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EDUCAÇÃO INFANTIL, GÊNERO E SEXUALIDADE: ESTUDO COM MENINAS E

MENINOS - INDÁPOLIS/MS

Edilaine de Mello Macedo - UFGD - CAPES/FUNDECT


Míria Izabel Campos - UFGD
Área Temática: Educação infantil e letramentos

Resumo: As crianças, muitas vezes até antes do nascimento, já são esperadas,


depois cuidadas e educadas de modo a atender padrões entendidos como naturais,
que as identificam como meninas ou meninos. E as determinações não param por
aí, pois ao chegarem às instituições de educação que atendem a infância, vivenciam
diferentes situações nas quais quase sempre acontecem divisões, começando pelas
tradicionais filas, onde meninos são separados de meninas. No entanto,
diferentemente disso, entendemos que nos constituímos sujeitos de gênero e
sexualidade ao longo de toda a nossa vida, nas diversas culturas, sociedades e
tempos históricos. Nesse contexto, o artigo que ora apresentamos traz recorte de
pesquisa cujo objetivo foi conhecer e compreender os conceitos de gênero e
sexualidade que perpassam as brincadeiras e os brinquedos de meninas e meninos.
A metodologia constituiu-se, primeiramente, de ampla pesquisa bibliográfica em
autoras/es das áreas de Educação Infantil, brinquedos/brincadeiras, gênero e
sexualidade que nos deram suporte teórico para a investigação. Depois, realizamos
observações de caráter etnográfico em uma turma da Pré-Escola, distrito de
Indápolis, Dourados, Mato Grosso do Sul, com dados registrados em Diário de
Campo. Com os estudos foi possível apreendermos que as crianças chegam às
instituições de Educação Infantil com concepções sobre o que é ser menina e ser
menino, aprendidas em diferentes instituições e nas relações que ocorrem naquele
espaço elas expressam muito do que já sabem. Observamos que a Escola dispunha
de poucos brinquedos, mas a professora permitia que as crianças levassem
brinquedos de casa. Quase sempre os meninos brincavam de montar armas,
carrinhos, e como eram crianças da zona rural, gostavam de montar tratores,
colheitadeiras e maquinas de passar veneno, levando para suas brincadeiras na
Escola as vivências de seu cotidiano. Já as meninas, em muitos momentos,
brincavam de casinha e de montar prédios e quando elas brincavam com a massa
de modelar construíam utensílios de casa tais como xícara, panelinha e bolos,
reproduzindo, de certa forma, uma feminilidade entendida como sendo natural delas.
Em contrapartida, presenciamos as crianças transgredindo o que a sociedade
considera pré-determinado para cada gênero, quando meninas e meninos
brincavam juntos, com os diversos brinquedos disponíveis e nas brincadeiras
trocavam os lugares sociais. Assim, concluimos que meninos e meninas podem
relacionar-se de maneiras não sexistas e menos preconceituosas, possibilitando
relações de gênero mais igualitárias e uma educação que respeita as sexualidades.
Palavras-chave: Educação Infantil. Brincadeiras. Brinquedos. Gênero. Sexualidade.

Introdução
Estudos teóricos que realizamos em Campos (2014), Finco (2003; 2010),
Furlani (2015), Louro (2011), Scott (1995) e Xavier Filha (2014) nos mostraram que
as crianças não possuem comportamentos predeterminados para cada um dos
gêneros, não se relacionam a priori de forma sexista e não possuem concepções
naturais do que é ser homem e ser mulher. Compreendemos que tais construções
se constituem a partir das relações desenvolvidas nos diversos espaços de suas
convivências, ou seja, comportamentos referentes a gênero e sexualidade são
construídos pelas crianças através do convívio com outras pessoas, em várias
instâncias, dentre elas as instituições de Educação Infantil.
No nosso país, a Educação Infantil é reconhecida como primeira etapa da
Educação Básica (BRASIL, 1996) e constitui-se em um espaço no qual as crianças
passam boa parte de sua infância. Nesses lugares aprendem e se desenvolvem,
ampliando e diversificando os conhecimentos adquiridos nas famílias e nas demais
relações sociais com a comunidade.
Nesse contexto, nosso artigo traz recorte de uma pesquisa cujo objetivo foi
conhecer e compreender os conceitos de gênero e sexualidade que perpassam as
brincadeiras e os brinquedos de meninas e meninos. Para desenvolvê-la,
primeiramente, nós realizamos uma ampla pesquisa bibliográfica em autoras/es das
áreas de Educação Infantil, brinquedos/ brincadeiras, gênero e sexualidade que nos
deram suporte teórico para a investigação. Depois, empreendemos observações de
caráter etnográfico em uma turma da Pré-Escola, no distrito de Indápolis, município
de Dourados, estado de Mato Grosso do Sul, cujos dados foram registrados em
Diário de Campo.
Destacamos a importância social deste trabalho, pois o mesmo pretendeu
colocar em evidência uma temática que está em discussão nos diferentes meios da
sociedade contemporânea. E, nessa direção, nós acreditamos ser importante
apresentá-lo no 3º Congresso de Eucação da Grande Dourados.

Percursos teóricos
No final do século XIX surgiram, no Brasil, as primeiras instituições de
atendimento às crianças pequenas, as creches e jardins de infância. Com o
processo de industrialização, as mulheres ingressaram no mercado de trabalho,
gerando a necessidade de uma instituição em que elas pudessem deixar suas
crianças. Como escreveu Faria (2006, p. o ingresso em massa
das mulheres no mercado de trabalho e o movimento feminista que vai exigir
creches para dividir com a sociedade a educação de seus filhos e filhas
Temos, a partir da promulgação da Constituição Federal/1988, o
reconhecimento da educação em creches e pré-escolas como um direito da criança
e um dever do Estado a ser cumprido nos sistemas de ensino. Com a Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) esse direito é reafirmado no Artigo 53 em que criança e o adolescente têm
direito à educação, visando seu pleno desenvolvimento e preparo para o exercício
da cidadania e qualificação para o trabalho. E o Artigo 54 que garante em seu item
IV e e pré-
(BRASIL, 1990).
A Lei número 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB/94), estabeleceu e reafirmou o atendimento em creches ou
entidades equivalentes para crianças de 0 a 3 anos e pré-escolas, para crianças de
4 a 6 anos de idade. A LDB passa a chamar o atendimento à criança pequena de
Educação Infantil e definiu que a mesma iria compor a primeira fase da Educação
Básica proposta no Artigo 21 do parágrafo I

A Educação Infantil, sendo a primeira etapa da Educação Básica, vai propiciar


às crianças um cuidar e educar mais estruturados, um atendimento voltado para
elas, para suas especificidades infantis e com profissionais qualificados. Finco
(2010, p. 120 - 121) traz que:
A Educação Infantil (creche e pré-escola), como primeira etapa da
Educação Básica, marca o início da experiência discente, quando as
crianças terão oportunidade de conviver em um grupo social mais
amplo, em uma instituição com características diferentes das do meio
familiar. [...] Trata-se de um universo com características próprias,
voltadas para crianças pequenas. Uma formatação com espaços,
tempos, organizações e práticas construídos no seio das intensas
relações entre crianças e entre crianças e adultos.
As experiências na Educação Infantil poderão ensinar as crianças sobre o
convívio com seus pares e com os adultos, um convívo diferente do qual elas têm
em suas famílias, proporcionando um aprendizado que elas poderão levar e ampliar
no Ensino Fundamental.
No ano de 2009 são fixadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (DCNEI/2009) que propõe em seu Artigo 2º orientar as políticas
públicas na área e a elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas
pedagógicas e curriculares. Entendendo que o currículo deve ser um conjunto de
práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico
e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral das crianças
(BRASIL, 2009).
Como pudemos retratar nesse breve histórico, a Educação Infantil passou por
inúmeras mudanças sociais e por lutas que levaram a promulgação de importantes
leis, leis estas que trouxeram avanços e discussões sobre como deve ser a
educação das crianças. Percebemos, então, que as conquistas que hoje temos para
a Educação Infantil foram consequência de um período histórico amplo, o qual
necessitou da participação de pais, mães, estudiosos, entidades civis e públicas,
que partiram do entendimento da criança como um sujeito que precisa e tem direito
de frequentar instituições que atendam suas demandas e garatam seu
desenvolvimento pleno.
E para que as crianças, meninas e meninas tenham garantido seu
desenvolvimento pleno, a brincadeira precisa estar presente, pois é a mais
importante e significativa maneira que as crianças utilizam para se expressarem.
Nas brincadeiras elas mostram o que pensam, vivenciam, aprendem. Ou seja, elas
demonstram que compreenderam o mundo à sua volta, construindo e reconstruindo
cultura a partir das suas interações sociais (KRAMER, 2007).
Brinquedos e brincadeiras são importantes para as crianças, é o que nos
ensina Kishimoto (2010, p. 1):
Entre as coisas de que a criança gosta está o brincar, que é um dos
seus direitos. O brincar é uma ação livre, que surge a qualquer hora,
iniciada e conduzida pela criança; dá prazer, não exige como
condição um produto final; relaxa, envolve, ensina regras,
linguagens, desenvolve habilidades e introduz a criança no mundo
imaginário.

Percebemos, a partir da citação da autora, que a criança se desenvolve de


maneira plena com o brincar, pois este o leva a interagir, ensina regras que podem
ser mudadas conforme suas vontades e necessidades. Kishimoto (2010) explicita
que a criança pode utilizar os jogos e brinquedos conforme lhe convier, pois quando
brinca ela é a condutora desse ato que é livremente iniciado pela mesma.
Em vista disso, estamos entendendo que no espaço da Educação Infantil é
importante o brincar nas experiências das crianças, pois por meio das brincadeiras e
dos brinquedos que as mesmas irão apreender o mundo e se desenvolver. Ou seja,
na nossa perspectiva, as brincadeiras e os brinquedos têm uma importância
primordial nessa etapa de vida das crianças, a infância. E é exatemente por
entendermos, a partir dos nossos estudos, que meninas e meninos não têm
concepções sobre brinquedo e brincadeira de menina e de menino, que se torna
imprescinvel discutirmos as quetões de gênero e sexualidade, as quais perpassam o
cotidiano das crianças na Educação Infantil.
Temos compreendido, a partir de nossos estudos em diversos teóricos da
temática de gênero e sexualidade e por meio de observações quando realizamos
práticas e estágios nas instituições que atentedem a infância, que a escola ainda
hoje é muito tradicional, como se ela não tivesse avançado juntamente com a
sociedade. Ou seja, percebemos diversas discussões sendo realizadas em outras
instâncias tais como mídias, igrejas, e elas são silenciadas na escola.

NI, 2015), questões muito


pertinentes e imprescindíveis para o nosso estudo. Com a votação dos planos de
55
em que
as correntes conservadoras tentam, de uma maneira distorcida, convencer pais e

55
A Cartil

órgão da publicação.
mães que a escola está ensinando as crianças que as mesmas não seriam mais
meninas e meninos.
Furlani (2015) explica que devemos entender que as crianças irão nascer
homem ou mulher, menino ou menina, pois sua identidade biológica será definida ao
nascer56. O que estudiosas/os da área entendem, e querem, é que a escola
problematize que as relações de gênero e sexuais, ou seja, o ser menino e o ser
menina é uma construção social, histórica e cultural nas quais perpassam relações
de poder.
Hoje temos verificado nas escolas uma repetição do que muitas famílias e
algumas religiões ensinam. Afirmam que as meninas são naturalmente frágeis,
comportadas e meigas e os meninos são fortes, agitados e se dão bem em público.
Nessa perspectiva, a escola que deveria ser um ambiente inclusivo é por sua vez
um ambiente excludente, pois se ela não discutir relações de gênero e sexual, bem
como as novas formações familiares da sociedade, como irá incluir todos os
sujeitos? Como irá contribuir para acabar com o sexismo, o racismo, a homofobia e
as diversas outras formas de discriminação existentes na sociedade?
Especificamente em relação às crianças, quase sempre quando são
concebidas no ventre materno, já são classificadas e diferenciadas pela sociedade
de acordo com seu sexo biológico. Se for menina ou menino já se tem objetivado um
determinado comportamento. E muitas vezes isso se mostra também nas
instituições que cuidam e educam essas crianças, como afirma Finco (2010, p. 122):
Homens e mulheres adultos educam crianças definindo em seus
corpos diferenças de gênero. As características físicas e os
comportamentos esperados para meninos e meninas são reforçados,
às vezes inconscientemente, nos pequenos gestos e práticas do dia-
a-dia na Educação Infantil. O que é valorizado para a menina não é,
muitas vezes, apreciado para o menino, e vice-versa.

Portanto, pensar questões de gênero e sexualidade dentro das instituições de


Educação Infantil (creches e pré-escola) é muito importante, pois muitas das vezes

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biologia" definida. Embora, estatisticamente, em número menor, crianças INTERSSEXUAIS são


aquelas que nascem com ambiguidade biológica (ausência ou formação incompleta dos genitais).
professoras/es acabam por perpetuar definições de gênero e de sexualidade
consideradas dentro da norma/padrão para crianças, mesmo que de forma
inconsciente.
Em relação às brincadeiras e às escolhas dos brinquedos, muitas vezes essas
são interpretadas de maneiras equivocadas pelas/os professoras/es, que acreditam
que uma simples brincadeira entre as crianças poderá definir futuramente a
orientação sexual das mesmas. Campos (2014, p. 5) nos mostra isso quando
escreve:
Ressalto acerca das brincadeiras, que elas quase sempre acontecem
cercadas de preconceitos em relação a gênero e sexualidade, ou
seja, às vezes, meninos e meninas não podem brincar livremente
experimentando todas as possibilidades de aprendizagens e
crescimento.

O preconceito e o senso comum levam muitos profissionais a privarem as


crianças de brincadeiras livres e espontâneas. Nessa direção, muitas vezes nas
instituições de Educação Infantil, as/os profissionais têm perpetuado a ideia de que a
sexualidade das crianças irá se definir e não se modificará mais ao longo de sua
vida. Assim, elas/es acreditam que devem vigiar as crianças para que as mesmas
não se desviem da heterossexualidade, cuidando, portanto de suas brincadeiras e
das escolhas dos brinquedos que são considerados adequados para cada um dos
gêneros.
E, para mudarmos essa situação, registramos que as instituições de Educação
Infantil devem estar atualizadas com os estudos acerca da temática, objeto da nossa
pesquisa, pois cuidam e formam cidadãos/ãs para uma sociedade em que as
diversas formas de viver a sexualidade estão mudando. Portanto, debater as
questões de gênero e de sexualidade precisa ser parte do cotidiano das instituições,
para que as crianças possam viver uma infância completa, sem serem cortadas,
julgadas e obrigadas a seguirem padrões, por si só, antiquados e errôneos.

Percursos empíricos
A instituição pesquisada fica localizada no distrito de Indápolis, cidade de
Dourados, estado de Mato Grosso do Sul. Não informaremos neste artigo o nome da
instituição nem de seus profissionais, pois optamos por manter estas informações
em sigilo. Também as crianças participantes da pesquisa aparecerão com nomes
fictícios.
Por se tratar de uma instituição que recebe crianças moradoras da zona rural,
possui salas multiseriadas. Assim, a turma da Pré-Escola na qual realizamos as
observações era formada por crianças com idades entre 04 e 05 anos. A turma tinha
uma professora regente que ministrava atividades na segunda, terça, quinta e sexta.
Além da professora regente, realizavam atividades com as crianças mais três
profissionais. Duas professoras que eram responsáveis pelas atividades de artes e
patrimônio cultural e um professor que regia as atividades de educação física.
Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido foram enviados aos
responsáveis pelas crianças e contamos com um número de 08 crianças autorizadas
a participarem do nosso estudo, sendo 07 meninos (Antônio, Carlos, Diego, Felipe,
Gustavo, Marcelo, Marcos) e 01 menina (Maria).
Criança, segundo o Artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente é a
pessoa de até doze anos de idade incompleto (BRASIL, 1990). Assim, neste
trabalho, estamos entendendo a criança como sujeito de direito, que deve ser
educada e cuidada pela família e sociedade, que vivencia, interioriza e produz
cultura e

formas sua compreensão do mundo.


As crianças de nossa pesquisa, como já citado, são todas da zona rural e suas
brincadeiras quase sempre giravam em torno de acontecimentos do seu dia a dia.
Quando estavam na instituição tinham acesso aos seguintes brinquedos: massa de
modelar; peças de montar e alguns bichos de pelúcia. Observarmos que a instituição
não tinha muitos brinquedos e os que estavam à disposição das crianças deram a
impressão de estarem sendo utilizados há algum tempo. Com isso, meninas e
meninos não desfrutavam de muitas opções.
Kishimoto (2010) nos mostra a importância de se ter brinquedos de qualidade
nas instituições:
Cabe à creche e à pré-escola, espaços institucionais diferentes do
lar, educar a criança de 0 a 5 anos e 11 meses com brinquedos de
qualidade, substituindo-os, quando quebram ou já não despertam
mais interesse. [...] A seleção de brinquedos envolve diversos
aspectos: ser durável, atraente, adequado e apropriado a diversos
usos; garantir a segurança e ampliar oportunidades para o brincar;
atender à diversidade racial, não induzir a preconceitos de gênero,
classe social e etnia [...] (KISHIMOTO, 2010, p. 2).

A partir da autora, entendemos que os brinquedos precisam despertar nas


crianças interesse, permitir que as mesmas possam expressar livremente sua
criatividade.
Foi possível observarmos, nos horários de intervalo, que as crianças brincavam
de pega-pega, corre-corre e esconde-esconde. E que essas brincadeiras ocorríam
junto com as crianças maiores, pois a instituição não organizava recreios separados
para as crianças da Educação Infantil - turma da Pré-Escola.
Especificamente em relação às brincadeiras de meninas e meninos,
observarmos que os meninos costumavam brincar de montar armas, carrinhos e
como são crianças da zona rural, eles gostavam de montar tratores, colheitadeiras e
máquinas de passar veneno, levando para suas brincadeiras, na instituição, as
vivências de seu cotidiano. Importante salientarmos, a partir dessa nossa
observação do cotidiano dos meninos, os estudos de Kishimoto (2010). Entendemos
que agindo assim, as crianças estão socializando a cultura na qual estão inseridas e,
a partir disso, podem reproduzir o seu dia a dia de casa, bem como criar novas
brincadeiras enriquecendo suas experiências.
Já as meninas costumavam brincar de casinha e de montar prédios. Quando
estavam brincando com a massa de modelar gostavam de construir utensílios de
casa tais como xícara, panelinha e bolos, demonstrando dessa forma os
apontamentos trazidos por Finco (2010) de que as crianças acabam por
corresponder às expectativas das famílias e das demais instâncias de educação.
Neste caso específico, as meninas acabavam por reproduzir uma feminilidade
entendida como sendo natural delas.
Mas, em contrapartida, assistimos em determinados momentos os meninos
fugindo às perspectivas impostas pela sociedade, quando brincavam juntamente
com as meninas, e/ou entre eles mesmos, de casinha, de cozinhar e de fazer
xícaras com a massinha de modelar. Ou seja, ficou perceptível para nós, conforme
escreveu Campos (2014), que as meninas e os meninos não têm comportamentos
predefinidos para cada um dos gêneros e podem se relacionar de maneiras não
sexistas no seu dia a dia, modificando padrões determinados a priori, abrindo um
caminho para relações de gênero mais igualitárias.
Antes de apresentarmos os exertos do Diário de Campo produzido a partir das
nossas observações, precisamos evidenciar como estamos apreendendo gênero e
sexualidade. Gênero é a forma como cada sujeito se identifica independentemente
de sua identidade biológica, ou seja, uma criança com identidade biológica
masculina pode se identificar com o gênero feminino (SCOTT, 1995).
Para Louro (2011), gênero é a forma como as pessoas se veem ou se sentem,
femininos ou masculinos, independente do que define a biologia. E sexualidade
seria, para a autora, a forma como cada sujeito lida com seus prazeres e desejos,
arranjos, jogos e parcerias independente da identidade biológica ou de gênero.
Importante lembrarmos que gênero e sexualidade, ambos os termos, são invenções
históricas e culturais, pois cada sociedade vê e vive essas identidades de diferentes
maneiras e, na maioria das vezes, impõe o que é correto ou considerado normal
para seus indivíduos, sem levar em consideração que cada sujeito possui
identidades diferentes e que devem ser respeitados.
A professora regente, Fátima57, era muito carinhosa com as crianças da turma
da Pré-Escola. Observamos que a mesma se empenhava para levar novidades para
as crianças, de maneira que as mesmas se interessem pelas atividades propostas.
Ficou evidente, no dia a dia com a turma, que a professoa tentava ao máximo dar
conta do conteúdo necessário/previsto para essas crianças, mas cuidando para não
tirar o tempo de brincar. A mesma procurava deixar as crianças se expressarem de
diversas formas, ficando perceptível que ela não propunha muitas brincadeiras
dirigidas.
A professora distribuiu pecinhas para as crianças brincarem e as
meninas começaram a brincar de casinha e o Antonio, Marcelo,
Felipe, Marcos, Diego e Gustavo pediram para brincar também. Elas
57
Nome fictício.
disseram que sim e todos ficaram brincado de casinha. Na
brincadeira o Marcelo era o papai que levava os meninos para a roça
para plantar e colher o milho e as meninas ficaram em casa
brincando de ursinho e a Maria que era a mamãe foi fazer comida
(Diário de Campo, 14/06/2016).

No dia a dia da sala, assim como nas brincadeiras, verificamos que a


professora não fazia diferença entre meninas e meninos. Por exemplo, na hora de
fomar a fila, ela utilizava o tamanho das crianças como critério e faz uma única fila.
Como também, na hora de distribuir os brinquedos, como aconteceu na cena
reproduzida anteriormente, ela os colocou ao alcance das crianças sem determinar
quem deveria brincar com tal brinquedo, deixando que as mesmas fizssem suas
escolhas.
Conforme afirma Finco (2003, p. 98):
A forma como a professora organiza sua prática, deixando disponível
e dando acesso a uma diversidade de brinquedos para as crianças
experimentarem e conhecerem diferentes papéis, sem determinar
posições e comportamentos para meninos e meninas, favorece que
não sejam determinados papéis específicos em função de seu sexo.

Durante as brincadeiras constatamos que as crianças, às vezes, faziam


difirenciações entre elas, dizendo de que forma meninas e meninos deveriam brincar
ou se vestir. Vejamos a cena a seguir.
Logo no inicio das atividades Felipe e Marcelo estavam mostrando
aos amigos que estavam usando tênis do Bem 10, que é um

afirmaram que menina não usa nada do Bem 10 pois é de menino e


a professora interferiu dizend
gostam, portanto se a Maria quer uma blusa dele não importa se ela

Como já temos discutido ao longo deste texto, as crianças a priori não


diferenciam o que é brinquedo e brincadeira de meninas e de meninos. Em nossas
obervações percebemos que as atitudes das crianças em sala, traziam concepções
que podem ter sido aprendidas em casa, com a família ou em outras relações
empreendidas fora da instituição.
Assim, importante quando a professora interferiu e mostrou que meninas
também podem usar roupas com estampas de desenhos que são considerados de
meninos, pois dessa maneira ela problematizou a temática com as crianças,
possibilitando-lhes entenderem que as determinações do que é de menina e o que é
de menino não são naturais e sim, construídas socialmente.
Entendemos ser papel da instituição e das/os profissionais que trabalham com
a infância debater essas questões para que as crianças possam reconstruir o que
elas já trazem aprendido de outras instâncias. E é durante as brincadeiras e/ou
relações do cotidiano na Escola que as crianças reproduzem as concepções
aprendidas, como poderemos ver na próxima cena.
A professora foi passar um batom de cacau e a Maria viu e pediu

olhando e a professora perguntou se ele queria passar também


explicando que o batom de cacau pode ser usado por mulher e
homem. O Gustavo e o Felipe passaram batom depois da explicação

CAMPO, 09/06/2016).

Esta atitude tomada por Diego demonstra como, às vezes, é dificil descontruir o
que as crianças aprendem em casa, pois afinal os/as pais/mães são referências
muito importantes e significativas nas vidas de todas as crianças. Depreendemos, a
partir disso, que a professora precisa trabalhar essas questões diariamente, estar
atenta ao que é trazido pelas crianças, repeitando suas ideias e construções, mas
aos poucos e com cuidado, ir atuando de forma a possibilitar às meninas e meninos
perbecerem que essas concepções são criadas e não são verdades absolutas.
No registro que apresentamos em seguida, atentamos para o fato de como a
professora agiu de maneira simples, calma e criativa ao se deparar com uma
situação envolvendo os órgãos sexuais e o entendimento que algumas crianças já
demonstaram os conceitos que têm, mesmo sendo pequenas.
Durante uma brincadeira de massinha o Antonio falou para a Maria
fazer um pinto de massinha, ela ficou muito brava e foi falar com a

Maria um pinto é o que nós chamamos de


pintinho que é o filhinho da galinha, isso que você me mostrou se

conformada e a professora pediu para o zelador da escola que


buscasse um pinto de galinha para mostrar para a Maria, ele trouxe
numa caixa e a professora mostrou para a sala inteira explicando que
um pinto era aquilo e que o órgão masculino se chama pênis e o
órgão feminino se chama vagina. Depois disso as crianças voltaram
a brincar de massinha (DIÁRIO DE CAMPO, 02/06/2016).

Com essa atitude a professora conseguiu acalmar a Maria que se mostrava


inconformada com a atitude de Antonio e, aproveitando a oportunidade, explicou
para as crianças como são identificados os órgãos sexuais e que devemos chamá-
los pelos nomes científicos: pênis e vagina58. Pais e outras pessoas próximas às
crianças, ao usarem nomes um tanto inusitados para ensinar as mesmas, podem
gerar situações que deixam as crianças confusas, assim é papel da escola ensinar a
forma correta e não silenciar o assunto.
No decorrer da pesquisa houve vários momentos em que as crianças
transgrediram o que a sociedade considera pré-determinado. E como durante essas
transgressões não houve nenhuma repreensão contra as mesmas, tal fato foi
percebido como um ponto positivo nas relações da turma/Escola.

brincadeira Antonio e Diego brincam de papai e filhinho e o Antonio


faz de conta que está cozinhando para o Diego (DIÁRIO DE CAMPO,
31/05/2016).

(DIÁRIO DE CAMPO, 01/06/2016).

Enquanto as crianças esperam outra atividade os meninos que


estavam sentados em uma mesa ficaram brincando de papai e

respondeu que sim, enquanto o Marcelo faz o leite, o Antonio


começa a discutir com o

dá uma tampinha pro Antonio. Depois o Marcelo faz de massinha um


bolo e fala que é aniversario do Antonio (DIÁRIO DE CAMPO,
17/06/2016).

A professora demonstrou calma e tranquilidade ao lidar com os acontecimentos


anteriores, porém não conseguiu agir de forma assertiva com o seguinte ocorrido.

58

do órgão feminino, portanto aquele que as crianças veem. Nós concordamos com tal orientação, mas
tal fato não invalida a atitude da professora, que corretamente disponibilizou para as crianças as
informações que as instituições precisam trabalhar com elas.
A professora sai para o intervalo e na volta o Diego disse para ela
que pegou o Marcelo e o Antonio se beijando na boca, e as crianças
da sala ficavam falando que eles estavam namorando. A professora

contar tudo pro pai do Antonio, mais tarde ela disse que era pra ele
mesmo contar o que fez quando chegasse em casa. Com isso a

tipo de comportamento acontece por


causa dos próprios pais que incentivam desde cedo os filhos a serem

21/06/16).

Percebemos que a professora tratou a situação com uma ação de repreensão,


mostrando assim que os profissionais da educação, quando se deparam com um
caso de sexualidade das crianças, logo repreendem as mesmas, adotando uma
educação de contenção e vigilância, pois passam a observá-las para que casos
como esse não se repitam, pois quase sempre expressões afetivas entre os
meninos trazem a tona o medo da homossexualidade. No nosso entendimento, se a
mesma tivesse mantido a calma e conversado com as crianças, teria entendido
primeiro, se era verdade que os mesmos se beijaram e do que se tratava, já que
provavelmente era uma curiosidade de conhecer o próprio corpo e o do outro,
ocorrida dentro de uma brincadeira.
As atividades registradas nos excertos do nosso Diário de Campo mostram que
quando as crianças brincam, elas estão buscando formas prazerosas de se divertir e
que nessa diversão, muitas das vezes, não aparecem relações sexista, não existe
uma diferença de gênero, elas brincam e dentro dessa brincadeira não estabelecem
separação entre brincadeiras e brinquedos de meninas e meninos. O gosto delas é
viveciarem diferentes experiências. Nesse aspecto, vale acentuarmos Finco (2003,
p. 89), quando aponta em sua pesquisa que:
[...] a Educação Infantil pode ser o lugar onde as crianças encontrem
o espaço para viver a infância. Não somente uma infância que lhes
garanta o direito à brincadeira, mas que lhes possibilite protagonizar
seus desejos e suas escolhas; que lhes permita usufruir o direito à
diferença e à livre expressão, trazendo novas forças, novas vozes e
novos desejos.
A partir dessa importante citação de Finco (2003), destacamos que as crianças
precisam ter a liberdade de brincar com meninas e meninos, interagirem, fazerem
escolhas, experimentarem o mundo, expressando-se da forma que quiserem,
criando seus próprios caminhos de aprendizados. Quanto a nós, adultos envolvidos
nas diversas situações, precisamos respeitá-las, acompanhá-las, contribuindo para o
desenvolvimento integral de todas.

Considerações finais
Entendemos, a partir dos estudos realizados, que desde o nascimento a
sociedade tem posicionado as crianças em dois polos, feminino e masculino, homem
e mulher, não levando em conta as diferentes manifestações de gênero e as demais
orientações sexuais. Quase sempre a sociedade, família e educadoras/es têm uma
conduta vigilante em relação às meninas e meninos para que estas/es não saiam da
norma socialmente definida para a sexualidade, quer seja, a heterossexualidade.
Mas, aprendemos, as crianças são muito mais complexas do que essa classificação
entre feminino e masculino, heterossexual e homossexual. E compreendemos,
também, que as construções das identidades de gênero e sexuais acontecem ao
longo de toda vida e não somente durante a infância.
A pesquisa empírica que realizamos nos mostrou que as crianças, na maioria
das vezes, já chegam às instituições de educação trazendo conceitos e concepções
sobre o que é ser menina e menino. E que dentro das relações que ocorrem em sala
elas expressam o que sabem. Mas foi possível percebermos, também, que as
meninas e os meninos não têm comportamentos predefinidos para cada um dos
gêneros e sexualidades, e que podem se relacionar de maneiras não sexistas e
menos preconceituosas no seu dia a dia, modificando padrões determinados a priori,
abrindo um caminho para relações de gênero mais igualitárias e uma compreensão
equânime sobre as sexualidades.
Concluímos, portanto, que as crianças através de seus brinquedos e
brincadeiras transgridem os vários discursos e práticas sociais tidos como corretos,
pois as mesmas questionam, aceitam e/ou rejeitam normas e buscam explorar seus
corpos e o de outras crianças. Aludimos, para finalizar, o quão significativo é
discutirmos as questões de gênero e sexualidade na instituição de Educação Infantil,
para podermos possibilitar às crianças vivenciarem as diversas formas de ser
menina e ser menino ao longo da infância.

Referências

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Conheça essa ideologia e


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