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1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como foco central o estudo de atitudes linguísticas no contexto
de escolas públicas da cidade de Juiz de Fora, um dos polos regionais do Estado de Minas
materna buscando investigar atitudes linguísticas dos alunos que, por hipótese, teriam
Isso porque a distância que ainda existe entre o discurso acadêmico e a sala de aula, entre o
prestígio da variedade culta da língua utilizada pela escola e os dialetos desprestigiados dos
certa inquietação. Acreditamos que, hoje, uma parcela considerável desses professores
1
Esse trabalho foi apresentado no VI Congresso Internacional da ABRALIN, em março de 2009.
2
em língua materna, mas a transição da teoria para a prática ainda gera desconfortável
avaliam a variedade utilizada por eles próprios, por seus interlocutores e pela escola, tendo
em vista os traços correlacionados com sua posição social, ou ainda com as práticas de
oralidade e letramento, pode abrir caminho para, entre outros, possibilitar a otimização da
mas da investigação sobre como os alunos, no quadro atual da escola brasileira, avaliam a
importante para se definirem novos rumos para o tratamento escolar da língua materna.
2 AS ATITUDES LINGUÍSTICAS
O estudo das atitudes linguísticas é uma das tarefas que a Sociolinguística se propõe,
sendo mesmo uma das suas cinco questões fundadoras (WEINREICH; LABOV;
subjetivos do usuário quanto à sua própria variedade linguística e à dos seus interlocutores.
2
Utilizamos a versão 2006, que traz o texto traduzido para o português. A questão da avaliação linguística
é um dentre os outros problemas: fatores condicionantes, transição, encaixamento e implementação.
3
modalidades, como foi traduzido em português por Bortoni-Ricardo (1977), foi sofrendo
de textos, por exemplo) ora quanto à escala de avaliação. Em relação a esta última, a mais
conhecida tem sido a do diferencial semântico, que consiste na construção de uma série de
escalas bipolares de sete pontos, com adjetivos de valores opostos colocados em ambas as
extremidades de cada escala. Desse modo, uma pessoa pode classificar uma amostra de
reações subjetivas dos falantes às amostras de fala e, consequentemente, aos dialetos dos
sujeitos avaliados.
Essa metodologia tem também a vantagem de fazer emergir certas dimensões das
pesquisa.
3 A PESQUISA DE CAMPO
escuta oferecidos aos alunos para avaliação. Apresentamos também uma análise da
abaixo:
Contínuo de urbanização
----------------------------------------------------------------------------------------------------------►
Como se observa nesse contínuo, os falantes rurbanos ficam situados entre os dois
polos, rural e urbano. Trata-se de indivíduos “[...] migrantes da zona rural, que conservam
submetidos à influência urbana, seja pela mídia, seja pela absorção de tecnologia
pontos do contínuo rural-urbano. Esses falantes, todos naturais da cidade mineira de Juiz
de Fora (MG), nos concederam entrevistas em que discorreram sobre o tema Mudanças
selecionamos pequenos trechos que apresentamos abaixo, seguidos dos traços considerados
pontos do contínuo3.
3
A escolha da convenção aqui utilizada para as transcrições foi sugeria pela Profª Drª Lucia Quental e é baseada
em uma adaptação daquelas de Tannen (1993) e Shiffrin (1987).
5
Sua fala apresenta alguns traços graduais4, comuns no português do Brasil, ao lado de
outros característicos da variedade culta. Aqui podem ser observados alguns dos resultados
um processo de interação entre uma fala tensa, “(...) marcada pela preocupação com regras
4
São traços graduais os que “[...] estão presentes no repertório de todos os grupos sociais, variando apenas a sua
frequência e a maneira como se associam aos diversos estilos ou registros.” (BORTONI-RICARDO, 2005, p.
137).
5
Certamente, o autor atribui aqui ao conceito de gramática tradicional o significado de norma.
6
átonos. Esse traço não é percebido pelos falantes e ouvintes do português. Leite e Callou
A opção por uma vogal baixa aberta, [ε] ou [Ɔ], ou alta fechada, [i] ou [u], obedece
a condicionamentos estruturais e sociais, sutilezas que passam desapercebidas aos
falantes e ouvintes. O primeiro condicionamento é a presença de uma vogal alta ou
baixa na sílaba acentuada, como em c[u]ruja e p[i]rigo, em vez de coruja e perigo,
P[ε]lé e b[Ɔ ]lota, em vez de Pelé e bolota.
comum a todas as variedades do português brasileiro está ligado às nossas raízes históricas.
As línguas faladas pelos negros trazidos da África (nagô, bantu, umbundo, quimbundo,
etc.), apesar de diferentes entre si, tinham um caráter comum: não possuíam o [R] final.
infinitivo com [R] final, como também transmitiram essa característica a seus descendentes
e às pessoas com as quais conviviam. Dada a sabida influência de seu contato com a
população de língua portuguesa, pode-se compreender por que esse traço fonético se
português europeu.6
6
Informações obtidas na Conferência proferida pelo Prof. Dr. Mário Roberto Lobuglio Zágari,
na XVIII Semana de Estudos Clássicos, em outubro de 2006, na Faculdade de Letras da UFJF.
7
Por isso a oposição entre as duas formas [meλo’row] – [meλo’ro] não é percebida no
plural caracteriza essa fala como sendo exemplo de variedade culta. “O fenômeno sob
estudo é abordado pela tradição gramatical brasileira como sendo de natureza obrigatória,
com base explícita ou implícita, na escrita ou na fala de pessoas cultas, num registro formal
Como se vê, esse falante está dentro do que o projeto NURC-SP reconhece como
falante culto. Reproduzimos aqui, mais uma vez, a identificação, feita por Preti (1997:26),
A partir de agora, portanto, nos referiremos ao Falante I, Mara, como sendo um falante
urbano/culto.
distritos, chamado Rosário de Minas, considerado zona rural. Nunca frequentou escola e é
sibilante final não-morfêmica, como no caso acima, sendo menos comum, se torna um
variedade rural e que, segundo Bortoni-Ricardo (op. cit.:60), sofre o grau máximo de
de Labov (1972:180) a respeito das variantes que se tornam estereótipos das falas
Nesses falares, a perda dessa palatal se dá pelo mesmo motivo por que se perde a nasal
língua portuguesa.
ausência de concordância do verbo com seu sujeito, ainda que adjacente a ele, e a forma
RICARDO, op.cit.:52).
(iv) Pobrema
Na história da língua portuguesa, o fonema [l], como segundo elemento do grupo
consonantal, passou a [r]: obligatione > obrigação; eclesia > igreja; blandu > brando; fluxu
> frouxo; clavu > cravo. Esse é, portanto, um fenômeno visível na passagem do latim
7
“Os traços descontínuos marcam o repertório de grupos isolados, de raízes rurais, e são muito estigmatizados.”
(BORTONI-RICARDO, 2005, p. 13).
10
processo que possui raízes profundas na língua e cuja continuidade “[...] fornece razoável
sustentação para a hipótese de que a permuta de [l] por [r] tenha configurado, em todos os
Quando o vocábulo, como no caso acima, possui mais de um [r] há forte tendência de
ocorrer a queda de um deles por dissimilação, como em prora > ‘proa; [marmora’ria] -
cit.: 123-124).
alteração das líquidas, como no caso acima [pro’blema] - [po’brema], chama a atenção
para o fato de que, embora seja esse um traço descontínuo bastante estigmatizado, ele pode
vogais, no falar rural, seja a sílaba pré-tônica, mudanças na vogal tônica “[...] parece serem
8 Changes in stressed vowels seem to be restricted to verb forms and probably result from differences in the
system morphophonemic rules of Caipira as compared to those of the standard language.
11
seqüência [nd], comum nas formas de gerúndio. Quanto a esse último, sabe-se que é
comum em português. No Appendix Probi, documento do latim vulgar, lê-se: grundio non
grunnio. Daí: verecŭndia > vergonha. Essa é, portanto, uma tendência antiga do português,
que se mantém até hoje e constitui traço gradual presente também nas variedades urbanas.
constataram que ele é mais frequente entre os gerúndios, acentuando-se mais entre os
(vii) os [nôvu]
As línguas neo-latinas perderam o traço quantidade (breves e longas) das vogais
latinas. O espanhol transformou essa oposição em vogal vs ditongo. O que era breve,
O português substituiu esse traço por [± altura]. Zágari (1988:75) assim explica essa
romana:
Assim sendo a vogal breve latina, abaixa; sendo longa, alteia. Ocorre que, havendo um
fenômeno da metafonia: nŏvu > novo (foneticamente [‘novu]); ŏssu > osso (foneticamente
[‘osu]). Do ponto de vista fonológico, /ŏ/ > /†/ > /o/, pela presença da vogal /u/ na sílaba
subsequente da palavra latina, fonema com traço [+alto], que provoca o referido
confirmando-se a regra fonológica de substituição do fonema latino /ŏ/ por /†/ : nŏvus >
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novos (foneticamente [‘n†vus]); ŏssus > ossos (foneticamente [‘†ssus]) 9. A forma plural
pronominal eles.
(ix) um [mucadu]
A expressão sempre foi bom bocado, quer dizer, bom pedaço. O problema é de natureza
fonética, como [tã’bẽỹ] - [ta’mẽỹ]; [bõw bukadu] - [bõw mukadu]. A proximidade da nasal
economia. Deve-se também levar em conta que a língua portuguesa tem grande força
nasalizante. 11
Este último é típico do falar mineiro (cf. Esboço de um Atlas Linguístico de Minas
Gerais, carta 37), excluída a grande Belo Horizonte que, cidade nova, atraiu falantes de
9
Informações obtidas em conversa informal com o Prof. Dr. Mário Roberto L. Zágari.
10
Informação obtida em conversa informal com o Prof. Dr. Mário Roberto Lobuglio Zagari.
11
Idem.
12
Informação obtida em conversa informal com o Prof. Dr. Mário Roberto Lobuglio Zágari.
13
Espanha (MG). Sua mãe é analfabeta. Sempre viveu na cidade em que foi entrevistada
(Juiz de Fora, MG), em bairros caracterizados por serem de classe econômica pobre.
Aquele em que reside atualmente tem também essa característica. Conseguiu completar
contato diário com falantes da variedade culta, pois trabalha nos serviços gerais da
Faculdade de Educação da UFJF. Pode ser considerada, como se vê, falante rurbana,
segundo propõe Bortoni-Ricardo (2004:52). Como se pode notar, ocupa posição mais à
13
Ribeiro, Zágari, Passini e Gaio (1977).
14
No Brasil, o curso chamado Supletivo possibilita às pessoas que não puderam concluir seus estudos regulares
de Ensino Fundamental e Médio a oportunidade de se prepararem para a certificação em menor tempo.
14
fala, três em que a concordância não se dá. A queda do morfema marcador de plural é
inho, como vimos atrás, é típica do falar mineiro. Trata-se de traços graduais, não
estigmatizados.
15
Deletion of sibilant consonant, which is usually the plural marker, reflects a general trend in modern
Brazilian Portuguese to privilege the singular form at the expense of its plural counterpart. Redundant
markers of plurality in the noun phrase tend to be deleted and the plural morpheme preserved in the first
determiner only.
15
(iv) Coisas que a gente não se via; existem muita coisa boa.
Aqui, dois exemplos de hipercorreção:16 sujeito representado, ao mesmo tempo por a
gente e pelo pronome se, nesse último caso, revelando a preocupação em utilizar um verbo
pronominal, construção própria da variedade culta, que vai se tornando um traço gradual,
isto é, menos frequente no português coloquial do Brasil; verbo existir no plural referindo-
variedade culta.
bastantes que, por ser confundido com a forma adverbial bastante, frequentemente aparece
sem o morfema de plural, nesse contexto. Esse procedimento, como vimos nos
falante culto, que faz a distinção, de forma competente, entre bastante e bastantes.
mobilidade social em processo, quando ele se preocupa em usar menos variantes não-
padrão do que as pessoas de sua classe social, e até mesmo do que os falantes da classe à
3. 1 Metodologia
Gravações de trechos dessas entrevistas foram apresentadas a alunos de 8ª série de
escolas públicas da cidade acima mencionada. O critério adotado para a seleção das escolas
16 Bortoni-Ricardo (2004: 28) chama "[...] hipercorreção ou ultracorreção, o fenômeno que decorre de
uma hipótese errada que o falante realiza num esforço para ajustar-se à norma-padrão. Ao ajustar-se à
norma, acaba por cometer um erro.’’
17 The upwardly mobile speakers not only use fewer non-standard variants than the people in the class in
which they originated but also use fewer than the people in the class which they are emulating.
16
que chamaremos de Escola “A” (pública federal) e a Escola “B” (pública estadual); uma
situada na periferia, próxima à zona rural, a Escola “C” (municipal); uma localizada na
zona rural, a Escola “D” (também municipal). Para possibilitar a comparação de dois
universos distintos, estendemos essa investigação a uma escola particular, que chamaremos
de escola “E”, situada no centro da cidade, zona nobre, do ponto de vista do comércio e do
segundo as quais deveriam, depois de ouvir cada gravação, atribuir notas àquele falante,
Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Juiz de Fora. Para a avaliação dos
resultados, foi aplicada a Análise de Variância (ANOVA), que é um teste adequado para
3.2 Resultados
Os resultados mostraram que os alunos da Escola “A” (localizada em bairro central)
foram os que mais se identificaram com o Falante I (variedade urbana, culta), atribuindo-
lhe as melhores notas. Ao contrário, os alunos da zona rural (Escola “D”) lhe atribuíram as
piores. Esse resultado parece apontar para um distanciamento (rejeição?) desses últimos
do poder. Por outro lado, em todas as escolas, as notas mais baixas foram atribuídas aos
Notou-se também, na média desse Falante I, uma oposição da Escola “A” tanto em
relação à escola municipal da zona rural (escola “D”), quanto à Escola “E” (particular), o
que pode significar tratamento diferenciado da escola “A”, em relação a essa variedade
culta.
O Falante II (rural) foi o mais bem avaliado pelos alunos da zona rural; ao contrário,
os alunos da Escola “E” (particular) lhe atribuíram as piores notas, não se opondo, na
média, aos alunos da Escola “A”, mas aos das outras três escolas.
Esse, a nosso ver, é mais um forte indício do distanciamento dos alunos das escolas
públicas da realidade do mundo letrado, em que se utiliza, em geral, a variedade culta, pelo
menos, nos centro urbanos e, por isso mesmo, é mais acessível às classes sociais
privilegiadas. Portanto essa parece ser uma reação subjetiva ao contexto que lhes diz pouco
sobre seus ideais e sua cultura. Em contrapartida, fica evidenciada a forte identificação
de TODOS os alunos das cinco escolas com essa variedade rurbana, intermediária entre a
rural e a urbana, culta. Não se pôde concluir, estatisticamente, em relação a esse Falante,
18
qual escola, ou quais escolas o avaliaram pior ou melhor, mesmo quando se observa os
alunos da escola particular (a Escola “E”), trazida para servir de parâmetro avaliativo.
(estadual): foi a que menos constraste apresentou nos julgamentos dos três falantes, em
relação às demais escolas. Esclarecemos que essa escola está situada em bairro central,
porém seus alunos não residem aí, mas em bairros adjacentes, mais pobres, cujos
moradores convivem com uma variedade linguística que se desloca mais para esquerda, no
contínuo rural-urbano.
4 CONCLUSÃO
Os aspectos relevantes desta pesquisa foram:
(i) A identificação com o falante rurbano por parte de todo o universo dos alunos testados.
Isso constitui uma evidência que é preciso reconhecer: há forte identificação desses
falantes com a variedade linguística que, oficialmente, está fora da escola, o que configura
(ii) Identificação, por parte dos alunos, da variedade culta com a dimensão de poder, o que
fica mais explícito em relação aos alunos da zona rural, que chegam a avaliá-la
anunciamos no início deste artigo e precisa, por isso mesmo, ser alvo de reflexão dos
(honesto, simpático, boa pessoa). Nas cinco escolas, os adjetivos que se referem à
poder.
Isso corrobora a conclusão apresentada por Ryan (1979:155) segundo a qual há, entre
os falantes, clara distinção entre “[...] status e prestígio, o valor de uma variedade orientada
identificação com um grupo.”19 No caso do julgamento das falas pelos alunos-juízes, não
podemos esquecer que todos pertencem à mesma faixa etária e ao mesmo nível de
escolaridade, havendo entre eles, portanto, forte tendência a se identificarem com uma
variedade linguística mais próxima da que utilizam na sua vida cotidiana, nos momentos de
descontração e camaradagem.
pesquisas sobre o Ebonics (na época, BEV; hoje AAVE 20 ), pôde ele se deparar com a
A identificação com o falante rurbano por parte de todo o universo dos alunos
testados, tanto os das escolas públicas quanto os da escola particular, constitui uma
19
(...) status or prestige, the value of a speech variety for social advancement, and solidarity, the value of a
variety for identification with a group.
20
BEV – Black English Vernacular ; AAVE – African American Vernacular English
20
evidência que a escola deve reconhecer. Insistimos: mesmo os alunos das esccolas
particulares, em geral, não se identificam com o falar culto, a única que a escola considera
urbana comum, da dimensão de solidariedade, que eles reconhecem. Isso aponta para a
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