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MENINOS - INDÁPOLIS/MS
Introdução
Estudos teóricos que realizamos em Campos (2014), Finco (2003; 2010),
Furlani (2015), Louro (2011), Scott (1995) e Xavier Filha (2014) nos mostraram que
as crianças não possuem comportamentos predeterminados para cada um dos
gêneros, não se relacionam a priori de forma sexista e não possuem concepções
naturais do que é ser homem e ser mulher. Compreendemos que tais construções
se constituem a partir das relações desenvolvidas nos diversos espaços de suas
convivências, ou seja, comportamentos referentes a gênero e sexualidade são
construídos pelas crianças através do convívio com outras pessoas, em várias
instâncias, dentre elas as instituições de Educação Infantil.
No nosso país, a Educação Infantil é reconhecida como primeira etapa da
Educação Básica (BRASIL, 1996) e constitui-se em um espaço no qual as crianças
passam boa parte de sua infância. Nesses lugares aprendem e se desenvolvem,
ampliando e diversificando os conhecimentos adquiridos nas famílias e nas demais
relações sociais com a comunidade.
Nesse contexto, nosso artigo traz recorte de uma pesquisa cujo objetivo foi
conhecer e compreender os conceitos de gênero e sexualidade que perpassam as
brincadeiras e os brinquedos de meninas e meninos. Para desenvolvê-la,
primeiramente, nós realizamos uma ampla pesquisa bibliográfica em autoras/es das
áreas de Educação Infantil, brinquedos/ brincadeiras, gênero e sexualidade que nos
deram suporte teórico para a investigação. Depois, empreendemos observações de
caráter etnográfico em uma turma da Pré-Escola, no distrito de Indápolis, município
de Dourados, estado de Mato Grosso do Sul, cujos dados foram registrados em
Diário de Campo.
Destacamos a importância social deste trabalho, pois o mesmo pretendeu
colocar em evidência uma temática que está em discussão nos diferentes meios da
sociedade contemporânea. E, nessa direção, nós acreditamos ser importante
apresentá-lo no 3º Congresso de Eucação da Grande Dourados.
Percursos teóricos
No final do século XIX surgiram, no Brasil, as primeiras instituições de
atendimento às crianças pequenas, as creches e jardins de infância. Com o
processo de industrialização, as mulheres ingressaram no mercado de trabalho,
gerando a necessidade de uma instituição em que elas pudessem deixar suas
crianças. Como escreveu Faria (2006, p. o ingresso em massa
das mulheres no mercado de trabalho e o movimento feminista que vai exigir
creches para dividir com a sociedade a educação de seus filhos e filhas
Temos, a partir da promulgação da Constituição Federal/1988, o
reconhecimento da educação em creches e pré-escolas como um direito da criança
e um dever do Estado a ser cumprido nos sistemas de ensino. Com a Lei nº 8.069,
de 13 de julho de 1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) esse direito é reafirmado no Artigo 53 em que criança e o adolescente têm
direito à educação, visando seu pleno desenvolvimento e preparo para o exercício
da cidadania e qualificação para o trabalho. E o Artigo 54 que garante em seu item
IV e e pré-
(BRASIL, 1990).
A Lei número 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB/94), estabeleceu e reafirmou o atendimento em creches ou
entidades equivalentes para crianças de 0 a 3 anos e pré-escolas, para crianças de
4 a 6 anos de idade. A LDB passa a chamar o atendimento à criança pequena de
Educação Infantil e definiu que a mesma iria compor a primeira fase da Educação
Básica proposta no Artigo 21 do parágrafo I
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A Cartil
órgão da publicação.
mães que a escola está ensinando as crianças que as mesmas não seriam mais
meninas e meninos.
Furlani (2015) explica que devemos entender que as crianças irão nascer
homem ou mulher, menino ou menina, pois sua identidade biológica será definida ao
nascer56. O que estudiosas/os da área entendem, e querem, é que a escola
problematize que as relações de gênero e sexuais, ou seja, o ser menino e o ser
menina é uma construção social, histórica e cultural nas quais perpassam relações
de poder.
Hoje temos verificado nas escolas uma repetição do que muitas famílias e
algumas religiões ensinam. Afirmam que as meninas são naturalmente frágeis,
comportadas e meigas e os meninos são fortes, agitados e se dão bem em público.
Nessa perspectiva, a escola que deveria ser um ambiente inclusivo é por sua vez
um ambiente excludente, pois se ela não discutir relações de gênero e sexual, bem
como as novas formações familiares da sociedade, como irá incluir todos os
sujeitos? Como irá contribuir para acabar com o sexismo, o racismo, a homofobia e
as diversas outras formas de discriminação existentes na sociedade?
Especificamente em relação às crianças, quase sempre quando são
concebidas no ventre materno, já são classificadas e diferenciadas pela sociedade
de acordo com seu sexo biológico. Se for menina ou menino já se tem objetivado um
determinado comportamento. E muitas vezes isso se mostra também nas
instituições que cuidam e educam essas crianças, como afirma Finco (2010, p. 122):
Homens e mulheres adultos educam crianças definindo em seus
corpos diferenças de gênero. As características físicas e os
comportamentos esperados para meninos e meninas são reforçados,
às vezes inconscientemente, nos pequenos gestos e práticas do dia-
a-dia na Educação Infantil. O que é valorizado para a menina não é,
muitas vezes, apreciado para o menino, e vice-versa.
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Percursos empíricos
A instituição pesquisada fica localizada no distrito de Indápolis, cidade de
Dourados, estado de Mato Grosso do Sul. Não informaremos neste artigo o nome da
instituição nem de seus profissionais, pois optamos por manter estas informações
em sigilo. Também as crianças participantes da pesquisa aparecerão com nomes
fictícios.
Por se tratar de uma instituição que recebe crianças moradoras da zona rural,
possui salas multiseriadas. Assim, a turma da Pré-Escola na qual realizamos as
observações era formada por crianças com idades entre 04 e 05 anos. A turma tinha
uma professora regente que ministrava atividades na segunda, terça, quinta e sexta.
Além da professora regente, realizavam atividades com as crianças mais três
profissionais. Duas professoras que eram responsáveis pelas atividades de artes e
patrimônio cultural e um professor que regia as atividades de educação física.
Os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido foram enviados aos
responsáveis pelas crianças e contamos com um número de 08 crianças autorizadas
a participarem do nosso estudo, sendo 07 meninos (Antônio, Carlos, Diego, Felipe,
Gustavo, Marcelo, Marcos) e 01 menina (Maria).
Criança, segundo o Artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente é a
pessoa de até doze anos de idade incompleto (BRASIL, 1990). Assim, neste
trabalho, estamos entendendo a criança como sujeito de direito, que deve ser
educada e cuidada pela família e sociedade, que vivencia, interioriza e produz
cultura e
CAMPO, 09/06/2016).
Esta atitude tomada por Diego demonstra como, às vezes, é dificil descontruir o
que as crianças aprendem em casa, pois afinal os/as pais/mães são referências
muito importantes e significativas nas vidas de todas as crianças. Depreendemos, a
partir disso, que a professora precisa trabalhar essas questões diariamente, estar
atenta ao que é trazido pelas crianças, repeitando suas ideias e construções, mas
aos poucos e com cuidado, ir atuando de forma a possibilitar às meninas e meninos
perbecerem que essas concepções são criadas e não são verdades absolutas.
No registro que apresentamos em seguida, atentamos para o fato de como a
professora agiu de maneira simples, calma e criativa ao se deparar com uma
situação envolvendo os órgãos sexuais e o entendimento que algumas crianças já
demonstaram os conceitos que têm, mesmo sendo pequenas.
Durante uma brincadeira de massinha o Antonio falou para a Maria
fazer um pinto de massinha, ela ficou muito brava e foi falar com a
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do órgão feminino, portanto aquele que as crianças veem. Nós concordamos com tal orientação, mas
tal fato não invalida a atitude da professora, que corretamente disponibilizou para as crianças as
informações que as instituições precisam trabalhar com elas.
A professora sai para o intervalo e na volta o Diego disse para ela
que pegou o Marcelo e o Antonio se beijando na boca, e as crianças
da sala ficavam falando que eles estavam namorando. A professora
contar tudo pro pai do Antonio, mais tarde ela disse que era pra ele
mesmo contar o que fez quando chegasse em casa. Com isso a
21/06/16).
Considerações finais
Entendemos, a partir dos estudos realizados, que desde o nascimento a
sociedade tem posicionado as crianças em dois polos, feminino e masculino, homem
e mulher, não levando em conta as diferentes manifestações de gênero e as demais
orientações sexuais. Quase sempre a sociedade, família e educadoras/es têm uma
conduta vigilante em relação às meninas e meninos para que estas/es não saiam da
norma socialmente definida para a sexualidade, quer seja, a heterossexualidade.
Mas, aprendemos, as crianças são muito mais complexas do que essa classificação
entre feminino e masculino, heterossexual e homossexual. E compreendemos,
também, que as construções das identidades de gênero e sexuais acontecem ao
longo de toda vida e não somente durante a infância.
A pesquisa empírica que realizamos nos mostrou que as crianças, na maioria
das vezes, já chegam às instituições de educação trazendo conceitos e concepções
sobre o que é ser menina e menino. E que dentro das relações que ocorrem em sala
elas expressam o que sabem. Mas foi possível percebermos, também, que as
meninas e os meninos não têm comportamentos predefinidos para cada um dos
gêneros e sexualidades, e que podem se relacionar de maneiras não sexistas e
menos preconceituosas no seu dia a dia, modificando padrões determinados a priori,
abrindo um caminho para relações de gênero mais igualitárias e uma compreensão
equânime sobre as sexualidades.
Concluímos, portanto, que as crianças através de seus brinquedos e
brincadeiras transgridem os vários discursos e práticas sociais tidos como corretos,
pois as mesmas questionam, aceitam e/ou rejeitam normas e buscam explorar seus
corpos e o de outras crianças. Aludimos, para finalizar, o quão significativo é
discutirmos as questões de gênero e sexualidade na instituição de Educação Infantil,
para podermos possibilitar às crianças vivenciarem as diversas formas de ser
menina e ser menino ao longo da infância.
Referências
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade, v. 2 n. 16, p. 5-22, julho/dezembro. 1995.