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Instituto de Artes
CAMPINAS
2017
PATRICIA KISS SPINELI
CAMPINAS
2017
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8423-8611
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180
Título em outro idioma: Among choices : the creative process and the photographic
poetics of Otto Stupakoff
Palavras-chave em inglês:
Stupakoff, Otto, 1935-2009
Photography
Creative process
Poetics
Semiotics
Área de concentração: Artes Visuais
Titulação: Doutora em Artes Visuais
Banca examinadora:
Edson do Prado Pfützenreuter [Orientador]
Marcelo Santos de Moraes
Fernando Cury de Tacca
Filipe Mattos de Salles
André Novaes de Rezende
Data de defesa: 07-12-2017
Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais
MEMBROS:
A tese tem como objetivo central estudar a obra do fotógrafo brasileiro Otto Stupakoff (1935
– 2009) evidenciando aspectos de sua poética fotográfica e do seu projeto poético. O estudo
aqui proposto auxilia a refletir sobre a produção de um fotógrafo complexo, cuja obra dialoga
com várias vertentes fotográficas. Discute-se também a autonomia por ele demonstrada em
suas produções, bem como aspectos subjetivos e objetivos presentes na sua obra fotográfica,
suas habilidades, referências e processo de criação. A fonte principal da pesquisa é o material
fotográfico repassado pelo fotógrafo ao Instituto Moreira Salles em 2008, tendo como corpus
de análise basilar um conjunto de sequências fotográficas dispostas em duas caixas – Caixa 1
e Caixa 2 – organizadas pelo próprio Stupakoff. Pelo âmbito da escolha pessoal em como
organizar e preferenciar seu material antes de repassá-lo a uma instituição de salvaguarda, o
fotógrafo demonstrou seu olhar frente ao próprio trabalho. A sistematização das caixas feita
pelo próprio autor também possibilitou a realização de inferências sobre o seu processo
criativo. Além disso, as folhas de contato, oriundas dos materiais contidos nessas duas caixas,
foram vistas como documentos de processo que possibilitam o estudo e a análise do percurso
criativo do fotógrafo. Para debater sobre uma poética fotográfica de Stupakoff, essas folhas de
contato, assim como outros materiais auxiliares (entrevistas, cartas, textos), foram analisados
sob a luz da crítica de processo de criação, apoiando-se também em teorias específicas para
compreensão mais aprofundada do percurso de criação deste objeto específico (a fotografia).
A metodologia de análise adotada foi a de um movimento de aproximação do objeto, no qual
realizou-se tanto recortes pontuais quanto visões mais amplas, considerando o uso da teoria
semiótica peirceana como norte analítico. Foi possível identificar, na obra de Stupakoff, a
tendência à captura de certa naturalidade, expressa no uso de luz natural, cenários externos e
objetivas que se aproximam da percepção do olhar humano; ainda, identificou-se a
constância do gosto pelo feminino, o trato com o puer aeternus e a investigação do registro
do ser humano. Outros elementos também puderam ser reconhecidos: valorização da
perspectiva e tridimensionalidade do espaço, uso de cenários do cotidiano, preferência por
planos mais abertos, valorização dos detalhes na composição, propensão em repetir o registro
do motivo com pequenas variações e realce de texturas e padronagens. Durante toda a
carreira de Stupakoff permaneceram – em seus editoriais de moda, retratos, registros de rua
e de viagens – a simplicidade e a preocupação em retratar o humano para além da superfície.
Justifica-se dessa forma a promoção da reflexão sobre a memória e arquivos fotográficos
tendo Otto Stupakoff, um fotógrafo de relevância na fotografia brasileira e mundial do século
XX, como objeto de estudo. Como resultado, esta tese procurou contribuir para uma melhor
compreensão dos processos criativos na fotografia a partir da perspectiva de uma poética
fotográfica de Stupakoff.
Palavras-chave: Otto Stupakoff; Fotografia; Processo de criação; Poética; Semiótica; Folha de contato.
ABSTRACT
The thesis aims to study the work of the Brazilian photographer Otto Stupakoff (1935 –
2009), highlighting aspects of his photographic poetics and his poetic project. The study
proposed here helps to reflect on the production of a complex photographer whose work
dialogues with several photographic aspects. It also discusses the autonomy he demonstrated
in his productions, as well as subjective and objective aspects present in his photographic
work, his skills, references and creation process. The main source of the research is the
photographic material passed on by the photographer to Instituto Moreira Salles in 2008.
The main corpus of the analyses is a set of photographic sequences arranged in two boxes –
Box 1 and Box 2 – organized by Stupakoff himself. Through his personal choices concerning
how to organize and hierarchize his material before passing it on to a safeguard institution,
the photographer showed his perception on his own work. The author’s own systematization
of the boxes also allows us to infer on his creative process. In addition, the contact sheets,
derived from the materials contained in these two boxes, were seen as process documents
that allow the study and analysis of the creative journey of the photographer. In order to
discuss Stupakoff’s photographic poetics, these contact sheets, as well as other auxiliary
materials (interviews, letters, texts), were analyzed in the light of the creation process
criticism, also relying on specific theories for a deeper understanding of the creation of such
specific object (the photograph). The analytical methodology adopted here was that of a
movement towards the object, in which specific samplings and more general outlooks were
presented considering the use of Peircean semiotic theory as an analytical guidance. It was
possible to identify, in Stupakoff’s work, the tendency to capture a certain naturalness,
expressed in the use of natural light, external scenarios, and photographic lens that approach
the perception of the human eye; still, the constancy of his taste for the feminine, his dealing
with the puer aeternus and investigation of the registry of human beings were identified.
Other elements could also be recognized: appreciation of perspective and spatial three-
dimensionality, use of daily scenarios, preference for open plans, valuation of details in
composition, propensity to repeat the registration of the motif with slight variations, and
enhancement of textures and patterns. Throughout Stupakoff’s career – fashion editorials,
portraits, street and travel records – simplicity, and concern with portraying the human
beyond the surface were present. Thus, a reflection on memory and photographic archives is
justified, with Otto Stupakoff, a relevant photographer in Brazilian and world 20 th century
photography, as an object of study. As a result, this thesis aimed to contribute to a better
understanding of the creative processes in photography from the perspective of Stupakoff’s
photographic poetics.
Key-Words: Otto Stupakoff; Photography; Creation process; Poetic; Semiotics; Contact sheet.
LISTA DE FIGURAS
Introdução.......................................................................................................................................... 17
Sobre a crítica de processo criativo e a semiótica peirceana........................................................18
Procedimentos realizados............................................................................................................. 20
1. Otto Stupakoff: uma trajetória....................................................................................................... 26
1.1 O começo: a formação e atividades do fotógrafo no Brasil.....................................................29
1.2 Chamado à aventura: a recusa de Mr. Penn e o descrédito de Brodovitch............................36
1.3 Os anos áureos e as grandes viagens na Europa......................................................................41
1.4 O primeiro retorno: Brasil, uma indefinição...........................................................................42
1.5 As últimas décadas em Nova York: estabilidade e viagens.....................................................44
1.6 Renascence Man: o fim da trilha e a volta definitiva para casa..............................................45
1.7 Exilir: o continuar a existir por sua obra.................................................................................48
2. A produção de Stupakoff: acervo no IMS, fotografia aplicada e exposições.................................51
2. 1 Conservação e pesquisa no Instituto Moreira Salles..............................................................52
2.2 O material fotográfico de Stupakoff no IMS e sua organização.............................................54
2.3 A diversidade fotográfica de Otto Stupakoff...........................................................................61
2.3.1.Capas de discos long play (LPs)........................................................................................61
2.3.2 As campanhas para a Rhodia........................................................................................... 66
2.3.3 Publicidade e materiais promocionais.............................................................................69
2.3.4 Publicação em periódicos – revistas brasileiras..............................................................80
2.3.5 Publicação em periódicos – revistas estrangeiras...........................................................92
2.3.6 Arquitetura....................................................................................................................... 96
2.3.7 Fotografias para livros e catálogos de arte.......................................................................98
2.4 A produção de Otto Stupakoff: exposições.............................................................................99
2.5 Uma síntese........................................................................................................................... 105
3. Considerações sobre folhas de contato, seleção e edição............................................................107
3.1 Folha de contato e suas particularidades: usos e funções.....................................................109
3.2 Marcações recorrentes nas folhas de contato........................................................................112
3.3 O uso da folha de contato como meio de seleção...................................................................117
3.3.1 A edição como processamento da fotografia para apresentação....................................124
3.3.2 A seleção e a edição sob o olhar do fotógrafo, do editor e do curador...........................131
3.4 A folha de contato como documento de processo.................................................................142
4. As escolhas de Stupakoff.............................................................................................................. 155
4.1 Caixa 1, primeira escolha....................................................................................................... 158
4.2 Caixa 2, segunda escolha....................................................................................................... 166
4.3 Escolhas para além das Caixas.............................................................................................. 168
4.4 O estudo da Caixa 1 como ponto de partida para a visualização do projeto poético............171
4.4.1 Procedimentos metodológicos da análise das sequências..............................................173
4.5. Sobre as escolhas e usos dos fotogramas como estratégias criativas...................................176
4.6 Escolhas reiteradas................................................................................................................ 186
4.7 Escolhas divergentes.............................................................................................................. 195
5. Sobre a construção da imagem fotográfica..................................................................................201
5. 1 Os referentes da fotografia de Stupakoff: o que está fotografado?......................................202
5.1.1 Retratos: do cara que trabalha no posto de gasolina às personalidades........................205
5.1.2 Nus femininos................................................................................................................. 207
5.1.3 Fotografias de rua e viagens........................................................................................... 209
5.1.4 Família............................................................................................................................. 211
5.1.5 O puer aeternus em Stupakoff........................................................................................214
5.2 Da importância do espaço na fotografia de Stupakoff..........................................................216
5.3 O gesto do fotógrafo frente ao referente e o registro repetitivo...........................................222
5.4 Os recortes de Stupakoff........................................................................................................ 231
5.5 Composição: os detalhes que contam...................................................................................235
5.6 Iluminação e as janelas de Stupakoff....................................................................................239
5.7 O congelar de um instante.................................................................................................... 241
5.8 A raridade dos efeitos e das distorções.................................................................................242
5.9 A cor, as texturas e padronagens na superfície da foto........................................................243
6. Caminhos da criação: perseverança e constância.......................................................................247
6.1 Sobre o planejamento das fotos............................................................................................. 253
6.2 O contador de histórias como traço criativo........................................................................260
6.3 Quem se preocupa em excesso com a técnica, esquece o que quer dizer............................268
6.4 Referências e afinidades para Stupakoff..............................................................................275
6.4.1 Homenagem a Balthus....................................................................................................281
6.4.2 Wesley Duke Lee e Bea Feitler: dois parceiros..............................................................284
6.4.3 Lew Parrella: um interlocutor........................................................................................287
6.4.4 Richard Avedon, Irving Penn e a fotografia norte-americana......................................289
6.5 Uma força que sussurra: alguns aspectos do estilo de Stupakoff.........................................293
6.6 Não apenas um fotógrafo de moda......................................................................................301
6.7 Quando eu era fotógrafo: das colagens e assemblages aos textos........................................308
Considerações finais......................................................................................................................... 315
Arquivos/Acervos consultados........................................................................................................ 323
Fontes orais..................................................................................................................................... 323
Referências bibliográficas............................................................................................................... 323
Apêndices......................................................................................................................................... 342
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INTRODUÇÃO
A presente tese se debruça sobre a fotografia de Otto Stupakoff (1935-2009) e
versa sobre sua poética fotográfica. Stupakoff foi um renomado fotógrafo brasileiro que
iniciou suas atividades ainda na década de 1950 produzindo seus primeiros trabalhos para
agências de publicidade e para a gravadora Odeon. Devido à sua contundente atuação como
fotógrafo de revistas especializadas em moda na década de 1960, é considerado um pioneiro
na fotografia de moda no Brasil.
Stupakoff consolidou sua carreira através da fotografia como arte aplicada em
uma expressiva atuação profissional no exterior, principalmente Nova York e Paris,
trabalhando para importantes revistas como Harper’s Bazaar e Vogue. Apesar de obter
maior reconhecimento por sua fotografia de moda e retrato, a vultosa produção de Stupakoff
se estendeu para fotografia de rua e viagens, família, nus e still life. Essa versatilidade marca
uma obra que tem na fotografia sua maior força para a expressão pessoal e criativa.
O problema de pesquisa desta tese fundamenta-se em duas questões essenciais: é
possível argumentar sobre o projeto poético de Stupakoff a partir da análise de suas
sequências materializadas em folhas de contato? O que esse material fotográfico, incluindo as
escolhas do fotógrafo, conjuntamente a outros materiais de apoio, nos revelam sobre o
movimento de criação da fotografia de Stupakoff e como refletem a sua poética?
Considerando-se, portanto, o problema de pesquisa e o objeto investigado, o
objetivo central desta tese é discutir a obra, o processo de criação e a poética fotográfica de
Otto Stupakoff, identificando elementos de sua jornada pessoal e da sua trajetória
profissional que o influenciaram, tanto do ponto de vista poético quanto temático e técnico, a
partir da análise comparativa entre suas folhas de contato e as fotografias e ensaios que
vieram a público, seja através da publicação em periódicos especializados, uso em
publicidade ou em exposições.
Parte-se da prerrogativa de que as folhas de contato de Stupakoff são evidências
fundamentais para a compreensão do seu processo criativo, revelando aspectos da sua obra e
de suas escolhas que corroboram nossa visão inicial sobre o fotógrafo como um autor
coerente em sua perspectiva a respeito da fotografia e na praxis fotográfica desde suas
primeiras incursões na área, perpassando sua internacionalmente reconhecida competência
na fotografia comissionada de moda e alcançando até mesmo seus registros mais livres,
construídos fora do ambiente controlado dos estúdios e locações. A análise das sequências
apresentadas via folha de contato nos permite discutir e nos aproximar de uma poética do
fotógrafo, assim como visualizar suas escolhas marcadas nessas folhas, as quais, por sua vez,
revelam os “gostos” do autor, suas construções e preferências imagéticas.
Para debater sobre uma poética fotográfica de Stupakoff foram analisadas suas
folhas de contato sob a luz da crítica do processo criativo e da semiótica peirceana. Assim,
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Procedimentos realizados
A pesquisa consistiu de procedimentos metodológicos que incluíram revisão
bibliográfica sobre o tema e descrição analítica e comparativa. O material de estudo está
centrado no acervo de Otto Stupakoff – negativos, diapositivos, folhas de contato, ampliações
– depositado na sede do Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro. Em 2008, o
material fotográfico registrado por Stupakoff entre 1955 e 2005 foi transferido pelo próprio
fotógrafo ao Instituto Moreira Salles (IMS), que tem feito, desde então, o resgate, a
manutenção e a curadoria da obra.
Para além desse material do IMS outras fontes foram consultadas: bibliografia
específica disponível, entrevistas e depoimentos publicados do fotógrafo, relatos de terceiros
publicados e coletados pela pesquisadora, textos dos catálogos de exposições,
correspondências recebidas e enviadas por Stupakoff, documentos oriundos de instituições
públicas e privadas, cadernos de clipping do fotógrafo (coletâneas de recortes de periódicos
que ele mesmo reuniu e selecionou), além de documentos tratados na pesquisa como
produção intelectual (textos reflexivos e pequenas citações escritas por Stupakoff, além de
outras expressões visuais como colagens, assemblagens e pinturas).
O agrupamento dos documentos coletados de várias fontes conjuntamente às
folhas de contato auxiliou na construção de uma linha indicativa quanto aos aspectos da vida,
obra e criação de Stupakoff. Diante dessas frentes de pesquisa, procurou-se angariar o maior
número possível de materiais relacionados ao fotógrafo. Ainda assim, é sabido que este é um
inventário em processo, visto que estamos diante de um cenário de pulverização da obra de
Stupakoff em diferentes meios e veículos, tanto no Brasil quanto no exterior.
Quando iniciei a pesquisa em 2013, Stupakoff havia falecido há quatro anos,
impossibilitando uma abordagem direta ao autor. Diante disso e seguindo exemplo de
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(b) estabelecer relação com as escolhas das imagens publicadas a fim de resgatar possíveis
motivações para seleção de determinadas imagens dentre uma mesma sequência de fotos. A
partir do material delimitado, foi realizada então uma análise comparativa entre o que foi
publicado e/ou exposto, como foi publicado e o que não foi selecionado, a fim de contrapor as
diversas aplicações da fotografia e, consequentemente, as diversas formas de seleção de
imagens fotográficas. A análise de outros materiais para além dos registros fotográficos
permitiu o delineamento de propostas mais amplas quanto ao seu processo de criação.
Para dar conta do corpus do trabalho, foi estabelecida a seguinte a estrutura para
a tese:
No capítulo 1 aborda-se o perfil biográfico de Otto Stupakoff, apresentando sua
trajetória de vida com foco nos aspectos profissionais e alguns aspectos pessoais.
O capítulo 2 trata da descrição e organização do material de Stupakoff no
Instituto Moreira Salles. Também faz um levantamento da produção do fotógrafo não
depositada no IMS e que clarifica a abrangência de sua atuação como fotógrafo.
O capítulo 3 discute a respeito das folhas de contato e do seu uso como material
de pesquisa, edição e seleção. A base argumentativa justifica o uso das folhas de contato
como material de análise pautada na ideia de que cada fotógrafo olha a realidade e o assunto
da sua obra de uma maneira muito particular. As observações oriundas da análise das
sequências fotográficas de um mesmo filme apontam para características particulares do
olhar de Stupakoff perante o objeto/cena fotografados, o modo como foram fotografados e
como ele abordava e construía seus temas. O capítulo também aborda a discussão
sedimentada naquilo que Soulages (2005) apresenta como fotograficidade, uma articulação
entre o irreversível e o inacabável. Irreversível diante da característica do ato fotográfico, que
Dubois (2012) vê como opção única, global e irremediável do fotógrafo, que é no processo da
inscrição da imagem no material fotossensível, dado de uma só vez em toda superfície e no
qual não é possível intervir na imagem. E inacabável no trabalho com o negativo, pelo qual a
operação na imagem, segundo Soulages (2005), é infinita.
O capítulo 4 fundamenta-se na análise das folhas de contato de Stupakoff, assim
como de outros materiais, a partir da base da pesquisa concentrada no material
salvaguardado no Instituto Moreira Salles (cerca de 16.000 negativos). Diante desse vasto
material – Stupakoff fotografou entre a década de 1950 até meados de 2000 –, foi necessário
estabelecer uma amostragem daquilo que compôs o corpus da análise da tese. Optamos pelo
estudo prioritário do material depositado no IMS contido na Caixa 1 e eventuais incursões na
Caixa 2, assim como os desdobramento das imagens nelas contidas como publicações em
revistas, anúncios e exposições. Esse recorte se justifica pelo fato das caixas terem sido
organizadas pelo próprio Stupakoff, refletindo uma seleção pessoal; assumiu-se, portanto,
que essas escolhas, por serem um olhar direto sobre a sua própria produção, são capazes de
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dar indícios que revelam aspectos da poética do fotógrafo. Além disso, a Caixa 1 apresenta
uma quantidade significativa de imagens, como também uma pluralidade de fotos em
diferentes modalidades fotográficas, perpassando diversos períodos históricos, o que foi
relevante como estudo poético para essa pesquisa.
Uma outra linha condutora da discussão no capítulo 4 se baseia na ideia do optar
e decidir, ações inerentes do processo de criação e que na fotografia estão presentes desde o
planejamento, culminando no ato fotográfico – momento em que o fotógrafo escolhe o quê e
como fotografar – e na seleção de uma imagem em uma sequência (feita pelo fotógrafo,
editor, curador) até a maneira como essa imagem será apresentada. Na tese essa discussão
está nas escolhas de Stupakoff, seus critérios e interpretações para decidir sobre a(s)
imagem(ns) da sequência fotográfica a serem divulgadas. Frente a isso, a discussão permeia
tantos as escolhas gerais do fotógrafo quanto as escolhas diretas de fotogramas para
exposições e publicações.
O capítulo 5 trata das sequências de fotos que evidenciam o desenvolvimento
espacial e temporal do fotógrafo no registro do assunto, possibilitando não somente analisar
o movimento do assunto fotografado como também o movimento do fotógrafo em relação à
cena. Para isso, recorremos tanto aos conteúdos das Caixas 1 e 2 quanto aqueles fora delas
como estratégia para abordar características mais amplas encontradas na prática fotográfica
de Stupakoff. A partir disso, tem-se um indicativo do desenrolar do evento que constituiu o
registro das imagens e de como a visão fotográfica particular do fotógrafo se realiza frente a
uma determinada cena ocorrida em um espaço-tempo. Ainda que uma imagem única
apresentada desconectada de sua série tenha em si um discurso inerente e suficiente como
obra, no presente trabalho atribuiu-se importância ímpar ao estudo da sequência como um
todo partindo-se do pressuposto de que uma imagem fotográfica dialoga com as outras da
série na qual ela foi registrada e de que mesmo os fotogramas não selecionados também são
reflexo de um pensamento criativo. Assim, valida-se o estudo do processo de criação pela
análise contrastiva e comparativa entre as sequências. Também foram abordados os recursos
fotográficos empregados por Stupakoff para construção das imagens.
O capítulo 6 versa sobre a poética de Stupakoff, discutindo a autonomia por ele
demonstrada em suas produções, bem como aspectos subjetivos e objetivos presentes na sua
obra fotográfica, suas habilidades, referências – tanto no âmbito da fotografia quanto de
outras expressões artísticas –, e processo de criação. O capítulo discute a questão do quanto a
obra de Stupakoff deve ser analisada para além da alcunha tradicional estabelecida para ele,
a de ser um ‘fotógrafo de moda’, estabelecendo a sua importância também como autor de
registros fotográficos em múltiplas temáticas e estilos, ainda que sua atitude nos permita
identificar uma linha condutora presente em sua obra, revelando a integridade e coerência do
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olhar do fotógrafo durante toda a sua vida profissional. No final do capítulo é apresentada a
aderência de Stupakoff a outras formas de expressão dentro das artes visuais e da escrita.
Por fim, o alinhamento entre os capítulos da tese apresenta o problema nodal e se
justifica nas discussões gerais sobre o estudo do processo de criação na fotografia e da seleção
e edição fotográfica como partes de um processo criativo. Esse afunilamento da discussão
sobre o processo criativo culmina na discussão específica do trabalho de Stupakoff como
objeto para aplicação das questões levantadas nos pontos descritos acima.
Para além de uma pesquisa que visa discutir as particularidades poéticas e o
processo criativo de Otto Stupakoff, este trabalho busca articular prognósticos sobre o
processo de criação na fotografia, lastreando-o em diferentes nuances e fomentando debates
em torno da criação da imagem fotográfica.
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CAPÍTULO 1
1 MAURICIO, Jayme. Stupakoff e a fotografia. In: Jornal Correio da manhã, Rio de Janeiro, 17, mai.1956.
2 Perfil biográfico ou texto biográfico: concentra-se em alguns aspectos do personagem central, alguns inputs
(facetas, episódios, convivas, pertences, legados, o feito, o não-feito).
3 Picasso, exposição Mão erudita, olho selvagem no Tomie Otake, 2016.
4 CORRÊA, Thomaz Souto. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 5 mai. 2017.
5 LASZLO, Fernando. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 27 jan. 2017.
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Sua fase mais produtiva ocorreu em Nova York e Paris, quando ele fotografou
para as revistas Vogue, Harper’s Bazaar, Glamour, Esquire, Elle, Marie Claire, McCall’s,
Look Magazine, Stern, L’Officiel, Votre Beauté e Jardin des Modes; no Brasil, com trabalhos
para as revistas Manchete, Cláudia, Vogue Brasil, Realidade e Senhor. Suas séries
fotográficas mais conhecidas são as que registram moda e retratos de pessoas do meio
político e artístico. Entre eles, estão o ex-presidente dos EUA Richard Nixon, as atrizes
Isabelle Adjani e Lana Turner, o escritores Harold Pinter e Jorge Amado, o atleta Pelé, os
músicos Tom Jobim e Dorival Caymmi e a apresentadora Xuxa. Entre as obras de Stupakoff
menos exploradas, mas não menos importantes, estão seus retratos de desconhecidos, nus
femininos, viagens, família, still life e instantâneos de rua, que tiveram maior visibilidade
após 2005 em decorrência da volta do fotógrafo ao Brasil, de exposições contemporâneas e
dos lançamentos dos livros Otto Stupakoff (FERNANDES JUNIOR, 2006) e Sequências:
Otto Stupakoff (INSTITUTO MOREIRA SALLES, 2009a).
No filme Blow up (BLOW UP, 1966), a trama está centralizada em um fotógrafo
de moda (Thomas, vivido pelo ator britânico David Hemmings) que registra fotografias de
um casal em um parque londrino e que, ao ampliar as imagens, depara-se com o enigma de
um possível crime. Na caracterização do personagem principal, o metier de um fotógrafo é
apresentado suscintamente – sessões fotográficas em estúdio com modelos, fotografias do
inesperado na rua, ampliações em laboratório fotográfico – e Thomas representa um ideal de
fotógrafo bem sucedido e cercado por mulheres atraentes (MENEZES, 2001). Para o
fotógrafo brasileiro Bob Wolfenson, esse filme foi responsável por influenciar uma geração de
fotógrafos brasileiros; segundo ele, Stupakoff personificaria o ideal de fotógrafo atraente,
namorador e cercado de glamour como representado por Antonioni em sua obra
(CHIODETTO, 2005; WOLFENSON, 2017): “Otto, como poucos, personificou a figura do
fotógrafo charmoso, sedutor e aventureiro, prefigurado, mais de uma década antes, por
Michelangelo Antonioni em seu seminal filme Blow-up” (INSTITUTO MOREIRA SALLES,
2009a, p. 8).
Stupakoff, por sua vez, se recusava a assumir o rótulo ao qual Wolfenson se
refere: “Por ter convivido com modelos e atrizes famosas, acham que fui um playboy
comedor [sic] de mulheres. Não fui, não exageradamente” (STUPAKOFF apud HARA;
WOLFENSON, 2002, p.36). Ele afirma que o glamour existiu, mas não a fama. Muitos dos
trabalhos que desempenhava para as revistas teriam acontecido pelo fato dele ser capaz de
lidar com as personalidades e estabelecer relações de confiança, não misturando o pessoal
com o profissional (OLIVANI, 2005). Não obstante, a trajetória de Stupakoff mostra que ele
de fato foi um destacado personagem de uma época de ouro da fotografia de moda e do
retrato, nos anos 1960 e 1970. Como fotógrafo de moda, foi contemporâneo de nomes como
6 WOLFENSON, Bob. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 11 fev. 2017.
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Richard Avedon, Irving Penn, Diane Arbus (nos EUA) e Guy Bourdin, Frank Horvat, Helmut
Newton e Philippe Halsman (na Europa).
Uma das particularidade de Stupakoff foi sua inclinação à psicologia analítica
junguiana tanto como analisando quanto estudioso da teoria (FERNANDES JUNIOR, 2006).
Essa aproximação da psicologia junguiana se perpetuou ao longo da vida do fotógrafo e foi
fundamentada principalmente pelos aspectos do puer aeternus, sincronicidade, self, anima e
busca interior, discutidos mais adiante no presente trabalho.
Partindo-se da premissa de Joseph Campbell (1989) de que a busca interior se
configura na jornada do herói, podemos constatar que a jornada empreendida por Otto
Stupakoff apresenta características de um monomito 7 . O monomito de Campell (1989)
persegue a aventura do herói, sendo que o verdadeiro caminho do herói seria o da
individuação, da vida criativa e da mudança. Mais do que um caminho reservado a poucos
escolhidos, ele pode ser percorrido por todos os seres humanos impelidos a desenvolver uma
jornada de vida (MÜLLER, 1987).
O fim da jornada do herói não é seu engrandecimento, mas a conquista da
sabedoria e do poder de servir aos outros (CAMPBELL, 1990). Ao final de sua jornada, pode-
se dizer que Stupakoff conquistou a sabedoria, tendo plena consciência de ter servido às
pessoas através de suas fotografias:
Tenho consciência da minha responsabilidade social para com a humanidade
e quando digo que a meta final da minha produção é a compaixão, as pessoas
ficam surpresas. Mas toda arte é comunicação e isto implica em um
aprendizado sobre o ser humano. Por isso sou fotógrafo e tenho imenso
prazer em comunicar aquilo que sei. Levei muitos anos para chegar onde
cheguei, e não foi batendo chapas, e sim aprendendo com as pessoas. E isto é
coisa que não acaba. (STUPAKOFF apud SAMPAIO, 2007, p.4).
Tendo em vista as características acima explicitadas, o percurso de Stupakoff aqui
apresentado segue uma narrativa em forma de monomito, com um ponto de partida, seguido
de desenvolvimento e do regresso. O importante nessa narrativa é entender o percurso desse
fotógrafo brasileiro reconhecido pelos seus trabalhos fotográficos com moda e retrato e que
empreendeu uma jornada para estabelecer um estilo próprio e buscar a integridade
fotográfica. Desenvolvemos abaixo uma descrição de trajetória de Stupakoff em três grandes
eixos: Brasil, Estados Unidos e Europa. Em torno desses eixos foram consideradas as
atuações profissionais do fotógrafo e dados de sua vida pessoal que foram determinantes
para sua trajetória profissional. Para o texto argumentativo recorreu-se a depoimentos e
declarações publicadas ou inéditas do próprio Stupakoff e de terceiros que tiveram com ele
alguma relação pessoal ou artística.
7 Monomito é um conceito apresentado por Joseph Campbell (1989) que diz respeito à jornada cíclica presente
nos mitos – estrutura dinâmica de personagens, cenários e situações típicas. Essa jornada pode ser transposta
para o ser humano comum.
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31
12 Essas imagens históricas de arquitetura foram expostas na Galeria Espasso/Nova York.
13 Lendário fotográfo norte-americano; no momento do contato com Stupakoff, Weston sofria de mal de
Parkinson, que o levaria ao óbito em 1958.
14 Segundo Krauss (2013), na cidade de São Paulo até o final da década de 1940 havia cerca de 148 estúdios
fotográficos comerciais oferecendo diferentes serviços de produção fotográfica, de laboratório e serviços gráficos,
vide o Fotolabor. A partir da década de 1950 o campo da produção fotográfica nacional foi marcado pela expansão
dos investimentos em publicidade, crescimento editorial e consolidação dos estúdios voltados à fotografia
industrial. Foi nesse cenário que Stupakoff estabeleceu e alçou sucesso com seu estúdio.
15 Ainda utilizou o estúdio da Standard Propaganda na Praça Roosevelt no período em que trabalhou para a
agência.
32
(A) (B)
Figura 2. Estúdios de Stupakoff (A) Fachada do estúdio na Avenida Ipiranga. (B) Estúdio da Frei
Caneca, n. 1348, década de 1960. Fonte: Instituto Moreira Salles.
16 Na falta de material sobre tais trabalhos, essas atribuições fotográficas puderam ser constatadas pelas cenas de
33
o artista plástico Wesley Duke Lee, com quem manteve duradoura amizade e intercâmbio
artístico. Todo esse contexto corrobora a crença de Stupakoff de que é “de vital importância
para um fotógrafo não pensar tanto em fotografia, mas buscar referências na literatura, na
pintura, no desenho, na música” (STUPAKOFF apud FERNANDES JUNIOR, 2006).
Em 1963, Stupakoff integra o movimento artístico Realismo Mágico18 idealizado
por Wesley Duke Lee e formado pela pintora Maria Cecília Gismondi, o crítico de arte Pedro
Manuel-Gismondi e o escritor Carlos Felipe Saldanha (COSTA, 2010). Como integrante do
movimento, Stupakoff participou do que é considerado o primeiro happening do Brasil,
intitulado O grande espetáculo das Artes (23 de outubro de 1963) no João Sebastião Bar19,
em São Paulo (FERREIRA, 2006). O happening foi uma resposta à dificuldade de Duke Lee
em expor sua série Ligas no circuito tradicional das artes, por esta ser considerada erótica e
obscena. A ação consistiu de uma filmagem de 15 minutos, realizada por Stupakoff, em que
Maria Cecília Gismondi, com vestido de alta costura, luvas e chapéu, caminha pelas ruas de
São Paulo como se estivesse indo a um encontro (Figura 3) e chega no João Sebastião Bar,
onde estava exposta a série Ligas conjuntamente a recursos multimídias. O filme foi
projetado em uma tela de papel na qual, em um dado momento, Maria Cecília Gismondi
rasga o painel e simula um strip-tease. Nesse contexto houve uma apresentação com a
presença dos integrantes do movimento – além do Corpo de Bombeiros de São Paulo, que
tentou impedir a realização do show (FERREIRA, 2006). O filme feito por Stupakoff
desapareceu, mas um making of com fotos foi encontrado por Max Perlingeiro, diretor da
Pinakotheke Cultural, RJ (COSTA, 2010).
18 Realismo Mágico em São Paulo foi um acontecimento espontâneo, sem manifestos nem densas definições
(MENDONÇA, 1988).
34
Figura 3. Filmagem para o happening O grande espetáculo das Artes, 1963. Stupakoff (filmagem) e
Maria Cecília Gismondi (performance). Fonte: COSTA, 2010 (Acervo Maria Cecília Gismondi).
Nos primeiros anos como fotógrafo e artista no Brasil, Stupakoff apresentou seu
trabalho em diversas exposições, a primeira realizada no Instituto Cultural Brasileiro Norte
Americano (ICBNA), em Porto Alegre, no ano de 1955, seguida da exposição fotográfica na
Galeria Oca do Rio de Janeiro, em 1956, e a emblemática exposição, com forte repercussão da
crítica de arte, na Petite Galerie20 em São Paulo, 1963, ocasião em que apresentou fotografias
e colagens (VEIRA, 1963).
Para além da fotografia, mas ainda no âmbito artístico, Stupakoff desenvolveu
outras expressões pessoais em sua trajetória de vida, como uma significativa produção de
colagens e assemblages. Como citado anteriormente, ainda na adolescência, sua primeira
opção de atuação profissional foi com o audiovisual; em 1958, iniciou seus trabalhos em
multimídia e colagens e, em 1963, na pintura (MENDES; ARRUDA, 2001). Apesar de
incursões em outras atividades artísticas, seu foco de produção profissional e expressão
pessoal continuou sendo a imagem fotográfica, para qual julgava ser a fotografia de moda a
única que propiciava ao fotógrafo a oportunidade de se expressar tanto quanto uma
ilustração ou uma reportagem (FERNANDES JUNIOR, 2006).
Se na década de 1950 a fotografia publicitária já desfrutava de significativa
produção no Brasil – com Chico Albuquerque, Milan Alram, Henrique Becherini e Hans
Gunter Flieg, por exemplo –, a produção e divulgação da fotografia de moda ainda era
incipiente. Até meados do século XX, não havia no Brasil publicações especializadas em
moda e era corriqueira a importação de modelos e padrões de vestimentas e acessórios,
especialmente franceses (FREYRE, 1997). Essa prática se refletia no uso nas matérias das
revistas de fotos produzidas fora do Brasil, compradas de agências internacionais como a UPI
e a Dalmas (BONADIO, 2005). Junto a isso, houve uma permanência prolongada do uso da
ilustração de moda em revistas com seções dedicadas ao assunto, com destaque para o
trabalho do estilista Alceu Penna em As garotas, ensaio publicado na revista O Cruzeiro
20 Petite Galerie foi uma galeria localizada na Avenida Paulista, 1731, e funcionou entre as décadas de 1960 e 1980.
35
(JÚNIOR, 2011). Frente a esse cenário, Stupakoff atribui a si o feito de ter realizado a
primeira fotografia de moda do país (STUPAKOFF, 2006a):
Jamais havia visto uma foto de moda publicada no Brasil, antes de eu fazer a
primeira. É incrível, porque já éramos uns 100 milhões de habitantes. Pedi
ao Dener (estilista) um vestido emprestado. Coloquei na mala, peguei um
ônibus para o Rio de Janeiro, combinei com minha namorada, Duda
Cavalcanti, e fomos para a casa do Heitor dos Prazeres, amigo pintor e
sambista, que morava numa casa art noveau. Nesse terraço, coloquei a Duda
com o vestido do Dener, que ele havia feito, em 1955. Era um vestido branco
e azul-marinho. Nesse dia, no terraço da casa de Heitor, a Duda vestindo
Dener, foi feita a primeira foto de moda no Brasil. Essa foto, que fiz para
mim, nunca foi publicada. (STUPAKOFF apud ALLEONE, 2012, p.82).
Ainda que o fotógrafo assim o diga, não há evidências
suficientes para confirmar esse fato. A imagem a que Stupakoff se
refere em sua citação não foi encomendada por nenhuma
publicação e teria sido, segundo ele, uma iniciativa pessoal de
experimentação em direção ao desenvolvimento de um estilo e
linguagem próprias (ALLEONE, 2012). No acervo do fotógrafo
salvaguardado pelo Instituto Moreira Salles há uma imagem que se
aproxima da descrição em questão (Figura 4).
No final da década de 1950, ocorreu a revolução do
vestuário no Brasil (MELLO; NOVAIS, 2000) com o
desenvolvimento da indústria têxtil e a introdução dos tecidos
sintéticos no mercado, que reduziram os custos das vestimentas e,
Figura 4. Duda Cavalcanti consequentemente, impulsionaram as coleções de prét-à-porter
em trajes condizentes com
o design de Dener, (BONADIO, 2005). Também houve o crescimento e renovação do
conforme referido por
mercado de revistas especializadas em moda conjuntamente com a
Stupakoff, e fotografada na
casa de Heitor dos introdução de processos de impressão em película de acetato, que
Prazeres. Cartão de Boas
festas. Fonte: Instituto conferiam maior grau de sofisticação à impressão (BRAGA;
Moreira Salles.
PRADO, 2011), favorecendo a apresentação fotográfica.
O cenário do período foi favorável para a veiculação das fotografias de moda. Desde
o princípio, o nome de Otto Stupakoff surgiu como autor em editoriais de revistas, tendo seu
trabalho divulgado nas revistas Jóia, Cláudia, Manchete e O Cruzeiro. Nesses termos, fica
patente que Stupakoff participou da fase de implantação da fotografia de moda no final de
década de 1950; a ele se pode atribuir o pioneirismo na fotografia deste segmento no Brasil
menos pelo controverso ensaio não publicado de 1958 e mais pelos seus publieditoriais –
mistos de editorial e publicidade – realizados para a empresa Rhodia. Stupakoff reitera que “O
mercado de trabalho de foto de moda não existia, foi formado nessa época por Licínio
[Almeida]21, Lívio Rangan22 e eu.” (STUPAKOFF apud MENDES; ARRUDA, 2001, p.10).
21 Diretor de arte da Standard Propaganda.
22 Diretor de publicidade da Rhodia.
36
23 Na matéria é mencionado o valor pago a Stupakoff: “Sem a menor dúvida um bom fotografo já pode ficar rico. O
senhor Cícero Levenrath (da Standard Propaganda) contratou o fotógrafo Otto Stupakoff por 150 mil cruzeiros
mensais e mais 20 mil por fotografia. Facilmente o Senhor Stupakoff (que é brasileiro, apesar do nome) chegará
aos 500 mil mensais. A sua especialidade é publicidade em cores.”
24 Frase de Alexey Brodovitch (BRODOVITCH apud FERNANDES JUNIOR, 2006).
37
38
saíra da escola de arte em Los Angeles. Assim, podem ser encontrados indícios da propensão
de Stupakoff em tentar carreira no exterior muito antes de 1965: primeiramente houve um
vínculo educacional e de formação profissional pela Art Center School, posteriormente houve
inserções esporádicas do seu trabalho nos Estados Unidos.
Entre 1961 e 1962, ele ofereceu seus serviços de assistente ao fotógrafo Irving
Penn. Na ocasião, Penn recusou-lhe o pedido ao olhar o portfólio de Stupakoff, alegando que
não poderia aceitá-lo como assistente pois seu trabalho já o configurava como fotógrafo
(FERNANDES JUNIOR, 2006). Ainda no início dos anos 1960, Lew Parrella afirmou em
entrevista (MANJABOSCO, 2015) que Stupakoff almejava trabalhar para as revistas de moda
norte-americana, como Vanity Fair e Vogue. Em 1964, ele inscreveu fotografias para o The
New York World’s Fair25 (no Kodak26 Pavilion, Nova York) – um concurso de fotografias em
cores que recebeu cerca de 12oo imagens, das quais 300 foram selecionadas para exposição –
sendo premiado com a medalha de prata (a fotografia foi posteriormente publicada pela Life
Magazine 27 ). Em 1964 28 , Stupakoff viajou
novamente a Nova York e conheceu o curador do
MoMA, John Szarkowski, além do diretor de arte
Alexey Brodovitch e os fotógrafos Richard Avedon,
Art Kane e Louis Faurer (as visitas a esses
profissionais eram agendadas e Stupakoff
apresentava a eles algumas de suas fotos como
meio de obter avaliações) (STUPAKOFF, 2000b).
Nessa viagem, ele também reencontrou uma
antiga namorada, Betsy, com quem realizou uma
série de quarenta e três fotografias que foram base
para as impressões 10,8X15,9 cm coloridas a
mão 29 e doadas ao MoMA em 1966, as peças
Figura 5. Produção de Stupakoff inspirada
no House of card, depositada no MoMA em foram inspirada no brinquedo educativo House of
1966. Fonte: Divulgação/MoMA/ card (Figura 5), dos designers Charles e Roy
Sarah Meister.
25 Sobre o The New York World’s Fair ver Picture Ahead: a Kodak e a construção do turista-fotógrafo de Lívia
Eastman Kodak Company historicamente foi pioneira em seu processo fabril e comercial na produção do filme em
rolo, que por sua estrutura produz sequências fotográficas.
27 Essa fotografia não foi localizada no acervo da Life. Aqui nos baseamos nas informações divulgadas por jornais
da época (O GLOBO, p. 2, 11 ago. 1964) e que apontam para uma retrato de D. Olimpia de Ouro Preto.
28 Em entrevista a Ricardo Mendes e Valdir Arruda, Stupakoff afirma ter feito a viagem em 1963 (mas também
afirma estar confuso com as datas). No entanto, outras fontes apontam para 1964.
29 Sobre a montagem: “as fotos são coladas em um pedaço de papel cartão rígido; atrás é recoberto com um tipo de
papel oriental; os cartões com as fotos são acondicionados em uma caixa de madeira com uma pequena porta”
(STUPAKOFF, 2000b). Nos cartões também constam trechos das cartas trocadas entre Stupakoff e Betsy.
39
Eames30. Ainda em 1964, expõe na The Underground Gallery, no Museu Municipal de Haia
(na Holanda) e na 43ª Exhibition of the Art Director’s Club of New York.
Em Nova York, Stupakoff apresentou como portfólio os retratos, produção vista
por ele como a mais genuína do que havia realizado até o momento (STUPAKOFF, 2000b).
Nesse portfólio, não incorporou nada da sua produção comercial no Brasil, basicamente
porque era desse tipo de trabalho que estava tentando se desvincular. A partir de 1965,
Stupakoff iniciou sua carreira internacional profissional em Nova York, desenvolvendo
durante oito anos trabalhos para agências publicitárias e para as revistas Harper's Bazaar,
Esquire, Glamour, Look Magazine, Twentieth Century, Ladies Home Journal, Town &
Country, Seventeen e McCall’s (STUPAKOFF, 1978c).
Nesse recomeço em terras estrangeiras, Stupakoff se deparou com questões
relacionadas tanto à perda de padrões financeiros estabelecidos em sua zona de conforto no
Brasil quanto à impossibilidade de exercer a mesma posição profissional que possuía aqui,
pois ainda não gozava de prestígio junto ao mercado fotográfico norte-americano. Seus
primeiros trabalhos remunerados nos Estados Unidos foram fotografias para capas de discos
da Columbia Records (STYCER, 2005) e através da docência em fotografia na Parsons School
of Design (em 1966). Instalou seu estúdio fotográfico no Carnegie Hall, Stúdio 1101, local
onde outros fotógrafos de renome, como Art Kane – de quem se tornou amigo – haviam se
estabelecido. Dentro desse ambiente, Stupakoff confessou que “Aqui há um desafio
emergente, mas sem urgência. Reconsiderei, revi, reeditei; confessei os pecados, reorganizei
a alma, renunciei, sobretudo à mentira. Nova York é um processo de exorcismo, de despejar
demônios instalados. Só aqui se recomeça todos os dias [grifo nosso]” (STUPAKOFF apud
VASCONCELOS, 1967, p. 3). Percebe-se que, para o fotógrafo, a ida para os EUA corresponde
a uma busca pelo novo, uma fuga da mesmice do seu trabalho anterior realizado no Brasil.
Ainda em 1965, Stupakoff produziu uma série de cinco comerciais para a Johnson
& Johnson na Venezuela, foi premiado com o The Art Director’s Club de Nova York, e
começou a fotografar para a Look Magazine, Esquire e Glamour.
Seu acesso à revista Harper’s Bazaar deu-se através das fotografias feitas em um
hotel com o ator Oskar Werner (revista Harper’s Bazaar, outubro de 1965) que havia
terminado as filmagens de Jules and Jim, do cineasta francês François Truffaut. Stupakoff
considerava esses retratos como um significativo progresso em sua busca pessoal (MARRA,
2005), tanto que os manteve dentre seus favoritos. Os primeiros trabalhos de moda para a
Harper’s foram editoriais com crianças, India’s littlest ambassadors (março de 1967) e A girl
with a natural style com Leslie Bogart (abril de 1967), filha dos atores Humphrey Bogart e
Lauren Bacall (STUPAKOFF, 1978a). Apesar da descrença de Alexey Brodovitch – ex-editor
30 Na criação dos Eameses os cartões com fendas exibem uma grande variedade de fotografias dos reinos animal,
mineral e vegetal de um lado e um asterisco no outro. A House of Cards pode ser montada em conjunto para
formar estruturas em diversos tamanhos.
40
31 Bea Feitler (1932- 1982) foi uma designer e diretora de arte brasileira que consolidou sua carreira em
publicações internacionais como Harper’s Bazaar e Vanity Fair nas décadas de 1960-1970. No Brasil atuou nas
revistas Senhor, início de 1960 e Setenta, 1970.
41
(A) (B)
Figura 6. (A) Anúncio na Folha de São Paulo de 1971. Legenda: “Onde você encontrar um Irving Penn,
um Bert Stern, um Otto Stupakoff ou um Franco Rubartelli, você encontra também um Metz
Mecablitz”32. (B) Anúncio no Diário da noite, outubro, 1968. Legenda: “(...) Na segunda revelada e
copiada, a foto parecia tirada pelo Bert Stern. Ou pelo Irving Penn. Ou pelo Otto Stupakoff.33
Fontes: Reprodução dos jornais/ Acervo Folha/ Acervo Diário da noite.
Ainda em Nova York, ele começou a fotografar para revistas europeias – seu
primeiro trabalho foi publicado na Elle francesa em 1969. E, para além da fotografia e em
consonância com sua busca por diversidade na expressão artística, em 1970 estudou pintura
na Art Students League.
Na década de 1960, a vida pessoal de Stupakoff de certa maneira também
distanciou-se do Brasil. Em 1969, ele se casou com Margareta Arvidsson, modelo suéca e ex-
Miss Universo (premiada no concurso de 1966). Com ela teve dois filhos, Gabriela e Sef
Stupakoff. Além de esposa, Margareta foi parceira em vários dos seus trabalhos fotográficos
profissionais como Ladies’ Home Journal (novembro de 1969), Vogue França (novembro de
1973), Harper’s Bazaar (dezembro de 1972), e séries pessoais (nus).
32 Anúncio publicado no jornal Folha de São Paulo, Caderno 1, 7 de março de 1971.
33 Anúncio no Diário da noite, outubro, 1968
42
sua ida em definitivo para a Europa, já era solicitado nas revistas francesas. Segundo o
próprio, o seu trabalho no velho continente era algo mais refinado, diferente do “mau gosto
inerente ao puritanismo americano” (STUPAKOFF apud STYCER, 2005, p. 65). Além disso,
dizia que em Nova York o fotógrafo era somente mais um na engrenagem profissional
(MENDONÇA, 1978b).
O início de sua colaboração com a Vogue francesa data de novembro de 1973 com
o editorial Des robes pour les lumières du soir 34 no qual sua então esposa Margareta
Arvidsson participou como modelo. Stupakoff consolidou sua parceria com a Vogue francesa
a ponto de publicar em todas as edições da revista no ano de 1974 e também na edição
especial, realizada em Baden-Baden, na Alemanha, na qual faz um de seus emblemáticos
editoriais (1974). Stupakoff foi reconhecido um dos mais significativos fotógrafos desse
periódico pelo Vogue Book of Fashion Photography (DEVLIN, 1979).
Uma vez na Europa, intensificou suas viagens a diversos lugares do mundo,
principalmente entre 1974 e 1976, pautado para realizar fotografias de editoriais de moda e
retratos de personalidades para diferentes publicações. No período, Stupakoff se auto-
classificou como: “(...) um viajante compulsivo, às vezes compelido” (STUPAKOFF, 1978d,
p.3). Pode-se depreender dessa fala que o compulsivo faz parte de sua personalidade e da sua
contínua propensão a buscar algo novo; as viagens de caráter comissionado permitiam-lhe
realizar esse potencial, ainda que também o forçavam a executar essa ação. No entanto,
apesar da projeção profissional conseguida no continente europeu, Stupakoff permaneceu
somente quatro anos na capital francesa. Declarou não se adaptar a vida na França
(STUPAKOFF, 1978a), o que favoreceu seu retorno ao Brasil.
O Brasil sempre esteve na rota de viagens de Stupakoff mesmo quando ele estava
baseado em Nova York ou na Europa, tanto por conta do vínculo familiar quanto por ocasiões
profissionais, como na ocasião em que selecionou modelos para as revistas Vogue e Elle em
1973 e 1974 (AMARAL, 1973) e para a Vogue Brasil – Ana Maria de Orleans e Bragança, em
1974.
No final de 1976, após quatro anos na Europa, o fotógrafo fez seu primeiro
retorno ao Brasil após sua bem sucedida carreira internacional. Entre 1976 e 1980, ele
estabeleceu residência em Joatinga, no Rio de Janeiro, e manteve uma base profissional em
São Paulo no edifício Copan. Ainda manteve vínculo profissional com a Vogue francesa e
continuou viajando para diversos pontos do mundo – Ártico, Rússia, Noruega – a serviço das
34 Foto apresentada no capítulo 5 (Figura 154C).
35 STUPAKOFF apud STYCER, 2005, p. 65.
43
36 Entre os trabalhos propostos por Stupakoff às empresas estão as agendas Lion-Caterpillar, 1978 e Varig, 1979.
Também houve uma proposta para a Aços Villares, centrada na figura de Santos Dumont, mas não foi
concretizada.
37 ROMÃO, Jussara. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 12 mai. 2016.
38 Fernando Laszlo foi assistente de Stupakoff no editorial para a Vogue Brasil de 1989.
44
e fino trato com as pessoas da equipe, sempre educado e delicado. Jussara Romão39, por
exemplo, salienta que Stupakoff era um fotografado generoso, sabia que aquilo que ele estava
construindo, todo mundo estava construindo junto e que a liberdade de criação era total,
porque ele sabia direcionar.
Não obstante os argumentos supracitados, ainda há um estigma do preconceito
do brasileiro em relação ao profissional que alcança sucesso no exterior. Nesse sentido,
Stupakoff cita Carmen Miranda, que não foi bem recebida ao retornar ao Brasil, e também os
conselhos dados a ele por Tom Jobim e Sérgio Mendes, de que seria necessário, para que
fosse continuamente bem recebido aqui, visitar o país ao menos uma vez ao ano, “dar as
caras” (STUPAKOFF apud FERNANDES JUNIOR, 2006).
Também é fato que a fotografia profissional brasileira estava diferente daquela
deixada por Stupakoff quando da sua ida para o exterior em meados dos anos 1960. As
décadas de 1950 e 1960 foram responsáveis pelo “despertar” fotográfico brasileiro de um
modo geral, após um período de semi-hibernação desde o começo do século XX (VASQUEZ,
1986). Isso continua na década seguinte e, no final dos anos 1970, é explícito o aumento de
profissionais especializados, levando ao desenvolvimento de um campo fotográfico mais
complexo no qual passam a coexistir intenções das mais díspares com grande variedade
temática e conceitual (COSTA; SILVA, 2004).
O não acondicionamento em território nacional conjuntamente a diminuição do
seu patrimônio financeiro40 acarretou na nova ida de Stupakoff para Nova York em dezembro
de 1980. Lá se tornou cidadão americano em 1984 e trabalhou até meados da década de 1990.
A ausência de Stupakoff por nove anos dos Estados Unidos resultou na perda do
seu acesso ao mercado norte americano e uma demora de cinco anos para se consolidar
novamente (OLIVANI, 2005). Nesse período, Stupakoff fotografou para revistas menos
reconhecidas e de menor pretensão cultural como a Housekeeping, além de ter produzido
outros trabalhos de menor monta, como catálogos.
Entre as décadas de 1980 e 1990, Stupakoff produziu trabalhos comissionados
para a revista Glamour e para todo território europeu. Ele continuou vindo socialmente e
profissionalmente até o Brasil para realizar trabalhos para a Vogue Brasil (em 1988 e 1989),
Playboy Brasil (em 1980 e 1989) e para o Bradesco (em 1994) (ver capítulo 2).
Nesse período, ele continuou a realizar grandes viagens. Em 1994, produziu,
conjuntamente com seu filho (e também fotógrafo) Bico Stupakoff, um significativo trabalho
39Jussara Romão foi parceira no editorial para a revista MIT (junho de 2008).
40Em entrevista, Stupakoff afirma que nesse período no Brasil seu patrimônio diminuiu de 500 mil dólares para
30 mil (STUPAKOFF, 2000d).
45
documental no Camboja para o Cambodia National Trust for land mine victims (FERREIRA,
2004; STUPAKOFF, 201641). Nessa ocasião, fotografou o Balé Real Cambojano, as ruínas de
Angkor Wat, as selvas de Battambang, hospitais militares, os campos de execução usados
pelo Khmer Vermelho42 e a prisão de tortura de Tuol Sleng (material depositado no Instituto
Moreira Salles). Como discutido na sequência dessa tese, para além da fotografia de moda e
do retrato, as produções documentais foram uma vertente do trabalho do fotógrafo.
Há evidências de que o fotógrafo não se tornou totalmente imêmore no país
mesmo fora do Brasil. Para a 20ª Bienal Internacional de São Paulo, de 1989, teria uma Sala
de Retratos sob a curadoria de Rosely Nakagawa, que não foi montada devido à falta de
patrocínio, mas que apresentaria obras de Stupakoff junto a outros fotógrafos. Em 1991 e
2003, as edições 1 e 12, respectivamente, da Coleção Pirelli/MASP de fotografia
incorporaram e apresentaram imagens de Stupakoff. Em 1985, o MAC/USP apresentou
algumas fotografias de Stupakoff em uma retrospectiva da produção fotográfica dos anos
1960 – Fotografia e os Anos 60 – no espaço Fotóptica MAC/USP. Em 1991, a Galeria
Fotóptica realizou exposição coletiva com uma seleção de destacados fotógrafos brasileiros,
incluindo obras de Stupakoff. Essas exposições mostram que, apesar de não atuante ou
mesmo presente no país, Stupakoff e sua obra mantiveram-se na mente de algumas pessoas e
na memória da fotografia nacional.
41 STUPAKOFF, Bico. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 14 abr. 2016.
42 Na época, o Camboja ainda apresentava grupos remanescentes da ditadura comunista do Khmer que
combatiam o novo governo de coalizão (pró-Vietnam e rebeldes). Esses soldados prenderam e interrogaram Otto
e Bico Stupakoff (STUPAKOFF, 2006a).
43 Título usado pelo próprio Stupakoff em decorrência de sua volta ao Brasil em 2005.
44 STUPAKOFF, 1978a.
46
45 Salvo alguns fotógrafos como Richard Avedon que fotografou até o final da vida para as melhores publicações:
“Mas ele era um gênio, eu não sou” (STUPAKOFF apud STYCER, 2005, p.66).
46 Somado a isso, Stupakoff relata que, por contingência econômica, no final de 1970, as revistas concediam aos
anunciantes mais espaços nas matérias de moda e os editores pautavam a matéria em função de um cliente
específico. Com isso: “A influência econômica alterou algo que era expressão artística” (STUPAKOFF, 2000b).
47
também menciona que tinha intenção de residir novamente no Rio de Janeiro em 2001; chegou a alugar uma casa
no Leblon, mas desistiu (STUPAKOFF, 2000d).
48
fundos para o fotógrafo. Por outro lado, iniciou-se um levante para uma exposição de maior
monta no Brasil. Essa exposição, com curadoria de Wolfenson e Laszlo, aconteceu em 2005
como uma homenagem a Otto Stupakoff na São Paulo Fashion Week na mostra Moda sem
Fronteiras (CHIODETTO, 2005).
A visibilidade e a valorização de Stupakoff aumentou no país em decorrência da
mostra Moda sem Fronteiras. Essa exposição marcou a retomada e uma nova ascensão de
Stupakoff na fotografia brasileira, além de marcar sua volta ao Brasil. Mais que uma
homenagem, a exposição despertou interesses diversos sobre o fotógrafo, que passou a
produzir editoriais e publicidade, lecionar na Escola Panamericana - SP, e atuar como
personagem central em entrevistas entre 2005 e 2008. Nessa ocasião, Stupakoff diz ter
“chegado ao fim da trilha, no fim de minhas aventuras depois de correr o mundo inteiro”
(STUPAKOFF apud OLIVANI, 2005).
Otto Stupakoff faleceu em 22 de abril de 2009 de causa não divulgada.
48 Em: http://styleforallkind.blogspot.com.br/2009/02/otto-stupakoff-no-ims.html.
49
destaques dessas mostras há: The Best of Harper's Bazaar (Doubleday Gallery, Nova Iorque,
em 1970); São Paulo Fashion Week (Pavilhão da Fundação Bienal, São Paulo, em 2005); Otto
Stupakoff: fotografias, em 2009, e Beleza e inquietude, em 2017, ambas no Instituto
Moreira Salles (a primeira no Rio de Janeiro e em São Paulo; a segunda no Rio de Janeiro e
programada para ser reapresentada em São Paulo no ano de 2019). A obra de Stupakoff está
também apresentada em suas publicações para revistas e anúncios, além de reunida em
livros como Fotografias Otto Stupakoff (1978), Otto Stupakoff (2006), Rio erótico (2006),
Sequências Otto Stupakoff (2009), A hora e o lugar (2015) e uma possível publicação via
Instituto Moreira Salles em 2018 (BURGI, 2017)49.
Em um texto para o jornal O Estado de São Paulo (datado de 12 de dezembro de
2006), o jornalista Antônio Gonçalves Filho adjetiva a vida e trajetória de Otto Stupakoff
como pendulares (GONÇALVES FILHO, 2006). Um pêndulo, pela descrição do objeto, é um
dispositivo que consiste em uma massa puntiforme presa a um fio que oscila em torno de um
ponto fixo. O movimento pendular, nesse caso, é algo que proporciona movimento e variação
dentro de um espaço e contexto específicos; a massa puntiforme, ao final, sempre retorna ao
ponto fixo. A análise apresentada no correr do presente trabalho, no entanto, destoa dessa
interpretação. Um pêndulo não é algo que represente Stupakoff. Ele alçou movimentos largos,
de ruptura, de transformação. Suas voltas não eram para um centro fixo, pois este não se
fixou propriamente, seus retornos eram para lugares já transformados. Uma melhor
metáfora para a vida e obra de Stupakoff seria um atrator estranho (GLEICK, 2008), que
pode ser definido como o conjunto de comportamentos característicos para o qual um
sistema dinâmico evolui, nunca voltando exatamente para a mesma posição inicial e sim para
posições análogas modificadas.
Se pudermos falar de consistência no trabalho de Stupakoff, essa seria em relação
a sua visão de mundo, modo de pensar e coerência de expressão usando a fotografia. É
possível que alguns quesitos de sua estética fotográfica tenham mudado ao longo do tempo,
fruto do amadurecimento e prática profissional. Mas entre essas mudanças, a linha
condutora sempre foi a sua fidelidade em relação ao seu trabalho, a ser ele mesmo. O
embrião do que é Otto Stupakoff estava virtualmente estabelecido desde suas primeiras
incursões na fotografia, e que a evolução desse embrião (no sentido do seu desenrolar)
ocorreu de acordo com o ambiente e escolhas pessoais que o fizeram ser Otto Stupakoff.
Stupakoff e o fotógrafo Thomas, personagem de Blow-up de Antonioni, não se
assemelham por conta do glamour e da sensualidade: de fato, a identificação mais próxima
entre ambos está na prática da fotografia como algo espontâneo e cotidiano que reflete a
busca pelo conhecimento. O uso da fotografia como ferramenta para conhecer o mundo e
registrar temas para além da fotografia de moda e publicidade.
49 BURGI, Sérgio. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 18 de jan. 2017.
50
51
CAPÍTULO 2
52
53
1 ALBERTINI, Virginia. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 1 jun. 2014.
54
2 A despeito disso, Stupakoff contribuiu para identificação de seu material em vida através de anotações pré-
existentes no próprio material ou auxiliando os curadores da SPFW indicando contexto e legenda para as fotos
que seriam expostas.
55
3 Diapositivos, também conhecidos como cromos, são filmes positivos.
4 De algumas imagens há somente a cópia, sem o negativo.
56
(A) (B)
Figura 8. Caixas de Stupakoff no IMS. (A) Caixa 1: primeira seleção de Otto Stupakoff.
(B) Caixa 2: segunda seleção de Otto Stupakoff. Fonte: Fotos da autora/Exposição no Instituto
Moreira Salles 2016-2017.
57
Figura 9. Folha de contato de médio formato, Tom Jobim (1956-1957), Otto Stupakoff.
Fonte: Instituto Moreira Salles
58
Figura 10. Parcial da folha de contato, René d´Harnoncourt, diretor do MoMA, New York, 1977, Otto
Stupakoff. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Como parte do material entregue por Stupakoff ao IMS há também uma relação
de folhas de contato ampliadas em Nova York, produzidas para a ocasião da São Paulo
Fashion Week em 2005 e encomendadas pelos curadores da exposição Bob Wolfenson e
Fernando Laszlo.
A respeito da materialidade propriamente dita das folhas de contato há
indicações que se destacam. Todas estão grafadas e numeradas como OS seguido de um
número dado aquele copião 6 , por exemplo, OS 127 e OS 315. As marcações feitas em
vermelho nos fotogramas são de Bob Wolfenson e Fernando Laszlo, assim como também
alguns dos comentários nelas contidas, sendo as marcações em branco de Otto Stupakoff
(WOLFENSON, 2017). Há também inscrições “Otto 16 e 19”, por exemplo, que se referem
explicitamente à escolhas feitas por Stupakoff.
A figura 11 apresenta fotogramas individualizados da folha de contato nomeada
OS 127, que diz respeito à série com Pietro Maria Bardi, realizada em 1978. Da esquerda para
a direita, na sequência dos fotogramas digitalizados pelo IMS, aparecem as seguintes
numerações 031OS_127_3, 031OS_127_17 e 031OS_127_20. Essa nomenclatura torna
evidentes determinadas informações importantes ao pesquisador que estiver acessando o
arquivo de Stupakoff: 031 é a numeração dada ao acervo do fotógrafo no IMS, o número
seguinte identifica a qual folha de contato física se refere (no caso, a 127), e o último qual é o
fotograma da sequência (nesse exemplo, respectivamente os fotogramas 3, 17 e 20). Para ter
acesso às anotações específicas, o pesquisador precisar recorrer ao copião impresso ou
digitalizado. Na série realizada com Bardi, somente pelo copião foi possível verificar que há
uma marcação em retângulo vermelho no fotograma 3, possível escolha de fotograma.
6 Sinônimo para folha de contato.
59
Figura 11. Pietro Maria Bardi, 1978. Fotogramas 3, 17 e 20, respectivamente. Otto Stupakoff.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
A OS 315, que também faz parte da Caixa 1, diz respeito às fotografias realizadas
no Teatro em Ho Chi Minh, antiga Saigon, no Vietnã. Nessa sequência há 36 fotogramas com
as escolhas indicadas nos fotogramas 16, 18 e 19 (Figura 12). Nela, lê-se: Teatro em Ho Chi
Minh, antiga Saigon no Vietnã. Da esquerda para direita: 031OS_315_16; 031OS_315_18 e
031OS_315_19. A figura 12 apresenta os fotogramas escolhidos e já individualizados.
Figura 12. Fotogramas 16, 18 e 19, respectivamente. Teatro em Ho Chi Minh, 1967. Otto Stupakoff.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
60
Cambodia
Pnom-pehn
Siem-peap
Bottambang
Transporte no pais, cortesia do “Cambodia Trust” com base em
Oxford, Inglaterra. Fotos (e 20 pinturas digitalizadas) foram postas a
leilão na “Academia de Ciências” de N.Y em leilão organizado pela
“Christie’s. Fora poucas anotações que fiz em um mês, o texto deve ser
re-escrito. “Anima Mundi” veio a ser um título utilizado demais.
“Morte e ressurreição” como tema me parece mais apropriado. (...)
Acho que fotos mais antigas, com a retícula do jornal ampliada
também devem contar o genocídio que não presenciei.
Livro deve ser vendido com o livro. Os negativos estão perdidos.
Necessário scan (????)”8
7 As observações entre colchetes são grifos da autora.
8 A interrogação em parênteses é do IMS, pois não foi possível decifrar a grafia do fotógrafo.
61
Dentro de determinada série de fotogramas, alguns seriam mais significativos que outros.
Entretanto, para o pesquisador que desejar ter ideia do conjunto, é necessário ordenar a
sequência pela numeração atribuída ao copião.
Atualmente, as sequências fotográficas em 35mm e médio formato, os
diapositivos, os negativos em grande formato, cópias fotográficas e algumas fotografias
individualizadas estão digitalizados e disponíveis para consulta via sistema Cúmulus do IMS.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, a consulta a esse material foi realizada
especialmente via material digitalizado recorrendo-se ao material físico em alguns
momentos.
9 Entre 1900 e 1930 os discos eram embalados em capas sem relação com o conteúdo do disco, de papel pardo e
com um orifício no meio. Somente em 1940 nos Estados Unidos a Columbia iniciou os projetos gráficos para
capas de discos e álbuns fazendo alusão ao artista ou ao conteúdo (REZENDE, 2012).
62
10 É o resultado estético da técnica fotográfica que mantém um tempo mais longo na captura do referente. A longa
63
Figura 13. (A) Caymmi e o mar, Dorival Caymmi, Odeon, 1957. (B) Alta Versatilidade, Luiz Bonfá,
Odeon, 1957. (C) Carícia, Sylvia Telles, 1957. (D) Demônios em Sambas infernais dos Demônios da
Garoa em 1961. Fotos de Stupakoff. Fonte: www.discogs.com
64
Figura 14. (A) Frank Morris, Let’s Dance, 1960; (B) Mike Falcão, Sonhei que estávamos dançando,
1960. (C) Ivan Casanova e seus conjuntos, Melodias célebres do cinema, 1960. (D) Zezinho e os
Copacabanas, Um coquetel uma dança, 1962. Fotos de Stupakoff. Fonte: Coleção da autora.
65
66
Tanto Ritmo quanto Horizonte Aberto são resultados da parceria entre Stupakoff
e o artista brasileiro Wesley Duke Lee. Duke Lee teve um significativo trabalho nas artes
gráficas através da elaboração de projetos para capas e outros suportes. Stupakoff e Duke Lee
foram amigos durante toda a vida e também firmaram parceria na área profissional, sendo
que, não raras vezes, Duke Lee utilizou fotografias de Stupakoff em suas obras artísticas e em
seus projetos comerciais.
11 Marca de origem francesa, presente no Brasil desde 1919, estava preocupada no período em vender seu enorme
catálogo de novas fibras sintéticas (em especial, o nylon) para as fábricas têxteis, as tecelagens e os confeccionistas
brasileiros.
67
12 Lívio Rangan, diretor de publicidade, foi o idealizador dos desfiles-eventos da Rhodia. “O pretexto dos shows
era promover a alta costura nacional, oferecendo o espaço de desfile a uma série de jovens costureiros, e mostrar a
estamparia feita por artistas plásticos na função de conceber padrões ‘bem brasileiros’.(…) Para reforçar ainda
mais a ilusão de ‘inspiração nacional’ da alta costura então nascente, a Rhodia fez viajar pelo Brasil costureiros,
manequins e coleções, de modo a autenticar sua ‘brasilidade’ em sítios celebrados como símbolos da
nacionalidade, como Salvador, Ouro Preto e Brasília.” (DURAND, 1988 p. 79).
68
13 Licínio de Almeida (diretor de arte).
14 Manchete de 29 de abril de 1961 (edição nº 471, p. 57-73).
69
15 8X10 é proveniente das câmeras de grande formato, pesadas e com negativo em chassi.
16 Licínio de Almeida, diretor de arte da Standard Propaganda.
70
17 Esse calendário não foi localizado. No entanto, Stupakoff (2000a) comenta que fez as fotos em longa exposição
acompanhando o caminhão descendo a Rodovia Caminho do Mar (estrada velha de Santos). O resultado é uma
fotografia na qual o caminhão aparece múltiplas vezes na estrada.
18 Prêmio relacionado à Escola de Propaganda de São Paulo, concedido às agências pelas melhores campanhas e
anúncios do ano. O prêmio é uma homenagem ao publicitário João Alfredo de Souza Ramos.
71
(A)
(B) (C)
Figura 17. (A) Imagem para pôster solicitada por Armando de Moraes Sarmento, publicitário e
presidente da McCann Erickson. (B) e (C) Anúncio Biotônico Fontoura. Fotos de Stupakoff.
Fonte: (A) Instituto Moreira Salles, (B) (C) Revista Propaganda, março, 1959/Acervo BMA.
19 Curiosamente, Stupakoff não pôde adquirir a peça, pois o material empregado e a mão de obra especializada
72
foi, ao vermos aturdidos, algumas peças, inclusive o sofá, arrastadas encharcadas por uma
onda marota” (RODRIGUES, 1962, p. 72). Esse acontecimento repercutiu na imprensa e o
jornal Correio da Manhã noticiou o fato como se eles houvessem lançado os móveis ao mar
como um tipo de oferenda (RODRIGUES, 1962).
Segundo Licínio de Almeida, diretor de arte da Standard Propaganda, esse tipo de
produção destoava do convencional realizado na fotografia comercial brasileira.
Nesses tempos, o que é que eles fariam lá? Botariam na loja, arrumavam um
cantinho e faziam as fotos para o catálogo. Sabe o que o Otto fez? Pegou os
móveis e disse assim: ‘Sérgio, amanhã, cedinho, seis horas da manhã, a luz tá
linda aqui na praia, Ipanema tem uma luz rosada linda perto do Arpoador,
você manda um pessoal varrer a areia e põe os móveis lá.’ ‘Na areia, cara?’ ‘É
na areia’. Então ele fez as fotos na areia. Na época criou uma revolução
estética. É móvel de casa o cara põe na areia! Nossa, precisa ver a atmosfera
que o Otto criou. Ele começou a dar um toque à foto que não havia no Brasil.
(ALMEIDA apud BONADIO, 2014).
Posteriormente Rodrigues faria a poltrona mole, originária do sofá mole (LEON,
2012) e que também foi fotografada por Stupakoff para um anúncio da Oca em 1960 (Figura
18B), assim como anúncios com outros móveis (Figura 18C).
Figura 18. Anúncios da Oca publicados na revista Módulo (A) 1958 e (B) 1960. (C) Anúncio da Oca na
revista Senhor, junho de 1962. Fotos de Stupakoff. Fonte: Reprodução/Acervo BMA/Acervo Biblioteca
FAU-USP.
73
Calendários
O prestígio da fotografia aplicada à comunicação no Brasil aumentou em
consonância à expansão de empresas da área industrial entre 1955 e 1965. O
desenvolvimento do mercado industrial incentivou a publicação e difusão de calendários
empresariais e a realização de concursos como o Prêmio Ampulheta – Concurso de
Calendários e Arte Editados e Impressos no Brasil – promovido pela Biblioteca Municipal
Mário de Andrade em São Paulo (MELO, 2011). A importância do calendário está no alcance
da mensagem cultural, visto que circulava pelas mais diversas esferas, dos altos executivos a
ambientes populares (MELO, 2011), dando grande visibilidade para o trabalho do fotógrafo.
O Prêmio Ampulheta foi ofertado pela primeira vez em 1963, contabilizando oito
edições, e seu objetivo principal foi estimular o design e a produção gráfica por meio de
prêmios, menções honrosas e exposições. A iniciativa visava promover o calendário de arte
enquanto instrumento de difusão cultural. Contava com um corpo de jurados especializados,
entre eles o crítico de arte Mario Pedrosa, o artista neoconcretista Willys de Castro e o
designer gráfico Alexandre Wollner (MELO, 2011).
Na primeira edição, Stupakoff recebeu menção honrosa 20 pelas imagens
apresentadas no Calendário Shell (CALENDÁRIO..., 1963) (Figura 20 e Apêndice VI). Em
1971, todos calendários foram expostos em uma Mostra de calendários artísticos que ocorreu
no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM); nessa ocasião o trabalho de Stupakoff foi
apontado pelos críticos como ponto alto da mostra em virtude da qualidade das fotos
(MAURICIO, 1971).
20 O calendário premiado em primeiro lugar foi das Usina de Aços Villares, ilustrado com fotografias de João
74
21 Texto de Stupakoff na folha 1 do Calendário Shell, 1963.
75
Figura 21. Folhas janeiro e fevereiro do calendário Volkswagem, 1980. Fotos de Otto Stupakoff.
Fonte: Reprodução/Acervo Biblioteca Mário de Andrade.
76
77
com outros fotógrafos como Arnaldo Pappalardo, David Zingg, Pedro Martinelli e Sebastião
Salgado (LASMAR, 2013). Nessa campanha, criada pela agência Salles, em cada inserção em
revista destacavam-se três fotógrafos sob a alcunha de “O Bradesco sabe quanto é importante
confiar no futuro” (revista Veja de 31 de agosto de 1994).
Figura 24. Anúncio Bradesco veiculado na revista Veja, primeira capa interna, em 31 de agosto de
1994, foto de Otto Stupakoff. Fonte: http://www.propagandaemrevista.com.br/ano/1994/08/
78
(A) (B)
Figura 26. (A) Anúncio para Danskins, nd (B) Anúncio Harper’s Bazaar, abril, 1975. Fotos de Otto
Stupakoff. Fonte: Reprodução das revistas.
Em seu regresso ao Brasil nos anos 2000, Stupakoff foi o responsável pela
campanha Luxo para todos, da Cavalera (em 2007), veiculada em diferentes revistas do país
(Figura 27) e pela Vista Pacaembu para a Camargo Corrêa (2007) (Figura 28).
Figura 27. Luxo para todos, da Cavalera, 2007, fotos de Otto Stupakoff.
Fonte: www.institucional.cavalera.com.br/portugues/campanhas.html
79
Figura 28. Vista Pacaembu, da Camargo Corrêa, 2007, foto de Otto Stupakoff.
Fonte: Folha de São Paulo, 8 dez. 2007.
Agendas
Dentre os trabalhos comissionados de Stupakoff, também se destacam as
fotografias para ilustração de agendas de grandes empresas, uma produção restrita aos anos
em que ele atuou no Brasil no final de 1970. Em 1979, o fotógrafo trabalhou para a Mangels
indústria de aço. Essa agenda24, além de fotos de Stupakoff, trazia também trabalhos de
Cláudia Andujar, Cristiano Mascaro, Lew Parrella, João Xavier, Ruth Toledo e Sérgio Jorge,
com texto de Rubem Braga comentando as fotografias. As fotos versavam sobre brasileiros
em suas atividades cotidianas (MORAIS, 1979). No ano de 1978, Stupakoff produziu uma
agenda para a Lion, representante da maquinaria da Caterpillar no Brasil. A série com 56
fotografias em preto e branco teve projeto gráfico de Wesley Duke Lee, encadernado em
espiral e oferecido como presente anual da empresa (FERNANDES JUNIOR, 2006). Nesse
trabalho, as fotos de Stupakoff homenageavam as pessoas que mais usavam as máquinas e
equipamentos da Caterpillar: os trabalhadores do campo (Figura 29). Para a Varig, em 1979,
Stupakoff produziu uma agenda constituída de 56 fotografias em cor e em preto e branco
sobre as crianças brasileiras, fotografadas em 29 cidades destinos da companhia aérea. A
agenda foi produzida no Ano Internacional da Criança determinado pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) (Figura 30).
24 A agenda não foi localizada durante a pesquisa.
80
Figura 29. Foto para a agenda Lion-Caterpillar, 1978. Trabalhadores rurais, São Paulo. Fotos de
Stupakoff. Fonte: Instituto Moreira Salles.
81
(A) (B)
(C)
Figura 31. Revistas nacionais com trabalhos de Stupakoff. (A) capa da revista Rio, n. 207, set. 1956.
(B) capa da revista Rio, n. 209, nov./dez. de 1956. (C) Capa e miolo de O Cruzeiro, setembro de 1960.
Fonte: (A) e (B) CERBINO, 2015; (C) Reprodução/Biblioteca Nacional.
25 Moiré é um resultado gráfico que deixa evidente os pontos que formam as imagens no papel acarretando uma
ilusão de ótica. O efeito ocorre quando há divergência na angulação dos pontos de cada camada da imagem.
82
(A) (B)
Figura 32. Revistas nacionais com trabalhos de Stupakoff. (A) Capa da revista Módulo n. 12,
fevereiro de 1959. (B) Capa da revista Senhor, dezembro, 1961.
Fonte: (A) Reprodução/Acervo Biblioteca FAU-USP (B) Reprodução/Coleção da autora.
(A)
83
(B)
Figura 33. Trabalhos de Stupakoff para a revista Senhor (A) Maio, 1962, layout de Wesley Duke Lee e
texto de Mengo de Escamoens, fotos de Otto Stupakoff. (B) Julho, 1962, fotos de Otto Stupakoff.
Fonte: Reprodução das revistas/Acervo Biblioteca MASP.
Logo após sua primeira volta ao Brasil, no ano de 1979, Stupakoff publicou nas
revistas Íris (Figura 34) e Novidades Fotóptica (Figura 35 e Apêndice VIII), especializadas em
fotografia. Esses trabalhos fotográficos de caráter mais ensaístico procuraram ressaltar a
expressão pessoal do fotógrafo fora de um circuito mais comercial. Muitos dos fotógrafos que
tiveram seus portfólios publicados em Íris e Novidades Fotóptica atuavam na fotografia
comercial, vide Miro, Tripolli, J.R. Duran e Bob Wolfenson.
Figura 34. Páginas 54 e 55 da revista Íris, agosto de 1979. Fotos de Stupakoff. Fonte: Reprodução da
revista/ Acervo Biblioteca MASP26.
26 Os negativos fotográficos constam no Instituto Moreira Salles.
84
Figura 35. Capa e página 22 da Novidades Fotóptica, dezembro de 1970 (ensaio com os filhos no Natal
de 1968). Fonte: Reprodução da revista/Coleção da autora27.
Revista
de
moda
brasileira, a Vogue Brasil foi lançada em maio de 1975 pela Carta
Editorial (VIANA, 2000) e esteve no portfólio da empresa até 2010. Foi uma publicação de
amplo destaque na década de 1970 (MELO; RAMOS, 2011), tanto por sua ampla difusão
quanto por sua inventividade editorial e requinte gráfico, já reconhecidos nas Vogue
pioneiras de outros países. Stupakoff, que era colaborador das Vogue europeias (comentadas
na próxima seção desse capítulo), fotografou a primeira capa brasileira, que estampou a
modelo Betsy Monteira de Carvalho, em 1975 (Figura 36A). Posteriormente fotografou o
escritor Jorge Amado para a capa e matéria de fevereiro de 1980 (Figura 36B).
(A) (B)
Figuras 36. Trabalhos de Stupakoff para a Vogue Brasil. (A) Vogue Brasil, n.1, 1975, modelo Betsy
Monteiro de Carvalho. (B) Vogue Brasil, fevereiro de 1980, ensaio com Jorge Amado e família.
Fonte: (A) www.vogue.globo.com/moda (B) Reprodução da revista.
27 Os negativos fotográficos constam no Instituto Moreira Salles.
85
Figura 37: Vogue Brasil, fevereiro de 1980, editorial de moda realizado em Salvador, modelo Mira.
Fotos de Stupakoff. Fonte: Reprodução da revista.
Figura 38: Vogue Brasil, janeiro 1990, editorial especial com Xuxa Meneghel. Fotos de Stupakoff.
Fonte: Reprodução da revista28.
28 Os negativos fotográficos constam no Instituto Moreira Salles.
86
(A) (B)
Figura 39. (A) Vogue Brasil, 1988, editorial em Algarve, Portugal. (B) Vogue Brasil edição 169. Fotos
de Stupakoff. Fonte: Reprodução das revistas/Acervo Stupakoff no IMS.
Desde 2002, a RG Vogue da Carta Capital, foi parte das publicações brasileiras
para o setor de moda e comportamento feminino29. Para o periódico, Stupakoff fotografou as
edições com a cantora Ivete Sangalo (fevereiro, 2007, Apêndice XI), com as atrizes Carolina
Dieckmann (julho, 2006), Alice Braga (julho, 2007) (Figura 40A) e Juliana Paes (junho,
2006) (Figura 40B). Lembrando que essas são produções que marcam o retorno de Stupakoff
à fotografia comercial (ver perfil biográfico no capítulo 1 do presente estudo).
(A) (B)
Figura 40. (A) RG Vogue, julho de 2007, editorial com Alice Braga. (B) RG Vogue, junho de 2006,
editorial com Juliana Paes. Fotos de Stupakoff. Fonte: Reprodução das revistas/Coleção da autora.
29 Após o fim da parceria entre Carta Capital e Condé Nast, a RG Vogue circula online com o nome RG.
87
A revista MIT (da Mitsubish Motors) de junho de 2008 (Figura 41, Apêndice
XII) foi o último vínculo de Stupakoff com os editoriais de moda. Na ocasião, o fotógrafo
anunciou que esse seria seu último trabalho para o segmento editorial (BERGAMO, 2008).
Ele veio a falecer meses depois.
30CORRÊA, Thomaz Souto. Fonte oral. Depoimento concedido a Patricia Kiss Spineli em 5 de maio de 2017.
31Segundo Thomaz Souto Corrêa, Claudia originou-se a partir de uma revista veiculada na Argentina, esta
produzia as capas desenhadas e as enviava ao Brasil.
88
(A) (B)
Figura 42. (A) Claudia, capa, outubro de 1963, modelo Karen Rodrigues. (B) Claudia, capa, agosto de
1964. Fotos de Otto Stupakoff. Fonte: Reprodução das revistas/Acervo Biblioteca ECA-USP.
Figura 43. Claudia, páginas internas, agosto de 1964. Fotos de Otto Stupakoff.
Fonte: Reprodução da revista/Acervo Biblioteca ECA-USP.
89
debate e a reflexão da condição da mulher e sua emancipação nos anos 1960, foi quase
exclusivamente fotografada por Stupakoff e sempre abria em página dupla com foto em preto
e branco (Figura 44 e Apêndice XIII) e título instigante. Foi sucesso tanto pela temática e
quanto pela expressão gráfica do layout (CORRÊA, 2008, p. 9).
90
91
(A) (B)
Figura 46. (A) Realidade, n. 2, maio de 1966. (B) Realidade, n. 3, junho de 1966, modelo Paula
Pritchett. Matéria Receita de Mulher, fotografias a partir do poema de Vinícius de Morais.
Fotos de Otto Stupakoff. Fonte: Reprodução da revista/Coleção da autora.
(B)
92
93
trabalhos nessa revista foi para ele “um grande progresso em sua busca pessoal” (MARRA,
2005, p.3) (Figura 49 e Apêndice XIV).
Figura 49. Editorial para a Harper’s Bazaar, setembro, 1972. Fotos de Otto Stupakoff.
Fonte: Reprodução da revista.
Figura 50. (A) Glamour, setembro, 1968 (B) Glamour, 1970 (C) Glamour, setembro, 1984. Fotos de
Otto Stupakoff. Fonte: Reprodução das revistas.
94
Figura 51. Editorial para Vogue França, setembro, 1974. Fotos de Otto Stupakoff.
Fonte: Reprodução da revista.
Para além das edições do grupo Condé Nast, Stupakoff fotografou para outras
revistas francesas de significativa projeção internacional, como Elle (Figura 52). As
produções para as revistas européias demandavam viagens por todo o continente europeu,
assim como para outras localidades como Islândia, Quênia, Índia, Rússia para a Vogue
(1974), Ilhas Mauricius e Marrocos para a revista encartada no Le Figaro (1990) e Alaska,
Japão e Tailândia para a Vanity Fair (1992), imprimindo em seus editoriais a composição de
ambientes diversos.
95
Figura 52. Elle francesa, janeiro, 1974. Fotos de Otto Stupakoff. Fonte: Reprodução da revista.
Não menos importante foi o trabalho de Stupakoff para a Ladie’s Home Journal
(surgida em 1883), uma tradicional e popular revista do segmento feminino norte americano
que aborda temáticas como relacionamentos, beleza, comportamento e atualidades diversas.
O ensaio com a família presidencial Nixon, mencionado no capítulo 1, apareceu nas páginas
deste periódico. Na Ladie’s Home Journal foram publicados trabalhos de Stupakoff entre
1970 e 1973 (Figura 53 A e B; Apêndice XVI).
(A) (B)
Figura 53. (A) Capa da Ladies’ Home Jornal Nixon e sua filha, julho de 1972. (B) Capa da Ladies’
Home Jornal com Margareta, novembro de 1969. Fonte: Reprodução das revistas/Coleção da autora.
96
como a GQ (Figura 54) e a Esquire (Figura 55) produzindo tanto matérias de moda
masculina quanto de comportamento.
Figura 54. GQ, novembro, 1982. Fotos de Otto Stupakoff. Fonte: Reprodução da revista.
Figura 55. Esquire, julho, 1966. Foto de Otto Stupakoff. Fonte: www. archive.esquire.com
Além das revistas pontuadas acima, no Apêndice II há uma lista de periódicos nos
quais fotografias de Stupakoff foram publicadas.
2.3.6 Arquitetura
A fotografia de arquitetura está entre os trabalhos menos conhecidos e divulgados
de Otto Stupakoff. Destacamos aqui dois conjuntos: os registros de Ouro Preto e Brasília
(Figura 56), ainda na década de 1950, e, posteriormente, o registro da arquitetura de Aurelio
Martinez Flores (LAGO, 2002), arquiteto mexicano radicado em São Paulo.
Em 1958, Stupakoff registrou as obras em construção dos arquitetos Oscar
Niemeyer e João da Gama Figueiras de Lima (popularmente conhecido como Lelé) em
Brasília, sob a encomenda de Niemeyer. No mesmo ano, fotografou o estilo barroco e as ruas
97
estreitas e sinuosas da histórica cidade de Ouro Preto. Essa produção de Stupakoff foi
resgatada por Fernando Laszlo em 2005 para a exposição na galeria Espasso em Nova York32
(LASZLO, 2017).
(A) (B)
Figura 56. (A) e (B) Registros fotográficos da cidade de Ouro Preto, 1958.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
(A) (B)
Figura 57. Projetos de Aurelio Martinez Flores, fotos de Stupakoff. (A) Residência Zaragoza, Guarujá,
São Paulo, 1973 e (B) Casa Rua Suécia São Paulo. Fonte: LAGO, 2002.
32 Texto do Convite para exposição Espasso, 2004. Acervo: Fernando Laszlo.
98
Figura 59. Páginas do livro Art to Wear. Fotos de Stupakoff. Fonte: DALE, 1986.
33 Art to wear é um livro; no entanto, Stupakoff não aprecia o projeto por considerá-lo mais um catálogo, um
image book, que nos termos da moda apresenta a marca e se restringe a documentação das vestimentas.
99
100
(A) (B)
Figura 60. Exposição da Petite Galerie, 1963: (A) Teatro Santana (1962); (B) Fernando Odriozola
(ca.1961). Fonte: Instituto Moreira Salles.
101
(A) (B)
Figura 61: Fotografias de Stupakoff expostas no MASP/1978; (A) Kolkata, Índia (ca. 1968);
(B) Margareta, Puerto Vallarta, 1972. Fonte: Instituto Moreira Salles.
102
34 A partir de 1976, a Práxis passa a publicar livros de fotografias. Foram editados, entre outros, fotógrafos como
(cada cor era um tipo de trabalho). A aparência do mapa era uma cobertura total de linhas, significando muitas
viagens (CORRÊA, 2017).
103
(A) (B)
Figura 62. Fotografias da exposição SPFW, 2005: (A) Marisa Berenson, 1983; (B) Hotel St Regis,
Harper's Bazaar, Nova York, 1972. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Quatro anos depois, em 2009, o Instituto Moreira Salles (do Rio de Janeiro)
realizou uma nova exposição (Figura 63). A curadoria de Sérgio Burgi explorou os cinquenta
anos de fotografia de Stupakoff e foi direcionada para os retratos de personalidades – Tom
Jobim, Jack Nicholson, Sharon Tate, Truman Capote, entre outros –, e imagens menos
conhecidas – instantâneos de rua (Sudeste Asiático, México, Índia), nus e geometrismos.
Essa exposição no IMS foi uma retrospectiva com 89 imagens em preto e branco e apenas
uma colorida (Jardins de Boulogne, publicada na revista Town & Country nos anos 1970, ver
Figura 162B)36 em formatos de impressão variados. Também foram contempladas algumas
outras fotografias de sequências como da série Homenagem a Balthus.
(A) (B)
Figura 63. Fotografias de Stupakoff na exposição IMS 2009: (A) Maria Tallchief, 1954;
(B) Mulher Pássaro, ca. 1980. Fonte: Instituto Moreira Salles.
36 Vale informar que algumas das imagens da exposição, apesar de serem originalmente cor, foram expostas em
104
Segundo Burgi, a reunião das imagens feitas pelo IMS em 2009 foi uma
introdução ao trabalho de Stupakoff: “Discuti muito com o Otto essa mostra, é uma espécie
de cartão de visitas à obra dele, que ainda tem muito a ser estudada” (BURGI apud GIOIA,
2009, p. 5) e “Quisemos fazer uma exposição inicial para mostrar como havia uma interface
entre sua linguagem pessoal e seu trabalho de moda” (BURGI apud VELASCO, 2009, p.1).
Outra exposição estava programada como precursora da retrospectiva de Stupakoff
programada pelo IMS para 2011 após a digitalização de todo o acervo (VELASCO, 2009, p.1),
mas esta foi aberta ao público somente no final de 2016.
Entre dezembro de 2016 e abril de 2017, o IMS no Rio de Janeiro apresentou uma
retrospectiva dedicada à obra de Stupakoff intitulada Otto Stupakoff: beleza e inquietude
(Figura 64 A e B) com curadoria de Bob Wolfenson e Sergio Burgi, a maior sobre o fotógrafo
já realizada até o momento. Essa retrospectiva reuniu aproximadamente 300 fotografias,
publicações e vídeos como um recorte da extensa produção do fotógrafo, realizada entre 1955
e 2005. Abordou quatro temas principais: (1) anos 1950 com formação e primeiros trabalhos;
(2) de 1960 a 1970 e sua colaboração com as principais revistas de moda do mundo (e.g.
Figura 64A); (3) sua série de nus; e (4) fotografias de viagens (e.g. Figura 64B) e família. Nessa
exposição, um diferencial da apresentação da obra de Stupakoff foi a inserção de colagens e
assemblages resultado de sua atuação nas artes plásticas ao longo de toda a sua trajetória.
(A) (B)
Figura 64. Fotos de Stupakoff na exposição IMS, 2016/17: (A) Vogue francesa, Baden-Baden, 1974;
(B) Saigon, Vietnã, 1968. Fonte: Instituto Moreira Salles.
105
37 Essa galeria criada no final dos anos 1970 se destaca conjuntamente à criação da FUNARTE e da Fotogaleria
como um novo ciclo de reconhecimento e organização da fotografia brasileira no final da década de 1970
(FERNANDES JUNIOR, 2003).
106
significância desse trabalho está na validade do argumento, revelando que “(...) o assunto me
fez descobrir que na realidade eu teria me dado muito melhor como fotógrafo fazendo
reportagens do que fazendo moda”. (STUPAKOFF, 2000b, p. 29). Sobre esses trabalhos, vale
destacar que Stupakoff se aproxima do registro de uma realidade tendo como perspectiva sua
visão própria do mundo, um modo singular de ver o retratado dentro de um contexto. Essa
visão de Stupakoff se distancia de outros fotógrafos brasileiros que produziam fotos
documentais com viés de denúncia, vista na representação das condições precárias dos
trabalhadores rurais ou no registro da exploração do operário brasileiro – vide Nair
Benedicto –, por exemplo.
O impulso para fotografar os trabalhadores rurais e crianças brasileiras em
situações diversas reflete ainda o interesse de Stupakoff em pessoas cuja felicidade – ou ao
menos sugestão de – independeria de poses materiais (STUPAKOFF apud NOGUEIRA, 1979),
um contraponto à moda que necessita da evidência dos bens materiais. Para Stupakoff, o
assunto em si não tinha importância quando o objetivo da fotografia de moda era apenas a
comercialização; ela só adquiriria relevância quando o registro refletisse alguma expressão
artística (o que fez para a Vogue de todas as nacionalidades: francesa, inglesa, italiana,
espanhola e brasileira) (STUPAKOFF, 2000b).
Cabe ressaltar que o vultoso material fotográfico de Stupakoff também foi
resultado das inúmeras viagens realizadas pelo fotógrafo ao redor do mundo ao longo de sua
trajetória profissional, cujos registros estão tanto no âmbito da moda quanto no âmbito
pessoal, com fotografias de rua e viagem.
107
CAPÍTULO 3
1 Aqui podemos entender sequência como uma série de variantes possíveis de um mesmo acontecimento
fotográfico (MORA, 1983)
108
na mente de alguém. Ainda segundo Santaella: “O signo determina o interpretante, e, ao determiná-lo, o signo
transfere ao interpretante a tarefa de representar o objeto pela mediação do signo.” (SANTAELLA, 2005, p. 192).
109
3 Os print files são folhas que armazenam os negativos protegendo-os de sujeira, poeira e riscos. Normalmente são
110
registrado no filme, nem sempre sendo capaz de observar todos os detalhes da imagem. Vale
ressaltar, no entanto, que o fotógrafo que processa seu material tem um primeiro contato
com sua produção através da materialidade bruta do negativo. Após a revelação, é comum o
fotógrafo conferir as imagens pelo próprio negativo.
(A) (B)
Figura 65. (A) Negativos de Robert Capa observados sobre a caixa de luz. (B) Negativos de Otto
Stupakoff em grande formato e em 35mm. Fonte: Fotos da autora/ (A) Exposição na Caixa Cultural,
Valise Mexicana, 2016 (B) Exposição no Instituto Moreira Salles 2016-2017.
111
112
líquido (lcd, sigla para o inglês liquid crystal display) da câmera. Nas palavras de
Martine Franck:
Eu sabia que tinha tirado uma foto memorável, mas precisei esperar três
semanas até voltar a Paris, revelar o filme e fazer a folha de contato. Foi um
grande alívio ver que a imagem não estava borrada e que a exposição tinha
sido correta”. (FRANCK apud LUBBEN, 2012, p. 389).
Os copiões, assim como as cópias-teste5, ainda podem ajudar no processo criativo.
Visto como uma etapa intermediária no processo fotográfico entre o ato e a cópia final
(MORA, 1998), muitas vezes são ferramentas essenciais para a aprendizagem e avaliação do
fotógrafo, que consegue, assim, visualizar seus “acertos” e “erros”. Ao se colocar diante do seu
próprio falibilismo, ele pode produzir correções no material antes de ampliá-lo,
aperfeiçoando sua produção de acordo com suas intenções.
O fotógrafo Minor White propõe que o fotógrafo critique conscientemente seu
próprio trabalho e reflita sobre os efeitos que as cópias (ampliações) produzem, verificando
se atendem às suas intenções iniciais (WHITE, 2007 [1952]). Para David Hurn (apud
LUBBEN, 2012), a folha de contato é um instrutor valioso: se o fotógrafo tem senso crítico,
pode analisar as razões entre a lacuna e a realidade; nesse sentido, a análise da folha de
contato pode ser um método de ensino como meio de verificar se algumas variações de
ângulo e posicionamento fotógrafo/câmera poderiam ter “melhorado” a imagem.
5 Ampliação fotográfica vista como uma prévia e que possibilita recomendações para a ampliação final.
6 Fotograma é cada imagem de um filme.
113
Figura 66. Parcial do copião de Marc Riboud, Torre Eiffel, 1953. Fonte: Modificado de LUBBEN, 2012.
7Em alguns copiões a numeração do fotograma não é originada do filme, mas anotada a posteriori.
8Importante agência fotográfica fundada em 1947 pelos fotógrafos Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, David
Seymour e George-Rodger.
114
Figura 67. Parcial de contatos (da esquerda para direita, de cima para baixo) Erich Lessing, Philip
Jones Griffiths, Eve Arnold, Elliott Erwitt e Abbas. Fonte: Modificado de LUBBEN, 2012.
115
Figura 68. Fotogramas em folha de contato de Otto Stupakoff mostrando um tipo de código visual
usado por ele. Fonte: Instituto Moreira Salles.
116
que a cor é uma simbologia significativa, podendo variar conforme o fotógrafo ou o editor da
imagem. É recorrente a existência de folhas de contatos com duas, três e até quatro cores
diferentes de marcações no mesmo fotograma. Esse procedimento indica que as imagens
foram escolhidas e reforçadas em momentos distintos, com objetivos díspares ou mesmo por
pessoas diferentes.
O uso de diversas marcações nos copiões fica evidente na afirmação do fotógrafo
norte-americano Eli Reed (apud LUBBEN, 2012, p. 382): “(...) Já que nem sempre há tempo
para examinar tudo da primeira vez, sempre repasso as folhas porque então descubro imagens
que me surpreendo por ter deixado de fora”. No trabalho de Reed, usualmente as marcações
em um primeiro estágio eram feitas com lápis dermatográfico vermelho, que assinalava quais
imagens iriam para a etapa da escolha final, e, posteriormente, em amarelo, indicando seus
fotogramas prediletos e sua seleção definitiva.
Josef Koudelka, fotógrafo tcheco, também descreveu seu método de escolhas
pela variação de cores na marcação (Figura 69). Ele utilizava um código visual bem
específico para rotular as fotografias. As cores determinavam a importância de cada
imagem: a marcação com a cor branca ressaltava aquelas que o agradavam mais, em
amarelo as imagens que a Magnum poderia utilizar, em vermelho uma segunda seleção de
fotografias, para serem publicadas em livros, e em azul as marcações indicavam o material
que iria para “a gaveta de exposições” onde Koudelka mantinha os negativos de suas
melhores fotografias (LUBBEN, 2012).
(A) (B)
Figura 69. (A) Sequência para o livro de fotos panorâmicas de Josef Koudelka: Mission
Photographique Transmanche, 1989. (B) Fotogramas de A invasão de Praga, 1968, Josef Koudelka.
Fonte: Modificado de LUBBEN, 2012.
117
118
119
2011). Gilles Mora (1983) aponta que parte considerável dos fotógrafos retorna regularmente
à suas folhas de contato a fim de selecionar outras imagens a partir de um novo ponto de
vista. Isso deixa claro que a folha de contato não é somente uma fase intermediária do
processo fotográfico, mas uma ferramenta que possibilita novas escolhas e revisitação ao
trabalho fotográfico em momentos distintos. Como afirma Nori (1983, p. 50), elas
correspondem à “gestação e gestão do trabalho”.
O escritor e fotógrafo francês Denis Roche (2007) comenta sobre seu trabalho 4
avril 1989. Trinidad. Farrel House, chambre 3202 (2 contacts successifs) que, quando se
“volta no tempo” folheando as folhas de contato, pode-se descobrir uma combinação de duas
imagens sucessivas que anteriormente não haviam sido percebidas. Mora (1983) faz uma
distinção entre o que chama de “dia do disparo” – momento do registro fotográfico e que
pode ser imprevisível – e a “hora do foto” – que é o exame da folha de contato onde se
procura detectar possíveis reavaliações formais.
Quando questionado sobre o momento que descobre que tem a foto, Otto
Stupakoff afirmava que a revisão a posteriori do trabalho fotográfico às vezes implicava em
uma nova escolha (FERNANDES JUNIOR, 2006) e que fazia nova visualização distinta do
material quando voltava a ele anos depois. Essa nova escolha estava atrelada ao
distanciamento do fotógrafo, nesse momento de revisitar o trabalho anterior, em relação ao
evento da tomada da foto, distância essa necessária para outras descobertas durante a edição.
Esse pensamento de Stupakoff está em consonância com o que o fotógrafo francês Bernard
Plossu (apud SOULAGES, 2010) entende por fazer uma recapitulação pela folha de contato
daquilo que foi fotografado, depois de se ter decantado as impressões vividas, com a distância
necessária do tempo.
Um exemplo desse processo de Stupakoff está na sequência que o fotógrafo fez de
Xuxa no Copacabana Palace (Figura 70). Na revista Vogue de 1989, assim como na Coleção
Pirelli/MASP, o fotograma selecionado foi o número 8. Em um momento posterior – visto
que essa folha de contato foi produzida em 2005 e o negativo é de 1989 –, podemos observar
que o fotógrafo sinaliza o fotograma de número 7 em que a apresentadora olha para a
câmera, indicando uma escolha diferente daquela publicada.
120
(A)
Figura 70: (A) Sequência de Xuxa no Copacabana Palace. (B) Imagem individualizada a partir do
fotograma 8. (C) Imagem individualizada a partir do fotograma 7. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Por outro lado, escolhas também podem ser reiteradas a cada nova veiculação da
imagem. No trabalho de Stupakoff, isso é recorrente. É o caso, por exemplo, das obras
Eduardo Paolozzi (Figura 71A) e Olivia Russey (Figura 71B), de 1968, em que os mesmo
fotogramas foram expostos no MASP/1978 e na SP Fashion Week, 2005.
(A) (B)
Figura 71. Fotogramas individualizados de Eduardo Paolozzi (A) e Olivia Russey (B), 1968.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
121
122
9 L'image jugée très bonne dans le feu de l'action l'année de la prise de vue peut paraître banale et être finalement
exclue quelques années après ; à l'inverse, une prise de vue jugée insignifiante voire maladroite ou ratée, s'affirme
avec force comme une très bonne image avec le recul du temps passé.
123
separados por segundos, horas, dias. É um tempo paradoxal, como sugere Soulages (2010),
no sentido de que a soma dos acontecimentos-instantes cria um tempo – visto por ele como
um rosário de acontecimentos – que também é um tempo feito com instantes.
Para Soulages (2010) o tempo da fotografia está no paradoxo entre o “tempo real”,
o momento do registro, e o “tempo subjetivo” experimentado pelo fotógrafo, denominado
pelo autor como “memória não fotográfica” (vivência no momento que independe da foto).
Dessa forma, frente à folha de contato o fotógrafo pode experimentar hesitação para realizar
uma escolha de imagem, pois este habita em um tempo plural: o tempo objetivo de quando se
fotografa, o tempo subjetivo vivido ao fotografar, o tempo estrutural da cópia por contato que
pode ligar tanto dois acontecimentos separados por segundos quanto separado por anos e o
tempo da memória não fotográfica, aquele que o fotógrafo tem antes de visualizar a folha de
contato (SOULAGES, 2010, p. 150).
Sob a perspectiva de Bergson (2005), o tempo é aquilo que impede que tudo seja
dado de uma só vez; ao contrário, é processo contínuo, um fazer-se constante e ininterrupto
da realidade. O tempo real, que é pura duração, é o que torna o mundo e a realidade que
vivemos não um ‘tudo dado’ inelutável e acabado, mas antes um trabalho de invenção, de
criação da vida: uma obra nunca inteiramente dada e acabada e, sim, uma obra inteiramente
aberta. Quando a fotografia deixa de ser processo e passa a ser obra? Em algum momento
isso acontece, pois sempre é possível rever o negativo ou mesmo a sequência fotográfica e
dali tirar novas possibilidades. Cada fotograma é uma obra em potencial.
Segundo Soulages (2010), um mesmo negativo gera uma infinidade de fotos
diferentes, uma mesma foto é apresentada e atualizada em diversos contextos: “(...) a
fotografia induz uma obra aberta (...) obra viva que adquire uma nova dimensão e um novo
destino a cada transformação em obra (...) uma obra que pede novas interpretações, novas
apresentações, novas distribuições, em resumo, novas criações” (SOULAGES, 2010, p. 191)
Sob a perspectiva da crítica de processo, se sempre há a possibilidade de voltar a
esse material bruto – a sequência de fotogramas registrada inicialmente – e fazer novas
escolhas e novas edições, temos que o trato com o copião é sempre inacabável, no sentido
dado por Salles (2013) de que a obra é sempre inacabada. Assim, enquanto as fotografias
ganham vida própria ao saírem das mãos do fotógrafo, as folhas de contato, segundo
Leornard Freed, pertencem ao fotógrafo (FREED apud LUBBEN, 2012) e esse pode
deliberadamente decidir sobre o que fazer com essas imagens iniciais, até mesmo se abstendo
de mostrá-las ao público.
Ainda que a obra seja um gesto final do autor, Salles (2013) admite que há
concretizações alternativas e que outras obras teriam sido possíveis. No caso da fotografia,
algumas das possíveis concretizações existiram – no sentido da fotografia ser um ato que,
através da captura de um instante em um determinado espaço, tenta conter a finitude de uma
124
realidade ou evento pelo registro da imagem. Essas concretizações estão no copião. Nesses
termos, podemos pensar que o gesto final do autor é a escolha da imagem entregue ao
público; no entanto, diante de novas percepções, o autor pode voltar ao copião e selecionar
novas imagens para serem apresentadas como obra.
125
126
127
(A) (B)
Figura 75. Contorcionista, de 1962. (A) Parcial do copião. (B) Imagem publicada com corte na
ampliação final. Fonte: Instituto Moreira Salles.
128
Figura 76. Micha Bar-Am, Tel Aviv, 1976. (A) Parcial da folha de contato. (B) Cópia de trabalho. (C)
Publicação. Fonte: Modificado de HOELSCHER, 2013.
cada fotograma no contato está no tamanho real do negativo (24X 36mm no formato de 35
milímetros; esse tamanho pode aumentar ligeiramente em filmes de médio formato). Esse
inconveniente pode dificultar a escolha, ainda que não constitua um impedimento – pode-
se utilizar expedientes como o das lupas conta-fios para magnificar detalhes das miniaturas
nos contatos.
No processamento da imagem no laboratório é possível obter resultados
imagéticos diferentes na ampliação de negativos ou positivos de acordo com o procedimento
técnico empregado (SPINELI; PFÜTZENREUTER, 2016). Essa gama de possíveis resultados
fica geralmente a cargo da indicação do fotógrafo, sendo que contraste, escala tonal, grão,
definição, foco, podem ser controlados pelo fotógrafo/laboratorista no momento da
ampliação com a intenção de minimizar ou enfatizar certos aspectos da imagem que melhor
se adequem à estética fotográfica do autor. Para Ansel Adams:
A criatividade no processamento da cópia é bastante similar à criatividade na
preparação dos negativos: nos dois casos, começamos com condições que
nos foram “dadas”, e nos esforçamos pra interpretá-las. (...) Assim como
fotógrafos diferentes interpretam um mesmo elemento de maneiras
distintas, eles também fazem cópias diferentes de negativos idênticos
(ADAMS, 2002b, p. 13).
Um exemplo da importância do trabalho de processamento da imagem no
laboratório pode ser visto na figura 77 (A–D), que revela parte do processo de criação por trás
de uma obra do fotógrafo norte-americano Dennis Stock. Na figura 77C, verifica-se as
anotações para impressão final em uma cópia de trabalho feitas por Pablo Inirio, mestre
laboratorista da Magnum Photos em Nova York. As anotações com linhas e números
rabiscados indicam uma complexa fórmula para escurecer e/ou clarear áreas em ampliação
direta no papel (HOELSCHER, 2013). Essas anotações sugerem correções referentes à luz e
contraste, principalmente tempo de exposição à luz para mais ou para menos em cada região
da imagem. O conceito de tempo de exposição do material sensível à luz para obtenção da
imagem é válido tanto para o registro pela câmera como para copiagem. Assim, cada
fotograma no filme pode ter sido registrado em um tempo de exposição diferente de outro. O
mesmo se dá para copiagem, pois para cada foto há um tempo de exposição do papel à luz.
No entanto, a partir desse tempo geral, é possível iluminar mais ou menos algumas áreas.
A comparação entre a imagem escolhida no copião (Figura 77A) com a ampliação
apresentada na figura 77B deixa claro que os elementos de último plano apresentam-se
esmaecidos devido à superexposição no ato do registro. Na cópia de trabalho (Figura 77C),
esses elementos no plano de fundo já aparecem com maior definição de contornos e solidez.
Por essa cópia de trabalho, verifica-se as indicações para aumentar o tempo de exposição
nessas áreas e, com isso, fazer com que se apresentem um pouco mais detalhadas na
ampliação final (Figura 77D).
130
Figura 77. Dennis Stock, James Dean in Times Square, 1955. (A) Parcial da folha de contato. (B) e (C):
cópias fotográficas de trabalho. (D) Cópia com alterações. Fonte: Modificado de HOELSCHER, 2013.
Outro exemplo está no trabalho com a fotografia de retrato intitulada Lyal Burr -
minerador e seus filhos Kerry e Phillip (AVEDON, 1985), do fotógrafo norte-americano
Richard Avedon (Figura 78). Na cópia de trabalho é possível verificar o nível de detalhes nas
instruções passadas por Avedon a seu laboratorista para a copiagem final do retrato (Figura
78A). Na imagem distribuída ao público, o rosto do pai impõe presença e intensidade
marcantes em relação aos rostos dos filhos que estão ao seu lado (Figura 78B). Esse destaque,
principalmente no olhar, é resultado das instruções minuciosas dadas por Avedon no
momento da obtenção da cópia. Foi empregado um cuidado rigoroso no sentido de
131
acentuar o contraste entre as aberturas dos olhos e as áreas adjacentes mais próximas.
Segundo Sergei Tisseron:
Partindo do tempo geral de exposição, indica-se [-4] para os olhos, [-6]
para as partes inferiores das pálpebras, enquanto que as áreas mais
próximas recebem uma acentuação na exposição indicada como [+20] logo
abaixo das pálpebras, [+30] no canto externo dos olhos e [+40] acima das
sobrancelhas. Usando esses procedimentos laboratoriais, fez-se com que o
olhar de Lyal Bur pareça resplandecente no momento da copiagem
(TISSERON, 2000, p. 96).
A indicação de “+8” no queixo indica 8 segundos a mais tempo que antes e as
indicações “-4” e “-2” nos olhos e boca indicam que essas áreas precisavam ser suavizadas na
impressão, expondo-as menos tempo à luz para surgirem os detalhes. Esses ajustes podem
ser feitos através de máscaras que protegem partes da imagem no momento da ampliação,
processos químicos (como o uso do rebaixador11), papéis que oferecem maior ou menor
contraste, contra-máscaras e ajustes de revelação.
(A) (B)
Figura 78. Lyal Burr e seus filhos Kerry and Phillip, fotografia de 1981. (A) Instruções de Richard
Avedon para o laboratorista. (B) Fotografia final publicada. Fonte: TISSERON, 2000.
11 Rebaixador é um químico que no processo fotográfico visa corrigir o excesso de densidade das cópias, imagens
muito escuras geradas a partir de uma suberexposição ou de uma revelação precária.
132
Pode ser difícil tomar uma decisão porque você gosta de uma chapa por um
determinado motivo e de outra por outro motivo diferente. Cada fotografia
tem sua força particular. Mas você só pode selecionar uma. Ela tem de
representar o conjunto. Por isso, sempre tento pôr tudo numa só imagem: a
mensagem, o fundamento, a composição, a história, a personalidade
individual – tudo junto numa única imagem” (FREED apud LUBBEN, 2012,
p.144).
Como supracitado, outras vezes o fotógrafo antevê qual a imagem será
selecionada e copiada logo no momento do registro. Uma série de 1976 da fotógrafa belga
Martine Franck sobre uma piscina privada em Provença, na França, exemplifica essa
afirmação (LUBBEN, 2012). Ela fez quatro fotogramas da cena até que um dos personagens
enquadrados se mexeu. Com isso, Franck soube, no momento, que já tinha feito a fotografia
que seria publicada pois não teria uma segunda chance de registrar a situação conforme seu
desejo inicial.
Frente a esse cenário, os motivos relativos ao selecionar e editar determinada(s)
imagem(s) nos informam sobre o modo como um fotógrafo entende sua fotografia. Para
Cartier-Bresson (2007 [1952]), na seleção deve-se separar aquelas imagens que não
apresentam maior força expressiva, apesar do registro técnico adequado.
No entanto, muitas vezes a fotografia escolhida para publicação não é a imagem
que o fotógrafo selecionaria em um primeiro momento. De sua série fotográfica sobre um
funeral da África do Sul em 1985, o fotógrafo britânico Ian Berry considera que escolheria os
militantes carregando o caixão (Figura 79A) e não das mulheres idosas e com velas na mão
do Congresso Nacional Africano (Figura 79B), preferida pela revista na qual a imagem foi
publicada (LUBBEN, 2012).
(A)
133
(B)
Figura 79. Fotografias de Ian Berry. Transvaal, África do Sul. (A) Militantes carregando caixão. (B)
Mulheres idosas do Congresso Nacional Africano. Fonte: LUBBEN, 2012.
Algo semelhante aconteceu com Elliott Erwitt, que indicaria para publicação um
fotograma em que um transeunte com um carrinho de bebê passa pela cena de sua sequência
de moda para a revista Vogue (Figura 80), diferente do pretendido pelos editores
(CONTATOS 1, 2015).
134
135
Figura 81. Foto de Otto Stupakoff nas páginas de Vogue francesa 1974, justaposição de fotos.
Fonte: Reprodução da revista.
136
12 No jargão da editoração prismagem é o destaque de um elemento ou detalhe na imagem obedecendo às regras
137
(A) (B)
Figura 82. (A) Página da revista Quatro Rodas, Stupakoff. (B) Fotografia original de Stupakoff.
Fonte: (A) Reprodução da revista/ Coleção da autora (B) Instituto Moreira Salles.
138
13 Linhas de força podem ser vistas também como linhas de tensão que atuam como ancoradouro conceitual e
redutos que abrigam as escolhas das imagens e suas possíveis e indizíveis relações (TACCA, 2016).
139
140
Figura 83. Parcial do copião Joatinga, Rio de Janeiro, 1978. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Um outro exemplo extraído de material exposto na São Paulo Fashion Week vem
da série de Pelé (Figura 84). Laszlo (2017) deixa claro que foi opção dos curadores apresentar
as fotografias com o enquadramento mais aberto, com Pelé sentado na pedra tendo como
fundo a cidade de Santos, em contraponto àquelas já publicadas em close na revista Íris,
agosto de 1979, conforme discutido no capítulo 2. As marcações em vermelho na folha de
contato atestam essa informação.
Figura 84. Folha de contato, Pelé, Santos, 1979. Fonte: Instituto Moreira Salles.
141
142
sígnica entre o objeto (o que foi fotografado) e o signo (a fotografia per se). O contexto é dado
pelo fotógrafo que, em uma cadeia de signos, produzirá um signo que será apreendido e
interpretado pelo leitor.
Visto por esse ângulo, entre os leitores da obra do fotógrafo, incluímos o próprio
fotógrafo, que depois de produzir a imagem irá observar e ler o copião tendo uma outra
relação com a sua criação. É nesse cenário em que ele se coloca como leitor que o fotógrafo
escolherá e entenderá essas imagens, gerando interpretantes para selecioná-las. No processo,
ele expressa suas preferências e faz ajustes – técnicos e/ou conceituais – que se adequem
melhor a um determinado processo comunicativo.
Também não podemos deixar de considerar que os agentes do sistema de criação
fotográfica tratados nesse texto – fotógrafo, editor e curador – afetam-se mutuamente, e que,
se as condições das fotografias entregues ao público muitas vezes não conservam as
condições iniciais de sua feitura, é porque os parâmetros de um sistema nem sempre
predominarão sobre suas condições iniciais. Dito de outra maneira, o trabalho do editor
influencia o trabalho do fotógrafo, assim como o do curador também o faz, ao mesmo tempo
em que o trabalho do fotógrafo influencia a ambos.
Ainda é válido acrescentar que, no caso do curador, este por vezes é o elemento
chave que agencia a entrada do fotógrafo/artista em coleções museológicas ou privadas e
promove o reconhecimento e a legitimidade total ou parcial de uma obra.
143
14 A definição de Cartier-Bresson (2007 [1952]) contempla a imagem única, captada em um momento singular,
como aquela que tem uma riqueza na composição e cujo conteúdo é tão expressivo que ela em si é uma história
completa. No entanto, nesse mesmo tempo o próprio fotógrafo aponta que essas imagens são raras.
144
145
é um pensamento, e é isso que pode ser estudado, visto que essa visão do conjunto através do
copião é o lugar da tomada de consciência do gesto fotográfico, o desenvolvimento de uma
ideia durante o ato do registro da sequência.
Esse processo, entretanto, não demonstra um pensamento linear, no sentido de
um direcionamento claro que vai do menos para o mais acabado, e sim relaciona-se mais
propriamente a um pensamento circular, tautológico, no qual não há um começo e um fim:
da primeira à última imagem da sequência, cada fotograma tem o potencial de ser
selecionado como obra, ampliado e, posteriormente, entregue ao público. Ainda que alguns
fotógrafos usem os primeiros fotogramas de uma série como ensaio até chegar no que
consideram a imagem ideal – ou mesmo ensaiam sem colocar o filme na câmera, caso da
húngara Madalena Schwartz, que primeiramente iniciava uma sessão de fotos sem o filme
(GONÇALVES, 2016) –, isso não é necessariamente uma regra válida para todos.
Retomando a visão da folha de contato como material de processo e sob a
perspectiva da crítica do processo criativo no que tange ao olhar do autor sobre a própria
obra (SALLES, 2013), a folha de contato também pode ajudar o próprio fotógrafo a entender
seu trabalho. Segundo o fotógrafo britânico David Hurn:
As melhores imagens só ficam óbvias depois que você olha as folhas de
contatos. A imagem poderia ser melhorada caso desse um passo para frente
ou para trás? Qual seria o resultado caso tivesse tirado a foto um momento
antes ou depois (HURN apud LUBBEN, 2012, p. 151).
Há uma concordância entre fotógrafos e pesquisadores sobre o que nos mostra a
folha de contato. Para Heyman e Durniak (1986), a folha de contato revela tanto como o
fotógrafo trabalha tecnicamente quanto também sua espontaneidade e intelectualidade. O
fotógrafo britânico Stuart Franklin argumenta que uma folha de contato é o registro de uma
busca e traz uma circunvolução em torno de uma ou mais ideias, que podem ser tanto
meramente técnicas, como alterações de diafragma, quanto estéticas, acerca da composição
do motivo fotografado (LUBBEN, 2012). Bauret (2010) nos fala que a prova de contato
materializa aquilo que antecede a imagem e as operações que a precedem. Pode ser vista
também quase como um tipo de rascunho ou esboço, com a diferença que as sequências
presentes nas folhas de contato não se constituem em camadas de versões ou etapas que se
substituirão; na fotografia convencional, não há de fato sobreposição (salvo nas duplas
exposições) e sim sucessão de imagens. O trabalho dá-se no tempo e não na superfície.
A produção da obra fotográfica converge com aquilo que Salles (2008, 2013)
aponta para a criação artística: uma trama complexa de tendências singulares expressas
através de buscas, resolução de problemas, testagem de hipótese, encontros e desencontros.
Acreditamos que a folha de contato reflete essas tendências singulares ao mostrar as
circunvoluções do fotógrafo frente ao que foi fotografado explicitando, mesmo que
parcialmente, os olhares do autor perante seu objeto retratado. Ainda, segundo Bauret (1983,
146
2010), os copiões nos oferecem respostas para a análise dos diferentes pontos de vista de um
mesmo tema fotografado e permitem reconstruir e formular hipóteses sobre o método e
hábitos de trabalho de um fotógrafo.
As sequências de fotogramas via folha de contato proporcionam um vislumbre da
visão fotográfica particular do fotógrafo, em que é possível observar seu desenvolvimento
espaço-temporal no ato do registro de um assunto específico. Através da análise de toda a
série de fotogramas, é possível investigar o desenrolar do assunto fotografado e presumir a
conduta do fotógrafo em relação à cena: se registra obstinadamente o tema ao perceber
potencial em uma cena e emprega esforço para chegar à imagem final bem-sucedida, se
realiza modificações significativas alterando motivos fotográficos e visões de tomadas, se é
levado pela espontaneidade, ou se capturou imagens sem aparente encadeamento, aleatórias
(mas não desprovidas de intenções).
A série que Otto Stupakoff fez de seu filho Ian, de 1963 (Figura 85) ilustra a
afirmação acima. No trecho entre os fotogramas 19 ao 24 (uma parte da série) visualizamos
que o fotógrafo acompanha e registra o desenrolar da atividade lúdica de seu filho Ian
condicionado em um espaço interno. Primeiramente, vemos um encadeamento da ação por
um desenvolvimento temporal – as inserções gráficas na parede feitas pela criança – depois,
a maneira com que a criança interage com a câmera. Todos esses momentos são registrados
por Stupakoff com o mínimo de alteração de ângulo e composição (salvo o primeiro
fotograma da sequência). O aprofundamento da discussão sobre as potencialidades das séries
de fotogramas nas folhas de contato de Stupakoff e seu processo de escolha será feito no
capítulo 4 desta tese.
Figura 85. Sequência dos fotogramas 19 à 24 da série Ian, 1963. Fonte: Instituto Moreira Salles.
147
148
Figura 86. Parcial de copião. Xuxa, 1989. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Figura 87. Parcial de copião. Mãos de Wesley Duke Lee e Sérgio Mendes, 1978.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
Para Fleig (1983), pela maneira com que os fotogramas são impressos na folha de
contato – formando uma sequência, no sentido de contiguidade espacial e temporal, de
acordo com a ordem de disparo da câmera –, o copião pode ser visto como uma prancha de
leitura. Essa leitura, além de permitir a escolha de uma imagem para publicação, também
demonstra uma porção do universo fotográfico de determinado autor e, consequentemente,
parte de seu processo de criação.
A folha de contato também incorpora o senso do tempo em marcha, o rastro
duradouro de um movimento no espaço, a questão do tempo da fotografia – a disposição dos
fotogramas normalmente obedece à ordem de registro sequenciado na câmera. Como
observado por Soulages (2010), a folha de contato também pode ter uma forma temporal que
não é necessariamente a linear, cronológica ao tempo sequencial de registro. Em uma folha
de contato publicada em Gilles Caron: repórter do fotojornalista francês Gilles Caron
(DEPARDON, 1978), a disposição dos negativos apresenta a seguinte ordem: 14-19, 20-25, 2-
7 e 8-13, não sendo essa nem a ordem que as imagens foram registradas e nem a ordem do
tempo. Para Soulages (2010), esse é um corpus particular do fotógrafo que o influencia na
seleção das fotos a serem copiadas.
Uma outra situação plausível é a disposição na mesma folha de contato de
miniaturas que nem sempre foram registradas no mesmo filme, nem no mesmo espaço/tempo.
Verifica-se com isso a flexibilidade do uso do procedimento do contato para a visualização e
edição das imagens, inclusive a articulação de diversos negativos na mesma folha.
Um motivo atribuído a essa “desordem” de posicionamento da sequência
fotográfica na folha de contato pode ser o de economia do espaço da folha. Rogniat (1997)
cita o fotógrafo húngaro André Kertész que, em alguns dos seus copiões, dispunha as tiras
tanto verticalmente quanto perpendicularmente a fim de utilizar todos os cantos disponíveis.
149
Esse procedimento foi detectado como algo comum nos fotógrafos contemporâneos de
Kertész, muito provavelmente pela escassez de materiais de trabalho na economia entre
guerras (ROGNIAT, 1997). Em alguns copiões do também húngaro Robert Capa é possível
visualizar essa disposição aparentemente aleatória dos fotogramas aproveitando ao máximo
o papel (Figura 88).
Figura 88. Folha de contato de Robert Capa. Disposição dispersa dos fotogramas.
Fonte: Foto da autora/Exposição Valise Mexicana, Caixa Cultural SP, 2016.
150
Figura 89. Parcial do copião OS53. Quatro trabalhos distintos ocupando a mesma folha.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
151
Ainda em outro print file deste material, a seleção indica o fotograma 8, em que
há um apontamento para uma área da imagem propondo um “Burn in” “16X20” (Figura
91A), que, nos termos usuais da comunicação utilizada no laboratório fotográfico, significa
escurecer uma parte da imagem que ficou superexposta. Em outro print file (Figura 91B) há a
indicação de seleção e de como reenquadrar e ampliar: “crop 16X20”. Em um terceiro
exemplo (Figura 91C), a indicação é quanto ao formato de ampliação: “Both full neg. 16X16”,
i.e. ampliar sem reenquadramento no formato 16X16.
152
(A)
Figura 91. (A) (B) (C) Parciais de folhas de contato Camboja. Otto Stupakoff.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
153
(A) (B)
(C) (D)
Figura 92. Exemplos de anotações feitas por Stupakoff diretamente nos porta-cromos. (A) Princesa
Marroquina. (B) Pirineus. (C) Agneta Frieberg, ca. 1967. (D) Grafite de Lord Byron, Grécia.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
16 Eva Gschopf foi uma modelo norte-americana, namorada do fotógrafo Guy Bourdin, que faleceu após cair de
uma árvore. Agneta Frieberg presenciou a morte de Gschopf e tempos depois faleceu ao cair de um terraço em
Paris.
154
155
CAPÍTULO 4
4. As escolhas de Stupakoff
Fotografar pressupõe um ato intencional e de tomada de posição do fotógrafo que
determinará a concretização da imagem fotográfica. É um fazer escolhas tanto antes como
depois do ato fotográfico (KOSSOY, 1999, 2001; KRAUSS, 2002; SOULAGES, 2005, 2010;
DUBOIS, 2012). No antes, o fotógrafo decide o tema, o lugar, o sujeito a fotografar e os
elementos constitutivos da linguagem fotográfica (como ângulo, enquadramento, composição
e foco), o tipo de dispositivo mecânico e todas as suas possibilidades de variação (objetivas,
diafragma, obturador, filtros), processo químico ou digital de obtenção da imagem (revelação,
ampliação) e gradações de suporte do material sensível, i.e., todos aqueles estágios próprios
da fotografia e que fazem do ato criador um objeto de conhecimento. No depois, as escolhas
se referem à revelação, tiragem, formatos, tipo de papel, eventuais trucagens e a definição do
uso da foto – imprensa, exposição em galeria, moda, álbum familiar, entre outros –, ainda
que esses usos possam ser determinados antes do registro per se.
É fato que nem todas as decisões no que tange ao processo fotográfico partem do
fotógrafo. Por outro lado, a identificação das suas decisões frente à maneira como realizou o
trabalho fotográfico – desde sua conduta em relação à tomada da foto, até as escolhas dos
materiais para revelação e ampliação – e à maneira com que ele lidou posteriormente com
esse material fotográfico produzido proporciona subsídios para se realizar inferências em
relação à poética do fotógrafo, que transparece tanto no modo como ele faz a foto quanto no
processo de escolha do material imagético produzido. Com relação ao objeto de estudo da
presente tese, fica claro que a poética e a autonomia de Otto Stupakoff estão plenamente
refletidas nas suas escolhas fotográficas.
Em um âmbito geral, podemos considerar parte das escolhas de Stupakoff
partindo da sua formação, atuação e das suas decisões tomadas no seu trabalho com a
fotografia. Estas, de certa forma, muitas vezes ecoam passagens da sua vida pessoal.
Retomaremos alguns pontos do perfil biográfico relatados no capítulo 1 como
meio de destacar aspectos da trajetória de Stupakoff que refletem suas decisões e que são
importantes na construção do argumento aqui organizado. Primeiramente o jovem Stupakoff
decidiu estudar em Los Angeles, EUA. Em retorno ao Brasil no ano de 1956, ele inclinou sua
produção fotográfica para a publicidade, moda e retrato. Após pouco mais de uma década,
dizendo-se insatisfeito com sua atuação profissional e com seu desenvolvimento criativo e
tendo montado um pequeno portfólio (Figura 94) em que fez rigorosa seleção a partir de uma
grande variedade de trabalhos acumulados nos anos de carreira no Brasil, ele decidiu partir
novamente para os EUA, fixando-se em Nova York. Em suas palavras, “(...) queimei milhares
de negativos e fui passar trinta e dois anos em Nova York” (STUPAKOFF, 2006a, p. 7) – o
156
descarte dos negativos ocorreu por não interessar mais a ele o tipo de produção que realizara
nessa primeira fase no Brasil, como também por não poder levar esse material a Nova York
(STUPAKOFF, 2000a). Para este portfólio, Stupakoff escolheu poucas fotos, retratos em sua
maioria1, justificando que a seleção havia se baseado naquilo que lhe interessava mostrar, os
retratos, que seriam seus trabalhos de “maior integridade” (STUPAKOFF, 1978a, 2000a),
vistos como um trabalho mais pessoal2 e de maior prestígio (MENDES; ARRUDA, 2001) do
que suas fotografias mais comerciais.
Figura 94. Páginas do Portfólio que Stupakoff apresentou em Nova York em 1965.
Fonte: Divulgação/Acervo Bico Stupakoff.
1As outras imagens do portfólio são de still life, algumas foram expostas na Petite Galerie em 1963.
2Muitos desses retratos eram de artistas: Maria Bonomi, Fernando Odriozola, Giuliano Vangi, entre outros.
Stupakoff afirma sua satisfação em fazer retratos dos artistas e muitas vezes a forma de pagamento era a permuta
(ele fazia as fotos e em troca recebia uma obra) (STUPAKOFF, 2000b).
157
158
Ele manteve sob sua guarda esse material até que Stupakoff se restabelecesse novamente no Brasil.
4 Uma lista com o número das sequências no IMS e uma breve descrição pode ser vista em Apêndice I.
159
material sensível, a grande maioria é composta por filmes em formato 35mm (na Caixa 1 há
apenas duas sequências em médio formato5), ficando ausentes os grandes formatos e os
diapositivos. Nessa seleção, Stupakoff prioriza suas sequências em preto e branco,
demonstrando, pelo gesto da escolha, um apreço maior pela linguagem em p/b em detrimento
da cor. Isso não significa, porém, que as fotografias em cor de Stupakoff sejam inferiores em
expressão e técnica (discutido no capítulo 5), apenas sugere uma inclinação do fotógrafo para a
fotografia em preto e branco.
Em relação aos outros elementos constitutivos dessas imagens – seu conteúdo,
local e data em que os registros foram realizados e propósito –, a datação é variada,
constando produções entre meados da década 1960 até 1990, com exceção de duas
sequências de seus filhos anteriores a 1965, e do retrato de Heitor dos Prazeres (de 1958) e de
Tom Jobim (de 1964). O fato da maior parte do material selecionado para a Caixa 1 ter sido
registrado após 1965, fase em que começa sua carreira internacional, corrobora a afirmação
do próprio fotógrafo quanto ao seu desinteresse pelo que havia feito em sua primeira fase no
Brasil, indicando que Stupakoff considerava seu trabalho mais relevante como tendo se
iniciado a partir de meados de 1960 (STUPAKOFF, 1978a, 2000a; CHIODETTO, 2005).
Verificar aquilo que ficou fora da Caixa 1 também é uma maneira de analisar o
processo de escolha quanto ao tema e tipo de conduta e processo fotográfico não
contemplados na escolha principal. O primeiro portfólio de Stupakoff não está presente in
toto na caixa, demonstrando que ele, ao analisar sua obra em perspectiva, deu a esse trabalho
menor importância. No entanto, da sua produção no Brasil, os retratos Heitor dos Prazeres
(de 1958) e Tom Jobim (de 1964) estão na Caixa 1, confirmando a importância, para
Stupakoff, dos retratos realizados como algo significativo no seu trabalho, tendo sido parte
fundamental do material que ele levou a Nova York na sua primeira saída do Brasil (discutida
no capítulo 1 desta tese). Também estão ausentes dessa seleção suas obras voltadas para a
publicidade, os still life, arquitetura e os trabalhos abstratos.
Ainda exemplificando a data do registro como um dado significativo quanto à
escolha, extraímos dessa primeira seleção o ensaio realizado com a atriz Leslie Bogart em
1967 para a Harper’s Bazaar (Figura 95A). Esse foi o segundo editorial de moda 6 de
Stupakoff publicado na revista e é considerado pelo fotógrafo um importante trabalho de sua
carreira (STUPAKOFF, 1978a). Vale ressaltar que na Caixa 1 há três conjuntos de sequências
dessa série. O retrato do ator Oskar Werner (Figura 95B), de 1965, primeiro trabalho de
Stupakoff para a Harper’s Bazaar, também consta da seleção. Bogart e Werner são os dois
5 O formato do filme na câmera define o tamanho e o formato da imagem a ser produzida. Para o médio formato
temos 6X4,5 cm, 6X6 cm e 6X7 cm, por exemplo, na relação largura e altura.
6 Consta na Harper’s Bazaar de março/1967 um outro trabalho com crianças, India’s Littlest Ambassadors, mas
Stupakoff afirma ter sido Leslie Bogart seu primeiro editorial fotografado, o que pode significar que mesmo
fotografado antes, o ensaio com Leslie Bogart foi publicado em edição posterior, na Harper’s Bazaar de abril de
1967.
160
(A) (B)
Figura 95. (A) Leslie Bogart, 1967. (B) Oskar Werner, 1965. Fonte: Instituto Moreira Salles
161
(A)
(B) (C)
Figura 96. (A) Margareta e Gabriela em Bercheres-sur-Vèsgres, França, 1976. (B) Betsy, 1965. (C)
Bico Stupakoff, 1964. Fonte: Instituto Moreira Salles.
162
(A) (B)
(C) (D)
(E) (F)
(G) (H)
163
(I) (J)
(K) (L)
Figura 97. (A) Sirpa. (B) Leonard Cohen. (C) Chartres. (D) Margareta Puerto Vallarta . (E) Tributo a
Balthus. (F) Baden-Baden, Brenner’s Park Hotel. (G) Tarran Hills. (H) Katharine Ross. (I) Olivia
Hussey. (J) Jorge Amado. (K) Grand Hotel Cabourg. (L) Garota no trem, ca. 1980.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
(A) (B)
164
(C)
Figura 98. (A) Algarve. (B) Xuxa Meneghel. (C) Stuttgart. Fonte: Instituto Moreira Salles.
(A) (B)
Figura 99. (A) Renata, Nova York, 1991. (B) Margareta Hotel D'Inghilterra, 1969.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
165
166
(A) (B)
(C)
Figura 101. (A) Irã. (B) Vietnã. (C) Árabes, Amsterdã. Fonte: Instituto Moreira Salles.
8 Uma lista com o número das sequências no IMS e uma breve descrição pode ser vista em Apêndice I.
167
e o Guarda (1972) para a Harper’s Bazaar; Sem título (Modelo no Jardim); com as modelos
Robyn (ca. 1994); Lauren Hutton (1985, Figura 102A); e Princesa de Vizcaya, para a Vogue
Miami (1992) (Figura 102B). Há também outras diversas, Tourada, México (s/d) e Ciganos,
Brasil (1970); fotos de família – viagem para a Disney (ca. 1972); Ian Stupakoff (1963, Figura
102C), outras de seus filhos ainda crianças no Brasil e uma sequência retirada de uma das
suas quatro viagens ao Ártico (1968).
(A) (B)
(C) (D)
Figura 102. (A) Lauren Hutton. (B) Princesa de Vizcaya. (C) Ian Stupakoff. (D) Bill Blass.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
168
169
170
Figura 106. Parcial de copião Tom Jobim com indicação em vermelho no fotograma 29 feita pelos
curadores da exposição Fashion Week (2005) e ratificada por Stupakoff (texto em cinza).
Fonte: Instituto Moreira Salles.
171
panorama da obra do fotógrafo, é possível dizer que Stupakoff percebe nas imagens
escolhidas parte representativa de sua carreira fotográfica.
172
9 A ideia de ‘dominante' é empregada aqui a partir de Lucrécia Ferrara (2004) que recorre à estratégia de eleger
uma dominante para compreender o espaço urbano como signo não-verbal. Ferrara, por conseguinte, extrai o
conceito do linguista Roman Jakobson (cf. 1973), o qual afirma que todo o texto ocorre a partir de uma dominante
que garante a esse texto coesão estrutural e hierarquiza as demais constituintes. Em Ferrara (2004) o estudo do
não-verbal parte da escolha de uma dominante que é um índice norteador por onde começar e que conduzirá a
173
linguagem e gestos fotográficos – que podem ser extrapolados para compreender outros
trabalhos do fotógrafo e que, dessa forma, fornecem-nos indícios do seu processo criativo. A
correlação entre as sequências via elementos que tenham uma raiz em comum ou similar e
um padrão primordial pode revelar nuances que iluminam boa parte do processo de criação.
O projeto poético mostra princípios gerais – éticos e estéticos – que direcionam o
fazer do criador e norteiam o momento singular que cada obra representa. Pode-se dizer que
o processo de criação de uma obra é a forma do criador conhecer seu projeto de caráter geral
e que cada obra é uma possível concretização de seu grande projeto.
Ao acompanhar um processo específico, comparando rascunhos, esboços ou
qualquer outra forma de concretização das testagens que o artista vai fazendo ao
longo do percurso, os reflexos das tomadas de decisão e as dúvidas nos
permitem compreender alguns desses princípios direcionadores (...). A partir do
que o artista quer e daquilo que ele rejeita, conhecemos um pouco mais de seu
projeto (SALLES, 2013, p. 48)
A proposta aventada nesta pesquisa não é a de investigar o processo de criação de
uma obra específica de Stupakoff, mas, em um ato de ação reversa, partir do conteúdo da
Caixa 1 para tecer apontamentos sobre o projeto de caráter geral do fotógrafo. Nesse caso, o
objetivo aqui foi o de determinar pontos que pudessem sintetizar os princípios basilares do
criador. A visão desses pontos está fundamentada na premissa de que existe coesão no
universo fotográfico de Stupakoff.
Segundo Salles (2013), as tendências poéticas se definem ao longo do percurso. São
princípios em estado de construção e transformação; a consciência de alguns destes aspectos só
fica evidente para o criador após algum tempo, quando ele é capaz de ter uma visão de
perspectiva da sua própria obra. Acreditamos que a reunião feita por Stupakoff das sequências
nas Caixas 1 e 2 reflita de alguma forma suas tendências criativas, visto que ali estão trabalhos de
toda uma vida profissional, representando a sua diversidade fotográfica e permitindo-nos
considerá-lo não somente como um fotógrafo de moda. Além disso, suas escolhas nos fornecem
elementos significativos para compreender sua poética.
Material
A proposta aqui delineada foi a de realizar uma análise sobre a poética de Otto
Stupakoff tendo nas suas sequências fotográficas as evidências primárias para tal. Na
presente pesquisa, a visualização das sequências fotográficas foi viabilizada pelas folhas de
contato entregues por Stupakoff ao IMS em 2008, conforme discutido anteriormente.
análise daquela expressão. A dominante também foi eleita para análise de trabalhos de narrativas hipermediáticas
(PFÜTZENREUTER, 2006) e aqui desdobramos para a fotografia.
174
Descrição e contextos
Considerando que a imagem fotográfica é portadora de informações codificadas
de ordem formal – recursos técnicos empregados e recursos plásticos utilizados na concepção
e construção da representação – e cultural, além de referências diretas e indiretas ao tema
representado e elementos simbólicos da cultura material em que estão implícitos os indícios
que nos levam a contextualizar o assunto (KOSSOY, 2012), dentro do procedimento
metodológico adotado é apresentado um panorama descritivo da série com o número do
copião, seus dados técnicos (técnica, local, data), a quantidade de fotogramas na folha de
contato, tema/assunto, propósito e contexto fotográfico, e elementos constitutivos
(linguagem fotográfica). Foi ainda identificado se, em cada sequência e/ou imagem
individualizada citada na análise, há fotos escolhidas para divulgação (por exemplo em
exposições ou publicações diversas).
175
Procedimento metodológico
A análise das sequências foi realizada sob o viés do raciocínio da semiótica
peirceana como ferramenta analítica para descrever e discutir o objeto escolhido. Considera-
se que a semiótica “é capaz de explicar e interpretar todo o domínio da cognição humana (...)
Além de ser uma teoria do conhecimento, a semiótica também fornece as categorias para a
análise da cognição já realizada” (SANTAELLA, 2002, p. XIII). A semiótica funciona como
um mapa lógico que traça as diretrizes que devem conduzir uma análise e, por ser uma
ciência geral, necessita de subsídios de outras áreas para que a análise seja realizada
(SANTAELLA, 2002). Assim, o aporte teórico para a presente investigação é o da semiótica
peirceana, inter-relacionando-a paralelamente com o referencial das teorias específicas da
imagem, mais especificamente da fotografia.
Na análise, foi considerada a macroestrutura, i.e., o estudo dos vários níveis de
análise semiótica do signo. Aqui tratamos como signo: as caixas e seu conteúdo, as
sequências nas folhas de contato, as imagens individualizadas e como os referentes estão em
cada imagem. A partir dessa macroestrutura buscamos elementos significativos nesses signos
que indiquem o processo criativo de Stupakoff.
A base para a análise está pautada na seguinte indagação: o que nos mostra a
sequência fotográfica materializada em uma folha de contato e o que ela nos fala quanto à
poética do autor?
Frente a essa pergunta principal foram tratados os seguintes aspectos: (1)
Referente (aquilo que está na imagem); (2) Plástica visual (técnica, organização visual,
elementos da linguagem fotográfica); e (3) Gesto do fotógrafo (como se porta, aborda, vê e
registra o assunto). A análise desses três fatores é a base para o entendimento da
singularidade do fotógrafo no criar a imagem, visto que considera desde aquilo que despertou
seu interesse, perpassando as escolhas e articulação dos elementos que materializaram a
imagem até o modo de ação frente ao que será fotografado.
176
177
as escolhas dos fotogramas, recorremos às provas por contato encomendadas por Fernando
Laszlo e Bob Wolfenson a partir dos negativos cedidos por Stupakoff a eles em 2005, e
também utilizamos os copiões ampliados pela equipe do IMS com base no material que o
fotógrafo entregou ao instituto em 2008.
Nos copiões produzidos para a exposição Moda sem fronteiras – Otto
Stupakoff: 55–05, na São Paulo Fashion Week (SPFW) de 2005, nota-se uma variedade
de inserções gráficas e textos indicando marcações de escolhas de fotogramas para a
exposição. Considerando que o presente estudo se pauta nas escolhas estabelecidas por
Stupakoff, foi de suma importância atribuir assertivamente as autorias das marcações em
cima da folha de contato fazendo a diferenciação entre as indicações feitas pelo próprio
Stupakoff e as de terceiros.
Frente a uma pletora de diferentes tipos de marcações, através das informações
oriundas dos curadores Laszlo (2017) e Wolfenson (2017), estabelecemos que as marcações
em vermelho e azul foram feitas por eles, enquanto a grafia ‘Otto’ em grafite cinza,
conjuntamente ao número de um fotograma, mostram as indicações de Stupakoff. As
marcações em branco na forma de seta ou V também são formas particulares de Stupakoff
materializar suas escolhas (Figura 107).
Figura 107. Folha de contato da série Xuxa, 1989. Fonte: Instituto Moreira Salles.
178
O estilo do traço e o padrão gráfico usado para expressar uma escolha foram
atribuídos assertivamente a Stupakoff via comparação com marcações feitas em outros
copiões que antecedem à edição supracitada da SPFW, como no material do Camboja, por
exemplo (uma amostra pode ser vista na Figura 108A) e também pelo fato de que, findo o
evento da Fashion Week, Stupakoff retomou a posse de todo seu material fotográfico,
inclusive as folhas de contato, e teria remarcado algumas escolhas. É o caso do copião OS-
307 (Figura 108B) em que aparecem quatro marcações em seta branca demonstrando essas
novas escolhas do fotógrafo. Dos quatro fotogramas marcados por Stupakoff, os de números
9, 21 e 36 foram incorporados por Sérgio Burgi na edição de A hora e o lugar: Otto
Stupakoff, Saigon 1967-1968 (BURGI; TITAN JUNIOR, 2015), lançado após o falecimento
do fotógrafo. Isso demonstra que Burgi teria acatado algumas dessas escolhas posteriores de
Stupakoff na organização do livro com fotos da sua viagem ao Vietnã na década de 1960.
(A)
179
(B)
Figura 108. (A) Marcações na folha de contato do Camboja, 1994. (B) Saigon, Vietnã, 1968.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
180
Figura 110. Parcial da folha de contato Saigon, Vietnã, 1968. Fonte: Instituto Moreira Salles.
181
182
Tabela 3: Copiões da Caixa 1 com marcações divergentes entre as escolhas de Stupakoff e de terceiros.
Copião (número Descrição Seleção de Seleção dos Observações
no IMS) Stupakoff curadores
031OS32 Xuxa Meneghel. 32 e 12 10 Remarcados por
Estúdio fundo cinza. Stupakoff após
Vogue Brasil, 1989. SPFW
031OS070 Sérgio Mendes. Central 14A 15 14A foi selecionada
Park, 1967 para o MASP-1978
031OS127 Pietro Bardi, São Paulo, 11 3
1978
031OS306 Saigon, Vietnã, 1968 10 A 15 A Remarcados por
Stupakoff após
SPFW
031OS77 Zoológico Stuttgart, 21A 21A e 37 Inscrição dos
Alemanha, 1976. Vogue curadores “Don’t
print this” no 21A
Apesar de alguns dos copiões trazerem somente as escolhas feitas pelos curadores
da SPFW, evidências adicionais levantadas (como matérias em que as fotos foram
publicadas) permitem verificar se essas indicações convergem ou divergem das escolhas de
Stupakoff em algum momento.
183
Figura 111: Leslie Bogart para a Harper’s Bazaar, 1967. Fonte: Instituto Moreira Salles.
(A)
184
(B)
Figura 112. (A) Sequências de fotogramas de Saigon, Vietnã. (B) Imagem individualizada a partir da
escolha dos curadores da SFW, convergente à de Stupakoff. Fonte: Instituto Moreira Salles.
O confronto com o material publicado foi outro modo de verificar qual foi o
fotograma selecionado, ainda que não tenha sido diretamente marcado nos copiões. O copião
OS106 da série Ian e Bico Stupakoff, feita no Natal de 1968 em Nova York e publicada na
revista Novidades Fotóptica em dezembro de 1970, não traz nenhuma marcação de seleção
(Figura 113A), mas foi possível constatar, através da imagem no periódico (Figura 113B), que
o fotograma 36A foi o escolhido para a publicação.
(A) (B)
Figura 113. (A) Folha de contato Ian e Bico Stupakoff em Nova York. (B) Fotografia publicada na
revista Novidades Fotóptica. Fonte: Instituto Moreira Salles.
185
por vezes, permanecem com os contratantes e não com os fotógrafos responsáveis pelo
trabalho. Frente a esse cenário, Stupakoff fez suas escolhas dentro das possibilidades
permitidas pelo material que permaneceu com ele.
É o caso da série com o ator Oskar Werner em que a folha de contato (Figura 114A)
mostra do fotograma 2 ao 13 e depois do 26 ao 36. Na tira omissa está a imagem escolhida e
publicada pela revista Harper’s Bazaar em outubro de 1965 (Figura 114B). Ainda que dentre as
imagens que permaneceram com Stupakoff os fotogramas 26 e 27 apresentem características
muita parecidas com a imagem publicada, o fotógrafo optou pelo fotograma 4A (Figura 95B)
em sua seleção pessoal; nesta, o diferencial está no posicionamento de Werner em frente à
janela com o Central Park ao fundo, composição figura-fundo apreciada por Stupakoff
(STUPAKOFF, 2000a). É uma escolha reiterada por ele, aparecendo tanto na exposição do
MASP em 1978 quanto na SPFW de 2005.
4A
(A) (B)
Figura 114. (A) Folha de contato da sequência com o ator Oskar Werner. (B) Fotografia na página 216
da Harper’s Bazaar, 1965. Fonte: Instituto Moreira Salles.
186
187
algumas séries bastante representativas da obra do fotógrafo: Tom Jobim (1964), Sergio
Mendes (1967), Margareta Puerto Vallarta (1972), Águas Termais em Baden-Baden (1974)
e Ansiedade (1990). Essas sequências proporcionaram subsídios para se discutir inferências
em relação à poética de Stupakoff, que transparece no processo de escolha do fotógrafo frente
ao material imagético produzido. Para tecer as discussões abaixo foram consideradas as
informações particulares do contato – listadas de 1 a 5 e apresentadas no capítulo 3 (ver
também exemplo da Figura 66).
188
(A)
(B)
Figura 115. Tom Jobim, 1964. (A) Imagem final escolhida a partir do fotograma 29. (B) Folha de
contato mostrando os 13 fotogramas da sequência. Fonte: Instituto Moreira Salles.
189
aparece parte do solo terroso e algumas árvores finas e desfolhadas. A escolha se destaca pela
composição do retratado próximo ao centro e o alinhamento dos ombros levemente em
diagonal, como também pelo rosto de Mendes destacando-se em relação ao cenário e
mantendo uma aparência rígida, esta digna de comentário em mensagem pessoal do próprio
Stupakoff para o fotógrafo Fernando Laszlo: “Pose ele não fez, estava duro assim mesmo,
quando o encontrei” (STUPAKOFF, com. pes.10).
Temos aqui a preocupação de Stupakoff com a relação figura-fundo (presente
também na sequência de Tom Jobim e de Oskar Werner). A escolha se estabelece partindo do
da composição que melhor harmoniza personagem e fundo, no sentido de que Sérgio Mendes,
ao mesmo tempo em que está dialogando com o cenário que o envolve, também está se
destacando do mesmo.
(A)
10
Comunicação pessoal de Otto Stupakoff, em 2005, recebida via correio eletrônico por Fernando Laszlo.
190
(B)
Figura 116. Sérgio Mendes (1967). (A) Imagem final escolhida a partir do fotograma 14A.
(B) Folha de contato mostrando os 30 fotogramas da sequência. Fonte: Instituto Moreira Salles.
191
(A)
(B)
Figura 117. Margareta Puerto Vallarta (1972). (A) Imagem final escolhida a partir do fotograma 33A.
(B) Folha de contato mostrando os 6 fotogramas da sequência.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
192
está publicada nos livros Otto Stupakoff (FERNANDES JUNIOR, 2006) e Sequências: Otto
Stupakoff (INSTITUTO MOREIRA SALLES, 2009a)
Na sequência de Águas Termais em Baden-Baden, cujos negativos estão
depositados na Caixa 1, constam 6 fotogramas – do 19A ao 24A (Figura 118B). As fotografias
são frutos da viagem de Stupakoff à cidade de Baden-Baden, na Alemanha em 1974. Pela
visualização da tira de seis fotogramas percebe-se primeiramente que a posição de Stupakoff se
manteve fixa frente à cena das banhistas, havendo uma sutil variação no enquadramento e no
ângulo de registro. A modelo em primeiro plano praticamente sustenta a pose na mesma forma
– apenas com tênues variações – conforme registrado entre os fotogramas 20A e 24A. A
sutileza da variação se dá por uma mínima alteração de ângulo com o qual Stupakoff, no
abaixar, encobre com o cotovelo da modelo uma pia no último plano e mostra uma maior parte
inferior dessa personagem entrando no enquadramento. Nessa sequência, o fotograma 19A é o
único que apresenta de maneira diferenciada a forma do corpo e também uma movimentação
mais significativa da modelo. Sobre a imagem, Stupakoff escreve para Fernando Laszlo:
“Construída pelos romanos, sua névoa sulfúrica não oculta o inesperado terror provocado por
uma placa preta com letras brancas que diz ‘É proibido qualquer movimento que possa criar
ondas’” (STUPAKOFF, com. pes.12). Nesse sentido, pode-se dizer que o movimento suspenso da
modelo reflete a percepção de Stupakoff sobre o ambiente fotografado.
(A)
12 Comunicação pessoal de Otto Stupakoff, em 2005, recebida via correio eletrônico por Fernando Laszlo.
193
(B)
Figura 118. Águas Termais em Baden-Baden (1974). (A) Imagem final escolhida a partir do fotograma
19. (B) Folha de contato mostrando os 6 fotogramas da sequência. Fonte: Instituto Moreira Salles.
13 Essa imagem pode ser vista em: <http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/17>
14 Pequena Galeria Mario Cohen. <http://galeriamariocohen.com.br/?page_id=21729#prettyPhoto>.
15 Seleção de um detalhe que obedece às regras de redução e ampliação.
194
(A)
(B)
Figura 119. Ansiedade (1990). (A) Imagem final escolhida a partir do fotograma 19. (B) Folha de
contato mostrando os 6 fotogramas da sequência. Fonte: Instituto Moreira Salles.
16 Comunicação pessoal de Otto Stupakoff, em 2005, recebida via correio eletrônico por Fernando Laszlo.
195
(A)
196
(B)
Figura 120. Três nus, três ilhas, 1978. (A) Fotograma escolhido para a exposição do MASP de 1978.
(B) Fotograma selecionado para a exposição da São Paulo Fashion Week de 2005 (e constante da
Caixa 1 depositada no IMS). Fonte: Instituto Moreira Salles.
Da série com a atriz Sharon Tate registrada em Malibu, 1969, para a Harper’s
Bazaar, constam dezoito fotogramas na folha de contato. Dessa série, Stupakoff optou pelo
fotograma número 12 (Figura 121A) para a exposição no MASP em 1978, e pelo fotograma
número 33 (Figura 121B) tanto para a SPFW de 2005 quanto para a primeira exposição da
sua obra realizada no IMS em 2009. Toda a série é desenvolvida com Tate caminhando pela
praia acompanhada por um cão; o fotógrafo a retrata ao acompanhar essa caminhada. O
fotograma 12 apresenta Tate olhando para o fora do quadro à direita, mostrando seu rosto
em três quartos. Também aparecem na imagem um arremedo do cão logo atrás da atriz,
parte da praia e construções ao fundo. No fotograma 33, Tate caminha para fora do quadro à
esquerda; a foto em contre-plongeé acentua seu corpo longilíneo, o rosto da atriz está mais
evidenciado, assim como o cão, que ganha uma proporção maior dentro do cenário de praia e
mar (aqui, as construções ao fundo não são visíveis).
Em comentários feito a Fernando Laszlo sobre a imagem do fotograma 33,
Stupakoff contextualiza o dia da tomada das fotos e dos eventos ocorridos posteriormente
com a personagem fotografada: “Sharon Tate, já grávida. Me convidaram para o almoço que
a mãe do Roman [Polanski] preparou. Já haviam comprado o berço. A casa tinha sido de
Cary Grant. Não sabemos o que nos espera depois de um aceno de janela” (STUPAKOFF,
com. pes.17).
17 Comunicação pessoal de Otto Stupakoff, em 2005, recebida via correio eletrônico por Fernando Laszlo.
197
(A) (B)
Figura 121. Sharon Tate, 1969. (A) Fotograma escolhido para a exposição do MASP de 1978. (B)
Fotograma selecionado para a exposição da São Paulo Fashion Week de 2005 e o Instituto Moreira
Salles em 2009. Fonte: Instituto Moreira Salles.
18 Comunicação pessoal de Otto Stupakoff, em 2005, recebida via correio eletrônico por Fernando Laszlo.
198
(A) (B)
Figura 122. Margareta, Hotel D'Inghilterra, 1969. (A) Fotograma 37, escolhido para a exposição do
MASP de 1978. (B) Fotograma 29, selecionado para a exposição da São Paulo Fashion Week de 2005 e
o Instituto Moreira Salles em 2009. Fonte: Instituto Moreira Salles.
199
(A)
(B)
Figura 123. Registro de rua em Amsterdã. (A) Parcial do copião. (B) Registro do fotograma 35 da
sequência feito nos anos 2000 via câmera compacta digital. Fonte: Instituto Moreira Salles.
19 Subexposta: quando não há luz suficiente incidindo no material sensível para formar a imagem e esta fica
escura. Superexposta: quando há excesso de luz incidindo no material sensível para formar a imagem e esta fica
clara.
200
201
CAPÍTULO 5
5. Sobre a construção da imagem fotográfica
O resultado da criação fotográfica é uma representação plástica, uma forma de
expressão visual incorporada no seu suporte e resultante dos procedimentos tecnológicos que
a materializaram (KOSSOY, 1999). A viabilização para a concepção da imagem e,
consequentemente, para corporificação da ideia/conceito do fotógrafo partem de um
processo técnico que determinará os elementos constitutivos da imagem fotográfica –
composição, iluminação, ângulo, plano, cor, movimento, foco, forma, textura, distorção e
perspectivas (KOSSOY, 1999).
A criação fotográfica baseia-se no modo como o fotógrafo decide abordar o
referente fotografado. Como cita o fotógrafo grego Nikos Economopoulos, “(...) a gente
sempre tem um tema, a questão é escolher a forma que funciona melhor. Em geral, um
elemento atrai de início minha atenção, e então começo a construir algo em torno dele”
(ECONOMOPOULOS apud LUBBEN, 2012, p. 356). Nesse sentido, a fotografia está baseada
na “organização disto que o fotógrafo tem em frente de si” (BECEYRO, 2005, p.125)1. Como
princípio organizador está o ato de eleger, dentre diversas possibilidades, a posição do
fotógrafo/câmera em relação ao referente, os diversos pontos de vistas, qual o
enquadramento, modo de iluminar e a composição. Os procedimentos relacionais, i.e, as
inúmeras articulações entre os elementos constitutivos da imagem, constroem mensagens
fotográficas a partir da elaboração plástica da forma.
Para Beceyro (2005), a estrutura propriamente constitutiva da fotografia
corresponde aos planejamentos articulados pelo fotógrafo sobre como ele expressa um
significado. Assim, o autor da foto parte das generalidades dos elementos constitutivos
para as particularidades no uso. A maneira como o fotógrafo constrói a fotografia revela
tanto seu impulso criador, definido aqui como o padrão de gestos e modos do fazer
fotográfico que evidenciam algo único do fotógrafo (BECEYRO, 2005), quanto o seu
pensamento plástico, i.e, o pensamento visual frente ao referente (questões formais
relacionadas ao uso de elementos como iluminação, tipo de enquadramento e composição
as quais, quando observadas em várias fotografias do mesmo autor, revelam-nos os
principais aspectos dominantes de suas imagens).
Sonaglio (2004) observa que, partindo-se do mesmo referente, o que se altera na
captura são alguns parâmetros da tomada fotográfica (ângulo, focalização, enquadramento)
condicionadas à máquina fotográfica:
Essas possibilidades, presentes no espaço topológico de representações das
1 Vale ressaltar que no contexto da citação, Beycero se contrapõe à posição de Roland Barthes que via a fotografia
como um simples análogo do mundo e com técnicas pouco claras ou próprias. Beceyro, por sua vez, argumenta ser
possível a análise da foto partindo das próprias técnicas fotográficas, como também da intervenção do fotógrafo
ao fazer uso dessas técnicas.
202
manipulando e transformando de acordo com suas necessidades e intenções criativas (SALLES, 2013).
203
posteriormente passaram a ter menos importância para ele quando comparado ao potencial
fotográfico do registro do ser humano. “Meu interesse é o ser humano” (STUPAKOFF apud
FERNANDES JUNIOR, 2006, p. 162) e “Sempre gostei de fotografar gente. Isso sempre foi
muito forte para mim mesmo” (STUPAKOFF apud MENDONÇA, 1978b, p. 38).
Stupakoff dizia-se sempre ‘curioso’ em relação às pessoas e por isso as fotografava.
Assim, a inclusão da figura humana em seus grandes temas dentro do seu arcabouço de
produção – retratos, nus, instantâneos de rua, fotografias de viagens, editoriais de moda e
publicidade – era significativa para o seu entendimento do ser humano (FERNANDES
JUNIOR, 2006). A figura do ser humano – dado o corpo e suas expressões – oferece a
captura do gesto. Nas palavras do fotógrafo e curador húngaro Thomas Farkas, ao justificar
as escolhas de fotografias de Stupakoff para a Coleção Pirelli/MASP, essa visão do ser
humano estaria entre outras coisas na “(...) fina percepção da alma através do corpo”
(FARKAS, 1993, p.6).
Um dos motivos pelos quais Stupakoff fotografou poucas paisagens durante sua
carreira (um exemplo encontra-se na Figura 124) está no seu argumento de que a fotografia
não seria capaz de torná-las iguais ou melhores: “um simples e bucólico pôr-do-sol sempre é
mais bonito do que qualquer fotógrafo possa captar” (STUPAKOFF, 1960, p. 23). Pode-se
explicar essa ‘incompletude fotográfica’ frente à paisagem existente para além da foto pelo
fato do registro da cor fotográfica ser sempre “uma interpretação da cor visada a partir dos
próprios constituintes materiais do filme” (MACHADO, 2000, p. 2). Nesse sentido específico,
o balanceamento dos componentes da película é feito de tal maneira convencionalizada que
nos termos peirceanos têm implicação de norma generalizante. Das poucas paisagens por ele
registradas, Stupakoff dizia ver nelas algo da presença do ser humano, “um simbolismo de
gente que estava presente” (STUPAKOFF, 1978b), naquilo que Iuri Lotman (2011, p. 31)
chamou de “ausência significativa” segundo a qual um elemento consegue acentuar sua
presença e significado por meio de sua ausência.
Figura 124. Apache Peak, Arizona, 1969. Uma das quatro fotos do catálogo MASP-1978.
Fonte: STUPAKOFF, 1978d/IMS.
204
3 Chiodetto (2013) as usa em curadoria. Julgamos pertinente estender essa ideia para a presente pesquisa.
205
206
207
A análise das sequências de retratos feitos por Stupakoff revela que o fotógrafo
procurava acompanhar as mudanças do retratado quanto aos gestos e expressões faciais
associadas a temperamentos, humores e emoções. Isso converge com o que Freund (1989)
denomina “penetrar no espírito” do retratado, distanciando-se do registro pautado
exclusivamente na fisionomia para enfatizar o “misterioso” subjacente. Uma maneira de
expressar tal “mistério” é a negação do riso nas fotografias, defendido por Stupakoff:
Uma risada é um clímax, e um clímax não deve ser fotografado – porque aí
nada mais resta ao leitor para imaginar. E isso diminui muito a emoção que
a fotografia poderia transmitir. Não se deve negar uma oportunidade à
imaginação do leitor – deixemos que ele imagine o clímax” (STUPAKOFF,
1960, p. 23).
O tempo dispensado com o retratado variava de minutos a dias. Com o ex-
presidente norte-americano Richard Nixon e sua filha Julie a sessão durou treze minutos
(conforme a agenda da Casa Branca do período); do ator Jack Nicholson Stupakoff produziu
apenas uma imagem. No geral, o fotógrafo preferia passar o dia todo com a pessoa, caso de
Grace Kelly e sua filha, às vezes mais de um dia (OLIVANI, 2005), caso da atriz Lauren
Hutton com quem fotografou durante dois dias, e as quatro vezes em que fotografou atriz
Sophia Loren (FERNANDES JUNIOR, 2006).
208
(A) (B)
Figura 125. Trabalhos de nu feminino feitos por Stupakoff antes de 1965. (A) Nu, estúdio, 1953. (B)
Sem título, 1961. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Figura 126. Renata, Nova York, 1991. Fonte: Instituto Moreira Salles.
A comparação entre algumas das séries realizadas por Stupakoff mostra que os
nus têm um caráter mais intimista e se contrapõem à sua produção de moda no registro das
roupas e acessórios. Normalmente, ele apresenta as retratadas em sua intimidade,
comportando-se de forma natural, absortas em suas vidas e não demonstrando saber que
estão sendo fotografadas (algo próximo ao que fazia o pintor polaco-francês Balthus,
referência para Stupakoff e discutido no capítulo 6). Essa é uma ideia transmitida ao leitor
pela imagem. No entanto, essa dinâmica não se furta de encenação (SOULAGES, 2010), já
que a “espontaneidade” nas fotos é construída, e que segundo o próprio Stupakoff é “buscada,
rebuscada” (STUPAKOFF apud FERNANDES JUNIOR, 2006, p. 161). Sua prática fotográfica,
revelada pela análise dessas folhas de contato, demonstra também que o “espontâneo” é
dirigido e que, sendo a espontaneidade algo buscado por Stupakoff, revela ser esta também
um dos aspectos do seu projeto poético.
Stupakoff retrata o corpo feminino estabelecendo uma relação com o espaço e
com os outros elementos da fotografia no modo como ele constrói essa figura do corpo da
209
4 Em seu seminário ministrado em 28 ago. 2017 na Unicamp, Phillippe Dubois elencou algumas características
210
211
5.1.4 Família
Além dos retratos, nus femininos e das fotografias de viagens, o universo familiar
compõe o quarto conjunto de referentes fundamentais da fotografia de Stupakoff. O contexto
do lar, viagens em família, passeios, datas comemorativas e nascimentos formam um
arcabouço de temas para registros dos relacionamentos mais íntimos do fotógrafo (um
exemplo pode ser visto na Figura 128).
Figura 128. Margareta, Gabriela e Sef, 1974. Fonte: Instituto Moreira Salles.
212
Figura 130. Registros de Margareta, Gabriela e Sef em Long Island. Fonte: Instituto Moreira Salles.
213
Figura 131. Folha de contato com a sequência da viagem para Disney. Fonte: Instituto Moreira Salles.
214
“Mas se eu voltasse aos oito anos, tudo que eu gostaria de ter era a
mesma câmara e a mesma sensação”5
Como citado por Stupakoff, há particularidades nesse tipo de referente, visto que
a criança tende a se comportar de maneira mais direta e natural frente a câmera:
As crianças nunca, em qualquer caso, posavam. Elas faziam o que queriam
enquanto eu, puramente um observador, pegava-as em seus momentos mais
espontâneos e encantadores6 [tradução livre] (HARPER’S BAZAAR, 1967, p.3).
5Stupakoff em Anúncio Vasp, 1979.
6“The children were never, in any case, posed. They did just as they pleased while I, purelly an observer, caught
them in their most spontaneous and charming moments”
215
(A) (B)
(C)
Figura 132. (A) Crianças, Saigon, 1968. (B) Ciganos, interior de São Paulo (1970).
(C) Crianças em Salvador, s.d. Fonte: Instituto Moreira Salles.
(A) (B)
Figura 133. Editorial de moda infantil para a Harper’s Bazaar, (A) 1967 e (B) 1969.
Fonte: Reprodução das revistas.
216
217
Figura 134. México. Exemplo de imagem planificada. Fonte: Instituto Moreira Salles.
O material fotográfico de Stupakoff mostra que ele registra com maior frequência
imagens em ambientes externos, aproveitando-se do contexto da paisagem urbana ou
natural; quando em ambientes internos – salas, quartos, cozinhas – normalmente essas
imagens incorporam na composição os objetos específicos desses recintos. Após 1965,
quando da sua primeira ida para os EUA, o fotógrafo liberta-se dos cânones do estúdio,
especialmente do fundo infinito, e passa a se utilizar do espaço externo, ao ar livre, a partir de
encenações inseridas um cotidiano mundano tanto para produção dos seus editoriais de
moda quanto dos retratos (trabalhos muitas vezes desenvolvidos sob condições controladas
em estúdio). Dois exemplos ilustrativos podem ser vistos na Figura 135A para ambientes
externos e 135B para internos.
(A) (B)
Figura 135. (A) Nova York, Margareta, Gabriela e Guarda, ambiente externo. (B) Iraniana, ambiente
interno. Fonte: Instituto Moreira Salles.
218
insuportável colocar uma mulher no vácuo enquanto havia muitos lugares mais interessantes
para fotografá-la (FERNANDES JUNIOR, 2006). Mesmo em suas fotos em estúdio, o fundo
infinito era um recurso que passava ao largo de seus registros, preferia um fundo dado por
uma parede e uma linha no chão, como na figura 136A. Do material depositado na Caixa 1,
apenas três sequências são fotografadas em fundo neutro: Sem título (modelo em estúdio e
no sofá inflável, s/d), Bico Stupakoff (1963) (Figura 96C), e Xuxa Meneghel (1989) – nesta
última, o fundo infinito neutro destaca os movimentos do corpo (Figura 136B). A consulta a
outras sequências fora da Caixa 1 permite-nos extrapolar a afirmação acima para o conjunto
da obra fotográfica de Stupakoff. É fato que, mesmo fazendo uso do estúdio, Stupakoff
procura utilizá-lo como um espaço ambientado, não sinalizando que é propriamente um
estúdio (como na Figura 136A).
(A) (B)
Figura 136. Diferentes usos do estúdio por Stupakoff. (A) Harold Pinter e Vivien Merchant, 1972. (B)
Xuxa Meneghel, 1989. Fonte: Instituto Moreira Salles.
219
(A) (B)
Figura 137. Do estúdio à ambientes externos nos retratos de Stupakoff antes de 1965. (A) Maria
Bonomi, 1962. (B) Heitor dos Prazeres, 1957. Fonte: Instituto Moreira Salles.
220
Figura 139. A modelo Mira no editorial da Vogue Brasil. Fonte: Reprodução da revista.
221
(A) (B)
Figura 140. (A) O pacote perseguidor, revista Cláudia, dezembro de 1963. (B) Duda Cavalcanti na
revista Jóia, janeiro de 1965 (foto de 1964). Fonte: Reprodução das revistas/ Acervo Biblioteca ECA.
Uma outra questão que pode ser aventada é a de que o lugar escolhido para a
fotografia nos oferece índices sobre as decisões criativas do fotógrafo. Na obra de Stupakoff,
um exemplo pode ser visto na sequência Margareta no Hotel D'Inghilterra, Roma (1969). O
fotógrafo inicia a tomada dos cinco primeiros fotogramas (do 2 ao 6) (Figura 141A) com
Margareta próxima à janela, o que confere a ela uma contraluz que delineia seu corpo (como
na Figura 141B). Do fotograma 7A ao 33A, ela se distancia da janela (Figura 141A), surgindo
no meio do quarto em luz frontal que evidencia seu rosto e corpo (como na Figura 141C). A
partir do fotograma 34A dessa prancha de contato e das outras duas pranchas subsequentes
(marcadas como OS 42 e OS 45 na Caixa 1), as tomadas são feitas todas com Margareta em
frente à janela do quarto de hotel. Essa descrição evidencia alguns aspectos relativos à
criação fotográfica de Stupakoff como a variação de posicionamento do referente em meio ao
ambiente em que o registro é feito – no caso Margareta no quarto de hotel – como
experimentação sobre o local ideal, os efeitos plásticos da luz na pessoa-espaço e a
demonstração do local preferido pelo fotógrafo dentro daquele ambiente e para aquela
personagem que se propôs a fotografar. Uma indicação no título da fotografia dessa série
exposta na São Paulo Fashion Week em 2005 também ressalta os aspectos plásticos para a
escolha do lugar: Margareta, lua-de-sol (grifo nosso), Hotel D’Inghilterra, Roma, 1969. A
ideia de ‘lua-de-sol’ traz sentido duplo pois se refere à Margareta – que estava em plena lua-
de-mel com o Stupakoff no momento do registro –, e à incidência da luz sobre a personagem.
222
(A)
(B) (C)
Figura 141. Hotel D'Inghilterra, Roma. (A) Folha de contato. (B) e (C) Ampliações do ensaio.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
223
7 Na coleção do IMS há uma grande quantidade de negativos que exemplificam esse procedimento técnico de
Stupakoff, entre as sequências de negativos marcadas como: OS-1, OS-4, OS-5, OS-9, OS-18, OS-27, OS-31, OS-32,
OS – 33, OS-42 e 45, OS-51, OS-53, OS-56, OS-58, OS-63, OS-69, OS-72, OS-75, OS-94, OS-98, OS-106, OS-107,
OS-108, OS-113,OS-126, OS-127 e OS-303.
224
Figura 142: Sequência de Grand Hotel Cabourg, 1976. Fonte: Instituto Moreira Salles.
225
226
227
Figura 145. Sequência Leslie Bogart. A marcação em vermelho é de Fernando Laszlo e Bob Wolfenson.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
228
fotos de rua, viagem e família, nos quais muitas vezes os fatores dinâmicos se movendo para
todos os lados deixam o fotógrafo à mercê do imponderável. Nesses registros, Stupakoff optava
por fazer variações maiores de elementos constituintes da fotografia (ângulo, composição,
enquadramento). Diferentemente das fotografias de moda, retratos e similares, que
apresentam fluxo de um mesmo tema em todo ou em mais de um rolo de negativo, na
fotografia de rua há o registro fotográfico de um grande tema implícito, como o exemplo do
trânsito de Saigon (Figura 108B e 110), em que Stupakoff dedicava-se ao registro fotográfico de
um determinado motivo durante o intervalo de alguns fotogramas e, depois, variava de motivo.
Um exemplo emblemático da qualidade da repetição na obra de Stupakoff está
em Homenagem a Balthus (Figura 146) na qual, por fotogramas seguidos, parece haver
pouca ou nenhuma mudança, salvo por pequenos detalhes como o leve movimento dos
membros da retratada.
229
8 Em francês significa arrependimento.
230
Figura 148. A ideia do registro repetitivo também pode ser vista nos diapositivos dessa sequência em
que há uma pequena variação na pose dos braços e mãos. Fonte: Instituto Moreira Salles.
231
232
233
(A) (B)
Figura 151. (A) Teatro de Saigon. (B) Mulher Iraniana. Fonte: Instituto Moreira Salles.
234
assim, pode ser imaginado pelo leitor da imagem. Esse aspecto característico que se refere a
aquilo que não está sendo mostrado, como alguém ou algo, mas que faz parte da história, está
presente em várias sequências registradas por Stupakoff. Um exemplo claro da importância
do extra-quadro está em Grand Hotel Cauborg (Figuras 97K, 157), Leslie Bogart (Figura
95A) e Chartres (Figura 97C) constantes da Caixa 1, em que as personagens olham para fora
do quadro ressaltando que algo acontece para além dos limites das bordas da imagem. Outro
exemplo de sequência em que esse tipo de recurso foi utilizado está no editorial O pacote
perseguidor, publicado na revista Cláudia em 1961. No referido ensaio, isso fica explícito nos
olhares das personagens femininas para fora do campo (Figura 153). Em termos compositivos, a
imagem proporciona um jogo de olhares que permite ao leitor reconhecer e pontuar cada
personagem em cena e também, pelo acompanhamento dos olhares das mulheres, articular e
imaginar o que acontece fora do quadro registrado. Essa construção indica que a cena não se
encerra no que foi enquadrado pela lente, sugerindo que algo acontece para além do exposto
(SPINELI, 2017).
235
(A)
(B)
236
(C)
Figura 154. Exemplos de “sobrecarga informativa” na obra de Stupakoff. (A) Trumam Capote. (B)
Palazzo Gangi Palermo, Sicília, Itália, 1974. (C) Margareta Arvidson, Vogue, Paris, 1973. Fonte:
Instituto Moreira Salles.
Figura 155. Margareta na piscina em Joatinga, 1978. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Na fotografia, a alta profundidade de campo se refere ao quanto os planos estão nítidos (focados). A alta
profundidade de campo proporciona nitidez em todos os planos da imagem.
237
(A) (B)
Figura 156. (A) Eduardo Paolozzi, uso do desfoque nos planos posteriores. (B) New Deli, uso do
desfoque nos planos posteriores e anteriores. Fonte: Instituto Moreira Salles.
12 Aqui se faz alusão à técnica da regra dos terços – caracterizada por dividir a imagem por duas linhas horizontais
e duas verticais e tida como uma regra que busca explorar os terços para harmonizar a composição; no entanto,
sua aplicação per se não garante a harmonização dos elementos em cena. Ainda assim, vemos que Stupakoff por
vezes utiliza na composição esse tipo de distribuição dos elementos constitutivos em cada terço da imagem.
238
atenção aos detalhes estava contida na preocupação de Stupakoff em eliminar detalhes que o
incomodavam e que de certa forma parecessem posados (FERNANDES JUNIOR, 2006).
Há também a inclusão de pequenos objetos e outros elementos nas composições
de cena que de alguma forma aludem ao assunto registrado. A fotografia no disco Picardia de
Sérgio Mendes (Apêndice III), comentada no capítulo 2 da presente tese, traz o intérprete
dentro de um carro branco com o vidro da janela aberto por onde pende um cacho de
pimentas e ao fundo um cenário típico do estado do Novo México, EUA. A inclusão das
pimentas como detalhe de produção partiu de Stupakoff depois que ele julgou ‘calientes’ as
faixas de ritmos latinos do disco e por entender que a especiaria é um dos símbolos culturais
do Novo México (MENDES, 2016).
Mesmo que o cerne da construção de várias das imagens de Stupakoff esteja
nesses detalhes significativos, eles não retiram a atenção dos elementos chaves da fotografia.
Nas palavras do próprio fotógrafo: “Um bolo pode ficar mais fotogênico com creme de
chocolate, porém o fotógrafo deve tomar cuidado para não falar muito sobre o creme, a ponto
de fazer o público esquecer o bolo” (STUPAKOFF, 1960).
Para além da harmonização pelos distintos componentes do conjunto visual e
pelos detalhes, também é expressiva a inter-relação entre os personagens que compõem a
cena nas fotografias de Stupakoff. Há produções nas quais, além da contextualização espacial,
é estabelecido um diálogo visual entre os personagem da ação. Isso fica explícito em Grand
Hotel Cabourg (1976) (Figura 157), Chartres (1974) (Figura 97C) e Zoológico de Stuttgart
(1976) (Figura 98C), por exemplo.
Figura 157. Grand Hotel Cabourg, 1976. Fonte: Instituto Moreira Salles.
239
240
melhor incidência de luz para o local de mata fechada (FERNANDES JUNIOR, 2006). Esses
depoimentos confirmam a preferência do fotógrafo pela luz natural diurna, visível em sua
produção. Também expressam o conhecimento de Stupakoff sobre o estado da iluminação
natural (algo apropriado para um fotógrafo), cujas mudanças constantes de direção e ângulo
de incidência levam à alterações significativas no registro da cor e da textura dos referentes,
acarretando em efeitos significativos no motivo da imagem. Isso justifica a importância dada
aos estudos do ambiente e do momento do dia a se fotografar com o objetivo de alcançar o
resultado estético desejado.
Outro aspecto significativo quanto à iluminação utilizada por Stupakoff é o
predomínio da luz suave, muitas vezes uniforme, com fonte de luz extensa que alcança quase
todas as direções produzindo pouca ou nenhuma sombra (como na Figura 159A). Esses efeitos
são conseguidos pelos registros captados na luz da aurora e final do dia, quando o sol baixo no
céu atravessa camadas mais densas da atmosfera, o que reduz a intensidade da luz, deixando-a
mais difusa. Ainda sob a perspectiva da luz natural, a utilização da luz lateral proveniente de uma
fonte externa (como uma janela) funciona como recurso reincidente de fonte de luz para
ambientes internos (como na Figura 159B). Essa fonte reduzida emite luz de modo unilateral e
pode produzir algumas sombras amenizadas e menos delimitadas.
(A)
(B)
Figura 159. Exemplos do uso da luz por Stupakoff. (A) Menina Cigana, luz uniforme e suave.
(B) Tributo a Balthus. Harper’s Bazaar, 1968. Luz lateral de janela.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
241
Vale ressaltar que são raras, em toda a obra de Stupakoff, as fotos noturnas e
registradas em crepúsculos, como também são poucos os contraluzes e os contrastes
acentuados vindo das áreas densas de sombras. Exemplos de contraluz estão em Margareta
em Hotel D'Inghilterra, Roma (1969) (Figura 99B) e Ian e Bico em New York (1968) (Figura
113), nas quais é possível ver um acentuado contraste de luz e sombra.
Figura 160. Carrie Nygren, Vogue maio 1975. Fonte: Instituto Moreira Salles.
242
(A) (B)
Figura 161. (A) Renata, 1991. (B) Wesley Duke Lee. Fonte: (A) Instituto Moreira Salles; (B)
reprodução de PARELLA, 1967 em Coleções especiais/Unicamp.
13 Sobreposição de dois negativos para criar um efeito de dupla exposição.
243
14 Evgen Bavcar é um fotógrafo deficiente visual que utiliza o tato e o olfato para conceber suas criações
244
(A) (B)
Figura 162. (A) Eva Gschopf, 1967. (B) Jardim em Boulogne-Billancourt, França. 1975.
Fonte: Instituto Moreira Salles.
Além dos elementos diversos coexistindo na mesma cena (como visto no tópico
sobre composição), as texturas e padronagens são elementos largamente presentes nas
composições de Stupakoff. Podemos entender textura como uma forma em miniatura que
expõe as reentrâncias e saliências de uma superfície. Na fotografia, as texturas se revelam
pela presença ou ausência das sombras realçadas pela iluminação incidente em uma
determinada área.
A textura como elemento visual na fotografia representa as qualidades de outro
sentido, o tato. A visualização de uma textura permite reconhecer seu aspecto, ainda que isso
difira da experiência sensória do tato. Ambos têm significado simbólico semelhante, mas não
o mesmo valor, pois o julgamento que o olho faz está no campo da aparência (parece ser
áspero, parece ser suave), enquanto a percepção pela pele é mediada por receptores de
estímulos táteis. Quando a textura não apresenta qualidades táteis mas apenas óticas (linhas
em uma página impressa ou padrões de um determinado tecido), ela no geral é entendida
mais como um padrão constituído pela repetição de um determinado elemento – tais como
contornos, formas, texturas e cores – do que propriamente como uma textura.
Nas fotografias para editoriais de moda registradas por Stupakoff, é comum que
a harmonia da composição seja estabelecida pela padronagem das roupas coexistindo com as
texturas do ambiente (como exemplificado nas Figuras 163 A e B). Para além da foto de moda,
esse trato com a textura e padronagens pode ser visto em outros dos seus trabalhos (e.g.,
Figura 163 C e D).
245
(A) (B)
(C) (D)
Figura 163. (A) Baden-Baden, Vogue (1974). (B) Algarve, Vogue (1988). (C) Heitor dos Prazeres (ca.
1958). (D) Caçador Pangnirtung, Ártico (1989). Fonte: Instituto Moreira Salles.
Fica clara a maestria de Stupakoff no uso das cores, principalmente quando ele
objetiva revelar e ressaltar texturas e padronagens. Na Figura 164A, as cores vibrantes e os
contornos das formas ressaltam os padrões, tornando-os mais visíveis, porém a pele lisa da
modelo revela uma plasticidade que contrasta com a confluência de padrões das superfícies
dos outros elementos da cena. Dependendo de como o registro fosse feito, os padrões
justapostos talvez dificultassem a leitura da imagem, pois distrairiam a atenção do leitor,
levando-o a focalizar em uma coisa ou outra do quadro. Na referida composição de Stupakoff,
no entanto, os padrões aparecem em escalas diferentes e funcionam em conjunto.
246
(A)
(B)
Figura 164. (A) Arnella Flynn. (B) Agneta Frieberg, ca. 1967. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Nos exemplos acima, Stupakoff usa como protocolo a construção de imagens que
mostram as aparências visuais dos objetos, mas que também aludem às suas qualidades
táteis. Esses e outros elementos da prática fotográfica de Stupakoff contribuirão para as
considerações sobre seu processo criativo discutidos no capítulo seguinte.
247
CAPÍTULO 6
248
249
pode ser vivida com indiferença, que a ele cabe ver o que para os outros é invisível”
(STUPAKOFF in FERNANDES JUNIOR, 2006, p. 8). Esse modo de ver a fotografia é
congruente com o entendimento de fotógrafos como Cristiano Mascaro, para quem fotografar é
“extrair do dia a dia algo que ninguém percebeu (...) não necessariamente a busca do insólito,
mas observar as coisas de forma sensível (MASCARO apud PAIVA, 1989, p. 193), e Antonio
Augusto Fontes para o qual “o fotógrafo normalmente presta atenção aquilo que as outras
pessoas não percebem” (FONTES apud PAIVA, 1989, p. 194).
Essas afirmações ressaltam que Stupakoff se posiciona como um receptor capaz
de apreender e captar uma realidade posta no mundo. Nesse sentido, ele se aproxima de uma
visão fotográfica subjacente à noção da “maneira de ver fotográfica” oriunda sobretudo dos
fotógrafos das décadas de 1930 e 1940, para os quais o desejo fotográfico era ordenar e
estruturar a realidade de forma a revelar a harmonia inerente a qualquer objeto ordinário e a
qualquer fragmento da natureza (KRAUSS, 2002).
Segundo Stupakoff, a motivação para fotografar partia de suas inquietações, que
se refletiam em seu processo criativo fotográfico: “Essa constante mudança, primeiramente a
falta da paz interna, é parte inerente do complexo sistema que faz da pessoa um criador”
(STUPAKOFF apud HARA; WOLFENSON, 2002, p. 43). Essas inquietações de Stupakoff
transparecem o sentido de pulsão – visto na acepção da psicologia – como todo movimento
de busca do ser humano, uma ação orientada por impulsos que são constitutivos da relação
sujeito-mundo e determinada por um estado de insatisfação (FERNANDES, 2007), como
também o sentido pessoal em se aventurar a buscar novos nortes dentro da expressão
fotográfica (como já discutido nesta tese quanto ao seus processos de escolhas).
Ao mesmo tempo em que se inquietava, Stupakoff também se aquietava – do
ponto de vista da concentração e introspecção – para atender a uma necessidade interna que
favorecesse seu processo criativo. Nas suas próprias palavras: “É preciso estar muito quieto
por dentro para ver o que eu gostaria de fotografar” (STUPAKOFF, 1978d, p. 39).
Essa constante relação dialética – inquietar / aquietar – reflete um processo de
busca e aperfeiçoamento pessoal, ao que Stupakoff ressalta: “Eu nunca vou estar preparado,
nunca vou chegar aquele momento, bom, terminei” (STUPAKOFF, 1978a, 2min28s). Esse
processo também demonstra que é através da fotografia que o fotógrafo comunica aquilo que
sente, aquilo que é, por isso a importância de buscar a verdade pessoal do seu olhar sobre o
mundo: “A fotografia é limitada apenas pela capacidade de ver do fotógrafo. Estou quase
desesperado nessa decisão, nessa minha insistência de que as próximas fotos cheguem aonde
sempre eu quis chegar” (STUPAKOFF, 1978d, p.26). Aqui se expressa um devir que pode ser
alcançado com o labor fotográfico, que demanda um processo de maturação oriundo da
experiência do fazer fotográfico e não de uma obra específica. Em suma, Stupakoff buscava
seu estilo conforme seguia fotografando.
250
251
252
253
entre inúmeros outros intervalos próximos. Daí por que se pode falar de um
certo caráter aleatório da imagem obtida pela câmera: pode-se dizer que o
obturador que torna visível a luz na película é ele próprio cego e governado
pelo acaso (MACHADO 1984, p.43-44).
Como anunciado por Dubois (2012, p. 312), “fotografar é não ver”, visto que não
se visualiza aquilo que se está fotografando no momento exato da captura, e dado que o autor
do registro fotográfico não mantém controle total sobre a criação, Machado (1984) defende o
papel do acaso como frequente na fotografia, ainda que menos perceptível ao público, pois o
resultado mostrado cotidianamente em álbuns, revistas e exposições é quase sempre
composto por imagens selecionadas, que podem excluir o imponderável.
Mesmo contemplada no processo de criação fotográfica, a ação do acaso não
condiz com aquilo que Stupakoff considerava ideal na criação fotográfica. Nesse sentido, ele
primava por processos que condicionassem a feitura da imagem de acordo com um
significativo controle criativo. Nestes, ele precisava restringir, mas não ignorar, a
possibilidade do aleatório, produzindo a imagem tendo consciência da linguagem empregada
e pré-visualizando fotograficamente, nos termos de Ansel Adams 1 (ADAMS, 2002a), os
possíveis resultados obtidos através de projeção mental da imagem fotográfica final antes de
iniciada a captura do objeto.
características do processo fotográfico (ver principalmente o Sistema de Zonas). Com isso, promovia uma
aproximação máxima do modo como ele queria o resultado fotográfico, dependendo da interpretação desejada, e
restringia o efeito do acaso.
254
255
(A)
(B)
Figura 165. Diários de Otto Stupakoff (A) Diário de viagem, 1989, Ártico. (B) Diário: mapas
geográficos, diagramas e notas de jornal. Fonte: Instituto Moreira Salles
256
pudesse captar os detalhes daquilo que o fotógrafo almejava transmitir pela imagem
(STUPAKOFF, 2000c). A despeito disso, nem sempre havia a oportunidade de manter esse
tipo de relacionamento em seus trabalhos comissionados, caso da rápida sessão com o
presidente Richard Nixon e sua filha Julie (citada no capítulo 5 da presente tese) e com a
atriz Juliana Paes em ensaio para a Vogue RG Brasil – aqui, a pouca proximidade prévia com
Paes acarretou na falta de tempo para “reformular a única maneira que ela possuía de posar,
tipo estatuária grega” (STUPAKOFF apud FERNANDES JUNIOR, 2006, p. 161). Essa
possibilidade de maior contato com os retratados se modifica no contexto dos instantâneos
de rua, para os quais a feitura da imagem limita-se a um tempo diminuto e menos planejado.
Na fotografia aplicada (por exemplo na publicidade ou moda), apesar da
concepção fotográfica ser do fotógrafo, alguns parâmetros criativos são condicionados por
terceiros como editores ou diretores de arte. Na fotografia publicitária, parte-se de um
briefing e/ou layout estruturado, geralmente, por um diretor de arte. Ao fotógrafo cabe
elaborar sutis variações de linguagem (como enquadramento e ângulo) sobre o tema
proposto, mas no geral a fotografia é realizada de acordo com o estipulado pelo contratante
(CÉSAR; PIOVAN, 2007). Na concepção da fotografia para a moda, muito próxima da
publicitária, o fotógrafo segue uma pauta estipulada pelo conceito do editorial, e,
necessariamente, trabalha com uma equipe de produtores que poderão integrar o processo
de criação, que é, nesse caso, eminentemente colaborativo.
Quanto à Stupakoff, a autonomia e a participação efetiva em todas as etapas do
processo de criação são características centrais no seu trabalho profissional. O escritor e
consultor publicitário Roberto Menna Barreto refere-se ao trabalho de Stupakoff na
publicidade ainda na década de 1960 como tendo sido “absolutamente criativo, capaz de
cumprir, por exemplo, a tarefa de criar fotograficamente um calendário completo para a Shell,
foi realmente um caso excepcional” (BARRETO, 2004, p.66). Nesse contexto, Barreto
ressalta que a atitude criativa de Stupakoff divergia da rotina de criação publicitária dos
profissionais da época, na qual a preponderância criativa era do diretor de arte e não do
fotógrafo; Barreto sugere ainda que, diferentemente de outros fotógrafos, Stupakoff não
seguia minuciosamente o layout e que isso não era um problema, pois desempenhava
magistralmente a criação. O próprio Stupakoff reforça essa ideia:
(...) o fotógrafo é obrigado a se enquadrar dentro das exigências de terceiros.
Todavia, por uma questão de honestidade íntima, sempre procurei colaborar
com os layoutmans, se eu puder com a máquina melhorar a sugestão a
pastel que ele me mandou, eu faço. Felizmente, a grande maioria dos nossos
diretores de arte é inteligente e tem sabido prestigiar essa atitude
(STUPAKOFF, 1960, p.21).
Sob um viés autoral, Stupakoff dizia ter total liberdade para criar desde os tempos
da Rhodia, autonomia essa chancelada por Lívio Rangan, diretor de propaganda da empresa,
que teria ficado “(...) encantado com o que eu [Stupakoff] já tinha feito e me deu toda trela
257
possível para eu poder trabalhar em cima e criar” (STUPAKOFF apud MENDES; ARRUDA,
2001, p. 9), e por Licínio Almeida, diretor de arte, que dizia a Stupakoff “não adianta eu ficar
fazendo aqui um esquema, eu sei que você vai mudar tudo” (ALMEIDA apud MENDES;
ARRUDA, 2001, p. 9). Na editora Abril, Luís Carta contratou Stupakoff permitindo liberdade
para criação (STUPAKOFF, 2000a); Thomaz Souto Corrêa reitera essa capacidade criativa de
Stupakoff ao afirmar que este tinha uma expressiva cultura iconográfica e um olhar
diferenciado se comparado aos demais nomes da fotografia aplicada brasileira da época
(CORRÊA, 2017).
A despeito dos depoimentos de Stupakoff sobre o tema datarem da década de
1960, a ideia da liberdade, mesmo nas fotografias por encomenda, repete-se na conduta
criativa de Stupakoff por toda a sua carreira. Ele defendia a liberdade do fotógrafo propor uma
ideia concreta e válida ao cliente para além do que lhe foi encomendado e não se sujeitar a uma
ideia imposta (STUPAKOFF, 1978a). Em Nova York, ele por vezes negou trabalhos não
condizentes com sua maneira de fotografar, inclusive para a Harper’s Bazaar; nesse sentido,
dizia: “tenho a impressão de que sempre fiz o que quis fazer e quando não fiz, mudei de
caminho” (STUPAKOFF, 1978a). Fica evidente em outra fala de Stupakoff que este
responsabilizava o fotógrafo por criar condições favoráveis de trabalho:
É preciso dispender uma grande quantidade de energia para criar as
condições de execução de um trabalho. É preciso dedicação, tempo, trabalho.
Cria-se aquele mito de que lá fora é mais fácil, mas na verdade lá fora
também não é fácil fazer exatamente o que se quer”2 (STUPAKOFF apud
BAHIANA, 1979, p. 86).
Quando Stupakoff sentiu que não teria mais a liberdade de ser criativo, desligou-
se da fotografia na década de 1990, confidenciando que: “Eu não estava mais acostumado
com isso [sobre a interferência criativa de produtoras de moda e diretores de arte]. Aguentei
alguns anos...” 3 (STUPAKOFF, 2000c, p. 14) tendo retomado sua produção fotográfica
apenas nos anos 2000, ao que Sérgio Burgi (2017) interpreta mais como resultado do ‘resgate’
de Stupakoff que por sua própria pulsão pessoal.
O conhecimento das etapas preparatórias da fotografia aplicada permite
reconstruir ao menos parte da maneira como o fotógrafo pensa a imagem de acordo com seu
uso. O editorial de revista, por exemplo, pressupõe um diálogo entre texto e imagem
encerrados em um formato de página. O fotógrafo, consciente dessa estrutura comunicativa,
sabe que sua imagem compartilhará espaço com outros elementos do layout da página,
podendo estender a comunicação com componentes de outras páginas, em uma sequência
2 Essa conduta de criar condições para se fazer a fotografia à maneira do fotógrafo também pode ser vista em
Sebastião Salgado quando cita o exemplo da reportagem da Etiópia e explica que impôs às revistas sua maneira de
trabalhar [em preto e branco e independente de qualquer orientação] e pode fazer seu trabalho dentro dos seus
princípios (PAIVA, 1989, p. 85).
3 Sobre isso ainda cita um grave desentendimento entre ele e uma editora no seu penúltimo trabalho de moda
antes do retorno ao Brasil em meados de 2000. A editora de moda tentava direcionar a fotografia sugerindo a
Stupakoff enquadramentos e posicionamento de câmera (STUPAKOFF, 2000c).
258
4 Irving Penn discursou no simpósio “O que é fotografia moderna?” no MoMA, Nova York em 20 out. 1950,
259
apresentariam uma mescla de fotografias em preto e branco e cor (Figura 166), Stupakoff
predeterminava o filme a ser utilizado no dia anterior à sessão de fotos (LASZLO, 2017). No
entanto, Laszlo reforça que durante à sessão de fotos, por vezes Stupakoff mudava o
planejamento e resolvia usar um filme não solicitado ao assistente. Esses apontamentos
mostram que, dependendo da situação encontrada no dia, havia uma variação de desígnios
mesmo em uma produção pré-estabelecida, o que revela as alternâncias das intenções de
Stupakoff durante a criação em curso.
Figura 166. Editorial Algarve: cor e preto e branco. Fonte: Instituto Moreira Salles.
Ainda quanto ao planejamento, outro exemplo está no seu trabalho para a revista
MIT, de junho de 2008, o último editorial de moda feito por Stupakoff. A preparação do
editorial envolveu a reunião da equipe no local – uma fazenda histórica do período imperial
brasileiro – dias antes da execução das fotos. Frente ao fator equipe, em que o fotógrafo
necessariamente depende de uma gama de pessoas para realizar a produção (stylist,
produtores, diretor de arte), outra conduta criativa de Stupakoff se pautava em reunir
previamente o grupo de profissionais e determinar diretrizes criativas, tais como a pesquisas
de obras artísticas, de filmes e outros materiais culturais que os auxiliassem na concepção da
ideia para o trabalho. Esse foi o caso na execução do referido editorial para a MIT, para o
qual Stupakoff mostrou as diretrizes criativas logo na primeira reunião de equipe,
distribuindo cópias de fotos de trabalhos antigos dele e uma quantidade de imagens de
pinturas do Oitocentos contendo grupos de pessoas (ROMÃO, 2016). Todo esse arcabouço
imagético clarificou o entendimento do grupo quanto a concepção visual imaginada pelo
fotógrafo para o editorial e direcionou o trabalho da produtora de moda, Jussara Romão, que
baseou a tabela de cores e a proposta de vestuário nas imagens prévias discutidas por
Stupakoff e a equipe. Durante os três dias reservados para a execução das fotos, Stupakoff
indicava à produtora o lugar, os detalhes e como visualizava a cena. Os modelos eram
260
261
6 Subgênero do cinema, especialmente relevante nos EUA, que apresenta estilo visual de fotografia em preto e
branco com claros e escuros acentuados, e histórias de detetive nas quais geralmente personagens femininas
rompem com a moral maniqueísta.
262
Figura 167. Editorial O pacote perseguidor, Revista Claudia, dezembro de 1963. (A) Pg. 64 (B)
Pg. 65 (C) Pg. 66 (D) Pg. 67 (E) Pg. 68 (F) Pg. 69 (G) Pg. 70 (H) Pg. 71.
Fonte: Reprodução de Claudia/Biblioteca ECA - SP.
263
Figura 168. Editorial Gentlemen preferer blondes, Harper´s Bazaar, setembro de 1972.
Fonte: Reprodução da revista.
264
Figura 169. Editorial The young you, Harper’s Bazaar, dezembro de 1972.
Fonte: Reprodução da revista.
A narrativa explícita nos editoriais citados acima é estabelecida pela ordem visual
e direção de leitura que trazem uma ideia de sequencialidade temporal. Junto a uma imagem
fixa, a disposição, pose e ação dos personagens na composição sugerem um antes e um
depois. Essa composição permite que o leitor imagine as ações das figuras impressas na
imagem pelos seus gestos, complementando o instante registrado e, consequentemente,
construindo o sentido de uma história sendo contada.
No processo de criação dos layouts das páginas para a Harper’s Bazaar, as
imagens impressas eram distribuídas pelas paredes e pelo chão a fim de se chegar a um arranjo
que pudesse servir ao propósito de linguagem da publicação como arte sequencial (na visão do
diretor de arte da revista no período, Alexey Brodovitch). Para Brodovitch, revistas e livros
deveriam ser entendidos como um todo sucessivo, uma onisciência do fuso contínuo das
páginas destinada a manter um ritmo de leitura variado, o que os aproximava da narrativa
cinematográfica; esse efeito também era buscado pelo uso de outros recursos como cortes,
fusões, zoom, planos e contra planos, por sua vez também emprestados do cinema (FEITLER,
2012). Tendo em vista essa característica na diagramação da Harper’s Bazaar, pautada nas
páginas de uma dupla sempre em diálogo, i.e., páginas dispostas uma ao lado da outra
relacionadas entre si independentemente do seu papel na sequência global da leitura, as
fotografias de Stupakoff favorecem tal tipo de construção.
O Stupakoff como contador de histórias através de narrativas visuais também se
faz presente em várias de suas sequências com fotos de família (e.g., Figuras 170, 171 e 172).
As sequências nas folhas de contato revelam uma história implícita – o trajeto de um passeio
265
em família – que pode ser visualizada no modo como Stupakoff constrói o encadeamento
temporal dos fotogramas. Essa reflexão sobre a linguagem fotográfica a partir da construção
da narrativa permitiu a Stupakoff empregar um sentido de sequência e continuidade em seu
modo de construir a imagem fotográfica.
Figura 170. Folha de contato mostrando fotogramas da viagem de Stupakoff e família para a
Disney (ca. 1970). Fonte: Instituto Moreira Salles.
266
Figura 171. Folha de contato mostrando fotogramas da viagem de Stupakoff com a família para a
Disney (ca. 1970). Fonte: Instituto Moreira Salles.
267
Figura 172. Folha de contato mostrando fotogramas da viagem de Stupakoff e família para a
Disney (ca. 1970). Fonte: Instituto Moreira Salles.
268
não correspondido. A partir desses elementos, Stupakoff procurou contar, juntamente com a
equipe de produção, uma história através do encadeamento das imagens. O editorial seria
algo parecido a um filme a ser fotografado, a ponto de Romão (2016) sentir que estava
compondo um figurino para uma obra cinematográfica.
Figura 173. Página revista MIT, junho, 2008. Reprodução da revista/Coleção da autora.
6.3 Quem se preocupa em excesso com a técnica, esquece o que quer dizer
O processo criativo na fotografia acontece na articulação entre os componentes de
ordem material – equipamentos e materiais fotográficos – e os de ordem imaterial –
repertório pessoal, experiência, filtros psicológicos, ideológicos, demandas mentais e
7 Esse material não se encontra no IMS. Acredita-se que esteja com algum de seus filhos.
269
270
8 “A representação é a operação semiótica, é o processo cognescente pelo qual o sujeito possui e produz signos. O
signo é sua única possibilidade de mediação com a realidade, de conhecer a realidade material e de conviver com
ela” (FERRARA, 1981, p.57).
271
específico de ver a partir da câmera, sendo que a percepção é intermediada pela tecnologia.
Por conseguinte, a câmera seria algo mais complexo que apenas uma ferramenta para
registrar a imagem.
A despeito disso, Stupakoff ressaltava que o equipamento, apesar de necessário
para a boa qualidade fotográfica, seria secundário na criação. Dentro da perspectiva da
técnica como algo mecânico, ele classificava o uso da câmera como algo automático, assim
como dirigir um automóvel, quando não se pensa mais na troca de marchas (STUPAKOFF
1978b). Nesse aspecto, para ele “quanto mais simples a câmera, melhor” e “(...) quanto mais
automático ficar [o processo de registro da imagem fotográfica], mais tempo me dá para
pensar” (STUPAKOFF apud FERNANDES JÚNIOR, 2006, p. 163). Para Stupakoff, a
fotografia seria a extensão do seu pensamento:
Acho que é tudo igual, trabalho com qualquer um [aparelho]. (...) Porque a
fotografia é um processo que vem de dentro para fora, nunca de fora para
dentro. Para fotografar, uso basicamente a cabeça e o coração. Há os que
fotografam para ganhar a vida. Sou daqueles para quem a fotografia
representa uma maneira de viver. (STUPAKOFF, 2006b, p. 12)
E ainda:
Não gosto de discutir técnica, portanto a minha resposta é a seguinte: a
câmera, o filme, o chip, tudo isso não tem significado nenhum, porque as
câmeras são todas iguais; elas simplesmente registram o teu sentimento. E
você não fotografa com a câmera e sim com tua mente e o coração
(SAMPAIO, 2007).
Dentro dessa perspectiva, Stupakoff compara a câmera com outros dispositivos
técnicos que se interpõem entre ele e o mundo e minimiza a preponderância desse aparelho:
“Certas vezes não me dou conta do visor, não mais do que de um par de óculos. Outras vezes
as coisas me parecem mais como se estivessem por trás de uma parede. Esta ou aquela
sensação dependem de mim naquele momento, se estou realmente ali ou não” (STUPAKOFF
apud NOGUEIRA, 1979, p. 52). Podemos visualizar em outro comentário que essa linha de
pensamento acompanha Stupakoff desde os primórdios de sua atuação como fotógrafo: “O
equipamento é necessário como os pincéis para o pintor. É indispensável que seja de boa
qualidade: deve ajudar o fotógrafo a transmitir a sua ideia. Uma vez que funcione em ordem,
torna-se elemento secundário na criação” (STUPAKOFF, 1960, p. 22).
No entanto, sob a perspectiva da crítica de processo, os meios de concretização da
obra ou formas de ação que envolvem manipulação e consequentemente a transformação da
matéria são tidos como recursos criativos (SALLES, 2013). Do ponto de vista de Pareyson
(1989), as características físicas da matéria influenciam na linguagem e, consequentemente, na
criação, assim como “a intenção formativa se define como adoção da matéria, e a escolha da
matéria se efetiva como nascimento da intenção formativa” (PAREYSON, 1993, p.47). Tanto a
escolha de uma matéria quanto a intenção acontecem no momento em que a criação se inicia.
Nesse sentido, os recursos da máquina fotográfica – assim como a técnica de captura, a escolha
de acessórios, dos materiais sensíveis e do equipamento como um todo – são os meios que
272
273
(A) (B)
(C)
Figura 174. Otto Stupakoff em ação com câmeras. (A) Fotografando com um modelo 8X10
polegadas, 1969. (B) Modelo 4X5 polegadas e TRL (ca. 1960). (C) Otto Stupakoff fotografa Pierre
Verger com 35 mm, 1980. Fonte: Instituto Moreira Salles.
De acordo com Stupakoff, este afirmava não recordar ter utilizado o formato
35mm no início de carreira (considera que talvez tivesse algum modelo de câmera Leica)
(MENDES; ARRUDA, 2001), o que só viria a acontecer mais tarde. O material depositado no
IMS nos permite constatar uma significativa produção de Stupakoff com câmeras desse
formato, uso que também pode ser depreendido a partir de imagens do fotógrafo utilizando
esse tipo de equipamento (e.g., Figura 174C). O que se percebe é que ás vezes ele produzia um
mesmo trabalho em diferentes formatos e suportes. No trabalho do Camboja, por exemplo, a
produção contém 35mm, médio formato e cromos.
Ainda que tenha negado a importância do tipo de equipamento utilizado,
Stupakoff explicitamente valorizava a Hasselblad por esta apresentar nitidez superior, a qual
achava uma qualidade essencial no trabalho fotográfico (STUPAKOFF apud FERNANDES
JUNIOR, 2006). Sobre a valorização de qualidades como máxima nitidez e a fiel tradução da
escala tonal, Stupakoff se dirige a um corpus de trabalho empregado por fotógrafos como
Eugène Atget, Alfred Stieglitz e Edward Weston. Segundo Fontcuberta, dar valor às
qualidades citadas seria “um repertório programático segundo o qual os fotógrafos teriam
assumido a origem óptico-mecânica de seu meio” (FONTCUBERTA, 2010, p. 72).
274
Ainda como equipamento, Stupakoff apontava a objetiva normal como aquela que
oferecia seu enquadramento ideal, pois resultava na imagem que mais se aproximaria daquilo
que ele visualizava (STUPAKOFF, 1978a). O fotógrafo dizia não saber o que fazer com uma
teleobjetiva nem com uma grande angular (ponderamos que essa seja mais uma força de
expressão para mostrar a preferência pela objetiva normal, visto que algumas de suas imagens
e o depoimento de Fernando Laszlo (2017) confirmam o uso de teleobjetiva) e também que não
utilizava nenhum filtro (como por exemplo, os Filtros C.C para a correção de cor) para corrigir
a imagem argumentando ter “verdadeiro horror a essas correções” (STUPAKOFF, 1978a), e que,
de certa forma, evitava o uso de recursos que afastariam a possibilidade de captação da câmera
fotográfica quando comparada à visão habitual do olho nu. Importante observar que esse
pensamento de não utilizar efeitos e correções diverge da fotografia publicitária; uma de suas
práticas profissionais, que por vezes se utiliza desse tipo de recurso e truques para estabelecer a
mensagem na imagem.
Ainda da perspectiva dos componentes de ordem material na criação fotográfica,
Stupakoff utilizou predominantemente os filmes Kodak preto e branco Tri-X e os coloridos
Kodachrome 9 (STUPAKOFF apud FERNANDES JUNIOR, 2006) e Ektachrome como
materiais sensíveis, informação esta que pôde ser confirmada pela análise do material
depositado no IMS tanto nas Caixas 1 e 2 quanto nos envelopes.
Abordando o trabalho com o negativo, dentro da perspectiva do inacabável
(conforme discutido no capítulo 3), uma particularidade da fotografia está na possibilidade
de se ampliar fotogramas diferentes registrados em sequência a partir do mesmo negativo
através da seleção das fotos que serão copiadas (assunto tratado nos capítulos 3 e 4) e da
escolha da maneira como o negativo será copiado (que pode variar por conta do uso de
formatos, papéis e do ajustes de grãos, entre outros) (SOULAGES, 2010). Nesse aspecto, para
Stupakoff a técnica deveria estar condicionada ao tipo de material utilizado: escolher o papel
correto para determinado negativo10, por exemplo (STUPAKOFF, 1978a).
Ao menos duas situações ilustram a necessidade explícita do controle técnico de
Stupakoff em relação às suas fotografias. Na ocasião da exposição no MASP-1978, o fotógrafo
afirmou que o resultado satisfatório da ampliação de suas imagens, feita no Laboratório Cine
Fotográfico Foto Curt11, teria sido motivado por sua participação direta no processo junto ao
especialista – e proprietário do laboratório – Kurt Werner Schulze (STUPAKOFF, 1978a).
Nesse ponto, Stupakoff deixa claro que ele considerava o fotógrafo como quem deveria tomar
controle de sua própria produção, i.e, não importaria tanto o lugar onde os negativos seriam
9 O diapositivo Kodachrome – atualmente descontinuado – possibilitava grandes ampliações (por apresentar
ausência de grão) e se destacava pela qualidade na reprodução de cores, ambos aspectos pertinentes para o tipo de
publicação para qual eram veiculadas as fotografias de Stupakoff.
10 Aqui se refere aos variados tipos de papeis que apresentam diferenças nos contrastes, nos tipos de base
(resinados, fibra) e tons (amarelados ou warmtone), por exemplo, e que influenciam no resultado final.
11 O laboratório Cine Fotográfico Foto Curt, de Kurt Schulze, a partir de 1955 passou a ser somente laboratório
(antes era laboratório e estúdio). O laboratório também comercializava produtos fotográficos (KRAUSS, 2013).
275
ampliados, mas sim o controle do fotógrafo sobre esse processo. Em relação ao livro da
exposição do MASP-1978 (STUPAKOFF, 1978d) deixou evidente sua insatisfação com o
resultado da impressão:
Eram péssimos, não tinham um mínimo de qualidade. Tive que começar
tudo de novo (...) e tive que controlar tudo rigorosamente. Os caras, por
exemplo, não se conformavam em imprimir uma foto com fundo escuro,
subexposto. Queriam à força retocar, clarear a foto (STUPAKOFF apud
BAHIANA, 1979, p. 86).
Essa exigência por um controle pessoal de qualidade também ocorreu na
ocasião do trabalho sobre as crianças brasileiras no MASP no final de 1978, com fotografias
encomendadas para agenda VASP em homenagem ao ano internacional da criança segundo
a Unicef (discutido no capítulo 2 desta tese). Para a agenda, Stupakoff pediu que todos os
fotolitos fossem refeitos, pois julgou-os de baixa qualidade para impressão (AS
CRIANÇAS..., 1979).
É fato que a técnica, apesar de não ser o único pilar para a construção da
fotografia, condiciona a criação de acordo com os desígnios do fotógrafo:
Em termos tecnológicos, a fotografia é o resultado de procedimentos
químicos e óticos que podem ser utilizados e adaptados pelo homem
segundo suas capacidades técnicas e sua capacidade para a criação de
imagens (STEINERT, 2007 [1965], p. 271).
Stupakoff, apesar de se esquivar de tratar dos componentes de ordem material
por julgá-los menos relevantes na discussão fotográfica, não renunciava ao conhecimento
técnico para realizar suas produções. Quando examinamos as suas folhas de contato há nas
imagens uma constância da qualidade visual que demonstra uma significativa compreensão
das potencialidades e limitações dos equipamentos e materiais utilizados e um pleno domínio
técnico, condizentes com sua proposta poética.
276
de uma fotografia relaciona-se ao mesmo processo mental que a produção de uma obra
escrita: “acumula-se por anos uma cultura, um saber, uma sensibilidade que vêm à tona (...)
em um segundo” (PLOSSU apud SOULAGES, 2010, p. 270). Em um mesmo sentido, isso se
aproxima da afirmação de Stupakoff, para quem “nós, artistas, sejamos pintores, músicos,
escritores ou fotógrafos, somos resultados de um certo acúmulo de cultura que nunca é
instantâneo” (STUPAKOFF apud FERNANDES JUNIOR, 2006, p. 160).
Isso nos permite depreender que as afinidades culturais são particulares de cada
um que cria. O escritor e ensaísta argentino Alberto Manguel, ao discorrer sobre o alcance da
leitura no receptor, diz ser a relação íntima estabelecida entre os elementos dados pelo texto
e a experiência pessoal do leitor que promove a transformação de quem lê (MANGUEL,
2014). Dessa forma, a matéria da transformação não atinge a todos de maneira uniforme.
Também podemos entender o pensamento de Manguel pelo viés da semiótica, que encontra
eco na afirmação de Peirce de que nenhuma interpretação que um homem faz das palavras
está baseada exatamente na mesma experiência de qualquer outro homem (PEIRCE, 1958,
CP 5.506).
Essa perspectiva, quando direcionada à expressão visual pela fotografia, leva-nos
a perceber que determinada referência que funciona como estímulo para a criação de um
fotógrafo (seja ela fotográfica ou de outro tipo de iconografia, assim como afinidades
culturais de toda sorte) pode não funcionar como referência para outro. Esse é um dos
fatores que promove a diversidade na criação.
Através desse paralelo, é possível descobrir o fotógrafo em todas os experimentos
em que desenvolve a criação. Para o fotógrafo belga François Hers, era a literatura que o
fazia compreender as imagens que ele deveria produzir; para o francês Willy Ronis foram os
pintores e músicos – mestres como Pieter Bruegel e Johann Sebastian Bach – aqueles que lhe
ensinaram a composição (SOULAGES, 2010).
Essas afirmações legitimam a opinião sobre a criação fotográfica como um
sistema complexo no qual as referências ou bases para criação são oriundas de expressões
diversas para além dos alicerces da fotografia. Tendo em vista o objeto de análise da presente
tese, essas proposições também nos levam a questionar: qual seria a matéria de
transformação encontrada por Stupakoff via contato com suas referências? Seriam elas
literárias, fotográficas, musicais ou de outras naturezas?
Stupakoff compartilha com Plossu e Hers a visão sobre a importância da rede de
referências que participa da formação fotográfica. Para Stupakoff, era de vital importância
que o fotógrafo evitasse manter o foco somente na fotografia (FERNANDES JUNIOR,
2006b), procurando referências também na literatura, pintura, música e outras vivências –
como exemplos na prática criativa, durante o editorial da Vogue em Portugal Stupakoff lia
Fernando Pessoa (LASZLO, 2017); para o livro Rio Erótico usava frases de Millôr Fernandes.
277
Também acreditava que “(...) a troca de ideias com pessoas criativas raramente é sobre um
trabalho. Tive muitas conversas com a Bea Feitler e sua melhor amiga, Diane Arbus, durante
jantares em nossos estúdios, em que fotografia jamais fazia parte do assunto da nossa
conversa. Criatividade não significa ter um montão de ideias novas, boas ou repelentes, senão
sensibilidade” (STUPAKOFF apud INSTITUTO MOREIRA SALLES, 2016, p.3).
Durante toda a sua carreira, não há registros publicados ou explicitados em
entrevistas, documentários ou notícias de jornal com Stupakoff declarando influências
diretas de outros fotógrafos em seu trabalho. De fato, ele revelou a necessidade de se afastar
das antigas influências quando migrou para Nova York em meados em 1965: “Queria
sobretudo, me livrar das influências estéticas do passado. Sentia necessidade de ver o mundo
com olhos novos. As influências nos deixam refratários ao novo. A busca por um caminho
próprio é dolorosa, temos que lidar como o desconhecido, com o imponderável”
(STUPAKOFF apud CHIODETTO, 2005, p. 6).
A despeito das influências não declaradas, Stupakoff argumentava que todo
fotógrafo deveria ter a capacidade de assimilar outras artes. Quanto a isso, como discutido
em capítulos anteriores da presente tese, ele expôs seu interesse por expressões distintas
(cinema, literatura, música, colagem e pintura) que, de uma forma ou de outra, teriam
influenciado seu trabalho fotográfico. Ele se inclinava particularmente para a pintura. “A
pintura é uma referência cultural muito importante para mim” (STUPAKOFF apud
FERNANDES JUNIOR, 2006, p. 161), e exaltava a música como meio de fazer melhores
fotógrafos (STUPAKOFF, 1960).
No âmbito da crítica de processo criativo, todos os registros deixados por um
autor são importantes, pois podem oferecer informações significativas sobre o ato criador
(SALLES, 2002b). Se para a crítica de processo as anotações de leitura, cenas observadas,
filmes assistidos, cenas lembradas têm valor equivalente como substrato à espera da
elaboração criativa (SALLES, 1990), podemos entender que as referências de Stupakoff
correspondem à matérias primas à espera de manuseio para utilização no seu trabalho
fotográfico. Além disso, a reconstrução da cultura visual de um autor nos fornece indícios
sobre suas referências para criação, visto que a bagagem cultural e a experiência são
norteadores importantes para o desenvolvimento de uma linguagem fotográfica particular.
Stupakoff atribuiu sua bagagem cultural a uma sólida formação iconográfica
acumulada desde a infância, quando, na casa da tia e dos avós, tinha contato com coleções
de objetos e quadros oriundos de toda a Europa. Também creditava à escola de arte o papel
de dirigir a capacidade criadora do fotógrafo e até mesmo ajustá-la à personalidade do
mesmo (STUPAKOFF, 1960). O estudo formal da arte, portanto, foi fundamental em sua
formação.
278
(A) (B)
Figura 175. Estúdio de Stupakoff na rua Varick, Nova York. (A) Objetos culturais diversos. (B)
Pintura e colagens conjuntamente a fotos. Fonte: Instituto Moreira Salles.
279
280
promovedores da straight photography, que valoriza o fotógrafo em contato direto com o mundo (COSTA;
SILVA, 2004).
281
por conta do seu pioneirismo na fotografia de moda no Brasil, por ter exercido a prática
fotográfica em uma época de poucos profissionais no país e por sua conduta profissional de
trabalho (que o permitiu desenvolver uma estética particular).
(A)
(B)
Figura 178. (A) Homenagem a Balthus (1991) exposta na edição Pirelli/MASP de 2012. (B) The
Victim, 1938, Balthus. Fonte: (A) Instituto Moreira Salles; (B) LEYMARIE, 1990.
282
A poética de Balthus estava pautada na pintura figurativa. Para além dos retratos
de mulheres jovens, ele também pintou paisagem e natureza morta (LEVY, 1999). Suas
principais temáticas foram cenas de rua, retratos, cenas de interiores e de sujeitos diversos,
natureza morta e nus (LEYMARIE, 1990). A aproximação entre Stupakoff e Balthus não
acontece exatamente pela estética pictórica (no sentido das fotografias reproduzirem os
aspectos da pintura), mas pela captura da situação visual da cena (levando em conta o tema,
os personagens e a atmosfera). Nesse sentido, é nas obras em que registra cenas de interiores
e retratos que as citações à Balthus são mais recorrentes no trabalho do fotógrafo.
Nas cenas de interiores em que as referências são claras, Stupakoff emula as
situações visuais presentes em Balthus através da apresentação de uma ou mais pessoas,
normalmente jovens mulheres, alocadas em ambientes fechados, com luz natural
proveniente de janelas que incide e
realça a forma dos corpos. Estes, por
vezes, apresentam uma expressão
corporal relaxada, geralmente sobre
alguma superfície – deitados,
encostados em cadeiras ou poltronas
– vistos pelo enquadramento em
plano médio (e.g., Figura 179).
Para os retratos que
remetem à Balthus, Stupakoff se
Figura 179. Fotografia para a Harper’s Bazaar. inspirava nas formas, na disposição
Fonte: Instituto Moreira Salles. das modelos e na presença de alguns
elementos de cena tais como pequenos animais domésticos (como gatos), objetos (como
cadeiras) e poses específicas. Assim como nas pinturas de Balthus, esses retratos apresentam
flagrantes de intimidade. Na figura 180A, publicada na revista Glamour, Stupakoff se utiliza
de elementos de referência a partir do quadro Therese dreaming (1938) (Figura 180B). Em
ambas obras, a cena é construída a partir de componentes semelhantes: um gato, uma
cadeira e uma personagem feminina em pose análoga, recostada com os braços acima da
cabeça e a perna esquerda erguida.
283
(A) (B)
Figura 180. (A) Homenagem a Balthus, revista Glamour (Nova York, 1977). (B). Therese
dreaming, de Balthus (1938). Fonte: (A) Instituto Moreira Salles; (B) LEYMARIE, 1990
13 Destaque para A lição de guitarra de 1934, que causou controversa em Paris pela temática ao mostrar uma
mulher mais velha com uma menina semi-nua em seu colo, fazendo as vezes de uma guitarra.
284
com adolescentes, Balthus afirmou que as meninas seriam as únicas que ainda poderiam
passar por seres puros e sem distinção de idade, e que essas jovens nunca lhe interessaram
para além dessa ideia. O artista teria também alegado que representava a inocente falta de
pudor próprio da infância (WEBER, 1999).
A despeito do que realmente motivava Balthus para o uso de tais figuras
femininas em suas pinturas (motivações essas que permanecerão inescrutáveis), elas de fato
apresentam um apelo ao erotismo, visível através das poses das meninas, dos cenários e das
formas retratadas. O mesmo pode ser observado em muitas das imagens de Stupakoff.
Apesar dele empregar jovens adultas e não adolescentes, o fotógrafo também apresentava o
erotismo e a sensualidade na sua maneira de representar o feminino nas poses por ele
registradas. Stupakoff afirmou gostar do erótico como aquilo que não está dito, que está aí
para ser revelado. Para ele, erótico é a beleza em sua forma mais pura, que difere das
vulgaridades vistas nas revistas contemporâneas (PERSICHETTI, 2006).
Soulages (2004) explica três possíveis aproximações para com a obra de arte: a
aproximação sensível, uma primeira confrontação via nossos sentidos; uma aproximação
acolhedora, no modo como o sujeito recebe a obra, se gosta ou desgosta, se aceita ou rejeita; e
uma aproximação criadora, tida como aproximação poética pela qual cria-se uma obra a
partir de outra. Frente a isso, fica nítido que, ao mesmo tempo que Stupakoff teve uma
aproximação sensível em relação à obra de Balthus, também teve uma aproximação
criadora/poética. Nesses termos, produzir fotografias referindo-se a Balthus seria uma forma
de Stupakoff acolher e reagir à sua pintura.
285
14 No interior do cubo, cena com mobiliário, objetos antigos e manequins vestidos como no século XIX mostram
com ironia um triângulo amoroso entre uma mulher que assiste a disputa de dois cavalheiros por ela. Na face
externa, uma foto estereotipada típica da publicidade de uma família feliz; dentro do aquário o que acontece é
uma verdade oculta.
286
para as primeiras fotos na Harper’s Bazaar (com o ator Oskar Werner em 1965), os
primeiros editoriais de moda publicados nessa mesma revista e pela aproximação de
Stupakoff, através especialmente de jantares oferecidos pela designer, com nomes
significativos da fotografia norte-americana, como Richard Avedon e Diane Arbus
(FERNANDES JUNIOR, 2006). Foi nesse denso meio cultural que Stupakoff encontrou
abertura para iniciar sua trajetória internacional, expandindo suas relações profissionais e
criativas em Nova York. Segundo o próprio fotógrafo, Feitler colaborou intensamente para o
desenvolvimento de seu estilo pessoal de fotografia ainda na década de 1960 (PERSICHETTI,
2006). Essa parceria se refletiu na harmonia das fotografias publicadas nas páginas da
Harper’s Bazaar (e.g., Figura 183) e também no enriquecimento da criação fotográfica de
Stupakoff.
Figura 183. Layout de Bea Feitler e fotografias de Otto Stupakoff para a Harper’s Bazaar, 1970.
Fonte: Reprodução da revista
Segundo Feitler, sua função como diretora de arte na Harper’s Bazaar era
“imaginar os cenários para as reportagens de moda que vão ser publicadas. Motivar a moda
apresentada, pelo décor que a enquadra. Estabelecer, junto com o fotógrafo especializado, as
poses dos modelos. E produzir os layouts (a paginação) quando textos e fotos estão prontos e
lhes chegam às mãos” (FEITLER apud FEITLER, 2012, p. 73). A partir dessas atribuições,
Feitler mantinha o padrão visual e a diferenciação de layout da Harper’s Bazaar e atuava
próxima aos fotógrafos (como Avedon, Hiro, Arbus e Horvat). A relação de Stupakoff com
Feitler, no entanto, se estendia também para a amizade, indo além do contato entre diretor
de arte e fotógrafo.
Stupakoff relatou que Feitler participava do processo de criação selecionando
referências visuais – como recortes de revistas – e culturais que adicionava nas pastas de
287
288
17 A comparação com o cenário norte americano de fotografia também é feita pelo fotógrafo americano radicado
no Brasil, George Love. Love dizia faltar infra-estrutura fotográfica mais ampla no país, quando comparado com
os Estados Unidos e outros país desenvolvidos, no quais havia um conjunto de informações através de jornais,
revistas e cursos inexistentes no Brasil (Folha de São Paulo, 31/1/1970).
289
especialmente em Nova York. Há outras cenas do meio artístico no país referido, como a contracultura dos anos
1960 e 1970, com os quais não fica evidente uma relação direta de Stupakoff.
290
destacam, entre outros, Irving Penn e Richard Avedon, sendo este último recorrentemente
citado pelo fotógrafo brasileiro.
Nas imagens de moda da primeira fase de Stupakoff no Brasil, pela maneira como
ele constrói o tema, na forma de apresentá-lo e no uso de cenários externos, pose e
movimentação das modelos em cena, fica evidente o princípio do seu discurso autoral: tendo
em vista a fotografia produzida fora do país, principalmente no eixo Estados Unidos –
Europa, a obra fotográfica de Stupakoff registrada no Brasil se aproximava, em termos
temáticos e compositivos, da forma como a linguagem da fotografia de moda era pensada e
realizada no exterior. Na década de 1950, revistas como Harper’s Bazaar, Vogue e Seventeen
Magazine já compunham muitos de seus editoriais com imagens que procuravam valorizar
um estilo de vida mais livre, representado em cenários externos que refletiam a crescente
espontaneidade da sociedade do pós-guerra. A propensão em trabalhar com externas ao
invés de no estúdio (como visto no capítulo 5) não é inovação de Stupakoff – o fotógrafo
húngaro Martin Munkácsi, a quem Stupakoff considerava gênio, já na década de 1930
preferia utilizar em suas fotografias ‘lugares verdadeiros’ (MARRA, 2008).
Somado a isso, em 1945 dá-se o rompimento da rigidez característica das revistas
femininas européias pela Harper’s, quando esta passa a apresentar uma visão mais natural
da jovem norte-americana. Em outros termos, a criação imagética feita por fotógrafos de
moda em meados do século XX foi capaz de captar o surgimento de uma nova identidade de
época baseada na ideia de uma mulher mais livre e segura de si que se refletiu nos editoriais
de moda do período (BREUILLE, 2011). Esse estilo espontâneo norteou a fotografia de moda
contemporânea, direcionada por editores de arte como Alexey Brodovitch (citado no capítulo
1). Foi esse o cenário encontrado por Stupakoff entre 1953 e 1955 quando ele se estabeleceu
em Los Angeles para os estudos na Art Center School. Também é sabido que o fotógrafo,
ainda na década de 1960, frequentava o consulado americano no Brasil para ver as revistas
Vogue e Harper’s, tendo afirmado ser essa a sua maneira de entrar em contato com
referências visuais de moda produzidas no exterior (STYCER, 2005, p.64).
Os fotógrafos de moda do começo do século XX, ainda na concepção do retrato,
trabalhavam com fotos em poses teatrais; construíam um mundo que representava a
atmosfera de sonho e charme feminino (vide a obra do britânico Cecil Beaton) (MARRA,
2008; BREUILLE, 2011). Stupakoff divergia dessa prática e declarava ter “pavor” da tradição
de fotografar a modelo como um fantástico cabide para as roupas (STUPAKOFF apud
FERNANDES JÚNIOR, 2006, p. 161), aproximando-se mais do estilo livre de Munkácsi do
que do viés das poses teatrais mais engessadas.
As imagens dos fotógrafos Irving Penn, Richard Avedon e Helmut Newton, por
exemplo, contribuíram para a construção imagética do século XX; nelas, é possível perceber a
ideia de que a fotografia de moda é também um estudo do comportamento humano,
291
(A) (B)
Figura 184. (A) Wesley Duke Lee, de Stupakoff, 1958. (B). Tennessee Williams de Irving Penn,
1951. Fonte: (A) Fonte: Instituto Moreira Salles; (B) Art Institute Chicago Irving Penn.
Também fica implícita uma possível inspiração de Stupakoff nos still life que
Penn fotografava para revistas. Muitas das criações do fotógrafo norte-americano
constituiam-se de composições de objetos com características específicas, arranjados e
fotografados em um espaço, denotando por vezes uma narrativa do cotidiano humano
(Figura 185B). Stupakoff utiliza de expediente análogo quando também fotografava e
publicava em revistas imagens compostas por conjunções de elementos inanimados os quais,
juntos, estavam imbuídos de um mesmo tema (Figura 185A).
292
(A) (B)
Figura 185. (A) Otto Stupakoff , Quatro Rodas, 1964. (B) Irving Penn, Vogue, 1943.
Fonte: (A) Reprodução da revista/Coleção autora (B) Art Institute Chicago Irving Penn.
293
(A) (B)
Figura 186. Movimento e leveza. (A) Fotografia publicada em Art to wear, de Stupakoff. (B) Jean
Shrimpton, por Richard Avedon (1970). Fonte: (A) DALE, 1992; (B) AVEDON, 1978.
6.5 Uma força que sussurra: alguns aspectos do estilo de Stupakoff
A acepção de estilo pode ser utilizada em diversos âmbitos: a maneira particular
de se expressar e exprimir um pensamento; o conjunto das qualidades características de uma
obra, um autor, uma época; um modo de vida (abarcando procedimentos e atitudes na
maneira de ser e criar). O estilo do autor pode ser compreendido através da singularidade de
seus trabalhos, quando se identificam um conjunto de características estéticas consideradas
únicas dentro de um sistema (como a fotografia, pintura e literatura), e entendido como um
traço particular capaz de revelar autenticidade e identidade do criador (SCHAPIRO, 1982).
Nesse sentido, Pareyson identifica o estilo como modo de formar do artista:
(...) Só depois que o genial artista, interpretando o espírito de uma época e
realizando sua vocação formal, fez com que a própria espiritualidade, rica em
ressonâncias históricas e ambientais, tornasse evidentes as correspondências
entre o estilo assim encontrado e o espírito individual do artista e coletivo de
sua era, porque a correspondência entre um espirito e seu estilo só aparece
se e quando esse espírito se fez totalmente no modo de formar. E, além disso,
que a espiritualidade do artista se define como espiritualidade, com seus
irrepetíveis traços característicos e a própria singularíssima natureza, só
enquanto e na medida em que se define como estilo e modo de formar.
(PAREYSON, 1993, p. 42).
Também fica claro nas vozes de outros autores que essa maneira de formar faz
transparecer a visão de mundo e personalidade de quem cria.
Estilo é antes de tudo um sistema de formas tendo uma qualidade própria e
uma expressão significante, através das quais são visíveis a personalidade do
artista e a visão do mundo de um grupo. Também é o meio de transmitir
certos valores dentro dos limites de um grupo, fazendo visíveis e
conservando os que se referem à vida religiosa, social, moral através das
insinuações emocionais das formas. Para os historiadores da cultura e para
os filósofos, o estilo é a expressão da cultura, que contém a totalidade dos
signos visíveis da sua identidade (SCHAPIRO, 1982, p. 35).
294
Pareyson alerta que, além dos valores formais na abordagem do estilo, o caráter
de personalidade é significativo:
(...) a abordagem do estilo não deve limitar-se aos meros valores formais
sem ver nele um caráter histórico e espiritual, pois o estilo é tal somente se é
o modo de formar próprio de uma determinada espiritualidade, ou melhor,
se é uma espiritualidade que se fez modo de formar. Limitar-se a considerar
apenas os valores formais significa separar o formar de seu ineliminável
caráter de personalidade, o que seria como que separar o estilo de si mesmo
(PAREYSON, 1993, p. 43).
Na fotografia, o estilo pode ser visto como um conjunto de características
estéticas próprias do fotógrafo e/ou de uma cultura e época, além da “(...) atitude do
fotógrafo diante do mundo, sua percepção e sua construção de um sistema de equivalências
estéticas ou semânticas” (FERNANDES JUNIOR, 1992, p. 6). O estilo está arraigado no
modo como o fotógrafo produz sentido na imagem através das infinitas maneiras de explorar
a captura da imagem: enquadramento, ponto de vista, luz, composição, distância focal, cores,
nitidez e tempo de exposição. A maneira como o fotógrafo cria sentido e se expressa pela
imagem condiz com aquilo que André Rouillé entende como fotografia-expressão 19
(ROUILLÉ, 2009).
A partir das considerações abordadas acima, entendemos que a compreensão do
estilo presente na criação fotográfica de Otto Stupakoff seria incompleta se abordasse
somente uma apreciação dos aspectos formais e modos pelos quais ele criava suas imagens
(relacionados à composição, enquadramento, ângulo e formato, entre outros, como
discutidos no capítulo 5 desta tese). Nesse sentido, basearemo-nos na ideia de que o
indivíduo cria e estrutura sua obra a partir de um ponto de vista próprio que é reflexo de sua
maneira de ser e conviver em sociedade, dos aspectos da sua personalidade e constituição
intelectual, psicológica e perceptiva; tais elementos são condições fundamentais para a
formatação de um estilo fotográfico.
A discussão aqui estabelecida parte da afirmação de Stupakoff “Estilo eu adquiri
quando perdi o medo de entrar em cavernas escuras, onde o dragão zela pela pérola”
(STUPAKOFF, 2006b) e da sua percepção de que a escolha por caminhos não trilhados
refletiria a honestidade do fotógrafo para consigo mesmo, o que traria como recompensa o
encontro de um estilo pessoal (OLIVANI, 2005; FERNANDES JUNIOR, 2006). Stupakoff
utiliza a associação simbólica da psicologia junguiana para mostrar que, primeiramente, o
estilo pessoal do fotógrafo é algo de valor significativo (como uma pérola), sendo papel do
criador empreender uma busca, que muitas vezes é interna (adentrar a florestas, cavernas
escuras) para encontrar seu próprio estilo.
19 Para André Rouillé (2009, p. 19), a fotografia-expressão assume seu caráter indireto (afastando-se da crença de
uma mera impressão direta da realidade) em que se destacam a imagem com suas formas e sua escrita, o autor
com sua subjetividade e o Outro enquanto dialogicamente implicado no processo fotográfico. Nesse contexto,
Rouillé faz um contraponto com a fotografia-documento vista como representativa, no sentido de que os estados
das coisas são postos e a fotografia os registra, redução da fotografia a documento e do documento à
representação sensível.
295
296
linguagem imagética daquilo que não faz: “Você pode fazer motivos como Bresson, mas não
pode andar pelas ruas com Bresson na cabeça procurando imagens como as dele”
(STUPAKOFF, 1978a, 11min45seg). Para Stupakoff, a integridade significava articular o
conhecimento técnico do fotógrafo com aquilo que desejava transmitir dentro de parâmetros
que o satisfizessem, permitindo sensibilizar outras pessoas com visão semelhante a dele
(STUPAKOFF, 1978a). Também se abstinha de fotografar tudo a todo momento: “nunca fui
desses fotógrafos que andam eternamente com a câmera” (STUPAKOFF, 2000a, p. 23),
argumentando que diante da dor alheia, por exemplo, seria uma invasão do fotógrafo
registrar a pessoa, ou nos momentos sociais que às vezes não eram propícios aos registros
fotográficos.
Uma questão que emerge a partir desses apontamentos é como Stupakoff lidava
com sua necessidade de expressão pessoal e autonomia criativa frente às demandas impostas
pela foto comercial. Em fotos para revistas, por exemplo, existe um direcionamento criativo
muitas vezes definido previamente; além disso, os editoriais são pensados para atingir um
número significativo de pessoas. Uma resposta parcial a esse questionamento encontra-se
nos dizeres do próprio fotógrafo: “O autoral, sim, estará presente mesmo nos trabalhos
encomendados” (STUPAKOFF apud HARA; WOLFENSON, 2002, p.39). Ainda assim, ele
mesmo confessou uma tensão entre sua perspectiva da criação fotográfica com as
dificuldades com o mundo comercial: “A fotografia surgiu da necessidade íntima de achar
uma linguagem para me expressar e um motivo para existir. Minhas fotos desejam ser
viscerais, daí a dificuldade com o mundo comercial” (STUPAKOFF apud HARA;
WOLFENSON, 2002, p. 36).
À luz de Salles (2013), pode-se depreender que a criação realiza-se na tensão
entre o limite e a liberdade: “liberdade significando possibilidade infinita e limite estando
associado a enfrentamento de restrições” (SALLES, 2013, p. 68). Partindo-se dessa premissa,
a foto comercial estaria associada ao enfrentamento da lei, o que imporia, necessariamente,
ao menos algumas restrições à liberdade criativa do fotógrafo.
Quanto ao equilíbrio entre a liberdade e a restrição criativa, Stupakoff defendia o
ponto de que, mesmo em trabalhos comissionados, o fotógrafo deveria se sentir livre para
propor ideias concretas e válidas ao contratante, estabelecendo um diálogo de respeito mútuo
a partir de uma mesma escala de valores estabelecidas por ambos, e assim “criar as condições
para que você possa fazer o que você quer fazer” (STUPAKOFF, 1978a, 57min12seg).
Também fazia parte da sua relação com o universo comercial ter a possibilidade de negar
trabalhos que não se enquadrassem nos seus interesses – algo que teria aprendido em Nova
York – ou de interromper uma produção que não pudesse finalizar (por não ter as condições
corretas de prazo e modelo) – que aconteceu em trabalhos encomendados para a Vogue, por
exemplo (STUPAKOFF, 1978a). Somado a isso, Stupakoff afirmava existir no campo das
297
de nuvens e do céu, sem fragmento de nenhum objeto, feitas para demonstrar a ideia de que sua fotografia refletia
a maneira como via as coisas e que transmitia um significado emocional e psicológico não pelo objeto temático em
si, mas pela forma como ele os capturava na imagem.
298
299
300
mães, filhos, irmãos, parentes; (2) registro de situações do cotidiano familiar; (3) registro de
situações de acontecimentos especiais como casamento, aniversário, viagens; e (4) fotografias
como objetos de recordação. Ainda, pode-se considerar o conceito de fotografia doméstica
que Soulages (2010) exemplifica como aquela realizada no domus (em casa, em família, em
férias, com amigos) e que nos permite lembrar do passado, no sentido em que “fui
fotografado assim, logo, eu existi assim” (cf. BARTHES, 2011).
A despeito de Barthes, um aspecto relevante na associação entre fotografia de
moda e fotografias de um álbum de família é que ambas podem ser entendidas como
encenações. Nesse ínterim, Soulages (2010) coloca no mesmo bojo desde a fotorreportagem
até a fotografia doméstica, alternando a ideia da objetividade fotográfica do “isso existiu
assim” para “isso foi encenado”. Ainda nesse sentido, Silva (2008) complementa que
“A foto [de família] é um ato teatral, se entendermos por teatral o que foi
feito deliberadamente, a criação de um espaço fictício, de personagens que
atuam e de um público que desfruta dessa atuação. Todavia, o que a
fotografia do teatro mais capta é algo tanto óbvio quanto inesperado: sua
condição de máscara – como já foi dito, de persona, sua máscara -, uma vez
que bater uma foto remete, sem dúvida, a algo inevitável: “como ficará
minha imagem” e, em seguida, “quem verá” (SILVA, 2008, p. 31).
Por esses termos apresentados acima, a fotografia de moda de Stupakoff explicita
o anseio de se aproximar do álbum de família ao emular um ideal cultural representado para
as câmeras, tendo a fotografia de moda uma ‘naturalidade’ ensaiada, assim como no álbum
de família.
Sob o ponto de vista social, Pierre Bourdieu argumenta que:
O álbum de família exprime a verdade da recordação social. Nada se parece
menos com busca artística do tempo perdido que estas apresentações
comentadas das fotografias de família, ritos de integração a que a família
sujeita os seus novos membros. As imagens do passado dispostas em ordem
cronológica, ‘ordem da estações’ da memória social, evocam e transmitem a
recordação dos acontecimentos que merecem ser conservados porque o
grupo vê um fator de unificação nos monumentos da sua unidade passada
ou, o que é equivalente, porque retém do seu passado as confirmações da sua
unidade presente. É por isso que não há nada que seja mais decente, que
estabeleça mais confiança e seja mais edificante, que um álbum de família
(BORDIEU, 1979, p. 31).
Ainda segundo Bourdieu, na imagem definida de antemão diante da câmera, a
ideia de naturalidade nada mais é que um ideal cultural, visto que o retratado apresenta para
as lentes uma imagem de si pautada em um conjunto de normas e nas quais ele está incluso
como ser social (BOURDIEU, 1979, p. 126-127). Por esses meios, nas fotografias de um álbum
de família o indivíduo atualiza a própria fábula pessoal.
Seguindo uma linha de raciocínio próxima a de Bourdieu, Fontcuberta (2010) diz
que nas coleção de fotografias pessoais aparentemente só se incluem situações agradáveis,
entendidas como exceções do cotidiano: ritos, celebrações, viagens, férias. Nesse sentido,
“Fotografamos para reforçar a felicidade desses momentos (...) Fotografamos para preservar
a estrutura de nossa mitologia pessoal” (FONTCUBERTA, 2010, p. 40).
301
21 Merece uma consideração a parte informar que apesar do aspecto positivo nas fotos de Stupakoff, este se dizia
capaz de registrar algo que para ele representasse tristeza. Cita uma foto feita em Salvador na qual uma mendiga
estende a mão a um transeunte todo de branco com as mãos em atitude de prece. Stupakoff compara o senhor de
branco com um anjo, e o atrela à falsa hipocrisia da “angelidade”: um anjo que não atende à mendiga (
STUPAKOFF apud FERNANDES JUNIOR, 2006).
302
Não se pode negar que há uma produção múltipla inserida na poética fotográfica
de Stupakoff e na qual a fotografia de moda é uma de suas vertentes. No entanto, isso não
descarta o protagonismo da moda na carreira do fotógrafo. A vultosa produção de Stupakoff
na área, especialmente para periódicos como Vogue e Harper’s Bazaar, e a sua citação como
um dos mais importantes fotógrafos de moda da década de 1970 no livro Vogue book of
fashion photography (DEVLIN, 1979) demonstram sua significativa contribuição para a
construção de uma cultura visual ligada ao mundo fashion.
Outro ponto importante que direciona a discussão sobre a especialidade na
produção de um fotógrafo está na determinação do gênero fotográfico. Em termos gerais,
gênero é empregado para sinalizar convenções de linguagens quanto à forma e estilo dentro de
uma categoria de comunicação (PICAUDÉ; ARBAIZAR, 2004). Segundo Krauss (2000, p. 220),
o gênero é um juízo que considera somente o referente – ‘é uma paisagem’, ‘é um retrato’ –
mas perde força quando se adentra nos discursos estéticos que tornam fluidas essas divisão.
Na fotografia, o gênero representa um conjunto de estratégias, opções formais e
princípios de constituição da imagem que se produz sob a interrelação da natureza do
referente, transformação sígnica e o tratamento expressivo que lhe acrescenta o fotógrafo
(SCHAEFFER, 2004).
Normalmente, a classificação por gêneros indica convenções associadas com a
história ou características daquele estilo – não somente com a finalidade de se estabelecer
regras, mas também para facilitar a coerência de signos. Outras vezes, não é a estrutura da
303
imagem que sinaliza o gênero e sim o contexto em que ela aparece, a forma como está
ajustada. Se for formatada como um retrato, por exemplo, pode ser julgada em relação à
representação de um personagem, mas também pode ser usada em um anúncio, ilustrar um
artigo de reportagem ou ser exibida em uma galeria de arte. Com isso, ao atrelarmos
determinada foto a um gênero fotográfico é conveniente aludir também aos efeitos do
contexto – exposição, edição, difusão – e também ao uso do gênero como categoria receptiva
e/ou criativa. Perante a afirmação que as fotografias de Stupakoff para a Harper’s Bazaar
são fotografias de moda queremos dizer que elas têm sido tomadas em condições próprias da
reportagem de moda.
Quanto a isso, Schaeffer (2004) propõe um esboço de subdivisão de gêneros da
fotografia: (1) os meios técnicos utilizados (preto e branco, película, digital); (2) as práticas
sociais (publicidade, arte, comunicação); (3) os suportes (livro, exposição, periódico); e (4) os
objetos representados (retrato, paisagem, família). Essas classificações mais usuais impõem
distinções funcionais, como fotografia documental, científica, de arte e publicitária, distinções
referenciais, como paisagem, arquitetura, retrato, nu, e uma combinações de ambas.
Mesmo que parte da história da fotografia identifique a produção fotográfica a
partir de determinados gêneros fotográficos – retrato, moda, paisagem –, muitos fotógrafos
que se esquivam desse tipo de rótulo. É o caso, por exemplo, do francês Bernard Plossu, que
diz se sentir “simplesmente um fotógrafo de 50mm” (referindo-se à distância focal da
objetiva) (PLOSSU apud PICAUDÉ; ARBAIZAR, 2004, p. 108) e não um fotógrafo de viagem,
de crianças ou de motivos sociais, clichês estes que lhes são atribuídos. Para Fontcuberta,
“não é possível para a fotografia outro gênero que não a natureza-morta” (FONTCUBERTA,
2010, p. 48), no sentido de que qualquer parte do mundo, através do visor da câmera,
transfigura-se em um retalho de natureza inerte. Nesse sentido, a divisão da fotografia em
gêneros pode ser demasiado limitante, pois não contempla toda a mescla e intercâmbio
possíveis inerentes à criação fotográfica, como a imagem de imprensa que se transforma em
referência histórica ou uma natureza morta que se transforma em fotopublicitária
(PICAUDÉ; ARBAIZAR, 2004). Picaudé e Arbaïzar (2004) também levantam a questão se,
do ponto de vista da concepção, o gênero é um impedimento para a criação ou uma condição
para a expressão criativa.
Stupakoff compartilhava da visão dos teóricos acima citados, pois não via sua
expressão fotográfica condicionada a um único gênero. Ao contrário, ele sempre afirmou ter
uma única maneira de ver e uma mesma atitude fotográfica independentemente da aplicação
ou finalidade da imagem produzida, fosse ela para moda, em registros de rua ou retratos
(FERNANDES JUNIOR, 2006).
A ideia desse olhar único pode ser observada a partir da identificação de uma
linha condutora presente na múltipla e versátil produção de Stupakoff e que perpassa
304
305
306
concebeu com um pensamento determinista que pode ter direcionado seu ponto-de-vista
para uma finalidade específica; ainda assim, esses registros também funcionam em outros
contextos (o que os faria ser classificados em outro gênero). A foto é a arte do arquivo mais
por proporcionar usos e recepções diferentes segundo momentos e perspectivas distintas de
utilização do que por permitir guardar o passado (SOULAGES, 2010).
Também é fato que fotografias realizadas com intenção primeira de serem
documentais, jornalísticas e científicas, por exemplo, foram depois se diversificando em seus
usos, sendo incorporadas a outras linguagens como a da publicidade e da moda, afinal o
destino das imagens fotográfica pertence ao devir, ao vir a ser. Para Soulages (2010), sempre
é possível dar outro significado a uma fotografia pois seu destino social e histórico é adquirir
outros sentidos. É o caso, dentre muitas outras, de uma fotografia de Helmut Newton
inicialmente produzida para a publicidade dos Perfumes Rochas, tendo sido posteriormente
utilizada na capa do livro L’érotisme du toucher des étoffes (TISSERON-PAPETTI;
TISSERON, 1988) e também exposta em um museu de arte.
Conjecturas sobre a inserção de fotografias em diferentes espaços discursivos e
com funções outras que aquelas primeiramente determinadas podem ser construídas a partir
da filosofia da mestiçagem (SERRES, 1993). Ao discutir a aquisição de conhecimento, Serres
apregoa que a real inventividade não se dá pelos caminhos conhecidos, mas pelas intersecções,
nos caminhos terceiros. No conhecimento cartesiano algo é ou não é, sem uma terceira opção:
nesse tipo de lógica clássica, há apenas verdade ou falsidade, não há meio termo, e o terceiro
valor da expressão é excluído. Em contraponto ao cartesianismo, Serres (1993) enuncia aquele
que não está em uma coisa ou outra, que não está em um lugar ou outro, mas sempre um
terceiro. A terceira possibilidade – um intermediário, um caminho diferente, uma passagem
alternativa –, é para Serres o ponto fundamental. Em certo sentido, isso se aproxima da lógica
fuzzy ou difusa, na qual os valores das variáveis podem ser qualquer número entre 0 e 1, lógica
esta utilizada para lidar com o conceito de verdade parcial (onde os valores podem ser
compreendidos entre o completamente verdadeiro e o completamente falso) (CRILLY, 2017).
Ao trazer essa reflexão para a fotografia, que é uma fonte de conhecimento visual,
podemos dizer que esta pode se encontrar em um terceiro (cf. SERRES, 1993) no qual
existiria o contato entre as vertentes fotográficas, por exemplo. Assim, longe da lateralidade e
das categorias arbitrárias estanques “moda”, “arte”, “documental”, “retrato” do mundo
cartesiano, podemos atribuir ao trabalho de Stupakoff uma prática mestiça. As fotos de
Stupakoff estariam nesses lugares de contato, entre “fotografia moda – fotografia arte”,
“fotografia doméstica – fotografia arte”, “fotografia viagem – fotografia arte”, i.e., um terceiro
(cf. SERRES, 1993), sendo que essa linha de raciocínio pode ser aplicada também em outros
binômios, como “fotografia de moda – fotografia de família”, “fotografia de família –
fotojornalismo”.
307
308
22 STUPAKOFF apud HARA; WOLFENSON, 2002.
309
(A) (B)
310
(C) (D)
Figura 187. As caixas de vidro de Stupakoff. (A) Sem título, 1960. (B) Regrets Box, ca. 2003. (C)
Sem título, s/d. (D) Sorrow Box, 2003. Fonte: (A) (B) Fotos do Acervo Instituto Moreira Salles; (C)
(D) Arquivo pessoal de Stupakoff.
(A) (B)
311
(C) (D)
(E) (F)
Figura 188. (A) Das under wasser boot, 1962. (B) Aquário do Imperador Ashoka, 2004. (C)
Asura, 2004. (D) Fortíssimo, 2004. (E) Sem título. 2006. (F) Eyes of God II, ca. 2006.
Fonte: (A) Mendonça, 1988; (B) (C) (D) Acervo MAM; (E) (F) Fotos das obras/Acervo IMS.
312
313
Algo similar pode ser observado na figura 190B na qual a modelo partilha espaço com
personagens e cenários ao fundo mesmo aparentando não compartilharem da mesma
realidade.
(A)
(B)
Figura 190. Aproximação da linguagem fotográfica de Stupakoff com a ideia de colagem. (A) Foto
do editorial Baden-Baden, 1974. (B) Página de Vogue Brasil, 1979. Fonte: (A) Reprodução da
revista/Acervo IMS (B) Reprodução da revista/Borges; Carrascosa, 2002.
Para além das expressões visuais, a escrita era outra manifestação criativa de
Stupakoff. Segundo o próprio, era uma maneira dele organizar seu pensamento: “Dedico-me
muito a escrever, rever e reescrever. É uma maneira de viajar, de colocar pensamentos em
ordem, de rever nossa psicologia. É também outra forma de estética, onde nos colocamos em
face à dignidade da arte” (STUPAKOFF apud MILLEN, 2016, p. 2).
A facilidade em se expressar pelo texto, tanto no âmbito da ficção quanto da não-
ficção, contribuiu para Stupakoff promulgar seus sentimentos e ideias através de uma linha
que não a das artes visuais. Dos seus textos publicados estão: Carta a um jovem fotógrafo,
da revista Íris (agosto de 1979), uma adaptação que Stupakoff fez do texto de Rainer-Maria
Rilke (STUPAKOFF, 1979); Lembretes (STUPAKOFF, 2006a), um texto introdutório
314
315
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1 Apesar da falta de diagnóstico oficial, alguns relatos sugerem que Stupakoff apresentava depressão existencial
no final da vida.
316
para ele, que dizia ser esta uma consequência natural para sua existência, ao mesmo tempo
que era um meio de crescimento pessoal: “Eu sou fotógrafo porque é isto o que estou fazendo.
Mais ou menos como meu pai, que fabricava cerveja, eu faço fotografias enquanto trabalho
em mim mesmo” (STUPAKOFF apud NOGUEIRA, 1979, p. 52).
Para além do fotojornalismo, existiam no Brasil outras produções como os
registros em estúdio (de retratos e produtos) e a fotografia publicitária, em ascensão a partir
do final dos anos 1950 principalmente por conta de anúncios veiculados em revistas. Nesse
período, a publicidade era um campo propício para atuação profissional, principalmente
através da expansão de agências estrangeiras que trouxeram modernidade para a
propaganda nacional. Além disso, a industrialização e a urbanização crescentes das
principais capitais do país ampliaram um mercado promissor para produtos de consumo
diverso (COSTA; SILVA, 2004, p. 13). Com isso, as empresas passaram a apostar mais na
publicidade como forma de diferenciar suas marcas no mercado, anunciando nas principais
mídias: rádio, televisão (ainda incipiente) e revistas. Soma-se a isso o fato de ter sido uma
época de mudanças gráficas e editoriais na imprensa brasileira, com a diversificação das
publicações (na virada da década de 1950 para 1960 surgem, por exemplo, as revistas Senhor
e a feminina Cláudia).
Após seus estudos nos EUA, Stupakoff retornou ao Brasil em final de 1950 e
encorpou o rol de fotógrafos publicitários do país. Com o polo da propaganda concentrado no
eixo Rio de Janeiro – São Paulo, ele fixou sua base profissional nessas duas cidades,
direcionando sua atuação nesses primeiros anos de profissão para a fotografia de publicidade,
moda e para retratos de estúdio.
Em meados da década de 1950, o Brasil passava por significativas mudanças
sociais e políticas, dentre elas a construção da nova capital federal, Brasília, que Stupakoff
acompanhou ao registrar algumas das construções de Niemeyer com um viés mais
documental. Esse sentido de documentar aspectos da realidade apareceu intermitentemente
na obra de Stupakoff, como no registro dos trabalhadores rurais, das crianças brasileiras e
nas fotografias do Camboja. Desde o início da sua produção, tal flexibilidade de temática foi
marca desse fotógrafo. Ainda que reconhecido como fotógrafo de moda, Stupakoff produziu
para além desse rótulo.
Stupakoff foi contemporâneo do desenvolvimento da indústria têxtil e do fio
sintético no Brasil, que impulsionaram o prét-à-porter. Ele e outros personagens da Rhodia
contribuíram para o propagação desse setor – foram pioneiros na fotografia de moda no
final da década de 1950 ao produzir imagens que antes eram, na sua maioria, compradas do
exterior (com produção nacional ainda incipiente).
O desenvolvimento da carreira fotográfica de Stupakoff continuou nas revistas
internacionais para as quais produziu retratos, editoriais de moda e publicidade. Um
317
318
produção, como estabelecer um alinhamento dos aspectos comuns nas suas variadas
vertentes fotográficas? Nas diversas proposições fotográficas (moda, documental, família)
haveria um denominador comum, uma consistência fotográfica que permitisse reconhecer
um olhar próprio de Stupakoff?
Apesar da amplitude da sua obra, identificamos coesão no universo fotográfico de
Stupakoff, representada em especial por uma linha de pensamento constante: a importância
que ele dava para a integridade como valor na criação, o que significava manter uma mesma
conduta fotográfica ao fazer uma natureza morta, uma foto de moda ou uma imagem de rua.
Nesse sentido, a articulação e o diálogo entre essas diferentes vertentes da criação fotográfica
nos permitiu verificar um modus operandis e um olhar particular do fotógrafo. Para
Stupakoff, os gêneros fotográficos não estariam completamente isolados. Há uma diluição da
região fronteiriça entre um gênero e outro e a identificação estaria menos na separação em
categorias – moda, família, rua – e mais na predisposição primeira, i.e, a motivação para a
feitura do trabalho fotográfico: se comissionada e planejada para determinada revista, se
para um álbum particular ou portfólio pessoal. Diversa, a obra de Stupakoff ao mesmo tempo
que fragmentada (no sentido de constituída por vários gêneros ao mesmo tempo) é íntegra
no seu âmago e na sua construção.
A integridade também foi identificada como um valor ético pessoal no sentido de
Stupakoff atribuir ao fotógrafo a necessidade de assumir a responsabilidade pelo trabalho e
pela criação. Para ele, o fotógrafo deveria conceber as condições capazes de lhe permitir
expressar sua visão de mundo. Associada a isso, estava a constante busca por uma liberdade
criativa e pelo afastamento de trabalhos estritamente comerciais que fossem contrários aos
seus preceitos (ainda que nem sempre isso tenha acontecido).
Todas as considerações apontadas foram resultado das discussões tecidas a partir
da análise das sequências fotográficas materializadas em folhas de contato, fotografias
individualizadas e publicações – norteadas pela crítica de processo de criação e semiótica
peirceana –, e também do embasamento documental obtido em jornais, revistas e livros com
entrevistas e depoimentos do fotógrafo e de terceiros, assim como outros materiais
elucidativos (clipping, anotações, cartas).
Diante do nosso elemento primordial de análise, as sequências fotográficas
materializadas em folhas de contato, discutimos aspectos particulares desse tipo de material.
Primeiramente consideramos que as folhas de contato e as cópias de trabalho são
documentos de processo na fotografia, e as anotações via marcas gráficas e verbais
encontradas nesse tipo de material são recursos utilizados no processo de construção da
imagem fotográfica entre a captura e a entrega do produto final. Elas nos indicam a condução
da produção do fotógrafo e as possíveis direções de criação, apresentando um rol de
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320
sobre sua obra; o próprio Stupakoff divergiu das escolhas realizadas por ele em momentos
anteriores, alterando seu ponto de vista ao revisitar seu material. Isso corrobora a proposta
tecida aqui de que o olhar sobre a própria obra fotográfica se modifica com o passar do tempo.
Para apontar particularidades da poética de Stupakoff seguimos Dubois (2012),
que indica a importância maior do processo em relação ao produto na compreensão do que
constitui a originalidade da imagem fotográfica, e Schaeffer (1996), que argumenta existir
uma dissociação entre a avaliação de uma imagem individual e a noção de obra como um
todo, pois uma obra fotográfica dificilmente é identificável no âmbito da imagem isolada,
sendo necessário colocá-la em paralelo a séries completas de imagens do mesmo fotógrafo.
Sob um ponto de vista crítico e direcionada por um instrumental teórico, a
análise do material fotográfico de Stupakoff resultou em considerações que caracterizam sua
obra: (1) as formas de construir a imagem, que em determinados momentos parecem
contraditórias (movimento livre e disperso para rua, contido e repetitivo para moda e retrato,
por exemplo), mantêm a essência do olhar fotográfico de Stupakoff voltado primeiramente
para a captura de certa naturalidade identificada na sua preferência pelo uso de luz natural,
cenários externos e de objetivas 50mm, que se aproximam do recorte do olhar humano,
distanciando-o da distorção; (2) ainda que suas imagens estejam calcadas em uma dita
realidade cotidiana, Stupakoff, à medida que fabricava uma imagem descritiva e de
contemplação exterior, remetia aos seus próprios pensamentos expressando-os através de
suas composições; (3) essa transferência para a criação fotográfica de seus aspectos mais
subjetivos revelou-se na constância de temas como o gosto pelo feminino, o trato com o puer
aeternus e a investigação e registro do ser humano, não como uma objetividade ingênua, mas
como meio de atribuir sentido à existência da pessoa no momento do ato fotográfico.
Ainda sobre a construção da imagem na obra de Stupakoff, outros elementos
podem ser identificados claramente: o estabelecimento do espaço pela valorização da
perspectiva e da noção tridimensional, assim como uso de cenários do cotidiano; a
preferência para planos mais abertos abrangendo o entorno e a valorização dos detalhes na
composição da foto; a propensão em repetir o registro do motivo com pequenas variações; a
predileção por instantes congelados; e o realce das texturas e das padronagens.
No estudo do processo de criação de Stupakoff, que contempla mudanças
significativas e diferentes fases dentro de sua trajetória e história de vida, surgiu outra
pergunta pertinente: o que permaneceu em seu “olhar” e o que se modificou? Podemos dizer
que, após Stupakoff identificar um caminho profissional, permaneceu nele e em sua obra a
simplicidade, o intimismo, a preocupação em retratar o humano para além da aparência
superficial, buscando o entendimento do personagem registrado, seja ele uma modelo em um
editorial de moda, uma criança em determinada região do país ou um trabalhador rural no
exercício de sua atividade.
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FERNANDES JUNIOR, Rubens. Fotografia brasileira contemporânea: influências e
repercussões. In: Museu de Arte de São Paulo Coleção Pirelli. São Paulo
[s.n], 1992. Catálogo de exposição 28 jul.1992 – 30 ago.1992, Museu de Arte de
São Paulo.
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SPINELI, Patricia Kiss; PFÜTZENREUTER, Edson do Prado. Sobre o uso das marcas de
seleção e edição em folhas de contato e cópia de trabalho na criação fotográfica.
Manuscrítica Revista de Crítica Genética, n. 31, p. 136-149, 2016.
SPINELI, Patricia Kiss; PFÜTZENREÜTER, Edson do Prado. Otto Stupakoff: fotógrafo de
capa de disco. Tríade, Sorocaba, v. 5, n.9, p.200-221, jun. 2017.
STEINERT, Otto. Sobre las possibilidades de creación en fotografia. In: FONTCUBERTA,
Joan (Ed.). Estética Fotográfica: una selección de textos. Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 2007 [1965].
STUPAKOFF: Fotografia não é arte secundária. O correio paulistano. São Paulo, 27 de
jan. 1963.
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APÊNDICE I
Lista das sequências das Caixas 1 e 2 com numeração do Instituto Moreira Salles e
descrição modificada da autora.
Caixa 1:
031OS1: Grand Hotel Cabourg, 031OS2: Leslie Bogart, Nova 031OS3: Leslie Bogart, Nova
França, 1976 York, 1967 York, 1967
031OS4: Nus, Joatinga, RJ, 031OS5: Balthus, Harper’s 031OS8: Sharon Tate, Los
1978 Bazaar, Nova York, 1970 Angeles, 1969.
031OS9: Águas Termais em 031OS13: Leslie Bogart, Nova 031OS14: Chartres, Paris para
Baden-Baden, Alemanha e York, 1967 Vogue, julho (1974)
Baden-Baden, Brenner’s Park
Hotel 1974
031OS15: Chartres, Paris para 031OS16: Renata, Estúdio na 031OS17: Renata, Estúdio na
Vogue, julho (1974) rua Varick, Nova York, 1991 rua Varick, Nova York, 1991
031OS18: Renata, Estúdio na 031OS19: Renata, Estúdio na 031OS20: Joatinga, RJ, 1978
rua Varick, Nova York, 1991 rua Varick, Nova York, 1991
031OS21: Joatinga, RJ, 1978 031OS27: Algarve, Portugal, 031OS31: Xuxa Meneghel, 1989
1988
031OS32: Xuxa Meneghel, 031OS33: Modelo em rua de 031OS41: Margareta Arvidsson,
1989 Nova York, s/d Hotel D'Inghilterra, Roma, 1969
031OS42: Margareta 031OS45: Margareta 031OS51: Katharine Ross, Los
Arvidsson, Hotel D'Inghilterra, Arvidsson, Hotel D'Inghilterra, Angeles, 1967
Roma, 1969 Roma, 1969
031OS53: Leonard Cohen, 031OS55: Jorge Amado, 031OS56: Pelé, Santos, 1979
1967. Sirpa, 1974; Jofrey Ballet; Dorival Caymmi, Carybé, Pierre
Fernando Odriozola e filho, s/d Verger, 1979
031OS58: José Saramago, 031OS59: Jorge Amado com 031OS61: Nus, Santos, 1979
Portugal, s/d Zélia Gattai e família, 1979
031OS63: René 031OS69: Homenagem a 031OS70: Sérgio Mendes,
D’Harnoncourt, 1967 Balthus, 1991 Central Park, 1967
031OS72: Tom Jobim. 031OS75: Algarve, Portugal, 031OS76: Stuttgart, Alemanha,
Ipanema, 1964 1988 1976
031OS77: Stuttgart, Alemanha, 031OS78: Stuttgart, 031OS90: Stuttgart, Alemanha,
1976 Alemanha, 1976 1976
031OS92: José Saramago, 031OS94: Xuxa Meneghel, 031OS95: Xuxa Meneghel, 1989
Portugal, s/d 1989
031OS96: Xuxa Meneghel, 031OS98: Algarve, Portugal, 031OS103: Algarve, Portugal,
1989 1988 1988
031OS105: Betsy, 1965 031OS106: Ian e Bico 031OS107: Louis Chile, Paris;
Stupakoff Filhos em Nova York, Margareta para Vogue Paris,
1968 1973; Carrie Nygren, Vogue Paris,
1975; Wesley Duke Lee, s/d
031OS108: Modelo entre 031OS110: Modelo e policial 031OS112: Modelo no metrô em
caixas, Nova York, s/d em Nova York, s/d Nova York, s/d
031OS113: Eduardo Paolozzi 031OS114: Betsy, 1965 031OS115: Betsy, 1965
(escultor). Londres, 1972
031OS117: Modelo em estúdio 031OS121: família Stupakoff, 031OS123: Margareta,
no sofá inflável, s/d ca. 1962 Gabriela e Sef em Berchères-sur-
Vesgres, 1974
031OS124: Oskar Werner, 031OS125: Menina do 031OS126: Ansiedade, 1990;
Nova York, 1965 Arpoador, s/d, Rio de Janeiro; Tarran Hills, Austrália,1968;
Menina Cigana, ca. 1970; Heitor Margareta Arvidsson, Puerto
dos Prazes, Rio de Janeiro, 1958 Vallarta, 1972; Olivia Hussey, 1968
031OS127: Pietro Maria Bardi, 031OS128: Modelo e policial 031OS200: Saigon, Vietnã,
São Paulo, 1978 em Nova York s/d 1968; Irã, s/d
031OS202: Mulher iraniana, 031OS303: Nus, Bombaim, 031OS304: Wesley Duke Lee e
s/d s/d; Nus, Pelourinho, Salvador, Sérgio Mendes; Sef Stupakoff,
1979 quando criança, Joatinga, c. 1976
031OS305: Saigon, Vietnã, 031OS306: Saigon, Vietnã, 031OS307: Saigon, Vietnã, 1968
1968 1968
031OS314: Ártico, 1989 031OS315: Teatro, Saigon, 031OS318: Bico e Kitty
Vietnã, 1968 Stupakoff, ca. 1964
031OS320: Amsterdã, s/d;
Índia, s/d
Caixa 2:
Galerias e Leilões
• Doc Galeria, São Paulo
• Galeria Leilões, São Paulo
• James Lisboa, São Paulo
• Galeria Mario Cohen, São Paulo
• Pontual Escritório de Arte, São Paulo
Prêmios e Mérito:
1963 - Prêmio de honra Associação Brasileira de Publicidade/ Propaganda
1964 - Prêmio e medalha de prata por fotografias na Kodak Pavilion World’s Fair.
Exposição: The world and it’s people. Nova York.
1965 - 43ª The Art Director’s Club of New York - certificado de mérito
1976 - The Dupont Award. Paris.
1980 - Prêmio especial do júri. Club des Directeurs Artistiques. Paris, France, 1980.
1980 - V Prêmio Abril (jornalismo, artes gráficas e fotografia). Otto Stupakoff (categoria A
melhor reportagem fotográfica (critério visual) - prêmio).
1981 - Clube dos Diretores de Arte de Paris - prêmio especial do júri
1 TACCA, Fernando Cury de. Colecionadores Privados de fotografia no Brasil. São Paulo: Intermeios, 2015.
Publicações
• Otto Stupakoff: Fotografias. São Paulo: Práxis, 1978.
• Art to wear. Nova York: Abeville, 1986.
• Rioerótico: A fotografia sensual de Otto Stupakoff. NY: HarperCollins, 2006.
• Otto Stupakoff. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
• Sequências: Otto Stupakoff. Apresentação de Bob Wolfenson. IMS, 2009.
• A hora e o lugar. Vol. 4. IMS, 2015.
Palestras e Conferências
1965 e 1966 - Parson’s School of design. Nova York.
1978 - Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Rio de Janeiro. 4 de outubro de 1978.
1988 - The Life times of the Rich and Famous. TV.
1989/1990 - Seminário, Cape May, New Jersey. Ensina fotografia de moda
conjuntamente a Arthur Elgort e Art Kane.
Exposições Individuais
1955 - Exposição no Instituto Cultural Brasileiro Norte Americano (ICBNA), Porto
Alegre. Fotos em cor e em preto e branco. Data: 20 a 30 de jul. de 1955.
1956 - Galeria Oca. Rio de Janeiro. Início: 30 de abr. de 1956.
1963 - Exposição na Petite Galerie, São Paulo. Fotografias e Colagens, 50 fotografias e
15 colagens. Data: 21 de jan. a 8 de fev. de 1963.
1978 - Retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo (MASP), São Paulo. Exposição
individual com fotografias recentes e antigas. Data: 28 de mar. a 21 de abr. 1978.
1978 - Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Rio de Janeiro.
1978 - Exposição sobre crianças brasileiras/Agenda Vasp. Local: Museu de Arte de São
Paulo (MASP). Data: dez. de 1978.
1979 - Exposição Crianças brasileiras/Agenda Vasp. Local: Museu de Imagem e Som do
Rio de Janeiro. 53 retratos de crianças em diversos pontos do Brasil. Data: 11 de abr. a
9 de mai. de 1979.
1988/1989 - Retrospectiva na New School, Parsons Faculty. Nova York.
2003 - Acrylic Boxes. Amarcord Gallery em Beacon. Nova York.
2004 - Espasso Gallery, Nova York. Ouro Preto e Arquitetura moderna. Início: 14 de
mai. de 2004.
2005 - Moda Sem Fronteiras: Otto Stupakoff 55-05, São Paulo Fashion Week. Pavilhão
da Fundação Bienal, São Paulo. Data: 26 de jun. a 4 de jul. de 2005. 80 imagens.
2005 - Restrospectiva Otto Stupakoff. Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador.
2007 - Laureados Sussuros. Leo Burnett Publicidade. 12 set. a 15 dez. 2007.
2009 - Otto Stupakoff. Instituto Moreira Salles (IMS). Rio de Janeiro. Data: 18 de fev. a
19 de abr. de 2009.
2009 - Otto Stupakoff. Instituto Moreira Salles (IMS). São Paulo, SP. Início: Data: 21 de
ago. a 22 de nov. de 2009.
2010 - Otto Stupakoff. Instituto Moreira Salles (IMS). Belo Horizonte. Data: 14 jan. de
2010 a 21 de mar. de 2010.
2016/2017 - Retrospectiva Otto Stupakoff: beleza e inquietude. Instituto Moreira
Salles. Data: 13 de dez. de 2016 a 16 de abr. de 2017. 300 imagens, vídeo e
publicações.
Exposições Coletivas
1962 - Galeria Michel, São Paulo. Fotografias de Otto Stupakoff e pinturas de Wesley
Duke Lee.
1964 - O mundo e seus povos. New York World Fair, Pavilhão Kodak Nova York, E.U.A.
Retrato de Dona Olímpia de Ouro Preto. Início: jul.1964.
1964 - Exposição de colagens. Seta Galeria de Arte, São Paulo - SP.
1964 - Exposição no Museu Municipal de Haia, Holanda.
1964 - Nova York, EUA. Underground Gallery. Data: outubro de 1964.
1972 - Nova York, EUA. The Best of Harpers Bazaar, na Scribner’s Gallery, Nova York.
Curadoria: Bea Feitler.
1978 - Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro. Inicio: 2 de out. de 1978
1980 - Galeria Luz e Sombra. Shopping da Gávea, Rio de Janeiro. 30 fotografias de
trabalhos múltiplos. De: 11 de mar. até 3 de abr. de 1980.
1980 - Exposição da The Image Bank. Café des Art do Hotel Meridien. Inicio: 24 mar.
de 1980
1985 - A fotografia e os anos 60: Espaço Fotóptica Mac/USP, Pavilhão Bienal. Data: 30
de mar. a 2 de jun. de 1985.
1988 - 63/66 Figura e Objeto. Galeria Millan, São Paulo.
1989 - Exposição Images Professionnels. Arles, França.
1989 - Exposição Photokina Colônia, Alemanha.
1991 - 1ª Coleção Pirelli/Masp de Fotografias. Museu de Arte de São Paulo (MASP),
São Paulo.
1992 - Staley Wise Gallery, conjuntamente a Arthur Elgort e Helmut Newton. Nova York
1998 - A Imagem do Som de Caetano Veloso. Paço Imperial, Rio de Janeiro. Data: 19 de
nov. de 1998 a 28 de fev. de 1999.
1999 - Mostra individual de fotografias e pinturas. Academia de Ciências em Manhattan.
Camboja em benefício do Camboja Trust. Nova York.
2003 - 12ª Coleção Pirelli/Masp de Fotografias. Museu de Arte de São Paulo (MASP),
São Paulo.
2005 - Coleção IV. Mercedes Viegas Arte contemporânea. Gávea, Rio de Janeiro. Data:
15 de dez. de 2004 a 29 de jan. de 2005.
2005 - Coleções VI. Galeria Luisa Strina, São Paulo. Data: 4 de mar. a 8 de abr. de 2005.
2007 - Fotografia em perspectiva: acervo do Museu de Arte Moderna. Data: 12 de jan. a
4 mar. de 2007.
2009 - Fotografia em Revista. Museu de Arte Brasileira (MAB-FAAP). Data: 19 de mai. a
12 de jun. de 2009.
2012 - Momentos e Movimentos. Mostra com 34 fotógrafos. FAAP, São Paulo. Data: 14 a
29 de abr. de 2012.
2012 - 19ª Coleção Pirelli/Masp de Fotografias. Museu de Arte de São Paulo (MASP),
São Paulo.
2012 - 3º Jamenson Mostra SP de Fotografia. Espaço Canon. Data: de jan. a fev. de
2012. Fotos inéditas pertencentes do Primeiro Portfólio de Otto Stupakoff editado por
ele (1955-1965).
2013 - Um olhar sobre o Brasil: a fotografia na construção da imagem da nação. Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB), Brasília. Data: 20 de ago. a 20 de out. de 2103.
2015 - Fotografia contemporânea brasileira. LL Galeria de Arte e Antiguidades. Data: 27
de jan. a 7 de fev. de 2015.
2016 - O útero do mundo. MAM. São Paulo. De 5 de set. a 18 de dez. de 2016.
– SP Arte/ Foto: 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2016 e 2017. São Paulo.
Apêndice III - Capas de discos com fotografias de Otto Stupakoff: décadas de 1950 a 1980 (continua na página seguinte)
Fonte: www.discogs.com
Apêndice III (continuação) - Capas de discos com fotografias de Otto Stupakoff: décadas de 1950 a 1980
Fonte: www.discogs.com
Apêndice IV - Revista Jóia, janeiro, 1965
Claudia, novembro de 1963 Claudia, dezembro de 1963 Claudia, fevereiro de 1964 Claudia, junho de 1964 Claudia, outubro de 1964
Claudia,
março de
1964
Claudia,
maio de
1964