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TEMAS EM PSICOLOGIA PEDIÁTRICA

Maria Aparecida Crepaldi


Maria Beatriz Martins Linhares
Gimol Benzaquen Perosa

SUMÁRIO

Apresentação

Modalidades de atuação do psicólogo em psicologia pediátrica


Maria Aparecida Crepaldi
Michelli Moroni Rabuske
Letícia Macedo Gabarra

Aspectos psicológicos na comunicação médico-paciente no setting pediátrico


Gimol Benzaquen Perosa
Letícia Macedo Gabarra
Regina Pagotto Bossolan
Priscila Moreci Ranzani
Valeria Mendes Pereira

A relevância da avaliação psicológica na clínica pediátrica


Márcia Regina Marcondes Pedromônico

Psicologia pediátrica em neonatologia de alto risco: promoção precoce do desenvolvimento de bebês


prematuros
Maria Beatriz Martins Linhares
Ana Emília Vita Carvalho
Luciana Leonetti Correia
Cláudia Maria Gaspardo
Flávia Helena Pereira Padovani

Adesão ao tratamento em psicologia pediátrica


Eleonora Arnaud Pereira Ferreira

Avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização em crianças com câncer


Alessandra Brunoro Motta
Sônia Regina Fiorim Enumo
Erika da Silva Ferrão

A psicologia pediátrica aplicada à odontologia


Antonio Bento Alves de Moraes
Rosana de Fátima Possobon
Áderson Luiz Costa Junior
Camila Mariana Mesquita e Fonseca
Ana Rachel Carvalho Silva
Gustavo Satollo Rolim

APRESENTAÇÃO

A psicologia pediátrica constitui um campo de aplicação do saber psicológico à área de saúde


da criança, especialmente vinculada ao atendimento da criança e sua família no âmbito hospitalar.
Nesse contexto, emergem temas relevantes no tocante aos aspectos psicológicos do paciente pediátrico, de
diferentes faixas etárias, que se encontram em enfermarias, unidades de tratamento intensivo, emergências e
ambulatórios médicos ou odontológicos especializados. O psicólogo torna-se parceiro indispensável de
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outros profissionais de saúde, a fim de compor a equipe de profissionais que devem estar
compromissados com o atendimento de qualidade do paciente e sua família, tanto do ponto de vista
técnico especializado, quanto ético profissional, promovendo padrões de relacionamento interpessoal
adaptados entre paciente, família e equipe de saúde.
A criança no contexto hospitalar exige competências específicas do psicólogo. O psicólogo deve
transcender ao modelo clínico individual, em direção a uma atuação que englobe não só o indivíduo,
mas também o contexto social que se estrutura de modo dinâmico nas experiências que a criança vai
tendo frente a condições de alto risco, da doença crônica, do tratamento e da hospitalização.
Esperamos que esta obra possa contribuir para a formação de graduandos em psicologia interessados
em se especializar em psicologia hospitalar e psicologia da saúde da criança e para a atualização de
profissionais da área.

MODALIDADES DE ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO


EM PSICOLOGIA PEDIÁTRICA

Maria Aparecida Crepaldi


Michelli Moroni Rabuske
Letícia Macedo Gabarra

A inserção do psicólogo nos serviços de assistência pediátrica hospitalar, iniciada no Brasil na


década de 1970, compreende o trabalho em equipe multiprofissional, para o atendimento à criança e ao
adolescente hospitalizados, bem como à família, nas situações de doenças agudas e crônicas,
prematuridade, internações para investigação diagnóstica, tratamento e cirurgias. As unidades nas quais o
psicólogo pode atuar são: emergência, ambulatório, enfermarias de patologia geral e de
especialidades, unidades de tratamento intensivo neonatal e pediátrica, berçário e alojamento
conjunto. Objetiva- se neste capítulo, apresentar as possibilidades de intervenção psicológica em hospitais e
unidades pediátricas, frente ao impacto da doença e da hospitalização para crianças e suas famílias,
situando-as na perspectiva de promoção da continuidade do desenvolvimento da criança e da família
no contexto hospitalar.
O desenvolvimento humano é definido como um processo que envolve mudanças e
continuidades, e está marcado por “mudanças que ocorrem ao longo do tempo de maneira ordenada e
relativamente duradoura e afetam as estruturas físicas e neurológicas, os processos de pensamento,
as emoções, as formas de interação social, e muitos outros comportamentos” (Newcombe, 1999). O
estudo do desenvolvimento tem por objetivo conhecer as mudanças e padrões universais da espécie
humana, as diferenças individuais, e as influências ambientais relativas às especificidades do contexto sócio-
cultural.
A concepção de desenvolvimento baseada na teoria ecológica de Bronfrenbrenner (2002)
considera que o que é percebido, desejado, temido, pensado ou adquirido como conhecimento, e como
a natureza desse material psicológico muda em função da exposição e interação de uma pessoa com
o meio ambiente. O autor preconiza o “desenvolvimento-no-contexto”, o desenvolvimento humano se dá
nas relações com contextos de desenvolvimento, os quais se referem às relações interpessoais, aos papéis e
ambientes.
Kazak e cols. (1995) referem-se à instituição hospitalar como um contexto de promoção de saúde
para a criança e sua família. Para tanto, é necessário que sejam reconhecidas as influências da família, da
sociedade, e do sistema médico no processo de adoecimento da criança. O hospital deve ser incluído
como parte integrante do contexto social da criança doente.
Considera-se que as condições biológicas e sociais nas quais a criança se desenvolve consistem
tanto em fatores de risco quanto de proteção para o desenvolvimento cognitivo, físico, social e emocional
na infância, e que a concorrência de múltiplos fatores de risco representa maior impacto do que um único
fator de risco (Oliveira, 1998; Pedromônico, 2002). As condições de risco biológico seriam os fatores
genéticos, a prematuridade, a infecção parasitária e as doenças crônicas, dentre outras. Os fatores de risco
psicossocial incluiriam, por exemplo, a condição socioeconômica, baixa escolaridade dos cuidadores, falta
de estimulação física e verbal da criança, uso de punição física, psicopatologia parental, alcoolismo e
drogadição na família, entre outros (Rutter, 1987). É preciso atentar para as características específicas da
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criança e do contexto, para o equilíbrio entre eventos estressantes e fatores de proteção, sendo estes
a rede de apoio familiar e social, formada por parentes e amigos, participação da criança em grupos
de apoio e recreativos, bem como o acesso aos serviços de saúde.

Hospitalização na infância

O adoecimento na infância, bem como a hospitalização, podem consistir em fatores de risco


para o desenvolvimento da criança. Spitz (1945, 1946); Bowlby (1952, 1960); Backwin (1949, 1951) e
Robertson (1953), se referiram aos efeitos nocivos que o confinamento em instituições provoca nas crianças,
em consequência da separação da figura materna e devido à importância das relações de apego para o
desenvolvimento. Até as décadas de 1940 e 1950 a equipe de saúde avaliava a presença dos pais como
perigosa em termos de contaminação e infecção, e julgava que as visitas provocavam efeitos
perturbadores, pois os pais traziam lembranças de casa e dificultavam a adaptação da criança ao
hospital.
Gradualmente foi-se promovendo mudanças na assistência pediátrica hospitalar, culminando na
permissão para a permanência de um acompanhante junto da criança durante a internação.
No Brasil, de acordo com Marques (2001), a implantação dos programas de internação conjunta
teve iniciativas isoladas desde 1969. OBSERVA-SE UMA TENDÊNCIA NA AMPLIAÇÃO DO FOCO DE
ATENÇÃO HOSPITALAR PEDIÁTRICA DA CRIANÇA PARA A MÃE E/OU ACOMPANHANTE, E DESTE
PARA A FAMÍLIA, A REDE DE APOIO FAMILIAR E SOCIAL.
Com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), foi assegurado à criança o direito de ser
acompanhada. Art. 12:
“Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a
permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de
criança ou adolescente”.

Na Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizado (1995), outros direitos


são assegurados às crianças e adolescentes doentes e hospitalizados.
No entanto, de acordo com Chiattone (1984), NÃO É POSSÍVEL ANULAR POR COMPLETO OS
EFEITOS DO ADOECIMENTO E DA HOSPITALIZAÇÃO. Santos e cols (1984) e Bianco (1999) apontam que
a situação de adoecimento e hospitalização é fonte de estresse para a criança devido à separação dos
familiares, ao ambiente estranho e desconhecido, à dor e mal-estar, ao medo da morte, à percepção da
preocupação dos pais. As mudanças na rotina da criança provocadas pela hospitalização podem ser
exemplificadas pela imposição de repouso, limitação das atividades físicas, despersonalização e
descontinuidade nas suas experiências sociais.
A situação de adoecimento e hospitalização também é referida como momento de crise para as
famílias. As famílias sofrem uma desintegração temporária e, consequentemente, há alteração nos papéis
que cada membro desempenha, os outros filhos sentem-se preteridos em relação à criança doente pela
ausência dos pais, podem surgir ou agravar-se problemas conjugais, adoecimento orgânico e/ou psicológico
de outros membros da família. A doença da criança torna-se, então, a doença da família.
Fatores relevantes a serem considerados na adaptação da criança à hospitalização, conforme
Blanco (1999) são, sua idade e momento do desenvolvimento emocional e cognitivo, o diagnóstico médico, a
duração da hospitalização e as experiências prévias com procedimentos médicos e hospitalares, o tipo de
preparação para a hospitalização, as habilidades e condições emocionais dos pais para apoiar a criança, a
representação social da doença as estratégias de enfrentamento utilizadas pela criança e pela família.
As doenças que acometem crianças, e tornam necessária a hospitalização, podem ser agudas
ou crônicas. Ainda dentro das patologias que necessitam internação encontram-se as doenças do neonato;
este pode possuir alguma má-formação, como cardiopatias congênitas, bem como os problemas decorrentes
da prematuridade, que exigem a permanência do bebê em ambiente protetor para auxiliar no seu
desenvolvimento, as UTIs-Neonatais.
Rolland (2001) refere ser importante conhecer as características das doenças crônicas, considerando
aspectos do início, curso, e suas consequências e o grau de incapacitação que podem acarretar. O início
pode partir de uma crise ou ser gradual. O curso pode ser progressivo, constante ou
reincidente/episódico. As consequências envolvem o grau de possibilidade da doença provocar a
morte, seja de forma progressiva ou diminuindo a expectativa de vida, seja de forma súbita, seja não
envolvendo risco de vida. O grau de incapacitação provocado pela doença é considerado em termos
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do prejuízo cognitivo e motor, dos aspectos funcionais do organismo, da presença de mutilação, e de
estigmas que prejudicam a interação social. É necessário considerar a extensão em que há conhecimento
sobre a etiologia da doença, conhecida, desconhecida, hereditária, congênita — a previsibilidade e a
possibilidade de prevenção. Dentre as fases temporais da doença crônica, pode-se caracterizar a fase
de crise (período sintomático antes do diagnóstico), a fase crônica (após o diagnóstico e durante o
tratamento) e a fase terminal (iminência da morte e processo de luto).
Quando se trata de doenças crônicas, a sensibilização emocional da criança e da família está
maximizada (Rolland, 2001). Estas doenças implicam na alteração na rotina e tratamento médico a longo
prazo senão por toda a vida. A intensidade dos sintomas, bem como os efeitos colaterais do tratamento,
variam de acordo com o tipo de doença e implicam na adaptação da criança e da família. A escolarização e
as relações sociais encontram-se geralmente prejudicadas, para as crianças acometidas por doenças
crônicas.

Formação do psicólogo para atuação em psicologia pediátrica

Esses profissionais precisam de preparo também para o trabalho interdisciplinar, interessando-se


por aspectos relativos a áreas correlatas tais como: medicina, enfermagem, farmácia, fisioterapia e
fonoaudiologia, serviço social.
Dentre os conhecimentos necessários referentes à área da psicologia em especial, para o trabalho
em pediatria, pode-se referir:
1. Desenvolvimento humano aos efeitos do processo de adoecimento no desenvolvimento emocional,
cognitivo, social, motor e comportamental, a identificação de condições de risco orgânico e
psicossocial, o impacto da doença no ciclo vital da família;
2. Psicopatologia, com atenção para o impacto emocional de exames, tratamentos invasivos e
procedimentos cirúrgicos, na realização de diagnósticos diferenciais;
3. Avaliação clínica da criança e conhecimento sobre as teorias e técnicas de psicoterapia infantil.
Igualmente importante é conhecer o quadro médico da criança, tratamento, medicação e seus efeitos
colaterais, e identificar as comorbidades entre condições psicológicas e condições médicas,
geralmente observadas nas doenças crônicas.

Faz-se necessária a habilidade para a avaliação de crenças, valores e representações de saúde,


doença e morte, qualidade de vida, aderência a tratamentos de saúde, estratégias de enfrentamento,
dor, doenças crônicas, impacto do adoecimento para a criança ou o adolescente e para o
funcionamento da família.
A psicologia pediátrica, portanto, tem por objetivo proteger e promover o desenvolvimento de
crianças em situação de risco orgânico, hospitalizadas ou não. É preciso também o preparo pessoal,
isto é, conhecer seus limites individuais, suas próprias representações sobre o processo de saúde e
doença, e separá-los dos problemas da Instituição, das famílias e da equipe, não misturando dificuldades
pessoais com os percalços do trabalho hospitalar.

INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA UNIDADE PEDIÁTRICA DA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR

Diagnóstico institucional

As possibilidades de intervenção focalizam a criança ou o adolescente, o acompanhante, a família e a


equipe de saúde. Para que a intervenção ocorra de forma adequada, faz-se necessário o conhecimento
prévio da realidade específica da unidade pediátrica e da demanda a ser atendida.
Na fase inicial de sua inserção na unidade pediátrica, que pode ser denominada de “fase de
familiarização”, é preciso realizar um diagnóstico da instituição, com o objetivo de conhecer sua
estrutura material e relações interpessoais. Nesse momento, realiza-se o levantamento sobre a equipe de
saúde — que profissionais compõem a equipe, como se organizam os turnos, atividades desenvolvidas — e
os recursos materiais disponíveis — é importante caracterizar o espaço físico da unidade, número de leitos e
sua distribuição em enfermarias, isolamento, apartamentos, nível de complexidade do atendimento prestado e
possibilidades de encaminhamento do paciente a outros serviços, disponibilidade de material de recreação
para as crianças e dos materiais específicos usados na intervenção psicológica.

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Busca-se, ainda, mapear o organograma institucional, bem como as relações de poder existentes
na unidade e o nível de integração das ações da equipe multiprofissional.
As TÉCNICAS DE OBSERVAÇÃO consistem no PRINCIPAL INSTRUMENTO para a
FAMILIARIZAÇÃO DO PSICÓLOGO COM O CONTEXTO INSTITUCIONAL.

Interconsulta médico-psicológica

A interconsulta no âmbito da psicologia pediátrica pode ocorrer em Hospitais em que NÃO há


psicólogos contratados em todas as unidades de internação.
Nesta atividade o psicólogo realiza um levantamento de dados, através de entrevistas com familiares,
equipe e paciente, bem como a análise do contexto de internação. A análise da situação e a identificação da
problemática ocorrem rapidamente, para a elucidação da crise e a escolha de estratégias de ação junto à
equipe de saúde, familiares e o paciente, assim como a devolução das informações para o responsável pelo
pedido de interconsulta. A intervenção com o paciente focará a hospitalização, oferecendo apoio e uma
escuta ativa.
A intervenção psicológica, em caso de entraves na interação profissionais-paciente-família
objetiva reparar ou restaurar o vínculo entre estes, assim como restabelecer a comunicação para
retomar o processo de diagnóstico e tratamento.
Mesmo que a interconsulta consista num pedido da equipe, pode haver reações de desconfiança e
hostilidade, tendo em vista a análise da transferência e a contra-transferência, assim a equipe poderá
sentir-se avaliada.

Atuação do psicólogo como membro da equipe de saúde

O psicólogo, quando contratado como membro da equipe de saúde, participa das reuniões e
discussão de casos, intervém juntamente com outros profissionais na comunicação do diagnóstico médico e
do prognóstico, contribuindo na implementação das relações equipe-família-criança.
A clareza por parte do psicólogo sobre o quadro médico da criança é fundamental para suas
intervenções.
O intercâmbio entre os profissionais inclui também a discussão sobre os objetivos e instrumentos
utilizados em suas intervenções.

Sistematização e registro do atendimento psicológico

A SISTEMATIZAÇÃO DAS INTERVENÇÕES É CONSIDERADA IMPRESCINDÍVEL NO CONTEXTO


HOSPITALAR. Cabe ao psicólogo, informar no prontuário, quais os pacientes que estão sendo
atendidos, apresentando: um panorama geral das intervenções, das principais dificuldades da criança e da
família tendo como foco o processo de adoecimento, as orientações dadas à família, a solicitação de
cuidados específicos aos profissionais em relação a procedimentos e informações.
A comunicação escrita em prontuários deve ser feita em linguagem clara, com conteúdo
sucinto sobre o seguimento psicológico, além de informações sobre o que está sendo feito com a
criança e sua família, de forma a não comprometê-los com informações sobre sua intimidade.

Especificidades do contexto hospitalar

A atuação do psicólogo no contexto hospitalar implica um enquadramento específico. A


duração do processo de intervenção psicológica hospitalar está atrelada e delimitada pela duração do
tratamento médico.
Torna-se bastante adequado o uso de técnicas de psicoterapias breves (Fiorini, 1981), como a
atividade, ou diretividade do terapeuta, focalização e planejamento do processo terapêutico. O foco da
intervenção deve ser a situação de doença e hospitalização, como prejudicial à continuidade do
desenvolvimento.
Outro aspecto diferenciado se refere à estrutura física do hospital. Os atendimentos psicológicos
podem ocorrer nas enfermarias, nas áreas externas, na sala do psicólogo, nas salas de espera. Essa
variabilidade imprime mudanças ao setting tradicional, exige plasticidade do profissional para a adaptação
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do instrumental e das técnicas. Muitas vezes, a intervenção ocorre concomitantemente aos momentos de
crise. O psicólogo acompanha paciente e a família in loco durante a realização de procedimentos médicos, a
comunicação diagnóstica e prognóstica, além de estar presente, também, no momento da morte da criança.

Possibilidades de intervenção do psicólogo em psicologia pediátrica

A participação do psicólogo pode ocorrer desde a recepção ou acolhimento da criança e da família


quando chegam ao hospital, acompanhando-os no momento da internação, até a alta hospitalar. Durante a
hospitalização, pode-se realizar consultas integradas com os demais profissionais de saúde, atendimento
psicológico individual, o acompanhante e demais familiares, bem como atendimento da família, grupos de
interação lúdica com crianças e grupos de apoio com acompanhantes e familiares, grupos de sala de espera
com crianças e familiares, orientações a familiares, entrevista de alta e auxilio no estabelecimento da rede de
apoio familiar e social na alta hospitalar, acompanhamento da família diante da morte da criança. A condição
prévia para a adequada intervenção em todos esses âmbitos é a efetiva integração do psicólogo como
membro da equipe de saúde.

Psicodiagnóstico em psicologia pediátrica

O psicodiagnóstico é definido como “uma situação bipessoal (psicólogo-paciente ou


psicólogo-grupo familiar), de duração limitada, cujo objetivo é conseguir uma descrição e
compreensão, o mais profunda e completa possível, da personalidade total do paciente ou do grupo
familiar” (Ocampo e Arzeno, 2001). Este permite a formulação de hipóteses sobre a problemática do
paciente ou da família, bem como a identificação dos aspectos patológicos e adaptativos, abrangendo os
aspectos passados e presentes — diagnóstico — na sua história de vida, bem como as potencialidades para
o futuro — prognóstico. Sua realização pressupõe a referência de uma teoria da personalidade, e as técnicas
utilizadas são observação, entrevista, entrevista lúdica, técnicas projetivas e gráficas, testes psicométricos,
escalas de ansiedade e depressão, escalas de desenvolvimento infantil.
Uma importante técnica utilizada para o psicodiagnóstico da criança no hospital é a entrevista
lúdica. Efron, Fainberg, Kleiner, Sigal e Woscoboinik (2001) propuseram indicadores, critérios para orientar
a análise com objetivos diagnósticos e prognósticos, na entrevista lúdica, quais sejam, a escolha dos
brinquedos e brincadeiras, a modalidade das brincadeiras, a personificação, a motricidade, a criatividade, a
capacidade simbólica, a tolerância à frustração e a adequação à realidade.
No hospital, o processo psicodiagnóstico é realizado tanto para embasar as intervenções do psicólogo
quanto por solicitação da equipe médica.
O psicodiagnóstico funciona como subsídio para a intervenção psicológica com a criança
hospitalizada e a família, objetiva-se identificar fatores psicológicos associados às condições
médicas, implicações desenvolvimentais da doença e da hospitalização para a criança e para a
família, estratégias de enfrentamento de situações estressoras anteriores e da situação atual.
É adequado mapear as características dos vínculos e da dinâmica familiar, avaliando-se o sistema
familiar e os subsistemas parental e fraterno, devido a importância da família nos cuidados e adesão ao
tratamento.
A solicitação de avaliação psicodiagnóstica por parte da equipe ocorre, geralmente, a fim de
investigar comorbidades entre condições orgânicas e emocionais, a existência de transtorno mental
associado, problemas psicossociais agravantes e ganhos secundários com os sintomas, bem como
avaliar os mecanismos de defesa utilizados.

Avaliação e estimulação do desenvolvimento

Constitui-se em uma triagem de desenvolvimento que pretende detectar problemas no


processo evolutivo, buscando assim ações para promoção do desenvolvimento saudável, sejam estas
orientações à família, encaminhamentos a outros profissionais da saúde, orientações à escola, atendimentos
psicoterápicos quando forem necessários, e até mesmo, orientações aos serviços municipais de assistência à
saúde da criança.
O psicólogo pode realizar esta atividade tanto durante a hospitalização da criança, quanto em
atendimentos em ambulatórios.

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Segundo Perosa (1994), a avaliação constitui-se em dois momentos, o primeiro a avaliação
propriamente dita e o segundo a orientação e/ou conduta. Para a avaliação o psicólogo utiliza-se de
instrumentos estruturados, incluindo as escalas de desenvolvimento, tais como:
 Escalas de Brazelton, para avaliar crianças de um dia a um mês (Brazelton, 1973);
 Escala Brunet Lézine, para avaliar bebês nos quatro setores do desenvolvimento: motor, verbal,
adaptativo e interpessoal (Brunet e Lézine, 1975);
 Escalas Bayley de desenvolvimento infantil (BSID II): de zero a 42 meses, dividida em escala
mental, motora e comportamental (Bayley, 1993).
 Teste de Triagem de desenvolvimento Denver (Denver II): de 1 mês a 6 anos, analisa os itens
pessoal-social motor fino-adaptativo, linguagem, motor grosseiro (Frankenburg, Dodds, Archer,
Bresnick, 1990);
 Escala de Gesell: de zero a 60 meses, nos campos do comportamento pessoal-social, linguagem,
comportamento adaptativo, comportamento motor grosseiro e delicado (Gesell e Amatruda, 2000);
 Escala do Desenvolvimento do Comportamento da Criança: Primeiro Ano de Vida (Pinto, Vilanova
e Vieira. 1997);
 Lista de Vocabulário Expressivo (LAVE): triagem de atrasos de emissão (Capovilla e Capovilla,
1997);
 Child Behavior Cheklist (CBCL): de 4 a 18 anos, avalia problemas de comportamento e
características da conduta social (Achenbach, 1991);

A observação constitui uma técnica importante para fornecer dados ao psicólogo.


A avaliação psicológica possui papel fundamental em algumas situações, como em casos de cirurgias
crânio-faciais, nos quais é imprescindível a avaliação de desenvolvimento no pré e pós-cirúrgicos, visando à
promoção do desenvolvimento global. Há também casos intoxicações por substâncias prejudiciais ao
desenvolvimento infantil, como o chumbo, necessitando de avaliações de desenvolvimento sucessivas,
juntamente com os exames laboratoriais médicos.
O trabalho INTERDISCIPLINAR favorece o melhor atendimento das famílias e promove o
desenvolvimento da criança.
Além da característica interdisciplinar, este trabalho constitui-se como uma atividade processual, no
qual a criança é atendida sistematicamente para que, o psicólogo, juntamente com os outros profissionais,
possa acompanhar o desenvolvimento da criança e reavaliar as condutas adotadas.

Intervenção durante a hospitalização com a criança, o acompanhante e a família em pediatria geral

O ideal é que com os pacientes recém-hospitalizados, seja realizado um primeiro contato, tendo em
vista o processo de recepção e acolhimento da criança e da família, consiste na orientação sobre
procedimentos, regras e funcionamento da enfermaria, além das primeiras informações sobre o estado da
criança.
Após a recepção, pode-se realizar a aproximação e abordagem da criança e do acompanhante,
geralmente no leito, apresentando o serviço de psicologia e procurando estabelecer um vínculo
inicial. A apresentação consiste em situar-se como membro da equipe de saúde, levantar as primeiras
informações sobre a criança e a família, investigar quais as suas representações e contatos prévios com
psicólogos, e explicar no que consiste o trabalho destes no hospital, mantendo uma postura de apoio em
relação às dificuldades que essa situação traz para a família e de abertura para o esclarecimento de dúvidas.
Nesse primeiro contato, é também possível realizar a entrevista inicial com a criança e o
acompanhante. Nessa entrevista, busca-se conhecer a história de vida da criança e da família, além da
história da doença e dos sintomas, que geralmente é o tema sobre o qual a família tem muita
necessidade de falar. A partir destas informações, pode-se construir o genetograma1.
No atendimento psicológico, busca-se oferecer apoio à criança e à família, possibilita-se um espaço
para que expresse seus sentimentos de culpa e temores pela condição da criança.
Os pais costumam se considerar implicados nas causas da doença do filho como mostraram alguns
autores. Aparece ainda o medo das consequências da doença, o que inclui a possibilidade de morte da

1
Trata-se do mapa da família: “os genetogramas e as cronologias familiares (...) proporcionam uma visão do quadro trigeracional de
uma família e de seu movimento através do ciclo de vida” (Carter e MacGoldrick, 2001. p. 144).
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criança. O psicólogo pode colocar-se à disposição para acompanhar os pais no processo de obtenção destas
informações.
O acompanhamento psicológico durante a internação pode ser diário, ou de acordo com as
necessidades avaliadas pelo psicólogo nos casos específicos. Com a previsão de alta da criança, realiza-
se a entrevista de alta. Nesse momento, retoma-se quais foram as intervenções realizadas com a criança e
a família, seus objetivos e as mudanças observadas, bem como investiga-se as expectativas da família em
relação à saída do hospital e retorno ao lar, a compreensão das orientações médicas para seguimento do
tratamento, os possíveis encaminhamentos para atendimento em outros serviços de saúde ou retorno ao
hospital para acompanhamento ambulatorial. Nessa entrevista, o psicólogo objetiva clarear dúvidas
sobre a continuidade do tratamento, medicações, encaminhamentos para outros serviços e/ou retorno
ao hospital, reforçando as orientações médicas, prevendo orientações psicológicas pertinentes a cada
caso e, se necessário, indicando o encaminhamento da criança e da família para atendimento
psicológico continuado.

Preparação para cirurgia e demais procedimentos invasivos

Na preparação psicológica para cirurgia e procedimentos, pode-se utilizar livros e cartilhas


explicativas, recursos áudio-visuais, sucata hospitalar e brinquedos, possibilitando que a criança
encene a situação, tornando-se ativa e adquirindo maior controle sobre o desconhecido que esses
eventos representam. A visita ao centro cirúrgico também pode ser um recurso na preparação para cirurgia,
bem como o contato com roupas e materiais utilizados, além da descrição e informação sobre onde e o que
será realizado.
Essa preparação pode incluir o acompanhante e demais familiares, ou ser realizada em
separado com eles, além de se oferecer apoio e acompanhá-los durante sua realização. Caso a cirurgia
seja de emergência e não haja possibilidade de efetivar a preparação psicológica, é importante intervir de
forma semelhante no pós-cirúrgico, retomando as informações sobre o procedimento e esclarecendo sobre o
que foi realizado.
A preparação para cirurgias e procedimentos tem sido amplamente apontada na literatura como
uma intervenção que traz benefícios evidentes à criança e à família. Dentre esses benefícios, pode-se
citar a redução do estresse e o alívio de ansiedades no pré e pós-cirúrgico, devido à possibilidade de
expressão de sentimentos, insegurança, medos quanto à anestesia e a morte, fantasias em relação ao
ato cirúrgico, à perda da integridade corporal e às sequelas da cirurgia. A PREPARAÇÃO
PSICOLÓGICA DA CRIANÇA E DOS PAIS É FUNDAMENTAL, POIS LHES POSSIBILITA CERTO GRAU
DE CONTROLE SOBRE O DESCONHECIDO QUE A SITUAÇÃO CIRÚRGICA REPRESENTA, POIS EM
GERAL ESTA É SENTIDA E PERCEBIDA COMO UM MOMENTO DE EXTREMA VULNERABILIDADE E
RISCO.

Acompanhamentos da criança e da família em situação de terminalidade e morte

A intervenção psicológica com a criança busca oferecer-lhe um espaço para expressão de seus
medos e fantasias, além de intervir no sentido de facilitar a comunicação intra-familiar, pois este é um
momento em que as famílias geralmente enfrentam dificuldades de comunicação com as crianças. O
psicólogo atua na preparação da criança para sua morte, e na preparação da família para a perda da criança.
O ritual de despedida é uma das possibilidades de intervenção nesta situação, sendo realizado
quando a família atingiu certo grau de aceitação do fato de que a morte da criança é inevitável. Após a
morte da criança, ocorre muitas vezes de a família retornar ao hospital para conversar com os
profissionais. Geralmente o fazem como parte da elaboração do luto, pois manter contato com as pessoas
que cuidaram da criança e da família num momento de tanto sofrimento pode ser reconfortante para os
familiares. O psicólogo neste momento poderá receber a família e auxiliar no processo de elaboração do luto
conversando e estimulando a reorganização familiar em função da perda.

A importância das cartilhas

Estas fornecem informações sobre a doença e o tratamento, trazendo uma linguagem adequada para
a compreensão da criança e/ou para os familiares, podendo, desta forma, esclarecer aspectos técnicos da

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doença e da terapêutica adotada, minimizando angústias, fantasias e medos. A cartilha é uma forma de
comunicação e interação da equipe de saúde com os usuários do serviço.
As cartilhas são direcionadas a alguma doença específica, como o câncer e a hemofilia. Desta forma,
o conteúdo educativo é elaborado conforme as características específicas de cada patologia e a faixa de
desenvolvimento a quem é destinado.
É imprescindível lembrar que as cartilhas sejam quais forem sua temática, ou sejam, elas
destinadas às crianças e/ou aos pais, são instrumentos de mediação social e como tal devem ser
sempre utilizados com o acompanhamento do profissional. Assim, pode-se até mesmo deixar com os
pais e com as crianças tais cartilhas, mas nunca antes de terem sido lidas e explicadas sob a mediação do
psicólogo.

Grupo de crianças

Trabalhar com as crianças reunidas em um grupo pode ser feito de duas maneiras: grupos
espontâneos e grupos programados.
Os grupos espontâneos ocorrem geralmente no quarto quando as crianças se reúnem em torno do
psicólogo que, atento à demanda de cada uma delas, poderá incluí-las num trabalho integrado, cujo objetivo
será o de abordar a doença, a hospitalização, os procedimentos para realização de exames, a dor, a morte de
outras crianças na enfermaria, a participação dos pais, a ausência deles, quando for o caso, as interações
das crianças com a equipe de saúde, o autocuidado, a adesão ao tratamento etc.
O grupo previamente programado pode ocorrer com frequência semanal, ou com periodicidade que
seja mais apropriada para cada tipo de serviço. É um grupo aberto e inclui todas as crianças hospitalizadas
que queiram participar, que não estiverem presas ao leito, a partir de três anos de idade, aproximadamente.
Tem como objetivo proporcionar um momento de troca para as crianças que vivenciam a mesma situação, ou
seja, estar doente e hospitalizada e pode abordar as mesmas temáticas acima referidas para o caso dos
grupos espontâneos.
Em ambos os tipos de grupo, o trabalho deve incluir material gráfico (lápis e canetas pretas e
coloridas, massa para modelar), brinquedos simples que representem a temática da hospitalização,
famílias de bonecos, sucata hospitalar. O coordenador deve convidar as crianças explicando o que se faz
no grupo, iniciar a sessão pedindo às crianças que se apresentem e retomando as explicações sobre os
objetivos da reunião. Cada criança poderá escolher o material que quer utilizar e a atividade a ser realizada,
enquanto o coordenador observa e participa das atividades para compreender o significado das mesmas,
procurando intervir de forma a refletir para as crianças conteúdos emergentes que sejam significativos para a
sua condição.

A inclusão dos familiares

Os programas chamados “mãe-acompanhantes”, a presença dos pais se deu de forma desordenada,


o que levou a muitos conflitos entre equipes de saúde e familiares, tendo em vista que estas equipes não
estavam habituadas à presença de pessoas consideradas “estranhas” aos serviços.
Estes programas foram sendo organizados e passaram a ser chamados de programas “mãe-
participantes”, pois se preconizava que os pais deveriam participar da assistência, além de
acompanhar.
Um programa desta natureza, porém, deve incluir ambos os pais e/ou familiares responsáveis e
ter uma programação organizada de inclusão dos mesmos. Os pais devem ser convidados e incentivados
a permanecerem no ato da recepção, a partir de explicações que incluam a importância deles para a criança,
para a equipe de saúde, como informantes importantes, e para si mesmos, que podem permanecer mais
tranquilos observando o que se passa com a criança. A permanência não deve ser compulsória, os pais
podem optar se desejam ou não permanecer, avaliando se podem ou não ficar, e uma vez presentes
eles, devem escolher se querem ou não prestar cuidados básicos. Quando convidados, a maioria dos
pais aceita permanecer, e aceita também ajudar nos cuidados à criança, mas não devem ser obrigados a
fazê-lo. Hoje é um direito adquirido por lei, a partir da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente em
1990.
A preparação da equipe para receber pais, se inicia pela compreensão do que se passa com eles,
bem como pelo entendimento dos sentimentos frequentemente mobilizados por situação tão adversa como a
da doença e suas implicações. A família precisa criar um significado para o evento doença que maximize a
9
preservação de um sentimento de domínio e competência além de ter que unir-se para conseguir a
reorganização da crise a curto prazo e perante a incerteza, desenvolver a flexibilidade no sistema familiar,
tendo em vista objetivos futuros.
É comum observar-se que a família, utilizando-se de mecanismos de defesa contra a ansiedade
advinda do peso de tantas atribuições, projeta na equipe sentimentos negativos.
Uma filosofia de trabalho que considere os familiares como importantes, deve incluir a
transmissão das informações de forma clara, honesta e receptiva. Tais informações, porém, podem ser
transmitidas diariamente pelos profissionais que devem ser orientados a acolher os pais, no seu trabalho
cotidiano. Os grupos, por sua vez, tomam-se instrumentos fundamentais de trabalho para a transmissão
destas informações.

Grupos de pais

Podem ser incluídos como uma das atividades dos programas de integração de familiares. O
ideal na organização dos grupos de atendimento aos pais é que eles sejam divididos em grupo de pais e
grupo de acompanhantes. Enquanto o grupo de pais seria destinado a discutir a criança doente e seu
contexto, o grupo de acompanhantes destinar-se-ia ao atendimento de aspectos relativos ao
atendimento de familiares, como veremos a seguir. É importante ressaltar que em ambos é imprescindível
a presença de pelo menos um membro de cada segmento profissional.
Estes grupos podem ser realizados nos moldes de grupos operativos. “Grupo Operativo não é
um termo utilizável para se referir a uma técnica específica de coordenação de grupos, mas refere-se a uma
forma de pensar e operar em grupos” (Osório, 2000). Um grupo deste tipo não deve ser transformado em
espaço para “aulas”. O grupo de pais é uma atividade cujo objetivo é reunir os familiares e a equipe para
conversarem sobre a criança nos seus mais diversos aspectos. Tem como finalidade proporcionar aos pais a
oportunidade de falar sobre suas concepções e dúvidas acerca da doença, bem como sobre suas
dificuldades no relacionamento com a equipe.
A atividade deve ter duração aproximada de uma hora e trinta minutos e ter periodicidade
semanal. Pode incluir pais acompanhantes e visitantes e a participação não deve ser compulsória. Pelo
menos um representante de cada categoria profissional deve participar. O número de elementos do
grupo pode variar, em função do número de familiares e de membros da equipe que estiverem disponíveis
para participar.
A coordenação do grupo é alternada entre os membros da equipe. O coordenador é encarregado
de convidar os participantes, e de iniciar a sessão, explicando os objetivos e o funcionamento do grupo, além
de encerrar a sessão. Cada sessão pode ser dividida em três momentos: início, desenvolvimento e
encerramento.
A reunião se inicia com a prestação de informações, geralmente feita pelo coordenador, sobre
aspectos de funcionamento do grupo, seguindo-se da apresentação dos seus membros. São fornecidos
esclarecimentos sobre quem são os participantes, quem pode participar e informações de como proceder
durante a reunião.
O coordenador pode solicitar a um dos familiares que explique aos outros os objetivos do grupo. Isso
se torna possível porque alguns deles participam de muitas reuniões devido à internação prolongada de suas
crianças.
É também função do coordenador fazer as anotações sobre a reunião com o intuito de registrar sua
realização e os principais temas emergentes, para que sejam discutidas e posteriormente arquivadas.
No encerramento coloca-se a palavra à disposição dos membros que tenham ainda qualquer
intervenção a fazer, e em seguida encerra-se a reunião, fazendo-se um apanhado geral dos temas que foram
discutidos. Ao final de cada sessão os profissionais da equipe devem se reunir para avaliar a sessão
realizada.

O grupo de acompanhantes

A ideia surgiu em 1983, no Instituto da Criança, a atividade foi introduzida a partir da necessidade de
se ter um momento onde os familiares que permanecem com seus filhos na enfermaria pudessem discutir sua
experiência de acompanhantes. A diferença para o grupo de pais é que neste o tema a ser tratado diz
respeito às necessidades do familiar acompanhante, bem como de sua família. A equipe deve ter como

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meta incentivar os pais a falarem fundamentalmente sobre seus sentimentos acerca da experiência de
acompanhar seus filhos, enquanto que no grupo de pais o tema é a criança e sua doença.
O procedimento geral de funcionamento do grupo de acompanhantes se segue nos mesmos moldes
do grupo de pais.
É muito difícil que os pais falem de si mesmos quando podem falar todo tempo da criança e de
suas necessidades. Por esta razão, muitas vezes NÃO se recomenda que o médico participe do grupo
de acompanhantes. Acreditamos que, dependendo do manejo deste grupo, o médico poderia sim participar
atentando, porém, para a especificidade do grupo.

Considerações finais

Um aspecto que deve ser considerado no trabalho do psicólogo em hospitais e unidades pediátricas
diz respeito à necessidade de integrar-se ao trabalho interdisciplinar.
A interdisciplinaridade contribuiria para melhorar a compreensão da realidade, pela via do diálogo com
outras formas de conhecimento de maneira compartilhada e interativa, promovendo uma aprendizagem
contínua, de forma a facilitar os enfrentamentos profissionais e uma assistência humanizada e cidadã.
Na interdisciplinaridade, torna-se necessário a busca do encontro através de questões comuns
e a construção de um saber que se supera e se amplia em relação à disciplina original (Minayo, 1994).
Desta forma o enfrentamento das situações do cotidiano, como refere Meirelles (1998), torna-se
menos árduo e beneficia as crianças e suas famílias.

ASPECTOS PSICOLÓGICOS NA COMUNICAÇÃO MÉDICO-PACIENTE


NO SETTING PEDIÁTRICO

Gimol Benzaquen Perosa


Letícia Macedo Gabarra
Regina Pagotto Bossolan
Priscila Moreci Ranzani
Valeria Mendes Pereira

Em pediatria, apesar dos primeiros estudos sobre comunicação médica, há mais de 50 anos, terem
ocorrido justamente em settings pediátricos, recentemente, poucas pesquisas focalizaram a participação das
crianças na consulta e o papel que assumem frente aos familiares e ao médico. A maioria dos estudos em
pediatria se limitou a analisar a interação do médico com a mãe. Em estudos mais recentes, a díade
mãe/médico ainda é o principal foco das pesquisas, especialmente frente a quadros mais graves e
momentos mais difíceis.
Os pais têm um importante papel na consulta pediátrica. O convívio diário com a criança permite
que ofereçam informações importantes sobre o estado de saúde de seus filhos, mas não se pode assumir, a
priori, que a percepção que eles têm da doença, do tratamento e da prevenção reflita com precisão os
sentimentos e necessidades das crianças, especialmente quando estes vão se tornando mais
independentes.
Nota-se, por parte dos profissionais, um certo ceticismo quanto à competência da criança em
participar da consulta, especialmente, assumir a responsabilidade por escolhas e decisões referentes
ao tratamento.
Já foi demonstrado que uma comunicação direta entre a criança e o médico contribui para
melhorar a adesão ao tratamento, satisfação com o atendimento, e, consequentemente, melhor
prognóstico. A comunicação do médico com a criança tem se mostrado fundamental em pacientes
com doenças crônicas, como asma, diabetes, epilepsia. Os sintomas se tornam menos assustadores
quando as crianças compreendem a fisiologia e a possibilidade de um bom prognóstico; o tratamento se
toma mais racional e aceitável quando se entende a atuação da medicação; finalmente, a prevenção é
mais fácil quando se conhecem os fatores que desencadeiam as crises.
Segundo Tates e Meeuwesen (2001), há três aspectos que desempenhara um papel chave na
comunicação do médico com o paciente, e sua análise permite entender as características de determinada
situação interativa e lançar pistas para possíveis mudanças. São aspectos de ordem estrutural, relacional e
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a disponibilidade de recursos comunicativos, no caso a linguagem. Esses aspectos ganham
características próprias quando o paciente é uma criança.
Os aspectos relacionais dizem respeito à capacidade dos participantes, em especial a criança,
em compreender as mensagens e interagir na consulta; os aspectos estruturais abordam a dinâmica
interativa, particular ao consultório pediátrico, quando está presente uma tríade (criança, mãe e
médico), com papéis e poderes diversos; finalmente, se discorrerá sobre os mediadores disponíveis,
tanto pelo médico como pela criança para enviar e entender as mensagens recebidas.

A capacidade das crianças de compreender os conceitos de saúde/doença

As primeiras investigações sobre a relação da criança com a doença priorizaram os aspectos


afetivos. Interessava a repercussão emocional que a doença trazia para a criança. Numa perspectiva
psicanalítica, os pesquisadores interpretavam as perturbações emocionais dos pacientes hospitalizados como
decorrentes da privação de contato, segurança e confiança, que a mãe geralmente proporciona quando está
junto.
Esse foco de pesquisa só começou a mudar a partir dos anos 80, quando, sob influência da teoria
piageteana, cresceu o interesse em pesquisar a aquisição de conceitos pela criança, inclusive aqueles
relativos à saúde, doença e morte.
Piaget e Werner já haviam demonstrado experimentalmente que a criança apresenta uma lógica
com princípios próprios, qualitativamente diferentes da do adulto, na aprendizagem de áreas
fundamentais do conhecimento, como na aquisição da noção de espaço, tempo, causalidade e número.
A hipótese de que há uma mudança previsível nos conceitos infantis sobre a causa, prevenção
e cura das doenças, que acompanha a compreensão dos outros fenômenos físicos, e que é
consequência do aumento da idade e experiência. Crianças no nível pré-operatório conceituam a doença
em termos circulares, indiferenciados e mágicos. Fixa-se em características externas; recorrem a explicações
autoculpatibilizantes; acreditam que adoeceram porque desobedeceram com ações concretas e vão sarar,
também, de forma mágica. As crianças do nível operacional concreto, com mais de sete anos de idade, fazem
uma distinção clara entre fenômenos internos e externos, mas continuam dando mais importância aos
fenômenos externos como causa das doenças. Apenas crianças do estágio lógico-formal conseguem ter
um pensamento hipotético e entender a doença como uma combinação de um estado corporal que
responde de formas diversas às agressões externas. Para eles, a doença é causada e pode ser curada
pelo resultado de uma interação complexos entre agentes e hospedeiros.
Estudos com enfoque funcionalista deram prioridade ao papel da aprendizagem, experiência e
cultura na aquisição dos conceitos infantis. Partindo do pressuposto de que a doença é uma experiência
aprendida, alguns autores acreditam que as mudanças nas respostas devam sofrer uma influência maior da
experiência do que dos estágios cognitivos.
O grau de escolaridade é outra variável que talvez influa nas explicações infantis sobre as
doenças.
Os estudos enfatizam, cada vez mais, as possíveis diferenças dos conceitos de saúde e doença, nas
diferentes culturas. O grau de responsabilidade que cada cultura delega às crianças, diferenças linguísticas,
climáticas, a facilidade de acesso aos cuidados médicos ou à escola, poderiam trazer uma marca na forma
como as crianças percebem o processo de saúde/doença.
Parece haver um consenso de que a aquisição dos conceitos de saúde e doença é bastante
precoce, se inicia na fase pré-operatória e não parece justificar a passividade infantil que se observa
nos serviços de saúde. A pouca participação parece ter uma conexão maior com as expectativas que
se tem dela no contexto da consulta médica.

A dinâmica interativa na a tríade médico/criança/mãe

Tates e Meeuwesen (2001) constataram que a tríade presente na consulta pediátrica dá forma e
reflete as expectativas de cada um dos componentes no comportamento do outro. Os pais assumem,
independente da idade do filho, a responsabilidade por sua saúde, e, se dirigem ao médico como se a
criança estivesse ausente. Observou-se que os pais foram os principais responsáveis por excluir a criança
da conversação, respondendo a grande parte das perguntas que o médico formulava diretamente à ela.
O diálogo do médico com os pais nem sempre é fácil. No geral os pediatras parecem se
identificar mais com a criança, com o qual mantém uma interação mais calorosa do que com as mães.
12
Com relação à criança, sua participação se limita a certos momentos da consulta. OS MÉDICOS
PEDEM ÀS CRIANÇAS QUE DESCREVAM SINTOMAS, MAS TENDEM A EXCLUÍ-LAS DAS
INFORMAÇÕES REFERENTES A DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO. A criança, por sua vez, recolhe-se a
um papel passivo, não questiona o fato dos pais falarem por ela, parecendo aceitar que não deve
participar da “conversa dos adultos”.
Passa então a ter uma comunicação diversa com a criança e com os pais. Se com os adultos,
oferece informações e orienta condutas, quando ele se comunica com a criança, ele se restringe ao
afetivo.
A interação afetiva e amistosa cria uma boa relação interpessoal, mas deixa de lado dois
aspectos fundamentais da relação médico-paciente: a troca de informações e a tomada de decisões.
Aprender a participar pode ser um poderoso instrumento para promover sua autoconfiança e o
controle de sua própria vida.

Os recursos comunicativos do médico e da criança

Técnicas de coleta com controles muito rígidos, como testes e questionários para detectar
opiniões raramente são úteis, se não forem modificados substancialmente. Recomenda-se que as
questões sejam incorporadas com jogos e se providencie material de desenho para que elas possam
desenhar as experiências relatadas.
Recentemente, técnicas alternativas, como teatro de fantoches e dramatizações, vêm sendo
utilizadas em situações terapêuticas, especialmente para entrevistar crianças em que há suspeita de
maus tratos ou de abuso. Elas podem também ser de grande valia nas pesquisas de saúde ou mesmo no
contexto do consultório e enfermaria.
A dificuldade da criança com instrumentos verbais não se restringe apenas à limitação verbal
consequente do estágio de desenvolvimento da linguagem, mas a obstáculos inerentes ao próprio contexto
interativo. Trata-se de uma situação social, interativa, de construção discursiva, centrada em um contexto
onde os protagonistas, muitas vezes, oferecem as informações que eles imaginam que o outro espera ouvir.
As equipes de saúde, por sua vez, querem saber qual é a forma mais eficiente para se comunicar com
a criança. Uma das primeiras dificuldades apontadas na literatura refere-se ao vício dos profissionais
de saúde em utilizar o jargão médico.
Especialistas em educação médica apontam a necessidade de considerar a idade e o estágio
cognitivo da criança ao dar explicações; utilizar comparações e metáforas na fase pré-operatória;
explicar as cirurgias atendo-se aos aspectos externos (o corte, a sedação, a sala cirúrgica), e deixar
as explicações anatômicas para crianças que tiverem alcançado o estágio lógico-formal .
Eiser, Eiser e Hunt (1986) propõem que as explicações utilizem termos concretos, para evitar
ideias fantasiosas sobre a doença e distorções causadas pela terminologia médica. Os termos médicos
podem evocar sentimentos de medo, culpa e ansiedade. Para esses autores ser concreto significa fazer uso
de uma terminologia que não dê margem a duplos sentidos e utilizar referenciais perceptivos.
Nem sempre há condições de oferecer referenciais concretos para facilitar o entendimento. No caso
da epilepsia, por exemplo, como fazer para que ela entenda a convulsão? Nestes casos, os autores sugerem
o recurso das metáforas, ou seja, analogias que permitam a criança entender o funcionamento do corpo
humano. Assim, dependendo do seu grau de conhecimento comparar o cérebro a um telefone que manda
mensagens para todo o corpo. A convulsão ocorreria quando ele envia mensagens erradas.
As metáforas têm varias funções. Uma das funções é comunicar e facilitar a compreensão de
coisas que não podem ser expressas literalmente. São úteis pela capacidade que têm de relacionar
novos conhecimentos aos antigos. Consequentemente têm grande valor pedagógico e podem possibilitar
uma comunicação mais holística e uma impressão mais vivida ao fenômeno.
Entretanto, o uso de metáforas tem sido bastante questionado, principalmente porque pouco se sabe
sobre a compreensão que as crianças têm da linguagem metafórica.
Trabalhos mais recentes têm lançado mão a outras técnicas para coletar dados e transmitir
informações como contar estórias (Satrapa, 2002), propor jogos (Richmond, 1994), elaborar vídeos
educativos, ou transmitir informações e condutas através de jogos de videogames.

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Algumas experiências de comunicação do médico com a criança

A maioria dos programas pretende atingir as crianças e os pais, ambos parceiros na


aprendizagem dos cuidados. À criança se ensinam habilidades que aumentem o domínio sobre sua
doença; aos pais se ensinam cuidados básicos, mas, principalmente, a criar um ambiente familiar em que a
criança possa se autocuidar e tomar decisões sobre os procedimentos.

Contar a verdade para a criança

Possivelmente a situação mais difícil e dramática para o médico ocorre na comunicação com
crianças de prognóstico reservado ou com doenças em estágio terminal. Os profissionais se deparam,
nesses momentos, com diversas questões que não se restringem ao aspecto técnico-científico, mas
adentram no campo da ética.
A maioria dos autores parece concordar que é uma tarefa muito difícil abordar crianças em estágios
terminais. Como encorajar a criança e os pais a permanecer com esperança e ao mesmo tempo prepará-los
para a possível perda? Apesar de se reconhecer que a honestidade é a melhor política para qualquer
idade, ainda hoje a atitude mais comum é o silêncio ou o mascaramento da situação. Na tentativa de
proteger as crianças das informações, muitas vezes, o resultado é deixá-las confusas ou mesmo
preocupadas com fatores que já estão controlados.
Negar a iminência da morte e não permitir que esse assunto seja abordado abertamente pode
levar a criança a uma grande sensação de isolamento.
Quando os profissionais pedem permissão aos pais para contar à criança o diagnóstico e prognóstico,
eles se encontram frente a um dilema ético.
Com uma posição mais radical, Nitschke e cols. (1982), do serviço de hematologia e oncologia do
Oklahoma Children’s Memorial Hospital não só defendem o direito da criança à informação, mas também
delegam a crianças em estágios terminais a decisão sobre a escolha terapêutica: continuar a quimioterapia
com drogas novas, ou tratamento paliativo, apenas para alívio da dor.
Alguns autores, apesar de aceitar que as crianças devem ter mais autonomia nas decisões
sobre os tratamentos, questionam a possibilidade de crianças de cinco anos decidirem sobre essas
questões, quando as pesquisas mostram que elas não têm entendimento sobre a fisiologia das doenças e
ainda não se sabe ao certo se elas entendem a irreversibilidade da morte. Suas decisões podem só estar
levando em conta os riscos a curto prazo (dor, hospitalização, separação), enquanto os adultos conseguem
pesar, também, as consequências a longo prazo. Contar abertamente o prognóstico, também,
impossibilita a criança de utilizar a NEGAÇÃO, mecanismo de defesa ao qual recorre frequentemente e
pode levar ao desamparo, por tirar qualquer esperança.
Possivelmente, nos dias de hoje A CONDUTA DE MAIOR CONSENSO NÃO SEJA A DE DAR A
NOTÍCIA DA MORTE EMINENTE, MAS PROCURAR ESCUTAR A CRIANÇA E AVALIAR QUE TIPO DE
INFORMAÇÃO ELA QUER, NAQUELE MOMENTO. A partir daí criar um ambiente e uma relação de
confiança que a encoraje a colocar seus medos, preocupações e interesses e, consequentemente, poder
inferir suas possíveis escolhas. Pode-se, então, entendê-la melhor e responder honestamente às suas
questões.

Considerações finais

Ocorreram grandes mudanças na relação atual das crianças com as doenças, se comparadas com as
crianças de 50 anos atrás. Sua participação na família, nos assuntos que lhe dizem respeito e seu poder de
decisão também sofreu grandes mudanças nos últimos anos. No entanto, pesquisas recentes mostram que
sua participação na consultas pediátricas ainda é muito restrita.
Especificamente com crianças internadas em nossa enfermaria, o psicólogo tem tentado atuar
como mediador da relação médico/paciente e criança. Em um primeiro momento, explora com os mais
diversos materiais, o nível de conhecimento das crianças e dos pais com relação a diagnóstico, etiologia,
procedimentos a curto prazo e consequências futuras, inclusive as mudanças na qualidade de vida.
Paralelamente, orienta a criança e os pais a formular perguntas aos médicos, para esclarecer dúvidas e obter
informações. À experiência têm mostrado que tanto a criança como a família tem necessidade de
conhecer melhor a doença.

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Ao mesmo tempo em que há um desejo de informação, a angústia e os conflitos psíquicos mobilizam
resistências, negações, ideias persecutórias e outros mecanismos de defesa comuns a quem vê ameaçada a
própria integridade física ou de pessoa a quem se tem forte apego. Cabe então ao psicólogo ajudar a
equipe médica a compreender os mutismos infantis, as regressões, possíveis reações agressivas, a
insistência em repetir as mesmas perguntas e outros comportamentos adaptativos que denotam um
estado de forte sofrimento. Essa compreensão traz consequências positivas para a adesão e colaboração
no tratamento.
Uma das tarefas prioritárias é instrumentar os profissionais a lidar com os recursos dinâmicos
e comunicativos, levando em conta a idade e desenvolvimento do paciente. No entanto, mudanças
mais abrangentes também se fazem necessárias. A pouca participação da criança não resulta, apenas, da
habilidade do médico em conversar com elas, mas depende, também, do contexto social mais amplo, onde
há um jogo de poderes entre os diferentes participantes, condicionado aos seus papeis específicos (médicos
e pais), às idades (criança/adulto), ao gênero, às classes sociais, etc., que se reflete na estruturação dos
serviços de saúde e até nas políticas públicas.

A RELEVÂNCIA DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA


NA CLÍNICA PEDIÁTRICA

Márcia Regina Marcondes Pedromônico


No contexto hospitalar, o espectro de problemas que se apresenta para o psicólogo é diferente daquele que
se apresenta na clínica de atendimento psicológico.

A psicologia pediátrica

A American Psychological Association, primeira organização cientifica de Psicologia, foi fundada em


1892. Em 1968, seus membros criaram uma sessão para organizar o novo campo de conhecimento
psicológico: o da psicologia pediátrica. A primeira revista foi publicada em 1976 — Journal of Pediatric
Psychology — e os assuntos referiam-se a “o quê” e “como fazer” a atenção clínica aos pacientes
encaminhados por pediatras.
A prática da psicologia pediátrica caracteriza-se: pelo diagnóstico precoce de alterações no
processo de desenvolvimento ligadas ou não a doenças orgânicas; pela intervenção psicológica no
sentido de favorecer o desenvolvimento das crianças em condições adversas orgânicas ou
psicossociais; na sensibilização da equipe de saúde para as necessidades emocionais das crianças
transmitindo conhecimentos da área psicológica aos profissionais; na intervenção, em condições de
doença aguda ou crônica, com estratégias que facilitem diminuir o efeito das condições de estresse
ligadas a procedimentos médicos.
O perfil do psicólogo que exerce sua função na clínica pediátrica é diferente do psicólogo clínico. O
psicólogo muda também o enfoque de atuação.
No ambiente hospitalar, o psicólogo não é o único profissional na assistência à criança e ao
adolescente doente e, na grande maioria das vezes, não é o profissional à frente do tratamento. Neste
sentido, destaca-se a importância da formação de um profissional que saiba trabalhar dentro de uma
perspectiva interdisciplinar, exercendo a clínica com a clareza dos limites de sua atuação.

Aspectos teórico-conceituais para compreensão do desenvolvimento atípico

O conceito de adaptação, entendido como processo de responder às solicitações emergentes no


cotidiano individual, associa-se ao estudo do desenvolvimento psicológico normal e dos problemas
psicológicos e, também, ao de sua prevenção.
O funcionamento adaptativo de uma criança envolve variações de padrões comportamental e
emocional normais para uma dada etapa de desenvolvimento; os padrões de relacionamento familiar,
de cada um dos pais e irmãos com a criança; e, finalmente, os suportes sociais fornecidos pelos
vizinhos, pelas instituições de saúde, escolar, religiosa e inclusive política, num dado momento da
história daquela sociedade. A inter-relação entre estes eventos, nos diferentes ambientes de

15
desenvolvimento do indivíduo, modifica a trajetória de vida, aumentando ou diminuindo as condições
de estresse que levam ao desequilíbrio mental.
Na perspectiva da psicopatologia desenvolvimental, os transtornos do desenvolvimento mental
podem ser identificados num contínuo entre saúde e doença.
Durante a trajetória de desenvolvimento uma dada criança pode se defrontar com situações de
adversidade orgânica ou psicossocial, sendo que em condições de pobreza tais situações aumentam a
probabilidade de ocorrerem juntas. Estas condições de adversidades põem em risco o desenvolvimento
saudável da criança.
O conceito de risco é estatístico e refere-se ao aumento da probabilidade de ocorrência de uma
dada desordem nos indivíduos a ele expostos, quando comparados com grupos não expostos a ele. A
ocorrência de determinados riscos em conjunto tende a potencializar os efeitos adversos sobre o
comportamento da criança/adolescente.
Ao fazer o diagnóstico diferencial do estado de saúde ou de transtorno mental da criança e do
adolescente, é necessário que se tenha conhecimento de quais são as características psicológicas
daquela fase do ciclo vital, quais os comportamentos que mais frequentemente, naquela cultura, são
manifestados pelos indivíduos de uma mesma faixa etária. Necessitamos, portanto, da referência do que
se convencionou chamar de desenvolvimento psicológico normal.
Na perspectiva teórica da psicopatologia desenvolvimental, adota-se a dialética transacional
entre desenvolvimento normal e alterado para compreender os problemas psicológicos humanos, a
continuidade e descontinuidade no equilíbrio mental ou na psicopatologia.
Compete ao psicólogo examinar as associações entre uma dada condição médica e sintomas
depressivos, problemas de conduta social e outros problemas emocionais. Ainda, cabe a esse
profissional estudar e alertar sobre quais os mecanismos que podem levar a promoção da saúde mental em
condições de doença física, quais as condições que expõe a criança ao estresse (tais como hospitalização,
medicação e cirurgias) e quais as condutas dos clínicos que poderiam ajudá-la no enfrentamento de
adversidades. Vale lembrar que o estresse é um processo complexo, multidimensional e o ajuste
individual a esta situação é também dinâmico dependendo de condições intrínsecas, sociais e
culturais do próprio indivíduo.
Uma outra adversidade que se soma às queixas médicas é a pobreza na qual vivem as famílias
que buscam o atendimento no contexto institucional público.
A organização para coleta e documentação de dados é fundamental para a confiabilidade e validação
das avaliações dos casos. É relevante a utilização de testes, escalas e questionários com reconhecido poder
psicométrico.

Os instrumentos psicológicos na prática da psicologia pediátrica

O uso de instrumentos de poder psicométrico na pesquisa psicológica é fundamental. Entende-se por


poder psicométrico o quanto um determinado teste mede o que pretende medir (validade) independente seu
aplicador (confiabilidade). O Conselho Federal de Psicologia, considerando falta de ética o emprego clínico
daqueles instrumentos que não obtiverem avaliação favorável. Resolução do CFP n° 002/2003:
O acompanhamento do desenvolvimento em condições de adversidade orgânica, como o nascimento
pré-termo, exige documentar de maneira periódica ou contínua, sistemática e formal o desenvolvimento da
criança. O registro dos dados de observação é fundamental para avaliar e reavaliar as condutas do próprio
serviço de assistência à criança.

O psicólogo e a ética no exercício da psicologia pediátrica: clínica e pesquisa

Algumas questões pertinentes para reflexão do psicólogo que trabalha ou quer trabalhar junto
à clínica pediátrica.
1. Conhecer a “doença física” com a qual vai trabalhar quando em atuação com seus portadores.
2. Conhecer o protocolo de atendimento do serviço de saúde e propor o próprio protocolo para compor
com os dos outros profissionais que atendem ao indivíduo portador de doença crônica ou aguda. O
psicólogo deve ter a humildade, ao entrar no contexto clínico-hospitalar, de saber que precisa
conhecer o serviço, a equipe, os usuários deste serviço. A seguir deve ter a sabedoria de fazer
proposições que se apliquem ao serviço que o acolheu, de tal maneira que passe a ser um
profissional.
16
3. Priorizar a pessoa à sua doença. Ao escutar a família falar sobre a criança e sua doença, ao escutar a
própria criança/adolescente portadora de uma doença orgânica, devemos estar atentos à existência
de sofrimento psicológico daquele indivíduo, e as estratégias de enfrentamento que ele usa para
sobreviver diante a adversidade orgânica. Faz parte do diagnóstico identificar os núcleos
saudáveis do indivíduo.
4. Conhecer os limites éticos de sua atuação. Saber sobre a(s) doença(s) com as quais se defronta na
especialidade da clínica pediátrica que desenvolve a assistência e a pesquisa não autoriza o psicólogo
a fazer diagnóstico ou dar a notícia do diagnóstico médico.
5. Conhecer os efeitos das condições psicossociais no desenvolvimento psicológico, tanto para proteger
como para por em risco o equilíbrio mental.
6. Conhecer as regras e exigências éticas para a realização de investigação envolvendo seres
humanos2. É ético apresentar o tipo de trabalho oferecido, seu objetivo e decorrência dele para que a
família possa decidir se quer ou não realizar, por exemplo, o psicodiagnóstico. Verbalizar o número de
sessões, o que será feito em cada uma delas é desejável. O relatório psicológico, já discutido pelo
Conselho Federal de Psicologia, escrito e entregue aos pais é dever do psicólogo e direito da criança
e sua família.

Considerações finais

A avaliação psicológica realizada no contexto hospitalar tomou necessária a ampliação da


formação do psicólogo na área biológica e social.
A avaliação psicológica realizada na clínica pediátrica exige a documentação e organização de dados.
A psicometria é um dos aspectos que define o perfil do profissional psicólogo. Os testes psicológicos,
inventários e escalas são instrumentos úteis para coleta de dados sobre o paciente, desde que
aplicados por psicólogos com prática de avaliação de crianças, habilitados no uso do instrumento
escolhido e conhecedor dos limites do próprio instrumento. A avaliação é anterior a qualquer proposta de
intervenção, porque indica o que e em que tipo de abordagem o paciente deve receber a intervenção; e,
além disto, o registro desta avaliação permitirá ao profissional reavaliar a própria conduta de intervenção
assumida.
O psicólogo que trabalha ligado à clínica pediátrica necessita desenvolver-se buscando
formação teórico-conceitual no campo do desenvolvimento psicológico normal e dos transtornos mentais
que acometem a criança e o adolescente, e numa perspectiva de ciclo vital; formação na pratica de avaliação
e intervenção psicológica com crianças; noções de epidemiologia de desenvolvimento, medidas de prevenção
de doenças e promoção de saúde mental. Deve desenvolver a escuta empática dos profissionais da equipe
de saúde e dos familiares das crianças que por ele serão atendidas.

PSICOLOGIA PEDIÁTRICA E NEONATOLOGIA DE ALTO RISCO: PROMOÇÃO PRECOCE DO


DESENVOLVIMENTO DE BEBÊS PREMATUROS

Maria Beatriz Martins Linhares


Ana Emília Vita Carvalho
Luciana Leonetti Correia
Claúdia Maria Gaspardo
Flávia Helena Pereira Padovani

A Academia Americana de Pediatria definiu quatro grandes grupos de crianças em condição de


risco neonatal, a saber: a) o prematuro; b) o recém-nascido que necessita de suporte tecnológico; e) o
recém-nascido com problema irreversível e expectativa de morte; d) o recém-nascido em condições
familiares adversas. Os neonatos pré-termo, com menos de 37 semanas de idade gestacional, e que
apresentam o peso abaixo de 1.500 gramas (denominado de muito baixo peso) podem estar incluídos nas
quatro referidas condições de risco (Aylward, 2002). Neste caso, o nascimento prematuro leva os

2
Resolução CNS 196/96 e suas complementares.
17
profissionais de Saúde a se depararem com um grupo de crianças que enfrentam precocemente o
“múltiplo risco”, envolvendo fatores de risco biológicos, psicológicos e sociais.
A psicologia pediátrica, por sua vez, deve contribuir para a produção de conhecimentos e a elaboração
de procedimentos de avaliação e intervenção precoce que possibilitem neutralizar os efeitos negativos
dos riscos que ameaçam o desenvolvimento do bebê nascido prematuramente. Nesse sentido, o psicólogo
especializado em cuidar de crianças de alto risco neonatal deve participar do atendimento
interdisciplinar, o mais cedo possível, a fim de promover desenvolvimento saudável e adaptativo da
criança, garantindo melhor qualidade de vida aos bebês vulneráveis, assim como o suporte
psicossocial a sua família.

Risco, proteção e resiliência na trajetória de desenvolvimento de bebês pré-termo

No grupo de neonatos com peso de nascimento abaixo de 2.500 gramas, os denominados baixo peso,
inclui-se um subgrupo de bebês que apresentam alto risco para problemas de desenvolvimento. Neste estão
reunidas crianças nascidas com peso abaixo de 1.500 gramas (denominada muito baixo peso) que foram pré-
termo, com idade gestacional abaixo de 37 semanas.
Embora a UTIN seja um ambiente protetor para que o bebê sobreviva, nesse contexto ele passa
por diversas condições de adversidades inerentes ao tratamento, que se constituem em risco para
transtornos do desenvolvimento.
Aylward (2002), para se ter uma adequada avaliação do risco para problemas de desenvolvimento nos
neonatos, deve-se levar em conta os seguintes fatores: a) o status de admissão do neonato na UTIN, ou seja,
a gravidade em que a criança se encontra, a idade gestacional, o peso de nascimento, o índice de Apgar e o
índice de risco neonatal; b) os tipos de intervenções médicas necessárias, ou seja, quais os cuidados foram
dispensados ao bebê na unidade de tratamento intensivo, que podem incluir procedimentos invasivos e
dolorosos; c) as sequelas por ocasião da alta hospitalar, do tipo manutenção do oxigênio pós-alta, déficit
neurosensorial ou enfermidades crônicas.
O bebê pré-termo e sua família estão expostos a eventos estressores que precisam ser identificados,
assim como esses podem ser enfrentados com efetivo suporte profissional que ative recursos dos indivíduos
e implemente mecanismos de proteção para neutralizar os efeitos adversos.
Segundo a psicopatologia do desenvolvimento (Rutter, 1985), o desenvolvimento da criança
inclui o interjogo entre fatores de risco e mecanismos de proteção e entre vulnerabilidades e recursos,
podendo resultar em trajetórias de sucesso ou fracasso. Desse interjogo emerge o processo de
resiliência, que consiste na superação ou no adequado enfrentamento das adversidades. A resiliência
pode ser definida como a resistência relativa aos efeitos adversos das experiências de risco que se
expressa em uma ampla variação de respostas pessoais frente a situações de estresse e adversidade
(Rutter, 2000).
O processo de resiliência depende de traços e disposições pessoais, assim como da influência
do contexto familiar.
A resiliência é o resultado da interação entre fatores genéticos e ambientais, os quais também oscilam
em sua função, podendo atuar como proteção em certos momentos e, em outros, como fator de risco.
A resiliência não recai apenas no indivíduo, tendo a família um relevante papel nos processos
bem sucedidos de desenvolvimento
Deve-se identificar os recursos protetivos da família e os eventos estressores do ambiente familiar,
que permeiam a interação dos pais com o bebê, a fim de completar a análise do poder de superação das
adversidades. No ambiente familiar, a mãe tem forte influência nos processos de mediação social de
promoção do desenvolvimento da criança, assim como nos mecanismos de proteção frente a
adversidades, especialmente quando se trata do bebê vulnerável. Por outro lado, um ambiente familiar
inadequado, como, por exemplo, a condição de pobreza, pode intensificar o risco perinatal.

O bebê na unidade de tratamento intensivo (UTIN): eventos adversos e intervenções precoces de


proteção ao desenvolvimento

Na UTIN ocorrem frequentes procedimentos médicos e manuseios invasivos e dolorosos. Portanto, há


um grande esforço por parte do bebê para alcançar a organização comportamental e a estabilidade do seu
estado de saúde.
18
Considerando-se que os procedimentos dolorosos são significativamente frequentes no
tratamento intensivo dos bebês prematuros, avaliar a reação à dor e intervir para minimizá-la são
tarefas relevantes e necessárias na implementação de estratégias desenvolvimentais em UTIN.
A imaturidade do sistema nervoso central do pré-termo resulta, portanto, em dificuldades de
enfrentamento da dor e estresse.
Na unidade de tratamento intensivo neonatal os comportamentos de reações à dor, muitas vezes são
interpretados pela equipe de saúde como agitação ou irritabilidade, que são tratados com sedação do recém-
nascido. Porém, este procedimento mostra-se ineficiente para redução da percepção da dor. Irritabilidade e
agitação podem resultar de uma experiência crônica de dor não tratada em recém-nascido pré-termo; no
entanto, a irritabilidade está diretamente associada ao estímulo doloroso.
Sabe-se que as reações de dor são desorganizadoras do comportamento do bebê,
desencadeando dispêndio desnecessário de energia e desestabilização fisiológica. Portanto, torna-se
necessário implementar o cuidado desenvolvimental precoce para promover alívio da dor, assim
como evitar excesso de manipulação do bebê, garantindo proteção ao seu desenvolvimento contra o efeito
das adversidades inerentes ao tratamento intensivo do bebê. Os manejos não farmacológicos de administrar
sacarose (substância doce) e de estimular a sucção não-nutritiva têm sido recomendados como medidas
eficazes no alívio da dor aguda.
O fenômeno de repetição do estímulo nocivo pode levar a respostas exageradas por parte do
bebê e estas podem permanecer mesmo quando cessa o estímulo, produzindo a síndrome da dor
crônica. Trata-se do fenômeno de hipersensibilidade e hiperalgesia. Outra consequência refere-se ao
aumento de queixas somáticas nas crianças no desenvolvimento posterior.
Além dos procedimentos dolorosos, os bebês na unidade de tratamento intensivo neonatal estão
também expostos a estímulos em excesso que podem afetar diretamente os sistemas sensoriais da visão, da
audição e tátil, o que pode acarretar sequelas para o desenvolvimento da criança.
O cuidado desenvolvimental prevê a organização dos estímulos por parte dos cuidadores para não
sobrecarregar o bebê.
A regulação do excesso de estímulos a fim de promover o cuidado desenvolvimental precoce ao bebê
prematuro compete a todos da equipe de saúde em atuação na UTIN.

A mãe do bebê pré-termo: vínculo mãe-bebê ameaçado, sentimentos maternos e apoio psicológico

O bebê na incubadora encontra-se em situação restrita do contato pele-a-pele com a mãe e a


possibilidade de ser aninhado no colo materno e ser amamentado. A mãe precisa aprender a regular
os estímulos que fornece ao bebê para não desequilibrar a sua estabilidade clínica e prejudicar a sua
evolução.
. A experiência de ter um bebê pré-termo é emocionalmente estressante para a maioria das mães,
mesmo quando o bebê se encontra com o estado de saúde estável, requerendo suporte psicológico para
ajudar no enfrentamento bem sucedido do problema.
A interação mãe-bebê pré-termo pode apresentar dificuldade na regulação da reciprocidade
estabelecida pela díade, podendo gerar excesso de estimulação por parte da mãe.
Recursos pessoais maternos e suporte social são fatores facilitadores da interação mãe-
criança. O fator da prematuridade constitui-se em risco ao equilíbrio emocional materno, assim como
ter efeito de longo prazo nas interações da mãe como filho.
Portanto, o cuidado desenvolvimental precoce do bebê deve necessariamente incluir o suporte
psicológico às mães, a fim de ativar mecanismos de proteção para neutralizar emoções maternas negativas e
promover a adequada interação mãe-bebê. Reveste-se de suma importância identificar as condições
potencialmente estressoras para as mães de neonatos prematuros ameaçadoras do estabelecimento
do vínculo mãe-bebê.
O impacto do nascimento e da internação do bebê prematuro pode causar às mães: discrepância
entre bebê real e bebê imaginário formado durante a gravidez; auto-culpa ou atribuição externa de culpa
devido ao nascimento prematuro do bebê; sintomas de ansiedade em nível clínico; instabilidade emocional
afetando processos de pensamento e de compreensão; senso de auto-conceito negativo; baixo senso de
competência nos cuidados do bebê; dificuldade de contato físico com o bebê devido ao medo de tocar o bebê
e prejudicá-lo ou machucá-lo; ansiedade durante a visita na UTIN; esquiva e fuga de notícias sobre o bebê;
medo de se vincular ao bebê e depois ter que enfrentar a perda devido ao óbito; luto ou morbidade por
antecipação; concepções sobre o(a) filho(a) baseadas na síndrome da criança vulnerável, definida por
19
Brazelton (1994). Nela, os pais nutrem uma percepção distorcida do desenvolvimento do bebê, mantendo a
ideia de que ele será sempre vulnerável e frágil e que terá pouca chance de retomada do desenvolvimento (é
“prematuro” eternamente).
Linhares e cols. (1999), para a maioria dos pais, a UTIN representa um ambiente desconhecido,
intimidante e ameaçador. Destaca-se que a presença de sintomas emocionais clínicos de ansiedade e
depressão materna pode acentuar as reações negativas por parte das mães no período da internação dos
bebês. Esse achado mostra a importância do psicólogo para neutralizar através de intervenção
psicológica os efeitos adversos da prematuridade do bebê no equilíbrio emocional materno.
As mães precisam ser estimuladas a estabelecem contato direto com seus bebês, no sentido de
minimizar o impacto das consequências desfavoráveis na relação mãe-bebê pré-termo hospitalizado. Porém,
para que a mãe possa desempenhar adequadamente sua função precisa ser cuidada do ponto de vista
psicológico.
Pode-se concluir que concepções maternas sobre os bebês pré-termo hospitalizados em UTIN devem
ser consideradas para assegurar a saúde mental materna relevante, tanto para as mães em si quanto para a
relação com os seus bebês. Recomenda-se que o cuidado desenvolvimental, que inclui o apoio à família
desses bebês vulneráveis, assegure a intervenção psicológica precoce para o suporte emocional
materno e a facilitação das estratégias adaptativas de enfrentamento do problema.
O psicólogo, portanto, deve participar ativamente no âmbito da UTIN atuando na avaliação dos
recursos e dificuldades emocionais maternas para estimular o adequado enfrentamento do período desde o
nascimento do bebê até a alta hospitalar, com recomendação de permanecer o vínculo com o bebê e a mãe
no programa de follow-up que deve ocorrer após a alta hospitalar. As demandas psicológicas das mães
exigem atendimento especializado do psicólogo, incluindo as seguintes diretrizes de intervenção:
 Proceder à avaliação psicológica de sinais e sintomas de ansiedade, depressão e irritabilidade com
manifestação em nível clínico. Primeiramente, deve-se discrimina o foco do problema. Em seguida,
deve-se promover apoio breve para aos problemas situacionais da cuidadora e, quando necessário,
deve-se proceder ao encaminhamento para atendimento especializado psicológico ou psiquiátrico
atender demandas pessoais da mãe como paciente e não mais como cuidadora do bebê.
 Avaliar as concepções, sentimentos e expectativas relatada pela mãe.
 Avaliar as estratégias de enfrentamento (coping) se realista centrada no problema, se emocional,
reagindo com negação ou de forma exagerada, ou se buscando suporte social.
 Receber as dúvidas e comentários por parte das mães e pode, portanto auxiliar na comunicação mãe-
médico. O importante é a disponibilidade de escuta e de repetir as informações mais de uma vez e de
diferentes formas, quando necessário.
 Orientar a equipe na comunicação terapêutica com o paciente. As orientações são para que a equipe
de saúde forneça informações dosadas, precisas e integradas, a fim de que se estabeleça com a mãe
um padrão de comunicação compartilhada confiável e realista. A equipe deve estar sintonizada em
relação às informações fornecidas às mães, para que não haja contradições e seja uma fonte de
ansiedade e insegurança.
 Dosar as exigências em relação à mãe, dimensionando recursos e dificuldades pessoais para o
contato com o bebê. Além disso, deve se assegurar que a mãe possa dispensar o tempo necessário
ao bebê nas visitas na UTIN, sem prejudicar a atenção necessária para os outros filhos que se
encontram no lar.
 Manter atitude empática, a fim de compreender de acordo com a perspectiva das mães os
pensamentos e sentimentos associados ao nascimento e internação do filho.
 Estabelecer comunicação terapêutica com as mães, como por exemplo, reflexão de sentimentos,
orientação preparatória, disponibilidade para escuta, apoio para lidar com a realidade, suporte
informativo, correção de distorção de percepções ou concepções errôneas.
 Estimular vínculo mãe-bebê através da visita monitorada na UTIN, que consiste no acompanhamento
da mãe por psicóloga principalmente nas primeiras visitas ao bebê e nos momentos críticos
(comunicação de diagnósticos, pré ou pós-cirurgias), ajudando a identificar sentimentos, a
compreender as informações passadas pelos médicos e enfermagem, a observar as estados
comportamentais e reações do bebê, a esclarecer dúvidas e a analisar riscos, possibilidades e
recursos da evolução do bebê.
 Promover a intervenção psicológica preferencialmente em grupo, a fim de ajudar as mães a
regular emoções e aumentar senso de competência. Embora os atendimentos devam ser
preferencialmente em grupo, não estão descartados os atendimentos individuais quando necessários.
20
Finalizando, programas de intervenção em neonatologia de alto risco devem ter caráter
interdisciplinar, a fim de promover envolvimento dos profissionais responsáveis não só pelo estado de
saúde dos bebês, mas pelo seu desenvolvimento e pela saúde mental da família, especialmente da mãe..

ADESÃO AO TRATAMENTO EM PSICOLOGIA PEDIÁTRICA

Eleonora Arnaud Pereira Ferreira

Etimologicamente, o termo adesão significa obediência, fidelidade, aprovação, solidariedade a uma


ideia ou causa (Ferreira, 1999). Na literatura médica, uma das definições de adesão mais divulgadas foi
formulada por Haynes, em 1979, na qual é enfatizada a extensão com a qual o comportamento de uma
pessoa - o paciente ou o seu cuidador — coincide com a orientação do profissional, em geral o médico.
Mais recentemente, estudiosos têm destacado o aspecto multidimensional do termo adesão.
Parte dessa mudança conceitual se deve à constatação de que as orientações para o tratamento em geral
são complexas, envolvendo um amplo conjunto de recomendações que nem sempre tem relação
direta entre si.
A Organização Mundial de Saúde (OMS. 2003) reconhece que adesão ao tratamento compreende um
conjunto de ações que podem incluir tomar medicamentos, obter imunização, comparecer ao agendamento
de consultas e adotar hábitos saudáveis de vida, como reeducação alimentar, práticas de atividade física
regular, prevenção ao consumo de álcool e tabaco, por exemplo. Além disso, tornou evidente a necessidade
da participação de uma equipe multiprofissional como estabelecedora de acordos com o paciente para a
realização do tratamento. Assim, um novo conceito de adesão foi proposto, correspondendo “(...) à extensão
com a qual o comportamento de uma pessoa, tomando medicação, seguindo uma dieta, e/ou executando
mudanças no estilo de vicia, corresponde às orientações que foram recomendadas em comum acordo com a
equipe de saúde”.
Nota-se nesta definição a atribuição de um papel mais ativo para o paciente no planejamento e na
execução de seu tratamento.

Adesão ao tratamento pediátrico

Identificar fatores que afetam a qualidade dos cuidados com a saúde da criança é relevante,
pois os efeitos da não-adesão ao tratamento podem prejudicar o desenvolvimento dessa criança.
Problemas com adesão podem ocasionar, além de riscos para a mortalidade, demora para a recuperação da
saúde e/ou recidivas que podem levar a dificuldades no acompanhamento escolar, aumento no número de
consultas médicas e tempo de hospitalização, conflitos no relacionamento familiar, além do maior custo para
os serviços de saúde pública.
Dentre os fatores mais relacionados à adesão ao tratamento pediátrico, destacam-se características
da doença, do tratamento, do paciente e de sua família, e também o contexto no qual o atendimento é
realizado.

Características da doença

A literatura tem destacado que problemas com adesão podem ser observados tanto em
doenças agudas quanto em doenças crônicas. Doenças agudas são as de curta duração, cujo tratamento,
em geral, exige condutas pontuais. Nestes casos, predomina a indicação para o uso de medicamentos ou
procedimentos profiláticos acompanhando a remissão de sintomas. A qualidade dos cuidados com a criança
durante episódios de doenças agudas poderá estar associada a supervisão e vigilância de seus cuidadores
até à obtenção da cura.
Doenças crônicas são aquelas cujos recursos médico-farmacológicos disponíveis são insuficientes
para definitivamente tratar ou resolver a fisiopatologia subjacente à doença. Nestes casos, a ciência médica
somente pode oferecer aos pacientes intervenções terapêuticas que desacelerem ou impeçam o progresso
da doença, aliviem os sintomas e mantenham o melhor nível de funcionamento possível para o organismo
durante o curso da doença.
21
Verifica-se que a adesão ao tratamento no caso de doenças crônicas tende a deteriorar com o
passar do tempo, com estudos indicando ocorrer relapsos após o controle de sintomas e retomo ao
tratamento após intensificação de sintomas.

Características do tratamento

Estudos indicam que os tratamentos com menores índices de adesão são aqueles de longo prazo
(especialmente os relativos a doenças crônicas), de múltiplas exigências (como os que combinam o uso de
medicamentos com mudanças nos hábitos de vida, como a dieta e a atividade física), os que produzem
efeitos adversos (como o ganho de peso pelo uso de corticosteróide e a dor provocada por alguns exercícios
fisioterápicos), bem como aqueles tratamentos cujos resultados ainda não foram comprovados. Todo
tratamento faz demandas de um tipo ou de outro à criança e ao seu cuidador.

Características do paciente

Adesão ao tratamento pela população pediátrica assume características peculiares


relacionadas a esta etapa do ciclo de vida. No caso de crianças muito pequenas, em geral é suficiente
orientar os pais sobre os cuidados com a saúde da criança. No caso de hospitalização de bebês, o ambiente
torna a adesão ainda mais favorável, pois é possível, neste contexto, manter um bom controle sobre os
cuidados dispensados à criança por meio de supervisão direta pela equipe profissional, como pode ser
observado no tratamento em UTI neonatal. A literatura sobre adesão ao tratamento de crianças muito
pequenas focaliza a intervenção com os pais, os cuidadores primários e/ou os profissionais que lhes
assistem.
No caso de crianças escolares, com habilidades verbais, considera-se importante a
participação destas no tratamento, especialmente quando se trata de doenças crônicas as quais
requerem constante controle, incluindo mudanças nos hábitos de vida e manutenção de práticas de
autocuidado a longo prazo.
No caso de adolescentes, muitos estudos têm chamado atenção para a participação mais ativa
destes no tratamento. Em geral, estudos com adolescentes focalizam doenças crônicas, com destaque para
o desenvolvimento da autonomia destes em relação a seus pais.
O desenvolvimento de habilidades manuais e a aquisição de conhecimentos sobre leitura e escrita
podem favorecer uma maior autonomia da criança e do adolescente, tornando possível o autogerenciamento
do tratamento. Por outro lado, estudos apontam que a adesão tende a enfraquecer justamente na
adolescência, quando o jovem passa a administrar o tratamento sem a supervisão dos pais.

Características da família

A inserção da família é considerada essencial para promover a adesão ao tratamento pediátrico.


Entretanto, a literatura tem apontado alguns fatores que precisam ser considerados como: (a) o entendimento
que a família tem sobre as características da doença, incluindo etiologia, terapêutica e prognóstico; (b)
características do relacionamento da família, em especial do cuidador primário com a criança, como história
de superproteção, violência e negligência, e (c) o relacionamento da família com o serviço de saúde.
Estudos apontam que, quando a família possui um bom entendimento sobre a patologia que acomete
a criança e possui estratégias eficientes de enfrentamento de problemas, aumenta a probabilidade de adesão
ao tratamento.
Investigações sugerem que o estado emocional do cuidador da criança, especialmente se for
portador de doença crônica, pode ser um importante fator preditivo da qualidade da adesão ao
tratamento. Há maior negligência em cuidados dispensados por mães com depressão, com conflitos
conjugais e/ou com pouca rede de apoio.

Características do contexto de atendimento

Avanços na área médica têm enfatizado a importância da individualização do tratamento, isto é,


pacientes com o mesmo diagnóstico podem receber recomendações de tratamento diferentes, considerando
as peculiaridades de cada caso. Esta tendência vem corresponder ao mais recente conceito de adesão ao
tratamento proposto pela OMS (2003) já citado.
22
É por meio da participação do cuidador que o profissional, na maioria dos atendimentos, tem acesso à
informação sobre o estado clínico da criança. O plano de tratamento depende da qualidade dessas
informações, que, por sua vez, está relacionada à qualidade da comunicação estabelecida entre profissional e
informante durante a consulta. Há uma tendência dos profissionais a subestimar o interesse do paciente
e/ou cuidador em receber informações sobre o diagnóstico e o tratamento, como também de
participarem ativamente do plano terapêutico.

Medidas de adesão

Um dos maiores problemas encontrados na literatura sobre adesão ao tratamento é a escolha de


medidas confiáveis da adesão.
O uso de resultados de exames laboratoriais tem sido o recurso mais utilizado pelos estudos sobre
adesão, tanto os realizados com adultos quanto os que utilizam a população pediátrica. O auto-relato do
paciente sobre suas ações de adesão também tem sido outro recurso muito utilizado. Embora tenha muitas
vantagens, como o baixo custo, a simplicidade e aplicabilidade a diferentes contextos, a utilização do auto-
relato tem sido considerada com reservas, especialmente no caso de crianças e adolescentes. Há suspeitas
sobre a confiabilidade do relato, os pais podem relatar adesão no tratamento do filho para se esquivar de
punição por parte do médico.
A tendência mais recente é combinar diferentes medidas de adesão, como os auto-relatos
combinados com exames clínicos e laboratoriais associados a procedimentos de registros de
monitoração da doença e do tratamento.
Considera-se como automonitoração “(...) observações feitas pelo próprio paciente, com o registro de
fatores que influenciam a ocorrência do problema particular de saúde que está sendo analisado”. Os registros
podem incluir: (a;) processos fisiológicos, incluindo sintomas físicos, sintomas correlatos, ou processos típicos
da doença; (b) estímulos ambientais que podem precipitar os sintomas ou aumentar os fatores de risco
associados ao problema de saúde; e (c) comportamentos, tanto públicos quanto privados, que estejam
relacionados aos cuidados com a saúde, à redução de riscos e ao controle de sintomas.
A automonitoração pode ajudar o paciente e/ou seu cuidador a aprender sobre relações
funcionais, tornando-se capaz de identificar variáveis que estejam controlando seu comportamento,
aumentando a probabilidade de melhorar sua adesão.
Portanto, a análise de estudos, especialmente os sobre doença crônica, aponta a importância de
considerar adesão como um fenômeno multideterminado e contínuo, necessitando de múltiplas medidas.
Uma vez que a literatura destaca que, quanto mais complexa for a prescrição, menor a
probabilidade de adesão, a utilização de vários índices de adesão seria mais vantajosa para o estudo de
doenças crônicas com múltiplas prescrições de tratamento. Além disso, deve-se considerar que o mesmo
paciente pode aderir a um aspecto do tratamento e não aderir a outro, em diversos momentos do curso da
doença.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003), parece haver um consenso na
literatura médica de que uma adesão em torno de 80% das exigências de tratamento pode ser suficiente para
produzir efeitos positivos no controle da doença, com exceção do tratamento anti-retroviral para HIV-AIDS, o
qual requer em torno de 90% de adesão ao uso dos medicamentos para que sejam observados os efeitos
esperados.

Estratégia para promover a adesão ao tratamento

Em geral, é atribuída ao paciente ou ao seu cuidador a responsabilidade de seguimento das


prescrições, sem que haja ênfase em acompanhamento do paciente, no processo de mudanças que o
tratamento impõe. É um erro os profissionais suporem que apenas o controle da doença pode motivar
o paciente e/ou seu cuidador a aderir ao tratamento. É necessário considerar o repertório comportamental
do paciente e/ou de seu cuidador como pré-requisito para seguir o tratamento.

Atividades educativas

Caracterizam-se pelo oferecimento de instruções, na forma escrita ou oral, para orientar a


criança e seus pais sobre a natureza da doença e seu manejo. Neste contexto, são descritas
recomendações com advertências sobre os riscos do não-seguimento, alerta sobre efeitos colaterais e
23
importância do comparecimento às consultas. Em geral, esses programas apresentam objetivos amplos, com
ênfase na transmissão de informações sobre a patologia e seu tratamento ao paciente. Parte-se do
pressuposto de que conhecer etiologia, tratamento e prognóstico pode facilitar a emissão de comportamentos
de adesão.

Estratégias organizacionais

Relacionadas às características dos serviços oferecidos, as estratégias organizacionais incluem


desde o tipo de protocolo utilizado para o tratamento, a possibilidade de supervisão pela equipe
profissional por meio de visitas domiciliares e contatos telefônicos, até a qualidade da estrutura onde
o serviço é oferecido, como fácil acesso, curto tempo em sala de espera, obtenção de consultas sem filas
(Lemanek, 1990).
Estudos sugerem que a adesão pode ser favorecida quando os serviços oferecidos incluem:
agendamento de consultas em intervalos pequenos ao início do tratamento (especialmente em casos de
doenças crônicas), distribuição de medicamentos, frequentes consultas de acompanhamento com o mesmo
profissional, aguardar com conforto a consulta em sala de espera, manter contatos telefônicos com o paciente
para acompanhamento, e dar prioridade para planejamentos do tratamento, sugerindo o curso de menor
complexidade para o de maior complexidade.
A qualificação da equipe profissional também é relevante para promover a adesão ao
tratamento. Os poucos estudos na literatura indicam vantagens quando a equipe é treinada no uso de
intervenções comportamentais.

Intervenções diretas com o paciente e/ou com os cuidadores

Dentre as estratégias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 1993), destacam-se:
(1) técnicas cognitivo-comportamentais que promovam a redução da ansiedade e do medo da criança,
antes ou depois da realização do procedimento, como relaxamento, distração da atenção, modelação por
meio de vídeo ou de modelos ao vivo, e simulações utilizando ensaio comportamental; (2) técnicas que
reduzam os efeitos da experiência de dor e ansiedade como o relaxamento muscular, o biofeedback,
visualização e o treino de inoculação do estresse; e (3) estratégias que utilizem comunicação de
informações acerca do procedimento, incluindo razões para a sua execução, passos a serem executados
e descrição dos resultados esperados.

Contribuições da análise do comportamento

Goldiamond (1974) sugere uma abordagem funcional do comportamento que considere as


contingências ambientais das quais o comportamento seja função. Essa abordagem é chamada
construcional, uma vez que sua orientação para a solução de problemas (como o enfrentamento de doenças
crônicas) e a construção de repertórios (ou seu fortalecimento, ou transferência de comportamentos já
instalados para novas situações), mais do que a eliminação de repertórios ditos como inadequados. O foco da
abordagem está na construção de comportamentos “desejáveis” por meio de recursos que diretamente
aumentem as opções de ação ou ampliem os repertórios comportamentais do individuo. A abordagem
construcional sugere o seguimento de um programa composto de quatro etapas:
(1) objetivo ou meta: estabelecer quais os comportamentos ou repertórios a serem “construídos”,
descritos em termos observáveis e passíveis de avaliação;
(2) repertórios de entrada ou comportamentos relevantes já instalados: identificar quais os
comportamentos que já fazem parte do repertório do indivíduo e que são eficientes, isto é, que foram
bem sucedidos até o momento;
(3) sequência de procedimentos de mudança: estabelecer ou identificar quais procedimentos que
permitirão alcançar os objetivos ou resultados, considerando o aumento de frequência dos repertórios
relevantes, partindo do repertório inicial e considerando que alguns repertórios são sequenciais e
outros são concorrentes. O programa não é linear, podendo oferecer alternativas ou opções. Nesse
processo de construção, o indivíduo deve considerar conjuntos de comportamentos alternativos, isto
é, comportamentos que, apesar de diferentes, produzem a mesma consequência; e

24
(4) manutenção das consequências: explicitar o reforço de unidades comportamentais numa progressão
gradual em direção ao repertório a ser estabelecido. O próprio sujeito aprenderia a identificar cada
progresso.

Uma vantagem deste modelo é a ênfase no estabelecimento de metas progressivas para o


alcance do objetivo final, muito apropriado em acompanhamento de doenças crônicas ou de longa duração.
Orientações do Ministério da Saúde do governo brasileiro para o tratamento e o controle do HIV/AIDS na
população infanto-juvenil:
 Ouvir atentamente o paciente e seu cuidador.
 Perguntar em cada consulta o nome, a dose e o horário das medicações, não partindo da premissa
que a família, ou o próprio paciente, entendeu o tratamento proposto.
 Discutir o papel de cada membro da equipe no processo do tratamento da criança.
 Adequar o regime terapêutico ao estilo de vida da criança e da família.
 Sempre que possível, propor esquemas simplificados. realísticos, individualizados e flexíveis,
montados com a criança e a família.
 Respeitar crenças religiosas e culturais da família, especialmente as relacionadas às mudanças no
estilo de vida exigidas pelo tratamento.
 Iniciar o tratamento quando os objetivos e a necessidade de adesão sejam entendidos e aceitos pela
criança e pela família. A abordagem analítico-comportamental, em Malerbi (2000) as seguintes
sugestões para promover a adesão ao tratamento.
 Comunicar-se de forma adequada com o paciente.
 Informar o paciente e os familiares sobre aspectos específicos da doença.
 Adaptar o tratamento à rotina do paciente.
 Solicitar automonitoração dos comportamentos de autocuidado, principalmente no início do
tratamento.
 Introduzir gradualmente o tratamento, quando possível.
 Envolver familiares e/ou pessoas significativas rio tratamento.
 Estabelecer objetivos realistas para o tratamento.
 Acolher e apoiar o paciente (tornar-se um reforçador para o paciente).
 Ajudar a construir um repertório comportamental adequado, através de procedimentos de modelagem,
modelação etc.
 Acompanhar o tratamento.

Considerações finais

Não há um padrão-ouro para avaliar a adesão ao tratamento em contextos de Psicologia


Pediátrica.
O campo de pesquisa sobre adesão em psicologia pediátrica carece de melhor reorganização, com a
realização de mais estudos sobre intervenção, além da necessidade de se adotar modelos teóricos
explicativos para o fenômeno.
A literatura especializada tem sugerido que o melhor contexto para promover a adesão seria uma
atmosfera de cordialidade entre profissionais e pacientes e/ou cuidador, na qual seriam discutidas as
possibilidades de tratamento, a prescrição negociada, a possibilidade de cumprimento das orientações
discutida e o acompanhamento do tratamento planejado em comum acordo. Uma possibilidade de
aumentar a motivação do paciente e/ou seu cuidador para aderir ao tratamento poderia ser por meio
do aumento da percepção do paciente sobre sua própria capacidade de gerenciar o tratamento. As
instruções deveriam partir das habilidades de autocuidado já instaladas no repertório do paciente ao
iniciar o tratamento.
Além disso, o planejamento do tratamento, pela equipe profissional, deveria considerar riscos
de não-adesão, além das possibilidades de adesão. Os profissionais deveriam ser treinados a discriminar
fatores relacionados à não-adesão a fim de implementar intervenções breves, para encorajar e dar suporte
aos progressos do paciente.

25
AVALIAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA HOSPITALIZAÇÃO EM CRIANÇAS COM
CÂNCER

Alessandra Brunoro Motta


Sônia Regina Fiorim Enumo
Erika da Silva Ferrão

A infância é um período do desenvolvimento humano em que as mudanças acontecem de


modo rápido e perceptível, especialmente na chamada terceira infância, que corresponde às idades de
6 a 12 anos, ocorrem importantes aquisições motoras e cognitivas. Em TERMOS PSICOSSOCIAIS, A
CONVIVÊNCIA COM AMIGOS PROPORCIONADA PRINCIPALMENTE PELA INSERÇÃO ESCOLAR, O
DESENVOLVIMENTO DO AUTOCONCEITO E O ESTABELECIMENTO DA COMPETÊNCIA são
conquistas importantes para a criança. Nesse sentido, parece coerente associar o ciclo de vida da criança
a situações de bem-estar, que vão permitir um desenvolvimento saudável.
Entretanto, dificilmente a criança cresce sem que seja acometida por algum tipo de doença,
aguda ou crônica.
O câncer infantil é considerado uma doença crônica cujo tratamento caracteriza-se por ser
prolongado, demandando um tempo considerável de hospitalização e expondo a criança a procedimentos
invasivos e desagradáveis, tanto física quanto emocionalmente.
Além da exposição a procedimentos médicos invasivos, a hospitalização também sujeita a
criança com câncer e seus familiares a outras situações estressantes, tais como o ambiente diferente, a
imposição de uma nova rotina, estar sob cuidados de pessoas desconhecidas, o afastamento escolar,
restrição do convívio familiar, entre outras. Tais circunstâncias parecem justificar a presença de
sentimentos opostos de alegria e tristeza, associados à vida e à morte, capazes de gerar, na criança
doente, reações de fraqueza e dependência, além do sofrimento físico e psíquico.
A presença de uma doença crônica, como o câncer, afeta o desenvolvimento da criança em termos
físicos, cognitivos e psicossociais, podendo desencadear reações de stress e ansiedade.
Fatores como a idade, tempo de internação, história de doença e hospitalização anterior, diagnóstico e
prognóstico da doença, estilos parentais, relacionamento com a equipe de saúde, entre outros, devem ser
analisados na assistência à criança hospitalizada.
O tratamento da doença é, portanto, um período de grande stress físico e emocional, tanto para
a criança quanto para os pais e irmãos. A criança precisa se adaptar a essa nova situação, sendo
necessária a utilização de estratégias para enfrentar tais circunstâncias adversas, minimizando seus
efeitos negativos e potencializando ganhos possíveis relacionados à aprendizagem e enriquecimento
de seu repertório comportamental.
Este é o campo de estudo das chamadas “estratégias de enfrentamento” da doença crônica, campo
este ainda hoje pouco estudado em crianças.

Estratégias de enfrentamento: uma breve revisão

“Estratégias de enfrentamento” é um termo traduzido do inglês coping, definido por Antoniazzi e cols.
(1998) como: “(...) o conjunto de estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a
circunstâncias adversas”.
Na década de 60 do século XX, segundo Antoniazzi e cols. (1998), tendo como representantes principais
Susan Folkman e Richard S. Lazarus. Esses autores, dentro de uma abordagem cognitiva-comportamental,
propuseram um modelo de coping dividido em duas categorias funcionais:
1) O coping focalizado no problema- quando a situação a ser enfrentada é avaliada como suscetível à
mudança, constituindo-se um esforço para atuar na situação que originou o estresse
2) O coping focalizado na emoção- quando a avaliação indica que nada pode ser feito para modificar a
situação estressante; o esforço, neste caso, está voltado para a regulação do estado emocional.

A mais recente perspectiva sobre coping propõe que existem convergências entre as estratégias de coping
e alguns traços da personalidade, motivando estudos nessa direção, estudando-se suas relações com o otimismo,
a rigidez, a auto-estima e o locus de controle. Contudo, Beresford (1994) considera que o modelo proposto por
Lazarus e Folkman (1984) continua sendo o mais compreensivo dos modelos existentes.

26
O termo coping significa “lidar com” uma situação ou problema. A sua tradução para o português
como estratégia de enfrentamento pode limitar a compreensão do termo, dando a impressão de que inclui
somente as ações dirigidas à resolução de problemas. Neste texto, o termo “estratégia de enfrentamento” é
utilizado com o mesmo entendimento que é dado ao coping, ou seja, considerando todas as formas,
adequadas ou não, de se lidar com problemas.
Ainda em relação às estratégias de enfrentamento, é importante afirmar que, no Brasil, existe uma
grande demanda de estudos e pesquisas.
Diante de um estressor, deve ser questionado se a resposta apresentada pela criança é
intencional ou não. Em caso afirmativo, o comportamento se caracteriza como uma resposta de
coping e, caso contrário, trata-se de uma resposta de stress. Na resposta de stress, a próxima questão é
saber se essa resposta leva a um resultado adaptativo, o qual promove um ajustamento geral positivo.
Na resposta de coping, o processo é mais complexo, incluindo aqueles componentes anteriormente
descritos. A questão aqui está relacionada à possibilidade da resposta de coping levar a criança a
alcançar seu objetivo, tendo como consequência o sucesso (coping adaptativo) ou o fracasso (coping
mal adaptativo).
Foi realizada uma pesquisa visando a apresentar uma proposta de avaliação das estratégias de
enfrentamento da hospitalização em crianças com câncer, com ênfase na importância do brincar no
hospital, buscando contribuir para o atendimento hospitalar de cada criança e para o direcionamento de
intervenções que tomem o suporte social3 mais adequado às instituições hospitalares.
A perspectiva de coping adotada neste estudo refere-se ao coping focalizado no problema e coping
focalizado na emoção.
Procurou-se, então, identificar os principais estressores da hospitalização infantil: a doença, a dor, o
ambiente hospitalar, polaco familiar, a exposição a procedimentos médicos invasivos, a anestesia
acompanhada do medo ao despertar, a separação dos pais, parentes e amigos, o stress dos acompanhantes,
a ruptura da rotina de vida e adaptação a uma nova rotina imposta e desconhecida, a perda da autonomia,
controle e competência pessoal, a incerteza sobre a conduta mais apropriada, e a morte.
No caso da criança com câncer, todos os estressores citados anteriormente estão presentes ria
hospitalização, além de intensificados pelo tratamento prolongado.
A necessidade de identificar comportamentos inadequados presentes na hospitalização infantil busca
atender a um outro aspecto da assistência psicológica à criança com câncer — a intervenção, o que reforça a
importância da proposição e desenvolvimento de instrumentos dirigidos para a avaliação de suas estratégias
de enfrentamento da hospitalização.
Além da identificação do contexto a ser enfrentado, outros aspectos relacionados à criança, como o
nível de desenvolvimento, o sexo, a experiência anterior com o estressor e o temperamento, devem ser
considerados a fim de verificar suas relações com as estratégias de enfrentamento apresentada.

Uma proposta de avaliação das estratégias de enfrentamento da hospitalização em crianças com


câncer

Será apresentada a proposta de um instrumento de avaliação das estratégias de enfrentamento da


hospitalização, assim como a descrição e discussão de sua aplicação no contexto de pesquisa.

Características dos participantes e do local de coleta de dados

28 crianças (19 meninas e 9 meninos), com idade entre 6 e 12 anos (idade média de 9 anos) que se
encontravam em tratamento oncológico no serviço de oncohematologia de um hospital público infantil, em
Vitória/ES.
A assistência nesse hospital é multidisciplinar.

Características do instrumento de avaliação do enfrentamento da hospitalização

O instrumento proposto por Motta e Enumo (2001, 2004b) recebeu o nome de AEH-Instrumento de
Avaliação das Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização e é composto por:

3
O termo suporte social, neste texto, refere-se ao conjunto de ações desenvolvidas por instituições não-governamentais, de apoio a
crianças e adolescentes com câncer, no qual está incluída a realização de atividades recreativas, dirigidas por voluntários no hospital.
27
1) Um roteiro de entrevista com 5 perguntas a serem feitas para a criança sobre suas estratégias de
enfrentamento da hospitalização (pensamentos, sentimentos e atitudes), o que gostaria de fazer no
hospital e o brincar (definição e preferência pelo quê e com quem brincar no hospital);
2) Um caderno de desenho espiral com 21 cenas desenhadas em preto-e-branco sobre ternas que
retratam possíveis estratégias de enfrentamento da hospitalização. denominado Conjunto de
Pranchas A-Enfrentamento da Hospitalização;
3) Um caderno de desenho espiral com 20 tipos de brincadeiras desenhadas em preto-e-branco,
denominado Conjunto de Pranchas B-Brincar no Hospital;
4) Folhas de registro das respostas

O Conjunto A continha cenas que representam comportamentos, classificados anteriormente como: (a)
estratégias facilitadoras: brincar, assistir TV, cantar e dançar, rezar, estudar, conversar, ouvir música, ler gibi,
buscar informações e tomar remédio; e (b) estratégias não-facilitadoras: chorar, brigar, esconder, ficar triste,
desanimar, fazer chantagem, pensar em fugir, sentir culpa, sentir medo, pensar em milagre e dormir.
Estratégias de enfrentamento facilitadoras aquelas que se referem a uma estratégia considerada adaptativa
e, estratégias de enfrentamento não-facilitadoras, aquelas consideradas não adaptativas à situação.
Por meio do Conjunto de Pranchas B — Brincar no Hospital, pretendeu-se investigar, de modo mais
específico, a importância atribuída ao brincar pela criança no seu processo de enfrentamento da
hospitalização. Foi utilizada a classificação por família de brinquedos proposta pelo Sistema Esar4, que
permite diferenciar as expressões lúdicas, identificando os brinquedos como: jogos de Exercício (tocar
instrumentos, brincar com bola), jogos Simbólicos (fantoches. palhaço, brincar com objetos médicos e
desenhar), jogos de Acoplagem (montagem, modelagem, recorte e colagem e quebra-cabeça) e jogos de
Regras simples e complexas (dominó, baralho, bingo, dama e minigame), foi acrescentada ao padrão de
brincadeiras acima descrito uma categoria contendo brincadeiras abordando atividades recreativas diversas
(AD), como: assistir televisão, ler gibi, cantar e dançar, ouvir e contar estórias, que não puderam ser
classificadas pelo Sistema Esar.
A aplicação do instrumento acontecia individualmente, com a participação da criança e da
pesquisadora, com duração média de 50 minutos, após a autorização do responsável e o estabelecimento do
rapport com a criança.
Antes da apresentação das pranchas do Conjunto de Pranchas A — Enfrentamento do Hospital, a
criança era questionada a respeito de seus sentimentos, pensamentos e atitudes frente à hospitalização e
sua resposta era verbal, tendo sido gravada em áudio, Em seguida, apresentava-se à criança o instrumento
(caderno com figuras) e o bloco de registro da criança.
Foi apresentada à criança uma prancha de cada vez, devendo ela descrever a cena, para, em
seguida, responder o quanto a figura se parecia com o que ela tem feito durante o tempo que passa no
hospital.
Para registrar a resposta, foram oferecidos à criança cinco círculos de velcro, de tamanho e cores
iguais, que deveriam ser fixados no círculo preso ao caderno de respostas. A criança deveria fixar um círculo
quando achasse que havia feito apenas às vezes o que estava na figura; dois círculos no caso de quase
sempre; três círculos no caso de sempre e; nenhum círculo para o caso de nunca ter feito.
Após a escolha de cada figura, a criança era questionada sobre o motivo de sua resposta, sendo esta
gravada em áudio novamente.
Para o Conjunto de Pranchas B — Brincar no Hospital, o mesmo processo desenvolvido no Conjunto
de Pranchas — A.
Para a elaboração do AEH, as autoras tomaram como base outros instrumentos disponíveis sobre
estresse, ansiedade infantil e qualidade de vida como: a Escala de Stress Infantil ESI (Lipp e Luccarelli,
1998), o Inventário de Ansiedade Traço-Estado IDATE-C (Spielberg, 1983), o Autoquestionnaire Qualité de
Vie Enfant Imagé — AUQEI, de Manificat e Dazord (Assumpção, Kuczynski, Sprovieri e Aranha, 2000), a
adaptação do Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus, feita por Savóia, Santana e Mejias
(1996) e a Escala de Avaliação do Comportamento da Criança, proposto por Löhr e Silvares (Löhr, 1998).
As temáticas abordadas no AEH foram selecionadas a partir de uma análise dos instrumentos citados
e da observação direta do cotidiano da criança no ambulatório e na enfermaria do hospital, durante três

4
Esar: sistema de classificação de jogos e brinquedos, criado por Denise Garon, psicopedagoga pré-escolar, analista de jogos e
brinquedos.
28
meses, quando foi registrada uma variedade de comportamentos indicativos de formas de enfrentar a
hospitalização como cantar, brincar, chorar, dormir, ler, entre outros.

Relato de casos

A seguir, descrições de dois dos 28 casos estudados.

Caso 1
Luiza é uma menina com seis anos de idade na época da coleta de dados, sendo a filha mais velha de
três irmãos. Vivia com os pais, irmãos, sobrinho e enteados da mãe, totalizando cerca de 12 pessoas na
casa, no interior do ES. A família era católica. Luiza parou os estudos na pré-escola, quando ficou doente.
Seu diagnóstico era de leucemia, estando em tratamento há 9 meses. Na época da coleta de dados,
estava na fase da manutenção. Não teve recidivas e a maior parte de suas internações foi para medicação.
Somente uma vez precisou ser internada por intercorrência, em função de queimaduras de sol.
De um modo geral, seu padrão de respostas caracterizou-se por um excesso de estratégias de
enfrentamento não-facilitadoras e uma baixa frequência de estratégias facilitadoras para lidar com a
hospitalização, tendo escolhido as pranchas referentes a comportamentos de chorar, esconder, ficar triste,
fazer chantagem, sentir medo. Por outro lado, não escolheu estratégias facilitadoras como conversar, ler gibi,
tomar remédio e buscar informações.
Percebe-se que seus maiores estressores eram os procedimentos médicos invasivos, contra os quais
pensava ou verbalizava estratégias que tentassem mudar e/ou alterar o estressor, como se esconder para
não ser medicada.
Sua condição de hospitalização era agravada pela restrição ao convívio com a mãe. Ela tinha um bebê
para cuidar e precisava ausentar-se do hospital durante as noites, deixando Luiza sozinha. Assim,
sentimentos de solidão pareciam potencializar respostas de tristeza e choro. Dessa forma, a separação da
mãe acabava sendo relacionada à hospitalização, que, consequentemente, tornava-se mais aversiva para a
criança.
A verificação das respostas de Luiza permitiu identificar 13 temas que demandam intervenção: chorar,
esconder, ficar triste, cantar e dançar, fazer chantagem, conversar, ouvir música, sentir medo, ler gibi, tomar
remédio, pensar em milagre, dormir e buscar informações. Luiza parecia não vivenciar momentos mais
agradáveis no hospital, insistia que isso é para “fazer em casa” ou “com a mãe”.
Para Luiza, dormir era interpretado como uma ameaça, na medida em que, ao dormir, sua mãe saía. A
ausência da mãe aumentava a ansiedade da criança durante a noite.
Esconder e não querer saber da doença são respostas que indicam a necessidade de uma
intervenção por meio de técnicas que dêem à criança recursos para enfrentar melhor a situação. O brincar,
por despertar interesse na criança, pode ser usado como recurso para informar, de maneira lúdica, aspectos
da doença e do tratamento também.
No caso de Luiza, o fato de ter relatado não tomar remédio não sugere intervenção, uma vez que a
análise da justificativa da resposta permitiu verificar que suas medicações são feitas em casa, não
significando falta de adesão ao tratamento no ambiente hospitalar.
Em alguns momentos, Luiza parecia não se importar com nada, nem mesmo com a doença e tudo que
a envolve, inclusive a entrevista, indicando um quadro de distanciamento, que merece ser pesquisado de
modo aprofundado.
Questões contextuais, como o nascimento do irmão, parecem contribuir para a sua dificuldade no
enfrentamento adequado da hospitalização.

Caso 2
Tatiana tinha 9 anos de idade e estava na 2ª série na época da coleta de dados, tendo ficado um
tempo sem estudar em função do tratamento. Era filha única, residia com seus pais na Serra/ES e
frequentavam a Igreja Maranata.
Estava em tratamento de leucemia há 11 meses. No momento da pesquisa, foi identificado em seu
prontuário médico ambulatorial o registro de 10 internações, a maioria delas para medicação. Não teve
recidivas desde o início do tratamento.
Tatiana mantinha-se grande parte do tempo perto da mãe. Por vezes, andava até a mesa de
brinquedos para montar, mas não interagia muito com as outras crianças, falava pouco. A presença do pai
também era constante e ele aparentava estar tranquilo no ambiente hospitalar. Foi com ele que se
29
estabeleceu o primeiro contato para a autorização da participação de Tatiana na pesquisa. Tatiana concordou
em participar da pesquisa, mostrando envolvimento ao responder as perguntas, mesmo que não falasse
muito.
Analisando suas respostas relacionadas ao enfrentamento da hospitalização, verifica-se um padrão de
respostas, mais indicativo de estratégias facilitadoras. Essas, por sua vez, caracterizam-se por estratégias
cujo uso não envolve, necessariamente, a participação de outras pessoas.
Foram identificados sete temas que poderiam ser explorados na intervenção psicológica: chorar,
cantar e dançar, rezar, desanimar, conversar, dormir e buscar informações. Estratégias não-facilitadoras
relacionadas ao chorar parecem ser evocadas frente aos procedimentos médicos invasivos. Técnicas como
relaxamento e distração poderiam ser utilizadas para auxiliar Tatiana a enfrentar, de forma mais adaptativa,
esse estressor.
Segundo os relatos de Tatiana, os estudos não estavam sendo prejudicados pelo tratamento; além
disso, não havia material pedagógico disponível no hospital. Argumentou que não rezava porque esquecia.
Dormir não se caracterizava como estratégia não-facilitadora usada por Tatiana, na medida em que
era uma decorrência do tratamento: “(...) eu acordo muito cedo prá vir, aí, eu durmo”. Já o desânimo relatado
por Tatiana denotava sua insatisfação por ter que vir ao hospital.
Diante dos relatos de Tatiana, podem ser indicadas intervenções que facilitem ou estimulem a sua
integração com outras crianças, favorecendo o estabelecimento de uma relação mais agradável com o
hospital. Nesse sentido, o brincar pode ser utilizado como recurso facilitador desse tipo de intervenção.

Considerações finais

Considerando que as estratégias de enfrentamento dizem respeito aos comportamentos e


pensamentos das pessoas ao lidarem com situações estressantes, é possível acessá-los pelo
inquérito verbal. Entretanto, há situações em que o uso exclusivo da técnica da entrevista pode não ser
suficiente ou adequado, como ocorre com a condição de hospitalização. Assim, para garantir a
participação de crianças hospitalizadas com uma doença grave, a qual exige internações e procedimentos
dolorosos, de forma a levá-las a falar justamente sobre essa condição aversiva, a proposta metodológica do
AEH baseou-se em um recurso antigo da psicologia — o desenho — por sua proximidade com o universo
infantil, da mesma maneira que o brincar.
Quando se analisa a atuação do psicólogo junto a crianças hospitalizadas, verifica-se que
recursos lúdicos têm sido empregados, com frequência, funcionando como um auxílio para a sua
intervenção, especialmente quando se propõe a aplicação de técnicas de fornecimento de
informações.
Em se tratando de um recurso para auxiliar a equipe de saúde mental, o material proposto pode
subsidiar as técnicas de modificação de conduta a serem instauradas, no sentido de tomar mais
positivas e adequadas as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas crianças hospitalizadas.
Uma versão computadorizada do AEH está em construção e teste, procurando avaliar seus efeitos em
termos de adesão e motivação, além das facilidades de aplicação e processamento dos dados para o
psicólogo.

A PSICOLOGIA PEDIÁTRICA APLICADA À ODONTOLOGIA

Antonio Bento Alves de Moraes


Rosana de Fátima Possobon
Áderson Luiz Costa Junior
Camila Mariana Mesquita e Fonseca
Ana Rachel Carvalho Silva
Gustavo Satollo Rolim

A interface entre psicologia e outras ciências da saúde

A psicologia aplicada à odontologia

30
O objetivo principal da psicologia aplicada à odontologia é interferir nas variáveis psicossociais
que medeiam os processos de diagnóstico, tratamento e reabilitação em odontologia, visando
promover e manter o estado geral de saúde do indivíduo, bem como prevenir e facilitar o
enfrentamento eficiente de situações de tratamento dos (transtornos) problemas bucais.
A intervenção psicológica concomitante ao tratamento odontológico tem auxiliado alguns pacientes a
enfrentar rotinas odontológicas consideradas aversivas (anestesia injetável e utilização de motores, por
exemplo) reduzindo o nível de ansiedade geralmente manifestado por indivíduos com história de medo ou de
não- colaboração com tratamento bucal.
A psicologia aplicada à odontologia pode ser caracterizada como um conjunto de
conhecimentos teóricos e técnicos, derivado da psicologia clínica da saúde, aplicado às atividades de
avaliação, controle e modificação de repertórios de comportamentos de indivíduos expostos a
tratamento odontológico ou envolvidos em situações de cuidados de saúde bucal, incluindo familiares
e cuidadores.
Observa-se que contribuições da psicologia têm sido úteis tanto para facilitar a ação do cirurgião-
dentista no consultório, quanto para modificar crenças e hábitos de indivíduos no que se refere aos
cuidados com a higiene bucal, alimentação e a saúde em geral.

A odontologia e as estratégias de manejo de comportamentos

Reconhecer as necessidades psicossociais do paciente e manejar comportamentos que dificultam ou


impedem o tratamento odontológico deve ser parte integrante da formação profissional do cirurgião-dentista.
Moraes e Pessotti (1985), segundo eles, especialmente em odontopediatria, seria necessário que o
profissional fosse habilitado a manipular as ações não-colaborativas do paciente5, evitando a exposição da
criança a contingências aversivas que poderiam levar à construção de repertórios ainda mais temerosos de
comportamentos frente ao dentista.
Newton e Sturmey (2003), observam que a necessidade de manejo de comportamentos não-
colaborativos permanece como uma condição essencial para a odontopediatria e constitui um problema tanto
para os dentistas experientes quanto para estudantes de odontologia. Embora estes profissionais disponham
de um amplo conjunto de técnicas reforçadoras e até restritivas de comportamento, sua utilização não é
frequente e geralmente está restrita a episódios isolados de comportamentos.
Nathan (2001) ressalta que os odontopediatras deveriam compreender que o sucesso do manejo do
paciente pediátrico não pode ser simplesmente medido pela conclusão de um procedimento
odontológico específico, mas pelo registro da frequência de comportamentos colaborativos que a
criança apresenta ao longo das sessões de tratamento. O estudo da psicologia aplicada às áreas da
saúde, em especial à odontologia, deveria ter mais espaço na grade curricular das escolas que preparam
profissionais de saúde.
O conhecimento da história relevante de cada criança, a avaliação do grau de compreensão que
as crianças possuem das experiências a que são expostas e a manipulação de ambientes de cuidados
específicos às necessidades de cada uma, são essenciais para a aquisição de repertórios
colaborativos com o tratamento e para o sucesso da relação profissional-cliente, especialmente se
estratégias coercitivas6 não forem adotadas.
Abordagens psicoinformativas (ou comportamentais) têm sido utilizadas com relativo sucesso
para adaptar a criança ao tratamento odontológico, entre elas incluem-se orientação dos pais, reforçamento
de respostas incompatíveis com a não-colaboração, estabelecimento de regras pré-tratamento, estratégias
distrativas e atividade lúdica. A utilização destas abordagens requer, necessariamente, uma preparação
especial do profissional de saúde.
Brazelton e Greenspan (2002) fazem referência a algumas necessidades essenciais da infância: (a)
relacionamentos sustentadores e contínuos entre cuidadores e crianças; (b) proteção física, segurança,
regras de conduta, limites, organização e expectativas; (c) experiências que respeitem as diferenças
individuais entre crianças; (d) experiências adequadas ao desenvolvimento; e (e) comunidades estáveis,
amparadoras e continuidade cultural. A aplicação destas condições ao ambiente de cuidados em

5
Comportamentos que dificultam, atrasam ou impedem a atuação do profissional, como por exemplo, a manifestação de choro,
movimentos de cabeça e corpo, recusa em entrar no consultório, não abrir a boca.
6
Estratégias que enfraquecem ou reduzem os comportamentos não colaboradores, como por exemplo, punição verbal, contenção
física ou a suspensão de eventos positivamente reforçadores.
31
odontopediatria poderia facilitar a execução de rotinas odontológicas curativas, de modo a garantir uma maior
participação ativa e voluntária da criança com o tratamento bucal.

O medo de dentista: delimitação teórica e conceitual

O ‘medo de dentista’ e os efeitos psicológicos do tratamento odontológico são temas investigados há


mais de um século.
O controle da dor em crianças e o caráter genuinamente subjetivo da percepção da dor
observado em adultos ocorrem, também, em crianças, de forma tão individual quanto à percepção do
som, do cheiro e do sabor. É inadequado atribuir a manhas ou tentativas propositais de manipulação as
reações inesperadas de dor que as crianças apresentam. A criança, na realidade, sente mais ou menos
dor diante de um mesmo estímulo doloroso, dependendo do seu estado emocional, dos eventos
situacionais e da interação com o contexto de dor em geral (Guimarães, 1999).
Entre os fatores mais referidos pela literatura como predisponentes ao medo de dentista, incluem-se:
(a) história pessoal de experiências mal-sucedidas de enfrentamento a tratamento odontológico; (b)
aprendizagem vicariante, por meio do relato de familiares e por informações estereotipadas que são
veiculadas pela mídia, que insistem em caracterizar o cirurgião-dentista como um profissional produtor de dor
e sofrimento; (c) outros medos e transtornos de ansiedade que o indivíduo á adquiriu; (d) vulnerabilidades
temperamentais (geneticamente determinadas) e adquiridas com a exposição a experiências estressantes; e
(e) relação dentista-paciente pouco empática ou insuficientemente estabelecida.
Algumas rotinas odontológicas, em função de seu caráter invasivo, parecem desencadear,
naturalmente, respostas de ansiedade e medo em muitos pacientes. A injeção anestésica, por exemplo,
tem sido indicada em diversos estudos.
Milgrom e colaboradores (1995), investigando a origem do medo de dentista em crianças, destacaram
a presença, no tratamento odontológico, de três importantes variáveis relacionadas aos medos infantis: (a)
procedimentos potencialmente produtores de dor (tais como injeções e perfurações); (b) situações associadas
a sofrimento físico e psicológico (como a presença de estranhos, mobiliários e instrumentos ameaçadores); e
(c) procedimentos menos invasivos, embora desconfortáveis (tais como manter a boca aberta para exame
clinico. às vezes sob exigências de restrição física).
Pesquisas em psicologia têm demonstrado que uma compreensão mais aprofundada do medo
requer considerar, pelo menos, dois processos psicológicos básicos: (a) o medo pode surgir como
decorrência de um processo de condicionamento Pavloviano, isto é, seria uma resposta condicionada,
eliciada por um estímulo inicialmente neutro que foi consistentemente pareado com um estímulo aversivo
incondicionado (US); e (b) em termos de aprendizagem de respostas de esquiva, que seriam fortalecidas pela
eliminação dos estímulos aversivos e, possivelmente, pela redução das sensações fisiológicas, elas próprias
aversivas. Nos dois casos, sugere-se que o estado de medo produz um conjunto de efeitos
comportamentais, ou, explica esses mesmos efeitos.
A atenção às variáveis psicossociais de pacientes e acompanhantes, especialmente em
odontopediatria, é essencial no sentido de se evitar, ao máximo, a exposição da criança e seus familiares a
situações percebidas como estressantes e que poderiam levar ao conhecido medo de dentista.
Os indivíduos submetidos à incontrolabilidade aprendem que os eventos do meio ocorrem
independentemente do seu comportamento e essa aprendizagem interfere na aprendizagem oposta de fuga e
esquiva (Hunziker, 1997). Situações odontológicas percebidas pelos pacientes como incontroláveis
poderiam estar na raiz do medo do dentista. A situação odontológica, além de conter estímulos
aversivos condicionados, propicia, ao mesmo tempo, a ocorrência de experiências de
incontrolabilidade.
Estudos reforçam a necessidade de que, antes de iniciar o atendimento, o cirurgião-dentista investigue
as expectativas e receios do paciente em relação ao tratamento.
No entanto, a investigação das expectativas e receios dos pacientes deve estar associada com uma
observação criteriosa do como o paciente se comporta na situação objetiva do tratamento. O
comportamento humano é produto de sua história passada, mas, também e principalmente, das
contingências reforçadoras presentes no momento em que a criança é recebida no consultório.

Modelos teóricos de medo de dentista

32
Modelos teóricos que se propõem a compreender as variáveis que atuam sobre o desenvolvimento do
medo de dentista, fazemos referência a três propostas:
1) O modelo de Weiner e Sheehan (1990) divide o medo de cientista em dois tipos: endógeno (como
parte de uma desordem de ansiedade mais ampla que o indivíduo já possui) e exógeno (como
resultado da história de aprendizagem direta ou indireta).
2) O Sistema de Seattle, proposto por Milgrom e colaboradores. (1985). especifica quatro categorias de
medo: (a) tipo I (medo simples, adquirido por condicionamento); (b) tipo II (ansiedade manifestada por
meio de reações somáticas ao tratamento); (c) tipo III (pacientes portadores de transtornos de
ansiedade generalizada, desenvolvidos a partir de outros contextos, não necessariamente
relacionados a tratamentos de saúde); e (d) tipo IV (pacientes que apresentam desconfiança de
cirurgiões-dentistas e se sentem ameaçados na presença destes profissionais).
3) O modelo de Rachman (1977) postula duas vias de aquisição de medo de dentista: (a) por
experiência direta (condicionamento aversivo); e (b) por experiência indireta de aprendizagem (por
modelação ou acesso a informação obtida de terceiros).

Pesquisadores em psicologia e em odontologia caminham no sentido da compreensão de que a


etiologia e o curso de aquisição e manutenção de respostas de medo é multifatorial e exige intervenções
em diferentes dimensões da saúde de indivíduos e populações.
A existência de controvérsias, apontam a necessidade de um maior volume de conhecimentos
sistemáticos na área, por exemplo, no que se refere à análise funcional da experiência prévia e de estratégias
preparatórias para o atendimento, como potenciais redutores e promotores, respectivamente, de medo de
dentistas e tratamentos odontológicos.
O uso do controle aversivo em odontopediatria, além de uma questão importante de pesquisa,
tem suscitado diversos questionamentos éticos. Parece que a questão crítica neste contexto é saber a
quem o controle aversivo beneficia e quando seu uso se torna absolutamente necessário.

As relações entre medo e dor

Não podemos negligenciar, todavia, as evidências clínicas e de pesquisa de que dor e medo são
manifestações relacionadas.
O próprio profissional de odontologia pode estar contribuindo para a perpetuação do mito do dentista
sádico, quando atua apenas como um técnico que conserta dentes, não se preocupando com o bem-estar
físico e emocional dc paciente, especialmente com a história de exposição do paciente a tratamentos
odontológicos.

As pesquisas que avaliam o medo de dentista

Observa-se que grande parte dos estudos em odontologia utiliza escalas e roteiros de entrevista que,
por meio de relatos verbais de pacientes e acompanhantes, obtêm informações acerca da percepção de
medo e/ou de ansiedade que estes indivíduos manifestam quando expostos à situação de tratamento
odontológico. Nestes casos, os dados obtidos são, em grande parte, produtos de exercício de memória e
julgamento realizados pelos pacientes, a partir de solicitação dos pesquisadores, implicando, muitas vezes,
em alto grau de subjetividade, dificultando comparações entre pacientes.
Outra lacuna metodológica se refere à carência de estudos observacionais que utilizam sistemas de
categorias de comportamento e procedem a análises funcionais do comportamento de pacientes, familiares e
profissionais.
Muitas são as implicações para o indivíduo que tem dificuldades em lidar com o medo criado
pelo tratamento odontológico, incluindo prejuízos para sua própria saúde bucal e consequências
psicológicas adversas. Em geral, este paciente tem dificuldades em comparecer às consultas
previamente agendadas, e quando o fazem, o seu nível de estresse é tão elevado que chega a interferir
sobre o desempenho profissional da equipe odontológica. Por conta desse adiamento, muitas vezes, o
paciente chega à consulta odontológica com um quadro clínico bucal bastante agravado, o que contribui para
que o tratamento se tome mais demorado e muitas vezes mais doloroso.
O paciente que desenvolve estratégias de enfrentamento eficientes, em geral tem condições de
submeter-se a tratamento em esquema preventivo, que tende a ser mais rápido e envolver menos

33
desconforto físico. Além disso, promove a recuperação estética e funcional dos dentes, o que certamente tem
influência sobre a imagem geral do paciente e sua autoestima (Moraes, 1997).
Além destas condições potencialmente estressantes, o medo e a não-colaboração do paciente
com o tratamento odontológico pode produzir efeitos deletérios sobre o desempenho dos
profissionais.
Além da tecnologia comportamental, alguns estudos investigam outras modalidades de intervenção
relacionada à não-colaboração de pacientes em tratamento odontológico. Um conjunto significativo de
pesquisas tem investigado como o uso de medicamentos específicos, tais como os benzodiazepínicos
(diazepam e midalozam, por exemplo), podem produzir alterações no repertório de comportamentos do
paciente, especialmente relacionadas à tranquilização e sedação do mesmo durante o atendimento
odontológico.
Os estudos demonstram, de maneira geral, que participantes sob efeito de benzodiazepínicos tendem
a manifestar maior grau de colaboração comportamental às rotinas odontológicas, quando comprados a
grupos de controle que recebem placebo.
Seguindo a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS), no que se refere à tendência de
substituição de modelos médicos e organicistas de atendimento e intervenção em saúde por modelos
integrais de assistência, entende-se que a simples utilização de drogas, sem nenhum ou com. precário
cuidado com o manejo comportamental, não se viabiliza pela própria ineficiência. Aponta- se a importância
das estratégias de intervenção psicológica, concomitantes ao uso de estratégias farmacológicas,
visando o atendimento às necessidades biopsicossociais do paciente.

O manejo comportamental de crianças em tratamento odontológico

Kendrick (1999) aponta algumas medidas que poderiam contribuir para o desenvolvimento de um
sistema mais eficiente de atendimento em odontopediatria:
1) Posição do paciente: quando a criança for sentar-se na cadeira odontológica, é importante que ela
esteja na posição horizontal, com os pés levemente mais altos que a cabeça. O cirurgião-dentista
deve dar suporte à criança enquanto a cadeira é reclinada e a criança se ajeita. Para o seguimento
desta simples instrução, sem o uso de contenção física, exigir-se-á do profissional, habilidades de
comunicação e estratégias de convencimento (persuasão) da criança.
2) Comunicação Verbal: deve ser o grande instrumento do dentista para lidar com a criança, em especial
com aquelas que apresentam baixos índices de colaboração. O profissional deve falar com a criança
de forma clara e direta. Deve-se fazer uso de feedback, especialmente através de reforçamento
positivo de comportamentos da criança, quando uma pequena parte ou toda a instrução for seguida.
Vale ressaltar, ainda, que o profissional deve, sempre que possível, manter contato visual direto
enquanto fala com a criança, além de ser gentil, sem, no entanto, perder a autoridade. O profissional
deve utilizar uma linguagem compatível com o nível de compreensão da criança acerca dos
procedimentos a serem executados e suas etapas.
3) Procedimentos de distração: o profissional pode transformar os estímulos do consultório em elementos
de interesse da criança. Por exemplo, o tecido de borracha do isolamento absoluto pode virar a capa
de um super-herói. O consultório deve ser, preferencialmente, decorado com temas lúdicos que sejam
de interesse das crianças. É interessante manter livros, brinquedos ou miniaturas dos instrumentos
odontológicos para que a criança possa brincar e se familiarizar com as rotinas odontológicas.

Diante de algumas destas dificuldades, os profissionais podem utilizar técnicas psicológicas, de


orientação comportamental e cognitiva, com objetivo de exercer controle sobre o repertório de
comportamentos de pacientes em tratamento odontológico e acompanhantes, especialmente no que se refere
à aquisição de comportamentos colaborativos e adesão ao tratamento.

Modelação e dessensibilização

A modelação é procedimento no qual a criança assiste a um vídeo (ou slides, ou mesmo cenas
ao vivo) de uma outra criança que foi submetida a um procedimento odontológico semelhante àquele
que será executado nesta criança. Neste caso, desloca-se a atenção da criança para os comportamentos
colaborativos e não para o procedimento odontológico a ser executado.

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A dessensibilização consiste em procedimentos de aproximação sucessiva, nos quais o
profissional vai apresentando ao paciente, gradativamente, uma sequência de estímulos e/ou
situações organizados conforme uma hierarquia potencial de ameaça. Nestes casos, o paciente tem a
oportunidade de ser exposto a cada estímulo ou objeto e adaptar-se ao enfrentamento da condição. O
procedimento pode ser combinado com explicações prévias, oportunidades de manuseio de estímulos e
sistemas de relaxamento muscular e/ou respiratório.

Conte-mostre-faça

Um procedimento muito útil para determinados clientes que preferem ter controle total sob a situação a
que serão submetidos, é a combinação de estratégias de apresentação, nomeação, descrição e
demonstração (a estratégia de manejo identificada como conte, mostre e faça). Neste caso, o
odontopediatra apresenta os principais instrumentos que serão utilizados no tratamento, nomeia-os,
descreve e demonstra sua utilização à criança. Observa-se que a demonstração pode ser efetuada
verbalmente ou, ainda, em modelos de gesso, manequim ou vídeo. A apresentação dos instrumentos tem o
objetivo de reduzir a ansiedade da criança frente a uma situação desconhecida, evitando-se a geração de
temores e crenças disfuncionais. A cada passo do tratamento, a criança pode receber explicações detalhadas
sobre sua execução, desde que apresentadas de modo a que possam ser devidamente compreendidas pela
criança.

Reforçamento e fuga contingente

O odontólogo pode utilizar um procedimento de permissão de controle sobre o tratamento. Neste caso,
o profissional ensina a criança a informar (com algum tipo de sinal) quando estiver sentindo dor ou
algum desconforto com o tratamento. O dentista deve interromper a execução do tratamento frente ao
sinal da criança e demonstrar os progressos que a criança vem obtendo no que se refere ao
enfrentamento do tratamento. O objetivo desta estratégia é estimular a criança a superar, gradativamente
suas próprias realizações comportamentais, fazendo com ela perceba que mantém controle sobre as ações
do dentista.
A contingência de fuga consiste em interromper o tratamento por um curto intervalo de tempo, após
manifestações de colaboração no intuito de permitir que a criança descanse.

Relaxamento, distração e controle percebido

Observa-se que procedimentos de relaxamento muscular, efetuados imediatamente antes da


execução de um procedimento odontológico, podem ser úteis em produzir uma diminuição gradativa da
tensão muscular da criança, bem como maior autocontrole respiratório, reduzindo a agitação motora da
mesma durante o período de tratamento. O relaxamento muscular também pode ser pareado com
procedimentos de visualização cognitiva, nos quais a criança é convidada a criar estímulos mentais (imagens)
que se contraponham a estímulos produtores de ansiedade e medo.
De maneira geral, observa-se que os resultados destes trabalhos revelam uma tendência decrescente
na frequência de ocorrência de comportamentos de não-colaboração das crianças a partir da introdução de
estratégias de manejo comportamental. No entanto, nem sempre se obtém uma mudança estável nos
padrões de comportamentos das crianças ao longo do tratamento, o que permite afirmar que não
existem procedimentos psicológicos absolutamente eficazes no sentido de se extinguir as
manifestações comportamentais de não-colaboração ou se obter a adaptação completa da criança ao
tratamento.

Necessidades de pesquisas futuras

Sugere-se que as pesquisas em psicologia aplicada à odontologia possam ajudar a esclarecer a


interferência de variáveis psicossociais sobre o padrão comportamental não-colaborativo de pacientes ao
tratamento odontológico, incluindo a avaliação dos efeitos de estratégias de intervenção cognitivo-
comportamental e estratégias psicológicas combinadas à manipulação medicamentosa.
Por meio de métodos psicológicos, farmacológicos ou mistos, o objetivo primordial do cirurgião-
dentista deveria incluir a disponibilidade de um atendimento integral ao paciente, considerando não apenas a
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eficiência técnica, mas, também, se empenhando para proporcionar um alto grau de bem-estar emocional ao
paciente.

Cepae: uma experiência em atenção multidisciplinar ao paciente infantil

A formação de profissionais de saúde preparados para lidar com problemas comportamentais,


decorrentes de experiências adversas ou inerentes à faixa etária, tem sido o foco de atenção do Centro de
Pesquisa e Atendimento Odontológico para Pacientes Especiais — Cepae, uma extensão da área de
Psicologia Aplicada da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). O Cepae iniciou suas atividades em agosto de 1993, tendo como principais objetivos: (a) o
trabalho na interface odontologia-psicologia; (b) o estudo das possibilidades de interação entre pesquisa
científica e serviços profissionais; (c) a prevenção precoce de doenças bucais; e (d) a crescente capacitação
de profissionais de odontologia e outras áreas de saúde para a produção do conhecimento e atuação junto ao
paciente.
O trabalho do Cepae possibilita que as crianças, não somente atinjam a idade de receber alta (60
meses), livres de cárie e de outras doenças bucais, mas, também, tenham oportunidade de aprender,
precocemente, comportamentos e crenças de saúde. Ao mesmo tempo, as crianças aprendem a se
relacionar com os profissionais de saúde, cru um ambiente humanizado e ecologicamente controlado, o que
lhes permite formar uma imagem positiva dos hábitos e cuidados com a saúde em geral.

Exercícios

1) No atendimento psicológico em ambiente pediátrico, o psicólogo deve:


a) Criar trabalho que assegure seu lugar
b) Transcender ao modelo clínico individual
c) Fazer intervenções grupais
d) Trabalhar junto aos pais

2) A inserção do psicólogo nos serviços de assistência pediátrica hospitalar, iniciada no Brasil na década
de :
a) 1990
b) 1980
c) 1970
d) 1960

3) São considerados fatores de proteção à infância:


a) prematuridade
b) uso de punição física
c) psicopatologia parental
d) acesso aos serviços de saúde

4) No Brasil, de acordo com Marques (2001), a implantação dos programas de internação conjunta teve
iniciativas isoladas desde 1969. Observa-se uma tendência na ampliação do foco de atenção hospitalar
pediátrica da criança para a mãe e/ou acompanhante, e deste para a família, a rede de apoio familiar e
social. Um dos avanços e termos de direitos para ser acompanhado é representado pelo:
a) Estatuto da Criança e do Adolescente
b) A entrada do psicólogo em serviços pediátricos
c) A constituição de 1988
d) O código de menores

5) As doenças que acometem crianças, e tornam necessária a hospitalização, podem ser agudas ou
crônicas. Ainda dentro das patologias que necessitam internação encontram-se as:
a) doenças de evolução incerta
b) doenças infecto-contagiosas
c) doenças do neonato

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d) doenças relacionadas ao âmbito da saúde mental

6) A atuação do psicólogo no contexto hospitalar implica um enquadramento específico. A duração do


processo de intervenção psicológica hospitalar está atrelada e delimitada:
a) pelas características da doença
b) pela duração do tratamento médico
c) pela cooperação dos pais
d) pela equipe multiprofissional

7) Uma importante técnica utilizada para o psicodiagnóstico da criança no hospital é:


a) a entrevista lúdica
b) a o uso de testes projetivos
c) a psicoterapia breve
d) o trabalho em grupos operativos

8) O ideal na organização dos grupos de atendimento aos pais é que eles sejam divididos em grupo de
pais e grupo de acompanhantes. Enquanto o grupo de pais seria destinado a discutir a criança doente
e seu contexto, o grupo de acompanhantes destinar-se-ia ao:
a) atendimento compulsório aos familiares
b) atendimento conjunto com o médico
c) atendimento de aspectos relativos ao atendimento de familiares
d) atendimento em grupos de reflexão

9) Contar abertamente o prognóstico, também, impossibilita a criança de utilizar determinado mecanismo


de defesa ao qual recorre frequentemente, podendo levar ao desamparo, por tirar qualquer esperança.
Tal mecanismo é:
a) controle onipotente
b) negação
c) defesas manácas
d) clivagem

10) O cuidado desenvolvimental precoce do bebê deve necessariamente incluir o suporte psicológico às
mães, a fim de ativar mecanismos de proteção para neutralizar emoções maternas negativas e
promover a adequada interação mãe-bebê. O impacto do nascimento e da internação do bebê
prematuro pode causar às mães:
a) discrepância entre bebê real e bebê imaginário
b) dificuldades na percepção do bebê
c) dificuldades para amentar
d) dificuldades no relacionamento com os companheiros

11) (Residência Multiprofissional UFRJ 2015/2016) Segundo Crepaldi e colaboradores (2006), o trabalho do
psicólogo em unidades hospitalares pediátricas se baseia em um cuidado assistencial dirigido à criança e/ou
ao adolescente, seu acompanhante e família, além da equipe de profissionais de saúde. Entretanto, para
que essa assistência seja adequada, o psicólogo deve planejar sua intervenção com base no conhecimento
da realidade especifica e nas demandas da unidade em que irá trabalhar. Para tal, ele deve realizar um
diagnóstico:

a) Familiar
b) Institucional
c) Terapêutico
d) Diferencial

12) Consiste(m) no principal instrumento para a familiarização do psicólogo com o contexto institucional:
a) Interconsulta médico-psicológica
b) Psicodiagnóstico
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c) Técnicas de observação
d) Teorias e técnicas de psicoterapia infantil

13) Pode ocorrer em Hospitais em que não há psicólogos contratados em todas as unidades de internação.
Nesta atividade o psicólogo realiza um levantamento de dados, através de entrevistas com familiares, equipe
e paciente, bem como a análise do contexto de internação. Esta descrição refere-se á (ao)
a) Interconsulta médico-psicológica
b) Psicodiagnóstico
c) Diagnóstico institucional
d) Psicoterapia breve

14) A preparação psicológica da criança e dos pais para cirurgias e procedimentos invasivos é fundamental,
pois lhes possibilita:
a) descrição e informação sobre onde e o que será realizado.
b) incluir o acompanhante e demais familiares, ou ser realizada em separado com eles, além de se
oferecer apoio e acompanhá-los durante sua realização
c) alívio de ansiedades no pré e pós-cirúrgico, devido à impossibilidade de expressão de sentimentos,
insegurança, medos quanto à anestesia e a morte
d) Certo grau de controle sobre o desconhecido que a situação cirúrgica representa

15) Um aspecto que deve ser considerado no trabalho do psicólogo em hospitais e unidades pediátricas diz
respeito à necessidade de integrar-se ao trabalho:
a) Interdisciplinar
b) Multidisciplinar
c) Uniprofissional
d) Bipessoal

16) assinale a alternativa INCORRRTA:


a) A infância é um período do desenvolvimento humano em que as mudanças acontecem de modo rápido e
perceptível, especialmente na chamada terceira infância, que corresponde às idades de 6 a 12 anos, ocorrem
importantes aquisições motoras e cognitivas.
b) O câncer infantil é considerado uma doença crônica cujo tratamento caracteriza-se por ser prolongado,
demandando um tempo considerável de hospitalização e expondo a criança a procedimentos invasivos e
desagradáveis, tanto física quanto emocionalmente.
c) “Estratégias de enfrentamento” é um termo traduzido do inglês coping, definido por Antoniazzi e cols.
como: “(...) o conjunto de estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas”.
Quando a situação a ser enfrentada é avaliada como suscetível à mudança, constituindo-se um esforço para atuar
na situação que originou o estress classifica-se como coping focalizado no problema.
d) Diante de um estressor, deve ser questionado se a resposta apresentada pela criança é intencional ou não.
Em caso afirmativo, o comportamento se caracteriza como uma resposta de coping e, caso contrário, trata-se
de uma resposta de stress.

GABARITO
1B 2C 3D 4A 5C 6B 7A 8C 9B 10 A
11 B 12 C 13 A 14 D 15 A 16 C

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