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Maria Helena Michels

Gestão, formação docente e inclusão:


eixos da reforma educacional brasileira que
atribuem contornos à organização escolar

Maria Helena Michels


Universidade Federal de Santa Catarina,
Departamento de Estudos Especializados em Educação

Introdução [...] as escolas são formas sociais que ampliam as capacida-


des humanas, a fim de habilitar as pessoas a intervir na
O presente trabalho tem como tema a organiza- formação de suas próprias subjetividades e a serem capa-
ção escolar a partir da reforma educacional brasileira zes de exercer poder com vistas a transformar as condições
nos anos de 1990. O objetivo principal é discutir as ideológicas e materiais de dominação em práticas que pro-
formas organizativas que a política educacional atual movam o fortalecimento do poder social e demonstrem as
indica à escola. Para tanto, parto da hipótese de que a possibilidades de democracia.
atual proposição política para a educação se sustenta
em três eixos, quais sejam, gestão, formação de pro- Ao mesmo tempo, a escola assume potencialmen-
fessores e inclusão, que, articulados entre si, atribuem te o papel de transformar a sociedade. Portanto, ela é
à escola uma nova organização. produto e produtora das relações sociais. Então, que
Para discutir tais questões faz-se premente apre- papel vem sendo desempenhado por ela no atual mo-
sentar, ainda que brevemente, o papel que a escola mento histórico?
desempenha hoje na sociedade. Compreendo que a
escola, como parte constituinte da sociedade moder- Segundo Paro (2001, p. 10),
na, assume papel relevante na consolidação de deter-
minados “ traços” sociais. Não há dúvida de que podemos pensar na escola como
A instituição escolar pode ser compreendida instituição que pode contribuir para a transformação so-
como um espaço social privilegiado onde, concomi- cial. Mas, uma coisa é falar de suas potencialidades... uma
tantemente, são socializados saberes sistematizados coisa é falar “ em tese”, falar daquilo que a escola poderia
e transmitidos valores por ela legitimados. Para Giroux ser. [...] outra coisa bem diferente é considerar que a escola
e Simon (1995, p. 95), que aí está já esteja cumprindo essa função. Infelizmente

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Gestão, formação docente e inclusão

essa escola é sim reprodutora de certa ideologia dominan- Na gestão, observa-se o destaque dado à descen-
te... é sim negadora dos valores dominados e mera tralização. A escola passa a ser o “ foco” da gestão
chanceladora da injustiça social, na medida em que recoloca administrativa e financeira, sendo responsabilizada
as pessoas nos lugares reservados pelas relações que se dão pelo sucesso ou fracasso dessa política.
no âmbito da estrutura econômica. Nessa perspectiva, os professores são considera-
dos os gestores da educação e da escola. Sua forma-
Contudo, além das funções política e social as- ção deve adquirir caráter prático e instrumental. E uma
sumidas pela escola, faz-se necessário explicitar que das tarefas destinadas a esses sujeitos é a inclusão
estas são “ atravessadas pelos interesses das classes dos alunos que historicamente foram excluídos da
sociais” (Vieira, 2000, p. 130). As instituições de en- escola.
sino selecionam e privilegiam determinados saberes A inclusão, então, aparece como propulsora de
em detrimento de outros, em que valores, normas e uma nova visão da escola. Agora sob a narrativa do
costumes respondem, pela ótica de Bourdieu e respeito às diferenças, oportuniza-se educação dife-
Passeron (1992), aos interesses de grupos e classes rente para “ compensar” as diferenças sociais.
dominantes. Tais classes selecionam os saberes que
devem ser transmitidos às gerações mais novas (apre- A reforma e a organização escolar
goados na escola por meio do currículo prescrito e do
currículo oculto); expressam a maneira muitas vezes A atual reforma educacional, que se inicia no
desigual pela qual a escola deve organizar-se para Brasil nos anos de 1990, tem como um de seus mar-
atender as diferentes crianças, jovens e adultos; de- cos a elaboração do Plano Decenal de Educação (pre-
terminam as distintas escolas para diferentes pessoas, visto para vigorar de 1993 a 2003). Este plano deri-
entre outros pontos que fazem da escola uma institui- vou da Conferência Mundial sobre Educação para
ção com possibilidades e limites para transformar a Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990.
sociedade. Outros eventos e seus respectivos documentos pas-
Como veremos mais adiante, a escola hoje é sam a indicar a necessária reforma educacional brasi-
conclamada a ser democrática, “ para todos”, uma es- leira. Percebe-se, nesse movimento, a influência de
cola inclusiva. Porém, se não levarmos em conside- organismos internacionais na proposição política para
ração os aspectos apresentados anteriormente, corre- a educação nacional.1 Para Torres (1996), o Banco
mos o risco de fazer uma análise ingênua sobre seu Mundial destaca-se entre as várias agências ao apre-
papel social. sentar uma proposta articulada em relação à educa-
Desta maneira, para estudar a escola e sua orga- ção nos países em desenvolvimento que abrange “ das
nização, faz-se necessário relacioná-la aos aspectos macropolíticas até a sala de aula” (p.126).
mais amplos da sociedade como, por exemplo, a eco- Entretanto, isso não significa a assimilação
nomia e a política, sem perder de vista a troca exis- passiva dos preceitos internacionais, pois, segundo
tente entre esses elementos e o cotidiano escolar. Ozga (2000), a política educacional constitui-se em
Levando em conta tais considerações, parto da um “ terreno de contestação”. E, como já afirmamos
compreensão de que a atual reforma educacional se (Michels, 2004, p. 44), é nesse terreno que
esforça para promover mudanças, porém não propõe
a transformação da própria escola, uma vez que man-
tém as relações já existentes. Podemos pressupor que 1
Sobre a influência de organismos internacionais na refor-
os três eixos indicados anteriormente como organiza- ma educacional, ver Tommasi, Warde e Haddad (1996), Warde
dores da reforma em curso atribuem contornos à nova (1998), Fonseca (1995), Shiroma, Moraes e Evangelista (2000),
organização escolar, sem mudar a sua essência. entre outros.

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[...] os sujeitos envolvidos não tomam a política como contrário, relacionam-se de maneira intrínseca à rea-
algo pronto e acabado. Ao contrário, por mais que as legis- lidade social mais ampla. Nesta perspectiva, as mu-
lações e as normas instituídas conformem práticas, estas danças que ocorrem na sociedade buscam na educa-
serão apreendidas por sujeitos que darão vida a estes enca- ção um alicerce.
minhamentos políticos. Os sujeitos envolvidos entendem As reformas sociais em curso propõem mudan-
as indicações políticas de maneira distinta, conforme suas ças em relação a diferentes aspectos. Um deles diz
vivências, seus interesses, sua organização profissional, respeito à reforma do Estado. Para a manutenção do
entre outros. Cada instituição educacional acaba por “ im- capitalismo, o neoliberalismo (ou neoconservadoris-
plementar” as políticas à sua maneira [...]. mo) vem propondo modificações em relação ao pa-
pel que o Estado deve desempenhar. Este deixa de ser
É no embate entre a proposição política e o coti- um “ Estado intervencionista” e de bem-estar (lem-
diano da escola que esta vai constituindo-se e organi- brando que este último não se consolidou no Brasil
zando-se. É justamente nessa relação que se faz im- de maneira efetiva) para constituir-se em um “ Estado
portante refletir sobre a política educacional em curso regulador”.
e o papel atribuído à educação e à escola no Brasil. O Estado, até então burocratizado e maximizado
As reformulações apresentadas nessa reforma como provedor, cede lugar a um Estado mínimo para
educacional atingem a organização da educação bra- prover, mas máximo para regular e gerenciar. Essa
sileira, principalmente a partir da lei n. 9.394/96 (Lei indicação do novo papel do Estado coloca a necessi-
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – dade de a sociedade civil organizar-se para prover o
LDBEN).2 Com esta lei, segundo seu artigo 21, “ A que o Estado abandona e pelo que não mais se res-
educação escolar compõe-se de: I – educação básica, ponsabiliza. Este último, porém, regula/gerencia o que
formada pela educação infantil, ensino fundamental a sociedade civil oferece.
e ensino médio; II – educação superior”. Constituem Em relação à educação, e especificamente sobre
ainda a educação básica a educação de jovens e adul- o trabalho na escola, a mudança no papel do Estado
tos e a educação profissional. A educação especial é pode ser pensada por, no mínimo, dois pontos:
reconhecida no artigo 58 como “ modalidade de edu-
cação escolar oferecida preferencialmente na rede a) o Estado retrai-se na provisão, destacando o
regular de ensino, para educandos portadores de ne- papel da unidade escolar como responsável
cessidades especiais” (Brasil, 1996). pela educação das crianças, jovens e adultos,
Por compreender a política educacional como mas mantendo o controle do que é feito pela
uma política pública, considero que, por meio dela, escola por meio da avaliação (SAEB – Siste-
os governos definem, organizam, materializam mu- ma de Avaliação da Educação Básica,
danças para a área em questão.3 Porém, as políticas ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio,
educacionais não estão sozinhas na sociedade. Ao ENC – Exame Nacional de Cursos);
b) a retirada do Estado como provedor se dá me-
2
Faz-se importante considerar que tanto a LDBEN como o diante a entrada da sociedade civil nas unida-
Plano Nacional de Educação contaram com disputas de diferentes des escolares para auxiliar na resolução de pro-
projetos. Em ambos os casos, os conservadores e privatistas saí- blemas, principalmente por meio de programas
ram vencedores. como, por exemplo, o Programa Amigos da
3
Para efeito deste artigo, entendo “ política pública” como Escola e o Programa Adote um Aluno.
a “ materialidade” da intervenção do Estado ou, em outras pala-
vras, os recursos disponíveis pelo Estado para materializar defini- Tais pontos indicam que a mudança no papel do
ções e encaminhamentos para a sociedade (Azevedo, 1997). Estado leva a alterações nas relações dentro da esco-

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Gestão, formação docente e inclusão

la, com a entrada nesse espaço de pessoas a desempe- municípios cuja gestão era de oposição ao governo
nharem funções que historicamente cabiam aos pro- federal, experiências de organização de escolas em
fessores; com o controle do que é trabalhado dentro ciclos. Tais experiências foram apreendidas pela po-
de sala de aula, com base nos resultados que os alu- lítica educacional, sem, no entanto, provocar mudan-
nos apresentam nas avaliações externas ao processo ças significativas no interior da escola.
ensino-aprendizagem; com a necessária articulação Se, por um lado, a organização por série tem como
entre escola e comunidade, porém agora com esta úl- um de seus principais problemas a rigidez de tempo,
tima sendo chamada a “ resolver”, juntamente com a do currículo e da avaliação, que levam a altos índices
escola, os problemas mais imediatos (principalmente de fracasso na escola e a conseqüente evasão, por outro
os relacionados à manutenção financeira da escola). lado, a organização por ciclos flexibiliza o tempo, o
Autores como Ferraro (1999), Ferraro e Macha- currículo e a avaliação durante o período do ciclo.
do (2002) e Freitas (2004; 2002) vêm mostrando em Mas no término de cada ciclo essa inflexibilidade
seus estudos que, a partir dos anos de 1990, se por um reassume o processo ensino-aprendizagem, levando,
lado tem ocorrido um aumento no número de matrí- em muitos casos, ao fracasso. Outro ponto a ser des-
culas no ensino fundamental, por outro há uma queda tacado é o de que se flexibilizam tanto os componen-
de desempenho dos alunos desse nível de ensino. tes do processo ensino-aprendizagem que se acaba
Objetivando universalizar o ensino fundamental, por proporcionar educação diferente para pessoas di-
a atual reforma educacional brasileira imprimiu algu- ferentes.
mas alterações no processo ensino-aprendizagem, Para Correia (2004, p. 13),
modificando, por exemplo, a organização do tempo
da escola. Na realidade, ao promover o elogio incontrolado da
Conforme Freitas (2004, p. 4), “ [...] em 2002 o flexibilidade organizacional como a única alternativa
censo escolar nacional indicava a existência de 82% credível à intervenção homogeneizante e burocrática do
de escolas organizadas em séries, 10,9% organizadas Estado e ao eleger a flexibilidade curricular como norma
unicamente em ciclos e 8,5% organizadas em séries e capaz, de per si, assegurar o ajustamento da acção educati-
ciclos”. va às necessidades diversificadas dos seus destinatários, e
Como se pode observar, a seriação é a maneira não cuidando, portanto, dos efeitos sociais induzidos por
mais usual de organizar a escola e, ao mesmo tempo, estes dois preceitos, a “ ideologia da inclusão” é particular-
tal organização vem sendo alvo de críticas por, prin- mente insensível aos efeitos de hierarquização de que ela é
cipalmente, excluir de seu sistema um contingente responsável.
muito grande de alunos, sobretudo aqueles das clas-
ses populares. Podemos, nessa lógica, cair na armadilha segun-
Com um currículo rígido e uma avaliação cen- do a qual, em nome do respeito à diferença, os alunos
trada nos resultados, as escolas seriadas vêm dando sejam excluídos de seu direito ao conhecimento.
mostra de sua incapacidade para ensinar muitas crian- Para Freitas (2004, p. 22),
ças e jovens que, não se adaptando aos modelos rígi-
dos impostos por essa instituição, ou não chegam à Pode-se dizer que quanto mais se falou em inclusão
escola ou dela se evadem após anos de “ insucesso”.4 mais se legitimou a exclusão social construída previamente
Baseando-se na crítica à rigidez da escola seria- à escolarização, por um mecanismo dissimulatório de in-
da, iniciaram-se no Brasil, principalmente em alguns clusão formal na escola que transmutou a exclusão escolar
objetiva (repetência, evasão) em exclusão escolar subjeti-
va (auto-exclusão entre ciclos, “ opções” por trilhas de pro-
4
A este respeito, ver Ferraro (1999) e Freitas (2002). gressão menos privilegiadas, trânsito formal sem domínio

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real), a partir dos horizontes e possibilidades de classe pre- realizado por técnicos capacitados, mas no mercado, nas
viamente interiorizados pelas condições objetivas de vida relações de competitividade, únicas capazes de instaurar a
na sociedade. excelência em espaços antes dominados pelo paternalismo
ineficiente.
Esse mesmo autor nos indica que “ Parece que
estamos diante de um fenômeno antigo e resistente” Na reforma educacional, esse planejamento apre-
(idem, p. 18), pois a escola não conseguiu superar o senta-se de maneira flexibilizada, indicando um novo
problema que historicamente está posto para ela, qual modelo de gestão do ensino público. Agora descen-
seja, ensinar todas as crianças e jovens. O papel que o tralizada, a gestão deve assumir uma forma mais fle-
Estado vem desempenhando, então, é o de consolidar xível e participativa.
as desigualdades sociais por meio da escola. A flexibilização como marca desses modelos da
Nesta relação podemos inferir que a reforma edu- gestão
cacional no Brasil perpassa por alguns pontos cruciais
como a gestão, o financiamento, a avaliação, a for- [...] se por um lado incorpora antigas conquistas dos
mação de professores, o currículo, a inclusão. Para movimentos organizados e das resistências dos trabalhado-
efeito deste estudo, passaremos a analisar três desses res às formas capitalistas de organização e gestão do traba-
pontos que se apresentam de maneira fulcral para o lho, por outro, o fazem atribuindo-lhes novos significados,
debate em torno da reforma e da organização da edu- o que faz com que tenham na aparência conteúdos mais
cação no Brasil: a gestão, a formação de professores consensuais, mas na sua prática efetiva conservem pressu-
e a inclusão. postos autoritários. (idem, p. 95-96)

Organização escolar: a gestão, Nessa perspectiva, o processo de municipaliza-


a formação docente e a inclusão ção, presente não somente na política educacional mas
em praticamente toda a área social, assume lugar de
A gestão como organizadora destaque. Rosar (2002, p. 136) alerta para o fato de
da educação e da escola que

A reforma educacional iniciada no Brasil nos anos As evidências, ao longo das últimas décadas, em ter-
de 1990 assume a racionalidade administrativa como mos do funcionamento do sistema educacional, permitem
paradigma. Para Oliveira (2000, p. 331), “ as refor- avaliar que o processo de descentralização pela via da
mas educacionais dos anos 90 apresentam como seu municipalização, induzida pelo governo federal, produziu
principal traço a tentativa de ‘modernização’ admi- um efeito desagregador das redes municipais, afetando di-
nistrativa do aparato público”. retamente a expansão e a qualidade do ensino.
Tendo por base a crítica ao modelo centralizado
de planejamento, a reforma de Estado iniciada no Sem sombra de dúvida, a municipalização vem
Brasil nos anos de 1990 vem substituindo o planeja- sendo utilizada pelo governo federal muito mais como
mento centralizado pela flexibilização da gestão. De um processo que possibilita à União o repasse do en-
acordo com Oliveira (2002, p. 87-88), cargo sobre a educação básica. Para Portela de Oli-
veira (2002), “ a municipalização é, certamente, a
Contra o planejamento centralizado em mãos de tec- transferência de encargos de uma esfera à outra, mas
nocratas, contrapõe-se o poder local das comunidades, an- isso não significa, necessariamente, um processo de
tes ignoradas pelos planejadores. As soluções buscadas pa- ‘democratização’, sentido com o qual é positivamen-
recem não mais ancorar-se no planejamento centralizado, te percebido pelo senso comum”.

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Gestão, formação docente e inclusão

Nessa linha de raciocínio, a escola passa a ser o tão”, ou seja, divide a responsabilidade de prover a
“ foco” da gestão administrativa e financeira. Para educação com a sociedade civil. Mas não abre mão
Oliveira (2000, p. 95-96), de definir como deve ser conduzida a educação da
maioria da população brasileira. Este modelo de ges-
A lógica assumida pelas reformas estruturais que a tão mantém o planejamento e o controle dos resulta-
educação pública vai viver no Brasil em todos os âmbitos dos no poder central. Ao mesmo tempo, descentraliza
(administrativo, financeiro, pedagógico) e níveis (básica e a administração da implementação das propostas com
superior) tem um mesmo vetor. Os conceitos de produtivi- as unidades escolares e sua comunidade. Para Olivei-
dade, eficácia, excelência e eficiência serão importados das ra (2004), essa estratégia leva a escola a conseguir
teorias administrativas para as teorias pedagógicas. complementar seu orçamento com recursos oriundos
de sua própria comunidade.
Salienta-se que a busca por autonomia pedagó- Com a indicação de que o problema financeiro
gica das escolas públicas foi uma luta constante da da educação se centrava na utilização dos recursos a
comunidade escolar, das organizações representati- ela destinados, e não no seu montante, o Estado pro-
vas dos profissionais da educação, de intelectuais de põe uma gestão compartilhada dos investimentos. Tal
esquerda, entre outros, principalmente nos anos de gestão possibilita a captação de recursos e, simulta-
1970-1980. Buscava-se, naquele momento, a autono- neamente, promove o envolvimento da sociedade ci-
mia escolar para a construção dos projetos político- vil no cotidiano da escola.
pedagógicos. Em nome dessa “ autonomia”, a política Nessa perspectiva, o modelo de gestão indica-
educacional propõe a gestão escolar, descentralizan- do pelo Estado necessita da “ ideologia inclusiva”, da
do não a proposta educacional, mas a sua administra- qual nos fala Correia (2004), para dar conta da manu-
ção e seu financiamento. tenção da escola. Com o discurso de incluir todos os
Atrelada a critérios de produtividade, a reforma segmentos da sociedade na tarefa de educar as futu-
educacional atribui significativa relevância aos pro- ras gerações, o governo repassa a responsabilidade
cessos avaliativos, que continuam centralizados na dessa educação aos seus próprios beneficiários.
União. Desta maneira, podemos pensar que essa pro- Essas mudanças relacionadas à gestão chegam à
posta de gestão articula financiamento e avaliação escola e alteram sua organização e seu cotidiano. Na
como principais instrumentos (Oliveira, 2000). Para atualidade, a proposição tem sido descentralizar até
essa autora, chegar à escola. Nessa perspectiva, centra-se na uni-
dade escolar a responsabilidade em “ gerenciar” os
[...] as reivindicações por maior autonomia para as problemas que esta e a comunidade ao seu entorno
escolas têm sido respondidas pelo Estado como possibili- apresentam.
dade de descentralização administrativa e financeira. A au- Partindo dessa perspectiva, faz-se necessário que
tonomia pedagógica, compreendida como liberdade de cada os profissionais da educação, principalmente os pro-
escola construir o seu projeto pedagógico, tem caráter limi- fessores, assumam a função de gestores da educação.
tado já que, em muitos casos, tais projetos são elaborados Para tanto, tornou-se imperativo a focalização na for-
de acordo com critérios de produtividade definidos previa- mação desse profissional.
mente pelos órgãos centrais e garantidos pelos processos
de avaliação. (p. 104) O professor como “elo” de ligação entre a
escola e a sociedade, e a sua formação
Com uma narrativa articulada à democratização
da educação, o governo brasileiro vem fazendo o que Um outro ponto fulcral da reforma educacional
Melo (2000, p. 246) denomina “ compartilhar a ges- em foco está colocado sobre o sujeito que é visto como

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o elo de ligação dessa política com a sociedade, qual A aprovação desta lei fez permanecer a ambi-
seja, o professor. güidade quanto ao nível da formação: em nível médio
Em vários documentos internacionais está des- ou nível superior para os professores da educação in-
tacada a importância do papel dos professores para fantil e séries iniciais do ensino fundamental.5 Essa
responderem às demandas das “ novas” tarefas da edu- formação permanece na “ eterna transitoriedade”,
cação. A falta de preparo dos professores brasileiros como nos indica Carvalho (1997), ou seja, a forma-
é apontada, pelos órgãos oficiais, como uma das cau- ção de professores ocorrerá em nível superior quando
sas mais relevantes do insucesso escolar dos alunos. houver condição para tal. Caso contrário, seja qual
Documento do Banco Mundial (1995) ressalta for a razão, essa formação poderá continuar ocorren-
que a formação em serviço é uma estratégia eficaz do no ensino médio.
para melhorar o conhecimento dos professores e, prin- Quanto ao locus de formação, podemos obser-
cipalmente, diminui o custo dessa preparação. Com var no artigo 62 da LDBEN que esta poderá ocorrer
tal indicação, essa agência conota à educação caráter tanto nas universidades (em cursos de licenciatura
economicista e impõe uma visão utilitarista e frag- plena) como nos institutos superiores de educação.
mentada para a formação. A Comissão Econômica Para essa lei (artigo 63):
para a América Latina e o Caribe (CEPAL) também
destaca a educação à distância como a forma mais Os institutos superiores de educação manterão:
apropriada de formar os docentes. I – cursos formadores de profissionais para a educação
básica, inclusive o curso normal superior, destinado
A maneira mais rápida e eficaz de melhorar a capaci- à formação de docentes para a educação infantil e
dade profissional dos professores é realizar programas es- para as primeiras séries do ensino fundamental;
peciais de capacitação docente, de fácil acesso, associados II – programas de formação pedagógica para portadores
a adequado esquema de incentivos. Um bom exemplo seria de diplomas de educação superior que queiram se
um programa de educação à distância combinado com ser- dedicar à educação básica;
viços de assessoria profissional, como parte de um plano III – programas de educação continuada para os profis-
de estudos que leve à obtenção de certificado profissional. sionais de educação dos diversos níveis. (Brasil, 1996)
(CEPAL/UNESCO, 1995, p. 259)
Porém, após a promulgação da referida lei, o go-
Tais proposições internacionais estão fortemen- verno federal anuncia em 1999 o decreto n. 3.276, que
te presentes no projeto de formação de professores atribui, em seu artigo 3º, parágrafo II, aos cursos nor-
apresentado pelo governo brasileiro. A formação do- mais superiores, dos institutos superiores de educação,
cente ganha destaque na política educacional, princi- exclusividade na formação de professores para a edu-
palmente a partir da promulgação das novas diretri- cação infantil e séries iniciais do ensino fundamental.
zes e bases da educação nacional (LDBEN, lei Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2000, p. 102),
n. 9.394/96), cujo artigo 62 preconiza que esta deva
ocorrer [...] o curso de pedagogia perdeu a prerrogativa de
formar o professor. Por decorrência, como reza o decreto,
[...] em nível superior, em cursos de licenciatura, de os centros, institutos, setores ou faculdades de educação
graduação plena, em universidades e institutos superiores são estimulados a oferecer cursos normais superiores e a
de educação, admitida como formação mínima para o exer-
cício do magistério na educação infantil e nas quatro pri-
meiras séries do ensino fundamental, e oferecida em nível 5
Em outro momento (Michels, 2004), estudei mais detida-
médio, na modalidade normal. (Brasil, 1996) mente o caráter ambíguo da formação de professores.

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Gestão, formação docente e inclusão

abandonar a formação docente em curso de pedagogia. Esse, mação de professores, quando possibilita dois âmbitos
a continuar existindo como previsto no art. 64 da LDBEN, acadêmicos distintos de formação, reforça que esta
deverá dedicar-se ao preparo de especialistas, particular- ocorra no nível mais baixo – no caso, no nível médio.
mente gestores educacionais [...]. Nos anos finais da década de 1990, assistimos a
um aumento na procura pelos cursos de pedagogia.
Com este decreto, a indefinição quanto à forma- Para Campos (2004, p. 26-27), essa procura
ção de professores e/ou de especialistas no curso de
pedagogia parece ter sido solucionada. Entretanto, [...] estimulou secretarias estaduais de educação a for-
algumas regulamentações atreladas à LDBEN vão mulação de convênio com instituições, públicas e privadas,
reforçar essa imprecisão, como veremos a seguir. Para que por meio de programas especiais, em formatos variados
Scheibe (2003), desde a promulgação, em 1996, da – modular, parcelado, telepresencial à distância – , dedica-
atual LDBEN, operou-se uma distinção entre a for- ram-se à formação para as séries iniciais do ensino funda-
mação em nível universitário e a formação em nível mental. De acordo com o Relatório Final da Comissão As-
não-universitário. sessora para a Educação Superior à Distância (MEC/EAD,
No ano 2000, com o decreto presidencial n. 3.554, 2002), “ estima-se que essa exigência legal tenha motivado
e em 2001, por meio do parecer do Conselho Nacio- uma demanda pontual da ordem de 700 mil vagas”.
nal de Educação (CNE) n. 133, o governo brasileiro
indica que a formação dos professores poderia ocor- Em grande medida, essa procura está associada
rer nos cursos normais superiores e também nas uni- à promulgação da nova LDBEN, que indicava, nas
versidades.6 Desta maneira, explicitou-se ainda mais disposições transitórias, que a partir de 2007 todos os
a indefinição quanto ao locus de formação desses pro- professores deveriam ter curso superior ou ser forma-
fessores. Ou seja, no Brasil, hoje, os professores das dos em serviço.7 Mas, por meio do parecer 01/03 do
séries iniciais do ensino fundamental e das modalida- CNE, indicou-se que houve uma leitura equivocada
des de ensino podem ser formados tanto nos institu- dessa lei e que, para os professores já em exercício,
tos normais superiores como nos cursos de pedago- não haveria a obrigatoriedade dessa formação em ní-
gia das universidades, além, é claro, da formação em vel superior.
nível médio. Em 2006, o CNE aprova a Resolução n. 1, que
Scheibe (2003, p. 8) afirma que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia – Licenciatura (Brasil, 2006), na
Normatizou-se uma hierarquia no interior do ensino qual se observa desde a permanência de ambigüida-
superior e certamente não por acaso, estabeleceu-se como des na formação até a centralidade do saber-fazer na
local preferencial para a formação dos docentes o nível mais sua proposição. Tal centralidade indica a influência
baixo dessa hierarquia, uma solução que, independentemen- dos ditames dos organismos internacionais na pers-
te do setor ao qual se vincula (pública, particular, comuni- pectiva da formação desse profissional.
tária), deverá ser a mais barata em todos os sentidos. Para dar ênfase ao papel do professor sem deixá-
lo participar efetivamente das proposições, o gover-
Essa hierarquização no processo de formação do-
cente propicia a compreensão de que a política de for-

7
Lei n. 9.394/96, título IX, “ Das Disposições Transitóri-
6
Essa substituição ocorre, em grande medida, pelas pres- as”, artigo 87, parágrafo 4o: “ Até o fim da Década da Educação
sões advindas das universidades, especificamente dos cursos de somente serão admitidos professores habilitados em nível supe-
pedagogia. rior ou formados por treinamento em serviço” (Brasil, 1996).

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no aponta algumas iniciativas para a formação de trada na “ prática” do professor. Isso poderia ser en-
professores que podem ser sintetizadas em: flexibiliza- tendido como um “ avanço” em relação a outras re-
ção da formação; as competências a serem desenvol- formas educacionais do país. Contudo, tal centralida-
vidas; o aprender a aprender; atendimento à diversi- de aparece desvinculada da reflexão. Para Shiroma e
dade; centralidade da prática do professor, entre outras. Evangelista (2003, p. 89),
No que concerne à flexibilização, por exemplo,
está expressa no locus, no nível de ensino em que a O cinismo da reforma está em que, ao mesmo tempo
formação pode ocorrer e na modalidade em que será em que visa retirar a reflexão crítica da formação docente,
oferecida. Quanto ao locus, como já apontamos, po- anuncia como meta produzir o professor capaz de refletir
dem-se formar professores nas universidades ou nos sobre sua prática, conduzindo grande parte de nós a consi-
institutos normais superiores. Ao mesmo tempo, essa derar que de fato isso se realizaria. Quais os efeitos dessa
formação pode ocorrer em nível superior ou no ensi- declaração? Pode-se sugerir que a reflexão, oferecida em
no médio (conforme a própria LDBEN), a depender abundância no plano discursivo, dificilmente se iria tornar
das condições existentes para tal (Michels, 2004); e objeto de reivindicação.
ainda poderá ser oferecida por meio da formação em
serviço ou do ensino à distância, ou, ainda, presencial. Além disso, podemos pensar que o que chamáva-
Essa dicotomia da proposta de formação expres- mos, no Brasil, de formação de professores aparece
sa uma política binária e não relacional (Torres, 1998). hoje muito mais como treinamento profissional. Uma
Essa perspectiva impele os professores das redes pú- das modalidades de formação que está tendo forte ex-
blicas, especificamente aqueles profissionais do en- pressão no país é a formação em serviço (além da for-
sino fundamental, a procurar sua formação em insti- mação à distância). Torres (1998, p. 177) indica:
tuições que prometem formá-los em menos tempo,
com menos gastos, entre outros pontos que caracteri- De fato, o que está acontecendo é uma política de por-
zam o aligeiramento da formação docente. tas abertas a educadores leigos [...] dentro do sistema esco-
Quanto às competências, tão presentes nos do- lar. E é por essa razão que a capacitação em serviço vem
cumentos políticos, elas dizem respeito ao que o pro- adquirindo grande importância. O professor leigo ganha
fessor deve saber: trabalhar em parceria com a comu- menos, não faz exigências trabalhistas e é fácil de descartar.
nidade escolar, resolver problemas da escola, achar
soluções criativas a problemas concernentes ao pro- Tal perspectiva de formação docente leva a uma
cesso ensino-aprendizagem de seus alunos, até mes- massificação dos níveis de ensino (principalmente o
mo às situações da comunidade em que a escola está fundamental) sem a garantia de sua qualidade. Como
inserida. formar o professor, então, para a chamada “ educação
Observa-se que essa proposição retira de cena as para todos”? Qual formação de professores poderia
discussões sobre as condições de trabalho dos pro- indicar a inclusão como possibilidade para a escola
fessores, como se elas estivessem resolvidas. A ques- do ensino fundamental?
tão salarial, carga horária de trabalho, reconhecimen-
to social desse profissional, entre outros elementos, A formação de professores
não são mencionados pela política de formação do- para a educação especial
cente. Ao contrário, essa política faz crer que basta a
“ boa vontade” dos professores para que os problemas Tomaremos, aqui, a discussão sobre a formação
educacionais se resolvam. de professores para a educação especial como expres-
No caso brasileiro, especificamente nessa últi- são da formação em sua relação com a organização
ma reforma educacional, a formação docente está cen- escolar.

414 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006


Gestão, formação docente e inclusão

Na especificidade da educação especial, pode- Isso porque não serão esses os profissionais que irão
mos afirmar que modificações têm sido implementa- planejar as atividades a serem desenvolvidas com es-
das em relação à formação de professores para a área. ses alunos, mas sim os professores especializados.8
Estas relacionam-se às já mencionadas mudanças re- Já os professores especializados são os respon-
lativas à formação de professores do ensino funda- sáveis pela organização das ações pedagógicas a se-
mental. rem desenvolvidas pelos “ professores capacitados”.
Para a educação especial, a reforma em anda- Estes devem ter sua formação em nível superior ou
mento prevê, na Resolução CNE n. 02/2001, que os em nível de especialização, como explicitado nos pa-
professores que trabalham com alunos “ que apresen- rágrafos 2o e 3o do artigo 18 da LDBEN (Brasil, 1996):
tam necessidades educacionais especiais” podem se-
guir dois modelos distintos: os capacitados e os espe- § 2o São considerados professores especializados em
cializados. educação especial aqueles que desenvolveram competências
Tais modelos de professores são definidos nos para identificar as necessidades educacionais especiais para
parágrafos 1o, 2o e 3o do artigo 18 (Brasil, 2001). No definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de
parágrafo 1o definem-se as competências a serem de- estratégias de flexibilização, adaptação curricular, procedi-
senvolvidas nos chamados professores capacitados: mentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas, ade-
quadas aos atendimentos das mesmas, bem como trabalhar
§ 1o São considerados professores capacitados para em equipe, assistindo o professor de classe comum nas práti-
atuar em classes comuns com alunos que apresentam ne- cas que são necessárias para promover a inclusão dos alunos
cessidades educacionais especiais aqueles que comprovem com necessidades educacionais especiais.
que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram
incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao § 3o Os professores especializados em educação es-
desenvolvimento de competências e valores para: pecial deverão comprovar:
I – perceber as necessidades educacionais especiais dos I – formação em cursos de licenciatura em educação es-
alunos e valorizar a educação inclusiva; pecial ou em uma de suas áreas, preferencialmente
II– flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de de modo concomitante e associado à licenciatura para
conhecimento de modo adequado às necessidades a educação infantil ou para os anos iniciais do ensino
especiais de aprendizagem; fundamental;
III – avaliar continuamente a eficácia do processo edu- II – complementação de estudos ou pós-graduação em
cativo para o atendimento de necessidades educacio- áreas específicas da educação especial, posterior à li-
nais especiais; cenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para
IV – atuar em equipe, inclusive com professores espe-
cializados em educação especial.
8
Como exemplo da formação de professores capacitados,
A formação dos professores capacitados, tanto podemos citar o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversi-
em nível médio como superior, deve ocorrer por meio dade. Nele, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de
de oferecimento de disciplinas, ou tópicos, que ve- Educação Especial, desenvolve a formação de “ gestores e educa-
nham a contemplar as discussões sobre a educação dores” para a educação inclusiva. Tal programa é organizado pe-
de alunos considerados deficientes. Percebe-se tam- los chamados municípios-pólo, que atuam como multiplicadores,
bém que sua formação deve desenvolver, nesse futu- objetivando formar “ gestores e educadores para atuar como mul-
ro profissional, competências para executar atividades tiplicadores no processo de transformação dos sistemas educacio-
diretamente com os alunos considerados deficientes nais em sistemas educacionais inclusivos” (Informações obtidas
e, ao mesmo tempo, aprender a trabalhar em equipe. em: <www.mec.gov.br/seesp>. Acesso em: 14 jul. 2005).

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 415


Maria Helena Michels

atuação nos anos finais do ensino fundamental e no especial, as ocorridas na Universidade Federal de
ensino médio. Santa Catarina (UFSC) (Michels, 2004) e na Facul-
dade de Educação da Universidade Estadual de Cam-
Quanto aos professores que já estão exercendo o pinas (UNICAMP), estudada por Cartolano (1998).
magistério, o parágrafo 4º do artigo 18 especifica que Em nível de pós-graduação, Bueno (2002) mos-
lhes devem ser oferecidas “ oportunidades de forma- tra que esta formação contava, em 1998, com 43 cur-
ção continuada, inclusive em nível de especialização, sos de especialização em educação especial, ofereci-
pelas instâncias educacionais da União, dos Estados, dos pelas instituições de ensino superior (IES) no
do Distrito Federal e dos Municípios” (idem). Brasil. A grande maioria desses cursos era destinada
A formação desse profissional, quando ocorrer à educação especial de maneira geral e não se delimi-
em nível superior, deverá ser em cursos de licencia- tava por categorias de deficiência.
tura, especificamente no curso de pedagogia, como Em relação à formação em cursos de pós-gra-
habilitação em educação especial, e não mais em uma duação stricto sensu, Bueno (2002, p. 52-53) infor-
de suas áreas definidas pela deficiência.9 Quando essa ma: “ Vinte e três IES indicaram possuir cursos de
formação for oferecida em curso de especialização, mestrado em educação que aceitam alunos interessa-
poderá ocorrer em uma das áreas da deficiência ou dos em desenvolver dissertações no campo da educa-
estar relacionada com o atendimento educacional dos ção especial, sendo que somente duas delas mantêm
alunos deficientes, como, por exemplo, curso de es- mestrado específico em educação especial”.
pecialização em educação inclusiva, em inclusão, Entretanto, 35 IES não fazem indicações refe-
entre outros. rentes a essa área específica em seus programas de
Ou seja, segundo a Resolução CNE n. 02/2001, mestrado em educação. Quanto à pós-graduação em
tanto os professores capacitados como os especiali- nível de doutorado, “ eram apenas 10 os cursos de
zados podem ser formados em dois níveis. Os pri- doutoramento em educação que aceitavam, de algu-
meiros em nível médio ou superior, e os segundos em ma forma, alunos com interesses na educação espe-
nível superior ou em pós-graduação. Também são for- cial [...]” (idem, p. 56).
madores desses professores os cursos de complemen- Está presente na resolução do CNE n. 02/2001
tação e de formação em serviço. que a formação continuada poderá ser a modalidade
Durante a década de 1990, alguns cursos modi- utilizada para formar os professores que já estejam
ficaram suas grades curriculares para todas as habili- atuando. Tal formação não é especificada quanto ao
tações. Podemos citar como exemplo dessas modifi- número de horas, e coloca a responsabilidade deste
cações, especificamente para a habilitação educação oferecimento aos estados e municípios.
Desta maneira, podemos notar a variação de ní-
veis e tipos de formação de professores possibilitada
9
Mendes (2002) mostrou que em 2000 havia 31 cursos de pela atual legislação para a educação especial. Assim
pedagogia com habilitação em educação especial no país. Desses, como para a educação regular, a proposta de forma-
somente um curso de licenciatura plena em educação especial não ção de professores para a educação especial fortalece
tinha vinculação com o curso de pedagogia – o Curso de Educa- a tese de permanência e naturalização da ambigüida-
ção Especial da Universidade Federal de Santa Maria. Ainda não de quanto ao nível de formação.
há referências sobre a formação de professores para a educação A resolução do CNE n. 02/2001 também deter-
especial em cursos normais superiores. Ressalta-se ainda que a mina as competências necessárias para cada tipo de
Resolução do CNE n. 01/2006, que institui as Diretrizes Curricu- professor. Aos professores denominados capacitados
lares Nacionais para o Curso de Pedagogia – Licenciatura, não faz cabe a tarefa de perceber quais são os possíveis alu-
referência a uma organização desse curso por habilitações. nos com necessidades educacionais especiais e de-

416 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006


Gestão, formação docente e inclusão

senvolver com eles atividades ou ações pedagógicas organizar o currículo do curso de formação de seus
em sala de aula. Aos professores especializados com- professores, a indicar o trabalho a ser desenvolvido
pete identificar esses alunos e definir estratégias que com os alunos considerados deficientes, a influenciar
os professores capacitados deverão utilizar com eles as políticas públicas voltadas à educação especial,
em sala de aula. entre outras ações que envolvem a área.
Com essa resolução, então, é reforçada a divisão Alguns estudos nos fazem compreender que a
do trabalho dentro das escolas. Se anteriormente os dificuldade da área em aceitar a crítica a esse modelo
professores especializados em atender os alunos con- médico-pedagógico está relacionada ao pensamento
siderados deficientes atuavam fora da escola regular, hegemônico, não somente na educação especial, mas
agora, com a política de inclusão, esses professores na educação de maneira geral, que tem a base bioló-
deveriam estar dentro das escolas, indicando o que gica como explicação para o insucesso escolar.10 Jun-
deve ser feito pelos professores capacitados. Segun- to a ela, encontramos a sustentação psicológica de que
do Garcia (2004, p. 187), o fracasso escolar decorre de questões individuais, e
não sociais.
A proposta de educação especial na educação básica, Na atualidade, a proposta de formação desses
aqui analisada [Resolução CNE/CEB 2/2001] em sua rela- professores tem como máxima a inclusão. Porém, a
ção com a formação de professores, opera pela justaposição manutenção da formação de professores com base no
de profissionais com formações diferençadas, como se a sua modelo médico-pedagógico auxilia nesse processo?
soma solucionasse as desigualdades educacionais que histo- Podemos pensar no processo de inclusão de alunos
ricamente estão presentes nas proposições políticas para as considerados deficientes formando professores, tan-
escolas do ensino regular. A resposta apresentada contribui to capacitados como especializados, que centram o
para administrar tais desigualdades, mas não as suplanta. sucesso ou o fracasso dos processos de aprendizagem
nos alunos individualmente? Além disso,
Pelas análises feitas anteriormente, percebemos
que com a LDBEN e a Resolução CNE n. 02/2001 as [...] se é verdade que, para a democratização da esco-
ambigüidades na formação dos professores persistem. larização de alunos com deficiências por meio de sua in-
Esta imprecisão parece ser uma constante na forma- clusão no ensino regular, terão que ser superadas as barrei-
ção dos docentes que vão, de uma maneira ou de ou- ras impostas pelos educadores não-especializados e modi-
tra, desenvolver trabalhos com alunos deficientes. ficadas as práticas escolares na perspectiva da absorção,
Quando a proposição de formação de professo- com qualidade, das mais diversas diferenças culturais, lin-
res para atender alunos com diagnóstico de deficiên- güísticas, étnicas, sociais e físicas, é também verdadeiro
cia se centra nas competências a serem desenvolvi- que a contribuição da área da Educação Especial não se
das por esses profissionais, parece que se modifica fará presente enquanto permanecer hegemônico o modelo
tanto o papel do professor como o da escola. médico-pedagógico. (Michels, 2004, p. 158-159)
Em síntese, podemos apreender que a proposi-
ção atual de formação de professores, tanto capacita- Desta maneira, podemos inferir que a formação
dos como especializados, não rompe com o modelo de professores proposta hoje pela política educacio-
de formação tradicionalmente destinado à área. Com nal brasileira não possibilita a superação da exclu-
base nas contribuições de Skrtic (1996), é possível
afirmar que a educação especial tem, historicamente,
se organizado tendo por base o modelo médico-peda-
gógico. Este modelo chega mesmo a ser confundido 10
Ver, entre outros, Nunes et al. (1999), Soares (1999),
com o conhecimento da educação especial e passa a Michels (2004).

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 417


Maria Helena Michels

são. Ao contrário, tal proposição consolida a exclu- de fenómenos sem os discriminar numa lógica em que a
são dos alunos das classes populares, sendo eles con- simples designação do fenómeno parece fazer a economia
siderados deficientes ou não, no seio mesmo da esco- da sua explicação e da justificação das modalidades de in-
la. Não mais falamos em excluídos da escola (do tervenção social desenvolvidas. (2004, p. 1)
ensino fundamental), mas em excluídos do processo
de aprendizagem no interior da escola. No Brasil, a discussão sobre exclusão e a “ urgen-
te” inclusão dos grupos minoritários em serviços e es-
A inclusão como política paços vem ganhando relevância. Segundo Martins
(2000, p. 11), “ não estamos em face de um novo
É no decorrer da década de 1990 que ocorre no dualismo, que nos proponha as falsas alternativas de
Brasil a apropriação do discurso internacional rela- excluídos ou incluídos. A sociedade que exclui é a
cionado à inclusão. Alguns pontos passaram a fazer mesma sociedade que inclui e integra, que cria formas
parte desta discussão, dos quais se destacam a ques- também desumanas de participação, na medida em que
tão da política de inclusão, a flexibilização curricu- delas faz condições de privilégios e não de direitos”.
lar, a preparação da escola regular para receber os Podemos considerar, então, que a exclusão e a
alunos considerados deficientes, técnicas e recursos inclusão são “ representações” dos processos sociais
que auxiliam nessa ação, e ganharam ênfase o pro- excludentes e includentes, típicos da sociedade capi-
fessor, como o agente principal desse processo de in- talista. Uma só existe em relação à outra. Ou seja, “ A
clusão, e a sua formação. inclusão só pode ser pensada pela presença constante
A atual política de inclusão, que, segundo Cor- da exclusão” (Michels, 2004, p. 31).
reia (2004), vem “ tomando corpo” nos últimos dez A inclusão somente pode ser vista como “ possi-
anos, não se refere somente à entrada dos alunos con- bilidade” para os excluídos em uma sociedade exclu-
siderados deficientes no ensino regular, mas se cons- dente. Quando lidamos com a exclusão sem sujeito
titui, mesmo, em uma narrativa que é incorporada pelo histórico, como a reforma educacional atual propõe,
campo educacional como “ ideologia da inclusão”. esta esvazia-se de sentido e de luta. Para Martins
A partir dessa lógica, a escola regular precisa (2000, p. 18),
organizar-se para receber todas as crianças cujas di-
ferenças sejam ou não explícitas. Porém, compreen- Essa interpretação de fundo positivista reinstaura o
do que tais diferenças são determinadas também por escalonamento do processo histórico, relegando ao passa-
questões sociais, e não especificamente por diferen- do e ao residual aquilo que supostamente não faria parte do
ças individuais. tempo da modernidade, como o tradicionalismo dos pobres
Para Martins (1997), a inclusão, nessa socieda- migrados do campo para a cidade, a cultura popular e a
de, ocorreria por uma via marginal, e a questão da própria pobreza. Seriam manifestações anômalas e vencidas
exclusão constitui-se em um falso problema. Em suas de uma sociabilidade extinta pela crescente e inevitável di-
palavras: “ O discurso corrente sobre exclusão é basi- fusão da modernidade que decorreria do desenvolvimento
camente produto de um equívoco, de uma fetichização, econômico e da globalização.
a fetichização conceitual da exclusão, a exclusão trans-
formada numa palavra mágica que explica tudo” Se retomarmos a questão da formação de profes-
(p. 27). sores, como podemos pensar em formar os professo-
Correia também nos adverte para o fato de que res para trabalharem com alunos que “ teimam em fa-
zer parte daquilo que não os quer senão como vítimas
[...] a noção de exclusão social tornou-se numa espé- e beneficiários residuais de suas possibilidades?”
cie de “ lugar comum” que designa um conjunto heterogéneo (idem, p. 11).

418 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006


Gestão, formação docente e inclusão

Tomando a educação dos sujeitos considerados • Ignorar comportamentos inadequados, quando possível.
deficientes como expressão dessa discussão, podemos • Focalizar os pontos bons e elogiá-los.
afirmar que há maneiras distintas de se apropriar des- • Formar grupos de aprendizado cooperativo com ins-
se debate. A partir de leituras das principais publica- truções e metas bem claras.11
ções da área, foi possível perceber que há divergênci-
as relacionadas à apreensão da política de inclusão. A perspectiva propositiva parece tomar a inclu-
Identifiquei, em relação a esta proposição, especifi- são como objetivo primeiro e último, afirmando-se pela
camente relacionada aos alunos deficientes, que há, ausência de análise sobre as relações sociais concre-
ao menos, duas tendências neste debate. A primeira tas que expliquem a atualidade. Quando é feita refe-
delas diz respeito à perspectiva que chamarei de rência à materialidade, busca-se nela o que está certo
propositiva; a segunda denominarei analítica. ou errado nos encaminhamentos mais imediatos. Essa
A perspectiva propositiva compreende as produ- articulação também pode ser observada na ênfase dada
ções que: a) tomam a inclusão como um modelo à sensibilização necessária ao professor para que este
predefinido; b) propõem indicações explícitas de como “ faça” a inclusão. Outro aspecto é a centralidade no
deve ocorrer a inclusão; c) a partir da sensibilização professor como o sujeito responsável pelo sucesso ou
dos professores, indicam que estes devem ter desen- fracasso desse “ encaminhamento” inclusivista.
volvido suas competências para incluir os mais dife- Já as obras que: a) analisam a possibilidade de
rentes alunos; e d) discutem a inclusão sem levar em inclusão levando em consideração as questões sociais
conta as suas reais possibilidades. mais amplas (história, política, economia); b) discu-
Alguns autores tratam a inclusão de alunos con- tem a educação especial articulada ao debate da edu-
siderados deficientes como um problema restrito das cação geral; e c) investigam a proposição inclusiva
competências dos professores. Centram essa discus- para a área fazendo uma análise crítica desse momento
são nas questões específicas relacionadas à deficiên- histórico, compõem a perspectiva chamada aqui de
cia e pouco discutem a imprescindível tarefa de ensi- analítica.
nar esses alunos. Como expressão dessa perspectiva, Nas produções consideradas analíticas, encon-
reproduzo um excerto de Sassaki (1997, p. 126) no tramos a compreensão de que a história (da socieda-
qual o autor apresenta uma lista indicando o que o de, da educação e da educação especial) é a base para
professor deverá fazer para incluir um aluno conside- desenvolver um exame cuidadoso da atualidade. Nessa
rado deficiente na rede regular de ensino: perspectiva, a materialidade das condições históricas
e sociais para a inclusão é que possibilita a discussão
Para com estudantes com impedimento auditivo, o sobre ela.
professor deverá: A inclusão, então, deve ser analisada à luz das
• Sentar-se na frente da sala. suas reais possibilidades, sem ser tomada como úni-
• Usar recursos visuais. co objetivo. O movimento da sociedade é que possi-
• Falar claramente. bilita, em maior ou menor grau, a inclusão. Ao mes-
• Se o estudante usa a língua dos sinais, aprender os sinais mo tempo, nessa perspectiva, alunos e professores são
e estimular outros estudantes a aprendê-los também. sujeitos constituintes e constituidores desse proces-
so, e não vítimas de decisões do “ sistema”.
Para com estudantes com distúrbio de comportamen-
to, o professor deverá:
• Aplicar técnicas de modificação de comportamento. 11
O autor segue com a lista de indicações do que o profes-
• Designar responsabilidades especiais. sor deverá fazer para alunos com dificuldade de aprendizagem,
• Identificar os pontos fortes deles. impedimentos visuais, limitações motoras e deficiência mental.

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 419


Maria Helena Michels

Não podemos, contudo, pensar que essas duas Considerações finais


perspectivas existem de maneira tão clara e explíci-
ta, sem que uma influencie na produção da outra. As reflexões aqui apresentadas, cuja temática foi
Ao contrário, elas influenciam-se mutuamente e co- a organização escolar, tiveram por objetivo discutir
existem na educação especial, no âmbito da produ- como a reforma educacional brasileira, que se iniciou
ção de conhecimento sobre a inclusão de alunos con- nos anos de 1990, tem proposto uma (re)organização
siderados deficientes, sendo provável que também escolar.
se façam presentes no debate sobre inclusão de ma- Partimos da compreensão de que a reforma di-
neira geral. recionada à área educacional está atrelada a uma rees-
Tendo um caráter mais técnico e organicista, a truturação do próprio sistema capitalista, que, com
tendência propositiva parece indicar uma determina- sua crise evidenciada, sobretudo nos anos de 1980,
da maneira de compreender a educação especial e os necessitava reorganizar-se, porém sem mudar suas
sujeitos a ela relacionados. bases.
Consolidando o tratamento diferente para as de- Nesse contexto, os organismos internacionais
sigualdades produzidas pela própria sociedade capi- (principalmente o Banco Mundial) orientam as refor-
talista, a perspectiva propositiva faz da inclusão um mas por algumas diretrizes, dentre as quais se desta-
processo perverso, uma vez que celebra a diferença ca o papel do Estado, a educação e a escola.
que exclui. Porém, como já indiquei em outra oca- O papel do Estado é redimensionado e deve ter
sião (Michels, 2004, p. 35), sua ação minimizada para prover a educação e maxi-
mizada para avaliar. Com a diminuição do Estado pro-
[...] é no bojo desse pensamento positivista, de enca- vedor, a sociedade civil é chamada a responsabilizar-
minhamento tecnicista e organicista, que nasce outra ma- se pela educação de crianças e jovens das classes
neira de entender a relação entre a sociedade e a deficiên- populares.
cia. É, justamente, da sua negação que emerge a compreen- A educação assume lugar de destaque nessa re-
são de que é necessário pensar o fenômeno da deficiência forma e constitui-se em um de seus pilares de susten-
nas relações produzidas por esta sociedade. É dessa relação tação. Por meio dela, o governo busca consolidar va-
que surge a compreensão de que fizemos parte dessa orga- lores e crenças que ratificarão as mudanças em curso.
nização, reafirmando-a ou negando-a. Esse encaminhamen- Nessa perspectiva, a escola deve (re)organizar-
to desvitima o sujeito, colocando-o como propositor nessa se tendo a flexibilização como diretriz. Esta expres-
relação. sa-se no currículo, na avaliação, na arrecadação de
recursos, na formação de professores, entre outros
A partir das análises realizadas, podemos inferir elementos que dão contornos à organização escolar.
que a reforma educacional, iniciada nos anos de 1990, Mas a base sobre a qual ela se assenta pode ser apre-
se aproxima da perspectiva propositiva. Esta traz em endida por três eixos principais: gestão, formação de
sua essência, ainda que de maneira dissimulada, a ma- professores e inclusão.
nutenção da exclusão social. Porém, agora, essa ex- A gestão tem como foco a descentralização de
clusão abandona a forma objetiva (vista na educação alguns elementos da escola, mas não de todos; ela
por meio da evasão e repetência, principalmente) e encaminha-se, discursivamente, como sinônimo de
configura-se na exclusão subjetiva (Freitas, 2002). democratização.
Esta última apresenta-se de maneira mais perversa que A municipalização aparece aí como um instru-
a primeira, pois deposita no próprio excluído a res- mento que retira do governo federal a responsabili-
ponsabilidade de sua condição. dade, que é repassada principalmente aos municípios.
Nesta mesma lógica (sob o discurso da democratiza-

420 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006


Gestão, formação docente e inclusão

ção), as unidades escolares acabam por assumir a res- BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
ponsabilidade pela ação educativa, convertendo-se, diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Ministério da
então, em foco privilegiado da gestão. É sobre a es- Educação e do Desporto, 1996.
cola que incidem as exigências pela formação de uma BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 2, de 11
nova “ mentalidade” política e social. de setembro de 2001. Estabelece as diretrizes nacionais para a
O professor e sua necessária formação aparecem educação especial na educação básica. Brasília: Ministério da
como elementos decisivos no encaminhamento dessa Educação, 2001.
versão de gestão. Ou seja, o professor assume o papel . Resolução n. 1, de 15 de maio de 2006. Institui dire-
de gestor da educação e a sua formação deve reafir- trizes curriculares nacionais para o curso de pedagogia – licencia-
mar tal função. Para isso, o governo propõe uma for- tura. Brasília: Ministério da Educação, 2006.
mação de professores aligeirada e utilitarista, tendo BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução:
por base a prática do professor. elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de
Como expressão desse encaminhamento, apre- Janeiro: Francisco Alves, 1992.
sento a formação de professores para a educação es- BUENO, José Geraldo Silveira. A educação especial nas univer-
pecial que, tendo como foco a inclusão, indica a for- sidades brasileiras. Brasília: MEC, SEESP, 2002.
mação docente como elemento-chave para a mudança CAMPOS, Roselane Fátima. O cenário da formação de professo-
na escola. Porém, como observado, a formação desse res no Brasil: analisando os impactos da reforma da formação de
profissional mantém como suas bases teóricas aque- professores. Trabalho apresentado na XII Reunião Nacional da
las que explicam o fracasso escolar pelas diferenças ANFOPE. Brasília, 2004. Mimeografado.
individuais. CARTOLANO, Maria Teresa Penteado. Formação do educador
Compreendida como uma política que não se res- no curso de pedagogia: a educação especial. Cadernos Cedes – A
tringe à educação especial, mas é expressa também nova LDB e as necessidades educativas especiais, Campinas,
por ela, a inclusão adquire status de eixo. A política UNICAMP, ano XIX, n. 46, p. 29-40, 1998.
de inclusão não tem como objetivo remover os meca- CEPAL/UNESCO. Educação e conhecimento: eixo da transfor-
nismos de exclusão do interior da escola. Ao contrá- mação produtiva com eqüidade. Brasília: IPEA; CEPAL; INEP,
rio, sob o discurso da inclusão com a necessária acei- 1995.
tação das diferenças, vem consolidando a exclusão. CARVALHO, Mark Clark Assen de. A formação de professores
Agora, a inclusão não ocorre quando, por razões in- para o ensino fundamental: o discurso da eterna provisoriedade.
dividuais, não há condição para tal. Ou seja, volta- 1997. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
mos ao perverso argumento da meritocracia. Graduação em Educação: História e Filosofia da Educação, Pon-
Dessa maneira, esses três pontos da reforma dão tifícia Universidade Católica, São Paulo, 1997.
contorno a uma mudança que tem por objetivo pri- CORREIA, José Alberto. A construção político-cognitiva da ex-
meiro a permanência de mecanismos de exclusão na clusão social no campo educativo. Porto, Portugal: Universidade
e da escola (Ferraro, 1999) de crianças e jovens oriun- do Porto. 2004. Mimeografado.
dos das classes populares. FERRARO, Alceu Ravanello. Diagnóstico da escolarização no
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Gestão, formação docente e inclusão

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MARIA HELENA MICHELS, doutora em educação pela


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), é pro-
fessora do Departamento de Estudos Especializados em Educa- Recebido em janeiro de 2006
ção da Universidade Federal de Santa Catarina, atuando princi- Aprovado em maio de 2006

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 423


Resumos/Abstracts/Resumens

Resumos/Abstracts/Resumens

Maria Helena Michels


Gestão, formação docente e inclusão:
eixos da reforma educacional
brasileira que atribuem contornos à
organização escolar
O presente texto tem por objetivo dis-
cutir a organização escolar indicada

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006 559


Resumos/Abstracts/Resumens

pela reforma educacional brasileira dos Gestión, formación docente e


anos de 1990. Compreendendo que a inclusión: ejes de la reforma
escola desempenha uma função social educacional brasileña que atribuyen
que vai além do repasse de conheci- contornos a la organización escolar
mento, e que a reorganização capitalis- El presente texto tiene por objetivo dis-
ta coloca sobre a educação um de seus cutir la organización escolar indicada
focos, buscou-se perceber como essa por la reforma educacional brasileña
reforma redefine a organização escolar de los años 1990. Comprendendo que
a partir de três pontos-chave: gestão, la escuela ejerce una función social
formação de professores e inclusão. A que va más allá del repaso de
educação especial e a formação de seus conocimiento, y que la reorganización
professores aparecem como expressão capitalista coloca sobre la educación
dessas relações. Observando que esses uno de sus focos, se buscó percibir
pontos estão articulados entre si, pro- como esta reforma redefine la
curou-se explicitar como a reforma organización escolar a partir de tres
educacional propõe mudanças que puntos claves: gestión, formación de
objetivam, principalmente, a manuten- profesores e inclusión. La educación
ção de sua lógica excludente. especial y la formación de sus
Palavras-chave: organização escolar; profesores aparecen como una
gestão; formação de professores; expresión de esas relaciones. Obser-
inclusão vando que estos puntos están articula-
Management, teacher training and dos entre sí, se buscó explicitar como
inclusion: pivots of the Brazilian la reforma educacional propone
educational reform which attribute cambios que tienen por objeto, princi-
configurations to school palmente, la manutención de su lógica
organisation excluyente.
The objective of this text is to discuss Palabras claves: organización escolar;
the school organization proposed by gestión; formación de profesores;
the Brazilian educational reform in the inclusión
1990’s. Comprehending that the school
performs a social function which goes
beyond transmitting knowledge and
that the necessary capitalist
reorganization places on education one
of its focuses, we sought to perceive
how this reform redefines school
organisation by looking at three key
points: management, teacher training
and inclusion. Special education and
teacher training appear here as an
expression of these relationships.
Observing that these points are
articulated, we endeavour to explain
how the educational reform proposes
changes whose main objective is the
conservation of its exculpatory logic.
Key words: school organization;
management; teacher training;
inclusion.

560 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006

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