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Behaviorismo social:
uma ciência do homem com liberdade e dignidade *
ARTHUR W. STAATS **
1. Nota do tradutor
2. Introdução
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sabem fazer oposição. Eles demolem a velha ordem e não se preocupam em
separar o que existe de certo ou errado na mesma. Estão preocupados com os
erros da velha ordem, os problemas que eles causaram e a nova ordem que os
libertará de todos aqueles problemas. Diminuiria a força de uma revolução o fato
de se dar alguma atenção ao que foi feito na velha ordem. Desta forma, as revo-
luções tendem a cair nos extremismos. Antes que esses extremismos passem,
podem ser necessárias várias gerações de líderes, após o que as coisas serão aceitas
pelo seu próprio valor, sem se considerar mais se foram ou não conquistas da velha
ordem. Temos um exemplo desta seqüência de coisas na história da União Sovié-
tica e na sua mudança de liderança.
Mas revoluções também ocorrem em outras áreas que nã'o sejam políticas e
econômicas, como, por exemplo, na área científica. Esta dinâmica pode ser clara-
mente percebida na história da Ciência. Na história da Psicologia, o behaviorismo
foi uma revoluçãO que alcançou sua autoconsciência com John B. Watson, funda-
do que foi sobre a descoberta dos dois princípios básicos da aprendizagem: o
condicionamento clássico, descoberto por Pavlov, e o condicionamento instru-
mental, descoberto por Thorndike. Uma forte característica do behaviorismo foi a
sua oposição ao paradigma que era vigente na psicologia da época. Antes do
aparecimento do behaviorismo, o método fundamental para a Psicologia era o da
introspecção. Por algum tempo os psicólogos pensaram que a tarefa da Psicologia
era investigar os conteúdos, a estrutura e o funcionamento da mente, realizando o
sujeito um auto-exame e relatando sua experiência. A orientação básica da Psico-
logia daquela época era a de estudar o que existe de interno no homem: suas
percepções, seus sentimentos, sua consciência, suas cognições, sua personalidade,
instintos, enfim, o subjetivo. Pensava-se que os pensamentos determinavam o com-
portamento humano. Havia muito pouco interesse no estudo do comportamento
humano, no que ele - o homem - faz, já que isto era somente uma mani-
festação de importantes processos internos. Além disto, e por causa destas
concepções, havia muito pouco interesse no estudo sistemático dos princípios
pelos quais eventos ambientais afetavam o comportamento humano. O comporta-
mento animal era igualmente interpretado adotando-se o conceito de consciência
humana. Era um caso de generalização do nível humano para o nível animal,
justamente o oposto do que tem sido uma característica do behaviorismo radical
de Skinner, isto é, generalizar do animal para o humano. O behaviorismo foi uma
revolução contra os excessos da época. Muitos conceitos tradicionais eram circula-
res. O comportamento da pessoa ou do animal era observado e, então, inferido
algum processo interno que supostamente explicava o comportamento. Ainda não
se havia percebido que para se explicar o comportamento era necessária a identifi-
caçã'o de uma série de eventos independentes. Além disto, o método de intros-
. pecção que era usado como um meio de investigaçã'o da "mente" era muito
precário. Nos seus 50 anos de existência, verificamos que a introspecção não
produziu nenhum conjunto de fatos importantes e não-ambíguos, mas apenas
inúmeras exposições filosóficas.
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Watson percebeu o valor de se estudar o comportamento por sua própria
importância. O behaviorismo foi uma revolução contra a introspecção. Watson
rejeitou tudo que se relacionava com a consciência e com os vários conceitos
mentalísticos que circulavam tanto na linguagem popular como na profissional.
Seu programa era o do estudo do comportamento. das condições ambientais e dos
princípios dos quais o comportamento era uma função. Isto. considera-se. repre-
senta um behaviorismo básico. Ainda que esse programa tenha sido uma correção
para os abusos da época ele foi, entretanto, radical e por isto mesmo rejeitou
importantes áreas de estudo. estendendo esta rejeição aos termos e métodos da
introspecção.
Com Watson representando a primeira geração revolucionária tivemos, mais
tarde, uma segunda geração de behavioristas constituída por homens como Hull,
Tolman, Guthrie e o jovem B. F. Skinner. Existia um contexto para este grupo
que possuía duas características importantes. Em primeiro lugar, havia uma grande
rivalidade sobre que teoria melhor expressaria a aprendizagem animal. O contexto
era único e nele cada um dos principais behavioristas tentou construir uma teoria
separada das outras teorias. As teorias eram elaboradas com diferentes conceitos;
eram usados diferentes métodos de pesquisa, adotadas diferentes filosofias da
ciência.
Skinner, por exemplo, caracterizou sua abordagem mudando o termo condi-
cionamento clássico para condicionamento respondente. Foi enfatizado apenas o
uso daqueles aspectos do campo da aprendizagem que existiam numa teoria. Os
skinnerianos, por exemplo, empregariam a caixa de Skinner para o estudo do
condicionamento instrumental, mas não um labirinto. Esta competição concorreu
para o desenvolvimento de abordagens isoladas e super-simplificadas. Enquanto as
teorias tradicionais da aprendizagem, incluindo a de Skinner. faziam relevantes
contribuições - parte de um trabalho que, como já se sugeriu, será classificado
entre as grandes realizações da ciência - elas estavam, no entanto, cerceadas por
características que impediriam o desenvolvimento posterior do próprio behavio-
rismo.
Em segundo lugar, a revolução behaviorista encontrou uma forte oposição por
parte das várias orientações teóricas existentes na própria Psicologia, em outras
ciências sociais e nas disciplinas humanas. Ainda que todos aceitem que o compor-
tamento humano é, em grande parte, aprendido, os princípios da aprendizagem ou
os estudos comportamentais têm tido pouca aceitação nas ciências sociais ou ainda
em outras áreas relevantes da Psicologia. Os pesquisadores destas outras áreas
têm-se recusado, sistematicamente, a admitir que os princípios de causa e efeito da
aprendizagem animal, e que foram colhidos em laboratórios, possam ser aplicáveis
ao homem. E muitas vezes o behaviorismo é atacado por seus opositores das
ciências sociais. Este contexto, que é atual, serve para que seja continuado o clima
de oposição no qual o behaviorismo nasceu.
O trabalho de Skinner pode ser considerado no contexto dos problemas que
enfrentou a segunda geração de behavioristas. Primeiro, a abordagem de Skinner
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manteve o extremismo da revoluç[o original ~e Watson. Esta abordagem rejeita,
sem maiores exames, os métodos, conceitos, princípios e observações das ciências
sociais. No trabalho de Skinner ver-se-á pouca referência aos dados das ciências
sociais ou de outras áreas da Psicologia. Ele n[o elabora princípios que considerem
a forma pela qual os seres humanos diferem dos animais. N[o existe evidência de
que o conhecimento social de qualquer outra espécie tenha sido sistematicamente
formulado e tenha valor. Além disto, Skinner n[o aceita conceitos como atitude,
personalidade, autodireç[o, originalidade, inteligência etc. Este behaviorismo radi-
cal está ainda em conflito com o mentalismo, a introspecça'o, a intenç[o, e isto
significa, na prática, que qualquer outra coisa que não seja o condicionamento
operante ou que não possa ser explicada como tal, incluindo muito do próprio
behaviorismo, é rejeitada. Esta abordagem considera todos os outros conceitos
sobre o homem, todas as outras áreas de estudo do homem, todos os outros
princípios do comportamento humano, todos os demais métodos de estudo do
homem como supérfluos ou incorretos. Uma característica central desta aborda-
gem é a de ser um sistema fechado. São seus constituintes os princípios do condi-
cionamento operante, o equipamento de condicionamento operante (caixa de
Skinner), o uso dos métodos de pesquisa com um único organismo, a freqüência
de resposta como um dado básico, a extensão do equipamento para outras situa-
ções, como, por exemplo, a máquina de ensinar, e a sua filosofia da ciência (a
análise experimental do comportamento). Skinner não reconhece outros elemen-
tos, o que não deixa de ser irônico, desde que grande parte do trabalho que está
sendo realizado atualmente pelo behaviorismo não surgiu destes elementos. Por
exemplo, o princípio geral do reforçamento, que estabelece que um comporta-
mento que é recompensado será fortalecido e ocorrerá com mais freqüência, tem
sido empregado produtivamente em muitas situações experimentais que não usam
métodos operantes e derivadas de formulações não operantes.
A insistência de Skinner sobre a realizaça'o de pesquisas com um único orga-
nismo, ao invés de se trabalhar com grupos de sujeitos, foi uma contribuição válida
para a Psicologia. Ela possibilitou a realizaçã'o de pesquisas que, de outra forma,
não teriam sido realizadas. No entanto, a limitação da pesquisa a este tipo de
pesquisa, como Skinner e seus seguidores (Sidman, 1960) insistem, é restritiva e
improdutiva. A caixa de Skinner que emprega uma resposta (pressionar a barra ou
bicar o disco) que pode ocorrer rapidamente e muitas vezes oferece um tipo de
dado que é de muito valor. O organismo, pressionando uma barra ou bicando um
disco, produz um registro contínuo. Isto permite que sejam programadas várias
contingências e observados os seus efeitos sobre o comportamento. Este equipa-
mento permitiu a realização de vários tipos de estudos, como, por exemplo, as
drogas que afetam o comportamento, os efeitos da estimulaçã'o cerebral e outros
semelhantes. Mas restringir a pesquisa ao uso apenas deste equipamento (a caixa
de Skinner), e isto tem sido feito, é bastante improdutivo em muitas situações e
cômico em outras. A freqüência de resposta é o dado básico de Skinner e ele
considera ser o único válido. Ele rejeita outros tipos de dados que são usados na
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samos buscar o que é comum. Precisamos de um paradigma que conduza à unida-
de todo este esforço científico no estudo do homem. Finalmente, o que pre-
cisamos é de uma terceira geraçã'o de behaviorismo, o behaviorismo social. Antes,
contudo, de expor as características do behaviorismo social é oportuno descrever
um pouco mais a limitada concepçã'o que Skinner tem do homem e que é apre-
sentada no seu livro Beyond freedom & dignity. A mensagem de Skinner é dupla.
Ele nega os conceitos geralmente aceitos de que o homem pode se auto dirigir, é
dotado de espontaneidade, comportamento intencional, criatividade, como os
conceitos relativos à sua liberdade e dignidade. Diz ele: "Nós não precisamos
investigar a personalidade, estado da mente, sentimento, traços de caráter, planos
e intenções do homem para realizarmos uma análise científica do compor-
tamento" (Skinner, 1971b, p_ 39). Ele acredita que o comportamento humano
possa ser compreendido por intermédio do princípio do reforçamento. "Uma
criança, escreve ele, começa a adquirir um repertório de comportamento
sob contingências de reforçamento ... " (Skinner, 1971b, p. 63). Neste nível tão
básico do desenvolvimento, não é dada nenhuma importância ao condicionamento
clássico e à formaçã'o do sistema individual, e a como, na criança, as suas emoções
afetam o seu modo de comportar-se. Continua Skinner argumentando que "Outras
pessoas propiciam muitas contingências que são, de fato, o que chamamos uma
cultura, ainda que geralmente o termo seja definido de diferentes formas"
(Skinner, 1971b, p. 63).
Negando as outras perspectivas do comportamento humano que não envol-
vam o princípio do reforçamento e fazendo uma análise do homem e da cultura
muito simplista e incompleta, Skinner propõe que adotemos esta "ciência do
comportamento humano" para o planejamento de uma cultura.
"Uma cultura é muito semelhante ao espaço experimental que nós usamos na
análise do comportamento. Ambos são lugares de contingências de reforçamento.
Uma criança nasce numa cultura como um organismo é colocado num espaço
experimental. Planejar uma cultura é como planejar um experimento; nós progra-
mamos as contingências e observamos os seus efeitos. Num experimento estamos
interessados no que acontece; planejando uma cultura, no como ela funcionará.
Esta é a diferença entre a ciência e a tecnologia" (Skinner, 1971b, p. 72).
Esta sugestão é inadequada, isolada e radical e não pode ser considerada para
orientar o desenvolvimento do behaviorismo social, que é capaz de orientar
melhor o estudo do homem e uma concepção do mesmo que servirão de base para
decisões sociais. Uma concepção do homem não pode ser derivada apenas dos
princípios obtidos em laboratório com animais e extrapolados - como faz Skinner
- para explicar o mais complexo dos seus comportamentos e suas características
culturais. É necessário um nível de concepçã'o que trate da personalidade do
homem, de seus sentimentos, seus projetos, suas resoluções e intenções e do papel
que estas coisas exercem no seu comportamento. É necessário combinar uma
compreensão dos prinCÍpios de como o homem adquire seu comportamento com
o conhecimento do que ele adquire e de como esta aquisiçã'o exerce um papel
Existem pessoas que fazem esta afirmação fundamentadas numa posição filosófica
e usando conceitos que são antitéticos a uma visão científica. Mas esta afirmação
pode ser feita dentro de um behaviorismo mais complexo, e de uma maneira que
seja aceitável dentro dos conceitos usados nas ciências naturais, como pelos huma-
nistas. Esta é uma integração mais produtiva.
É importante que os behavioristas compreendam que não é possível genera-
lizar os princípios elementares do comportamento, obtidos em laboratório com
animais, para uma concepção mais geral do homem.
Várias considerações devem ser acrescidas aos princípios elementares. Uma,
por exemplo, é a de que o homem é mais do que um animal nas suas potencia-
lidades de aprendizagem. Parece que os princípios da aprendizagem são os mesmos
para o homem e para os organismos inferiores. Mas o grande potencial do homem
para a aquisição do fantástico e complexo repertório intelectual, artístico, emo-
cional, literário, social e motor é quase infinito e distingue-o dos animais. É rele-
vante, pelo menos em parte, estudar os princípios elementares da aprendizagem no
laboratório com animais, mas este estudo revela-nos somente os meios pelos quais
o homem chegou a ser o que é, e não o que é ou o que pode vir a ser. O estudo do
.que é humano deve, portanto, incluir outras coisas.
Um dos princípios que não aparece no laboratório nos estudos com animais - um
princípio básico - é o relativo à aprendizagem cumulativa-hierárquica. Os princí-
pios de aprendizagem estudados no laboratório, as respostas, como as situações
estimuladoras, são simples. A aprendizagem é de breve duração. Mesmo na situa-
ção naturalística, o que um animal aprende raramente é passado para a geração
seguinte. Não existe, ao longo das gerações, acumulação. Existe, isto sim, alguns
poucos skills que o animal adquire, enquanto a aquisição destes ski/ls por parte do
homem (sendo que um serve de base para o seguinte numa progressão onde não
vemos o limite) é uma das suas características fundamentais. A aprendizagem
humana ocorre durante um longo período de tempo e ela é cumulativa e hierár·
quica para o indivíduo (Staats, 1971). A criança começa muito cedo a adquirir um
repertório complexo de skills que permite que ela adquira outros repertórios ainda
mais complexos. Estes repertórios são seqüências cumulativas-hierárquicas que se
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podem desenvolver ao longo de toda a sua vida. A criança aprende, por exemplo, a
emitir e a responder à linguagem.
Este fato torna possível sua adaptação ao ambiente. Ela se beneficiará da ex-
periência, aprenderá novos skills, se, primeiro, adquiriu a linguagem. A partir da
sua aquisição lingüística ela pode aprender a ler, o cálculo etc. Então, sobre a base
do seu repertório de leitura, ela pode aprender outros skills adicionais, que, por·
seu turno, constituirão a base para a aquisição de outros skills. Somente com-
preendendo esta aprendizagem hlerárquica-cumulativa é que as habilidades huma-
nas podem ser caracterizadas, compreendidas e manipuladas.
Além disto, o homem aprende da sua hlstória e este processo de geração de
aprendizagem pertence à sua evoluçã'o social. Um skill original pode ser aprendido
através de um processo laborioso, impreciso e que leva tempo. Historicamente,
pode ser visto este desenvolvimento comportamental complexo em áreas como as
da música, do atletismo, da religiã'o, dos negócios, do governo, da linguagem, da
ciência etc. (Staats, 1975). Como um exemplo deste desenvolvimento - que o
autor seguiu ao longo de sua vida - ofereço o skill atlético do pulo com varas. Na
evolução deste skill distingo as seguintes fases: primeiro, o atleta executava o seu
pulo em forma de tesoura; depois, o pulo era executado de uma forma circular; já
por último, nas Olimpíadas de 1968, o atleta corria em direçã'o à barra, girava em
torno e lançava-se de costas. Todas estas variações no comportamento objetivaram
a melhora do desempenho do atleta.
Naturalmente, a criança - que é muito diferente de um animal- não precisa
progredir através do método de ensaio e erro. Ela pode ser treinada logo para um
ski/l mais avançado. Foram necessários muitos séculos para que os cientistas elabo-
rassem uma teoria de que muitas doenças são causadas por microorganismos, mas,
hoje, ela faz parte dos skills gerais de linguagem que apresentam as crianças da
nossa geraç!1'o e que sã'o formados, informalmente, quando a criança aprende a
linguagem. A aprendizagem cultural-cumulativa é relativamente fácil e rápida.
Os princípios básicos da aprendizagem, obtidos em laboratório, nas pesquisas
com animais, e que formam· a base do behaviorismo radical, não nos esclarecem
sobre este processo individual ou cultural da aprendizagem cumulativa-hierárquica.
Precisamos sair do laboratório para, nas condições reais de observações sociais,
derivar este princípio.
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vras para o indivíduo que devem eliciar respostas apropriadas se o indivíduo
aprendeu. Entretanto, como em outros tipos de aprendizagem, existem muitas
diferenças por parte dos indivíduos no modo como eles aprendem esses repertó-
rios. Algumas crianças aprenderão esses repertórios muito cedo e com muitos
elementos, outros aprenderão vagarosamente, com poucos ou nenhum elemento.
Trabalhando com estes dois grupos de crianças, em qualquer situação de aprendi-
zagem, estas diferenças se mostrarão bem claras. Os testes de inteligência medem
estes repertórios. Isto explica por que quando temos o resultado dos testes de
inteligência de uma criança podemos prever como será, provavelmente, o seu
desempenho na escola.
Uma abordagem que rejeita o estudo de tais repertórios de personalidade é
incompleta e parcial. Por esta razão, nós devemos usar ambos, isto é, os conceitos
da teoria da personalidade e os princípios e métodos do behaviorismo para reali-
zarmos um estudo mais profundo dos vários traços de personalidade, incluindo
como são aprendidos e como atuam (Staats, 1975).
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os de que um animal que correu no labirinto, e, no passado, recebeu comida,
atuará assim novamente quando colocado no labirinto. Seu passado explica seu
comportamento presente e não a comida que ele está ainda para receber.
Mas o homem tem o poder de representar o futuro no seu presente, quando,
então, o futuro pode ter um efeito causal sobre o seu comportamento presente. O
homem tem o seu poder bastante aumentado por intermédio da linguagem. Um
jovem estudante pode dizer para si mesmo que, se trabalhar meio expediente
enquanto freqüenta a universidade, terá condições de economizar o suficiente para
comprar um automóvel. Ter um carro e sonhar com as atividades sociais que um
jovem bem pode imaginar são eventos futuros. Eles podem não determinar o
comportamento do jovem e, de fato, nunca ocorrer. Mas seu pensamento sobre
eles com palavras e imagens pode constituir uma poderosa fonte de causação sobre
o comportamento atual do jovem. No entanto, seu pensamento pode ser estudado
- e o tem sido muito produtivamente - dentro do behaviorismo social (Staats,
1975). Mas o behaviorismo radical continua criticando as concepções mentais e a
introspecção, teimando no estudo do comportamento humano como uma função
apenas de princípios elementares, tais como o do reforçamento e que tanto ocupa
a atenção de Skinner. Esta supersimplificação nega alguma coisa que é muito clara
para todos e produz, em grande escala, uma rejeição do behaviorismo.
O homem é um projeto. Seu comportamento atual está, em parte, determi-
nado por sua concepção do futuro. Não é, contudo, apropriado adotar para o
comportamento animal os comportamentos conceituais do homem - atribuir
intencionalidade ao animal, por exemplo. Também não é adequado tentar cons-
truir um modelo do homem tendo, por base, apenas os princípios e observações
colhidos em laboratório com animais. Finalmente, não se pode dar nenhuma
credibilidade a uma concepção do homem que não reconheça a intencionalidade.
8. O homem se autogoverna
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comportamento por meio de tais repertórios. O behaviorismo radical tem-se
preocupado apenas com um dos lados do problema; as abordagens subjetivas, com
o outro lado. Mas ambos podem ser assimilados organicamente numa mesma
teoria, e ela poderá constituir uma aceitável concepção do homem. Propõe-se aqUi
um behaviorismo humanístico que pode fundamentar uma filosofia social aceitá-
vel (Staats, 1975).
Skinner, rejeitando que o homem seja livre, rejeita também o conceito de respon-
sabilidade. Esta é outra área que precisa ser estudada mais profundamente ao invés
de ser meramente rejeitada, como faz o behaviorismo radical.
Originariamente, o conceito de responsabilidade veio de uma simples crença
de que o comportamento humano era divinamente inspirado. Se o comporta-
mento era bom, ele o era porque o indivíduo era divinamente inspirado a realizar
aquele comportamento, tal fato causando admiração. Se o comportamento era
indesejável, o era por causa do pecado pessoal e da influência do demônio, sendo,
portanto, passível de punição. Apenas como um exemplo, o comportamento
psicopatológico já foi tratado sujeitando-se o paciente a procedimentos de terror
na tentativa de exorcizar o demônio que nele hahitava.
Ainda permanecem vestígios desta perspectiva na criminologia que interferem
com a adoção de um tratamento mais científico dos criminosos. roi um passo
atrás, sob certos aspectos, considerar o comportamento do homem como deter-
minado. Esta perspectiva faz dele um ser moralmente irresponsável. O princípio de
punição "olho por olho, dente por dente" deriva desta concepção Simples da
moral. Uma outra orientação do tratamento pode ser derivada de uma concepção
ambientalista. Mas parece que alguma coisa já está perdida numa concepção am-
bientalista simples. Não seria apropriado perguntar se a crença numa responsa-
bilidade pessoal, de origem religiosa, não tem tido uma função? O religioso não
faz certas coisas que são, de outra forma, atrativas, porque as considera más e ele é
moralmente responsável.
Pelas mesmas razões, ele pode também fazer coisas que não deseja fazer. Além
disto, e em função de sua experiência pessoal, pode indicar que, atualmente.
aumentou o sentimento de auto-indulgência para coisas como drogas e sexo, e que
diminuiu a crença na moral religiosa e na responsabilidade pessoal.
Talvez o conceito de responsabilidade pessoal tenha tido uma função na nossa
concepção do homem, e as análises behaviorísticas deveriam analisar a função
deste conceito, e - se for o caso - descobrir esta função numa concepção cien-
tífica do homem. Enquanto o conceito de responsabilidade moral não pode ser
mantido dentro de uma visão científica do homem, uma responsabilidade causal
pode ser mantida. Os conceitos já desenvolvidos são, na nossa teoria, importantes.
Em geral, o que acontece ao indivíduo numa época anterior é, freqüentemente,
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demos. Em resumo, liberdade, autodireçélo e espontaneidade sélo coisas que nós
conhecemos. Nós somos nossos repertórios. Eles sélo nossas personalidades, nossa
maneira de ser. Não podemos, evidentemente, recordar as infinitas situações de
aprendizagem que modelaram nossos repertórios. O que nós experimentamos ou
conhecemos são os nossos repertórios.
Para nós, nossos skills comportamentais são causas originais - eles sélo dados.
Nós conhecemos nossas decisões, nossos planos, nosso raciocínio, enfim, todos os
complexos repertórios de respostas aprendidas - como causas do noss,? comporta-
mento. E estas são as causas, no sentido desta discussão, ainda que elas sejam
compostas de repertórios de skil/s comportamentais, previamente aprendidos, e
sejam afetadas pelas condições correntes de estímulo.
Além disto, o indivíduo causa o seu próprio comportamento em outro sen-
tido. Ele faz coisas porque decide fazê-las. A maneira como decide será uma
funça'o da sua experiência passada, mas esta experiência passada também foi afe-
tada por muitas das decisões que tomou anteriormente. Antes que um indivíduo
se torne adulto, seu próprio comportamento de tomar decisões terá afetado sua
experiência, e a experiência, por sua vez, afetará suas últimas .decisões, e assim por
diante numa cadeia quase infinita. Estas combinações são tantas e tã'o complexas
que o indivíduo, com o seu conhecimento de senso comum, nélo pode traçar a
seqüência causal original delas. A contribuiçélo do próprio comportamento do
indivíduo terá sido tão extensa que, na vida adulta, ele pode ser considerado - por
diversas razões - como dirigindo sua própria vida, ser único, espontâneo e livre.
No entanto, Skinner diz: "Uma pessoa não atua sobre o mundo; o mundo é
que atua sobre ela." (1971b, p.80). Esta é uma perspectiva simplista. Ela não
inclui as contribuições do indivíduo para o processo causal. Skinner concebe o
homem como um receptáculo passivo da estimulaça'o ambiental. O behaviorismo
radical não reconhece que o comportamento do homem é tanto uma causa como
um efeito, ou as implicações desta característica humana. Mas, muito pelo con-
trário, este aspecto causal do comportamento humano é tão fundamental - ini-
ciando-se tão cedo, isto é, tã'o logo a criança adquira autonomia, produzindo skills
e aumentando ao longo de sua vida e sendo télo penetrante - que nélo pode ser
ignorado. Uma fIlosofia social que é fundamentada nas noções simplistas de
Skinner está numa direçélo oposta a uma fIlosofia social que observa e considera a
autonomia do homem.
Mais uma vez, uma abordagem simplista é um obstáculo ao progresso. É
necessária, portanto, uma filosofia social que inclua ambas as tradições, tanto a
comportamental como a humanista.
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Skinner espera que as pessoas aceitem a necessidade de se planejar uma nova
cultura. Descreve, doutra parte, o que chama de "fanática oposição" às suas
práticas relativas ao controle do comportamento, e sugere que esta oposição tem a
instabilidade de um comportamento neurótico ou psicótico. Como um destes
casos cita a crítica de Arthur Koestler ao condicionamento operante, lamentando
que este tradicionallibertário tenha se engajado nesta campanha. (Skinner, 1971b,
p.74).
Esta controvérsia exemplifica a abordagem de Skinner. No seu radicalismo,
ele tenta afastar os pesquisadores de outras áreas relativas ao comportamento
humano.
Mas entre os tradicionais libertários encontram-se alguns que est[o efetiva-
mente interessados em produzirem mudanças que melhorem nossa cultura;
indivíduos que são críticos mais severos das práticas atuais que produzem o tra-
balho humano. É curioso observar que, nas suas controvérsias com estes autores,
Skinner não faz nenhum esforço para considerar o pelo que estes indivíduos
lutam, lamentando apenas o fato de que eles não est[o informados corretamente
sobre a sua abordagem. Skinner não considera a possibilidade de que eles tenham
uma contribuiç!o a dar para uma maior compreensão do comportamento humano
e para o planejamento de uma cultura. Ele não percebe que muito da oposição que
se faz a uma ciência do comportamento humano é causada por sua convicção de
que a sua contribuição é a.única. É bastante claro, no trabalho de Skinner, este
traço messiânico de não reconhecer nenhum outro. Assim é que as questões gerais
do seu livro Beyond freedom & dignity são em torno de questões como: "Quem
fará o planejamento cultural? Quem controlará? " Os questionadores sabem que a
resposta implícita de Skinner é: "Skinner".
Bibliografia
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