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ARISTÓTELES

,
METAFISICA
(LIVRO I e LIVRO li)
Tradução direta do grego por Vincenzo CoeMO
e notas de Joaquim de Carvalho

ÉTICA A N ICÔMACO
Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bomheim
da versão inglesa de W. D. Ross

POÉTICA
Tradução, comentários e índices analítico e onomástico de
Eudoro de Souza

Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha

~
1984
EDITOR: VICTOR CIVITA
Tftulos originais:
Tà j.LETà Tà clluaLKà (Metafísica)
llepl. llon)TLKTj~ (Poética)
HihKà NLKOfLaxew (Ética a Nicômaco)

© Copyright desta edição, Abril S.A. Cultural,


São Paulo, 1984.

Traduções publicadas sob licença da Editora Atlântica. Coimhra


(Metqffsica- Livros I e 11), e da Editora Globo S.A.,
Porto Alegre (Etica a Nicômaco, Poética).
METAFÍSICA

Tradução direta do grego por Vinzenzo Cocco


e notas de Joaquim de Carvalho
Nota do Tradutor

A presente tradução seguiu o texto da Aristotelis Opera omnia graece et latine,


Volumen secundum, Parisiis Editoribus Firmin-Didot et Sociis (s. a.) [1938].
Nas notas à tradução são citadas abreviadamente as seguintes traduções:

Pedro da Fonseca - In Libros Metaphysicorum Aristotelis, t. I, ed. de Lyon,


1591.
Aristote- La Métaphysique. Livre I. Lovaina, 1912; e Livro n, ibid. 1912-1922.
Trad. et commentaire de G. Colle.
W. D. Ross- The Works of Aristoteles, vol. VII. Oxford, ed. de 1948.
Aristotele - La Metafísica. Volgarizzata e commentata da Ruggiero Bonghi,
completata e ristampata con la parte inedita. Introduzione e Appendice da
Michele Federico Sciacca, vol. I, Milão, 1942.
Aristote - La Métaphysique. Trad. et notes par J. Tricot, t. I, 2.a ed., Paris,
1948.
LIVRO 1·
(A)
CAPíTuLo r

Todos os homens têm, por natureza, de experiência pouco possuem 3 • Mas a


desejo de conhecer: uma prova disso é espécie humana [vive] também de arte
o prazer das sensações, pois, fora até e de raciocínios. (4) É da memória que
da sua utilidade, elas nos agradam por deriva aos homens a experiência: pois
si mesmas e, mais que todas as outras, as recordações repetidas da mesma
as visuais. Com efeito, não só para coisa produzem o efeito duma única
agir, mas até quando não nos propo~ experiência, e a experiência quase se
mos operar coisa alguma, preferimos, parece com a ciência e a arte. Na reali-
por assim dizer, a vista ao demais. A dade, porém, a ciência e a arte vêm aos
razão é que ela é, de todos os sentidos, homens por intermédio da experiência,
o que melhor nos faz conhecer às coi- porque a experiência, como afirma
sas e mais diferenças nos descobre. (2) Polos 4 , e bem, criou a arte, e a inexpe-
Por natureza, seguramente, os animais riência, o acaso. (5) E a arte aparece
são dotados de sensação, mas, nuns, quando, de um complexo de noções
da sensação não se gera a memória, e experimentadas, se exprime um único
noutros, gera-se 2 • Por isso, estes são juízo universal dos [casos] semelhan-
mais inteligentes e mais aptos para tes. Com efeito, ter a noção de que a
aprender do que os que são incapazes Cálias, atingido de tal doença, tal
de recordar. Inteligentes, pois, mas remédio deu alívio, e a Sócrates tam-
sem possibilidade de- aprender, são bém, e, da mesma maneira, a outros
todos os que não podem captar os tomados singularmente, é da experiên-
sons, como as abelhas, e qualquer cia; mas julgar que tenha aliviado a
outra espécie parecida de animais. todos os semelhantes, determinados
Pelo contrário, têm faculdade de segundo uma única espécie, atingidos
aprender todos os seres que, àlém da de tal doença, como os fleumáticos, os
memória, são providos também deste biliosos ou os incomodados por febre
sentido. (3) Os outros [animais] vivem ardente, isso é da arte. (6) Ora, no que
portanto de imagens e recordações, e respeita à vida prática, a experiência
em nada parece diferir da arte; vemos,
1 Este capítulo tem por (im mostrar que o desejo de

saber é natural; que há graus diversos de conheci- 3 Aristóteles discrimina três graus no conheci-
mento - sensação, memória, experiência, arte, mento sensível dos irracionais, que com Fonseca se
ciência - e que a verdadeira ciência é a que resulta podem designar de: ínfimo, médio e superior. O ínfi-
do conhecimento teorético, especulativo, não-prá- mo é próprio dos animais que somente vivem a
tico, cujo objeto é o saber das causas ou razão de experiência presente; o médio, dos que podem con-
ser. A ciência deste saber constitui a sabedoria ou servar a experiência passada mas não ouvem, e o
filosofia. superior, dos que ouvem, possuem memória e
2 A razão é que nem todos os animais possuem a podem ser adestrados.
4 Foi um aluno do sofista Górgias. Vid. Platão,
faculdade de conservar a experiência transata por
imagens. Górgias.
12 ARISTÓTELES

até, os empíricos acertarem melhor do obras, em todas as coisas, são mais


que os que possuem a noção, mas não apreciáveis e sabem mais que os operá-
a experiência. E isto porque a expe- rios, pois conhecem as causas do que
riência é conhecimento dos singulares, se faz, enquanto estes, à semelhança de
e a arte, dos universais; e, por outro certos seres inanimados, agem, mas
lado, porque as operações e as gera- sem saberem o que fazem, tal corno o
ções todas dizem respeito ao singular. fogo [quando] queima. Os seres inani-
Não é o Homem, com efeito, a quem o mados executam, portanto, cada uma
médico cura, se não por acidente, mas das suas funções em virtude de uma
Cálias ou Sócrates, ou a qualquer um certa natureza que lhes é própria, e os
outro assim designado, ao qual aconte- mestres pelo hábito. Não são, portan-
ceu também ser homem 5 • (7) Portanto, to, mais sábios os [mestres] por terem
quem possua a noção sem a experiên- aptidão prática, mas pelo fato de pos-
cia, e conheça o universal ignorando o suírem a teoria e conhecerem. as cau-
particular nele contido, enganar-se- á sas. (9) Em geral, a possibilidade de
muitas vezes no tratamento, porque o ensinar é indício de saber; por isso nós
objeto da cura é, de preferência, o sin- consideramos mais ciência a arte do
gular. No entanto, nós JUlgamos que que a experiência, porque [os homens
há mais saber e conhecimento na arte de arte] podem ensinar e os outros não.
do que na experiência, e consideramos Além disto, não julgamos que qualquer
os homens de arte mais sábios que os das sensações constitua a ciência, em-
empíricos, visto a sabedoria acompa- bora elas constituam, sem dúvida, os
nhar em todos, de preferência, o conhecimentos mais seguros dos singu-
saber 6 • Isto porque uns conhecem a lares. Mas não dizem o "porquê" de
causa, e os outros não. Com efeito, os coisa alguma, por exemplo, por que o
empíricos sabem o "quê", mas não o fogo é quente, mas só que é quente.
"porquê"; ao passo que os outros ( 10) É portanto verossímil que quem
sabem o "porquê" e a causa 7 • (8) Por primeiro encontrou uma arte qudquer,
isso nós pensamos que os mestres-de- fora das sensações comuns, excitasse a
admiração dos homens, não somente
• Passo de explicação difícil, pois consiste em ave- em razão da utilidade da sua desco-
riguar a razão plausível por que Aristóteles diz que berta, mas por ser sábio e superior aos
é um acidente de Cálias, de Sócrates, ou de qual-
quer outro indivíduo, ser homem. Fundado em Ale- outros. E com o multiplicar-se das
xandre (Aporias . .. , I, IX), G. Colle interpreta artes, umas em vista das necessidades,
assim: "A universalidade é um acidente da essência. outras da satisfação, sempre conti-
·Donde se segue que a essência, considerada formal-
mente sob o ponto de vista da extensão, isto é, como nuamos a considerar os inventores des-
universal, é atributo acidental da essência conside- tas últimas como mais sábios que os
rada exclusivamente sob o ponto de vista da
compreensão. Para empregar o exemplo de Alexan- das outras, porque as suas ciências não
dre: "um animal em geral" ou, o que equivale ao se subordinam ao útil. (11) De modo
mesmo, "um animal" (essência universal) será atri- que, constituídas todas as (ciências].
buto acidental de "este animal" (essência conside-
rada à parte do seu caráter universal). Do mesmo deste genero, outras se descobriram
modo, "um homem" será atributo acidental de "este que não visat:n nem ao prazer nem à
homem"." (LaMet., I, p. 17.) necessidade, e primeiramente naquelas
8 Expostas as noções de empeirla e de téchne, Aris-

tóteles inicia a exposição das provas demonstrativas regiões onde [os homens] viviam no
do objeto do capítulo: a filosofia é o saber por exce- ócio 8 • É assim. que, em várias partes
lência, ou seja, o do conhecimento das causas.
7 Conhecer pela causa é conhecer pelo geral, isto é,
.
8 Viver no ócio significa estar aliviado de trabalho
pelo conceito e pela essência; assim, o médico, manual e de cuidados materiais e, portanto, usufruir
conhecendo a essência da doença e do medica- condições que permitam o exercício da atividade
mento, conhece a relação causal deste para aquela, intelectual, ou teorética, sem a preocupação de
e portanto a causa do restabelecimento da saúde. obter o que é essencial à vida de cada dia.
METAFlSICA- I 13

do Egito, se organizaram pela primeira bida como tendo por objeto as causas
vez as artes matemáticas, porque aí se primeiras e os princípios; de maneira
consentiu que a casta sacerdotal vives- que, como acima se notou, o empírico
se no ócio. (12) Já assinalamos na parece ser mais sabio que o ente que
Ética 9 a diferença que existe entre a unicamente possui uma sensação qual-
arte, a ciência e as outras disciplinas quer, o homem de arte 1 0 mais do que
do mesmo gênero. O motivo que nos os empíricos, o mestre-de-obras mais
leva agora a discorrer é este: que a do que o operário, e as ciências teoré-
chamada filosofia é por todos conce- ticas mais que as práticas. Que a filo-
9 Na Etica a Nicômaco, VI, 3-7, onde distingue e
sofia seja a ciência de certas causas e
caracteriza cinco "hábitos" pelos quais se pode de certos princípios é evidente.
aprender a verdade: entendimento, ciência, sabedo-
ria (filosofia), prudência e arte. 1o Fonseca trad\lz: artifex, isto é, perito.

CAPÍTULO 11 11

Ora, visto andarmos à procura desta lhemos por ela própria, e tendo em
ciência, devemos examinar de que cau- vista o saber, é mais filosofia do que a
sas e de que princípios a filosofia é a que escolhemos em virtude dos resulta-
ciência. Se considerarmos as opiniões dos; e uma [ciência] mais elevada é
que existem acerca do filósofo, talvez o mais filosofia do que uma subordi-
problema se nos manifeste com maior nada, pois não convém que o filósofo
clareza. (2) Nós admitimos, antes de receba leis, mas que as dê, e que não ·
mais, que o filósofo conhece, na medi- obedeça ele a outro, mas a ele quem é
menos sábio. (4) Tais e tantas são,
da do possível, todas as coisas, embora
pois, as opiniões que temos sobre a
não possua a ciência de ·cada uma filosofia e os filósofos. E quanto a
delas por si. Em seguida, quem consiga estes, o conhecimento de todas as coi-
conhecer as coisas dificeis e que o sas encontra-se necessariamente na-
homem não pode facilmente atingir, quele que, em maior grau, possui a
esse também consideramos filósofo ciência universal, porque ele conhece,
(porque o conhecimento sensível é de certa maneira, todos os [indivi-
comum a todos, e por isso fácil e não- duais] sujeitos 1 2 • No entanto, é sobre-
científico). Além disto, quem conhece
as causas com mais exatidão, e é mais 1 2 Tradução literal, que o comum dos tradutores

explana, considerando por "sujeitos" os indivíduos


capaz de as ensinar, é considerado err{ ou casos particulares abrangidos no conhecimento
qualquer espécie de ciência como mais do universal. Por outras palavras: dada a concep-
filósofo. (3) E, das ciências, a que esco- ção hierárquica do saber (3), a ciência mais geral
tem maior extensão, isto é, abrange maior número
de indivíduos, objetos ou casos singulares; pelo que,
1 1 Estabelecida no capítulo anterior a existência da quem o possui, conhece, de certa maneira, os indiví-
filosofia (ou sabedoria), Aristóteles propõe-se neste duos, objetos ou casos abrangidos no conhecimento
capítulo indagar o que caracteriza. Em resumo é: do respectivo conceito.
ciência das causas primeiras; teórica, por excelên- Fonseca adverte que por sujeitos (in nomine
cia; eminentemente livre; divina; a mais digna de rerum subiectarum) se deve entender não só sujeitos
apreço, gerando a sul\ aquisição um estado de espí- de predicados universais, mas também efe.itos de
rito contrário ao do pasmo da ignorância. causas universais.
14 ARISTÓTELES

maneira difícil ao homem chegar a a qualquer subordinada, é, portanto,


estes conhecimentos universais. porque aquela que conhece aquilo em vista do
estão muito para além das sensações. qual cada coisa se deve fazer. E isto é
Além disto, entre as ciências são mais o bem em cada coisa e, de maneira
exatas as que se ocupam predominan- geral, o ótimo no conjunto da nature-
temente dos "primeiros" 1 3 ; e as que de za. (7) Resulta portanto de todas estas
menos [elementos precisam] são mais considerações que é a esta mesma ciên-
exatas do que as que são chamadas cia que se aplica o nome que procura-
"por adição", como a aritmética relati- mos. Ela deve ser, com efeito, a [ciên-
vamente à geometria 1 4 • (5) Porém, a cia) teorética dos primeiros princípios
que ensina é a ciência que investiga as e das causas, porque o bem e o "por-
causas, porque só os que dizem as cau- quê" são uma das causas. Que não é
sas de cada coisa é que ensinam. Ora,
uma [ciência] prática resulta [da pró-
conhecer e saber por amor deles mes-
pria história] dos que primeiro filoso-
mos é próprio da ciência do suma-
faram. (8) Foi, com efeito, pela admi-
mente conhecível. Com efeito, quem
procura o conhecer pelo conhecer ração 1 5 que os homens, assim hoje
escolherá, de preferência, a ciência que como no começo, foram levados a filo-
é mais ciência, e esta é a do suma- sofar, sendo primeiramente abalados
mente conhecível; e sumamente. conhe- pelas dificuldades mais óbvias, e pro-
cíveis são os princípios e as causas: é gredindo em seguida pouco a pouco
pois por eles e a partir deles que conhe- até resolverem problemas maiores: por
cemos as outras coisas, e não eles por exemplo, as mudanças da Lua, as do
meio destas, que são subordinadas. (6) Sol e dos astros e a gênese do Univer-
A mais elevada das ciências, e superior so. Ora, quem duvida e se admira julga
ignorar: por isso, também quem ama
1 3 Tradução literal, que colocamos entre aspas
os mitos é, de certa maneira, filósofo,
para acentuar a literalidade. O comum dos traduto-
res interpreta pelo contexto, fazendo equivaler "pri- porque o mito resulta do maravilhoso.
meiros" a conhecimento dos princípios. Pelo que, se foi para fugir à ignorância
Fonseca traduz por prima: Scientiarum quoque que filosofaram, claro está que procu-
eae sunt accuratissimae, quae in iis quae prima sunt,
maxime versantur. E na exp/anatio respectiva, raram a ciência pelo desejo "de conhe-
assim explica: Cum igitur ea, quae sunt maxime cer, e não em vista de qualquer utilida-
universa/ia, sint prima, et simplicissima e.fficitur ut
st:ientia, quae in eorum consideratione versatur, sit de. (9) Testemunha-o o que de fato se
suapte natura certissima, ut quae paucissimis, et passou. Quando já existia quase tudo
simplicissimis principiis rem demonstret. Sic multo que é indispensável ao bem-estar e à
facilius probamus a/iquid existere, quam per se exis-
tere aut in alio existere, quod existere, sit prius et comodidade, então é que se começou a
simplicius quam existere per se, aut existere in alio. procurar uma disciplina deste gênero.
1
• Tradução literal. O sentido toma-se mais claro, É pois evidente que não a procuramos
explanando com o comum dos tradutores: por adi-
ção de princípios. Aristóteles distingue as ciências por qualquer outro interesse mas, da
que assentam em poucos princípios, simples e abs- mesma maneira que chamamos
tratos, das que assentam em princípios complexos,
isto é, menos abstratos. As primeiras são mais exa- homem livre a quem existe por si e não
tas que as segundas. por outros, assim também esta ciência
É digno de reparo o fato de Aristóteles exempli- é, de todas, a única que é livre, pois só
ficar a distinção com a aritmética e a geometria. A
razão é que a geometria, em relação à aritmética,
1 5 Fonseca aproxima deste passo o de Platão, no
contém uma adição de princípios, isto é, aos princí-
pios do número acrescenta as propriedades do Teeteto, em que Sócrates diz a Teodoro que a admi-
espaço. ração é o princípio da filosofia.
METAFÍSICA - I 15

ela existe [ por si ] 1 6 • E por tal razão, sobreleva em excelência. E o estado em


poderia justamente considerar-se mais que nos deve deixar a sua aquisição é
que humana a sua aquisição. Por tan- inteiramente contrário ao do das pri-
tas formas é, na verdade, a natureza mitivas indagações, poi~, dissemos
serva dos homens que, segundo Simô- nós, todas começam pela admiração 1 s
nides, "Só Deus poderia gozar deste de como as coisas são: tais os autôma-
privilégio·: e não convém ao homem tos, aos olhos daqueles que não exami-
procurar uma ciência que lhe não está naram ainda a causa, ou os solstícios,
proporcionada. ( 10) Se, como dizem os ou a incomensurabilidade do diâme-
poetas, a divindade é por natureza tro 1 9: parece, de fato, maravilhoso
invejosa, nisto sobretudo deveria ver-se para todos que haja uma quantidade
o efeito, e todos os mais categorizados não comensurável pela mais pequena
serem infelizes 1 7. Ora, nem é admis- unidade [que se quiser]. (12) Ora, nós
sível que a divindade seja invejosa, e, devemos acabar, segundo o provér-
segundo o provérbio, "os poetas dizem bio2 °, pelo contrário e pelo melhor
muitas mentiras", nem se pode admitir como acontece nestes [exemplos] ,
que haja outra ciência mais apreciável· desde que se conheçam [as causas] ;
que esta. Com efeito, a mais divina é nada, efetivamente, espantaria tanto
também a mais apreciável, e só em um geômetra como o diâmetro tomar-
duas maneiras o pode ser: ou por ser se comensurável. Fica assim estabele-
possuída principalmente por Deus, ou cida a natureza da ciência que procu-
por ter como objeto as coisas divinas. ramos e também o fim que a nossa
Ora, só a nossa ciência tem estas duas investigação e todo o tratado devem
prerrogativas. Deus, com efeito, parece alcançar.
ser, para todos, a causa e princípio, e
uma tal ciência só Deus, ou Deus 18
Fonseca observa penetrantemente na explanatio
respectiva: Aduerte autem ignorationem, a qua inci-
principalmente, poderia possuí-la. (I I) pit, discursus Philosophicus, non esse ignorationem
Todas as outras são, pois, mais neces- purae privationis, sed quadammodo inchoatae for-
sárias do que ela, mas nenhuma se lhe mae.
1 9 Segundo Fonseca e outros comentadores (v. g.

Colle, I, 32), diâmetro tem neste passo o sentido de


1 6
Fonseca traduz assim a parte fmal do período: diagonal do quadrado, como no De anima, 111, 430a
libera est, quod sola sit sui gratia. Na explanatio 31. Além desta razão, parece ainda que Aristóteles
respectiva discrimina ciência livre de ciência liberal: desconheceu a incomensurabilidade do diâmetro e
Liberalis enim est, quae est digna homine libero, et do círculo, dado o fato de Arquimedes ulterior-
opponitur Mechanicae, seu sordidae, nonnullasque mente se haver proposto investigar a respectiva rela-
practicas complectitur, ut Rhetoricam, et Dialecti- ção exata.
cam: libera autem est, quae est sui gratia, hoc est, 2o Segundo Fonseca, parece aludir ao provérbio
quae non uifertur ad opus, aut si mauis, nec aliam Secundis melioribus (segundo Alexandre) ou ao
superiorem. Posterioribus melioribus. Deste último dá o exem-
1 7 Alguns comentadorés reportam a este passo plo de Cícero, nas Filípicas: Posteriores cogitatio-
Píndaro, Pít., X, 31. nes, ut aiunt, sapientiores esse solem.
16 ARISTÓTELES

CAPíTuLo 11r,

É pois manifesto que a ciência a causas; tal exame será portanto útil ao
adquirir é a das causas primeiras (pois nosso estudo, porque ou descobri-
dizemos que conhecemos cada coisa remos uma outra espécie de causas, ou
somente quando julgamos conhecer a daremos mais crédito às que acabamos
sua primeira causa) 2 2; ora, causa diz- de enumerar. A maior parte dos pri-
se em quatro sentidos: no primeiro, meiros filósofos considerou como prin-
entendemos por causa a substância e a cípios de todas as coisas unicamente
qüididade 23 (o "porquê" reconduz-se os que são da natureza da matéria. E
pois à noção última, e o primeiro "por- aquilo de que todos os seres são consti-
quê" é causa e princípio); a segunda tuídos, e de que primeiro se geram, e
[causa] é a matéria e o sujeito; a ter- em que por fim se dissolvem, enquanto
ceira é a de onde [vem] o início do a substância subsiste, mudando-se uni-
movimento; a quarta [causa] , que se camente as suas de~erminações, tal é,
opÕe à precedente, é o "fim para que" e para eles, o elemento e o princípit> dos
o bem (porque este é, com efeito, o fim seres. (3) Por isso, opinam que nada se
de toda a geração e movimento). Já gera e nada se destrói, como se tal
estudamos suficientemente estes prin- natureza subsistisse indefinidamente,
cípios na Física 2 4 ; todavia queremos da mesma maneira que não afirmamos
aqui associar-nos aos que, antes de que Sócrates é gerado, em sentido
nós, se aplicaram ao estudo dos seres e absoluto, quando ele se torna belo ou
filosofaram sobre a verdade. (2) É, músico, nem que ele morre quando
com efeito, evidente que eles também perde estas qualidades, porque o sujei-
falam em certos princípios e em certas to, o próprio Sócrates, permanece; e
assim quanto às outras coisas, porque
2 1 Este capítulo
tem por objeto a indicação dos deve haver uma natureza qualquer, ou
quatro sentidos em que Aristóteles toma a palavra
causa - material, eficiente, formal e final - e a mais do que uma2 5 , donde as outras
referência histórica das opiniões dos pré-socráticos derivem, mas conservando-se ela inal-
acerca da causa material. terada. (4) Quanto ao número e à natu-
2 2 São várias as dificuldades
destes parênteses e é
copiosa a bibliografia que lhes respeita~ Primeira reza destes princípios 2 6 , nem todos
causa deve entender-se em sentido relativo, isto é, pensam da mesma maneira. Tales 2 7 , o
da causa que importa ao conhecimento próprio da
coisa, e não no sentido absoluto, porque se assim
fundador de tal filosofia 2s, djz ser a
não fosse o conhecimento de cada coisa exigiria o água (é por isto que ele declarou tam-
conhecimento do objeto formal da metafisica. Vid. bém que a terra assenta sobre a água),
Cotle I, pp. 34-41.
2 3
Literalmente: qual era o ser. Equivale ao sentido levado sem dúvida a esta concepção
próprio de cada coisa enquanto pensada em si por observar que o alimento de todas
mesma, e que é designado pela defmição essencial.
Fonseca traduz por: Quidditatem rei. · 2 5 Isto é, uma natureza, que seja una, ou múltipÍa.
2 • Especialmente, no liv. 11, caps. 3 e 7. Hamelin 2 6 Isto é, princípios materiais fundamentais. · .
considera este parágrafo como resumo do que Aris- 2 7 É o fundador da Escola Jônica; natural de Mile-
tóteles desenvolvera na Fís., 11, 3. (Vid. Aristote, to, viveu entre 650-550 a.C.
Physique li. Trad. e/ commentaire (-Paris, 2. • ed. 2 8 Isto é, da filosofia que confere significação
193l)p. 101. ontológica substantiva a elementos naturais.

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