitiçado na estrebaria (fonte: NOGUEIRA, 1991, p.134)

Os restos do delinqüente, a cinza dele, eram ou


enterrados embaixo da forca ou lançados num rio. A morte do condenado
deveria exterminar qualquer memória dele. Caso a bruxa acusada e condenada
não prejudicasse terceiros, outros modos de suplício poderiam ser realizados.
como, totalmente em acordo com as crueldades daquele período, por meio da
espada, do esquartejamento, da roda, da forca, da água ou por meio de ser
enterrada viva. Penas de prisão quase não eram consideradas nos códigos
criminais, que tinham o objetivo principal de talião6 e de reduzir os agentes do
crime à inatividade – e não do melhoramento deles. Segundo Nogueira (1991,
p.10), a utilização de um termo mágico, traz a necessidade de um conceito
preciso, uma vez que fenômenos distintos, como magia, feitiçaria e bruxaria,

6
Talião - [Jurídico] Aplicação de pena idêntica àquela cometida; pena do mesmo dano causado;
lei de talião; talionato.[Por Extensão] Qualquer punição que se equivale ao dano sofrido; ação
de revidar na mesma proporção uma agressão sofrida; retaliação.
aparecem como práticas interpenetradas e, em certo sentido, confundidas; o
historiador ainda relata que isso pode ser feito através de uma análise da
evolução histórica e das muitas interpretações sobre a magia. Cardini em suas
pesquisas sobre magia e bruxaria assim relata:

A magia pode ser "natural" ou "cerimonial". Essa instituição é


muito antiga e se destaca desde o século XIII, ou seja, desde
que alguns pensadores cristãos, muito zelosos na defesa de
sua própria ortodoxia, mas também, ao mesmo tempo,
interessados naquela ciência da natureza que possuía tantas
relações com o pensamento mágico, quiseram separar, com
muito cuidado, uma magia "natural", dirigida apenas à
investigação do universo, e uma magia "cerimonial",
caracterizada pelo emprego de meios e cerimônias idôneos
para invocar os espíritos. (CARDINI, 1996)

Para Cardini (1996), segundo o senso comum, a magia "natural" e


mesmo a magia "cerimonial" não têm nada a ver com a bruxaria para ele o
discurso é diferente se usamos outras distinções, na verdade menos antigas e
autorizadas, mas infelizmente difundidas hoje em dia: da "magia branca" e
"magia negra", por exemplo, que nasce de muitos equívocos; ou aquela - muito
empírica - da "alta magia" e da "baixa magia" ( "baixa" seja no sentido de
vulgar, material ou de terrena e mesmo demoníaca). Entretanto sobre o
conceito histórico de magia, Nogueira ( 1991, p. 16) nos informa que se
pretendemos dar a magia um conceito eminentemente histórico, devemos
buscar o conceito a partir de raízes que encontram-se na Europa Moderna, ou
seja na antiguidade clássica. Segundo este historiador, a magia, para os povos
da antiguidade, não é religião, nem filosofia e tão pouco ciência, estando
totalmente relacionada à mentalidade mágica. O autor ainda ressalta que
mesmo com a evolução da ciência a magia não se dissipa. A palavra magia, de
origem iraniana – aplicada aos sacerdotes masdeistas7 e incorporada pelos
gregos -, se encontra utilizada, tanto em grego como em latim, para exprimir
uma “forma especial de relação com o sobrenatural”, com conteúdos muito

7
Religião persa antiga caracterizou-se principalmente pela dualidade entre o bem versus o
mal, forças representadas pelos dois principais deuses: Ahura-Mazda (Ormuz-Mazda) e Arimã
(AngroMainyush). Os princípios do masdeísmo foram compilados no Zend-Avesta (Avesta). O
masdeísmo pregava ainda a existência da vida após a morte, indicando a existência de um
paraíso para os justos e em um purgatório e inferno para os pecadores. Os ensinamentos do
masdeísmo foram compilados pelo profeta Zoroastro ( Zaratustra) que viveu por volta de 628
a.C. e 551 a.C.. O nome do profeta levou a religião a também ser conhecido como
zoroastrismo.
concretos do ponto de vista étnico e em permanente colisão com outras
práticas, como as dos astrólogos assírios e dos adivinhadores de sonhos
tirrenos, até a sua afirmação definitiva.

Ainda para Nogueira (1991, p.16 - 19), na antiguidade, a magia


ajustava-se a uma determinada concepção de mundo, onde os homens, os
deuses, os planetas, os elementos, os animais, as plantas, se associavam, por
intermédio de relações especiais e muito concretas. Contudo, o autor ainda nos
fala que a necessidade de controlar com maior atenção as práticas mágicas
leva os homens da Igreja a visualizar nelas a presença direta do inimigo,
entretanto a antiga divisão horizontal e funcional muda, passando a ser vertical
e hierarquicamente qualitativa:

CRISTIANISMO
PAGANISMO

Crenças superiores e crenças inferiores, com todo horror e


repugnância que a nova situação traz em relação à magia, ao nível
do mental coletivo. As divindades pagãs assumiram uma realidade de
potências reais, mas de natureza intrinsecamente negativa. Assim, as
práticas mágicas colocadas sob o patrocínio dos espíritos malignos
obstruíram a conclusão da obra do Redentor, pondo em questão a
salvação de toda a humanidade. (NOGUEIRA, 1991, p.19)

Diante disso, Nogueira (1991, p.20), afirma que os teólogos procuraram


delimitar o campo de ação e os efeitos da magia, colocando – a em oposição à
religião como pura manifestação do mal e contatando com a intervenção
expressa de uma divindade maléfica: o diabo. Sendo assim, Nogueira finaliza:
“para o teólogo medieval, no tocante à magia havia que levar em conta três
fatores, a saber:

a) A intervenção dos demônios;


b) As operações técnicas;
c) A natureza do homem, disposto a romper sua relação com Deus.

Portanto para Baroja (1967, apud NOGUEIRA, 1991, p.23) a magia foi
uma certa atividade baseada em um vinculo de simpatia ou afinidade,
estabelecido por um pacto ou operação de caráter mais ou menos contratual,
entre certos seres humanos e certas potências sobrenaturais ou divindades,
pela entrega de uma parte de seu ser ou a sua totalidade, às mesmas
potências, malignas ou não, mas que sempre têm um caráter especificamente
ligado com alguns aspecto da “psique humana”: amor, ódio, desejos em geral”
Tanto magia, bruxaria, ou feitiçaria soam para o senso comum como elementos
extraordinários, que nos dão poder. Somente essas palavras por si só se
completam nos fazem viajar por outros Universos, nos fazendo sentir imortais.

A magia é uma faculdade de maravilhosa virtude, cheia de altos


mistérios, contendo a mais profunda Contemplação de coisas as mais
secretas, juntamente com a natureza, poder, qualidade, substância e
virtudes delas, bem como o conhecimento de toda a natureza, e ela
nos instrui com respeito à concordância e a discordância das coisas
entre si, pelas quais ela produz seus efeitos maravilhosos, unindo as
virtudes das coisas através da aplicação de cada uma às outras, e a
seus objetos inferiores apropriados, juntando – os e entrelaçando –
os completamente pelos poderes e virtudes dos corpos superiores.
(CLARK, 2006, p. 285)

Para entendermos melhor as diferenças e as semelhanças entre magia e


feitiçaria é melhor nos atentarmos ao que Nogueira (1991, p.41) esclarece, o
mesmo afirma que as teorias e as construções da ortodoxia religiosa em
relação ao mundo mágico estabelece uma categoria herética, derivada de um
pacto implícito ou explicito, ou no limite, de um culto ao demônio. Segundo o
autor apresentavam – no como uma antinomia da fé, da sã religiosidade, da
busca de Deus, com a vontade mórbida de desrespeitar a ordem divina numa
manifestação arquetípica do orgulho luciferiano – no caso do mago -, ou da
fraqueza da vontade de Eva – no caso da feiticeira e da bruxa. Nesse turbilhão
aparecem homens e mulheres de pouca fé, naturalmente maus, ardendo por
prazeres da carne imediatos e sem barreiras e com a imensa necessidade de
extravasar o seu ódio contra o gênero humano. Contudo adoravam servilmente
satã e o cultuavam, aviltando a ordem divina, mudando assim a ordem social,
sendo assim é neste contexto que a feitiçaria se destaca das diversas
participações no Universo mágico, a terrível apostasia, o crimen exceptum, a
maior de todas as perversidades.
BRUXARIA E FEITIÇARIA NO BRASIL

O novo mundo era uma Terra cheia de desafios, onde o real encontrava-se
com a fantasia, céu e inferno, um Universo curioso. O Brasil era considerado
pelo colonizador como um paraíso, algo insento de calamidades, de
sofrimentos, de uma vegetação incomparável. Entretanto de acordo com
Pieroni ( 2000, p. 250 - 251), esse maravilhoso Éden, além de maravilhoso e
fantástico para o explorador português, também podia ser comparado ao
inferno, pois era um lugar assustador, onde a natureza humana muitas vezes
se identificava com o diabo em pessoa. Muitas vezes o Brasil era comparado
não somente ao céu e ao inferno, mas também com o purgatório. Contudo
Pieroni, afirma que a comparação com o paraíso terrestre não teve grande
duração e que no imaginário popular da época, Deus e o Diabo povoavam
tanto o mundo conhecido, como o que estava a descobrir. “A colônia era vista
pelas autoridades portuguesas como o lugar de morada de hereges, feiticeiros
e demais colonos desviantes da ordem legal ”. (COUCEIRO, 2008, p. 15)
(...) o medo das forças maléficas crescia continuamente, sobretudo a
partir do século XIII, catástrofes, pestes, fome provocavam na
consciência dos homens um horror ao diabo como origem de todas
8
as calamidades, gerais e sucessivas. A invenção da imprensa
encarregou – se dessa propagação... (PIERONI, 2000, p. 251)

Contudo Pieroni, nos informa que os autores de demonologia da época


reconheciam que certos diabos possuiam forças maiores que as dos outros, e
classificavam – nos em grande e pequenos diabos, de acordo com seus
poderes. Ao diabo eram atribuidos os seguintes nomes e classificações9:

Lúcifer – Chefe de todos os anjos decaídos e tentador de Adão e de Jesus


Cristo;

Diabolus – O orgulhoso;

Satan – O Inimigo;

Demonium – O iníquio;

8
Em 1455 o inventor alemão Johannes Gutemberg criou uma das maiores contribuições para o
mundo moderno, contudo essa invenção contribuiu para a difusão de livros que falavam do
maligno e das ações demoníacas ( Malleus Maleficarum – 34 reedições, o Teatro dos
Demônios e a história de Fausto)
9
No século XVI, Jean Wier afirmava que o grande reino dos demônios era composto por 79
príncipes e 7.409.127 diabos divididos em 1.111 legiões com 6.666 subordinados.
Leviathan – O ávaro;

Asmodeus – O da luxúria;

Behemoth – O da gula;

Belial – O da libertinagem;

Beelzebuh – Senhor das Moscas

Entretanto nesse contexto Pieroni (2000, p. 252 - 253), afirma que


poderiamos acreditar que monstros, dragões, unicórnios e outros seres
diabólicos habitassem os confins da Terra, por fim o historiador afirma que no
início da colonização do Brasil eram inúmeras as histórias sobre o
aparecimento de seres e criaturas assustadoras. Divino e demoníaco
constituiam – se partes opostas de uma única fé e entrelaçavam – se nas
crenças e na práticas religiosas do dia a dia, porém a associação da colônia
com inferno e com o céu, não seria senão um reflexo iconográfico decorrente
da tradição cristã.

(...) O divino estava associado ao bem, à abundância e ao gozo


eterno; é o ícone da beleza, esplendor e harmonia. O inferno, ao
contrário, representava o paraíso às avessas, locus demoníaco
associado à tortura, à privação e à condenação eterna, e, daí, a
gritos, a choro e a ranger de dentes. (...) Os Trópicos apresentavam –
se, pois como um mundo curioso e insólito; o encontro com o
incógnito era qualquer coisa tão inimaginável que a visão não poderia
moldar – se senão ao filtro das construções mentais cristalizadas no
imaginário dos colonizadores. (PIERONI, 2000, p. 253)

O Brasil além de ser terreno fértil para ouros e diamantes também foi
muito rico em castigos, sofrimentos e torturas, tudo isso em nome da fé e da
ordem. Diamantes e impiedades, conforme nos relata Souza (1986, p. 153),
caminhavam juntos. Ambos brotavam abundantes, das terras coloniais,
engastando – se um no outro como dois pólos opostos e complementares.

(...) Cristãos – Novos, sodomitas, hereges calvinistas, feiticeiros,


magos, adivinhos só poderiam ser compreendidos no contexto em
que atuavam: o Universo colonial com toda a sua complexidade, o dia
– a - dia dos colonos com suas aspirações variadas, ora nobres e
legítimas, ora medíocres, mesquinhas. (SOUZA, 1986, p.153)

Nos primeiros momentos, ainda no século XVI, Souza ( 1986, p. 155 –


156), relata que feitiçarias e práticas mágicas mostravam sua filiação cultural
de forma quase transparente: nelas, resgatavam – se com facilidade os traços
europeus, indígenas e raramente os africanos, pois conforme nos informa
Souza, o tráfico apenas iniciava-se, entretanto conforme avançava o período,
os traços perdiam-se na fumaça e começavam a surgir um único corpo de
crenças sincréticas, surgia assim formas específicamente coloniais, diferentes
e diversas de todas as outras.

(...) Os portugueses chegaram ao Brasil num momento em que a


presença de Satã entre os homens era especialmente marcante.
Monstros animais, seres diabólicos, os colonos foram também
feiticeiros, as formulações se sucedendo e se desdobrando no
imaginário europeu. Índios da América, negros da África e brancos da
Europa se combinaram mais uma vez para engendrar práticas
mágicas e de feitiçaria extremamente complexos e originais (SOUZA,
1986, p.153)

Assim como na Europa, Souza (1986), nos relata que a feitiçaria no


Brasil foi mais individual do que coletiva, a mesma foi pouco significativa em
relação à loucura Européia de caça às bruxas, a feitiçaria colonial lançava luz
sobre a vida da colônia nos três séculos de existência.

Foi uma das formas de ajuste do colono ao meio que o circundava;


por vezes, protegeu – o dos conflitos e, por outras, refletiu as tensões
insuportáveis que desabavam sobre o seu cotidiano. Ajudou – o a
prender a amante, matar o rival, afastar invejosos, lutar contra os
opressores, construir uma identidade cultural. Muitas vezes, resolveu
problemas com o outro mundo; outras tantas lançou – o em abismos
terríveis.(SOUZA, 1986, p. 155)

Conforme nos informa Brasil ( 2011, p.06 – 07 - 09), inúmeras foram as


práticas mágicas presentes no cotidiano colonial. Segundo ele, entre as mais
difundidas estavam o curandeirismo e a magia simpática. A magia simpática
era uma mistura de superstições populares com crenças religiosas católicas,
ela buscava resolver problemas rotineiros de saúde, dinheiro, casamento e
conflitos amorosos. A maioria dos curandeiros eram homens africanos, índios e
mestiços.

O curandeirismo colonial atrelava o conhecimento de ervas e


procedimentos rituais de origem indígena e africana à medicina popular
européia. Além de curar doenças o curandeiro também desfazia feitiços. Muitas
práticas estavam ligadas ao Universo Ultramarino. O autor afirma que era
grande o número de homens que trabalhavam em alto mar. Suas esposas
aguardavam noticias suas e para as obterem utilizavam a magia. Acreditavam
que os demônios habitavam embarcações e as profundezas oceânicas, sendo
assim era natural que as feiticeiras conhecessem os segredos do mar melhor
que ninguém, dada a proximidade que possuíam destes demônios. As
feiticeiras coloniais podiam interferir no curso dos navios. A dinâmica colonial
dependia muito da navegação, pois era através desta que notícias, produtos,
pessoas e documentos administrativos chegavam até a Colônia. Por isto, era
considerado muito importante saber quando um navio chegaria. Também era o
mar que podia religar os colonos à Metrópole. Alguns colonos sentiam-se
inferiores por morar no Brasil e desejavam retornar à Portugal, muitas mulheres
levadas por esse desejo, mentiam para as amigas que conseguiam se
metamorfosear em animais e voar até o Reino, o que fazia com que elas
fossem acusadas de bruxaria. A comunicação com o sobrenatural ocorria
através de sonhos, metamorfoses e na proximidade com os familiares
(demônios pessoais). Como a prática mágica era mais individual, mais próxima
portanto da feitiçaria, os inquisitores associaram à bruxaria Européia (mais
coletiva) duas práticas religiosas surgidas após o século XVII. Duas formas de
ritos coloniais foram associadas pelos inquisidores ao sabá das bruxas: o
calundu10 e o catimbó11. O calundu era uma manifestação cultural africana, que
agregou diversas etnias africanas em uma única identidade cultural, por unir os
escravos, apresentava risco ao sistema colonial. O catimbó era um ritual
indígena de possessão de divindades associado ao catolicismo que, assim
como o calundu, era um rito coletivo. Tanto o calundu como o catimbó foram
reprimidos pela Igreja Católica Oficial.

Silva (2012, p. 42) nos esclarece que o Brasil estava cheio de:
curandeiras, rezadeiras, benzedeiras, que tiveram amplo papel na conformação
da identidade cultural do povo brasileiro, reunindo a medicina popular e a fé
religiosa numa profusão de práticas supersticiosas sincréticas, porém conforme
nos sinaliza Silva , estes seriam os figurantes da magia branca, pública e
10
a palavra "calundu" tem origem angolana e vem da palavra kilundu, que é um ente
sobrenatural que dirige os destinos humanos entrando no corpo de uma pessoa, a torna triste,
nostálgica, mal-humorada...
11
culto de feitiçaria que combina a magia branca europeia com elementos negros, ameríndios
e católicos; catimbau, catimbaua [É chefiado por um 'mestre' que defuma os assistentes com
seu cachimbo, e a quem se recorre para resolver problemas diversos, seja para o bem, seja
para o mal.]. O Catimbó cultua ervas, símbolos e santos católicos, mas se tivermos que
caracterizar qual é o principal objeto de culto não ha dúvida que são as ervas. O Catimbó tem
como principal elemento a árvore da Jurema e todos os Mestres tem um erva de fundamento.
benéfica, em oposição aos propagadores da magia negra, geralmente
relacionada a bruxaria e feitiçaria individual, secreta e maléfica. A historiadora
em suas pesquisas, ainda informa que nesse cenário mágico ainda surge as
adivinhas, que eram de dois tipos: aqueles que se utilizavam de técnicas
específicas para desvendarem o Universo oculto e aqueles que possuiam o
dom da vidência.

(...) os adivinhos podem ser considerados, em certa medida,


feiticeiros, e no segundo caso, só existem duas possibilidades: ou o
dom é divino, e seu receptor abençoado por Deus, ou ele adivinha o
oculto por obra do diabo, sendo ele próprio um dos seus agentes,
quase um bruxo. ( SILVA, 2012, p. 43)

Para Silva, a maioria dos processos envolvendo casos de feitiçaria,


dizem respeito às práticas individuais que se relacionam às técnicas mágicas e
orações, das quais se ausentavam, com raras exceções, referências explicitas
a pactos com o demônio ou assembléias noturnas, bem como a prática coletiva
de ritos e cerimônias religiosas. Entretanto no dia 10 de maio de 1682: 56
homens e 36 mulheres condenados, dentre eles quatro são enviados a justica
secular para serem executados (PIERONI 2000, p, 163 – 164). Doze são
enviados para o Brasil, nesse auto de fé de Lisboa, três mulheres são
condenadas a degredo para o Brasil por feitiçaria e pacto com o demônio, são
elas:

Catarina Barreta – 48 anos

Úrsula Maria – 30 anos

Maria Pinheiro – 41 anos

Inúmeros eram os sortilégios utilizados pelos adivinhos e adivinhas.


Souza ( 1986, p. 158), nos relata que um dos mais comuns era o da peneira
com a tesoura ou com o chapim12, ou do balaio13, que parecia ser variação do
primeiro. A pesquisadora nos conta a história ocorrida no século XVI, da mulata
Felicia Tourinho, filha de Clérigo e presa por esbofetear uma mulher honrada
dentro da igreja. Quando foi presa, a mulata Felicia tomara certa vez de uma

12
Chapim - Antigo calçado de sola alta para mulheres. Coturno usado na representação das
tragédias. Pequeno pássaro da família dos conirrostros, muito útil à agricultura por ser
destruidor de insetos
13
Balaio - Cesto grande de palha, junco, bambu ou cipó, cuja boca ger. é mais larga do que o
fundo; canastra; patuá.
tesoura e a pregava no meio de um chapim; então, com ambos os dedos
mostradores postos debaixo dos anéis da tesoura, levantou para o ar o chapim,
dizendo: “diabo guedelhudo, diabo orelhudo, diabo felpudo, tu me digas se vai
Fuão por tal caminho (...), se isto é verdade, tu faças andar isto, se não é
verdade, não o faças andar ” ; a tesoura e o chapim moveram – se em meia
roda, andando para uma banda. Souza afirma que, de fato o tal homem foi ao
lugar indicado.

No Estado do Grão – Pará, Souza (1986, p. 159), nos conta outra


história de adivinhação com balaio e tesoura. A escrava negra Maria Francisca,
que morava com seu senhor, adivinhava furtos de moedinhas com o sortilégio
de balaio e tesoura, proferindo as seguintes palavras: “Vem São Pita, vem São
Paulo, à porta de São Tiago”, e em seguida nomeava as pessoas suspeitas.

Para Souza ( 1986, p. 160) a popularidade alcançada por estas práticas


mágicas entre indios e a população mestiça do Norte evidenciava bem o
sincretismo religioso das práticas mágicas na colônia, porém não se pode
esquecer que essas práticas não eram exclusivamente brasileiras ou de raízes
indígenas. Souza nos relata, outro caso presente na Lisboa setecentista de
Domingas Maria que usava do sortilégio da peneira, proferindo as seguintes
palavras: “ Por São Pedro e por São Paulo, por Jesus crucificado, por
Barrabás, Satanás e Caifás, e por quantos eles são, por Dona Maria Padilha
14
e toda a sua quadrilha, me digas peneira, se as ditas duas pessoas estão

14
Maria Padilha - Maria Padilla nasceu e cresceu em Astudilho, Palencia, Espanha por volta do
ano 1334, e faleceu em Alcazar de Sevilha em 1361. Possivelmente de alguma doenca,
posteriormente foi transportada a sua terra natal aonde permaneceu ate que a reconheceram
como Rainha. Maria pertencia a uma familia Castelhana, os Padilla, originarios de Padilla de
Abajo, anteriormente Padiella de Yuso, na localidade de Burgos, cujos membros foram sempre
pessoas destacadas na sociedade de essa epoca. Nascida na Espanha Medieval teve o amor
do rei Dom Pedro I de Castela, o qual foi chamado de "O CRUEL", pelo povo espanhol. Foi
amante do rei, Maria de Padilha que era uma jovem muito sedutora. Viveu entre o ano de 1.300
à 1.400. Dom Pedro de Castela já estava noivo de Dona Blanca de Borbon, uma jovem
pertencente a corte francesa, que foi enviada para Castela para casar-se com Dom Pedro,
porque este estava já para assumir o Reinado do pai, no ano 1350. Dom Pedro I de Castela,
não queria casar-se com Dona Blanca de Borbon, mais este casamento traria excelentes
benefícios políticos para a corte Espanhola e Portuguesa. Maria de Padilha foi viver no reinado
de Castela como dama de companhia de D. Maria, mãe de D. Pedro I de Castela (O
cruel). Padilha fez junto a uma árvore, um feitiço de amor, para conquistar o amor de seu rei
ela preparou um espelho mágico vindo a fazer com que o rei se olha-se no espelho mágico
sem saber que estava sendo enfeitiçado pelo poder do espelho.O feitiço lançado ao rei pela
poderosa Padilha seria eterno. Através deste feitiço, Dom Pedro se apaixonou
por Padilha loucamente. Maria de Padilha trabalhava na magia com um judeu cabalista e que
presas ou não, cobraram o dinheiro ou fizeram o negócio a que iam, que eu
darei um vintém de pão e outro de queijo e te estimarei muito no meu coração”.
Práticas da peneira e da tesoura para descobrir roubos e reaver pertences
eram praticadas na Inglaterra quinhentista.

Entretanto, ainda para Souza (1986, p. 160 - 161) o sortilégio realizado


por Felicia Tourinho e o causo de Domingas Maria assemelham – se por serem
os únicos em que, ao lado da adivinhação, existem o conjuro de demônios de
sabor ainda medieval, acentuando traços de magia ritual. Souza, segue citando
mais práticas de feitiçaria no Universo colonial, desta vez, ocorrem na segunda
visitação na Bahia de três mulheres que faziam adivinhação com a chave e o
livro de horas de Nossa Senhora, são elas: Ana Coelha, mulher de um
carpinteiro, Madalena de França, casada com homem do mar, e Maria da
Penhosa, que confessou ter aprendido a prática com as duas primeiras. Sendo
assim, Souza descreve que: tomava – se o livro de horas de Nossa Senhora,
em seguida o abria e colocava – se dentro dele uma chave de cadeado,
ficando sua maior parte de fora. Fechava – se o livro, tomava – se a chave com
o dedo e dava-se a outra ponta dele pra um garoto segurar. O livro ficava no ar,
e assim iam se nomeando os suspeitos do furto até que o livro desse uma volta
acusando o ladrão. Souza, nos informa que a adivinhação com o livro e com a
chave foi muito conhecida durante toda a idade média

As adivinhações e as práticas mágicas no Brasil colonial iam de mais


simples a mais complexas. Souza ( 1986, p. 165) afirma que certas práticas
eram de origem africana e conservaram - se quase que inalteradas por todo o
período colonial. Em 1499, D. Manuel determinava que, juntamente com os
feiticeiros, os benzedores fossem marcados com um “F” em ambas as faces, a

estes a ensinou muitas magias e através destas... conseguiu dominar o Rei de Castela
completamente. Padilha mandou chamar uma bruxa de Andaluzia a qual era perseguida pela
igreja, mas não se tinha provas de sua ligação com o Diabo, a qual fez um trabalho de
amarração para Padilha onde o erotismo que uniu os amantes foi como um impulso sagrado.
pena infamante do ferro foi depois suspensa, substituida pelas ordenações
filipinas (livro V, tt. IV p.115215). (SOUZA, 1986, p. 184)

Em suas pesquisas Laura de Mello e Souza, elenca um número


significativo de feiticeiras cujos parentes próximos (maridos, pais ou irmãos)
são marinheiros e constam nas listas dos Autos de Fé. Seguem-se três listas16:

a. Feiticeiras parentes de homens envolvidas no Universo


ultramarino;

Maria da Conceição, viúva de Manuel Fernandes, homem do mar – Auto de fé


16-5-1594.

Maria Vicente, casada com Pedro Mendes ou Martins, marinheiro – AF 11-10-


1637.

Monica Gomes, c.c Antônio Delgado, piloto – AF 17-9-1662.

Josefa Hilaria, alias Hilaria Correia, c.c Manuel da Costa Palma, homem do mar
– AF 14-10-1714.

Tereza Maria, a valente, c.c Matias dos Santos, homem do mar – AF 8-11-
1750.

Maria Tereza, a Rata, c.c. Crispim dos Santos, marinheiro – AF 24-9-1752.

b. Feiticeiras portuguesas degredadas para o Brasil;

Catarina Barreta – AF 10-12-1573

Suzana Jorge - AF 5-4-1620

Ana Antonia – AF 5-5-1624

Maria Ortega – AF 11-10-1634

Marta Nogueira – AF 25-2-1645

Francisca Cota – AF 15-12-1647

Manuela de Jesus – AF 17-9-1622

15
Vide em Anexo
16
Listas de Auto de fé . ANTT, Inquisição de Lisboa – (SOUZA, 1986, p. 191-192-193)
Francisca de Sa – AF 17-8-1664

Luzia Maria - AF 17-8-1664

Maria da Silva – AF 17-8-1664

Caterina Crasbech – AF 24-6-1671

Domingas da Silva – AF 24-6-1671

Maria de Seixas – AF 10-12-1673

Paula de Moura – AF 10-12-1673

Ursula Maria – AF 10-12-1673

Maria Pinheira – AF 10-5-1682

Maria de Souza AF 8-8-1683

Maria Simoes AF 21-8-1689

Domingas Fernandes – AF 1-7-1691

Maria Manoel Beleza – AF 14-6-1699

Isabel da Silva – AF 21-6-1711

c. Beatas portuguesas degredadas para o Brasil.

Luiza de Jesus – AF 15-12-1647


Maria Antunes – AF 15-12-1658

Joana da Cruz – AF 17-10-1660

Maria da Cruz – AF 17-10-1660

Luiza ou Luiza do Santo Antonio – AF 19-10-1704

Felipa Lopes – AF 30-6-1709

No Brasil colonial especificamente nas Minas do século XVIII, em Ouro


Preto, conforme nos informa Souza ( 1986, p.203-204) Luzia da Silva Soares,
feiticeira, moradora no arraial de Antonio Pereira, aprendeu várias praticas
mágicas com o negro Mateus.
Souza (1986), nos conta que Luzia fora acusada de matar dois filhos de
sua patroa e de vários outros crimes. A autora ainda nos diz que vários
episódios envolvendo o diabo deram cores ao Brasil, sendo assim afirma que
índios, negros e depois os colonos seriam uma raça de demônios.

Nesse ambiente de feitiços e maleficios Souza (1986) afirma que os


escravos podiam voltar-se contra seus senhores. Diante disso a autora
descreve os seguintes casos: “a escrava mina Joana matara em Conceição do
Mato Dentro uma escrava da senhora Dona Maria de Sá Cavalcante; uma
outra Joana, escrava do Engenho de Nossa Senhora de Guadalupe, no Pará,
que lançou-se com uma faca sobre sua senhora, e que ainda ofereceu a uma
escrava india de nome Filipa Josefa, uma cuia de tacacá, “que é o sumo das
raízes de mandioca”, e mais três peixes guisados” (SOUZA, 1986, p. 208),
Souza, relata que a mesma não resistiu, na mesma noite começou a vomitar
sangue e morreu em seguida. A pesquisadora segue relatando outros casos:

A história de Antonia Maria, que morava em Portugal e foi degredada


para o Brasil, fazia orações sob encomenda com o objetivo de eliminar
conflitos, falava orações com uma tigela de água na mão: “O céu vejo, estrelas
acho, Senhora Santana ai que farei que ainda hoje não vi a fulano e fulana (...),
nem Noé, nem quem deles novas me dê. Senhora Santana, assim como o mar
mareja, o céu estreleja e o vento venteja e os peixes não podem entrar no mar
sem água, nem o corpo sem alma, assim fulano e fulana não possam estar
sem o perdão virem a dar”. Souza ainda ressalta que Antonia colocava a boca
na tigela, batia no chão com três varas de marmelo e assim invocava:
Barrabás, Satanás, Caifás, Maria Padilha com toda a sua quadrilha, Maria da
Calha com toda a sua Canalha “cavalo – marinho” que com pressa os traga
pelo caminho”, após dizer essas palavras jogava numa panela de água
fervendo pedra de ara17, bigode de lobo, alfazema, sangue de leão e barbasco.
(SOUZA, 1986, p.197 – 198). Antonia tinha várias orações, misturadas muitas

17
Pedra de ara - O nome (substantivo) ara vem «do lat[im] ara-, altar». Trata-se de «altar
gentílico onde se faziam os sacrifícios» ou «altar cristão». A expressão pedra de ara é «pedra
benta sobre a qual, durante a missa, o sacerdote coloca o cálice e a patena com a hóstia» [in
Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora].Por sua vez, o Dicionário Eletrônico
Houaiss diz que ara vem do «lat[im] ara,ae "altar; socorro, ajuda, proteção; urna ou cipo
funerário; base, supedâneo"», e que se trata, na área da religião, «entre os pagãos, [de]
espécie de mesa de pedra em que se faziam sacrifícios; altar» ou «entre os cristãos, [de]
mesa, bancada sobre a qual se colocam o cálice e a hóstia, nas cerimônias religiosas; altar».
vezes com orações da igreja católica. Esta, por exemplo seria pra conseguir
perdão : “Donia é Donia, doce é Deus; requiem eternam pelas almas e santos
dignos fiéis de Deus = Deus vos salve, santos fiéis de Deus; Deus vos salve,
salve – vos Deus; os que andais pelos adros e pelos sagrados, ou batizados e
por batizar, todos se queiram ajuntar, e incorporar, e no coração de fulano e
fulana queiram entrar, e o perdão lhe queiram dar; comer e beber, e dormir
queiram tirar, e que a fulano mandem buscar para o perdão lhe querer dar”.
(SOUZA, 1986, p. 198). Junto com essas palavras, Souza (1986), relata que
primeiro, fazia-se um fervedouro com um coração de algum animal atravessado
por três agulhas e três alfinetes, jogando-se tudo numa panela, na qual deveria
ser nova e acrescentava-se um pouco de vinagre e em seguia dizia-se:
“Fulano, aqui fervo o teu coração com quantos nervos em teu corpo estão, com
Barrabás, Satanás, com Lúcifer e sua mulher, todos se queiram ajuntar e no
teu coração queiram entrar para que não possas estar, nem sossegar sem que
a sentença a favor de fulano queiras dar, e tudo quanto te pedir queiras
outorgar”. (SOUZA, 1986, p. 198).

Por fim, Souza (1986), declara que Antonia Maria18 foi presa, processada pela
Inquisição de Portugal e veio degredada para Pernambuco por volta de 1715,
onde aqui não deixou de fazer feitiços e se aperfeiçoar, tirando assim a vida de
sua amiga Joana de Andrade, também feiticeira que veio degredada para o
Brasil.

O terreno brasileiro era rico em sortilégios, magias, e encantos. Souza


(1986), relata que na região Norte, ou seja nas regiões do Grão – Pará e
Maranhão foram utilizados muitas bolsas de mandinga, porém eram mais
utilizadas por homens escravos. Eram uma mistura de hábitos culturais de
europeus, africanos e indígenas. Nessas bolsas tinham papéis com orações
diversas, como no caso do barbeiro Manuel João19 que trazia no pescoço, um
patuá coma oração de Nossa Senhora de Monserrate (encontrada no sepulcro
de Jerusalém), na qual tinha tinha quatro regras riscadas20; vários papéis

18
ANTT, Inquisição de Lisbos, Processo número 1.377. Processo de Antonia Maria casada
com Vasco Janeiro natural e moradora de Beja – (SOUZA, 1986, p. 198 – 199 - 200 )
19
ANTT, Inquisição de Lisboa, número. 10.181. (SOUZA, 1986, p. 211)
20
Regras riscadas - Na Umbanda, dentro de uma gira, na chegada de uma Entidade de Luz,
estando incorporada em um médium, a Entidade faz com que ela seja reconhecida, e para isso
usa-se o Ponto Riscado, que a grosso modo é a identificação da Entidade de Luz para seus
picados, um embrulho de papel com migalhas de agnus-dei, um alho, dois
raminhos de arruda, um osso do tamanho da cabeça de um dedo (embrulhado
num papel, parecendo ser de defunto), Souza descreve que o papel que estava
embrulhado o dedo tinha uma nódoa, parecendo ter sido colocado ainda
fresco.

Bolsas de mandingas, patuás e talismãs, eram magias segundo as leis


de contato ( DELUMEAU, 1971 apud SOUZA, 1986, p.213). Para Souza (1986)
do ponto de vista da magia, fluidos benéficos emanavam dos objetos
acondicionados dentro da bolsa de ou do próprio talismã. Mandingas, ou
Malinkê, eram os povos que habitavam um dos reinos mulçumanos do vale do
Níger por volta do século XIII: o reino de Mali, transformando – se no Brasil em
Malê – negros conhecidos no Brasil como malês eram tidos, tanto no Rio como
na Bahia, como mestres da magia negra. (BASTIDE, 1960, apud SOUZA,
1986, p. 213). Esses negros traziam no pescoço amuletos com signo de
Salomão e papéis com versículos do Alcorão21. No capítulo seguinte,
falaremos, como eram as visitas pastorais na Colônia e quais eram os pecados
que deveriam ser eliminados.

consulentes. Esses Pontos Riscados são constituídos de riscos e símbolos gráficos, Eles
normalmente são traçados ou riscados em tábuas ou no próprio chão. Essas ditas tábuas
podem ser de madeira ou até mesmo em mármore, e são feitos com uma espécie de giz, que
na Umbanda se da o nome de Pemba. Essas pembas podem ser de várias cores, e a Entidade
usa a cor determinante a linha que trabalha e ao Orixá que a rege. os Pontos Riscados são os
instrumentos dos mais poderosos dentro da Umbanda, pois uma vez sem ele, nada se poderia
ser feito com segurança, uma vez que é com a Pemba que se tem o poder de fechar, trancar e
abrir os terreiros conforme seja a exigência determinada do trabalho que será praticado. Os
Pontos Riscados são extensos códigos registrados, firmados e sediados no plano espiritual, e
cada um deles tem sua função específica.
21
Idem, idem, p. 209
VISITAS PASTORIAS E VISITAÇÕES DO SANTO OFÍCIO NO
BRASIL COLONIAL

O pecado deveria ser removido, as impurezas deveriam ser


decantadas, enfim a heresia22 e isso era função do Visitador23. Siqueira ( 2011,
p. 32-34), nos informa que os mesmos deveriam levar justiça aos rincões do
Império. O Brasil era o inferno, salienta Souza (1986, p. 77) sobretudo pelos

22
De acordo com o Código de Direito Canônico, o Herege não rejeita totalmente a fé cristã. A
noção de Heresia está exposta no cân. 751, ao dizer que se trata da negação ou dúvida
pertinaz de uma verdade que deve ser crida com fé divina e católica da parte de um batizado.
Deve – se advertir que o cân. 751 fala do pecado de heresia, para que exista o delito de
heresia, é necessário comprovar que existem os dois elementos constitutivos do delito.
23
Além do desempenho dos cargos especificados nos regimentos das inquisições, os
membros do santo oficio eram eventualmente – ou até em caráter permanente – designados
para cumprir outras funções importantes ao andamento do Tribunal, entre elas está a de
visitador das comarcas ou das livrarias, recebiam da Santa Sé jurisdição e faculdades
necessárias para inspecionar uma igreja, diocese ou região, em tudo o que se relacionasse
com assuntos de interesse da fé e da vida eclesiástica. Iam inspecionar as comarcas e terras
sob a jurisdição do Santo Oficio com o fito especial de sustar o alastramento da herética
pravidade e apostásia.
personagens que o compunham, seres animalescos, demoniacos, um
purgatorio sobretudo por sua condição colonial. Segundo a autora, na colônia,
tudo se esfumaçava e se confundia. A catequese era o veículo da função
salvacionista metropolitana, porém caso se mostrasse insuficiente, os naturais
da terra deveriam ser afastados do espaço pecaminoso em que estavam
afundados: a colônia era sempre um perigo, e, encravado nela, o colégio
jesuítico aparecia como oásis de salvação. Entretanto para Souza, para tanto
pecado, não havia outro caminho senão o da dureza e o do castigo. Sendo
assim :

(...) extipar pecados, purificar almas; garantir a continuidade da


produção de riqueza através de uma população purificada, isto é,
normalizada. O Brasil seria uma espécie de transição entre a terra da
escravidão e do pecado ( a África) e o céu, lugar da libertação
definitiva: para o escravo, a saída para o céu era a solução (...) O
Brasil era o inferno dos negros, purgatório dos brancos e paraíso dos
mulatos e das mulatas. (SOUZA, 1986, p. 78 - 79)

De acordo com Pieroni ( 2000, p. 254) a ideia de purgação, tanto a de


expiação, tinha uma importância fundamental na doutrina da salvação,
contudo, a purificação estava associado portanto à penitência necessária para
a salvação eterna: o tempo de penitência seria o tempo de lágrimas e não de
regozijo.

O historiador ainda ressalta que, a prisão, a multa, o confisco de bens,


a admoestação, a tortura, a execução e o exílio, eram meios de expiação dos
pecados cometidos. De acordo com Souza ( 1986, p. 84), o Brasil era o
Paraíso Terrestre pela natureza, inferno pela humanidade peculiar que
abrigava, o Brasil era purgatório pela sua relação com a metrópole. Homens
danados podiam alcançar os céus através do esforço honesto, do trabalho
diário, da sujeição à vontade metropolitana, a historiadora afirma que o sistema
colonial perpetuava a purgação: lançava sobre a colônia os elementos
indesejáveis, prometendo – lhes o Éden e iniciando sua purificação através do
exilio ritual representado pela travessia atlântica, sendo assim, uma vez em
terras brasileiras, o colono sonhava com a metrópole distante e enxergava
como passageira sua permanência no Brasil: o paraíso prometido ia se
transformando em purgatório. O céu do colono branco era o regresso à
metrópole; o do escravo negro era a salvação pela fé. Souza enfatiza que no
sistema colonial, negros viviam sempre no inferno e brancos no purgatório.
Para purificar as pessoas existiam as visitações, que eram inspeções
periódicas determinadas pelo Conselho Geral do Santo Ofício, onde um
delegado inquiria o estado de consciências em relação à pureza da fé e dos
costumes.

Uma patrulha de vigilância, oferecia misericórdia aos confitentes, e,


ao mesmo tempo, sob ameaças incitava aos denunciantes. Um
levantamento geral do momento dos espíritos. Uma operação de
coleta de material para alimentação da máquina da justiça
Inquisitorial. (SIQUEIRA, 2011, p. 34)

Nas cidades coloniais do século XVI e XVII, Pieroni (2008), nos relata
que eram vários os pecados de heresias, dentre eles a blasfêmia: blasfemar
era algo bastante comum e que as autoridades administrativas, missionários,
brancos, negros, mestiços desajustados, índios desgarrados das aldeias,
vadios, ciganos e andarilhos, soldados, prostitutas, marinheiros e degredados
afiavam a língua nas praças, igrejas e tabernas. Os alvos, na maioria das
vezes, eram Deus, Cristo e sua família, os apóstolos. Muitas confissões e
denúncias de blasfêmia e desrespeito aos objetos sagrados foram anotadas.
Pieroni, ainda informa que em Pernambuco e na Bahia, entre 283 faltas
confessadas, contaram-se 68 expressões insultuosas que renegavam Deus,
zombavam dos santos ou duvidavam da virgindade de Maria, a mãe de Jesus e
que no topo da lista dos blasfemadores brasileiros estavam o governador da
capitania de Porto Seguro, Pero de Campo Tourinho, preso em 1546 por causa
de insultos dirigidos a Deus e à Igreja. O pesquisador afirma que Tourinho
disse publicamente que ofereceria uma vela de bosta para Santo Antônio e que
os santos eram todos “santinhos de merda”. Entretanto, ameaçado de
excomunhão, reagiu de maneira ainda pior, proclamando aos quatro ventos
que faria sua higiene pessoal com a carta papal. No Brasil Colonial os homens
eram os campeões da blasfêmia e as mulheres não cometiam
ordinariamente esse pecado. Pieroni relata casos de algumas mulheres que
tentaram quebrar o protocolo, quase sempre de forma escandalosa, essa
exclusividade masculina. Dentre elas o autor cita:

(...) Violante Fernandes, cigana degredada, revoltada com as


incessantes chuvas na Bahia, bradou que era Deus quem urinava
sobre ela. Apolônia de Bustamante, outra degredada, sofrendo do
mesmo desânimo por causa das tempestades, protestou
publicamente: “Bendito sea el carajo de mi señor Jesu Christo que
agora mija sobre mi”.(...) Blasfemava-se tanto por causa das chuvas
como por causa da seca. Em Pernambuco, numa região de poucas
águas, Álvaro Pires protestou contra a ausência de chuvas
vociferando contra Deus: “Ao diabo a lua e aquele que a criou!”. Filipe
Tomás de Miranda, furioso, blasfemou contra Jesus, Maria e o
sacramento da comunhão, mandando à merda Cristo, a hóstia e a
Virgem Maria. Igualmente descontente com os católicos, o cristão-
novo Simão Pires Tavares exclamou: “Merda para a escola de Jesus
e a mesma sujidade para Jesus”. Antônio Nunes, marinheiro, durante
uma jogatina jurou duas vezes “pelo filho de Jesus”, e o sapateiro
Frutuoso Antunes declarou que a Virgem Maria não era virgem coisa
nenhuma. (PIERONI, 2008)

O autor ressalta que colocar em dúvida a virgindade de Maria era uma


das blasfêmias mais comuns, e também uma das mais graves, segundo os
inquisidores. Além das blasfêmias clássicas, havia também pequenos e
bizarros incidentes que eram igualmente considerados faltas passíveis de
punição. Fernão Pires, que nem padre era, batizava os cachorros e dava-lhes
nomes, simulando o rito batismal. Para Pieroni (2008) numa época em que a
Igreja católica estipulava jejum de 24 horas antes da comunhão, Jerônimo
Nunes se empanturrou de bananas com cana-de-açúcar e logo depois foi para
a missa. Guiomar de Oliveira, mulher de um sapateiro, para obter a afeição de
seu cônjuge, utilizava as palavras da consagração durante o ato sexual. O
pequisador nos realata que nas listas dos autos-de-fé (rituais de penitência
pública e execuções), onde eram registradas as condenações dos réus,
encontravam-se, além das blasfêmias, os sacrilégios — irreverência contra
objetos sagrados. Foi o caso de Luís Vaz de Paiva e seu sobrinho, que
furtaram um crucifixo da capela de Nossa Senhora da Ajuda, na Bahia, para
assustar as pessoas que passavam à noite na rua. O crucifixo, aliás, prestava-
se a mil e uma utilidades, em práticas criativas, mas nada nobres. Diogo
Castanho tinha o hábito de colocá-lo na cama quando se deitava com uma
negra. Isidoro o amarrou numa goiabeira e lhe deu várias chibatadas. João
Nunes, comerciante de Pernambuco, fazia suas necessidades sobre ele. No
Brasil, os blasfemadores geralmente eram advertidos e reconciliados. Nos
casos mais graves, o acusado era enviado para a Inquisição de Lisboa, onde
era tratado como todos os demais réus portugueses. Contudo de um modo
geral, as penas iam de advertências e encarceramentos até açoites,
banimentos e mesmo castigos espirituais, como ir a peregrinações e fazer
rezas. Além disso, Pieroni (2008) conclui que os blasfemadores deveriam usar
publicamente, no momento do auto-de-fé, uma mordaça — símbolo da
interdição da palavra ímpia: a boca representava o Verbo, a palavra divina que
permitia o sopro que é o Espírito de Deus. Diante dessas heresias, entre 1621
e 1622, Vainfas (1997. p. 221-222) cogitou-se seriamente a construção de um
tribunal de Inquisição no Brasil, identico aos Tribunais de Lisboa, porém é
importante salientar que esse Tribunal não foi estabelecido no Brasil, pois a
Inquisição Portuguesa julgava–se apta a controlar os desvios da fé mesmo
estando longe. Contudo conforme nos relata o autor nunca houve no Brasil o
extraordinário e mórbido auto da fé, espetáculo que aglutinava no terreiro do
Paço, em Lisboa, onde multidões escarneciam-se dos condenados, jogando
pedras e até mesmo se contemplando diante dos condenados sendo colocados
na fogueira. Sendo assim:

Eram os bispos encarregados dos negócios inquisitoriais na Colônia,


embora com poderes limitados a instrução de processos, e sujeitos a
jurisdição de eventuais visitadores enviados de Lisboa. Apesar de
agirem em nome do Santo Oficio, e autorizados a ouvir denúncias,
abrir devassas, prender suspeitos, receber os presos encaminhados
pelos vigários, remetê – los a Lisboa quando os julgassem afetos a
Inquisição, os bispos eram apenas agentes indiretos do Tribunal.
(VAINFAS.1997.p.222)

Vainfas (1997, p. 223-226-227), ressalta que no Brasil teve apenas


visitações. No entanto, foi apenas com a visitação inquisitorial à Bahia e a
Pernambuco, entre 1591 e 1595, que foi inaugurado efetivamente a atuação
mais formalizada do Santo Oficio no Brasil. Outras visitações inquisitoriais
seriam enviadas à Colônia no decurso o século XVII, embora, como ressalta o
autor, há documentações apenas de 1618 – 1621, efetuada pelo licenciado
Marcos Teixeira na Bahia.

Em todas as cidades e vilas, nas visitas inquisitoriais, afixava – se o


Edital de fé à porta das igrejas e mandava lê – lo semanalmente aos
domingos, convocando os fiéis a confessarem e denunciarem suas
culpas ao Santo Oficio sob pena de excomunhão maior. Em seguida
à convocação geral, fazia apregoar o famoso monitório, rol minucioso
dos crimes que deviam ser notificados aso Santo ofício, ou mesmo os
indícios de tais crimes. (VAINFAS, 1997, p. 224 – 225)

A partir dos meados dos seiscentos, e sobretudo no século XVIII, que


se multiplicaram as habilitações de comissários e familiares do Santo Oficio no
Brasil, encarregados de instruir processos, proceder a inquirições e ordenar
prisões de réus, relacionados aos foros inquisitoriais. Porém, é importante
salientar, conforme nos informa Vainfas, que, à medida em que se
aperfeiçoava a estrutura eclesiástica, tornavam-se mais frequentes e periódicas
as visitas pastorais. Em outros aspectos, o pesquisador afirma que a visita
diocesana, lembrava muito a inquirição do Santo Oficio, a começar pelos
objetivos repressivos e pedagógicos: visava ensinar a fé católica, conservar
bons costumes, emendar os maus, incitar o povo com admoestações à religião,
paz e inocência.

Tudo se passava em segredo, de modo que o acusado desconhecia


a identidade dos delatores e o próprio teor de seu crime – fato só
explicitado na lavratura do termo de culpa. E, no mais, embora o
visitador pouco arguisse as testemunhas e os culpados, a inquirição
24
diocesana ostentava, um certo modus faciendi inquisitorial,
trabalhando para a afirmação do núcleo dogmático da igreja sobre as
moralidades e as crenças do cotidiano, alterando a vida das
comunidades e rompendo seus vinculos de solidariedade internos.
(VAINFAS.1997. p.227)

Contudo essas visitações eram feitas de tempos em tempos para se


descobrir os inimigos da Fé (SIQUEIRA, 2013, p. 655 – 656). Porém essas
visitas não entravam numa rotina. Sendo assim em 51 anos a frequência das
visitações ao longo da Metrópole e da Colônia foram as seguintes:

Tabela 1: Visitações Pastorais a Colônia Brasileira (séc. XVI –XVII)

)ANO LOCAL DA VISITAÇÃO INQUISIDOR

1575 Ilhas D. Marcos D. Teixeira

1579 Beira D. Marcos D. Teixeira


1585 Algarve Álvares Tavares
Priorado do Crato e a
1587 Lugares da Inquisição de Antônio Dias Cardoso
Lisboa
Heitor Furtado de
1591 Brasil
Mendonça
Ilhas da Madeira e
1591 Jerônimo Teixeira Cabral
Terceira
1618 Brasil D. Marcos Teixeira
Distritos da Cidade de
1618 Domingos Manoel Pereira
Lisboa
Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA apud SIQUEIRA, 2013, p. 657

24
De acordo com o dicionário de Latim, significa Modo de agir
O Santo Ofício visitava cidades e Províncias (SIQUEIRA, 2013, p. 657 –
658); iam até os Territórios de Ultramar. Esses inquisidores levavam a justiça a
todos os domicílos e também a penitência e a reconciliação das consciências
com a fé.

Nas pesquisas de Siqueira (2011) “os homens afluiam à mesa


inquisitorial levando muitos seu cristianismo recente ou a imaturidade nos
segredos de sua crença, contavam, contavam e contavam, com sinceridade ou
maliciosamente, às vezes coisas infimas e sem significado, as vezes práticas
imorais e licenciosas; fatos de vida e da vida alheia, a mesa era, muitas vezes,
onde nasciam lealdades, amizades e parentescos. (...) durante as visitações
aconteciam : confissões, denunciações, inquirições e ratificações”. (SIQUEIRA,
2011, p. 36 – 37). De acordo com Siqueira (2013, p. 467), homens e mulheres
que haviam infringido as normas da religião, suas decisões eram
complementadas pela justiça civil quando condenava o herege, que muitas
vezes era o rebelde contra o Rei e contra a lei do país, a inquisição, tribunal de
justiça laico – eclesiástica, ao julgar observava um processo em quase tudo
idêntico ao das penas que puniam os crimes, como escreveria qualquer
tribunal, ordenava penitências para a redenção dos pecados implícitos na
figura do crime, Siqueira relata que havia uma disposição de compreensão
sacerdotal em relação aos pecados e uma intenção de recuperação das
consciências que não estavam alinhadas, todavia existiam prevenções
também; a parcialidade aos inquisidores como aos homens do tempo advinha
do temor da heresia, ofensas contra Deus, entendiam-se que esses males
deveriam ser eliminados para o bem da igreja e de todos. Sendo assim:

O processo do Santo oficio era estipulado em lei, temperado pelas


praxes e pela jurisprudência, como acontecia com os demais tribunais
do Reino. Os juizes não podiam exceder – se, presos como estavam às
de jurisconsultos, teólogos e canonistas célebres. Simples indicios de
faltas, não podiam servir de base para autuações. Eram necessários
sinais graves de culpabilidade para iniciar – se qualquer processo.
Imprescindivel houvesse fama pública; só se efetuavam devassas na
hipótese de suspeita de crime contra a fé a liminares não seriam
consideradas se contivesse defeitos de forma: a investigação deveria
ser certa, clara e especifica. Caso contrário seria nula de direito,
insuficiente par abertura do processo judiciário. (SIQUEIRA, 2013, p.
468)

Diante disso, Siqueira (2013, p. 468 - 469) esclarece, que a ocorrência


de processos estavam relacionadas com o próprio meio social. Era obrigação
dos cristãos apoiarem a igreja e conservarem intacta sua dogmática, e que a
luta era grande para apurar os pecados públicos. Siqueira ressalta que o
processo inquisitorial tinha sua própria cor e que o mesmo não acabava na
sentença, ele vinha sempre acompanhado de penitência, de ordem espiritual,
pois visava a recuperação dos culpados. Para Siqueira, a sala dos despachos
tinha uma austeridade que impressionava a todos que lá entrassem, a imagem
de Jesus crucificado, ficava na parede central, pois deveria lembrar aos
homens e as mulheres a necessidade da dor e do sofrimento; além da mesa
coberta com pano de damasco25 na cor roxa, cadeiras de espaldar alto para os
inquisidores e rasas para os assessores e notários colocadas a competente
distância dos réus. Aos homens e mulheres eram dados o direito da confissão,
que de acordo com Siqueira (2013), era a exposição minuciosa de todos os
pecados, feita de maneira humilde e simples, a um padre, com o fim de receber
dele a absolvição. No Concilio de Trento, a confissão foi reafirmada como
direito divino:

“Em consequência da instituição do Sacramento da Penitência,


precedentemente explicado, a Igreja Universal sempre entendeu que
a confissão inteira dos pecados foi instituida por Nosso Senhor e que
ela é necessária de direito divino a todos aqueles que cairam no
pecado depois de seu batismo, porque Nosso Senhor Jesus Cristo no
momento de subir da terra ao céu deixou os padres como seus
vigários e como presidentes e juizes a quem seriam entregues todos
os pecados mortais de que os fiéis se tornassem culpados a fim de
que, conforme o poder das chaves que lhes foi outorgado para remitir
ou para ter os pecados, els pronunciassem sua sentença. Por isso é
manifesto que os padres não possam exercer esta jurisdição sem
conhecimento de causa, nem guardar a equidade na aplicação das
penas se os penitentes só declararem seus pecados em geral e não
26
na sua espécie e detalhe ”. (SIQUEIRA, 2013, p. 471)

Entretanto a confissão tornava-se imprescindível no autos


inquisitoriais, porém a medida que se disseminou o temor das visitações Souza
(1986, p 136 - 137), esclarece que sobretudo no periodo Filipino pareciam
prestes a desabar sobre as vilas das colônias a cada momento, os demônios

25
Pano de damasco – Tecido na cor roxa, representava penitência e conversão
26
CONCÍLIO ECUMÊNICO DE TRENTO - Sessão XIV - Celebrada no tempo do Sumo
Pontífice Júlio III, em 25 de novembro do ano do Senhor de 1551 – Capítulo V – Da confissão –
Disponível em : http://agnusdei.50webs.com/trento18.htm
passaram a ser aprisionados em práticas escusas e muitas vezes não
confessadas, segundo a pesquisadora. Sendo assim:

O caminho para atingir tal fim era o da compreensão das relações


humanas, principalmente as afetivas, importava realmente apurar a
existência da heresia, não fosse as aparências induzir a juízos
falseados. Por isso se interessavam eles também por atos
moralmente bons, situações específicas em que as faltas tinham sido
cometidas; saber se os implicados estavam em seu juízo, se não
estavam tomados de vinho, ou se costumavam fazer, e em que conta
os tinha a opinião pública. ( SIQUEIRA, 2013, p. 477 – 478)

O inquisidor, segundo Siqueira (2013) deveria dentro dos conflitos


do dia a dia, tratando se de pessoas, de almas, pesquisar a existência das
heresias; “o inquisidor deveria tentar apurar além das heresias, a existência de
crimes que pudessem causar dano a sociedade”. (SIQUEIRA, 2013, p. 479).
Figura 5 – Esquema do Processo Inquisitorial. (Fonte: SIQUEIRA, 2013. O momento da
Inquisição)
Figura 6 – Formação Hierárquica nos Tribunais Inquisitoriais - (Fonte: SIQUEIRA, 2013, O
Momento da Inquisição)

O Santo Ofício, conforme descreve Siqueira (2013), exigia muito nas


delações pois tinha que se ter segurança nos julgamentos. Ouviam todos os
tipos de relatos. Entretanto muitas vezes, homens e mulheres compareciam as
mesas apenas por terem por si um desamor e achavam a oportunidade para
expiar esse mal; outros iam até a mesa porque foram excomungados a mais de
um ano e somente os inquisidores poderiam restabelecer o vinculo a igreja.

Adivinhações, feitiçarias, surperstições não seriam tão graves se não


deixassem atrás de si a suspeição de haver pacto com o demônio, a
obrigatoriedade de confessar envolvia a todos; todos deveriam
chegar até a mesa inquisitorial (...) todas as pessoas, homens e
mulheres, clérigos e seculares, religiosos e religiosas, de qualquer
estado, dignidade, proeminência e condição. ( SIQUEIRA, 2013, p.
500 – 501)

Não se pode esquecer, conforme, Siqueira (2013), que a leitura ou


posse de livros proibidos, também era um mal visto pelo Santo Ofício. Por fim,
a confissão dava a homens e mulheres o equilibrio espiritual, a paz, a
estabilidade, tirava a angustia, permitia recompor a ameaça do pecado de
heresia. Diante disso:

Os denuciantes iam até a mesa principalmente depois de terem


ouvido a leitura do Monitório da Inquisição, toque de clarim que
espertava os voluntários. Assustando as consciências,
impulsionava os indivíduos, levando – os à presença do
Tribunal. (SIQUEIRA, 2013, p. 513)
É importante saber que, algumas chegavam até a mesa, apenas para
denunciar concorrentes e desafetos. Siqueira (2013), relata que os próprios
inquisidores muitas vezes aceitavam esses relatos de denúncia com reservas,
pois viam nelas, apenas mal querença, desafetos e inimizades. Filhos
denunciavam pais, leigos denunciavam eclesiásticos, maridos acusavam
mulheres, denunciavam-se até pessoas que já tinham morrido. Entretanto
essas denúncias poderiam ser ratificadas. Siqueira ( 2013) afirma que os
confitentes e os denunciantes eram chamados a repetir suas declarações,
depois de horas, dias, semanas e até meses; nas denúncia também eram
ouvidos as testemunhas, porém só eram chamados se os casos fossem
extremamente sérios quando as testemunhas eram convocadas pelo Santo
Ofício, ao qual juravam dizer a verdade com a mão sobre os Evangelhos. A
historiadora esclarece que o depoimento das testemunhas eram de suma
importância, pois podiam deterrminar o rumo dos processos. “Anotadas as
culpas apontadas em confissões ou em denúncias, deviam os inquisidores
pronunciarem – se sobre elas, afim de expedirem mandatos de prisão”.
(SIQUEIRA, 2013, p. 552). Os inquisidores, segundo Siqueira (2013)
elaboraram listas, contendo os delitos conhecidos nos fins do século XVI, que
abrigavam faltas contra a fé e os dogmas, e essas listas eram usadas em todos
os distritos da Inquisição Portuguesa, são eles:

1. Negativos do Judaismo27;
2. Confitentes de minutos de Judaísmo;
3. Diminutos28 em suas primeiras confissões; presos – por isso segunda
vez depois de reconciliados;

27
Negativos eram os réus que nada diziam ou que negavam sempre por se declararem
inocentes.
28
Diminutos eram os réus que faziam confissões insuficiente e incompletas
4. Revogantes29;
5. Dogmatistas30
6. Relapsos31;
7. Falsários32;
8. Autorias
9. Blasfêmias e proposições heréticas;
10. Impenitentes que não cumprem sua penitência;
11. Pacto com o demônio;
12. Dos que dizem não ser: pecado a fornicação simples e molicies;
13. Bigamos;
14. Solicitantes;
15. Nefando33
16. Sortilégios34;
17. Dos que dizem missas sem terem ordens;
18. Dos que ferem ou matam a outros nos cárceres do Santo Ofício;
19. Dos guardas e mais oficiais que comentem algum crime dentro dos
cárceres;
20. Dos que se fazem Oficiais do Santo Ofício não o sendo;
21. Dos que mandam matar oficiais do Santo Ofício por fazerem seus
mandados;
22. Dos que alevantam falsos testemunhos dos oficiais da Inquisição sobre
cousas de seus ofícios sobre a honestidade de suas partes;
23. Clérigos de missa cristãos novos, reconciliados de Judaismo
24. Acoutados nos cárceres por sentença de Conselho Geral;
25. Dos que batem nas paredes dos cárceres do Santo Ofício da banda de
fora e pelo A.B.C35 falam com os presos;
26. Dos que não cumprem suas penitências deixando de trazer seus hábitos
e quebram o cárcer que lhes foi assinado, saindo dele sem licença;

29
Os que confessavam vários delitos, imprevistos, e depois revogavam tudo
30
Os que estabeleciam dogmas
31
Os réus que haviam reincidido no erro
32
Os réus que professavam conscientemente ideia falsas em matéria de fé.
33
De que não se deve falar, por ser digno de aversão; abominável, execrável, infando, de má
índole; malvado, perverso.
34
Feitiçaria; ação do feiticeiro que pratica magia ou bruxaria.
35
A.B.C ( Letras que significam pessoas)
27. Jactância36, dos que se jactam que não cometeram as culpas que
confessaram na mesa do Santo Ofício;
28. Mortos no cárcere, relaxados em estátua37;
29. Doidos;
30. Dos que dizem que o estado dos bons casados é mais perfeito que o
dos religiosos que vivem mal;
31. Luteranos reduzidos à nossa Santa Fé Católica;
32. Cismáticos38;
33. Que não há de haver juízo universal senão particular de cada um e que
o mundo há de durar para sempre;
34. Cristão renegados;
35. Soltos do cárcere do Santo Ofício sobre a fiança por doentes e doidos;
36. Saludadores39;
37. Cristão velhos presos por testemunhas falsas que foram soltadas em
livramentos;
38. Frades que foram mandados se desdizer dos púlpitos de proposições
que neles tinha dito e repreendidos pela mesa;
39. Dos que desacreditam o Santo Ofício e modo de proceder de seus
Ministros dizendo que queimam sem culpa os presos e outras palavras
semelhantes;
40. Dos que negam o culto e veneração às imagens e adoração da cruz;
41. Dos que confessam a lei de Moisés por boa e a dfendem na Mesa do
Santo Ofício;
42. Dos que dizem proposições contra a pureza da Virgem Nossa Senhora;
43. Dos que foram presos pelo nefando e constando não o ser senão
molícies foram soltos sem ir a auto;
44. Acusados por juízes no cárcere;
45. Dos que se vem apresentar e acusar nesta Mesa por judaísmo, que
estavam indiciados e por isso foram ao auto;
46. Dos que tomam o Santissímo Sacramento depois de comemerem e
beberem;

36
Comportamento de quem age com arrogância; altivez.
37
Relaxados, eram os réus entregues à justiça secular para serem executados
38
Que tende a cismar; que fica pensando excessivamente (em); pensativo.
39
Curandeiros
47. Pessoas que por não terem capacidade para entender por si a obrigação
que tinham de crer na Igreja Católica ainda que fosse um confuso por
razão de sua pouca idade, ou poir não terem notícias de nossa santa fé
foram hereges ou judeus;
48. Dos que prendem a outros por parte do Santo Ofício não sendo
manandados, nem oficiais da Inquisição;
49. Se cristãos novos saíram reconciliados por este Santo Ofício antes do
perdão geral p;odiam e deviam depois dele sendo letrados ser
restituídos para usarem como antes de suas letras;
50. Dos que teram o hábito em vindo o auto fé;
51. Pecado nefando;
52. Mais pecado nefando pelo qual foram açoitados publicamente e
degredados para as galés;
53. Mais relaxados em estátua;
54. Mortos recebidos no cárcer e lidas suas sentenças no auto;
55. Ausentes relaxados em estátua;
56. Mais revogantes;
57. Dos que dizem em pregações ao povo – que os confessores nas
confissões que não fazem mais que declarar que vem limpos os
penitentes, como faziam os sacerdotes das Lei Velha – aos leprosos que
se que lhe iam mostrar;
58. Mais apresentados a quem se tirou o hábito no auto;
59. Dos que não creem que N. S. Jesus Cristo está no SS. Sacramento da
Eucaristia;
60. Dos que são presos juntamente por delitos distintos, como são o crime
de heresia, ou dizer missa sem ter ordens, e pelo nefando, ou se hão de
ser acusados e processados tudo em sum só processo e em uma só
sentença , ou em diferentes processos;
61. Apresentados na mesa do Santo Ofício que não estavam indiciados nem
depois lhe sobreveio prova, que confessaram suas culpas e, foram
reconciliados na Mesa sem hábito penitencial diante dos inquisidores um
notário e dois Oficiais por testemunhas e outros abjuraram de levi40;

40
Abjuração – detestação da heresia – Abjuração de levi – a de quem foi declarado levemente
suspeito de heresia
62. Dos que sentem mal da concessão da Bula da Cruzada41 contra
indulgências, e dos ritos e cerimônias da Igreja Católica;
63. Dos que negam a imortalidade da alma e por isso sentem mal dos
sufrágios da Igreja pelos defuntos;
64. Dos que desacreditam o Santo Ofício;
65. Tormentos in caput alienum42
66. Mais doidos;
67. Dos que corrompem os ministros do Santo Ofício ou tentam fazê – lo
com dádivas e promessa para saberem de presos que estão no cárcer e
se comunicarem com eles por cartas e recados e procuraram por este
meio saber os segredos do Santo Ofício e impedir seus procedimentos;
68. Dos que dizem missa sem terem ordens;
69. Dos que dizem que Cristo Nosso Senhor não fora amortalhado nem
sepultado e que da Cruz subira ao céu e que o Santo Sudário não tinha
sinais de sangue porque o corpo morto não tinha sangue para por sinais;
70. Dos que dizem de Cristo Nosso Senhor que se lhes fizessem o que
fazem aos judeus presos pelo Santo Ofício, que pudera desesperar ou
desesperara;
41
Também chamada de Tribunal da Junta da Bula da Cruzada, foi instalada no Brasil pelo
decreto de 29 de junho de 1808, com a nomeação do comissário-geral frei José de Moraes,
esmoler-mor do rei. Criado em Portugal em 1591, sua competência, segundo o regimento de
10 de maio de 1634, era “tomar conhecimento de todas as causas e negócios, que
diretamente, ou por qualquer modo tocassem à expedição da bula, à cobrança do rendimento
dela, às dívidas, contratos, quase-contratos e convenças feitas por sua causa”. A bula da
cruzada concedia indulgências aos fiéis mediante compra e existia desde o período da
reconquista cristã. Sua aquisição implicava a dispensa de certos rituais católicos, como jejuns e
abstinências. Durante o período da expansão marítima, os papas continuaram a concedê-la,
com o objetivo de financiar a luta contra os infiéis na África e a construção da basílica de São
Pedro em Roma. Do montante arrecadado, a Coroa portuguesa enviava uma parte aos
pontífices e apropriava-se do restante. A Junta, dessa forma, integrava o sistema de
arrecadação do Reino português. Em Portugal, o tribunal era composto pelo comissário-geral,
escolhido pelo papa, e três deputados, além de secretário, tesoureiro-geral, provedor, contador,
escrivão da receita e despesa, promotor fiscal, porteiro e solicitador, providos pelo comissário.
Nas possessões ultramarinas, existiam comissários subdelegados, que cuidavam da
arrecadação das esmolas da Bula e tinham alguns privilégios, como a desobrigação de
participar de expedições militares. As bulas da cruzada eram publicadas anualmente no Reino
e apresentadas em uma procissão solene na qual se divulgavam as indulgências e graças que
lucravam aqueles que as obtinham. As concessões papais para que os monarcas portugueses
pudessem distribuir as bulas eram renovadas a cada seis anos. Nos domínios ultramarinos,
exigia-se igual solenidade, sendo escolhidos pelo tesoureiro-mor os melhores pregadores,
41
capazes de persuadir o maior número de pessoas possível. Tormento in capu alienum era o
ministrado a um prisioneiro para que depusesse como testemunha, em determinadas
circunstâncias em processo de outro acusado no qual fora citado como testemunha.
71. Mortos em suas terras e casas contra a memória, fama e fazenda, dos
quais se procedeu no Santo Ofício da Inquisição de Coimbra pelo crime
de judaismo depois do quinquênio e foram convictos e condenados e
sua estátua entregue à justiça secular43.

Essas regras foram fixadas para classificá - las de maneira exata e precisa.
Diante disso, Siqueira (2013), informa que, configurada a heresia, seria
necessário saber qual o grau e sua profundidade, quando as informações
requeridas fossem em relação a fé. O promotor pedia a prisão das pessoas,
quando o caso era duvidoso ou muito grave. Siqueira afirma que deveriam ser
consultados alguns deputados. “Prendiam-se os réus para processá-los, antes
da formação de culpa; a prisão era no caso, uma pré-condenação, visto que os
processos arrastavam – se, com longa duração, variável o tempo de retenção
dos réus”. (SIQUEIRA, 2013, p. 561).

Por fim, seguia-se a sentença (SIQUEIRA, 2013). Esta continha o resumo do


processo, o despacho, a qualificação do réu, conforme a natureza de suas
faltas, o tempo em que tinham sido cometidas, a matéria e a confissão feita.
Siqueira relata que as penas e penitências impostas pelo Santo Ofício, eram
obrigatórias ou não de abjurar os erros cometidos, a penas pecuniárias ou
corporais. E seguia-se para os autos de fé. As listas eram impressas na última
hora para que não dessem alarme e comunicação entre as pessoas. Os autos
de fé eram realizados de duas maneiras reservadamente ou em público.OS
TRIBUNAIS ECLESIÁSTICOS NO BRASIL COLONIAL

De acordo com Souza (2009) nos séculos XIII ao XV a concreção dos


Tribunais do Santo Ofício, ou Inquisição, radicalizou a perseguição ao que não
atendia aos interesses da Igreja, sedimentando a mais pura violência e arbítrio,
por via de consequência. Sob a acusação de bruxaria, diversas pessoas,
principalmente mulheres, foram torturadas e mortas sob as bênçãos dos
clérigos. Ainda segundo o pesquisador, dentre os assuntos principais que
ficaram a cargo dos Tribunais do Santo Ofício estavam a heresia, a apostasia,
o cisma, o sacrilégio e a bruxaria. No que diz respeito a esta última, foram

43
Libelos e processos de todo gênero de delitos de que se conhece nesta Inquisição para se
poderem por eles fazer outros e processar e julgar casos semelhantes. Biblioteca de Coimbra,
Ms.fol. 233 – 246. (1620) apud SIQUEIRA, 2013, p. 552 – 553 – 554 – 555 – 556 – 557.
vitimadas principalmente mulheres, pois perturbava o imaginário medieval
cristão a figura feminina e sua sensualidade inerente. Entretanto as ações da
Igreja Católica no Brasil colonial ( AGUIAR, 2012, p. 110) estiveram sempre
ligadas a um processo de mudança promovido pelo Concilio de Trento44 (1545
– 1563), contudo esse Concilio afirmou o poder da Igreja sobre os poderes
civis, sendo presidido pelos papas e bispos, o mesmo segundo o autor
ressaltou o valor das visitas pastorais na identificação e correção de práticas
que não eram condizentes com a moral cristã católica.

Ao rei competia nomear funcionários eclesiásticos, autorizar a


cobrança e administração de dízimos, expandir a fé católica através
da ereção e manutenção dos templos, e ainda sustentar o clero.
45
Entende se por Direito de Padroado a condição dos monarcas em

44
O Concílio de Trento foi o XIX ecumênico reconhecido pela Igreja Católica Romana. Foi
convocado pelo papa Paulo III, em 1542, e durou entre 1545 e 1563. Teve este nome, pois foi
realizado na cidade de Trento, região norte da Itália.
Decisões do Concílio de Trento: - Condenação à venda de indulgências (um dos principais
motivos da Reforma Protestante, que foi duramente questionada por Martinho Lutero);
Confirmação do principio da salvação pelas obras e pela fé; Ressaltou a importância da missa
dentro da liturgia católica; Confirmou o culto aos santos e à Virgem Maria; Reativação da
Inquisição (Tribunal do Santo Ofício); Reafirmou a doutrina da infalibilidade papal; Confirmou a
existência do purgatório; Confirmação dos sete sacramentos;Proibição do casamento para os
membros clero (celibato clerical); Criação de seminários para a formação de sacerdotes;
Confirmação da indissolubilidade do casamento; Medidas e decretos visando à unidade
católica e o fortalecimento da hierarquia.

45
A coroa portuguesa recebeu o Direito do Padroado e junto, o dever de propagação da fé
entre os povos dominados. Desta forma, a partir da Lei do Padroado muitas vezes o ato de
colonizar se confundia com o de evangelizar; a ordem temporal se misturava com a ordem
espiritual, a esfera política com o eclesial e o econômico com o evangélico.
Neste mundo de conforto só as ordens militares como a Ordem de Cristo não se sujeitavam ao
rei ou ao Estado, pois estavam ligadas diretamente à Santa Sé e tinham maior liberdade de
ação. Isso sempre foi uma fonte de conflito com as autoridades coloniais. O mesmo se deu
também com a Companhia de Jesus, os Jesuítas, até chegar a ser expulsa de Portugal e de
todas as suas colônias.
Como instrumentos jurídicos existiam algumas bulas papais, especialmente a Universalis
Eclesiae, de 1508 e a Examiae Devontionis Sinceritas, de 1501. Estas bulas reafirmavam o
poder pontifício e a delegação que os papas faziam. A Lei do Padroado (Ius Patronatus)
organizava as relações entre a Igreja e o Estado. Por ela, direitos e deveres de ambos os lados
eram bem determinados. Desta forma, a organização e a administração da Igreja ficavam nas
mãos do Estado, através da Casa de Contratação, a mesma que cuidava da economia e dos
aspectos militares e administrativos na América.
A partir de 1524 o Padroado começa a ser exercido pelo Conselho das Índias que se torna
então o órgão supremo e última autoridade nas Índias. Assim, pelo Padroado que lhes
concedia um conjunto de faculdades especiais e de privilégios, os reis e outros mandatários de
Portugal e Espanha assumiam a direção e organização da Igreja. Desta forma se entendia esta
relação: As leis da Igreja são as leis do Estado e vice-versa.
controlar assuntos religiosos, protegendo e propagando a fé católica,
em todos os terrritórios sob seu poder (AGUIAR, 2012, p. 112).

De acordo com as determinações Tridentinas, Aguiar ( 2012, p. 114 -


115), declara que, o Juízo Eclesiástico era um instrumento de aplicação no
funcionamento das doutrinas da Igreja. O Tribunal Eclesiástico era responsável
pelos assuntos espirituais que se referiam à fé. Cabiam a ele as causas
referentes aos costumes, sacramentos, missas, culto, ofício eclesiásticos,
votos, dízimos, legitimidade de filhos, benefícios e bens eclesiásticos, e
especialmente, às causa matrimoniais. A justiça eclesiástica no Brasil Colonial
era dividida em instâncias: a primeira era o Tribunal Eclesiástico, também
responsável pela instância inferior, a Comarca Eclesiástica; a segunda
instância era a Relação Eclesiástica do Arcebispado da Bahia e a Terceira era
o Tribunal Metropolitana de Portugal, mais conhecido como mesa de
Consciência e Ordens. No direito eclesiático, conforme esclarece Marcussi
(2006), a feitiçaria caia na jurisdição dos Tribunais do Santo Oficio na medida
em que podia ser enquadrada como crime de heresia, sendo assim:

O que permitia enquadrar os feiticeiros como hereges e, portanto,


colocá – los sob a jurisdição inquisitorial, era a noção de pacto
demoníaco; para a teologia católica, os feiticeiros só conseguiriam
realizar suas mágicas através da ajuda do demônio; essa ajuda
presumiria um pacto da feiticeira com as forças infernais.
(MARCUSSI, 2006, p. 104)

O autor finaliza dizendo que criava – se assim uma poderosa


ferramenta jurídica de acusação que ignorava as intenções declaradas pela ré
a encontrar o pacto mesmo onde ele não era confessado. Diante disso
Marcussi ( 2006) afirma que a cadeia de argumentos teológicos que
transformava as mulheres acusadas de feitiçaria em hereges eram impressos
nos interrogatórios dos tribunais. Assim sendo o historiador cita Carlo Ginzburg
: “as respostas dos réus eram muito frequentemente apenas um eco das
perguntas dos inquisidores”.(GINZBURG, 1990 apud MARCUSSI, 2006, p.
105)

HISTÓRICO DA SOCIEDADE COLONIAL

Para Wehling (1999, p.13), a formação colonial brasileira entre os séculos XVI
e XIX é uma realidade história que tem várias interpretações. O autor informa
que não podemos ter a pretensão de conhece-la como realmente foi, isso não
seria possível; pois o Brasil não seria pensado como primeira existência
particular:

Na época colonial, não podemos dizer que tenha havido um


pensamento ou reflexão sobre a formação brasileira. Até o início do
século XVIII predominava a ideia de que a Colônia era mero
apêndice, secundário e pior que a metrópole: o Brasil era visto como
“América Portuguesa”. (WEHLING. 1999.p.13)

Contudo “Nem só de europeus e índios se compunha a população


brasileira dos tempos coloniais” (TREVISAN. 2007.p.115). A Sociedade
Colonial era uma sociedade que ainda estava nascendo e carregava muito dos
costumes europeus, tanto em roupas, como modos, comidas e credos. Uma
sociedade onde mesclavam-se pessoas de diversos lugares.

Sob a égide de um Estado que impunha determinado modelo social e


religioso às comunidades que viviam nos seus limites legais,
mesclaram – se ou apartaram – se portugueses transplantados,
indígenas e africanos de diferentes culturas, cada qual trazendo
consigo suas instituições e seus quadros mentais. O resultado foi
uma sociedade diferente, com traços das sociedades originais e
elementos novos, num mosaico cuja diversidade era acentuada pelas
dimensões continentais do país. (WEHLING. 1999. p.227)

Wehling (1999, p.227 - 228) destaca que o elemento branco na


colonização do Brasil, foi predominantemente português, mesmo tendo a
presença de espanhóis, franceses, holandeses e ciganos. Os indígenas eram
formados por diferentes grupos étnicos: os tupis, os jês, os nuaruaques e os
caraíbas. Contudo, ainda conforme o autor o elemento negro confunde - se
com a história da escravidão. O historiador classifica os dois grandes grupos
étnicos africanos no Brasil em Sudaneses e Bantos: os primeiros, influenciados
pela cultura árabe, eram muitas vezes islamizados. Mais autenticamente
africanos, por manterem sua originalidade cultural, eram os bantos. Aos
Sudaneses pertenciam as tribos iorubas ou nagôs, jejes, minas, haussás, tapas
e bornus. Aos bantos, que na África povoavam o sul do continente,
predominaram no Rio de janeiro e em Pernambuco; os Sudaneses, na Bahia.
Ainda para Wehling (1999, p.230), a organização social dos negros, assunto
que nos interessa nessa pesquisa, sofreu diretamente os reflexos da condição
escrava, muito mais que os índios.
Contudo conforme nos informa (WEHLING. 1999, p.231), o
colonizador, trouxe para a colônia tudo o que achava necessário para melhor
colonizar: valores, costumes, organização jurídica, regras familiares e tudo
mais que fosse necessário. Porém isso dava ao negro uma sensação de
liberdade e outra de uma moralidade barroca. E nesse cenário novo, com o
objetivo de ganhar novos fiéis e de dominar, emergem os sentimentos
religiosos. Entretanto, nesta sociedade que estava acabando de nascer e com
muito para se descobrir, destaca-se o papel de mulher negra. Alves (2010, p.
24), afirma que: num contexto de início de colonização devido a quantidade
prejudicada de mulheres brancas “a disponibilidade das mulheres de cor para
manter relações com seus senhores realmente era desconcertante para a
chamada família patriarcal”.

As negras mais formosas acabam fatalmente como amásias e objetos


sexuais de seus senhores, a quem iam fornecer inclusive filhos
bastardos, num clima de aberta promiscuidade. Eram também com as
escravas que os filhos dos senhores de engenho iniciavam sua vida
erótica. (TREVISAN, 2007.p.116)

A lógica da sociedade patriarcal e escravista parece delinear seus

contornos mais brutais (GIACOMINI,1988, p. 65) no caso da mulher negra. Ser

negro ou negra no Brasil Colonial, conferia a eles uma situação de “coisa”

(propriedade do outro); por outro lado, o caráter da sociedade patriarcal

colocava: coisa – homem e coisa – mulher.

Preta bonita é veneno


Mata tudo o que é vivente
Embriaga a criatura
Tira a vergonha da gente
Mulata é doce de côco
Não se come sem canela
Camarada de bom gosto
Não pode passar sem ela
(GOULART, 1971, p. 48 apud GIACOMINI, 1988, p. 67)

No ano de 1765, (MARCILIO, 2004, p. 244 – 269 apud SCHLEUMER,


2011, p. 01 – 02) a população total de São Paulo era de 20.873 pessoas, das
quais 5.988 eram escravos, ou seja, 28,6%. A autora destaca ainda que no ano
de 1772, houve um aumento significativo dessa população passando para
21.272 pessoas, das quais 5.160 eram escravos, ou seja, 24,2%, observando-
se uma pequena diminuição na quantidade de escravos. Em 1798, a população
total contava com 21.304 pessoas, das quais 6.075 eram escravos. Apesar de
a população total ter aumentado de forma pouco significativa, a cidade
continuava contando com 24,2% de escravos.

RELIGIOSIDADE NA COLÔNIA X RELIGIÃO AFRICANA E O


PECADO DE HERESIA
Para Souza ( 1986, p. 86-87), o Brasil colônia teria nos jesuítas os
primeiros organizadores do seu catolicismo. Para ela a instituição do padroado,
anterior à descoberta, fazia da metrópole portuguesa o patrono das missões
católicas e instituições eclesiásticas na África, Ásia e, depois no Brasil.
Entretanto foi o padroado que incentivou e sustentou missionários em terras
coloniais, antecipando-se à Igreja Católica Romana e ocupando um espaço
vago. Souza deixa claro que por ocasião da criação do bispado da Bahia em
1551, concomitantemente realizava-se o Concilio de Trento que apesar de ter
representado, o triunfo do Cristianismo meridional, não colocava o mundo
Ultramarino no centro de suas preocupações imediatas. Desta forma:

(...) Só no século XVII é que Roma passaria a se preocupar com a


evangelização do universo colonial, procurando ainda restringir o
alcance da ação do Padroado: em 1622, criaria a Congregação para
a propagação da fé (...) a fluidez da organização eclesiástica teria
deixado espaço para a atuação dos capelães de engenho que
gravitavam em torno dos senhores; descuidando do papel do Estado
e enfatizando o das famílias no processo da colonização. (SOUZA,
1986, p. 87)

Na colônia existia o catolicismo de família, Souza (1986, p.87), nos revela que
o capelão era subordinado ao pater familias46, ou seja a religiosidade,
subordinada a força dos engenhos de açucar, integrando o triângulo:

Casa Grande

Senzala

Capela

Figura 7 – Formação da Família Brasileira sob regime de Economia Patriarcal. (FREYRE, 1958
apud SOUZA, 1986, p.87)

Dentro dessa religiosidade eram estabelecidas proibições, em relação


a feitiçarias e magias. Schleumer (2011), nos informa sobre uma importante lei,
as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, que tratava de algumas
práticas cabíveis de punição no versículo 899:

Prohibimos (1) estreitamente a todos os nossos súditos, que usem de


palavras, cartas de tocar, e de cousas, que affeiçoem, e alienem os
homens de suas mulheres, e as mulheres de seus maridos, e de

46
Era o mais elevado estatuto familiar (status familiae) na Roma Antiga, sempre uma posição
masculina. O termo é latino e significa, literalmente, "pai de família".
medicamentos, que tirem o juízo, ou consumão os corpos. E fazendo
alguém o contrario haverá as penas impostas no título precedente,
provando-se que as taes cousas tiverão effeito: porque em tal casos
se fica concluído que as taes palavras e obras procedem de algum
comercio, familiaridade e pacto com o Demônio. Porém se por outra
via se mostrar, que as taes palavras se dizem, e as taes obras se
fazem por engano, e fingimentos em algum effeito, e só a fim de
ganhar dinheiro, serão os deliquentes castigados arbitrariamente (2)
com penas pecuniárias, e corporaes, de modo que, semelhantes
desordens se atalhem. (VIDE, 1720, apud SCHLEUMER, 2011)

De acordo com Santos (2013, p.02) durante o período colonial as


manifestações religiosas afro-brasileiras eram consideradas crimes para a
Igreja Romana; a feitiçaria (como eram denominados os rituais) era passível de
pena de morte pelas Ordenações Filipinas47. Para Souza (2009), os séculos
XVI e XVII, estavam totalmente imersos na disseminação da superstição e
ignorância popular, merecendo a precisa previsão legal de incriminação da
feitiçaria no incipiente movimento codificador, a que se aponta como exemplo
paradigmático a previsão nas Ordenações do Reino de Portugal, sendo assim
a expressão “Ordenações do Reino de Portugal” abarca as codificações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. De acordo com Bispo (2010), as ordenações
do reino surgiram a partir do século XV, da necessidade de organizar as leis já
existentes, com o intuito de determinar o domínio do direito canônico e do
direito romano e também de delimitar suas relações com o nacional, segundo a
pesquisadora nelas estão enumeradas as penas aplicadas aos condenados
segundo o grau de delito e influenciado pelos privilégios sociais do réu ou da
vítima. As ordenações eram geralmente nomeadas com o nome do monarca
que a promulgou, além de ter, a data e local de sua publicação. As Ordenações
do Reino eram compostas por cinco livros, divididos em títulos, sendo que
estes títulos eram compostos por parágrafos. O primeiro livro tratava dos
cargos administrativos e da justiça; o segundo delimitava as relações entre o
Estado e a igreja; o terceiro versava sobre as ações cíveis e criminais; o quarto
discorria sobre o direito privado e individual e o quinto e último era dedicado ao
direito penal, sendo assim, ressalta que o capítulo penal possuía significativa
importância por sua abrangência nas ações que envolviam a lei e a justiça. A
primeira compilação publicada em Portugal foi as Ordenações Afonsinas,
idealizadas por D. João I, mas que só vieram a ser promulgadas em 1446, no
47
Ordenações Filipinas, Livro V, Titulo III: Dos feiticeiros - Anexo
reinado de D. Afonso V. As Afonsinas tiveram curta vigência, sendo
substituídas mais tarde pelas Ordenações de D. Manuel, no início do século
XVI. Com a introdução da imprensa em Portugal em 1487, que possibilitou uma
melhor divulgação das ordenações do reino, D. Manuel achou necessário que as
ordenações fossem impressas para resolver os problemas da sua divulgação.
O capítulo penal possui significativa importância por sua abrangência nas
ações que envolviam a lei e a justiça. Mas, é em 1505 que o monarca solicita a
revisão dos textos, acrescentando a legislação extravagante promulgada desde
o reinado de D. João II, a edição definitiva veio a público em 1521, surgindo
assim, as Ordenações Manuelinas. No final do século XVI, o número de leis
que foram promulgadas fora das Ordenações Manuelinas e da Compilação
extravagante era elevado, assim, nos primeiros anos do domínio espanhol,
Felipe I, ordenou a revisão e a compilação de novas leis. A maior preocupação
do monarca era reunir em um só texto as Ordenações Manuelinas, as leis
extravagantes de Duarte Nunes do Leão e as leis que foram criadas depois das
extravagantes. Entretanto em 1595 o trabalho já estava concluído e as
Ordenações foram aprovadas por Felipe I (Felipe II na Espanha), sendo
publicadas com o título de Ordenações Filipinas. Contudo, o novo código só
passou a vigorar em 1603, no reinado de Felipe II .Entretanto segundo Pieroni
(2000, p.45), nas ordenações filipinas, a mutilação, a marca de ferro ardente e
as penas atrozes são mais raras, no entanto, outras torturas continuaram a ser
amplamente aplicadas: uma herança do direito romano. Contudo nas
ordenações filipinas, há um livro específico para os feiticeiros e feiticeiras, tema
de nossa pesquisa. Sendo assim:

[...] a comunicação com os espíritos (almas, demônios anjos e


santos), obtida por revelação [...] conjuros, transes, fervedouros. [...]
As capacidades taumatúrgicas raras vezes se assumiam
abertamente, permanecendo envolvidas pela manipulação formal de
algumas técnicas tradicionais de cura: benção, unções, rezas,
mezinhas, emplastros, ungüentos e lavatórios (BETHENCOURT,
2004, p. 164 apud SANTOS, 2013, p. 02).

Ainda segundo Santos (2013, p. 03 – 04), várias medidas foram


tomadas no sentido de exterminar os costumes de origem africana que
chegaram aqui com o navio negreiro. Para ele tais costumes eram vistos como
bárbaros na tradicional oposição que as sociedades europeias faziam entre si e
os “não evoluídos” habitantes do Novo Mundo e do continente africano.Esta
distinção vigorou por muito tempo e recebeu adeptos na grande maioria das
elites que tentavam se igualar à Europa. Para estas, a população de cor
deveria suprimir seus costumes e adequar-se aos novos, principalmente para a
servidão e para os aspectos da vida religiosa. O autor ainda ressalta que para
os senhores de escravos e autoridades da época tais costumes eram ligados
aos desvios do trabalho, ao prejuízo material e também ao perigo. Entretanto
Marcussi ( 2006, p.98) nos informa que os escravos e escravas eram o próprio
espaço exemplar de uma obra da salvação, na medida em que, libertos das
trevas a que estariam condenados em suas terras natais, teriam sido levados à
América cristã, no caso o Brasil para serem salvos pelo conhecimento da
verdadeira fé e pela misericórdia de Cristo. O trabalho e as imposições a que
se submetiam eram tanto um aprendizado árduo das regras de civilidade que
se punham como condição para o exercício de uma fé racional e verdadeira,
quanto uma penitência a pagar pelos pecados abomináveis de sua existência
pregressa. Segundo Marcussi os castigos corporais que os negros e negras
sofriam, deixavam impressos na própria carne o signo da salvação. Sob esse
olhar domesticador, eles eram a imagem cristalina da obra de construção de
uma sociedade alicerçada nos preceitos da religião, uma Cidade de Deus que
se oferecia como possibilidade universal de salvação a todos os povos em
contato com a metrópole portuguesa. Sendo assim:

(...) eram também objetos de um olhar de repúdio e aversão, na


medida em que raramente se adequavam com perfeição a esse
modelo ideal. Seus costumes e práticas religiosas trazidos da África,
abomináveis aos olhos europeus, eram vistos e temidos como
demoníacos. Através de seus batuques, festejos, danças e revoltas,
quem falava e agia era o próprio Demônio com sua influência nefasta
e destruidora, corrompendo a moralidade da colônia e transformando-
a em um lugar da perdição das almas. Se, por um lado, eram o
suporte e lugar de uma obra de salvação, por outro lado eram um
risco que poderia levar à sua dissolução. (MARCUSSI, 2006, p. 98)

O Brasil colônia teria nos jesuítas os primeiros organizadores do


catolicismo. Souza (1986, p. 86 – 89 - 91) relata que havia nas colônias um
povo rural que frequentemente não conhecia os elementos de base do
cristianismo, um cristianismo de fachada (...) “ emprestava nomes de santos e
de festas católicas a forças da natureza e a consagrações pagãs. Crenças
africanas e indígenas viam – se constantemente demonizadas pelo saber
erudito, incapaz de dar conta da feição cada vez mais multifacetada da
religiosidade colonial”. (SOUZA, 1986, p. 149).

Mesmos os negros batizados não sabem quem é o seu criador, o que


hão de crer, que lei hão de guardar, como se hão de encomendar a
Deus, a que vão os cristãos à igreja, por que adoram a hóstia
consagrada, que vão a dizer ao padre, quando ajoelham e lhe falam
aos ouvidos, se tem alma, se ela morre, e para onde vai, quando se
aparta do corpo. ( SOUZA, 1986, p. 92)

Escravismo e colonialismo estavam interligados, sendo assim Souza


(1986) nos coloca que essa complexidade puxava a colônia para o inferno, e
que o diabo era o confirmador de Deus e que o inferno eram os conflitos
sociais: envenenamento dos senhores, os atabaques que batiam
insensatemente nas senzalas e nas ruazinhas escuras das vilas coloniais, os
quilombos que eram tenebrosos e escuros e assombravam as matas, as
estradas, os descampados; os catimbós que conclamavam espíritos ancestrais,
as curas mágicas, as adivinhações. A Colônia era recheada de influências
religiosas, Souza (1986, p. 93 - 94) relata que o culto dos santos negros como
São Benedito48, e as virgens negras (Nossa Senhora do Rosário49), foi,
inicialmente, imposto de fora ao africano, como uma etapa da sua
cristianização; e que foi pensado pelo senhor branco como um meio de

48
São Benedito nasceu perto de Messina, na ilha da Sicília, Itália, no ano de 1526. Benedito
significa abençoado. Seus pais foram escravos vindos da Etiópia para a Sicília. Era filho de
Cristovão Manasceri e de Diana Larcan. O casal não queria ter filhos para não gerarem mais
escravos. O senhor deles, sabendo disso, prometeu que, se eles tivessem um filho, daria a ele
a liberdade. Assim, eles tiveram Benedito. E, como prometido, ele foi libertado pelo seu senhor
ainda menino; morreu em 1569, devido a sua cor tornou – se protetor dos negros, entretanto
seu culto permaneceu proibido pel Igreja Romana, sendo autorizado somente em 1743.
49
Desde os Séculos XV e XVI os negros já se congregavam nas Irmandades de Nossa
Senhora do Rosário em Portugal. Inicialmente, a devoção à santa era realizada somente pelos
brancos e se tornou popular com a famosa batalha de Lepanto em 1571, em que a vitória dos
cristãos sobre os mouros foi, de certa forma, atribuída à proteção da Virgem. A devoção dos
negros a essa santa é cheia de histórias e lendas. Segundo alguns estudiosos, os Padres
Dominicanos portugueses utilizaram da imagem dessa santa para catequizar os povos
africanos em plena África, fazendo a relação sincrética da Virgem do Rosário com o Orixá Ifá,
do Panteão Mitológico Africano, que era o oráculo dos homens e mesmo dos outros deuses,
e possuía um colar de sementes de palmeiras que foi associado ao Rosário de Maria. No
Brasil, a devoção a Nossa Senhora do Rosário foi trazida pelos primeiros escravos, mas foi em
Minas Gerais que as comemorações tiveram maior projeção. No Compromisso da Irmandade
de Vila Rica (Ouro Preto) de 1713, ficou registrado que a festa já existia há trinca anos,
enquanto na Vila do Príncipe (Serro) o Compromisso é datado de 1728. No Tijuco
(Diamantina), a Irmandade dos Escravos adotou o nome de “Nossa Senhora dos Pretos, de
São Benedito, Santa Efigênia e Santo Antônio de Cartagena”, e os registros da festa
são datados de 1745, conforme livros do Arquivo do Palácio Arquiepiscopal. Incentivada pelo
clero local, como forma de manter os negros cativos, que se rejubilavam ao verem seus Reis
coroados, as comemorações em louvor à Santa eram magníficas, repletas de danças e
batuques.
controle social, um instrumento de submissão para o escravo. Diante disso,
Souza, ressalta que o Brasil era uma colônia escravista, permeada pelo
sincretismo religioso e que o sincretismo afro-católico dos escravos seria uma
realidade que se fundiu com a preservação dos próprios ritos e mitos das
primitivas religiões africanas
50
Cultuava-se São Benedito, mas cultuava-se também Ogum , e
batiam-se atabaques nos calundus da colônia: nas estruturas sociais
que lhe foram impostas, os negros, através da religião, procuraram
“nichos” em que pudessem desenvolver integradamente suas
manifestações religiosas (...) a religião africana secretou sua própria
concha. (BASTIDE, 1960, p. 69 apud SOUZA, 1986, p. 94)

Figura 8 – Imagem de Nossa Senhora do Rosário (Foto: Isabela Kassow/Diadorim Ideias)

Figura 9 – Imagem de São Benedito (Foto: Isabela Kassow/Diadorim Ideias)

50
Ogum é o orixá da guerra, da coragem, o protetor dos templos, das casas, dos caminhos.
Conforme nos informa Bastide (1989) no Brasil, a capela se dividia em
duas partes separadas, o pórtico e a nave, os brancos tinham o direito de ter
um lugar nos bancos da igreja, os negros ficavam do lado de fora, vendo a
missa do pórtico através das portas abertas. Os negros, participavam da
religião dos seus senhores, como seres inferiores. Portanto, nas fazendas e
engenhos muitos escravos e escravas não ouviam missa, primeiro porque as
igrejas eram bem pequenas, andavam nus, e também pelo mau cheiro que
exalavam de seus corpos. Bastide nos informa um detalhe importante, que
mesmo os negros libertos, não podiam pretender entrar nas ordens
eclesiásticas e que padres negros, ou provinham de Cabo Verde ou de Angola.
O catolicismo com seus ritos consolidava-se com o dia a dia da colônia e com
as estações do ano.

O escravo entrava nesse ritmo cristão ao lado do branco, mas


sempre numa posição subordinada, estando também bem indicado
que fazia parte da comunidade doméstica enquanto comunidade
religiosa, mas como um ser inferior e enquanto propriedade do
senhor. A estrutura da familia patriarcal escravista inibia o
igualitarismo critão e se opunha ao desenvolvimento de uma das
tendências caracterísitcas da Igreja. (BASTIDE, 1989, p. 160)

O catolicismo não controlava apenas as cerimônias religiosas. Bastide


(1989) nos diz, que o catolicismo controlava o dia a dia do escravo, ritmava a
vida da fazenda, durante todo o ano e que os escravos participavam das
cerimônias religiosas, porém sempre do lado de fora, numa posição subalterna.
As festas grandes que aconteciam nas fazendas, eram pra comemorar
aniversários de alguém da família senhorial, sendo assim o trabalho dos negros
eram interrompidos para trabalharem nas festas. As missas eram celebradas
em louvor aos seus senhores e os negros e negras não podiam adentrar na
capela, deviam permanecer fora, contudo celebravam o fim da missa cantando
hinos, em sua própria lingua. Sendo assim:

Os escravos punham tudo em ordem, limpavam tudo; a casa, o pátio,


o engenho; na véspera da chegada do senhor, enfeitavam tudo com
flores, ramos verdes, troféus e arcadas, guirlandas entrelaçadas de
bandeiras, enquanto os cozinheiros preparavam o banquete, para o
qual haviam sacrificado, bois, carneiros e inúmeras galinhas.
(BASTIDE, 1989, p. 161)

De acordo com Bastide, estas festas não poderiam começar antes de


serem benzidas pelo padre e que quando jogava-se a água benta, negros e
negras faziam o possivel e o impossivel a fim de receber a maior quantidade
possivel de água, pois acreditavam que essa água tinham para eles poderes
mágicos e que os protegiam. O catolicismo do negro, segundo Bastide (1989,
p.162), foi, como as religiões africanas, uma subcultura de classes.

Os engenhos do Nordeste do século XVII a religião era uma religião


doméstica e nas minas do século XVIII a religião era uma religião de confraria.
(BASTIDE, 1989, p. 164). Numa sociedade em que a população de mulheres
era pouco expressiva, Bastide (1989), relata que o número de pessoas brancas
que viviam no concubinato com mulatas era grande.

Para Bastide (1989), criou-se um catolicismo negro que se conservava


dentro das confrarias e que ultrapassava os dogmas e a fé, apresentando
assim caracteristicas particulares; a procissão de São Benedito era composta
apenas de negros ou mulatos sendo: porta-estandarte, anjinhos, as rainhas dos
africanos, em número de três, com a perpétua51 no meio, rodeada por dois
grupos de negros que disputavam a coroa de perpétua, a confraria do Rosário
e as Taieras52. Nessas procissões, negros e negras marchavam cantarolando
para São Benedito e Nossa Senhora do Rosário:

Virgem do Rosário
Senhora do Mundo...

51
No Brasil, chegou com os colonizadores portugueses, mas com o propósito de ser absorvida
pelos escravos que misturaram crenças da sua terra africana ao culto dos senhores de
engenhos, com ênfase à devoção – principalmente aos santos negros como São Benedito,
Santa Efigênia, Santo Onofre e, também, à Nossa Senhora do Rosário, a mais venerada entre
os negros brasileiros. Há registros de que alguns grupos de escravos, ao chegarem no Brasil,
já cultuavam essa tradição. Os festejos da Irmandade do Rosário mantém-se vivos na tradição,
cuja Corte é constituída por um Rei Perpétuo e uma Rainha Perpétua; Sendo assim Perpétuo e
Perpétua são os sucessores o filho e a filha mais velhos. Segundo a tradição e estatuto da
entidade, são escolhidos, na comunidade, um rei e uma rainha ( que recebem o Nome de Rei
Perpétuo e Rainha Perpétua), além de um juiz e uma juíza, o escrivão e a escrivã, que
participam dos festejos repassando seus respectivos títulos para os próximos representantes
durante o ritual de coroação que acontece no encerramento da festa em frente à igreja.
52
A taieira é uma dança-cortejo, de cunho religioso e profano, cujos participantes entoando
cantigas religiosas e populares, dançando e tocando instrumentos de percussão, acompanham
a festa de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, os santos padroeiros negros,
comemorada no dia seis de janeiro (Dia de Reis). Os mais antigos registros da taieira no Brasil
datam, ao que tudo indica, do século XVIII, por ocasião das comemorações do casamento de
Dona Maria I, realizadas em 1760, em Santo Amaro, na Bahia. As danças da traieira são
executadas em roda ou em duas fileiras. Seus personagens são compostos pelas Taieiras,
dançarinas vestidas com blusa vermelha e saia branca enfeitada com fitas coloridas; Guias ou
as chefes dos cordões ou fileiras, que usam uma faixa verde na cintura e outra amarela
cruzando o peito (as cores são invertidas no outro cordão), pulseiras, colares, um chapéu
branco com fitas e flores vermelhas, além de uma pequena cesta pendurada no braço ; as
Lacraias (corruptela de lacaia), moças que seguram as sombrinhas para as rainhas e que não
usam trajes especiais
Dê – me um coco d’agua
Senão vou ao fundo!!...
Virgem do Rosário
Senhora do Norte...
Dê – me um coco dägua
Senão vou ao pote!...

Meu São Benedito


Venho te pedir
Pelo amor de Deus
53
Brincar de cucumbi

Sobre as músicas e danças Nepomuceno (2014), esclarece que nas


procissões de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, os Cucumbis eram
grupos compostos por foliões socialmente reconhecidos como negros e que o
enredo central de seus desfiles contavam a história de uma embaixada do rei
do Congo em visita a outro reino que no meio desta viagem, o filho do rei era
assassinado por um rival, muitas vezes sendo representado por um “caboclo”
brasileiro, o autor descreve que Rei e rainha, desesperados, exigem que o
mais famoso feiticeiro do reino devolva a vida ao pequeno príncipe; sendo
assim após cenas de encantamento, batalhas e muitos versos referentes à
África e aos seus costumes, o jovem príncipe renasce e dança em júbilo com
sua família e súditos.

Para Bastide (1989) o que caracterizava essas festas não era a


familiaridade com os santos, e sim a luta incorporada na procissão, entre os
negros, pela coroa da Rainha Perpétua e que essas celebrações eram
sobrevivências das lutas étnicas e dos reinados africanos. Já as congadas
aceitavam a perpetuação do regime real para os negros brasileiros, mas
corrompendo esse reinado e o incorporando ao culto de Nossa Senhora do
Rosário. Bastide esclarece ainda que a mais antiga menção que se tem sobre

53
Antiga dança dramática dos negros, com cortejo e danças guerreiras em celebração à
puberdade
as congadas, datam de 1700 e na cidade de Iguarassu (Pernambuco),
entretanto a sua origem foi em Portugal.

Cada paróquia tinha seu rei, sua rainha, um secretário de Estado, um


mestre da campo, uma arauto de armas, suas damas de honra, etc,
que se faziam chamar majestade, excelência ou Senhora; a eleição
era feita no dia da Festa de Nossa Senhora do Rosário, dando origem
a danças, variáveis segundo a etnia à qual pertencia o Rei.
(BASTIDE, 1989, p. 173)

É importante salientarmos que nas pesquisas de Bastide (1989), a


igreja começou a ver com maus olhos as cerimônias africanas misturadas com
as cerimônias católicas, a igreja aceitava a coroação real, mas não aceitava a
congada que prosseguia, haviam então dois catolicismos diferentes, pela
separação entre brancos e negros, sendo assim “traços das civilizações
africanas, particularmente de civilizações bantos, passaram, sem que o
sacerdote percebesse, ao culto dos antos negros ou nas congadas”.
(BASTIDE, 1989, p. 178 – 179). O catolicismo negro, para Bastide (1989) foi
um relicário precioso, ofertado pela Igreja aos negros, para se conservar não
como reliquias, mas como realidades verdadeiras, com valores mais
significativos de suas religiões nativas.

Podemos analisar que na colônia, de acordo ainda com Bastide (1989)


o meio em que o negro era colocado no cristianismo o induzia, a desejar o
batismo católico, porque esse melhorava seu status social, os negros crioulos
caçoavam dos africanos que não eram batizados, chegando mesmo a dizer
injúrias, enquantos os brancos os tratavam como animais “sem alma”, sendo
assim Bastide nos diz também que eles se apressavam em decorar as
orações, mesmo que não compreendiam o que significavam. O catolicismo
negro em geral sobrepôs-se, mais do que o penetrou, à religião africana, e a
confraria frequentemente prolongou -se em candomblé. (BASTIDE, 1989, p.
183).

O branco não se interessava pela religião de seu escravo a não ser


na medida em que esta podia ter alguma influência, seja, pertubando
o seu sono pelo sons roucos de suas vozes quando cantavam, o
tantã ensurdecedor de seus tambores. ( BASTIDE, 1989, p.184)

Essas vozes sufocadas e recheadas de preconceito e representações


dos negros como coisas, podem ser ouvidas no nosso folclore brasileiro:

O branco, Deus o fez


O mulato, Deus o pintou
O caboclo é um peido de porco
E o negro o diabo o cagou
O negro não nasce, aparece
Não morre, desaparece
O branco dá sua alma a Deus
O negro dá a sua ao diabo

Se o padre que diz a missa é branco


A de um negro não seria mais que mentira...
O negro nasceu pra ser uma cão
Quando morre, morre latindo (FERNANDES, 1943, apud BASTIDE, 1989, p. 186).

Vários textos, poemas e até provérbios depreciavam a imagem do


negro frente ao cristianismo, sendo assim Bastide (1989) ainda nos coloca “O
negro se confessa mas não toma a comunhão, o negro não entra na igreja,
espia por fora, o negro não acompanha a procissão, corre atrás dela...o negro
não morre acaba”. ( FERNANDES, 1943, apud BASTIDE, 1989, p. 186).

Em relação a magia africana, que é objeto essencial do nosso trabalho


Bastide (1989), nos fala que foi uma realidade que impressionou muito os
brancos, pois o mesmo era muito supersticioso, com a escassez de médicos e
de boticários na colônia, tinham se a necessidade de consultarem curandeiras,
benzedeiras, como os africanos eram versados na arte da magia curativa,
colocavam-se à disposição de seus senhores brancos, para realizar tais
procedimentos, sendo assim era óbvio que os portugueses não se sentiam
seguros, tinham que ter em algo pra se apegar, a magia estava justamente
ligada à angústia, ante o estranho o desconhecido, Bastide nos diz que ela
trazia tranquilidade, desta forma tudo contribuía: o caráter supersticioso dos
colonizadores, ausência de médicos, inseguranças, enfim instigava a magia.

O negro tendo uma dupla qualificação, a de estrangeiro, ou seja, a de


estranho – e a de cor, que é a cor do Diabo – lhes parecia feiticeiro, por
excelência. Mas também a atitude do branco vai ser ambivalente em relação ao
preto. De um lado, aceitará sua magia medicinal, seus filtros amorosos que
darão aos senhores esgotados sexualmente o vigor desaparecido, e de outro,
terá receio do feiticeiro escravo que conhece as plantas venenosas, e prepara
os venenos, para se desembaraçar de senhores odiosos. (BASTIDE, 1989, p.
189). Bastide, faz referência a Antonil, quando afirma que foram várias as
condenações durante todo o período colonial, como a de Luiza Pinto, negra
livre de Sabará, nativa de Angola, condenada a quatro anos de prisão “por
crime de feitiçaria e presunção de ter feito pacto com o diabo”. (ANTONIL, apud
BASTIDE, 1989, p.189). No Brasil colonial Bastide afirma que haviam dois tipos
de magia: Magia de Encantos e Magia Curativa

Haja visto que o elemento branco não permaneceu fora do culto


africano; participou, provavelmente não atraído por um elemento etnográfico ou
uma inquietação religiosa, mas por apetites baixos. (BASTIDE, 1989, p.198)

Nas pesquisas de Bastide (1989), o contato da religião branca com a


negra, tendeu a desagregar o culto tradicional, mudando funções na magia e
no erotismo.

O culto não é, segundo a descrição do poeta, um culto iorubá ou


daomeano, e sim um culto banto. O próprio termo calundu, que o
designa , evoca certos espíritos de Angola, que tem o mesmo nome e
que se introduzem nas mulheres na hora do parto; os dois termos,
“senhor” e “cachimbo”, incitam a ver nessas cerimônias frequentadas
pelos brancos, cerimônias análogas às do catimbó, do candomblé de
caboclo, ou da macumba, isto é, fortememente sincretizadas com
elementos indígenas e católicos. ( BASTIDE, 1989, p. 198 )

O autor faz uma observação muito importante, informando que nas


verdadeiras seitas africanas conservavam, mistérios e segredos, onde o branco
não entrava e finaliza afirmando que os negros exerceram uma estranha
sedução sobre as populações não negras. Na época colonial, Bastide (1989),
diz que o culto dos negros era simples e ingenuamente confundido com a
feitiçaria e como esta era proibida na metrópole, através das ordenações
filipinas, tinham um olhar do erro, para os cristãos, sinônimos de heresias, por
suas músicas, suas danças extenuantes, e principalmente suas crises de
possessão, para eles algo ligado ao demônio.

O branco não podendo compreender uma religião tão diferente da


sua, julgava – a “demoniaca” já que não era cristã. O dualismo social
se prolongou por conseguinte – justificando – se também – pela
oposição entre as forças do bem, que iam de Deus ao senhor de
engenho, e as forças do mal, que iam de satã até os seus sequazes
das senzalas e dos mocambos. ( BASTIDE, 1989, p. 198)

Os ritos dos negros eram considerados como o lado demoniaco, o lado


escuro, errado:

O Negro não adora Deus;


É Calunga que ele ama.
Todo branco quer se tornar rico;
Todo mulato é um pretensioso,
Todo cigano é um ladrão
E todo negro um feiticeiro
O negro tem pé de animal, unhas de caça e calcanhar rachado...

Contudo, diante de todas essas considerações, em relação aos brancos


e negros no Universo Religioso, Bastide (1989) afirma que : “a religião africana
que desvirtuou o catolicismo, de um lado aceitava o culto dos santos, mas
tirava parte do seu significado, considerando somente aquilo que a interessava,
ou seja, dotes e contra – dotes, sem levar em consideração investimentos
celestiais; o cristianismo não era uma compensação da sua sorte, uma
sublimação dos seus sofrimentos, sendo assim, o antropólogo termina dizendo
que a igreja negra não foi suficientemente ópio para o povo e que cada uma, a
igreja “branca” e a igreja “negra”, transformando os valores específicos uma da
outra, reinterpretando dogmas, ous seja contribuindo uma para a outra”.
(BASTIDE, 1989, p. 202). Por fim no próximo capítulo falaremos de dois casos
reais de processos crimes de mulheres negras acusadas de feitiçaria.
MULHERES ACUSADAS DE BRUXARIA E FEITIÇARIA NO
BRASIL COLONIAL

Como vimos nas pesquisas bibliográficas em relação a feitiçarias e


práticas mágicas, especificamente no Brasil do século XVIII, vemos que eram
proibidas tais práticas e quem quer que fosse contra essas proibições sofriam
amargamente, principalmente os negros. Portanto, sendo a escravidão a bola
da vez do Mundo colonial, dizimando as populações africanas, com
sofrimentos, físicos e mentais, num mundo contrário as demais populações
existentes, diante disso foram comuns acusações de pactos com o demônio,
onde o alvo principal eram os escravos. Em pesquisas realizadas no arquivo da
Cúria Metropolitana de São Paulo, foram encontrados vários processos acerca
de mulheres negras acusadas de feitiçaria no século XVIII; porém foram
analisados apenas dois, que são de suma importância para o fechamento da
pesquisa, pois neles estão inseridos o que realmente representaram a feitiçaria
negra no Brasil Colonial, cheia de encantos, sortilégios, magias e de
manifestações mágicos – religiosas, tantas vezes citado por Laura de Mello e
Souza e Ronaldo Vainfas. Os processos eram de ordem eclesiásticas, regidos
pelo direito canônico. Em ambos os casos há uma mistura de objetos e de
animais, formas específicas de magia e feitiçaria, comuns as manifestações
religiosas relacionadas as civilizações africanas, onde cruzam – se magias,
onde no primeiro caso, vemos uma magia curativa, comentada e citada
anteriormente por Bastide. No segundo caso vemos práticas que remetem a
maleficios mais indígenas, pois há misturas de plantas e animais e também de
feitiçarias africanas, pois há uma mistura de Calundu, nos dois casos porém
não se sabe se há ou não pacto com o demônio. Estes casos referem – se a
Páscoa ( escrava de Maria Serqueira)54, e de Joana ( Escrava crioula) e Isabel
( Escrava da Nação Congo)55. Sendo assim, seguem o resumo dos relatos
analisados:

54
Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Processos-crimes. Feitiçaria. Páscoa. São
Paulo, 1749.
55
Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Processos-crimes. Feitiçaria. Joanna. Santos,
1759.
Processos-crimes. Feitiçaria. Páscoa

Esse crime aconteceu na cidade de São Paulo, no ano de 1749, onde Páscoa
foi acusada de “matar gente”, usando de feitiçaria, Páscoa pessoalmente
relata os seus crimes, falando a sua dona que sua filha seria curada. Nos
relatos primários vemos:

Foi retirado da parede, ossos de galinha, de vaca, e alguns de


56
gente ...unhas, embrulhados num papel com anotações e
excrementos da moça doente.

O processo crime da escrava Páscoa é bem extenso e as letras são bem


difíceis de serem interpretadas,nessa feitiçaria há mistura de ossos de animais,
unhas, cabelos, excrementos, que tinham seu princípio vital, porém nas
últimas páginas, entende – se que a filha de Maria Serqueira fica curada, após
terem sido desenterradas os objetos na parede, porém não dá pra se saber o
fim do processo. Nesse processo nota – se também o que fora analisado por
Souza (1986), quando afirma que nem todas as práticas se referiam
diretamente à conflitos entre escravos e senhores, várias refletiam inimizades e
conflitos pessoais, haja visto que Páscoa foi denunciada por seus pares, um
escravo e não um branco. Entretanto nas pesquisas de Schleumer, ( 2011)
vemos o seguinte:

(...) Curioso foi o testemunho de Sebastião, 35 anos, preto vindo do


reino de Angola, escravo de Inácio Xavier. Ele declarou que um dia,
próximo à casa de dona Maria Cerqueira, viu a escrava Páscoa proferir
palavras ininteligíveis. Ao mesmo tempo em que essas palavras eram
proferidas, a escrava caminhava em direção à parede e, ao chegar
perto dela, dava um salto com a mão aberta e uma pancada. Em
seguida, tornava a andar para trás, sem voltar as costas para a parede.
Voltando do meio do caminho e dizendo as mesmas palavras, ela dava
novo salto e outra pancada na parede, totalizando três vezes. Quando
percebeu que estava sendo observada por Sebastião, Páscoa teria
interrompido repentinamente a sequência desses atos. Para finalizar,
disse ainda o preto Sebastião não saber qual o significado daquilo e
nunca ter visto a escrava repetir tais atitudes. Nos autos do processo
também consta o depoimento do licenciado Antonio Ribeiro Leite, neto
de dona Maria Cerqueira. Ele relatou que numa certa ocasião, vindo de
sua casa para a de sua avó, encontrou a escrava Páscoa portando

56
De acordo com Souza (1986), ossos de defuntos eram ingredientes muito caros para as
feiticeiras, com ossos de gente as feiticeiras faziam uma água peçonheta.
ossos de costela de vaca e de galinha, além de bolinhas que se
assemelhavam a excrementos. (SCHLEUMER, 2011, p. 05)

Páscoa, foi incriminada pela sua senhora e também pelos seus


vizinhos de dizer palavras que eram contra a Igreja e que emetiam ao diabo. “O
mundo colonial acentuava as vocações demoníacas”. (SOUZA, 1986, p. 201)

Processos-crimes. Feitiçaria. Joanna. Esse crime de feitiçaria ocorreu na


cidade de Santos, no ano de 1759, feito por duas escravas: A primeira,
escrava crioula, e a segunda, escrava africana do Congo, ambas escravas de
Bento de Castro Carneiro, e foram denunciadas de malefícios, (por Manoel da
Silva Borges, 34 anos, viúvo de Ana Tereza de Castro, uma das filhas do
senhor das denunciadas) , com intuito de matar seus senhores, as rés foram
acusadas de acabar coma saúde de Teodósia da Silva Borges e de seus filhos
Bento Mariano de Castro, Joseph Foles de Castro, Ana Teresa de Castro e
Teresa. Ambas manuseram cinco panelas, para efeito de amansar e matar aos
poucos, sua senhora e família. Manoel da Silva Borges, 34 anos, viúvo da filha
de Bento Carneiro de Castro, dono das escravas, sendo assim, na presença
dos autos as acusadas confessaram o que tinham feito com o intuito de
amansar e matar Teodósia da Silva Borges, Marianno de Castro, Joseph Foles
de Castro e Ana Tereza, mulher da testemunha, com a ajuda de Isabel, de
nação Congo, enterraram cinco panelas no sítio de seus senhores. Conforme
consta em anexo, Joana e Isabel foram até o local e desenterraram as cinco
panelas, repletas de várias imundícies: ossos, cabelos, raízes e folhas. Joana
contou também que fizera maleficios e maleficios, enterrando um cachorrinho,
embrulhado na fralda de camisa do dito Manoel da Silva Borges, nascido de
dois dias, com o rabo cortado, com o objetivo de acabar com sua vida.
Pesquisando mais a fundo o caso, Schleumer (2011), nos apresenta mais
detalhes do processo, desse modo:

No interior do sítio, as raízes haviam sido enterradas na entrada da


porta do quarto pelo lado de fora, onde a escrava costumava assistir,
havendo, ainda, um cachimbo, cheio de raízes. A testemunha disse
ainda que viu a escrava Joana confessar que, no alpendre da casa do
sítio, havia enterrado o cachorrinho nascido de dois dias, com o rabo
cortado, com o objetivo de amofinar a Manoel da Silva Borges. Até
esse momento, todas as testemunhas do processo acusavam de
forma contundente a escrava Joana. Porém, a partir do depoimento
de Bento Carneiro, percebemos uma oposição. O depoimento de
Bento de Castro Carneiro, 62 anos, viúvo de Teodósia da Silva
Borges, redimensiona a participação da escrava Isabel nesse
processo. Bento Carneiro, 62 anos, viúvo de Teodósia, afirmou que
soube, por “ouvir dizer” de um escravo, que Isabel, estando no sítio
da Guarapa com a senhora Teodósia da Silva Borges, ofereceu a
esta um pombo assado que continha malefícios. A ingestão do
pombo roubou a saúde da mulher, levando-a a morte, assim como a
seu filho, Bento Mariano de Castro.(SCHLEUMER, 2011, p. 06)

Diante de tais acusações e confissões, Joana e Isabel


foram presas, como consta nos autos, o pedido de
encerramento do caso: “Obrigam as testemunhas deste sumário
as denunciadas Joanna e Isabel escravas ambas de Bento de Castro
Carneiro a prisão e livramento, para que se façam as ordens
necessárias em segredo de justiça, seguem ao rol dos culpados.”São
Paulo, 22 de Novembro de 1759

Vemos nesse processo um crime mais específico, visando prejudicar e matar


pessoas. Nas pesquisas de Schleumer (2011), a mesma afirma que : “ o vigário
da vila foi chamado. Ordenou que tudo o que estivesse no quintal fosse
queimado e as cinzas lançadas no mar. Logo após, mandaram chamar o
escravo Ventura, marido de Isabel. Ele foi interrogado se sua esposa tinha em
casa alguma coisa que pudesse ser considerada como feitiço. Ele respondeu
que “ainda que preto não queria meter a sua alma no inferno, pois nunca vira
coisa de que pudesse desconfiar”. Disse somente que haviam mandado vender
a sua mulher por feitiçaria. Declarou ainda saber que ela possuía uma caixa,
onde havia uma xícara e uma cinta, com um pouco de pomba, espécie de
albaiade, que (ileg.) no rosto, quando fazia os seus calundus. Foi pedido a
Ventura que trouxesse a dita xícara, o que ele não fez, pois não teve permissão
da sua esposa para tal ato. Mesmo assim, Ventura foi trazido do sítio com a
xícara, que continha três raízes amarradas, um carvão, um pedaço de pano
pequeno e cinco ou seis favas, que foram todas queimadas “. (SCHLEUMER,
2011, p. 07)
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após analisar os dois processos à luz dos conceitos de bruxaria, feitiçaria e


magia, vigentes no século XVII, perante a realidade das visitações pastorais e
da legislação filipina, pôde concluir que:

Essas mulheres negras eram condenadas, porque eram vistas como perigo
para os dogmas católicos e também por levantarem suspeitas que poderiam
ter feito pacto com o demônio, só por essa hipótese, já eram vistas com outros
olhos pela mesa inquisitorial outro ponto que devemos salientar é por
pertencerem a um grupo onde eram minorias, negras, escravas, vitimas de um
poder excludente, como diria Keith Thomas (1991), a maioria de pessoas
envolvidas em relação a magia e feitiçaria eram de mulheres pobres e a
Côlonia estava cheia de preconceitos étnicos, violências físicas e simbólicas.
“A estrutura social do Brasil escravista, separando as cores em classes
superpostas, cada qual com sua civilização própria, levou naturalmente numa
falsificação de seus respectivos valores” (BASTIDE, 1989, p. 198) . Nos casos
analisados, após a acusação essas mulheres eram condenadas a prisão e
sobre segredo de justiça ficam a disposição do Santo Ofício, para serem
degredadas ou não. “As práticas e discursos da normatização e da subjugação
punham-se como presenças constantes, limites com os quais era forçoso que
os africanos soubessem negociar, em uma espécie de liberdade condicionada
cujo exercício se limitava a certos espaços que tinham de ser criados e
reivindicados em uma negociação tensa – e sempre arriscada”. (MARCUSSI,
2006, p. 124) Contudo a história do Brasil Colonial é uma história de lutas,
onde brancos se julgam e são melhores que os negros; Joana, Isabel e
Páscoa, relatadas no estudo de caso são provas de um sistema religioso
altamente herético e com ecos de um imáginário que não era daqui, uma
mentalidade com raízes européias. Entretanto gostariamos de destacar que os
casos de feitiçaria, relatados através dos processos crimes, é uma pequena
amostra de feitiçarias e práticas mágicas no Brasil Colonial; presença essa que
não estão apenas num passado distante, com certeza ainda se fazem
presentes num mundo, onde as formas de se chegar até Deus são
representadas de diversas formas. Infinitas possibilidades de pesquisa são
instigantes aos olhos do pesquisador, ainda mais num tema como esse, porém
temos que ter um cuidado extra, de não deixar ser enfeitiçado pelas feiticeiras
e enveredar por outros caminhos que não sejam a ciência e sim a fantasia.
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O fascinante Universo da História
http://povosdaantiguidade.blogspot.com.br/2008/07/civilizao-dos-celtas-histria-
dos.html
.
ANEXO I – ORDENAÇÕES FILIPINAS - Livro 5 Tit. 3: Dos
Feiticeiros
ANEXO II – Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo.
Processos-crimes. Feitiçaria. Joanna. Santos, 1759.

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