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Público • Sexta-feira 15 Outubro 2010 • 45

Espaçopúblico
Quando se vê onde o Estado gasta o nosso dinheiro não se compreende este Orçamento de confisco fiscal

Podíamos ter um melhor Orçamento?


Sim, mas não era a mesma coisa…

E
NFACTOS/JORGE SILVA
m 2015, avisou esta semana o FMI, Por- de acordo com o Banco de Portugal, anularam por
tugal será o país que vai crescer menos completo as poupanças conseguidas a muito custo
e que terá o pior défice orçamental e o nos anos anteriores. Foi tudo por água abaixo.

P
pior défice externo da zona euro. A taxa
de desemprego será então uma das mais ortugal tem, por isto e por muito mais,
elevadas. Estaremos, de novo, pior do que a Gré- um problema de credibilidade – falta-lhe
cia. Entretanto, diz o gabinete de estudos da Uni- demonstrar que é capaz de suster o cres-
José versidade Católica, a economia portuguesa deverá cimento imparável do “monstro” – e um
Manuel voltar a entrar em recessão em 2011, encolhendo problema de competitividade – falta-lhe
Fernandes 0,7 por cento. provar que é um bom país para investir e criar ri-
Nada disto surpreende. Ao contrário de muita queza. São dois problemas indissoluvelmente liga-
Extremo retórica recente, o problema português não é só dos. Um país onde o Estado consome uma parte tão
ocidental orçamental e, muito menos, é um efeito colateral grande da riqueza nacional e, ao mesmo tempo,
da crise internacional. Esta vai passar e nós, mais nem sequer garante serviços adequados de edu-
uma vez, ficaremos para trás. O problema português cação, por exemplo, antes se intromete em tudo
é estrutural: há dez anos que o país não consegue por via de licenças, contratos e tiques dirigistas,
crescer. Sendo directo: estagnámos. Os últimos anos é um país que não conseguirá quebrar o ciclo do
foram especialmente maus, pois quando Sócrates empobrecimento relativo (ou mesmo do empobre-
chegou ao poder, em 2005, o Rendimento Nacional cimento absoluto).
Bruto era de 125,3 mil milhões de euros e em 2009 É também por isso que aquilo que se sabe do
foi de apenas 123,4 mil milhões. O que quer dizer próximo Orçamento é tão mau – basta notar que a
que empobrecemos. partir de rendimentos mensais pouco superiores a
Como aqui escrevi quando ainda reinava um opti- 500 euros já se vai sentir a subida dos impostos –
mismo bacoco e contraproducente – “A vida mudou. quanto é grande, e cega, a pressão para o aprovar.
É tempo de mudar de vida”, 2 de Julho –, “o proble- É certo que nada do que se passa é normal (não foi
ma começa a ser o de saber se o país é sustentável normal ver banqueiros a entrar para a sede do PSD,
sem se transformar num protectorado económico como não tinha sido normal saber que eles tinham
da União Europeia ou do FMI”. Não sou economista, ido a São Bento antes do anúncio do PEC3), mas
mas não era preciso ser economista para ver o que no meio da aflição convém perceber que a seguir a
nos estava a acontecer – o que nos aconteceu, pois 2011 há 2012, e 2013, e 2014, e por aí adiante. Neste
entretanto já nos transformámos, na prática, num quadro, era positivo que, em vez de se proclamar
protectorado. A vinda ou não do FMI é hoje quase unicamente a inevitabilidade de um mau (ou pés-
um pró-forma. simo) Orçamento, se fizesse um esforço mínimo
O problema é que, sejam quais forem as medidas para, ao menos, tentar melhorá-lo. E nem é difícil:
de austeridade, era necessário em Julho, e continua basta olhar para o recente relatório da OCDE e re-
a ser necessário hoje, “mudar de vida”. E não há no parar que nele, além de se sugerir o aumento do
Orçamento e no PEC3 nenhuma indicação, nenhum IVA, também se sugeria uma diminuição da carga
plano, nenhuma visão, que aponte nesse sentido. fiscal sobre o emprego e a revisão das leis laborais.
Pelo contrário. Para quê? Para tornar mais fácil e mais atractiva a

N
dos à gestão de tesouraria”. criação de emprego. Não será possível fazê-lo já,
uma entrevista esta semana, António O facto de este Orçamento A cultura despesista está, de tanto mais que o PSD até apresentou uma propos-
Barreto referiu que vivemos há muito ser melhor que o irrealista resto, visível por todo o lado. Às ta nesse sentido? Está por provar. Sobretudo está
“um período de pura deriva” em que vezes as facturas são grandes e por negociar.
os impostos aumentam ou diminuem de 2010 ou o eleitoralista não param de aumentar: é o que Gostava de, nestas semanas, ter visto mais espe-
“não de acordo com objectivos, ideias se passa na área da saúde, onde, só cialistas a dizer como se podia fazer de outra forma
ou projectos, mas de acordo com as necessidades
de 2009 não faz dele um à indústria farmacêutica, o total em em vez de os ver a proclamar o inevitável, num exer-
do dia”. Só interessam “os impostos que [o Estado] bom Orçamento. Nem falta já ultrapassou os mil milhões cício quase masoquista. Até porque assim também
precisa por causa do défice”. Já Daniel Bessa, noutra de euros. Ou o que se passa com as contribuíram para o actual clima de chantagem. E
entrevista, lembrou que “nem há conhecimento real impede a sua negociação empresas de transportes de Lisboa de situacionismo.

N
da situação das contas públicas portuguesas”. O que e do Porto (Metro, Metro do Porto,
significa que ninguém pode dizer, com seriedade, Carris e STCP), onde, de acordo com o mais recente ão disse nada até aqui, de propósito, so-
se as medidas anunciadas chegam ou se em 2011, relatório do Tribunal de Contas, a dívida total já bre se o PSD deve aprovar o Orçamento.
como em 2010, como em 2009, iremos assistir a ascendia (em 2008) a 5,8 mil milhões de euros. Ou Porque tenho pouco a dizer. Na verdade
uma nova dança de números e a uma sucessão de na CP e na Refer (ainda sem TGV), onde a dívida não devia ter nada a dizer: quem seria-
más notícias. quadruplicou nos últimos 14 anos e atinge hoje uns mente pode ter opinião antes de conhe-
Uma coisa é certa: as dinâmicas existentes na so- estratosféricos nove mil milhões de euros. cer o documento final?
ciedade e no Estado vão todas no sentido do des- Outras vezes sente-se que o que conta é ter mui- Mesmo assim vou dizer quatro coisas breves. Pri-
controlo das contas públicas e de soluções que não tos lugares para distribuir pela clientela: por mais meiro, que o PSD tem prestado um serviço à nossa
são soluções, antes agravam os problemas. Também incrível que pareça, em tempos de austeridade, o democracia ao recusar-se a assinar de cruz um do-
esta semana, soube-se, por exemplo, que no primei- número de empresas públicas cresceu 20 por cento cumento que nem sequer viu, não cedendo às pres-
ro semestre a factura das PPP superou em 18,4 por desde 2007, havendo mais 19 por cento de adminis- sões de tantos (não todos) que estiveram calados ou
cento o que estava orçamentado. O que faz temer tradores. Não serão os seus 448 ordenados que nos foram coniventes com o regabofe. Segundo, que será
estarem desactualizadas as previsões do Tribunal de atiram só por si para o buraco, mas são mais gastos um mal maior o país não ter, nesta conjuntura, um
Contas para os encargos futuros das Scut, dos novos discutíveis num Estado onde ninguém dá o exemplo. Orçamento aprovado, pois não é possível realizar
hospitais ou do TGV, previsões que já eram negras: Basta pensar, por exemplo, que enquanto em França eleições legislativas a curto prazo. Terceiro, que o
em 2015 o Estado terá de pagar pelo menos 1,9 mil se substituíram as flores naturais por flores artificiais PSD, se chumbar o OE, estará a jogar na roleta russa
milhões de euros aos diferentes grupos privados nos gabinetes oficiais, os contratos de fornecimento e, muito possivelmente, a beneficiar o infractor. Por
com quem contratou obras neste regime de “faz hoje de flores à residência oficial do primeiro-ministro fim que, se não houver qualquer negociação, por
que eu pago depois”. Como disse Carlos Moreno, ascendem a 63 mil euros. mínima que seja, o PSD também não deve sentir-se
antigo juiz do Tribunal de Contas e autor do livro Tudo isto feito com o mais soberano desprezo forçado a viabilizar o OE, bastando que não contri-
Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro, “as gerações pelos portugueses e pelas regras de decoro da demo- bua para o seu chumbo. Há várias formas de o fazer
futuras, sobretudo a partir de 2014, arriscam-se a cracia: só em 2009, para ganhar as eleições, deram- sem deixar de sublinhar uma total oposição política.
que os Orçamentos do Estado fiquem quase limita- se aumentos e promoções à função pública que, Jornalista (www.twitter.com/jmf1957)

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