legalização Luciana Boiteux vai falar, no STF, pela descriminalização até a 12ª semana de gravidez POR CÁSSIA ALMEIDA 02/08/2018 4:30 / ATUALIZADO 02/08/2018 15:15
Luciana Boiteux, do PSOL, sustentará no STF a tese da ação que pede a
descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação - Divulgação
RIO - A advogada Luciana Boiteux, do PSOL, será a responsável no Supremo
Tribunal Federal (STF) pela sustentação da tese de que criminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação desrespeita direitos fundamentais e deve ser autorizado. Segundo Luciana, a mulher não pode ser considerada "um objeto, uma reprodutora, cujo o corpo é controlado pelo Estado".
Por que descriminalizar o aborto?
A criminalização veio em 1940, antes da pílula e da Lei do Divórcio, quando
também reinava uma lógica de uma cultura patriarcal, com a ideia de mulheres submetidas ao homem e criminalizadas quando não queriam o papel de mãe dado a elas. Trinta anos depois da Constituição Cidadã de 1988, de democracia, a mulher não pode ser considerada um objeto, uma reprodutora, cujo corpo é controlado pelo Estado. O fato de ser criminalizado não impede que abortos sejam realizados, de maneira precária, respondendo por parte da mortalidade materna. A criminalização não reduz a prática do delito. Temos que usar outros mecanismos de saúde pública e não de crime, nem repressão.
Mas há contraceptivos eficazes que impedem a gravidez. Por que liberar o
aborto?
‘Em todo o hemisfério Norte, menos na Ilha de Malta, o aborto é permitido’
- LUCIANA BOITEUXadvogada
Depende de que mulheres estamos falando. As mais pobres não conseguem
uma consulta no SUS para colocar um DIU, não há amplo fornecimento de anticoncepcionais na rede pública de saúde. Anticoncepcionais podem falhar, a mulher fica numa posição vulnerável quando tem que cobrar o uso da camisinha. É sempre cobrada a posição da mulher. A tarefa tem que ser compartilhada. Há uma frase do movimento feminista que é: "Educação sexual para prevenir, anticoncepcional para não engravidar e aborto para não morrer". Uma gravidez deixa a mulher muito sensível, se estiver sozinha, a família não apoia. Essa mulher é sobrecarregada pela sociedade.
Mas a descriminalização não vai fazer aumentar os casos de aborto?
Os fatos apontam o contrário. Nos países que legalizaram o aborto, houve
redução, mas é um dado difícil de obter. Como era ilegal, há uma estimativa. As mulheres se sentem acolhidas nos serviços de saúde, têm acesso à informação, são mais apoiadas.
O Código Civil considera que a vida começa a partir da concepção.
‘Os grupos que são contra a descriminalização são os primeiros a tentar impedir que se fale de prevenção nas escolas’ - LUCIANA BOITEUXadvogada
O fato de proteger desde concepção pressupõe que não é algo absoluto. O
Código Civil é inferior à Constituição. Essa argumentação beira à misoginia: proteger uma vida quando há também outra vida para proteger. Do ponto de vista constitucional, não há direito a ser protegido nas 12 primeiras semanas de gestação. Nesse período, prevalece o direito da mulher como é interpretado na maioria dos países do mundo, que é resultado da teoria constitucional. Mantendo a criminalização, dá-se prioridade ao interesse do embrião. Trata-se de se estabelecer como a lei define a vida. Quando começa e termina a vida. A Lei dos Transplantes determinou que o fim da vida vinha com a cessação da atividade cerebral, não mais os batimentos cardíacos. O conceito da vida não está formulado.
A população é contra o aborto.
Como as pesquisas de opinião são formuladas, se pergunta se é a favor da
legalização do aborto, os entrevistados veem uma situação da mãe que mata o feto, a mulher malvada. Mas se a pergunta é "Você é a favor que uma mulher que aborta seja presa?", a maioria vai dizer que não é favorável. O debate é feito com muito tabu e pouca informação. Nessa audiência pública (nos dias 3 e 6 de agosto), vamos aprofundar o diálogo, a comunicação. A lógica absoluta conservadora, tradicional, moralista é a lógica que tem ganhado o debate. Nessa perspectiva, o Supremo pode intervir. Um exemplo é o casamento gay. A maioria pode dizer que é contrária, mas o Supremo já decidiu. Bastou um ofício do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aos cartórios, passou sem ter feito qualquer alteração na lei. O Congresso atualmente não representa a população brasileira.
O aborto é permitido em quais países?
Em todo o hemisfério Norte, menos na Ilha de Malta, o aborto é permitido. A
Irlanda aprovou recentemente depois de uma luta muito forte. Nos países onde há direito de escolha para a mulher, com escola, creche e apoio do estado com distribuição de anticoncepcional e educação sexual, os casos diminuíram. Os grupos que são contra a descriminalização são os primeiros a tentar impedir que se fale de prevenção nas escolas. Estamos atrasados nesse debate. Estados Unidos aprovou o aborto na década de 1970. A Europa toda já descriminalizou.
Se o Supremo não descriminalizar, o que o Partido vai fazer?
A nossa estratégia de luta não é exclusivamente o Supremo. Há um projeto de
lei em tramitação no Parlamento, e a mobilização popular nas ruas tem aumentado. Vejo esse julgamento com muito otimismo. Para mim, não é uma hipótese ter um resultado desfavorável, na perspectiva do estado laico, da cidadania feminista. Mais da metade da população não tem direito sobre o próprio corpo. Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/criminalizar-aborto-nao-diminui-pratica-diz- advogada-em-defesa-da-legalizacao-22940173