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1) SENTENÇA ESTADUAL
RODADA 04.2014
1) Paulo Cara de Pata, policial civil da DAS (Divisão Anti Sequestro) montou
uma blitz para extorquir o empresário chinês GogLi. Assim, juntamente com seu
parceiro Júnior Autista, abordou o veículo conduzido pelo oriental,
apresentando-se como policiais. Procederam a busca no veículo,
oportunidade em que descobriram um revólver 38, com numeração raspada,
escondido embaixo do banco do motorista.
Ato contínuo, exigiram a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para não
efetuar a prisão. Gog Li negou e disse que poderiam levar-lhe para a
Delegacia, pois seria liberado na mesma hora.
Assim, os policiais falaram que se o pagamento não fosse feito iriam matá-lo,
arrancar seus olhos e mandar de presente para seus filhos. Então, colocaram
Gog Li no porta-malas da viatura e passaram a dar voltas pela cidade
durante duas horas, período em que repetiram as ameaças.
COMENTÁRIOS
Preliminares
Não há que se falar em nulidade a conduta do magistrado que defere pleito para retirada do
réu da sala de audiências no momento em que vítima ou testemunha vá prestar depoimento. O
artigo 217 do CPP prevê autorização expressa nesse sentido: “Se o juiz verificar que a
presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou
ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por
videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu,
prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor”.
Extinção de punibilidade
Mencionar que é caso de extinção de punibilidade de autista, haja vista a comprovação cabal
da morte, conforme certidão de óbito juntada aos autos.
Mérito
Emendatio libelli
De início, melhor que seja procedida a emendatio libelli da conduta prevista no art. 316 do
CP. Apesar de tipificada pelo Ministério Público no art. 316 do CP, a conduta melhor se
amolda ao art. 158 do CP. Em primeiro lugar, as elementares “violência ou grave ameaça”
fazem com que a conduta melhor se coloque no art. 158 do CP, em adoção ao princípio da
especialidade. Além disso, quando o mal prometido - matar - não se encontra nas atribuições
do agente público, não há que se falar em concussão, pois neste caso, é pressuposto certo
receio em relação à conduta funcional do servidor. Havendo ameaça de morte, a vítima não
teme o cargo e o que eventualmente o servidor possa fazer no seu exercício.
Também não se mostra correta a cumulação material do art. 158 com o art. 316 do CP.
Embora, num primeiro momento, o mal anunciado - prisão - se encontre nos limites da atuação
funcional do réu, fato capaz de tipificar a conduta no art. 316 do CP, o réu abandona essa
conduta (exigir em razão do cargo) e passa a constranger com emprego de violência ou grave
ameaça.
Nesse aspecto, como o fim visado pelo réu sempre foi o de obter dinheiro, seja quando
ameaçou de prender a vítima, seja quando ameaçou mata-la, é de se admitir progressão
criminosa. Sendo única a finalidade, e clara hipótese de consunção, trata-se de hipótese de
crime único (art. 158 do CP).
Esse o quadro, com fundamento no art. 383 do CPP, deve-se alterar a classificação jurídica do
fato narrado para o art. 158 do CP.
Em seguida, como houve restrição da liberdade por tempo relevante e, além disso, essa
privação foi condição necessária para a prática do crime, visto que o tempo acabou por
“convencer” a vítima que o melhor era, de fato, ceder à pressão e pagar o dinheiro exigido,
deve ser reconhecida a qualificadora do parágrafo 3º do art. 158 do CP.
Por fim, não obstante a posição topográfica do parágrafo 3º do art. 158 do CP, é necessário o
reconhecimento da majorante inserta no parágrafo 1º do art. 158 do CP, referente ao emprego
de arma e concurso de pessoas.
Provas
Não há que se falar em condenação com base em provas colhidas exclusivamente na fase do
inquérito policial. Primeiro, porque há, no caso, a exceção contida no próprio art. 155 do
CPP, haja vista que as filmagens são provas irrepetíveis. Como se não bastasse o quadro, a
vítima ratificou, em juízo, tudo que havia falado antes. Embora seja a palavra de um contra os
outros, em crimes como este, cometidos às escondidas, é de ser dado especial relevo à versão
da vítima, principalmente se coerente com o contexto probatório existente nos autos.
Firme nessas premissas, soa mais que estranho a presença dos réus em frente à agência
bancária onde foi sacada a importância de R$ 20.000,00, conforme comprovante bancário
juntado aos autos.
Prevaricação
Quando o servidor público deixa de fazer algo, no caso, efetuar a prisão em flagrante, com
objetivo de obter vantagem financeira, impossível o reconhecimento da prevaricação. Importa
salientar que o tipo previsto no art. 319 do CP exige sentimento pessoal, como ódio, inveja,
amor, amizade, e não intenção de lucro. O interesse material colide com o crime de
prevaricação, razão pela qual a conduta não há de ser tipificada, também, no art. 319 do CP.
Dispositivo
Deve ser julgado parcialmente procedente o pedido para condenar o réu Paulo Cara de Pato
nas penas do art. 158, parágrafos 1º e 3º do CP.
Declararextinta a punibilidade de Júnior Autista com fundamento no art. 107, I, do CP c/c art.
386 do CPP.
Sugiro que o candidato não some as penas no dispositivo. Deixe para fazê-lo após.
Não julgue a ação procedente. Não julgue o processo procedente. Julgue os pedidos
formulados na denúncia procedentes ou não.
Dosimetria
Primeira fase
A culpabilidade é grave por ser o réu integrante de força policial e, além disso, especializada
justamente na repressão de sequestros.
As circunstâncias do crime são igualmente negativas, tendo em vista o teor cruel e agudo das
ameaças dirigidas à vítima, que ouviu que além de ser morta, seus olhos seriam mandados
para seus filhos, o que suplanta o aceitável nessa espécie criminosa.
As consequências do crime são gravosas, vez que o valor extorquido da vítima não foi
devolvido e os traumas psicológicos nessa espécie de crimes são duradouros.
Segunda fase
Providências finais
Também deve ser analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do CP. Se a soma das penas ficar igual ou menor
que 04 anos, deve ser substituída por restritivas.
Conforme artigo 387, parágrafo 1º, do CPP, o juiz decidirá a respeito da manutenção da
prisão anteriormente decretada, eventual decretação de prisão preventiva ou outra medida
cautelar. No caso em tela, não obstante a gravidade dos fatos, entendemos que considerando
que o réu respondeu ao processo em liberdade e que o não há necessidade de imediata prisão.
Se entender o caso de decretar, é imprescindível que sejam declinados motivos concretos para
qualquer decisão a ser tomada. O candidato deve evitar os jargões que digam, simplesmente,
que estão ausentes ou presentes os requisitos do artigo 312 do CPP.
Não há que ser feita análise de detração, visto que não houve prisão cautelar (artigo 387,
parágrafo 2º, do CPP).
Deve ser comunicação ao TRE após o trânsito em julgado; inserir no rol dos culpados após o
trânsito em julgado; analisar fixação do valor mínimo para reparação do dano; determinar a
publicação da sentença e intimação (MP, réu e advogado).
MELHORES RESPOSTAS
1) RELATÓRIO (dispensado)
2) FUNDAMENTAÇÃO
A defesa alega que houve ofensa à ampla defesa dos réus, eis que na
audiência de instrução e julgamento os réus foram retirados da sala por
pedido de Gog Li deferido pelo juízo, sendo certo que, após a saída deles, a
vítima confirmou o teor da denúncia.
De acordo com o art. 217 do CPP, toda a vez que a presença do acusado
puder acarretar sentimentos de humilhação, temor ou grave constrangimento
ao ofendido, o juiz fará a inquirição através do sistema de videoconferência e,
em caso de impossibilidade, determinará a retirada do acusado,
prosseguindo a inquirição com a presença de seu defensor.
Portanto, não restou comprovado pela defesa de que tal conduta tenha
ensejado efetivo prejuízo aos réus, pelo que a alegação de nulidade não
merece prosperar.
2.3) Das condutas imputadas aos acusados Paulo Cara de Pata e Júnior
Autista.
No entanto, tal pleito não é cabível. Conforme a narrativa dos fatos constante
na denúncia, os acusados se apresentaram como policiais e “exigiram” a
quantia de R$20.000,00 (vinte mil reais) para não autuar a vítima, eis que na
blitz efetuada no carro do empresária teriam encontrado um revólver calibre
38 com numeração raspada.
O fato dos policiais terem colocado a vítima no porta malas da viatura por
duas horas desferindo graves ameaças foi essencial para incutir o temor sobre
a vítima, mostrando ser condição necessária para obtenção da vantagem
econômica, até pela postura e tenacidade da vítima que não se deixou
abalar pela intimidação inicial feita pelos agentes.
O órgão ministerial pleiteou a condenação dos réus como incursos nas penas
do art. 319 do CP pelo fato de deixarem de autuar Gog Li por porte ilegal de
arma de fogo.
Portanto, o art. 316 pune o crime menos grave e o art. 158, §3º o mais grave,
havendo uma relação de subsidiariedade da prevaricação em relação à
extorsão e, tendo em vista que a conduta praticada se amolda ao crime de
extorsão, é cabível a aplicação do princípio da subsidiariedade (lex primaria
derogatlegisubsidiarae) para deixar de punir os acusados pelo crime de
prevaricação em concurso com a extorsão, como pretende a acusação.
Por amor ao debate, é certo que, em alguns casos, uma conduta tipificada
penalmente também pode se materializar em ilícito cível, acarretando para a
vítima pretensão de cunho indenizatório.
3) DISPOSITIVO
Pena base: Quanto à culpabilidade, o fato do réu ser policial civil e utilizar o
poder de intimidação que seu cargo oferece para exigir indevidamente
vantagem econômica, desvirtuando-se de suas funções inatas revelam uma
culpabilidade exacerbada, mas tal fato será considerado como agravante
na segunda fase, pelo que deixo de valorar negativamente nesse momento.
No entanto, verifica-se que o crime foi premeditado pelo réu que montou
todo uma situação fática para ter acesso à vítima. Portanto, o juízo de
reprovabilidade do agente que comete o crime de forma previamente
pensada deve ser maior do que a que recai sobre o agente que age no
impulso e no calor do momento, pois as chances do criminoso de momento
lograr êxito e ferir o bem jurídico tutelado são bem menores. Quanto aos
antecedentes, não há notícia nos autos de condenação anterior transitada
em julgado. No tocante à personalidade e à conduta social não há
elementos de prova nos autos que possibilitem a análise dessas circunstâncias
judiciais. Quanto aos motivos, intuito de ganho fácil e vantagem patrimonial
indevida já foi levada em consideração pelo legislador ao prever o tipo penal,
pelo que deixo de valorar para evitar bis in idem. As circunstâncias do crime
ultrapassaram o previsto no tipo, pois o cerceamento da liberdade da vítima
foi feita através da colocação da mesma em um porta malas. Tal conduta
chega à beira da desumanidade, pois o porta malas de um carro é local
apertado para a estrutura de um homem, sem iluminação, com ar rarefeito,
com extrema limitação de movimentos e com temperatura alta, sendo que
tal situação perdurou por duas horas. Assim, como o cerceamento de
liberdade poderia ter sido feito de outras formas menos gravosas à vítima, a
escolha do meio mais danoso merece valoração negativa. O
comportamento da vítima não se mostrou apto a colaborar com a prática do
delito, não havendo provocação ou negligência de sua parte.
Ante a valoração negativa da culpabilidade e das circunstâncias do crime,
fixo a pena base em 07 (sete) anos e 06 (três) meses de reclusão.
Pena intermediária: No caso, o réu agiu mediante dissimulação, pois houve o
emprego do artifício da blitz policial falsa, pois o intuito não era repreender
crimes e sim praticar uma infração penal, assim está presente a agravante do
art. 61, II, “c”, 3ª figura do CP. Também está presente a agravante do art. 61, II,
“g”, 2º figura, pois o agente violou dever inerente ao seu cargo de policial
civil, pois o seu atuar deveria se dar na repreensão de práticas criminosas. Sem
atenuantes. Pela ausência de percentual fixado por lei no caso de
reconhecimento de agravante ou atenuantes, utilizo o valor de 1/6
consagrado pelo doutrina para cada uma das agravantes verificados e fixo a
pena-intermediária em 10 (dez) anos de reclusão.
Pena definitiva: Não há causa de diminuição de pena. Mas há causa de
aumento prevista no art. 158, §1º do CP, pois o crime foi cometido em
concurso de pessoas. Assim, aplico o percentual mínimo e aumento a pena
em 1/3, restando a pena final fixada em 13 (treze) anos de reclusão.
A pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de
liberdade fixada, aplicando-se o art. 49 do CP. Assim, a pena de multa restou
fixada em 250 (duzentos e cinquenta) dias-multa. Não há informações sobre a
situação econômica do réu, pelo que fixo o valor do dia-multa em 1/30 avos
do valor do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Fixo em inicialmente fechado o regime de cumprimento de pena, nos termos
do art. 33, §2º, "a" do CP.
No tocante à detração penal, não se desconhece a literalidade do art. 387,
§2º do CPP, segundo o qual a detração deverá ser feita antes da fixação de
regime; no entanto, por fins didáticos, bem como para propiciar uma melhor
análise da matéria em eventual recurso e, também, garantir um efetivo
contraditório e ampla defesa, a análise será feita nesse momento, até porque
isso não causará prejuízo ao réu. Portanto, determino à secretaria que elabore
certidão a respeito da ocorrência de prisão provisória e, caso tenha havido, o
tempo em que ficou preso para fins de fixação de um novo regime, o que
será colocado na guia de execução provisória.
Pelo quantum da pena, não é cabível a substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos, bem como fica afastada a suspensão
condicional da pena.
Tendo em vista a forma como o réu praticou o crime, colocando a vítima em
um porta-malas por duas horas, bem como o fato de ter se valido da
autoridade inerente à sua função para facilitar o acesso à vítima e, ainda, o
fato de ter premeditado toda a empreitada criminosa, a prisão cautelar do
réu é necessária para evitar reiteração criminosa e manter a ordem pública,
nos termos do art. 312 do CPP, não sendo o caso de aplicação de outras
medidas cautelares diversas, por não se mostrarem suficientes. Assim, nego o
direito do réu de recorrer em liberdade, na forma do art. 387, §1º do CPP.
Tendo em vista a atual posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de
que a fixação do valor mínimo a título de reparação dos danos causados
pela infração, na forma do art. 387, IV do CPP, exige o pedido expresso do MP
ou da vítima no bojo da ação penal, bem como o exercício do contraditório
e da ampla defesa sobre tal pedido, deixo de fixar o valor, sem prejuízo de
que tal pretensão seja deduzida no juízo competente.
No tocante ao pedido de perda do cargo público do réu, este é um efeito
não automático da sentença penal condenatória, que exige fundamentação
em caso de acolhimento e preenchimento de alguns requisitos. No caso do
art. 92, I, “a” do CP exige-se que a pena privativa de liberdade seja superior a
um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de poder
para com a Administração Pública. Já no caso do art. 92, I, “b” do CP exige-se
tão somente que a pena privativa de liberdade seja superior a 4 anos.
Como a aplicação desse efeito necessita de prévia definição do quantum da
pena a ser efetivamente aplicada, por razões lógicas, tal análise deve ser feita
nesse momento.
No caso em questão, tendo em vista que a pena final aplicada foi de 13
(treze) anos de reclusão, o requisito objetivo está preenchido para as duas
hipóteses previstas no CP. Todavia, o art. 92, I, "a" do CP exige também que a
conduta praticada tenha violado os deveres para com a Administração
Pública, fato este que efetivamente ocorreu no caso concreto, pois o réu não
apresentou o comportamento desejado dos que ocupam um cargo com
tamanha importância social, inclusive quando se detêm autoridade pública
por atuar em nome do Estado. Assim, ao agir tutelando seu próprio interesse
em prejuízo do interesse público e utilizando da autoridade e poder que o
cargo lhe confere para obter a vantagem ilícita, apresentou comportamento
inadequado para um policial civil afastando-se de suas funções precípuas.
Dessa forma, houve violação à confiança e aos deveres depositados pela
Administração, pelo que o réu não apresenta os requisitos mínimos necessários
para continuar exercendo o cargo público.
Com base em todo o explanado, o pedido de decretação de perda do
cargo é procedente.
4) DISPOSIÇÕES FINAIS
Condeno os réu PAULO CARA DE PATA, bem como o inventário do réu JUNIOR
AUTISTA, ao pagamento das custas processuais, na forma do art. 804 do CPP
Após o trânsito em julgado desta decisão, determino:
a) seja lançado o nome do réu PAULO CARA DE PATA no rol dos culpados.
b) proceda-se o recolhimento do valor referente à pena de multa, na forma
do art. 50 do CP c/c art. 686 do CPP.
c) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando a
condenação do réu PAULO CARA DE PATA, com a devida identificação,
acompanhada de fotocópia da presente decisão, na forma do art. 71, §2º do
Código Eleitoral c/c art. 15, III da CRFB/88.
d) Decreto a perda do cargo de policial civil do réu PAULO CARA DE PATA
policial e, após o trânsito em julgado desta decisão, comunique-se o Chefe
de Polícia Civil para o cumprimento desta providência judicial.
e) Decreto a perda do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em poder dos réus
em razão da prática delituosa em favo da vítima, eis que o referido valor saiu
de seu patrimônio de forma indevida e deve reingressar.
f) Expeça-se o competente mandado de prisão em nome do réu PAULO
CARA DE PATA para cumprimento imediato, tendo em vista a negativa de
concessão do direito de recorrer solto (art. 387, §1º do CPP) ou aplicação de
outra medida cautelar diversa da prisão.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se pessoalmente o réu, o Ministério Público e o Defensor Público.
(Local) e (Data).
Juiz de Direito.
FUNTAMENTAÇÃO:
vistos.
Dessa forma, entendo correta a decisão que ordenou a retirada dos réus da
sala de audiência no momento do depoimento pessoal do ofendido.
O artigo 155 do CPP estabelece que "o juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar a sua decisão exclusivamente nos elementos informativos
colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas".
As provas cautelares são provas que precisão ser antecipadas para que
surtam o efeito desejado. Em regra, é indispensável autorização judicial. É o
caso de uma interceptação telefônica.
As provas não repetíveis são provas que precisam ser colhidas no momento
da ocorrência do fato, pois desaparecem após aquele momento e, por esse
motivo, prescinde de autorização judicial, como por exemplo o exame de
corpo de delito. Aqui o contraditório existe, só que em momento posterior, ou
seja, na instrução processual.
Nessa toada, a questão dos autos é vinculada a exceção trazida pelo artigo
155 do CPP, tratando-se de provas não repetíveis. Ademais, houve
contraditório acerca das provas, momento em que se manifestaram
acusação e defesa (folhas __/__).
O Ministério Público denunciou os réus como incursos nos artigos 316 e 319,
ambos do Código Penal. A defesa argumentou que, em caso de
condenação, esta deveria ser lastreada no artigo 317 do Código Penal.
Porém, entendo que ficou comprovado nos autos que a conduta do agente
não foi a de solicitar ou receber vantagem indevida em razão da sua função
de policial, mas sim de extorquir a vítima, afim de obter vantagem
econômica, mediante grave ameaça e privação de liberdade.
Restou comprovado que o dolo do agente foi bem além do simples solicitar
ou receber, pois a privação da liberdade é medida bem mais rígida e
intimidadora que o fim querido no tipo da corrupção passiva.
Sucede que a Lei Processual Penal em seu artigo 62 determina que em caso
de morte do acusado o juiz declarará extinta a punibilidade, mas apenas
após a juntada nos autos da Certidão de Óbito.
Por tudo que dos autos consta, invoco a aplicação do artigo 383 do CPP para
tipificar os réus como incursos nos artigos 158, §3º e 61, II, alínea g do CP.
Porém, extingo a punibilidade do réu Júnior Autista, em virtude da sua morte,
com fulcro no artigo 107, I, também do CP. A aplicação do artigo 383 do CPP
não configura violação a ampla defesa, uma vez que os réus se defendem
dos fatos trazidos aos autos e não da tipificação penal.
DISPOSITIVO:
Passo a dosimetria da pena do Réu Paulo Cara de Pata, nos moldes do artigo
68 do CP:
Analisando as circunstâncias do artigo 59 do CP entendo que a culpabilidade
merece censura, pois o delito foi premeditado pelo réu; não existem
antecedentes criminais; a condutasocial e a personalidade do agente não
merecem ser valoradas por faltar elementos definidores; os motivos do crime
foram inerentes a espécie; as circunstâncias do crime são reprováveis, pois os
agentes agiram no ato de uma blitz policial e utilizaram a viatura policial para
coagir a vítima; as consequências são as esperadas pelo delito, deixo de
valorar; a vítimaem nadacolaborou para o delito. Portanto, após a análise
individual fixo a pena base em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 50
(cinquenta) dias-multas, no valor de 1/30 (um trinta avos) do valor do salário
mínimo vigente a época do fato delituoso, por não existirem elementos
suficientes para auferir a capacidade econômica do réu, nos termos do artigo
60, caput do CP.
Não concorrem circunstâncias atenuante. Presente a circunstância agravante
do artigo 61, II, g do CP, por ter o agente praticado o delito com abuso de
poder, agravo a pena em 1 (um) ano e 3 (três) meses, passando a dosá-la em
8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão.
Não concorrem causas de diminuição ou de aumento, razão pela qual fixo
como a pena definitiva em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser
cumprida em regime inicialmente fechado, nos termos do artigo 33, §2º, a do
CP.
Impraticável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos por não preencher os requisitos do artigo 44 do CP.
Ausentes as circunstâncias do artigo 312 e 313 do CPP, mantenho o réu em
liberdade até o trânsito em julgado da sentença, nos termos do artigo 596 do
CPP.
Condeno o réu Paulo Cara de Pata ao ressarcimento à vítima do valor do
prejuízo comprovado nos autos, a saber, R$ 20.000,00 (vinte e mil reais),
corrigidos monetariamente e com juros legais desde efetivo prejuízo.
Condeno ainda o réu ao pagamento das custas processuais.
Declaro a perda do cargo de Policial Civil do agente Paulo Cara de Pata, nos
termos do artigo 92, I, a do CP.
Após o trânsito em julgado tomem-se as seguintes providências: lance-se o
nome do réu no "rol dos culpados"; expeça-se ofício à Justiça Federal acerca
dos efeitos políticos da sentença; oficie-se a Chefia da Polícia Civil do Estado
acerca da condenação do Réu; expeça-se a guia de execução da pena
privativa de liberdade; proceda-se ao recolhimento do valor referente a pena
de multa, nos termos do artigo 686 do CPP; oficie-se o órgão estadual
responsável pelo cadastro de dados criminais, dando-lhe conhecimento do
resultado do julgamento; oficie-se o Ministério Público acerca da conduta da
vítima de portar arma de fogo de calibre 38 (trinta e oito) no interior do seu
veículo, conforme relatado nos autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Local e Data
Juiz de Direito