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285.

A perspectiva do filósofo face à perspectiva do agente político


No debate entre Olavo de Carvalho e Aleksandr Dugin estão em causa duas perspectivas muito
distintas. Dugin tem um certo ponto de vista guenoniano, mas modifica-o para servir o seu
plano essencial, que não é de natureza intelectual ou filosófica mas política.
Uma obra filosófica tem de ter alguma chave que lhe dê unidade. No caso de Olavo de Carvalho,
a sua preocupação fundamental é encontrar a condição fundamental para que a consciência
humana individual possa alcançar a verdade e desfrutar do dom do conhecimento objectivo.
Zubiri e Schuon insistem que o próprio da inteligência humana é a objectividade, e se não a
buscamos estamos abaixo da condição humana. Um segundo interesse prende-se com a relação
entre a consciência humana e a divindade, ou seja, a consciência perante o absoluto. Para René
Guénon a consciência faz parte da Maya (ilusão que constitui o universo, existente mas
espiritualmente irreal dado estar em constante mudança). Para o iniciado, a consciência pode se
converter em conhecimento, este transforma-se no ser, que é depois absorvido no absoluto
mediante o processo da divinização. Ora, a existência das almas imortais, que duram mais do
que todos os cosmos existentes e possíveis, contradiz isso. Além disso, podemos lembrar o
catecismo, que diz que Deus fez o mundo para o ser humano, logo, o homem está acima do
cosmos e é, de certo modo, a chave de abóboda de toda a criação. O início de Génesis – com os
conflitos de interesses entre Adão e Eva, depois entre Caim e Abel – já mostra que se trata ali do
homem enquanto indivíduo, não do homem considerado abstratamente enquanto espécie.
Daqui podemos concluir que a consciência humana ou a alma individual humana é um elemento
estruturante do cosmos. Na hierarquia de realidade, o mundo das almas humanas obviamente
que está abaixo de Deus, mas de certo modo encontra-se acima do mundo dos anjos, porque
estes possuem conhecimento divino mas não liberdade divina, sendo o livre arbítrio humano
expressão directa do poder divino.
A consciência humana é geralmente tida em muito baixa conta, não só por seitas iniciáticas, que
aspiram a estados “superiores”, mas também por materialistas e behavioristas, que dizem que a
consciência nem sequer existe, é apenas uma ilusão nascida de mecanismos físico-químicos.
Mas se a consciência humana é um quase nada, qual a razão de se terem feito tantos esforços no
século XX para policia-la, controla-la, oprimi-la e neutraliza-la? Todas as perguntas políticas
que Olavo de Carvalho fez originaram-se daqui, o que remete para as preocupações de primeira
ordem de carácter eminentemente filosófico. Reflectindo a liberdade humana o poder do
próprio Deus Pai, a consciência humana é imprevisível, criativa, não obedece a leis, logo, ela
possibilita a desobediência e a rebelião, inclusive a possibilidade de nos revoltarmos contra
Deus. 344
A ideia de liberdade metafísica humana ao longo dos tempos traduziu-se em liberdade política,
que é uma liberdade de consciência. Na constituição americana manifestou pela primeira vez o
princípio da liberdade política, baseado num princípio bíblico, traduzido em leis e instituições.
Então, a liberdade de consciência, tal como integrada nesta constituição e nas suas instituições,
não veio do iluminismo mas de fontes bíblicas. A Revolução Francesa já deve muito mais ao
iluminismo, mas a consequência imediata dela foi a ditadura de Napoleão, seguida de golpes,
revoluções e ditaduras por quase cem anos.
O ponto de vista de Aleksandr Dugin é essencialmente geopolítico, vindo de uma escola de
autores como Mackinder ou Houshofer. Para estes, existe um conflito perene entre “potências
terrestres”, como a Rússia e a China, e as “potências marítimas”, que incluiriam os EUA e vários
países ocidentais. As potências terrestres seriam autoritárias, centralizadoras, voltadas para a
ordem tradicional e para objecivos supra-individuais. As potências marítimas usavam o poder
naval para o comércio e para interferir em vários locais do mundo com o objectivo de espalhar
as ideias de liberdade individual e de materialismo baseadas no iluminismo.
Diz Dugin, no livro A Grande Guerra dos Continentes, que já na antiguidade se via esta
clivagem, havendo uma “civilização marítima” encabeçada pela Fenícia e por Cartago, a que se
opunha o império terrestre romano, tendo depois o embate chegado a um desfecho nas Guerras
Púnicas. Na modernidade, a “civilização marítima” foi primeiro encabeçada pela Inglaterra, a
“senhora dos mares”, e depois pela América. Daqui se teria originado um tipo particular de
civilização de mercado capitalista-mercantil, fundada sobre interesses económicos e materiais e
sobre os princípios do liberalismo económico. Para Dugin, o que carateriza a civilização
marítima é sobretudo o primado do económico sobre o político. Roma, por seu lado, tinha uma
“estrutura autoritária-guerreira fundada numa dominação administrativa e numa religião civil”,
então, seria o primado do político sobre o económico. A sua colonização teria sido terrestre e
feita com a assimilação dos povos submetidos, que depois teriam ficado “romanizados”. Na
História moderna, as potências terrestres foram sobretudo os impérios russo, alemão e austro-
húngaro. Acrescenta Dugin que Mackinder demonstrou que, nos últimos séculos, a “atitude
marítima” equivale ao atlantismo, e as “potências marítimas” são sobretudo os países anglo-
saxónicos. A atitude eurasiana é expressa, antes de tudo, pela Rússia e pela Alemanha, as mais
fortes potências continentais, com preocupações geopolíticas, económicas e, acima de tudo, com
uma visão de mundo completamente opostas às da Inglaterra e dos Estados Unidos da América.
Para começar a analisar esta visão de Dugin, basta notar que a União Soviética teve a sua zona
de influência em quase todos os continentes. Como pode ter tido uma potência terrestre uma
influência tão grande na américa latina? A noção de “potência terrestre” não faz sentido nos
termos em que é posta. Historicamente é também inegável que a concepção de liberdade
económica é católica, mas concretamente ibérica, só não se tendo realizado nestas paragens em
grande escala devido a várias contingências históricas, incluindo os conflitos com os ingleses.
Isto antecedeu muito o iluminismo e as iniciativas anglo-saxónicas. Mas há logo uma outra
confusão montada aqui em cima, porque a concepção da liberdade política não tem nada a ver
com o individualismo, entendido como pura busca do interesse individual, é antes uma
decorrência da própria letra dos evangelhos.
Depois, onde está a inspiração divina dos governos autoritários da Rússia e da Alemanha e o que
fizeram eles para cristianizar o mundo? Os primeiros povos a serem cristianizados foram
ingleses e irlandeses e depois estes partiram para cristianizar o resto. A 345
Alemanha cristianizou-se tardiamente e logo explodiu na Reforma, sendo dela a pátria das
doutrinas mais anti-cristãs que existem, as de Hegel, Marx ou Nietzsche. Também foi criação
alemã a tentativa de dissolver o texto bíblico em considerações historiográficas, quase sempre
imaginárias. Em contrapartida, a evangelização feita por seitas protestantes na américa trouxe
ao mundo algo bem diferente do individualismo.
Dugin diz, noutro escrito, que é preciso ler o livro A Sociedade Aberta e seus Inimigos, de Karl
Popper, para compreender o conflito entre atlantismo e eurasianismo. Popper diz que a
sociedade aberta é aquela na qual não há absolutos, assim, não há nenhuma verdade acima dos
interesses e preferências dos indivíduos. A esta noção de sociedade aberta sem transcendência
Dugin contrapõe a sociedade tradicional, que para ele é representada pela Rússia, pela
Alemanha ou pela China. Na realidade, a ideia de sociedade aberta é algo que os globalistas
deram importância e querem impor ao resto das pessoas contra vontade delas. Foram
necessárias muitas décadas de campanhas de propaganda, de alteração de mentalidades e de
destruição de consciências para fazer passar a ideia de que o Estado mais que laico deve ser anti-
cristão, porque essa ideia não tem qualquer raiz na tradição americana, antes são os inimigos
dos EUA que lhe querem impor tal coisa. O efeito foi sobretudo notório na política externa
americana, que basicamente se limitou a trocar ditadores amigos por ditadores inimigos
(Fulgência Batista por Fidel Castro, Shiang Kai-Sheck por Mao Tse Tung, Lon Nol por Pol Pot e
assim por diante), além do esforço também exercido para quebrar o poder das potências
colonias como a Inglaterra, França, Portugal ou a Espanha, entregando as antigas possessões a
poderes comunistas. Toda a elite globalista tem feito esforços num sentido claramente anti-
americano, favorecendo ao mesmo tempo o movimento comunista internacional, que faz parte
do esquema eurasiano de Dugin. Os livros de Anthony Sutton mostram como os banqueiros
americanos ajudaram bastante o comunismo e o nazismo. Portugal e Espanha foram as
primeiras potências marítimas da era moderna, mas elas não fazem parte do esquema anglo-
saxónico, antes foram destruídas por ele.
As noções de “potências marítimas” e de “potências terrestres” podiam ser, em teoria, usadas
como símbolos, servindo de instrumentos de interpretação da realidade. Mas para isso, os
símbolos tinham de abranger os factos conhecidos e ainda dar-lhes um sentido, transcendendo-
os. Mas neste caso tratam-se de noções que ignoram a quase totalidade dos factos, então, não
são símbolos mas estereótipos usados para fins de propaganda.
Na concepção de Dugin aparece também uma confusão entre o colectivo e o supra-individual.
Como as ditas potências terrestres são centralizadoras, hierárquicas e autoritárias, Dugin faz
equivaler estes atributos a um desígnio transcendente. Colectivo não é um conceito superior a
individual e nem vice-versa, são dois lados da mesma coisa e o colectivo é-o de indivíduos. São
conceitos de sentido quantitativo, mas quando falamos de supra-individual já falamos do
espiritual, de algo que é supra quantitativo. A contraposição entre individual e colectivo não é,
como quer Dugin fazer crer, uma contraposição entre imanente e transcendente. α94

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