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Prova Gabaritada Sentença Estadual

1) SENTENÇA ESTADUAL

RODADA 04.2014

1) Paulo Cara de Pata, policial civil da DAS (Divisão Anti Sequestro) montou
uma blitz para extorquir o empresário chinês GogLi. Assim, juntamente com seu
parceiro Júnior Autista, abordou o veículo conduzido pelo oriental,
apresentando-se como policiais. Procederam a busca no veículo,
oportunidade em que descobriram um revólver 38, com numeração raspada,
escondido embaixo do banco do motorista.

Ato contínuo, exigiram a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para não
efetuar a prisão. Gog Li negou e disse que poderiam levar-lhe para a
Delegacia, pois seria liberado na mesma hora.

Assim, os policiais falaram que se o pagamento não fosse feito iriam matá-lo,
arrancar seus olhos e mandar de presente para seus filhos. Então, colocaram
Gog Li no porta-malas da viatura e passaram a dar voltas pela cidade
durante duas horas, período em que repetiram as ameaças.

O oriental não resistiu às exigências e acabou por pagar a quantia


pretendida, quando foi liberado. Foi direto a um amigo Promotor de Justiça, a
quem relatou o caso. Instaurado inquérito policial, foram obtidas filmagens do
oriental sacando dinheiro no banco e depois se reunindo com os policiais na
porta da agência. Foi juntado o comprovante de saque de R$ 20.000,00 (vinte
mil reais). Fora essas provas, o depoimento da vítima. Sem testemunhas.

O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia contra Paulo Cara de Pata e


Júnior Autista pela prática do crime de concussão (art. 316 do CP) pela
exigência do dinheiro, e crime de prevaricação (art. 319 do CP) pelo fato de
deixarem de autuar Gog Li por porte ilegal de arma.

Na audiência de instrução e julgamento, após requerer a saída dos réus da


sala da audiência, o que foi deferido pelo magistrado, a vítima confirmou o
teor da denúncia. Sem testemunhas. Os réus negaram os fatos.
No dia seguinte, o réu Júnior Autista foi morto em serviço. Certidão de óbito foi
juntada aos autos.

Em sede de alegações finais, requereu o MP condenação de Paulo Cara de


Pata nos termos da denúncia e declaração da perda do cargo; no que tange
a Júnior Autista, requereu absolvição diante do óbito comprovado.

A defesa, em síntese, aduziu o seguinte: a) nulidade diante da retirada dos


réus da sala de audiência, o que prejudicou o princípio da ampla defesa; b)
impossibilidade de condenação com base nas provas colhidas unicamente
na fase do inquérito policial; c) a conduta se amoldaria, no máximo, como
corrupção ativa, prevista no art. 317 do CP; d) absorção da prevaricação
pelo crime de corrupção.

Elabore a sentença. Dispensado relatório.

COMENTÁRIOS

Preliminares

Retirada do réu da sala de audiências

Não há que se falar em nulidade a conduta do magistrado que defere pleito para retirada do
réu da sala de audiências no momento em que vítima ou testemunha vá prestar depoimento. O
artigo 217 do CPP prevê autorização expressa nesse sentido: “Se o juiz verificar que a
presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou
ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por
videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu,
prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor”.

Ademais, se o advogado do réu permanece na sala de audiências, não há que se falar em


qualquer prejuízo aos princípios da ampla defesa ou contraditório, visto que a defesa, assim,
poderá tomar conhecimento do teor do depoimento e eventualmente confrontar a versão
trazida pela vítima ou pelas testemunhas.

Deve, portanto, ser afastada a preliminar.

Impossibilidade de condenar com base em prova colhida exclusivamente no inquérito

Não se trata de matéria atinente a preliminar que vá redundar em nulidade processual e


impedir julgamento de mérito. Portanto, deve ser apreciada na fundamentação.

Extinção de punibilidade

Mencionar que é caso de extinção de punibilidade de autista, haja vista a comprovação cabal
da morte, conforme certidão de óbito juntada aos autos.

Mérito
Emendatio libelli

De início, melhor que seja procedida a emendatio libelli da conduta prevista no art. 316 do
CP. Apesar de tipificada pelo Ministério Público no art. 316 do CP, a conduta melhor se
amolda ao art. 158 do CP. Em primeiro lugar, as elementares “violência ou grave ameaça”
fazem com que a conduta melhor se coloque no art. 158 do CP, em adoção ao princípio da
especialidade. Além disso, quando o mal prometido - matar - não se encontra nas atribuições
do agente público, não há que se falar em concussão, pois neste caso, é pressuposto certo
receio em relação à conduta funcional do servidor. Havendo ameaça de morte, a vítima não
teme o cargo e o que eventualmente o servidor possa fazer no seu exercício.

Também não se mostra correta a cumulação material do art. 158 com o art. 316 do CP.
Embora, num primeiro momento, o mal anunciado - prisão - se encontre nos limites da atuação
funcional do réu, fato capaz de tipificar a conduta no art. 316 do CP, o réu abandona essa
conduta (exigir em razão do cargo) e passa a constranger com emprego de violência ou grave
ameaça.

Nesse aspecto, como o fim visado pelo réu sempre foi o de obter dinheiro, seja quando
ameaçou de prender a vítima, seja quando ameaçou mata-la, é de se admitir progressão
criminosa. Sendo única a finalidade, e clara hipótese de consunção, trata-se de hipótese de
crime único (art. 158 do CP).

Esse o quadro, com fundamento no art. 383 do CPP, deve-se alterar a classificação jurídica do
fato narrado para o art. 158 do CP.

Em seguida, como houve restrição da liberdade por tempo relevante e, além disso, essa
privação foi condição necessária para a prática do crime, visto que o tempo acabou por
“convencer” a vítima que o melhor era, de fato, ceder à pressão e pagar o dinheiro exigido,
deve ser reconhecida a qualificadora do parágrafo 3º do art. 158 do CP.

Por fim, não obstante a posição topográfica do parágrafo 3º do art. 158 do CP, é necessário o
reconhecimento da majorante inserta no parágrafo 1º do art. 158 do CP, referente ao emprego
de arma e concurso de pessoas.

Provas

Não há que se falar em condenação com base em provas colhidas exclusivamente na fase do
inquérito policial. Primeiro, porque há, no caso, a exceção contida no próprio art. 155 do
CPP, haja vista que as filmagens são provas irrepetíveis. Como se não bastasse o quadro, a
vítima ratificou, em juízo, tudo que havia falado antes. Embora seja a palavra de um contra os
outros, em crimes como este, cometidos às escondidas, é de ser dado especial relevo à versão
da vítima, principalmente se coerente com o contexto probatório existente nos autos.

Firme nessas premissas, soa mais que estranho a presença dos réus em frente à agência
bancária onde foi sacada a importância de R$ 20.000,00, conforme comprovante bancário
juntado aos autos.

Prevaricação

Quando o servidor público deixa de fazer algo, no caso, efetuar a prisão em flagrante, com
objetivo de obter vantagem financeira, impossível o reconhecimento da prevaricação. Importa
salientar que o tipo previsto no art. 319 do CP exige sentimento pessoal, como ódio, inveja,
amor, amizade, e não intenção de lucro. O interesse material colide com o crime de
prevaricação, razão pela qual a conduta não há de ser tipificada, também, no art. 319 do CP.

Dispositivo

Deve ser julgado parcialmente procedente o pedido para condenar o réu Paulo Cara de Pato
nas penas do art. 158, parágrafos 1º e 3º do CP.

Declararextinta a punibilidade de Júnior Autista com fundamento no art. 107, I, do CP c/c art.
386 do CPP.

Sugiro que o candidato não some as penas no dispositivo. Deixe para fazê-lo após.

Não julgue a ação procedente. Não julgue o processo procedente. Julgue os pedidos
formulados na denúncia procedentes ou não.

Dosimetria

Primeira fase

São analisadas individualmente as circunstâncias do artigo 59 do CP.

A culpabilidade é grave por ser o réu integrante de força policial e, além disso, especializada
justamente na repressão de sequestros.

As circunstâncias do crime são igualmente negativas, tendo em vista o teor cruel e agudo das
ameaças dirigidas à vítima, que ouviu que além de ser morta, seus olhos seriam mandados
para seus filhos, o que suplanta o aceitável nessa espécie criminosa.

As consequências do crime são gravosas, vez que o valor extorquido da vítima não foi
devolvido e os traumas psicológicos nessa espécie de crimes são duradouros.

Sem considerações a respeito da personalidade. Não constam maus antecedentes. Inexistem


elementos para avaliar a personalidade do réu. A vítima não contribuiu com a prática
criminosa.

Não vislumbro a presença de outras circunstâncias judiciais que mereçam consideração


negativa além daquela já prevista no tipo penal. Ao final é fixada a pena base.

Segunda fase

Deixe para realizar eventuais considerações pertinentes à presença de agravantes e atenuantes


na própria dosimetria (ou seja, não precisa fazer isso na fundamentação, antes do dispositivo).
Deve ser reconhecida a confissão como circunstância atenuante (art. 65, III, d, do CP).

Não vislumbro a presença de outras agravantes ou atenuantes.


Terceira fase

Reconhecer a causa de aumento prevista no parágrafo 1º do art. 158 do CP. Importante


lembrar que a mera presença matemática de mais de uma majorante, por si só, não autoriza
aumento acima do mínimo legal.

Fixada pena final e arbitrada multa.

Providências finais

Devem ser somadas as penas e após fixado o regime penitenciário.

Decretar a perda do cargo, com base no art. 92 do CP.

Também deve ser analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do CP. Se a soma das penas ficar igual ou menor
que 04 anos, deve ser substituída por restritivas.

Conforme artigo 387, parágrafo 1º, do CPP, o juiz decidirá a respeito da manutenção da
prisão anteriormente decretada, eventual decretação de prisão preventiva ou outra medida
cautelar. No caso em tela, não obstante a gravidade dos fatos, entendemos que considerando
que o réu respondeu ao processo em liberdade e que o não há necessidade de imediata prisão.
Se entender o caso de decretar, é imprescindível que sejam declinados motivos concretos para
qualquer decisão a ser tomada. O candidato deve evitar os jargões que digam, simplesmente,
que estão ausentes ou presentes os requisitos do artigo 312 do CPP.

Não há que ser feita análise de detração, visto que não houve prisão cautelar (artigo 387,
parágrafo 2º, do CPP).

Deve ser comunicação ao TRE após o trânsito em julgado; inserir no rol dos culpados após o
trânsito em julgado; analisar fixação do valor mínimo para reparação do dano; determinar a
publicação da sentença e intimação (MP, réu e advogado).

MELHORES RESPOSTAS

Mychelle Martins Auatt Freitas, do Rio de Janeiro/RJ.

1) RELATÓRIO (dispensado)

2) FUNDAMENTAÇÃO

2.1) Preliminar de nulidade por violação ao princípio da ampla defesa

A defesa alega que houve ofensa à ampla defesa dos réus, eis que na
audiência de instrução e julgamento os réus foram retirados da sala por
pedido de Gog Li deferido pelo juízo, sendo certo que, após a saída deles, a
vítima confirmou o teor da denúncia.
De acordo com o art. 217 do CPP, toda a vez que a presença do acusado
puder acarretar sentimentos de humilhação, temor ou grave constrangimento
ao ofendido, o juiz fará a inquirição através do sistema de videoconferência e,
em caso de impossibilidade, determinará a retirada do acusado,
prosseguindo a inquirição com a presença de seu defensor.

Essa previsão tem como escopo evitar que a presença do acusado


amedronte o ofendido com tanta intensidade a ponto de interferir na sua
inquirição e, consequentemente, na apuração da verdade dos fatos.

É cediço que nos crimes cometidos mediante violência ou grave ameaça, a


participação da vítima no desenvolvimento processual impinge-lhe um novo
processo de vitimização, pois faz emergir todos os sentimentos outrora
vivenciados.

Assim, a presença do acusado tem grande potencial de incutir na vítima


grande temor, pois estará novamente na presença daquele que lhe causou
grande dor, medo e angústia.

Portanto, quando o juízo verificar que esses sentimentos alimentados pela


vítima podem influenciar negativamente o depoimento a ser prestado, deve
garantir a integridade do mesmo, com o respaldo, inclusive da lei processual.

Não há que se falar em violação ao princípio da ampla defesa. Segundo o


magistério de Ada Pellegrini Grinover, a ampla defesa é gênero que se
subdivide em defesa técnica e autodefesa. A primeira é a defesa exercida
por profissional habilitado e com capacidade técnica para exercer defesa
processual em juízo. Já a autodefesa se constitui em defesa a ser exercida
pelo próprio acusado, por exemplo, em seu interrogatório ou quando
manifesta o desejo de recorrer.

No caso específico, a vítima solicitou a retirada dos réus da sala de audiência


em evidente manifestação de temor. Assim, os réus foram retirados, mas seus
advogados permaneceram no recinto. Dessa forma, os causídicos puderam
exercer a defesa técnica deles.

Cabe ressaltar que a presença dos réus em nada modificaria a situação


fática, pois eles não poderiam contraditar as testemunhas ou fazer perguntas
e reperguntas, uma vez que tal atribuição é exclusiva dos respectivos
advogados que detêm a capacidade postulatória para tanto. O único
possível prejuízo seria o desconhecimento dos réus sobre o que ocorrera em
audiência. No entanto, nada impede que os advogados os cientifiquem de
todos os pormenores ocorridos, o que é, inclusive, recomendado.

Assim, não restou evidenciada qualquer violação à ampla defesa.

Como tese de reforço, é cediço que ao tema das nulidades em processo


penal, tem aplicação o princípio do pas de nulitté sans grief, segundo o qual
não há nulidade sem prejuízo, nos termos do art. 563 do CPP.

Portanto, não restou comprovado pela defesa de que tal conduta tenha
ensejado efetivo prejuízo aos réus, pelo que a alegação de nulidade não
merece prosperar.

2.2) Preliminar de impossibilidade de condenação com base em provas


colhidas somente no inquérito policial.

A defesa alega a impossibilidade de condenação com base em provas


colhidas somente no inquérito policial. No entanto, a defesa parte de uma
premissa equivocada, pois como largamente se discutiu no enfrentamento da
preliminar anterior, a vítima foi ouvida na audiência de instrução e julgamento
sob o pálio do contraditório e da ampla defesa.

Impende ressaltar que a palavra da vítima em crimes patrimoniais, em


sua grande maioria são cometidos às escondidas, adquire extrema
relevância, ainda mais quando o relato se mostra firme e congruente sobre
todo o desenvolvimento da empreitada criminosa, revelando detalhes que só
poderiam ser descritos por quem efetivamente tenha vivenciado tal
experiência.

Dessa forma, colhida pelo juízo, o depoimento da vítima satisfaz todos os


requisitos necessários para ser considerado na formação do convencimento
deste juízo. Por isso, afasto a alegação de que a decisão do juízo foi
embasada em provas exclusivamente colhidas em inquérito policial, eis que
não houve ofensa ao art. 155 do CPP.

Para espancar qualquer dúvida, o sistema de apreciação das provas


adotado pelo CPP é o livre convencimento motivado ou sistema da
persuasão racional pelo qual o juiz é livre para apreciar as provas e formar a
sua convicção. No entanto, deverá fundamentar a sua decisão (art. 93, IX da
CRFB/88) sob pena de nulidade, a fim de proporcionar o convencimento do
jurisdicionado ou, no caso de insurgência, propiciar o contraditório efetivo e a
ampla defesa.

Por todo o explanado, o convencimento não se baseou exclusivamente em


provas produzidas na fase investigatória, pelo que tal alegação fica afastada.

2.3) Das condutas imputadas aos acusados Paulo Cara de Pata e Júnior
Autista.

Ultrapassada as preliminares suscitadas e ante a inexistência de outras


questões, passo à análise do mérito.

a) Da desclassificação da conduta dos acusados para corrupção passiva (art.


317 do CP).

Em síntese, a defesa requereu a desclassificação da conduta dos acusados


para corrupção passiva em sede de alegações finais.

No entanto, tal pleito não é cabível. Conforme a narrativa dos fatos constante
na denúncia, os acusados se apresentaram como policiais e “exigiram” a
quantia de R$20.000,00 (vinte mil reais) para não autuar a vítima, eis que na
blitz efetuada no carro do empresária teriam encontrado um revólver calibre
38 com numeração raspada.

Diante da falta de intimidação do empresário, progrediram na tarefa


criminosa e passaram a exigir a vantagem econômica indevida proferindo
ameaças e limitando a liberdade da vítima, com a sua manutenção no porta
malas do carro por duas horas.

Por toda a narrativa fática, ficou evidenciado que os acusados efetivamente


“exigiram” o valor indevido. Dessa forma, não restou caracterizada a prática
do crime do art. 317 no qual o verbo núcleo do tipo se constitui em solicitar ou
receber, mas não abrange a conduta de exigir.

Portanto, não cabe a desclassificação para o crime de corrupção passiva do


art. 317 do CP, conforme pedido pela defesa.

b) Da desclassificação do crime de concussão imputado aos acusados pela


denúncia.

De acordo com a inicial acusatória, os acusados montaram uma blitz para


extorquir o empresário Gog Li. Assim, abordaram o veículo conduzido pelo
empresário, apresentando-se como policiais. No ato procederam a busca no
veículo, momento no qual descobriram um revólver calibre 38 com
numeração raspada que estava escondido embaixo do banco do motorista.
Com base nisso, passaram a exigir a quantia de R$20.000,00 (vinte mil reais)
para não efetuar a prisão. Todavia tal ameaça não foi suficiente para incutir o
temor necessário e, consequentemente, obter a vantagem da vítima.

Nesse ponto, cabe a ressalva de que até o presente momento da empreitada


criminosa perpetrada pelo agente, a conduta praticada por eles se subsume
ao crime de concussão previsto no art. 316 do CP.

A conduta típica da concussão se caracteriza no fato do funcionário público


exigir vantagem indevida abusando de sua autoridade como meio de
coação (metusauctorictatis causa). Desse modo, a intimidação exercida
sobre o particular deve de algum modo estar associada à atribuição do
agente.

Portanto, no momento em que abordaram a vítima e exigiram a vantagem


indevida para não a autuarem em flagrante delito, a conduta teria tudo para
incidir na tipificação do art. 316 do CP. Todavia, como a intimidação exercida
pelos policiais não foi apta o suficiente para causar constrangimento ou temor
à vítima, confirmando tal afirmação o fato de Gog Li negar o pagamento e
dizer que poderiam levar-lhe para delegacia, pois seria liberado na mesma
hora, a conduta praticada mostrou-se atípica.

Contudo, não satisfeitos, os acusados continuaram na empreitada criminosa


e, conforme a denúncia, “os policiais falaram que se o pagamento não fosse
feito iriam matá-lo, arrancar seus olhos e mandar de presente para seus filhos.
Então colocaram Gog Li no porta-malas da viatura e passaram a dar voltas
pela cidade durante duas horas, período em que repetiram as ameaças.”

Assim, os acusados, apesar do insucesso inicial, evoluíram na empreitada


criminosa e as novas condutas praticadas se amoldam ao tipo do art. 158, §3º
do CP.

De acordo com a doutrina penalista, a diferença entre o crime de


concussão e extorsão é sutil. Nesta, a vítima é constrangida mediante
violência ou grave ameaça a entregar indevida vantagem econômica ao
agente, naquela, contudo, o funcionário público deve exigir a indevida
vantagem sem o uso da violência ou grave ameaça, pois a intimidação seria
inerente ao cargo exercido.
Também, para efeitos de reconhecimento do delito de concussão, a ameaça
feita sobre a vítima deve estar ligada de alguma forma à função do agente,
ou seja, a vítima se intimida com a exigência porque teme algum tipo de
retaliação em razão da função do agente. No entanto, se a ameaça
praticada por funcionário não trouxer relação com às suas funções ou
ultrapassá-la, o fato se amoldará ao delito de extorsão.

No caso em tela, constata-se que a vítima efetivamente se sentiu ameaçada


não pelo status social de funcionários públicos dos policiais, mas sim pela
ameaça de que seria morto e seus olhos enviados aos seus filhos, fato este
que, somado à restrição da liberdade, inspirou o temor necessário à
consumação do crime de extorsão qualificado pela restrição da liberdade da
vítima, previsto no art. 158, §3º do CP.

O fato dos policiais terem colocado a vítima no porta malas da viatura por
duas horas desferindo graves ameaças foi essencial para incutir o temor sobre
a vítima, mostrando ser condição necessária para obtenção da vantagem
econômica, até pela postura e tenacidade da vítima que não se deixou
abalar pela intimidação inicial feita pelos agentes.

Portanto, a conduta perpetrada pelos policiais se enquadra no crime de


extorsão qualificada pela restrição da liberdade, também conhecida como
“sequestro relâmpago” prevista no art. 158, §3º do CP.

Nesses termos, a desclassificação, nos moldes do art. 383 do CPP, da


tipificação original imputada à conduta dos réus pelo Ministério Público é
medida necessária. Portanto, desclassifico a tipificação feita pelo MP, eis que
a conduta praticada se subsume ao crime tipificado no art. 158, §3º do CP.

c) Materialidade e Autoria do crime do art. 158, §3º do CP

A materialidade do crime do art. 158, §3º do CP decorre da narrativa fática


coerente e firme da vítima através da qual relata todo o conjunto fático
praticado pelos acusados em seus pormenores.

O crime de extorsão é classificado como crime formal, ou seja, a sua


consumação ocorre com a simples exigência da vantagem econômica.
Assim, o advento de resultado naturalística é despiciendo para a
consumação do crime, representando mera fase de exaurimento.

Com base nessa premissa, não há necessidade do resultado para que a


extorsão se consume. Portanto, a palavra da vítima nesses crimes é de
extrema valia, especialmente quando ela descreve com firmeza o “modus
operandi” e reconhece as pessoas que praticaram o delito, até porque esses
crimes patrimoniais geralmente são praticados às escondidas. Desse modo,
sem resultado naturalístico e sem testemunhas, é de relevo o relato da vítima.

No caso em tela, a palavra do empresário foi firme e coerente, descrevendo


todo o desenvolvimento do crime praticado pelos agentes. Além disso, não
há informações nos autos de que a vítima nutrisse algum sentimento de
inimizade ou vingança em relação aos acusados, a ponto de imputar-lhes,
falsamente, a prática criminosa. Entre vítima e acusados não há notícias de
qualquer vínculo que não a prática criminosa e também não houve
contradita nesse sentido no momento da oitiva do empresário, apesar de ter
sido oportunizado contraditório e a ampla defesa à defesa técnica.

Não bastasse isso, os agentes lograram êxito no recebimento do valor exigido


(exaurimento do crime), fato que ficou comprovado pelas filmagens das
câmeras de segurança do banco que flagraram a vítima retirando dinheiro
do caixa eletrônico e, posteriormente, reunindo-se com os acusados na porta
do banco. Também houve a juntada de comprovante de depósito de saque
no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais).

Ora, porque motivo a vítima se dirigiria a um banco, faria a retirada desse


valor considerável e entregaria aos acusados se não havia entre eles qualquer
relação a justificar tal ato.

Assim, a palavra da vítima harmônica e contundente sobre o


desenvolvimento da empreitada criminosa em conjunto com as imagens da
câmera de segurança e comprovante de saque revelam a materialidade do
crime.

A autoria do crime também resta provada pelo depoimento da vítima, bem


como pelas imagens da câmera de segurança comprovando o exaurimento
do crime através do recebimento pelos acusados da indevida vantagem
econômica.

Concluindo, autoria e materialidade estão mais que evidenciadas pelo


conjunto probatório constante nos autos, pelo que a convicção deste juízo
está consolidada no sentido da prática do crime do art.158, §3º do CP pelos
acusados.
d) Da conduta imputada aos acusados de prevaricação

O órgão ministerial pleiteou a condenação dos réus como incursos nas penas
do art. 319 do CP pelo fato de deixarem de autuar Gog Li por porte ilegal de
arma de fogo.

A prevaricação consiste no fato do agente público se desgarrar da finalidade


pública que deve nortear a sua conduta, atuando ou deliberadamente
deixando de agir a fim de satisfazer interesse pessoal.

Nessa toada, observa-se que no tipo do art. 319 exige a presença do


elemento subjetivo positivo do tipo “para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal”. Assim, o agir ou se omitir deve estar direcionado ao fim específico de
satisfazer interesse pessoal ou sentimento pessoal, colocando o seu interesse
particular acima do interesse público.

Como magistralmente pontifica Basileu Garcia, o interesse pessoal não deve


ser de natureza material, pois nesse caso outro seria o delito, a depender da
conduta a ser praticada, eis que a prevaricação é delito menos grave, ao
qual se destinam penas reduzidas. Sentimento pessoal é expressão que
abarca uma série de motivos, entre eles, o ódio, o despeito, a inveja e mesmo
o amor ou a simples amizade. É possível prevaricar tanto com o intuito de
prejudicar quanto com o fito de favorecer.

No caso em foco, a conduta não foi animada por motivo de ordem


sentimental. Em verdade, a causa determinante da conduta dos acusados foi
de natureza material. Os acusados objetivavam receber a vantagem
pecuniária indevida do empresário e para isso empregaram ameaças e
privação da liberdade da vítima.

Portanto, o art. 316 pune o crime menos grave e o art. 158, §3º o mais grave,
havendo uma relação de subsidiariedade da prevaricação em relação à
extorsão e, tendo em vista que a conduta praticada se amolda ao crime de
extorsão, é cabível a aplicação do princípio da subsidiariedade (lex primaria
derogatlegisubsidiarae) para deixar de punir os acusados pelo crime de
prevaricação em concurso com a extorsão, como pretende a acusação.

e) Da extinção da punibilidade do acusado Junior Autista por sua morte

A acusação requereu, em suas alegações finais, a absolvição do acusado


Junior Autista em razão de sua morte no curso do processo.
Nesse momento é necessário um aparte. De acordo com o enfoque analítico
do conceito de crime, este se caracteriza pela prática de um fato típico, ilícito
e culpável, tendo sido a teoria tripartite do crime adotada pela maioria dos
penalistas brasileiros, embora não se desconheça a existência de vozes
(Basileu Garcia) que acrescentam mais um elemento (punibilidade) na
configuração do conceito analítico de crime.

Assim, adotando a posição largamente adotada pela doutrina penalista


brasileira da concepção tripartite do enfoque analítico do conceito de crime,
presentes os três elementos, o direito de punir do estado se concretiza e surge
a punibilidade. Esta não se confunde com substratos do crime, mas sua
consequência jurídica.

Dessa forma, com a morte do acusado, não há que se falar em absolvição,


pois presentes todos os elementos que caracterizam o crime; mas cabe falar
em extinção do direito de punir do Estado, na forma do art. 107, I do CP.

Por amor ao debate, é certo que, em alguns casos, uma conduta tipificada
penalmente também pode se materializar em ilícito cível, acarretando para a
vítima pretensão de cunho indenizatório.

Assim, em que pese a regra ser a independência entre as esferas, a sentença


condenatória torna certa a obrigação de reparar danos, constituindo-se em
título executivo que pode ser executado no juízo cível, não cabendo mais a
discussão sobre a autoria e materialidade. Já no que diz respeito à sentença
absolutória, ela também traz reflexos na esfera cível, inviabilizando, salvo raras
exceções, a deflagração da ação civil reparatória.

Portanto, o reconhecimento da absolvição ao arrepio da técnica poderá


trazer repercussões indesejadas à vítima, que poderá ter seu direito
indenizatório em face do espólio do acusado cerceado.

Desse modo, é cabível a aplicação da extinção da punibilidade com base na


certidão de óbito acostada aos autos, eis que o instituto extingue os efeitos
principais e secundários da sentença condenatória, permanecendo os
extrapenais (a decisão definitiva que conserva a qualidade de título executivo
judicial), sendo esta a medida mais afinada com a técnica.

3) DISPOSITIVO

Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na


denúncia para condenar PAULO CARA DE PATA, já qualificado, como incurso
nas sanções previstas no art. 158, §3º do Código Penal. Por tudo que consta
nos autos, em especial a certidão de óbito, JULGO, por sentença, EXTINTA A
PUNIBILIDADE de JUNIOR AUTISTA, devidamente qualificado, com fulcro no art.
107, I do CP.

3.1) Dosimetria de Paulo Cara de Pata quanto ao crime do art.158, §3º do CP

Assim, atendendo ao disposto no art. 59 e art. 68 do Código Penal, passo à


aplicação da pena que reputo necessária e suficiente para a reprovação e
prevenção do crime.

Pena base: Quanto à culpabilidade, o fato do réu ser policial civil e utilizar o
poder de intimidação que seu cargo oferece para exigir indevidamente
vantagem econômica, desvirtuando-se de suas funções inatas revelam uma
culpabilidade exacerbada, mas tal fato será considerado como agravante
na segunda fase, pelo que deixo de valorar negativamente nesse momento.
No entanto, verifica-se que o crime foi premeditado pelo réu que montou
todo uma situação fática para ter acesso à vítima. Portanto, o juízo de
reprovabilidade do agente que comete o crime de forma previamente
pensada deve ser maior do que a que recai sobre o agente que age no
impulso e no calor do momento, pois as chances do criminoso de momento
lograr êxito e ferir o bem jurídico tutelado são bem menores. Quanto aos
antecedentes, não há notícia nos autos de condenação anterior transitada
em julgado. No tocante à personalidade e à conduta social não há
elementos de prova nos autos que possibilitem a análise dessas circunstâncias
judiciais. Quanto aos motivos, intuito de ganho fácil e vantagem patrimonial
indevida já foi levada em consideração pelo legislador ao prever o tipo penal,
pelo que deixo de valorar para evitar bis in idem. As circunstâncias do crime
ultrapassaram o previsto no tipo, pois o cerceamento da liberdade da vítima
foi feita através da colocação da mesma em um porta malas. Tal conduta
chega à beira da desumanidade, pois o porta malas de um carro é local
apertado para a estrutura de um homem, sem iluminação, com ar rarefeito,
com extrema limitação de movimentos e com temperatura alta, sendo que
tal situação perdurou por duas horas. Assim, como o cerceamento de
liberdade poderia ter sido feito de outras formas menos gravosas à vítima, a
escolha do meio mais danoso merece valoração negativa. O
comportamento da vítima não se mostrou apto a colaborar com a prática do
delito, não havendo provocação ou negligência de sua parte.
Ante a valoração negativa da culpabilidade e das circunstâncias do crime,
fixo a pena base em 07 (sete) anos e 06 (três) meses de reclusão.
Pena intermediária: No caso, o réu agiu mediante dissimulação, pois houve o
emprego do artifício da blitz policial falsa, pois o intuito não era repreender
crimes e sim praticar uma infração penal, assim está presente a agravante do
art. 61, II, “c”, 3ª figura do CP. Também está presente a agravante do art. 61, II,
“g”, 2º figura, pois o agente violou dever inerente ao seu cargo de policial
civil, pois o seu atuar deveria se dar na repreensão de práticas criminosas. Sem
atenuantes. Pela ausência de percentual fixado por lei no caso de
reconhecimento de agravante ou atenuantes, utilizo o valor de 1/6
consagrado pelo doutrina para cada uma das agravantes verificados e fixo a
pena-intermediária em 10 (dez) anos de reclusão.
Pena definitiva: Não há causa de diminuição de pena. Mas há causa de
aumento prevista no art. 158, §1º do CP, pois o crime foi cometido em
concurso de pessoas. Assim, aplico o percentual mínimo e aumento a pena
em 1/3, restando a pena final fixada em 13 (treze) anos de reclusão.
A pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de
liberdade fixada, aplicando-se o art. 49 do CP. Assim, a pena de multa restou
fixada em 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa. Não há informações sobre a
situação econômica do réu, pelo que fixo o valor do dia-multa em 1/30 avos
do valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Fixo em inicialmente fechado o regime de cumprimento de pena, nos termos
do art. 33, §2º, "a" do CP.
No tocante à detração penal, não se desconhece a literalidade do art. 387,
§2º do CPP, segundo o qual a detração deverá ser feita antes da fixação de
regime; no entanto, por fins didáticos, bem como para propiciar uma melhor
análise da matéria em eventual recurso e, também, garantir um efetivo
contraditório e ampla defesa, a análise será feita nesse momento, até porque
isso não causará prejuízo ao réu. Portanto, determino à secretaria que elabore
certidão a respeito da ocorrência de prisão provisória e, caso tenha havido, o
tempo em que ficou preso para fins de fixação de um novo regime, o que
será colocado na guia de execução provisória.
Pelo quantum da pena, não é cabível a substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos, bem como fica afastada a suspensão
condicional da pena.
Tendo em vista a forma como o réu praticou o crime, colocando a vítima em
um porta-malas por duas horas, bem como o fato de ter se valido da
autoridade inerente à sua função para facilitar o acesso à vítima e, ainda, o
fato de ter premeditado toda a empreitada criminosa, a prisão cautelar do
réu é necessária para evitar reiteração criminosa e manter a ordem pública,
nos termos do art. 312 do CPP, não sendo o caso de aplicação de outras
medidas cautelares diversas, por não se mostrarem suficientes. Assim, nego o
direito do réu de recorrer em liberdade, na forma do art. 387, §1º do CPP.
Tendo em vista a atual posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de
que a fixação do valor mínimo a título de reparação dos danos causados
pela infração, na forma do art. 387, IV do CPP, exige o pedido expresso do MP
ou da vítima no bojo da ação penal, bem como o exercício do contraditório
e da ampla defesa sobre tal pedido, deixo de fixar o valor, sem prejuízo de
que tal pretensão seja deduzida no juízo competente.
No tocante ao pedido de perda do cargo público do réu, este é um efeito
não automático da sentença penal condenatória, que exige fundamentação
em caso de acolhimento e preenchimento de alguns requisitos. No caso do
art. 92, I, “a” do CP exige-se que a pena privativa de liberdade seja superior a
um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de poder
para com a Administração Pública. Já no caso do art. 92, I, “b” do CP exige-se
tão somente que a pena privativa de liberdade seja superior a 4 anos.
Como a aplicação desse efeito necessita de prévia definição do quantum da
pena a ser efetivamente aplicada, por razões lógicas, tal análise deve ser feita
nesse momento.
No caso em questão, tendo em vista que a pena final aplicada foi de 13
(treze) anos de reclusão, o requisito objetivo está preenchido para as duas
hipóteses previstas no CP. Todavia, o art. 92, I, "a" do CP exige também que a
conduta praticada tenha violado os deveres para com a Administração
Pública, fato este que efetivamente ocorreu no caso concreto, pois o réu não
apresentou o comportamento desejado dos que ocupam um cargo com
tamanha importância social, inclusive quando se detêm autoridade pública
por atuar em nome do Estado. Assim, ao agir tutelando seu próprio interesse
em prejuízo do interesse público e utilizando da autoridade e poder que o
cargo lhe confere para obter a vantagem ilícita, apresentou comportamento
inadequado para um policial civil afastando-se de suas funções precípuas.
Dessa forma, houve violação à confiança e aos deveres depositados pela
Administração, pelo que o réu não apresenta os requisitos mínimos necessários
para continuar exercendo o cargo público.
Com base em todo o explanado, o pedido de decretação de perda do
cargo é procedente.

4) DISPOSIÇÕES FINAIS

Condeno os réu PAULO CARA DE PATA, bem como o inventário do réu JUNIOR
AUTISTA, ao pagamento das custas processuais, na forma do art. 804 do CPP
Após o trânsito em julgado desta decisão, determino:
a) seja lançado o nome do réu PAULO CARA DE PATA no rol dos culpados.
b) proceda-se o recolhimento do valor referente à pena de multa, na forma
do art. 50 do CP c/c art. 686 do CPP.
c) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando a
condenação do réu PAULO CARA DE PATA, com a devida identificação,
acompanhada de fotocópia da presente decisão, na forma do art. 71, §2º do
Código Eleitoral c/c art. 15, III da CRFB/88.
d) Decreto a perda do cargo de policial civil do réu PAULO CARA DE PATA
policial e, após o trânsito em julgado desta decisão, comunique-se o Chefe
de Polícia Civil para o cumprimento desta providência judicial.
e) Decreto a perda do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em poder dos réus
em razão da prática delituosa em favo da vítima, eis que o referido valor saiu
de seu patrimônio de forma indevida e deve reingressar.
f) Expeça-se o competente mandado de prisão em nome do réu PAULO
CARA DE PATA para cumprimento imediato, tendo em vista a negativa de
concessão do direito de recorrer solto (art. 387, §1º do CPP) ou aplicação de
outra medida cautelar diversa da prisão.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se pessoalmente o réu, o Ministério Público e o Defensor Público.
(Local) e (Data).
Juiz de Direito.

Andressa Luara H Rosado Fernandes, de Mossoró/RN,

FUNTAMENTAÇÃO:

vistos.

Trata-se de Ação Penal Pública Incondicionada manejada pelo Ministério


Público do Estado de XXXX (artigo 129, I da CF), objetivando apurar a
responsabilidade criminal de Paulo Cara de Pata e Júnior Autista, ambos
qualificados na denúncia (folhas __/__), como incursos nos artigos 316 e 319,
ambos do Código Penal.

a)- Preliminar de nulidade processual:

Foi alegado pela defesa nulidade processual por prejuízo a aplicação do


princípio da ampla defesa, diante do deferimento pelo juiz do pedido de
retirada dos réus da sala de audiência, atendendo ao pedido da vítima, no
momento do seu depoimento pessoal. Dessa forma, os réus entenderam por
prejudicado o seu direito de defesa, pois não presenciaram o depoimento
pessoal prestado pela vítima.
O lastro principal dos autos é a conduta dos réus em exigir dinheiro, inclusive
com ameaças a vida da vítima. Os réus são policiais, ou seja, pessoas com
grande poder de intimidação.

A legislação processual penal autoriza que o juiz proceda a retirado do réu da


sala de audiência quando as testemunhas ou o ofendido se sinta intimidado
por aquele, conforme os ditames do artigo 217 do CPP.

A intenção do legislador foi garantir a livre produção da prova, para alcançar


a maior fidelidade possível da realidade, na busca da verdade processual.

Ademais, vigora na jurisprudência o princípio que não haverá nulidade


quando não houver demonstração de prejuízo. Os réus não demonstraram
nenhum prejuízo concreto advindo da decisão do juiz.

Dessa forma, entendo correta a decisão que ordenou a retirada dos réus da
sala de audiência no momento do depoimento pessoal do ofendido.

b)- provas colhidas na fase do Inquérito Policial:

A defesa alegou impossibilidade de condenação na presente demanda em


razão das provas terem sido colhidas unicamente na fase do Inquérito Policial.

O artigo 155 do CPP estabelece que "o juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar a sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas".

O artigo em questão exige para a condenação que a prova seja produzida


em contraditório judicial, vedando a possibilidade de condenação apenas
em elementos informativos colhidos na fase da investigação policial. Porém, o
dispositivo legal faz a ressalva de três modalidades de provas produzidas na
fase do inquérito policial que podem ensejar a condenação, são elas: as
provas cautelares, as provas não repetíveis e as provas antecipadas.

As provas cautelares são provas que precisão ser antecipadas para que
surtam o efeito desejado. Em regra, é indispensável autorização judicial. É o
caso de uma interceptação telefônica.

As provas não repetíveis são provas que precisam ser colhidas no momento
da ocorrência do fato, pois desaparecem após aquele momento e, por esse
motivo, prescinde de autorização judicial, como por exemplo o exame de
corpo de delito. Aqui o contraditório existe, só que em momento posterior, ou
seja, na instrução processual.

E por fim, as provas antecipadas são provas colhidas na presença do juiz de


direito, com contraditório real, no momento da realização da prova, em
virtude da urgência, necessidade e relevância, como por exemplo, o
depoimento de uma testemunha enferma.

No caso concreto, as provas colhidas foram: a filmagem do banco e o recibo


da conta corrente da vítima (folhas __ e __, respectivamente).

É de se notar que as provas foram apresentadas aos autos na fase do


inquérito e não poderiam ser repetidas na fase de instrução processual, pois
estas já foram realizadas, tendo sido realizado na fase processual o
contraditório acerca da prova, momento que foi ofertado aos réus prazo para
defesa e audiência de instrução, onde ocorreu o interrogatório dos acusados.

Não houve testemunhas para o caso, seja de acusação, seja de defesa.

Nessa toada, a questão dos autos é vinculada a exceção trazida pelo artigo
155 do CPP, tratando-se de provas não repetíveis. Ademais, houve
contraditório acerca das provas, momento em que se manifestaram
acusação e defesa (folhas __/__).

Inexiste prejuízo. Presente no CPP norma autorizadora. Portanto, entendo


prejudicada a alegação da defesa.

c)- Conduta típica:

O Ministério Público denunciou os réus como incursos nos artigos 316 e 319,
ambos do Código Penal. A defesa argumentou que, em caso de
condenação, esta deveria ser lastreada no artigo 317 do Código Penal.

A materialidade do crime se configura com a presença da filmagem das


vítimas envolvidas e o recibo da conta corrente da vítima.

A conduta dos réus está presente no ato de extorquir a vítima.

Ambos os réus praticaram a mesma conduta, pois agiram em conjunto.


Premeditaram uma blitz para extorquir a vítima. Quando abordaram o carro
da vítima, encontraram um revolver calibre 38 (trinta e oito), com numeração
raspada, escondida em baixo do banco do carro.

No momento em que encontraram a arma, exigiram da vítima a quantia de


R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para que não fosse realizado auto de flagrante. A
vítima não cedeu a exigência. Foi ameaçada e colocada no porta malas da
viatura dos policiais, ora acusados, passando a dar voltas pela cidade,
continuando as ameaças.

A gravação acostada as folhas__/__ demonstra que a vítima se dirigiu ao


banco onde possui conta corrente e logo e seguida aparece nas filmagens a
vítima reunida com os policiais na porta da agência bancária.

O recibo da conta corrente da vítima retrata um saque no valor de R$


20.000,00 (vinte mil reais) no intervalo de tempo exato da filmagem (folhas
__/__), fato que comprova o saque para se entregue aos policiais.

A vítima foi contundente em seu depoimento, não existindo contradições


entre o seu depoimento na fase policial e o seu depoimento na fase
processual. O depoimento do ofendido é um meio de prova, conforme artigo
201 do CPP, devendo ser sopesado e medido, conforme as circunstâncias do
caso. Ademias, a jurisprudência é firme no sentido de que, nos crimes contra o
patrimônio, a palavra da vítima merece especial relevância, principalmente
quando coerentes com os demais elementos dos autos.

A conduta criminosa foi praticada na clandestinidade, sem a presença de


testemunhas, não existindo expectadores, por esse motivo é que o
depoimento do ofendido merece destaque e relevância.

O dolo dos agentes está presente na vontade e consciência de extorquir a


vítima para obter vantagem econômica, sem qualquer finalidade especial, ou
seja, pelo simples motivo de lucro fácil dos policiais.

Conforme o depoimento da vítima, houve ameaças fortes em matá-la,


arrancar seus olhos e entregá-los de presente para os seus filhos.

A vítima foi colocada no porta malas da viatura policial e passou algumas


horas sendo amedrontada com ameaças e privação da liberdade, com o
único intuído de entregar aos réus a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
c.1)- descaracterização do delito de concursão:

A conduta descrita na inicial e comprovada pelos elementos contidos nos


autos não corresponde a conduta descrita no artigo 316 do CP, pois para a
caracterização do delito a exigência do réu deve ser unicamente para a
obtenção de vantagem indevida, em razão da função pública exercida. Não
exige o tipo penal a presença de violência ou grave ameaça. Presente esta
figura o delito deixa de ser concursão e passa a ser extorsão (artigo 158/CP).

Diante da similitude entre a extorsão e a concussão, necessário se torna a sua


distinção. Nesta, a ameaça diz respeito à função pública e às represálias
prometidas, expressa ou implicitamente, a ela se referem. Havendo violência,
ou ameaça de mal estranho à qualidade ou função do agente, ocorre
extorsão.

Logo, no caso em análise, entendo que a presença de ameaça e privação


da liberdade da vítima para a obtenção de vantagem indevida fogem a
linha de desdobramento natural da função pública de policial, se afastando
do tipo penal previsto no artigo 316, ao passo que caracteriza o delito previsto
no artigo 158, §3º do CP.

c.2)-descaracterização do delito de prevaricação:

A conduta típica prevista no artigo 319 do CP exige para a sua configuração


o dolo específico do agente de satisfazer de interesse ou sentimento pessoal.
Não se trata de vantagem econômica, mas apenas a satisfação íntima de
sentimento pessoal.

Não existe nos autos caracterização da mencionada conduta, pois resta


clarividente o fim econômico, material, de lucro fácil, buscado pelos agentes.

c.3)- descaracterização do delito de corrupção passiva:

O delito previsto no artigo 317 do CP exige do agente o dolo de solicitar ou


receber vantagem indevida em razão da função pública.

Porém, entendo que ficou comprovado nos autos que a conduta do agente
não foi a de solicitar ou receber vantagem indevida em razão da sua função
de policial, mas sim de extorquir a vítima, afim de obter vantagem
econômica, mediante grave ameaça e privação de liberdade.
Restou comprovado que o dolo do agente foi bem além do simples solicitar
ou receber, pois a privação da liberdade é medida bem mais rígida e
intimidadora que o fim querido no tipo da corrupção passiva.

d)- extinção da punibilidade:

No dia seguinte a audiência de instrução o réu Júnior Autista foi morto em


serviço, tendo sido acostada aos autos a devida Certidão de Óbito (folha __).

O Ministério Público, em sede de alegações finais, pugnou pela absolvição do


referido réu, em razão do falecimento (folhas __/__).

Sucede que a Lei Processual Penal em seu artigo 62 determina que em caso
de morte do acusado o juiz declarará extinta a punibilidade, mas apenas
após a juntada nos autos da Certidão de Óbito.

Ainda, o artigo 61 do mesmo diploma legal estabelece que o juiz, quando


presente qualquer causa extintiva da punibilidade, deverá declará-la de
ofício .

Portanto, comprovada a morte do acusado Júnior Autista, declaro extinta a


sua punibilidade com fulcro no artigo 107, I do Código Penal.

e)- do Emendatio Libelli:

Por tudo que dos autos consta, invoco a aplicação do artigo 383 do CPP para
tipificar os réus como incursos nos artigos 158, §3º e 61, II, alínea g do CP.
Porém, extingo a punibilidade do réu Júnior Autista, em virtude da sua morte,
com fulcro no artigo 107, I, também do CP. A aplicação do artigo 383 do CPP
não configura violação a ampla defesa, uma vez que os réus se defendem
dos fatos trazidos aos autos e não da tipificação penal.

DISPOSITIVO:

Posto isso, julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo Ministério


Público, nos termos do artigo 387 do CPP, para condenar o Réu Paulo Cara de
Pata como incurso nos artigos 158, §3º e 61, II, alínea g do CP e extinguir a
punibilidade do Réu Júnior Autista, com fulcro no artigo 107, I do CP.

Passo a dosimetria da pena do Réu Paulo Cara de Pata, nos moldes do artigo
68 do CP:
Analisando as circunstâncias do artigo 59 do CP entendo que a culpabilidade
merece censura, pois o delito foi premeditado pelo réu; não existem
antecedentes criminais; a condutasocial e a personalidade do agente não
merecem ser valoradas por faltar elementos definidores; os motivos do crime
foram inerentes a espécie; as circunstâncias do crime são reprováveis, pois os
agentes agiram no ato de uma blitz policial e utilizaram a viatura policial para
coagir a vítima; as consequências são as esperadas pelo delito, deixo de
valorar; a vítimaem nadacolaborou para o delito. Portanto, após a análise
individual fixo a pena base em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 50
(cinquenta) dias-multas, no valor de 1/30 (um trinta avos) do valor do salário
mínimo vigente a época do fato delituoso, por não existirem elementos
suficientes para auferir a capacidade econômica do réu, nos termos do artigo
60, caput do CP.
Não concorrem circunstâncias atenuante. Presente a circunstância agravante
do artigo 61, II, g do CP, por ter o agente praticado o delito com abuso de
poder, agravo a pena em 1 (um) ano e 3 (três) meses, passando a dosá-la em
8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão.
Não concorrem causas de diminuição ou de aumento, razão pela qual fixo
como a pena definitiva em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser
cumprida em regime inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, §2º, a do
CP.
Impraticável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos por não preencher os requisitos do artigo 44 do CP.
Ausentes as circunstâncias do artigo 312 e 313 do CPP, mantenho o réu em
liberdade até o trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 596 do
CPP.
Condeno o réu Paulo Cara de Pata ao ressarcimento à vítima do valor do
prejuízo comprovado nos autos, a saber, R$ 20.000,00 (vinte e mil reais),
corrigidos monetariamente e com juros legais desde efetivo prejuízo.
Condeno ainda o réu ao pagamento das custas processuais.
Declaro a perda do cargo de Policial Civil do agente Paulo Cara de Pata, nos
termos do artigo 92, I, a do CP.
Após o trânsito em julgado tomem-se as seguintes providências: lance-se o
nome do réu no "rol dos culpados"; expeça-se ofício à Justiça Federal acerca
dos efeitos políticos da sentença; oficie-se a Chefia da Polícia Civil do Estado
acerca da condenação do Réu; expeça-se a guia de execução da pena
privativa de liberdade; proceda-se ao recolhimento do valor referente a pena
de multa, nos termos do artigo 686 do CPP; oficie-se o órgão estadual
responsável pelo cadastro de dados criminais, dando-lhe conhecimento do
resultado do julgamento; oficie-se o Ministério Público acerca da conduta da
vítima de portar arma de fogo de calibre 38 (trinta e oito) no interior do seu
veículo, conforme relatado nos autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Local e Data
Juiz de Direito

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