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44 | PÚBLICO, SEX 24 JUN 2016

Uma necropolítica internacional


das migrações?
YANNIS BEHRAKIS/REUTERS
Nacional Ciência Viva a realizar no Centro

O
Debate Refugiados de Estudos Sociais da Universidade de
Elsa Lechner Coimbra sobre este tema, denunciam um
desprezo profundo de muitos responsáveis
número de mortes de migrantes dos campos pela vida dos refugiados,
em fuga de guerras, seca e seus causando mais ou menos indirectamente
impactos alimentares, miséria, mortes físicas e simbólicas que não entram
perseguições, não cessa de nas estatísticas dos naufrágios nem nas
aumentar, acompanhando a imagens emitidas pelas televisões. A
tendência geral de aumento das denúncia é grave mas é (e já foi) assumida
migrações forçadas no mundo. publicamente. A corrupção está instalada
A Organização Mundial das nos campos de refugiados (não só no
Migrações aponta no presente seu transporte durante a fuga), onde
para a existência de 64 milhões organizações conhecidas desviam donativos
de refugiados que viajam sem qualquer e maltratam refugiados, não poupando
condição de segurança física e legal. ainda os próprios voluntários. Também as
Neste quadro, o mar Mediterrâneo polícias destratam as pessoas à espera de
tem sido o cenário mais visível de fugas passagem nas fronteiras barradas e matam
inseguras e de mortes há muito em a tiro até crianças, como se viu ainda esta
ocorrência na travessia para a Europa mas semana na Turquia.
agora transmitidas em repetidas imagens Também por isso não são só as
catastróficas veiculadas pelos meios de multiplicações dos óbitos nas estatísticas
comunicação de massa. Em finais do mês de oficiais que levantam suspeitas. São também
Maio, 550 migrantes sucumbiram de uma os volumes de negócio informal e da
só vez num naufrágio ocorrido ao largo da Mesmo quando são resgatados, encontram- avolumar de corpos mortos no cemitério indústria securitária que fazem pensar na
costa Líbia, sendo que no mês anterior outro se em condição física muito precária, líquido que é o Mediterrâneo, tal como possível e aterradora opção voluntária dos
soçobro da mesma dimensão aconteceu por desidratação, hipotermia ou asfixia os incontáveis óbitos no deserto ou as decisores políticos pelo estado das coisas.
com dois barcos vindos da Líbia e do Egipto com o fumo dos motores, e no horizonte campas sem nome em Kato Tritos ou E uma opção tomada conscientemente
rumo à Europa: cerca de 500 migrantes de um futuro completamente incerto e Mytilene na Grécia, não parecem conduzir em detrimento da segurança das vidas
oriundos sobretudo da Somália, da Eritreia imprevisível, sendo que muitos destes hoje, tal como há um ano, a qualquer em trânsito num mundo crescentemente
e do Sudão afogaram-se na sequência de um viajantes são crianças e famílias. medida política europeia ou internacional caracterizado pelas migrações forçadas. A
transbordo forçado pelos traficantes entre No caso dos migrantes subsarianos, o risco de prevenção ou apoio a estas viagens violência sobre estes migrantes é, portanto,
as respectivas embarcações. A Primavera de e a violência acompanham-nos há muito empreendidas por pessoas em fuga que múltipla: nos factores de atracção-repulsão
2015 já havia assistido ao que foi considerado desde a cruel travessia do deserto e espera não são migrantes económicos. Antes se em causa nos cenários actuais que assentam
o mais mortífero afundamento de migrantes, em campos de retenção no Norte de África observa a continuação e o acentuar das no mecanismo perverso de expulsão por
com a morte de 800 pessoas em fuga para onde permanecem longos anos com as suas causas das suas fugas, associadas a uma guerras alimentadas, alterações climáticas
a Europa. As estatísticas oficiais estimam vidas não reconhecidas, em suspenso. Quem precária política de gestão das mortes daí e respectivos impactos alimentares,
que nos últimos 12 meses morreram mais parte do Egipto (10% das chegadas) tem decorrentes, explorada por traficantes, perseguições políticas e religiosas, sem
de 5 mil migrantes em fuga no mundo, e só mais milhas marítimas ainda a percorrer contrabandistas e oportunistas de ocasião que os seus direitos fundamentais sejam
nos cinco primeiros meses do ano de 2016 até à Europa e os traficantes planeiam em terra, como por exemplo os vendedores garantidos na travessia e chegada; na
já morreram ao largo do Mediterrâneo 2443 transferências no mar como a que originou o de coletes de salvação falsos relembrados exploração ilegal dos seus desejos de
pessoas. mortífero naufrágio pelo artista Ai Weiwei na sua instalação- procura de segurança ou de vida digna;
Na rota da Líbia reactivada recentemente de 16 de Maio último. protesto em Berlim. na criminalização dos seus desígnios
e após o fechamento da rota dos Balcãs, as Os tripulantes são As seis colunas da Konzerthaus cobertas existenciais; no aproveitamento político
vítimas são novamente migrantes impedidos obrigados a mudar com coletes de náufragos chegados da precarização reiterada destas pessoas
de viajar em segurança, pagando avultadas para barcos já mortos e a lutar pela vida pelo mar em benefício de movimentos xenófobos e
somas de dinheiro por um lugar num barco
de borracha ou de madeira sem condições.
É legítimo sobrelotados com
o duplo intuito de
Egeu mostraram ao mundo no início
deste ano, para quem quis ver, o
nacionalistas que acirram incompreensões,
conflitos e ainda — como tragicamente se
Estas embarcações são apenas atestadas constatar os contrabandistas carácter monumental deste drama (gala viu recentemente com o assassinato da
com combustível suficiente para chegar às que não são salvarem a sua pele e Cinema for Peace), evidenciando nessa deputada trabalhista britânica Jo Cox —
águas territoriais europeias onde navios da as suas embarcações instalação temporária a contradição das conduzem a mortes.
Marinha de guerra e da guarda costeira ou os números dos resgates que políticas europeias (e internacionais) Por todas estas razões, é legítimo constatar
barcos humanitários os monitorizam. Os de óbitos os incriminariam, das migrações: a UE foi Prémio Nobel da que não são os números de óbitos de pessoas
navios fazem parte de operações navais da
UE contra o contrabando e para controlo das
que parecem deixando os
migrantes ao
Paz há poucos anos e parece conviver
tranquilamente com o drama e tragédia
em busca de uma vida segura, digna, ou de
pura sobrevivência (e de quem as defende)
fronteiras resgatando milhares de pessoas interessar cuidado das de milhares e milhões de vidas em fuga que parecem interessar a quem tem poder
em perigo no mar. Mas não evitam os
muitos milhares de mortes continuamente
a quem tem operações
navais. Estes são
da e para a morte. Que paz é esta? Que
mérito é esse?
de decisão. Tal nos conduz à pergunta sobre
se esta política europeia e internacional não
registadas, nem o negócio da morte que poder de dados oficiais do De tal maneira a contradição é gritante será uma opção consciente de sacrifício
dizem querer evitar. decisão conhecimento que observadores atentos e avisados dos valores civilizacionais e morais em que
Sobreviventes destes naufrágios relatam público que como activistas no terreno e jornalistas, assenta, para benefício de outros valores
coerções exercidas pelos proprietários das geram enorme legitimamente, adiantam a possibilidade que justificarão — a seus olhos de cabeças
frágeis embarcações sobre quem resiste ou indignação perante de esta tragédia ser no fundo um massacre metidas na areia — o perpetuar da guerra e
contesta tal precariedade e sobrelotação. a persistência dos voluntariamente escolhido por quem teria o da hecatombe humanitária que estamos a
Partem de noite, sob ameaça, golpes e factos e aumento dever humanitário e o poder político para o presenciar nas nossas fronteiras marítimas e
disparos dos contrabandistas ao quererem destes números de evitar (a ONU incluída). Os testemunhos de terrestres.
desistir quando descobrem o mau estado mortes. voluntárias portuguesas que participarão
dos barcos onde deverão realizar a travessia. Com efeito, o na próxima semana num estágio da Agência Investigadora no CES-Coimbra

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