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CAMPINAS,
2016
SIMONE MICHELLE SILVESTRE GUILHERME PICO
CAMPINAS,
2016
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 2012-6/140281; CAPES, 6347-13-4
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
Título em outro idioma: Enunciation space and grammatization process of East Timor
languages : the discursive configuration of a language policy
Palavras-chave em inglês:
Portuguese language - East Timor
Tetum language
Indonesian language - East Timor
Grammar, Comparative and general - Grammatisation
Enunciation (Linguistics)
Language policy - East Timor
Linguistic ideas - History
Discourse Analysis
Área de concentração: Linguística
Titulação: Doutora em Linguística
Banca examinadora:
Monica Graciela Zoppi Fontana [Orientador]
José Simão da Silva Sobrinho
Luiza Kátia Andrade Castello Branco
José Horta Nunes
Ana Cláudia Fernandes Ferreira
Data de defesa: 16-12-2016
Programa de Pós-Graduação: Linguística
BANCA EXAMINADORA:
IEL/UNICAMP
2016
This doctoral research presents and analyzes the conditions of production related to
the grammatization process of the languages of East Timor, mainly in the 19th and
20th centuries, and also the ideological effects produced by grammatization process
in the country, this one affected by the divisions between languages and subjects
since always. To do so, we focus on two historical periods crowded of conflicts
concerning the formation of the Timorese territory: the Portuguese colonization in
Portuguese Timor, from the 16th to the 20th century; and the Indonesian control,
from 1976 to 1999. From the perspective of Materialist Discourse Analysis (AD), in its
relation with the History of Linguistic Ideas (HIL), we analyze discursive sequences
produced by travelers, Catholic missionaries, Portuguese governing authorities,
Timorese guerrillas and speeches about languages of the prologues of linguistic
instruments written by Catholic priests in the last two centuries. The analyzes pointed
out that the divisions between languages and subjects in Timor have always existed.
For many centuries, Malay has taken the place of the language of commerce, even
disputing space with Portuguese. This one was the language of the catechesis of the
first missionaries and the Portuguese colonial administration in the capitals of the
country, Lifau and Dili. Tetum was the language of Timorese chiefs, holders of
political and military power, Catholics, speakers of the colonizer language and his
subordinates. In this way, tetum was the first language described by the missionaries
and the one that the local and Portuguese authorities intended for the whole
Portuguese Timor. With regard to the languages of the non-Tetum-speaking spaces,
what we know from the colonizer point of view has pointed these unofficial languages
as responsible for the lack of linguistic unity on the island, and the affirmation that
they were not languages. As an effect of the East Timor colonial language policy
project – which considered the linguistic diversity as a problem – the process of
grammatization in the end of the nineteenth century produced other meanings and
senses. The grammatization (re)divided the Tetum and other languages of the
territory, since Tetum was the only Timorese language promoted to the status of
language and the only one with linguistic instruments for official educational sistem.
In the imaginary construction of an apparent linguistic unit, the grammatization
determined a standard pattern of correction for the Tetum varieties of Portuguese
Timor. It means that by grammatization there was a “correct” Tetum that obliterated
the other linguistic varieties and then an apparent regularity took place. In the other
hands, a very uneven partnership was established between Portuguese and Tetum
in teaching, since Tetum works as a language of support for the Timorese to learn
Portuguese. With grammatization, those have become "partner" languages, but with
different power statutes. In the period of Indonesian domination, between 1976 and
1999, the state language in Timor was Indonesian Bahasa (language) and
Portuguese was banished. In the interdiction of languages in East Timor, Portuguese
and Tetum were the languages that resisted because they were the only two
languages with grammar, which somehow allowed the Timorese to guarantee by
language something that make them different from the Indonesians.
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................18
ESTRUTURA DO TRABALHO ............................................................................... 29
INTRODUÇÃO
1
O Art. 13º. da Constituinte (Parte I – Princípios Fundamentais), p. 11, prevê que “o tétum e o
português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste”.
2
O mesmo artigo define que o tétum e as outras línguas nacionais devem ser “valorizadas e
desenvolvidas pelo Estado” (p. 12).
3
A Constituição, Parte VII – Disposições Finais e Transitórias, em seu Artigo 159º., estabelece que a
língua indonésia e a inglesa são línguas de trabalho em uso na administração pública a par das
línguas oficiais, enquanto tal se mostrar necessário.
4
De acordo com o último Censos Populacional e Habitacional realizado em Timor-Leste, no ano de
2010, são faladas mais de vinte e duas línguas, conforme Anexo 2, p. 223.
5
A designação “reino” foi empregada conforme os trabalhos dos historiadores portugueses (Thomaz,
1994, e Figueiredo, 2008) e a mesma também recebeu a denominação de suco e povoação, de
acordo com pesquisa de Figueiredo (2011). Os “reinos”, hoje, encontram-se divididos em inúmeros
distritos. Segundo dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2011, os
distritos em Timor-Leste encontravam-se organizados conforme o que nos aponta o Anexo 1, p. 222.
6
É relevante esclarecermos que nos capítulos da tese, a denominação “ilha de Timor” refere-se ao
espaço de Timor sem a divisão em duas partes promovida pelo colonizador europeu, dando origem,
respectivamente, ao Timor Oriental (Timor Português ou Timor-Leste), que se tornou aliado dos
portugueses, e ao Timor Ocidental (Timor Holandês/Indonésio ou Timor Oeste) ligado aos holandeses
e indonésios. Em todas as situações de análise em que for necessário, nos referiremos sobre qual
porção da ilha estaremos tratando, no caso, ao Timor Português ou ao Timor Ocidental.
7
A história de formação de Timor-Leste teve a presença majoritária de dois colonizadores, no caso,
os portugueses e os indonésios. A denominação “colonização” não é empregada na nossa tese para
se referir às praticas de dominação dos indonésios, uma vez que os historiadores portugueses, com
os quais trabalhamos, não adotam em seus trabalhos a designação em questão para se referir ao
período em que o governo indonésio esteve no controle de Timor-Leste, nos anos de 1976 a 1999. A
historiografia portuguesa emprega as denominações “ocupação” e/ou “invasão” para se referir aquilo
que os indonésios fizeram no Timor Português. Em nosso trabalho, não empregamos “colonização
19
e/ou ocupação/invasão indonésia” e optamos pela designação “dominação e/ou controle indonésio”
sabendo que a colonização portuguesa, de certo modo, ainda que de maneira diferente da dos
indonésios, também “ocupou” e/ou “invadiu” a vida e a forma de organização política, econômica e
social dos timorenses em diferentes épocas. Sabemos que as designações “ocupação” e/ou “invasão”
carregam sentidos marcados pela história, assim como a denominação “colonização”. Nenhuma delas
é destituída de menos/mais tensões e conflitos entre as partes que fizeram parte de tais processos e
todas significam e produzem sentidos diversos no real das relações entre colonizadores e
colonizados.
20
portuguesa católica. Além disso, sob a posição da AD, tais discursos produzidos
pelos diferentes sujeitos são políticos (ideológicos) e não expressão de percepções
e observações naturais dos sujeitos.
De acordo com Orlandi (2009), a partir de uma abordagem psicológica, os
sujeitos do discurso acreditam que produzem os discursos como se aquilo que foi
dito tivesse se originado nele próprio. Desse modo, sujeitos em “seus” discursos se
encontram afetados pela “subjetividade”, por aquilo que creem ser “seu” e que
representa a realidade a respeito do que dizem sobre as coisas etc. É aqui que se
define a importância da AD, perspectiva teórica a qual o nosso trabalho assume, na
indagação da questão de uma subjetividade psicológica como princípio norteador
para as explicações, para o que é dito, reconhecendo a importância da ideologia no
funcionamento da linguagem e da constituição do sujeito.
Filiando-se a definição de ideologia a uma tendência discursiva, de
acordo com Orlandi (2009, p. 48), aquela não deve ser jamais compreendida como
“visão de mundo, como um conjunto de representações ou como ocultação da
realidade”. A ideologia, segundo a autora (ibidem), enquanto “prática significante”, é
posta “como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história
para que haja sentido”. Não existe “uma relação termo-a-termo entre
linguagem/mundo/pensamento”. Tal relação somente é possível “porque a ideologia
intervém com seu modo de funcionamento imaginário”. Desse modo, conforme a
analista (ibidem), são “as imagens que permitem que as palavras ‘colem’ com as
coisas” e é, também, pela ideologia que os indivíduos são interpelados em sujeitos,
inaugurando, desse modo, a discursividade. Segundo a analista do discurso
(ibidem):
Além disso, sob o olhar da AD, conforme Orlandi (2009, p. 32), “as
21
palavras não são só nossas”, estas “significam pela história e pela língua”, ou seja,
“o que é dito em outro lugar também significa nas ‘nossas’ palavras”. Desse modo,
na prática discursiva, para Orlandi (ibidem), há sempre um “já-dito” – o interdiscurso
– que é o que confere sustentação à existência de todo dizer, e esse já-dito é
essencial para a compreensão do funcionamento do discurso, “a sua relação com os
sujeitos e com a ideologia”.
Mariani (2007) dialoga com Orlandi (2009) no sentido de que os
discursos, sejam eles de qual natureza for, estão atravessados por outros dizeres,
ditos em outros lugares e por outros sujeitos, sendo que o sujeito não tem controle
sobre isso quando toma a palavra. Segundo Mariani (idem, p. 86), embora a prática
discursiva funcione desse modo, não é possível que haja “garantias de uma
estabilização permanente na política de sentidos que se organiza nas línguas”. Nada
impede que no processo do que pode e deve ser dito sejam produzidos sentidos
outros capazes, ou não, de promover movimentos reatualizando sentidos
aparentemente já cristalizados, a migração de sentidos outros e rupturas na
produção discursiva.
A partir dos pressupostos teóricos assumidos, interessa-nos descrever as
condições de produção do processo de gramatização na ilha e os efeitos ideológicos
produzidos pelo mesmo sobre as línguas e os sujeitos. Além disso, de que maneira
os sentidos produzidos por esse processo impactaram na configuração de um
espaço de enunciação marcado pela relação sempre desigual entre todos os
envolvidos na colonização linguística (MARIANI, 2004) praticada em Timor-Leste. O
conceito de espaço de enunciação, definido pelo semanticista Eduardo Guimarães
(2002), no interior da Semântica do Acontecimento, marca a relação entre as línguas
e os falantes. Embora, nosso trabalho esteja no domínio da AD, o conceito em
questão é bastante produtivo ao propor que as relações entre as línguas e os
falantes não aconteceram em um espaço-tempo qualquer marcado por uma relação
transparente entre línguas e falantes, mas, segundo Guimarães (2002, p.18), em
“um espaço regulado e de disputas pelo dizer e pelas línguas”, ou seja, em um
espaço político.
Vale a pena destacarmos que até o processo de gramatização promovido
pelos missionários católicos, discursos diversos envolvendo as línguas de Timor-
22
11
Os trabalhos de Costa: Dicionário de Tétum-Português, Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 2000; Guia de Conversação Tétum-Português. Lisboa, Edições Colibri, 2001; e artigo O
Tétum, factor de identidade nacional. Timor Lorosa’e. Camões, Revista de Letras e Culturas
Lusófonas, 14, p. 59-64, 2001.
12
Há investidas contra a língua portuguesa. Cf. Timor Online – Em directo de Timor-Leste, 10 de
Dezembro de 2008. Disponível em: http://timor-online.blogspot.com.br/2008/12/h-investidas-contra-
lngua-portuguesa.html. Acesso em 09 set. 2015.
13
A língua portuguesa em Timor-Leste. Cf. Agência Ecclesia, 27 de Maio de 2008. Disponível em:
<https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/lusofonias/a-lingua-portuguesa-em-timor-leste/1758>.
Acesso em 09 set. 2015.
14
Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente: Insulíndia (1506-
1549). 1°. volume. Compilação e notas de Pe. Artur Basílio de Sá. Lisboa: Agência Geral do Ultramar,
1954.
26
Maria Alves da Silva, com Noções de gramática Galóli, dialecto de Timor, de 1900, e
o Diccionario Portuguez-Galoli, de 1905; em 1916, o Pe. Manuel Mendes Laranjeira
publicou a Cartilha-Tétum; o Pe. Manuel Patrício Mendes publica Dicionário Tétum-
Português, de 1935; o do Pe. Abílio José Fernandes, com Pequeno método prático
para aprender o Tétum, de 1937 e o Vocabulário Atauro-Português, Português-
Atauro, de Jorge Barros Duarte, de 1990. Já entre os que não eram missionários,
estavam as produções do Dicionário de Tétum-Português, de Luís Costa, 2000, e
Portugal, Conhecer Timor Lorosa’e – Koalia (Conversar) Tetun. Dicionário
Português-Tétum, de 2000, autoria de Martim Ferreira.
Além dos instrumentos acima, encontrei indicações de orações e
narrativas sagradas, como Pequeno Catecismo e orações para todos os dias, de
1907, sem autoria; como a do Pe. Manuel Fernandes Ferreira, com Resumo da
História Sagrada em Português e em Tétum para uso das crianças de Timor-Leste,
de 1908; o Evangelho de São Marcos em Tétum, sem autoria, de 1990; o Katekismo
Sarani Diocese Díli Niam, de 1991, do Pe. Manuel Fraille; o Evangelho de São João
em Tétum, de 1992; e a do Pe. Rolando Fernandes, Novo Testamento em Tétum, de
2000. Procurei-as na base de dados do Real Gabinete Português de Leitura,
todavia, tais publicações não compunham o acervo da instituição.
Tive acesso a informações importantes a respeito do que os portugueses
nomearam como política linguística de Portugal para Timor na obra Textos em Teto
da Literatura Oral Timorense, de 1961, da autoria do Pe. Artur Basílio de Sá. Há o
capítulo intitulado “Política Inicial Portuguesa em Línguística Ultramarina” que narra
sobre a expansão da língua portuguesa quando comparada ao ensino do tétum, a
produção de dicionários e gramáticas das línguas de Timor, sobre a escassez de
recursos e de professores no ensino das línguas etc. e a presença dos Durubasas
(intérpretes) entre os nativos timorenses e as autoridades políticas e missionárias
portuguesas que recorriam aos trabalhos dos mesmos para questões de campos
diversos.
Na Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, foi-me possível ler e
manuscrever trechos das impressões de viajantes e historiadores portugueses a
respeito do tétum e das demais línguas de Timor e sobre o ensino praticado pelos
primeiros missionários na ilha, especialmente os dominicanos. Algumas referências
27
15
Em Lisboa, recolhi documentação no acervo pessoal do Prof. Dr. Fernando Augusto de Figueiredo,
no Arquivo Histórico Ultramarino do Palácio dos Condes da Ega e no Centro de Documentação e
Informação do Palácio dos Condes da Calheta, ambos integrados ao Instituto de Investigação
Científica Tropical (IICT); na Biblioteca Nacional de Portugal; no Centro de Documentação António
Alçada Batista da Fundação Oriente Museu; no acervo da Biblioteca Ultramarina do Gabinete de
Pesquisa Histórica (GPH) da Caixa Geral de Depósito; na Biblioteca da Sociedade de Geografia de
Lisboa; nas bibliotecas das Faculdades de Letras e de Direito e do Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa; nas Bibliotecas Municipais Palácio Galveias, Belém,
Por Timor e Anjos; no Camões – Instituto da Cooperação e da Língua; na Biblioteca do Instituto de
Estudos Superiores Militares; na Biblioteca do Centro Científico e Cultural de Macau, IP e na
Biblioteca da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA).
16
Durante a minha permanência no Porto, recolhi documentos sobre Timor-Leste no espólio pessoal
do Prof. Dr. António Pinto Barbedo de Magalhães disponível pela a biblioteca da Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto; encontrei material no acervo da Biblioteca Pública Municipal do
Porto e realizei pesquisa nas publicações editadas pela a Fundação Engenheiro António de Almeida.
17
Em Cernache do Bonjardim, mediante contato do Prof. Dr. Fernando A. de Figueiredo com Pe.
Castro, conseguimos autorização para conhecer o acervo do antigo Colégio das Missões
Ultramarinas, hoje conhecido como Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim. Encontramos
alguns artefatos linguísticos sobre as línguas de Timor, mas não nos foi autorizado nenhum tipo de
reprodução dos materiais.
28
ESTRUTURA DO TRABALHO
o tétum não era língua local; o malaio e as suas divisões, as demais línguas
timorenses, o português europeu e o das colônias ultramarinas.
Tamanha diversidade linguística e frente a falantes de espaços tão
diferentes, sob os efeitos da colonização portuguesa, as línguas faladas em Timor-
Leste e a língua do colonizador concorriam entre si e encontravam-se afetadas pelo
que Orlandi (2005) definiu como heterogeneidade linguística. Outro conceito
trabalhado no terceiro capítulo conhecido como colonização linguística, proposto por
Mariani (2004), foi relevante, uma vez que os efeitos ideológicos sobre as línguas e
os sujeitos, produzidos pela colonização linguística exercida pelos portugueses em
diferentes momentos no espaço de enunciação timorense, fizeram-se conhecidos e
produziram efeitos que afetariam o processo de gramatização das línguas de Timor-
Leste pelos missionários católicos no fim do século XIX. Um dentre os efeitos
produzidos pela colonização e seu projeto colonial de política de língua foi o da
unidade linguística em todo o Timor Português. Porém, esta era imaginária, pois, no
real da relação entre as línguas e os falantes, aquela nunca existiu. O real
materializava-se na diversidade de línguas do país e os seus falantes.
Diante de um quadro de relação entre línguas e falantes tão diversos, a
política de língua do colonizador europeu, sustentada no trabalho do missionário
católico, somente tomou forma e força com o processo de gramatização das línguas
do país, no fim do século XIX, conforme analisado no capítulo quatro. Neste
capítulo, também apresentamos quais foram as línguas timorenses que passaram
pelo processo de gramatização, os instrumentos linguísticos produzidos para as
mesmas, a relação dos missionários responsáveis pela elaboração dos mesmos, as
condições de produção envolvidas na gramatização das línguas para a catequese e
para o ensino oficial no Timor Português e quais foram as divisões entre as línguas e
os sujeitos produzidas pelo processo de gramatização, entre o fim do século XIX até
1975.
Já no capítulo cinco, apontamos para os lugares ocupados pelas línguas
em Timor-Leste quando este se encontrava sob o domínio dos indonésios. Neste
período, a língua portuguesa foi substituída pela língua indonésia e esta passou a
ser a língua do Estado; o tétum era usado pelos indonésios na comunicação diária
com o timorense, era a língua oficial da igreja católica e língua usada na escola. Sob
32
a governança dos indonésios, a língua inglesa foi introduzida nas escolas oficiais e
na única universidade do país. A língua portuguesa, ainda que proibida, foi
empregada pela frente de resistência timorense e falar o português diferenciava o
timorense do indonésio em uma época marcada pelos conflitos e pela resistência
frente ao outro que governava o país de forma ilegítima e de modo violento e
autoritário.
E por fim, nas considerações finais, retomaremos os aspectos mais
importantes dos capítulos das análises (três, quatro e cinco), destacando,
principalmente, como o processo de gramatização das línguas de Timor-Leste
estabeleceu divisões entre as línguas e os falantes no país, quais foram as divisões
produzidas e os estatutos conferidos a cada uma delas e de que modo este
processo contribuiu para a oficialização de uma única língua timorense, em parceria
com a língua portuguesa, na política de língua do Timor-Leste independente de
2002.
33
CAPÍTULO 1
ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS E O CORPUS DA
PESQUISA
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Discurso, Condições de Produção e ideologia
18
Sob a definição de recorte discursivo, proposto por Orlandi (1984), deparando-se com um corpus,
segundo Grigoletto, 2002, p. 65, o analista do discurso recortará “fragmentos da situação discursiva
(em forma de sequências discursivas) que dêem conta de revelar uma determinada configuração do
discurso analisado. Os recortes não se apresentam na forma do linear e cronológico porque o
discurso não se constrói dessa maneira”.
34
aprendizagem e do uso de uma língua oficial uma obrigação para todos aqueles que
fazem parte da Nação.
De acordo com o filósofo da ciência da linguagem (Auroux, 1992), a
produção massiva de gramáticas e dicionários nos vernáculos europeus e nas
línguas dos mundos recém-descobertos, se intensificou no Renascimento e ficou
conhecido como processo de gramatização. Este, segundo o autor, é, depois da
invenção da escrita, a "segunda revolução técnico-lingüística" (idem, p. 35), e
estabeleceu, a partir da tradição linguística grego-latina, uma trama homogênea de
comunicação com início na Europa, onde cada nova língua integrada a esse
universo de saberes linguísticos aumentava o sucesso da trama e de seu desarranjo
em prol de uma só região do globo. Tudo isso foi possível uma vez que a
gramatização das línguas europeias aconteceu ao mesmo tempo da exploração de
outros continentes do planeta e da colonização e controle desses pelos europeus.
Segundo o autor, tratou-se de uma revolução tecnológica tão importante para a
história da humanidade quanto a revolução agrária do Neolítico ou a Revolução
Industrial do século XIX.
Auroux aponta quais foram as razões da propagação, sem precedentes,
da gramatização das línguas do mundo, a partir da Europa, e de modo tão tardio. O
autor destaca que, mesmo após o declínio do Império Romano do Ocidente, assistiu-
se à manutenção do latim na Europa Ocidental e ao desenvolvimento das línguas
neolatinas. Dessa forma, verificou-se que a conservação do latim nas atividades
envolvendo a administração, as atividades intelectuais e religiosas, mesmo em
localidades não latinas do indo-europeu, foi imprescindível enquanto fator de
unificação na Europa Ocidental. E é exatamente na persistência desse aspecto que
é preciso buscar as razões da mudança de orientação prática da gramática.
Sob o fator da unificação, todo europeu era obrigado a aprender o latim,
que já não era mais a sua língua materna, a partir da própria gramática latina, que,
conforme adiantou Auroux (idem, p. 42), sofreria mudanças de orientação prática de
uso da gramática:
Para um europeu do século IX, o latim é antes de tudo uma segunda língua
que ele deve aprender. A gramática latina existe e vai se tornar
prioritariamente uma técnica de aprendizagem da língua.
38
dois traços que, de acordo com o autor, as gramáticas tornam-se traduções uma das
outras ou o fato da gramatização de uma língua determinada objetivar tornar
acessível aos locutores outra língua. Esse processo, segundo o autor, é um efeito
típico da constituição em rede e, além disso, na gramatização, à base do latim, de
um vernáculo europeu é possível esse servir de modelo à outra língua e lhe
transmitir a sua latinidade.
Segundo Auroux, como no processo de gramatização o que está em jogo
é a transferência de uma língua para outras línguas, é inevitável que ocorra também
uma transferência cultural. A transferência de tecnologias entre línguas pode ser de
dois tipos: a endotransferência ou a exotransferência. Estas são denominadas pelo
pesquisador francês como endogramatização e exogramatização, respectivamente.
Exemplos de endogramatização aconteceram quando os latinos
descreveram a língua latina a partir da estrutura gramatical da língua grega e
quando os vernáculos europeus passaram a ser descritos pelos europeus a partir do
funcionamento do latim. A exogramatização ocorreu, por exemplo, quando os
portugueses transferiram a tecnologia do português europeu para as línguas
indígenas, essas sem tradição escrita e seus falantes não dispunham de tecnologia
para descrevê-las.
De acordo com Auroux, a gramática não nasceu de uma necessidade
didática, pois, a criança grega ou latina já sabia a sua língua quando frequentava a
escola e a gramática era apenas um estágio do acesso à escrita.
Desse modo, no processo de gramatização em Timor-Leste estiveram
envolvidas as etapas de descrição e de instrumentalização, não apenas da língua
falada em Portugal, no caso, o português, mas das línguas de alguns reinos
subordinados aos portugueses, como foi o caso da língua tétum. No caso dos
colonizadores portugueses, havia o interesse de que os timorenses aprendessem a
língua do rei, desenvolvendo, assim, uma política linguística de uso da língua
portuguesa além-mar.
O processo de gramatização no país em questão teve propósitos
diversos, no caso, para a catequese e para o ensino, e os instrumentos linguísticos
produzidos, pela exogramatização, em consonância com a tradição gramatical latina,
pelos missionários católicos, para tais fins, institucionalizaram (re)divisões entre as
40
De acordo com o que nos apresentou Diniz (ibidem, p. 12), a História das
Ideias Linguísticas no Brasil ganhou estatuto e se desenvolveu a partir do
conhecimento produzido nos projetos realizados na década de 1980; particularmente
aquele que recebeu o nome “Discurso, significação e brasilidade”, coordenado pela
Profa. Dra. Eni P. Orlandi, no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas (IEL/Unicamp). Diniz (ibidem, p. 12) apontou que, ao longo da
década de 1990, a HIL conquistou espaço no Brasil como área de conhecimento,
por meio de uma série de projetos, em especial, “História das Idéias Lingüísticas no
Brasil: a construção de um saber metalingüístico e a constituição da língua
nacional”19, “História das Idéias Lingüísticas: ética e política das línguas”20 e “O
Controle Político da Representação: uma História das Idéias”21, desenvolvidos por
pesquisadores vinculados a diferentes universidades brasileiras, em colaboração
com investigadores franceses22.
De modo geral, a História das Ideias Linguísticas prezou pelo estudo das
diferentes formas de constituição do saber metalinguístico ao longo do processo
sócio-histórico, não se limitando, portanto, àquelas desenvolvidas tradicionalmente
pela Linguística Moderna. Conforme fundamentou Auroux (ibidem, p. 14):
19
O projeto foi coordenado pelos Professores Doutores Eni Puccinelli Orlandi (Instituto de Estudos da
Linguagem/Unicamp – Campinas) e Sylvain Auroux (École Normale Supérieure – Lyon) e recebeu
apoio do acordo CAPES/COFECUB com a Universidade de Paris VII, tendo sido desenvolvido entre
1993 e 1998.
20
Projeto desenvolvido entre 1998 e 2004, coordenado pela Profª. Drª. Eni P. Orlandi (IEL/ Unicamp)
e pela Profª. Drª. Diana Luz Pessoa de Barros (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas –
Universidade de São Paulo), no Brasil, e pelo Prof. Dr. Sylvain Auroux, na França.
21
O projeto CAPES/COFECUB foi iniciado em 2005, coordenado, no Brasil, pelo Prof. Dr. Eduardo
Roberto Junqueira Guimarães (IEL/Unicamp) e, na França, pelo Prof. Dr. Jean-Claude Zancarini
(École Normale Supérieure - Lyon).
22
Outras informações sobre a institucionalização do campo da HIL no Brasíl podem ser obtidas em
<http://www.unicamp.br/iel/hil/historico.html>. Acesso em: 26 jul. 2015.
41
Para Diniz (ibidem, p. 13), outro conceito chave em HIL e proposto por
Auroux (ibidem, p. 65) foi o da gramatização, “o processo que conduz a descrever e
a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias, que são ainda hoje os
pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário”.
A partir das considerações de Diniz (ibidem, p. 13), o filósofo da
linguagem francês defendia que a gramática e o dicionário, longe de serem uma
mera descrição ou representação das línguas naturais, eram instrumentos
linguísticos, “do mesmo modo que um martelo prolonga o gesto da mão,
transformando-o” (ibidem, p. 70), e que modificavam os espaços-tempos de
comunicação: “... como as estradas, os canais, […] e os meios de transporte, a
gramatização modificou profundamente a ecologia da comunicação e o estudo do
patrimônio linguístico da humanidade”, mencionou Auroux (ibidem, p. 71). Esse
ainda argumentou, por exemplo, que as línguas pouco, menos, ou não,
instrumentalizadas, estiveram mais expostas ao “linguicídio”, fosse esse voluntário
ou não.
Diniz (ibidem, p. 13) argumenta que a HIL brasileira, embora assumisse
essa diretriz de trabalho proposta por Auroux, bem como o conceito de
gramatização, soube preservar as suas especificidades em relação à maneira como
a área se configurou na França23, conforme foi possível observar com base nas
afirmações de Guimarães e Orlandi (1996, p. 14 apud DINIZ, ibidem, p. 13):
23
Cf. site do Laboratoire d’histoire des théories linguistiques, que congrega as principais pesquisas
nesse campo desenvolvidas na França: <http://htl.linguist.univ-paris-diderot.fr/>. Acesso em: 27 jul.
2015.
42
24
A língua nacional, a partir dos trabalhos de Payer (1999, 2007), não coincide, empírica ou
teoricamente, com a língua materna. Já, sob a perspectiva de Gadet e Pêcheux (1994), Orlandi
(2001; 2002) e Guimarães (2002), a língua nacional é aquela em que os Estados nacionais modernos
estabelecem o seu ideal de “unidade” política entre os membros da Nação.
43
Desse modo, Diniz (idem, p. 21) aponta que Orlandi (2007), propondo
trabalhar o domínio das políticas linguísticas sem apagar da língua aquilo que lhe é
próprio – o político –, realiza um deslocamento que é bastante produtivo para os
trabalhos em HIL filiados à AD materialista. A analista de discurso concebe a política
linguística enquanto política de línguas, que corresponde ao fato de que:
25
Segundo Pêcheux (1997a, p. 78), “os fenômenos lingüísticos de dimensão superior à frase podem
efetivamente ser concebidos como um funcionamento, mas com a condição de acrescentar
imediatamente que este funcionamento não é integralmente lingüístico, no sentido atual desse termo,
e que não podemos defini-lo senão em referência ao mecanismo de colocação dos protagonistas do
discurso e do objeto de discurso, mecanismo que chamamos ‘condições de produção’ do discurso”
[itálicos do original].
46
seu pertencimento” (ibidem, p. 16); aquele não é, dessa maneira, algo exterior à
língua, que lhe é acrescido por razões sociais – como é percebido no conceito de
política linguística com que trabalha Calvet –; ao contrário, o político é constitutivo de
seu funcionamento. Por ser necessariamente atravessada pelo político, a língua é,
para Guimarães, marcada por uma divisão, pela qual os falantes se identificam.
Dessa forma, Diniz (2012, p. 23) defende que o conceito de espaço de
enunciação estabelece um significativo deslocamento no modo de se definir a figura
do falante. Não se trata de um indivíduo formado antes e autonomamente dos
espaços de enunciação, mas de um sujeito constituído por e em um espaço
atravessado pelos conflitos entre as línguas.
De acordo com o que nos apresenta Diniz (ibidem), o espaço de
enunciação permite tornar a visitar o conceito de “atores” da política linguística,
geralmente, mobilizado na Sociolinguística. Nessa área de saber, a política
linguística é compreendida por processos que acontecem a partir de ações
conscientes e planejadas por diferentes agentes objetivando a intervir na relação
que um dado grupo estabelece com certa(s) língua(s) falada(s) em um espaço de
enunciação. A formação de um saber metalinguístico é um exemplo a esse respeito,
já que produz sentidos que interferem nessa relação. Contudo, mais do que isso, é
importante levar em conta que, embora se trate de gestos de planejamento
linguístico, a vontade e a reflexão estratégica não devem ser analisadas como os
elementos estruturantes da política linguística. Segundo Diniz (idem, p. 23-24), se o
falante é considerado como uma função enunciativa que, para Zoppi-Fontana
(2010), se constitui em um espaço de enunciação “metaforizado pelo jogo
contraditório entre diferentes memórias da língua”, desse modo sua vontade e sua
reflexão estratégica, que determinariam certos gestos de política linguística, não têm
origem nele próprio, mas são efeito do interdiscurso26. Defender o contrário seria
aceitar a ilusão da evidência subjetiva rebatida por Pêcheux (1997b), ou seja, a
pressuposição – que se deslocou, por “filosofia espontânea”, para certas pesquisas
26
Pêcheux (1997b, p. 162) propõe que “… toda formação discursiva dissimula, pela transparência de
sentido que nela se constitui, sua dependência com relação ao ‘todo complexo com dominante’ das
formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas...”, ou seja, que se pode
chamar interdiscurso a esse ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas,
esclarecendo que também ele é submetido à lei de desigualdade-contradição-subordinação que (...)
caracteriza o complexo das formações ideológicas”.
48
linguísticas – de que o sujeito é origem de si próprio e que, enquanto tal, tem pleno
controle sobre o que diz e o que faz.
Desse modo, compreendemos que para qualquer relação histórica entre
línguas e sujeitos tão diferentes, divisões entre todos os envolvidos são produzidas,
significados diversos para todos são construídos e estatutos para as línguas e os
sujeitos são distribuídos na configuração do que Guimarães, 2002, definiu como
espaço de enunciação.
O lugar compreendido como espaço de enunciação, de acordo com
Guimarães (idem), é onde as línguas funcionam entre si, onde elas se relacionam de
modo a se dividirem, a se redividirem, a se misturarem, a se desfazerem, e a se
transformarem em um espaço marcado por uma disputa ininterrupta. E enquanto
espaços de línguas divididas em funcionamento são habitados por falantes que
também se encontram na situação de divisão pelos “seus direitos ao dizer e às
maneiras de dizer”. Na concepção de Guimarães (idem), é o modo de distribuição
para os falantes que regula o funcionamento das línguas, encontrando-se o espaço
de enunciação, de acordo com Zoppi-Fontana (2010, p.131-132), na posição de “o
lugar dessa atribuição/distribuição que se dá como efeito dos processos históricos
que configuram as relações de poder que regulam esse espaço”. Dessa forma, de
acordo com a autora (idem), os falantes se constituem em ‘sujeitos da língua’ pelo
espaço de enunciação.
Na perspectiva de Zoppi-Fontana (idem, p.132), a definição de espaço de
enunciação é extremamente produtiva, uma vez que possibilita conceber
“politicamente a diversidade linguística como divisão da(s) língua(s)” e, desse modo,
compreender “os falantes dessa(s) língua(s) como constituídos enunciativamente
pelo conflito entre modos e direitos de dizer desigualmente distribuídos”.
Neste espaço, de acordo com Guimarães (idem), falar uma língua é
encontrar-se afetado pelas divisões que caracterizam o espaço de enunciação desta
língua onde ela é sempre uma (a definida pelo Estado), mas é também diferente
dessa (diversa e constituída nas relações cotidianas entre os falantes). Os falantes
se identificam pelas divisões, sendo que as tais apontam exatamente para a relação
dos falantes com a língua. Porém, segundo o autor (idem, p. 21), tal “divisão é
marcada por uma hierarquia de identidades”, sendo que essa divisão produz a
49
CAPÍTULO 2
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO ENTRE AS LÍNGUAS E OS
SUJEITOS EM TIMOR-LESTE
27
Conforme já dito no capítulo introdutório, a designação “reino” é empregada pelos historiadores
portugueses. Estes compreendem a ilha de Timor a partir do modo organizacional e político que se
assemelhou aos antigos feudos europeus. Porém, sob a perspectiva da análise materialista do
discurso, a denominação “reino” significa e produz sentidos outros e muito do que foi e é dito, até
hoje, a respeito da estrutura do funcionamento e da organização da ilha e seus habitantes, desde a
chegada dos primeiros colonizadores, reproduz a posição do colonizador. Sabe-se que a organização
política e administrativa da ilha possa ter vindo a ser outra, ter recebido outro nome, segundo a língua
de cada localidade etc., e que a estrutura feudal descrita pelo colonizador europeu faz parte do
estatuto imaginário deste no tocante ao funcionamento dos territórios recém-descobertos.
28
Segundo Thomaz (2002, p. 81-82), “o malaio, vernáculo, ‘língua própria’ de uma população,
53
estendia-se da costa oriental de Samatra, excluindo as duas extremidades, norte e sul da ilha; ilhas
situadas entre Samatra, Java e Bornéu (Riau, Linga, Banca, Bilitão etc.), costas ocidental e oriental
da Península de Malaca e núcleos dispersos pelas costas ocidental e meridional de Bornéu,
sobretudo, na foz dos grandes rios e na confluência destes com os seus principais afluentes. Esses
estabelecimentos permitiram aos malaios controlar o acesso ao interior da ilha e a quase totalidade
do comércio de médio e longo curso por via fluvial. Os malaios desempenhavam, na região, um papel
semelhante ao que os fenícios, gregos e cartagineses desempenharam no Mediterrâneo antes da
unificação romana: compravam às populações do interior, com que mantinham laços de vizinhança,
os seus produtos e vendiam-lhes os que importavam de outras partes, obtidos através de malaios de
outros estabelecimentos, que, por sua vez, os obtinham das gentes dos seus sertões”.
29
The First Voyage Around the World, 1519-1522: An Account of Magellan's Expedition. Por Antonio
Pigafetta. University of Toronto Press, 2007.
Livro original: Navigation et découvert de la Inde Superieure et Illes de Maluques ou naissent les cloux
de Girofle fait le par Anthoine Pigaphete. Gifty of Edwin J. Beinecke. Yale, Yale University Library,
1907. p.188-189.
30
De acordo com o historiador português Fernando A. de Figueiredo (2011, p. 33): “O reino do
Servião ou Survião (Surviang, mais conforme com a língua malaia) ou Terra dos Vaiquenos,
destacava-se dos outros pela sua preponderância sobre eles, quando os portugueses chegaram a
Timor. Esta designação acabaria por abranger toda a parte ocidental da ilha em contraposição à outra
parte: Belos”.
54
31
Foi a capital de Solor e Timor durante cerca de um século, entre os finais do XVII e 1769. Segundo
Figueiredo (2011, p. 33), a escolha parece dever-se ao facto de ser um bom ancoradouro para os
navios, ter boa água, não ser insalubre e encontrar-se rodeado de montanhas, facilitando a defesa.
Com o tempo, acentuaram-se-lhe as vantagens: o porto era aberto a todos os ventos, não atraindo ali
a navegação; e encontrava-se quase no centro da província do Servião, cada vez mais, portanto,
encravado no domínio holandês. Cf. Afonso de Castro, ob.cit., p. 50-86.
32
Capítulo XXXI: A Primitiva Vida de Timor Colonial. Os teocratas – Os Governadores militares –
Lutas e desmandos. Cf. Historia das Colónias Portuguesas. Obra Patriótica Sob o Patrocínio do
‘Diário de Notícias’, da autoria de Rocha Martins (Da Academia das Ciências de Lisboa). Lisboa, Tip.
da Emprêsa Nacional de Publicidade, 1933.
33
Capítulo II: Notícia Histórica sôbre a obra missionária e as influências desnacionalizadoras nas
colónias portuguesas: Timor. Cf. Missões religiosas nacionais e estrangeiras. Influências
desnacionalizadoras nas Colónias Portuguesas. Boletim Geral das Colónias, ano X, Lisboa, Agência
Geral das Colónias, n.° 112, Outubro, 1934, p. 111-196.
55
uma língua europeia que se pretendia impor, em um primeiro momento, como língua
de domínio da catequese e da administração portuguesa.
Para Thomaz (1985), a partir da segunda metade do século XVI até o
início do século XVIII, em Timor, praticamente apenas os missionários, no caso,
portugueses, goeses e alguns macaenses, empregavam a língua da coroa
portuguesa nas atividades desempenhadas por eles e dominavam-na com fluidez.
Já o malaio circulava há muito mais tempo do que o português e era a língua das
relações comerciais, cabendo às línguas de Timor tornarem possíveis as relações de
natureza interna entre os diversos reinos e os seus povos.
De acordo com o que se passava na ilha de Timor, a questão da língua
portuguesa demandaria a atenção dos missionários na dilatação da fé cristã e na
permanência e atuação desses em Lifau. Afinal, como atrair o maior número de
adeptos ao catolicismo se o timorense não compreendia o português e muito menos
o latim?
Conforme propõe Sousa (1998), uma das primeiras iniciativas dos
missionários no sentido de promover o desenvolvimento da língua portuguesa entre
os nativos foi o envio dos filhos dos ainda poucos liurais que se deixaram converter
na fé cristã aos seminários de Solor e Larantuka para que aprendessem a língua
portuguesa. Desse modo, assim que voltassem aos seus respectivos reinos, teriam
de ser capazes de estabelecer relações nessa língua com os missionários e os
poucos administradores portugueses; em outras situações, no contato diário com os
padres, alguns liurais aprenderiam a língua europeia, já outros chegariam a se
deslocar até a Europa para aprender o português. Geralmente, os chefes e os
familiares que aprendiam, com desembaraço, a língua europeia tornavam-se, muitas
vezes, intérpretes dos religiosos; porém, a Igreja não desejava ficar na dependência
dos mesmos, que, além de não serem muitos, nem sempre eram considerados
confiáveis.
Em contrapartida, à medida que a conversão nos reinos avançava, o
número de línguas conhecidas também aumentava e, de certo modo, o
conhecimento sobre elas acontecia para que o missionário fosse capaz de converter
o maior número possível de reinos.
Dessa forma, como aprender a língua do reino facilitava o trabalho de
58
conversão dos timorenses, segundo Rego (1961), alguns padres, seguindo o que
propunha a Propaganda Fide35, de 1659, puseram-se a aprender a língua local
contando, especialmente, com os nativos que tinham aprendido o português nas
situações já apontadas anteriormente.
Nesse sentido, verificou-se que, com o passar dos séculos, os
missionários portugueses, envolvidos diretamente com as ações de conversão e de
catequização da população timorense, eram veementemente orientados pelos seus
superiores a aprender a língua do local para onde seriam enviados à missionação.
Se estes primeiros missionários que atuaram em Lifau e em outros reinos, até o
início do século XVIII, chegaram a elaborar listas de palavras e / ou a descrever
alguma língua, essas produções não chegaram até os nossos dias.
Contudo, conforme veremos, o conhecimento das línguas da ilha
promovido por essa e outras iniciativas foi imprescindível, no fim do século XIX, para
a gramatização de várias línguas timorenses por padres de diferentes ordens das
missões católicas em Timor, sendo que a instrumentalização das mesmas foi para
usos diferentes e produziu divisões diversas entre as línguas e os falantes.
De acordo com Thomaz (1994), com o passar dos séculos, a persistência
e o trabalho dos primeiros missionários dominicanos nas ilhas de Flores, Solor e
Timor, especialmente Lifau, associados às práticas de conversão, de
reconhecimento e aprendizagem da língua timorense e de apaziguamento das
reações de alguns liurais mais exaltados com a colonização portuguesa nos reinos
de Timor, foram algumas das estratégias tomadas no preparo do terreno para o que
estava prestes a suceder: a fixação definitiva, em 1702, do poder central português
em Lifau. Além de poder controlar mais de perto o trabalho dos missionários em
Timor, tal tomada de decisão, por parte da Coroa Portuguesa, ganhou força com a
presença cada vez mais frequente e intensa dos holandeses na porção ocidental da
ilha e a ameaça que a aliança destes com os chefes locais representava à atuação
35
Propaganda Fide, ligada à Santa Sé, determinou aos primeiros vigários apostólicos a necessidade
de aprender as línguas nativas dos territórios ocupados pela ação católica missionária. Sob o
argumento de que a Igreja pertencia a todas as nações, não deveria subordinar os povos a uma única
língua, à exceção da Liturgia que era compreendida como o elo de união de todo cristão em uma
única oração e manifestação de culto. Tal tomada de posição obrigou aos institutos formadores de
missionários a oferecer aos seus frequentadores a preparação linguística mínima no desempenho da
função no local para onde o missionário seria enviado.
59
36
A Continuation of a Voyage to New Holland. William Dampier. London, printed for James and John
Knapton at the Crown in St. Paul's Churchyard, 1729. Capítulo 2: A description of Timor. Laphao, a
Portuguese settlement, described and Its original natives described. Parte do Project Gutenberg
License included with this e-Book or online at www.gutenberg.net. April 22, 2005. Disponível em
http://www.gutenberg.org/files/15685/15685-h/15685-h.htm. Acesso em: 02 maio 2015.
Trecho Original: [...].
... Laphao. It is a Portuguese settlement ...
There are in it about forty or fifty houses and one church. The houses are mean and low ... [...]. The
church also is very small ... [...]. The inhabitants of the town are chiefly a sort of Indians ...: they speak
Portuguese and are of the Romish religion; [...]. ... descent from the Portuguese; ... [...].
37
De acordo com Figueiredo (2011), nessa época, colônia portuguesa responsável pelas questões
políticas, administrativas e religiosas envolvendo Timor, depois da tomada de Malaca dos
portugueses, em 1640, pelos holandeses.
60
[...].
[...] Lifau. É uma colônia portuguesa [...]
Há nela cerca de quarenta ou cinquenta casas e uma igreja. As casas são
medianas e baixas [...] [...]. A igreja também é muito pequena [...] [...]. Os
habitantes da cidade são principalmente uma espécie de Indianos [...]: eles
falam Português e são da religião católica romana; [...]. [...] linhagem dos
Portugueses; [...] [...].
38
A Continuation of a Voyage to New Holland. William Dampier. London, printed for James and John
Knapton at the Crown in St. Paul's Churchyard, 1729. Capítulo 2: A description of Timor. Laphao, a
Portuguese settlement, described and Its original natives described. Parte do Project Gutenberg
License included with this e-Book or online at www.gutenberg.net. April 22, 2005. Disponível em
http://www.gutenberg.org/files/15685/15685-h/15685-h.htm. Acesso em: 02 maio 2015.
Trecho Original: The chief person they have on the island is named Antonio Henriquez; they call him
61
Sob a ameaça dos holandeses e com a influência cada vez maior dos
missionários sobre as línguas, a religião e o poder dos liurais timorenses e o de seus
grupos, por volta de 1702, em Lifau, o controle da coroa e da língua do rei foram
exercidos diretamente a partir da nomeação de António Coelho Guerreiro (1702-
1705), primeiro governador português para o Timor Português.
usually by the title of Captain More or Maior. They say he is a white man, and that he was sent hither
by the viceroy of Goa. (...); ... they say that this Captain More goes frequently to wars in company with
the Indians that are his neighbours and friends, against other Indians that are their enemies. The next
man to him is Alexis Mendosa; he is a lieutenant, and lives six or seven miles from hence, and rules
this part of the country. He is a little man of the Indian race, (...). He speaks both the Indian and
Portuguese languages; is a Roman Catholic, and seems to be a civil brisk (ativo) man. (…).
62
39
A formação destes homens era considerada crucial para a aproximação com o habitante local e
para facilitar a compreensão dos aspectos culturais e míticos dos timorenses e suas línguas, pois, na
história da evangelização católica em Timor, há vários episódios que ilustram desconhecimento de
tais aspectos pelo padre europeu e situações pouco profícuas envolvendo a língua portuguesa no
processo de conversão/catequização daqueles.
40
De acordo com Figueiredo (2011, p. 451-452), “Em 1747, os dominicanos dirigiam um seminário
63
em Manatuto pago com a finta real, destinado a educar, para o sacerdócio, jovens naturais da ilha.
[…]. Faltavam outras condições: não havia famílias cristãs suficientes onde o recrutamento pudesse
ser efectuado e os próprios padres não vinham de Goa convenientemente preparados para exercer
as funções de professores e educadores”. [Cf. A. Faria de Morais. Subsídios para a História de Timor,
p. 42-45]. “Com o enfraquecimento da presença dominicana, diminuíra a presença deles em
determinados reinos, levando também, consequentemente, à redução do número de adolescentes-
candidatos ao sacerdócio. Por outro lado, a perda de influência política e a baixa do preço do
sândalo, de cujos ganhos saíam no passado as rendas necessárias à manutenção dos religiosos e
das suas instituições, não foram indiferentes às dificuldades sentidas para os manter”.
41
Nessa época, enquanto Lifau foi o centro do poder administrativo da Coroa Portuguesa no Timor do
Reino do Servião, Manatuto ocupou a posição de centro principal da evangelização no Timor dos
Belos, contando com boa parte da população convertida ao catolicismo e seguidora dos costumes
portugueses, e de reforço militar com os “Leais Moradores de Manatuto” divididos em companhias
comandadas por chefes ligados à aristocracia local e aliados dos portugueses no combate aos reinos
não aliados.
42
No Capítulo 3, há a apresentação das produções linguísticas dos missionários que atuaram em
Timor no fim do século XIX até o século XX. Nem todas as publicações resistiram até aos dias atuais,
outras nem chegaram a receber impressão; todavia, foi possível ter acesso ao prefácio de algumas
64
43
Mémoire sur L’isle de Timor. Habitans. Gouvernement. Religion. Peuples. Langage. (p. 233, no
original, e p. 93, online). Apud Lombard-Jourdan Anne. Un mémoire inédit de F.E. de Rosily sur l'île
de Timor (1772). Cf. Archipel. Volume 23, 1982. p. 75-104.
Trecho Original: L’isle de Timor est divisée en 30 petits royaumes qui obéissent chacun à leur roi (…),
sans y comprendre les peoples qui vivent sur le haut des montagens, don’t chaque village a son chef.
(…). (…).
Le gouverneur portugais réside à Dhély avec environ 40 blancs indiens et beaucoup de sipaies, dont
la plus grande partie viennent de Goa et Mozambique; ils y ont une citadelle et un évêque. Le
commandant et un religieux commissaire résident à Manoutoutou avec quelques blancs et des
sipaies; ils y ont un fort. Il y a un missionaire par royaume et deux dans les grands; touts les chefs
sont chrétiens catholiques et une partie des habitans; la plus grande partie sont gentils, surtout cuex
des terres. Il y a des églises dans tous les villages sur la côte.
(…).
66
clero regular.
Segundo Figueiredo (idem), a aliança entre a coroa absolutista e as
ordens religiosas na expansão da fé católica e dos domínios portugueses às novas
terras conquistadas encontrava-se abalada e caminhava, pouco a pouco, para a
extinção daquelas em Portugal e das missões ultramarinas: a começar pela tomada
de bens da Igreja, pelo encerramento dos seminários e pela expulsão dos
missionários do Ultramar.
O historiador português (idem) propõe que, mesmo com o término do
mandato de Pombal, os domínios ultramarinos continuavam a sentir os efeitos das
decisões do mesmo; contudo, a má administração e os gastos abusivos praticados
no funcionamento das ordens regulares, muitas vezes, pelos próprios
administradores superiores, eram pretextos para que o poder real absolutista lhes
retirasse seu apoio, o que acabava refletindo na diminuição da ação dos
missionários em determinadas áreas, tanto na esfera eclesiástica quanto na civil.
A péssima condição em que o clero regular se encontrava em Timor, no ano de
1770, e que se estenderia até o início do século XIX, fora resultado das decisões
tomadas na metrópole pelo Marquês, sendo estas agravadas pelo pouco controle
que as ordens eclesiásticas, muitas vezes, estavam acostumadas a ter de enfrentar:
44
Cf. AHU, Índia, maço 157 (147), carta do arcebispo primaz do Oriente ao conde Galveias, Goa 26
de Abril de 1811, Anexo: relatório do vigário-geral, 1811. Apud Figueiredo, 2011, p. 429-430.
68
45
Cf. AHU, Padroado, maço 2 (1784-1819), carta do arcebispo primaz do Oriente para o Secretário
de Estado, Goa, 8 de Maio de 1800. Apud Figueiredo, 2011, p. 429.
69
(ibidem) esclarece que apenas o espaço urbano de Díli conseguiu manter algum uso
corrente do português, em contraste com o que se passava nos domínios
holandeses onde era o malaio a língua empregada e nos espaços rurais onde as
línguas de Timor circulavam sem a interferência do português.
Segundo Figueiredo (2011), a situação não poderia continuar como
estava e, desse modo, em 1844, com o fim da atuação dos liberais no poder central,
outra estrutura de organização eclesiástica e missionária se configurava para o
exercício das missões no Ultramar. As relações diplomáticas entre Portugal e a
Santa Sé foram retomadas e os problemas com as missões nos territórios sob a
administração portuguesa estiveram, de certo modo, em negociação por meio de
Concordatas46.
Dessa forma, era esperado pelo Estado Português que os missionários no
Ultramar cumprissem com as obrigações estabelecidas pelas Concordatas e aqueles
e suas respectivas ordens contassem com o apoio do Estado para o desempenho
das atividades missionárias.
Para que se tenha uma ideia do que se passava em Timor quando, em
Portugal, decide-se pela extinção das ordens religiosas e depois com a
reaproximação de Portugal e a Santa Sé, em 1835 e 1846, respectivamente,
segundo Figueiredo (idem, p. 433):
46
Através de duas Concordatas, a primeira assinada, em 1857, entre Pio IX e D. Pedro V (1855 -
1861) reconhecendo “o exercicio do Padroado da Coroa Portuguesa”, apesar das dificuldades pelas
quais Portugal enfrentava para manter os territórios ultramarinos e diante da necessidade de dispor
de pessoal missionário em tais localidades; e com a segunda Concordata, assinada, em 1886, entre
Leão XIII e D. Luís I (1861 – 1889), fora mantido o direito ao Padroado conferido a Portugal; contudo,
com alguma restrição, já que o país deixara de administrar algumas dioceses localizadas na Índia
(Figueiredo, 2011, p. 431).
47
Cf. AHU, SEMU/DGU, Saída de Correspondência para Macau e Timor, livro n°. 3 (1844-1851),
ofício n°. 439, para o governador da Província de Macau e Timor, Mafra, 11 de Setembro de 1846, fl.
109.
70
48
Decreto organisando a Instrucção Primaria das Provincias Ultramarinas. Cf. COLP, Collecção
Official da Legislação Portugueza [Redigida pelo Desembargador António Delgado da Silva],
Legislação de 1843 em Diante. Lisboa, Imprensa Nacional, 1845, p. 722-724. Disponível em:
<https://books.google.com.br/books?id=AZIvAQAAMAAJ&pg=PA722&lpg=PA722&dq=Decreto+organ
izando+a+Instruc%C3%A7%C3%A3o+Primaria+das+Provincias+Ultramarinas&source=bl&ots=tG8kP
zput2&sig=qQnQ0pjlosVw51O6WyXtDGj6vHM&hl=pt
BR&sa=X&ei=tXkQVYyXKcWvyATC34DgAQ&ved=0CCAQ6AEwAA#v=onepage&q=Decreto%20orga
nizando%20a%20Instruc%C3%A7%C3%A3o%20Primaria%20das%20Provincias%20Ultramarinas&f=
false>. Acesso em: 15 jan. 2015.
49
Cf. AHU, SEMU/DGU, Saída de Correspondência para Macau e Timor, livro n°. 3 (1844-1851),
ofício n°. 336, para o governador de Macau. Sintra, 29 de Agosto de 1845, fl. 54.
50
Cf. COLP, Collecção Official da Legislação Portugueza, Anno de 1869. Decreto de 30 de Novembro
de 1869, 1870, p. 600-603.
71
51
Pelo Art. 15°.: “Em cada uma das provincias ultramarinas haverá o aumento de cadeiras de ensino
primário elementar, que a sua população e circumstancias exigirem” (p. 602).
52
Pelo Art. 16°., Parágrafo 1°., “A primeira classe comprehende: I. Leitura; II. Escripta; III. As quatro
operações arithmeticas em numeros inteiros e fraccionarios; IV. Explicação e exercicios sobre o
systema de pesos e medidas; V. Explicação de Catechismo e doutrina Christã um dia na semana
para os alumnos da religião catholica.
Parágrafo 2°. A 2a. classe abrange: I. Rudimentos de Grammatica Portugueza; II. Rudimentos de
Historia e de chorografia portugueza; III. Arithmetica e elementos de geometria com applicação à
industria; IV. Primeiras noções de agricultura e de economia rural.
Além disso, o Art°. 21 prevê que nas aulas das escolas primárias de 2a. classe haverá exercicios
publicos oraes e escriptos todos os trimestres” (p. 602-603).
53
O Art. 23°. determina que “Em todas as capitaes de provincia, e nas dos governos subalternos, ou
districtos, aonde a sua creação for compatível, e as circumstancias a exigirem, haverá uma escola de
instrucção primaria elementar para o sexo feminino. Pelo Art. 24°. O ensino primario elementar para o
sexo feminino comprehende: 1°. Leitura; 2°. Escripta; 3° As quatro operações arithmeticas em
numeros inteiros e fraccionarios; 4°. Explicação de Catechismo e doutrina Christã para as alumnas da
religião catholica; 5°. Todos os trabalhos proprios do sexo feminino e applicaveis ao uso das classes
menos abastadas” (p. 603).
72
54
Cf. Annaes do Conselho Ultramarino. Parte Não Official, série I (1854-1858), 1867, p.447.
Disponível em:
<https://play.google.com/books/reader?id=XFYMAQAAMAAJ&printsec=frontcover&output=reader&hl=
pt_BR&pg=GBS.PA477>. Acesso em: 15 jan. 2015.
73
55
Cf. Annaes do Conselho Ultramarino, série I (1854-1858), 1867, p. 344 e p. 266. Disponível em:
<https://play.google.com/books/reader?printsec=frontcover&output=reader&id=T5s2AQAAMAAJ&pg=
GBS.PA344>. Acesso em: 15 jan. 2015.
74
56
Segundo o Pe. Manuel Teixeira (1974, p. 58): “Fala em seguida dos dialectos, dizendo que a
‘pronúncia (do tétum) é muito doce e se adapta bem ao Portuguez’. Não há arquivo, nem livros de
baptismo, nem registo de paroquianos, nem biblioteca, nem casa de missão. Expõe depois o modo
como se deve estabelecer uma casa de missão e colégio em Díli; para isso, espraia-se em
considerações quanto ao terreno, local, higiente etc”.
57
Teixeira, Cândido da Silva. O Collegio das Missões em Sernache do Bonjardim (Traços
Monográficos). Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, p. 47.
58
Segundo Pe. Teixeira (p. 113): “À conta do governo, construiu-se a matriz de Díli, inaugurada a 15
de Agosto de 1879. […]. Foi reconstruída a igreja de Ocussi; foi feita outra em Lacluta e adornadas as
de Manatuto, Montael e Lacló e todas as outras postas em condições de servir ao culto. Construíram-
se ainda as igrejas de Batugadé e Manatuto e fez-se uma capela em Bidau”.
75
59
Padre Teixeira (p. 60-61), em sua obra, menciona que: “[…]. Depois de nomeados os padres para
as suas diferentes ocupações, dirigiu a todos umas instruções concedendo certas faculdades, e
impondo obrigações especiais a cumprir para com êle, e exigiu a todos estudarem a língua indígena,
e aos párochos missionários, o juntarem ao trabalho do ensino pastoral e ensino primário.
Estabeleceu em Timor algumas escolas, e fundou dois colégios com internato, sendo o mais
importante delles o das meninas, regido pelas irmãs de caridade canossianas; a igreja em Dilly é
reputada a melhor de todo aquele archipelago. Resume em dois os deveres dos missionários: o
estudo da língua indígena e o ensino nas escolas, sendo este o melhor meio de regenerar as almas”.
60
Idem, p. 48.
76
62
Segundo Relatório Apresentado à Comissão de Missões do Ultramar. Cf. Luciano Cordeiro (Obras
de), Questões Coloniais I, Documenta Histórica 6, Lisboa, Editorial Vega, s/d, p. 137 (Apud
Figueiredo, p. 433).
63
Até o falecimento de D. António Joaquim de Medeiros, em 07 de Janeiro de 1897, em Lahane, os
missionários administravam escolas em Dare (Posto Experimental Agrícola e de Arboricultura de
Dare), em Lahane; em Díli; em Oé-Cússi; em Batugadé; em Maubara; em Liquiça; em Bazar-Tete; em
Lacló; em Manatuto; em Laleia; em Baucau; em Lacluta; em Soibada; em Alas; em Barique e
Bubuçuço. A escolarização e a assimilação dos timorenses sempre estiveram sob a responsabilidade
dos missionários das missões católicas em Timor, que permaneceriam, até 1974, atuantes na ação
apostólica e civilizacional dos povos dos diferentes reinos da ilha.
78
64
Estas também mantinham sob sua reponsabilidade escolas em Díli, Liquiça e Manatuto, p. 439.
65
Cf. AHU, SEMU/DGU/1R, Correspondência, cx. 9 (1895-1896), “Instrucção”, ofício nº. 19, Díli, 19
de Maio de 1896, ofício nº. 19, do governador de Timor para o Ministério da Marinha e Ultramar, Díli,
19 de Maio de 1896 (Apud Figueiredo, 2011, p. 457).
66
Cf. Boletim Official do Districto Autonomo de Timor, I Anno, nº. 29, 21 de Julho de 1900, p.121-123.
79
67
Pela Portaria Distrital nº. 92, de 03 de Setembro de 1902. Cf. Boletim Official do Districto Autonomo
de Timor, nº. 36, 06 de Setembro de 1902, p. 221-222.
68
“Hei por conveniente determinar: 1º. - Em todos os Institutos de educação e escholas tanto do sexo
masculino como do feminino será adoptada exclusivamente a lingua portugueza, banindo-se por
completo o uso de qualquer outra das falladas n’esta colonia, tanto no ensino como nas relações dos
dirigentes e professores com os alumnos, e nas d’estes uns com os outros” (p.221).
69
“2º. - Que os commandantes militares com exercicio de funcções administrativas, e o administrador
80
Para desempenhar com autoridade aquilo que lhes era determinado, seria
imprescindível que as futuras lideranças timorenses compreendessem a língua
portuguesa e que através do ensino se tornassem civilizados e pudessem
desenvolver o sentimento de justiça e de respeito pelo colonizador português
europeu.
De acordo com Pe. Teixeira (1994), quanto à organização das missões
católicas de Timor, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo feito por
Medeiros, ainda em 1900, D. José Manuel de Carvalho dividiu, inicialmente, as
missões de Timor em dois vicariatos gerais: o do Norte, com sede em Lahane e
jurisdição sob todas as missões de Oé-Cússi, Batugadé, Maubara, Liquiça, Lacló,
Manatuto, Laleia, Vemasse e Baucau; e o do Sul, com sede em Soibada, e
abrangendo as missões de Bobonaro, Suro, Manufai, Ermera, Alas Dotic, Barique,
Luca, Viqueque e Laclúbar. Ambos responderiam ao Prelado de Macau, mas o
primeiro estava sob a responsabilidade dos missionários seculares e o segundo sob
a dos jesuítas70.
Com o afastamento do Bispo Carvalho por motivo de saúde, assumiu
Dom João Paulino de Azevedo e Castro, em 1902, que redefiniu os dois vicariatos
em Missões da Contra-Costa, com sede em Soibada, no reino de Samoro, e a outra
Missão, com sede em Lahane71.
Todavia, com a implantação da Lei de Separação da Igreja do Estado 72,
em 1911, aprovada pelo governo da Primeira República, o Estado Português
continuaria acompanhando o crescimento da escolarização promovida pelos
missionários no Timor Português, contudo a administração central portuguesa
do concelho de Dilly, providenceiem sem demora para que todos os chefes indigenas mandem pelos
seus filhos varões de mais de 7 annos e de menos de 15 frequentar as escholas do sexo masculino
se as houver nas sédes dos commandos ou administração, ou nas sédes das missões proximas, e as
do sexo feminino por suas filhas maiores de 7 annos e menores de 14, e não havendo as citadas
escholas os mandem para os Institutos de Dilly, Lahane, Manatuto, ou Soibada, entendendo-se as
mesmas auctoridades com os dirigentes de taes Institutos ácerca do pagamento de sustento e
vestuario, e não podendo chegar a accordo assim o participarão para a Secretaria do Governo” (p.
221-222).
70
Divisão das Missões. Cf. Teixeira, Manuel. Macau e a Sua Diocese - Vol. X. As Missões de Timor.
Macau, Tipografia da Missão do Padroado, 1974, p. 124.
71
Limites da Missão da Contra-Costa de Timor. Idem, p. 127.
72
Lei de Separação da Igreja do Estado (20 de Abril de 1911). Cf. República&Laicidade. Associação
Cívica. Disponível em: http://www.laicidade.org/documentacao/legislacao-
portuguesa/portugal/republica-1910-1926/lei-da-separacao-da-igreja-do-estado/. Acesso em: 03 fev.
2015.
81
passaria a controlar e a legislar cada vez mais sob as ações da obra missionária.
Segundo Figueiredo (idem), o governo republicano português legislaria e
fiscalizaria, na figura dos governadores das colônias, o trabalho civilizacional e
educacional desenvolvido pelos missionários no Ultramar, assumindo, desse modo,
uma atitude de maior controle e de menor aceitação da liberdade do que os
eclesiásticos gozavam nas ações missionárias de épocas passadas, algo que o
governador português José Celestino da Silva, conforme já visto, vinha executando
veementemente em sua administração.
73
Decreto nº. 233, de 22 de novembro de 1913. 2ª. Repartição. Cf. Boletim Oficial do Governo da
Provincia de Timor. 1º. Suplemento do Boletim Oficial - nº. 3. Lisboa, 22 de Novembro de 1913. p.
18H-18K.
83
estas deveriam ser compostas apenas por leigos e criadas pelo governo português,
ou pelo governador da respectiva província, com a nomeação de indivíduo que
atendesse a alguns requisitos, como, entre alguns deles, ter frequentado o curso da
Escola Colonial e o conhecimento da língua ou línguas da colônia a que fosse
nomeado. Estavam autorizadas a desenvolver as mesmas ações das missões
religiosas, porém, não poderiam estar vinculadas a qualquer ensino ou propaganda
de caráter religioso. Os nomeados pelos governadores seriam chamados de
professores das missões civilizadoras e cada missão seria constituída por um
professor habilitado nos termos dos artigos precedentes e três auxiliares que
exercessem algum ofício: o de pedreiro, carpinteiro, serralheiro ou agricultor.
De acordo com Figueiredo (idem), em Timor não aconteceram missões
civilizadoras, porém, as missões religiosas no país tiveram que se adequar a
algumas determinações estabelecidas às civilizadoras, como veremos em momento
oportuno.
Diante de inúmeras mudanças propostas pela República Portuguesa para
as atividades das missões religiosas no Ultramar e com a entrada de missões
estrangeiras ligadas a outros cultos nas colônias, no caso de Timor, segundo Pe.
Duarte (1987), uma das primeiras medidas tomadas pelos vigários gerais, junto do
governador português de Timor, na época Filomeno da Câmara, foi manifestar
interesse em adequar as duas únicas missões religiosas de Lahane e Soibada aos
termos do Decreto nº. 233. Sendo assim, de alguma maneira, garantiria-se o mínimo
para que as missões católicas de Timor não fossem extintas.
Uma vez que em Timor não houve missões civilizadoras, mas a presença
e a atuação dos missionários católicos sempre foram extremamente significativas e
representaram, quase sempre, os interesses do governo português, as autoridades
das duas únicas missões de Timor foram atendidas pelo governo da República
Portuguesa.
Nesse sentido, a partir do decreto nº. 233, de 22 de novembro de 1913,
duas portarias foram aprovadas para atender às necessidades das missões
religiosas de Timor, sendo elas: a Portaria Provincial nº. 7574, de 28 de março de
74
Portaria Provincial nº. 75, de 28 de março de 1914. 2ª. Parte Oficial. Governo da Provincia. Cf.
Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, n°. 13, 28 de Março de 1914, s.p.
85
75
Portaria nº. 165, de 27 de junho de 1914. Suplemento ao Boletim Oficial, n°. 26. Cf. Boletim Oficial
do Governo da Provincia de Timor, n°. 16, 27 de Junho de 1914, p. 171-172.
86
76
O que estava previsto para a Portaria nº. 451 acabou se concretizando na Portaria nº. 98, de 29 de
Junho de 1916, (Cf. Boletim Oficial do Governo da Província de Timor, número 26, XVII Ano, Sábado
1 de Julho de 1916, p. 146-150), aprovada pelo mesmo governador de Timor. Este considerou
conveniente aprovar, ainda que provisoriamente, e até a resolução do Governo da Metrópole, o
Regulamento para as Escolas de Instrução Primária em Timor. De certo modo, nesse sentido, a
portaria foi a primeira tentativa de construção de um sistema de ensino adaptado às condições e às
necessidades locais. Dentre os Artigos previstos pelo Capítulo I estão:
“Art. 1º. São mantidas na Província de Timor as escolas actualmente estabelecidas nas missões
centrais de Lahane e Soibada e as situadas nas sédes dos Comandos Militares, podendo o Govêrno
Provincial estabelecê-las naqueles onde ainda as não houver. Art. 2 º. O ensino de instrução primária
em Timor aproveitará tanto aos europeus como aos indígenas sendo para uns e outros igualmente
gratuito e obrigatório. Art. 3 º. O ensino da instrução primária em Timor compreende dois graus,
elementar e complementar. Art. 4 º. O primeiro grau compreende o seguinte: saber relativamente bem
a língua portuguêsa, leitura e escrita regular, saber contar e conhecimento perfeito das quatro
87
... sem prejuízo das outras cartilhas especiais por cada língua ou dialecto
timorense que serão publicados á medida que apareçam pessoas idôneas e
de boa vontade para prestarem este serviço ao ensino e civilisação do povo
timorense.
operações aritméticas em números inteiros, noções elementares de cousas. Parágrafo 1º. No ensino
do grau elementar ministrado aos indígenas observar-se há a risca o determinado na P. P. n º. 452,
de 15 de Novembro último. Art. 5 º. O ensino de instrução primária no 2º. Grau compreende as
seguintes matérias: aperfeiçoamento da leitura e escrita, gramática, análise lógica e gramatical,
resolução de temas de tetun para português e de português para tetun, história de Portugal,
princípios de geografia e corografia portuguesa; sistema métrico de pesos e medidas, as quatro
operações em números inteiros e decimais; noções de civilidade; instrução cívica, princípios de
desenho, noções de higiene, exercício de ginástica, noções de agricultura e tudo o mais que fizer
parte do programa de ensino adoptado nas escolas da Metrópole. Art. 7º. Os professores que tiverem
a seu cargo a instrução dos indígenas de Timor esforçar-se hão por todos os meios ao seu alcance
em lhes incutir amôr ao trabalho e particularmente à agricultura fazendo-lhes vêr que a agricultura é
em toda a parte mas especialmente em Timor a base de toda a riqueza e bem geral. Art. 8 º. Em
todas as escolas que disponham de meios poderão acompanhar o ensino literário com o ensino
agrícola, artes e ofícios”. Do artigo 1º. ao 8º, p. 147.
Capítulo III – Exames – Art. 15º. “A prova escrita constará de um trecho de português dictado por um
dos examinadores e escrito em papel comum e rubricado pelo presidente, e dum problema de fácil
resolução sobre o uso das quatro operações aritméticas em números inteiros e decimais, e cópia em
papel quadriculado ou pautado duma das figuras dos exemplares adoptados para ensino de desenho”
(p.148). Capítulo IV – Professores e ajudantes – Art.21º. “Segundo o estabelecido na portaria
provincial n º. 165 (Art. 7º.), de 27 de Junho de 1914, são encarregados da regencia das escolas de
instrução primária de Timor os missionários católicos que existirem em Timor” (p.148). Capítulo VI –
Fiscalização – Art. 37º. “A fiscalização de ensino nas escolas de instrução primária de Timor,
pertence ao Gôverno da Província. Parágrafo 1º. A fiscalização de ensino será exercida por um
Inspector Geral e pelos seus delegados Comandantes Militares e Administrador do Concelho” (p.149).
77
“Sendo portanto mais racional, alêm de outras vantagens, que as crianças aprendam primeiro a
conhecer o que é ler e escrever a sua lingua ou uma das linguas de Timor geralmente conhecida
como é o tétum e depois aprendam o português e a sua escrita e leitura em cartilhas e exercícios
apropriados em que as duas linguas apareçam combinadas lado a lado” (p. 436).
78
Cf. Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, XVI ano, n°. 47, 20 de Novembro de 1915, p.
436.
79
Cf. Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, XVII Ano, n° 29, 22 de Julho de 1916, p. 199-
200.
80
Cf. Boletim Oficial do Governo da Provincia de Timor, XVIII Ano, n° 14, 07 de Abril de 1917, p. X.
88
81
Figueiredo, 2011, conforme orientações das páginas 444 a 446.
82
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, nº. 2, de 12 de Janeiro de 1918, p. 6-9.
83
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XX Ano, n° 34, 23 de Agosto de 1919, p. 276-
281.
84
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XX Ano, n° 23, 07 de Junho de 1919, p. 160-
161.
89
passariam a constituir “um dos seis grupos de missões religiosas portuguesas nas
colónias”, conforme o artigo 8º., alínea f, do Decreto nº. 6.322 86 de 1919, p.447. As
duas missões continuariam a ser formadas pelos padres católicos e as auxiliares do
sexo feminino eram aceitas. Manteve-se um colégio para rapazes em cada uma das
missões e foram abertas escolas profissionais de arte e ofício para os alunos
internos. Fazia parte do programa de civilização das duas missões civilizadoras
religiosas de Timor, segundo Figueiredo (idem), o ensino da língua portuguesa e da
História Pátria aos timorenses, o desenvolvimento de conhecimentos ligados às
artes e ofícios, a aquisição de noções teóricas e práticas sobre agricultura e
indústria, a construção do hábito do trabalho, a dedicação de amor à nacionalidade
portuguesa e respeito e lealdade às autoridades legitimamente constituídas, a
manutenção de obras de beneficência para os desvalidos de ambos os sexos,
prestar auxílio às autoridades portuguesas na pacificação dos povos, além de outras
atribuições.
De acordo com Figueiredo (idem), em 1924, um novo período iniciou-se
para as missões católicas de Timor, porque, na visita pastoral que D. José da Costa
Nunes, já ordenado Bispo de Macau, fez às missões, foi autorizada a construção da
primeira escola de formação de professores primários e catequistas e as missões
centrais de Lahane e Soibada foram unificadas, fazendo com que, inclusive, Soibada
e todas as outras missões, antes ligadas às duas centrais, passassem a responder a
uma única direção missionária, a de Lahane.
Segundo Duarte (1987), no ano de 1927, no Colégio de Soibada, foram
abertas as portas da conhecida Escola de São Francisco Xavier de Professores-
Catequistas para homens e mulheres. Os professores formados pela instituição
assumiriam o ensino primário, das primeiras letras até a 3ª. classe da formação
primária, nas escolas espalhadas por Timor. O ingresso à escola de formação era
dado apenas a timorenses e portugueses que tivessem concluído o 2º grau da
formação primária, fossem previamente escolhidos nas escolas existentes na
colônia, além de indicados pelos missionários das áreas ou diretores das escolas
primárias. O programa da Escola de Professores-Catequistas incluía, dentre outras
86
Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XXI Ano, n°. 12, Suplemento de 20 de Março
de 1920.
91
87
Duarte, Jorge Barros. Esboço Histórico. Cf. Em Terras de Timor. Lisboa, TIPOSET, 1987. p.13- 14.
88
Sobre a autorização das missões exclusivamente estrangeiras e o que elas significaram na África
Portuguesa: “Da tolerância que vinha de longe e de outros compromissos internacionais resultou que
se formaram e se espalharam na África portuguesa missões exclusivamente estrangeiras, hoje
numerosíssimas em Angola e, sobretudo, em Moçambique, com numerosas sucursais e estações
dependentes e as suas escolas e centros de catequese. [...]. Promovidas e estabelecidas fora de todo
o espírito de nossas tradições nacionais e religiosas e de todas as relações com o povo, o Govêrno e
a economia de Portugal, estão infinitamente longe de ser, por si mesmas, padrões do nosso domínio,
centros de radiação da nossa língua, das nossas ideias, dos nossos usos e costumes e pontos de
apoio dos nossos emigrantes e colonos. Não têm a alma portuguesa e chegam a ter em muitos casos
outra oposta a ela e ao amor de Portugal e ao seu prestígio” (Preâmbulo, p. 462).
92
África e no Oriente.
Conforme afirma Figueiredo (idem), a partir de experiências do passado,
das ameaças de outros países colonialistas e da fragilidade econômica e financeira
em que se encontrava Portugal, a primeira iniciativa tomada pelo Ministro das
Colônias do Estado Novo, João Belo, via Decreto nº. 12.485, de 13 de outubro de
1926, sob o governo de Teófilo Duarte em Timor, foi a promulgação do Estatuto
Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e de Timor 89. Este em seu
Art. 21º. previa como princípio norteador do programa geral, a ser seguido pelas
missões nacionais, “sustentar os interesses do império colonial português e
desenvolver o seu progresso moral, intelectual e material, em toda a possível
extensão do seu significado, conforme o permitirem as circunstâncias de cada
missão”90. Dentre as ações contempladas pelo programa geral e que deveriam ser
executadas pelos missionários das missões estavam: educar e ensinar o nativo
português, homem e mulher, procurando civilizá-lo de modo que viesse a adquirir
bons hábitos e que abandonasse suas crenças e práticas consideradas não
civilizadas; que a mulher fosse reconhecida moral e socialmente e que o trabalho
fosse encarado pelo nativo como algo digno. Além disso, era imprescindível que “o
ensino da língua portuguesa, coadjuvado, provisòriamente, pela língua indígena,
com exclusão absoluta de qualquer outra, fosse obrigatório em todas as escolas
indígenas, e nelas, com o ensino da moral e das letras, se devem dar lições das
grandezas e glórias de Portugal”, segundo o programa do estatuto, 1926, p. 467.
De acordo com a pesquisa de Duarte (1987), a aprovação do Estatuto
Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e de Timor e a experiência
com as províncias ultramarinas, de épocas anteriores, puseram para debate entre as
autoridades portuguesas se a escolha do português seria a mais adequada na
formação educacional dos povos do Ultramar. O primeiro ano do governo do Estado
Novo, iniciado em 28 de Maio de 1926, foi marcado pelas demonstrações de duas
posições divergentes em relação à questão das línguas de instrução nos territórios
ultramarinos.
89
Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor, XXVII Ano, nº. 50, 11 de Dezembro de 1926, p.
461-469.
90
Decreto nº. 12.485, de 13 de Outubro de 1926. Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de
Timor, XXVII Ano, nº. 50, 11 de Dezembro de 1926, p. 467.
93
91
Padre Jorge Barros Duarte (1987, p. 139) nos aponta como era pensada a política de língua do
governo ditatorial para o Ultramar: “Durante a administração portuguesa no regime de 28 de Maio de
1926, [...], procurava-se uma afirmação sólida e inequívoca da unidade nacional, mediante a difusão
rápida e o uso obrigatório do Português nos territórios ultramarinos. Subjacente a esta última
preocupação, mormente nas esferas oficiais, havia um forte convencimento de que, a não se impor o
uso exclusivo do Português nas escolas, mesmo nos escalões mais baixos do ensino rudimentar, se
colocaria em risco um sério e eficaz esforço para a consolidação daquela unidade nacional”.
92
Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de Timor. Suplemento, XXVIII Ano, nº. 45, 08 de Novembro
de 1927, p. 1-7.
93
Segundo o Art. 35º. do documento: “A Direcção do ensino primário elementar e complementar, e
bem assim do Ensino Profissional e Agrícola nesta Colónia, é exclusivamente confiada à Missão
Católica Portuguesa de Timor, a qual fica encarregada da sua organização nos termos dêste
Diploma. Parágrafo Único: A Missão mandará publicar no Boletim Oficial os programas e
regulamentos necessários a esta organização, depois de aprovados pelo Govêrno” (p. 5) e o Art. 37º.
determina que: O Gôverno reservando para si o direito de inspecção geral do Ensino, reconhece
94
como Director Oficial das Escolas, o Superior das Missões Católicas de Timor, o qual dirigirá o ensino
por si ou por intermédio dos missionários, e com o qual o Gôverno tratará todos os assuntos
referentes a instrução” (p. 5).
94
Proposta Legislativa nº. 110, de 08 de novembro de 1927, Art. 41º: “O Ensino Primário Elementar
abrange as quatro primeiras classes em harmonia com os programas da Metrópole. Pode, porém, a
Missão, sobretudo nas escolas do interior, modificar este programa de modo a torná-lo mais fácil,
prático e aplicável às circunstâncias locais e necessidades dos povos timorenses.
Parágrafo Único: Nas escolas do interior, o ensino deverá ser inicialmente ministrado em TÉTUM” (p.
6).
95
O Art. 51º. definia que o “Exame da 4ª. classe do ensino elementar fica correspondendo ao actual
exame de segundo grau de Instrução Primária e produz em todo o território da Metrópole e Colónias
os efeitos do exame a que se refere o artigo 8º. do Decreto 13:619. Parágrafo único. Os alunos
aprovados neste êxame têm direito a um diploma que lhes servirá de certidão para todos os efeitos”
(p. 6).
96
Segundo o Art. 54º., “[…] haverá nesta escola três professores que dividirão entre si as matérias; e,
para que os exames dêem direito à matricula nos terceiros anos dos liceus, haverá também uma
cadeira de Inglês regida por um outro professor” (p. 6).
97
Proposta Legislativa nº. 110, de 08 de Novembro de 1927, Art. 61º.: “A educação moral, será
baseada no conhecimento e na prática dos princípios católicos” (p. 7).
98
O Art. 64º. determinava que “Este ensino é ministrado a alunos do sexo masculino com a idade
minima de 14 anos de preferência escolhidos entre filhos de chefes, num internato gratuito instalado
numa propriedade, e com uma frequência minima de 50 alunos” (p. 7).
99
Proposta Legislativa n.º 110, de 08 de Novembro de 1927, Art. 65º.: “O programa de ensino
constará de duas partes: 1ª Leitura, escrita, e rudimentos da história portuguesa, principalmente na
parte correlacionada com as descobertas e conquistas e noções gerais dos deveres dos chefes e
95
100
“Portugal, diz-se aí, tem a função histórica e essencial de possuir, civilizar e colonizar domínios
ultramarinos e de exercer a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente.
Denominam-se colónias êsses domínios e cada um deles é indivizível, devendo manter a
indispensável unidade pela existência de um só capital e de um só govêrno geral ou de colónia,
contrariando-se as ideias de desmembramento. Os domínios de Portugal constituem o Império
Colonial Português. Uma solidariedade moral e política existe substancialmente nas suas partes
componentes e com a Mãe-Pátria. Envolve essa solidariedade em especial o dever de contribuir o
Império para que sejam garantidos os fins de cada um dos seus membros e a integridade e defesa da
Nação”. Cf. Garantias Gerais do Decreto nº. 18.570, de 8 de julho de 1930, p. 168. Cf. Boletim Geral
das Colónias. Portugal, Agência Geral das Colónias, Vol. VI – 062-063, 1930.
97
101
Cf. Boletim Geral das Colónias, 1930, Volume VI – 062-063. O Acto Colonial foi aprovado em 28
de julho de 1930, pelo decreto 18.570, de 08 de julho de 1930.
98
a 1936). Em 1934, esse mesmo governador, através do Diploma Legislativo nº. 7 102,
de 03 de fevereiro de 1934, encarregou as missões católicas da administração do
ensino primário elementar, cujo objetivo máximo era a difusão da língua portuguesa,
Art. 8º., parágrafo primeiro, e o complementar, ambos gratuitos e obrigatórios, e do
ensino agrícola e profissional. Estava previsto que, para as duas modalidades de
ensino primário, haveria duas classes sucessivas a cada uma e que, ao final da 2ª.
classe, os alunos das missões falariam, com apropriação, a língua portuguesa. Além
disso, pretendia-se que adquirissem os conhecimentos necessários para a leitura e a
escrita, a aritmética, o desenho, a geografia de Timor, o lugar da ilha no Império
português e a moral frente às outras colônias, além da cultura física, das práticas de
higiene, do canto coral e dos trabalhos agrícolas. Os alunos que cumprissem todas
as cadeiras seriam submetidos ao exame de aptidão para o ensino complementar,
segundo os Arts. 3º. e 5º. Já de acordo com o Art. 10º., os professores do ensino
elementar deveriam falar corretamente a língua portuguesa e qualquer língua
indígena quando contratados pelas Missões. O ensino primário complementar seria
ministrado em dois anos e compreenderia, para o programa de ensino, além da
cultura física, práticas de higiene, o canto coral e os trabalhos agrícolas, o que
também estava previsto para as 3ª. e 4ª. classes das escolas primárias da
metrópole.
Quanto às escolas profissionais, pretendia-se uma instituição de prática
agrícola e outra de artes e ofícios, sendo que as mesmas seriam criadas e mantidas
pelo governo e entregues à direção das missões católicas portuguesas, Art. 43º e
parágrafo único; e a outra, com sede em Díli, nomeada Liceu Nacional Doutor
Armindo Monteiro, que funcionaria segundo o regime jurídico dos liceus
metropolitanos, pelo Art. 44º. Contudo, nada do que havia sido proposto no
documento pelo Governador Raul Manso Preto recebeu qualquer tipo de auxílio das
autoridades coloniais o que inviabilizou a execução do Diploma Legislativo nº. 78.
No ano seguinte, pelo Diploma Legislativo nº. 41103, de 09 de fevereiro de
1935, iniciou-se a entrega dos ensinos primário elementar e complementar, agrícola
e profissional às missões católicas portuguesas, sendo que essas deveriam prestar
102
Cf. Boletim Oficial da Colónia de Timor, nº 5, 3 de Fevereiro de 1934, p. 43-44 e p. 46.
103
Cf. Boletim Oficial da Colónia de Timor, XXXVI Ano, nº 6, 09 de Fevereiro de 1935, p. 37 a 41.
99
106
Cf. Regulamento dos Professores e Monitores das Escolas de Timor sob a Direcção das Missões,
publicado no Boletim Oficial da Colónia de Timor, XXXVI Ano, nº. 13, 30 de Março de 1935, p. 95-
100.
102
107
O Diploma Legislativo passou por várias alterações ao longo do mandato do governador de Timor
Alvaro da Fontoura. A versão final do documento foi publicada no Boletim Oficial da Colônia de Timor,
XLI Ano, nº. 15, de 13 de Abril de 1940, p. 177-187, depois das mudanças propostas pelo Diploma
Legislativo nº. 166, de 21 de Março de 1939; do Decreto nº. 30.115, de 08 de Dezembro de 1939; e
do Diploma Legislativo nº. 183, de 30 de Dezembro de 1939. Não foram previstas alterações para a
questão das línguas de ensino etc., mas pelo Diploma Legislativo nº. 166, de 21 de Março de 1939,
acrescentou-se ao Art. 2º. do Diploma Legislativo nº. 154 que a instrução oficial ministrada aos
indígenas poderia ser oferecida nos colégios das Missões mantidos por fundos próprios (p.183);
também ao Art. 3º., do Diploma Legislativo nº. 154, que poderiam atender ao público europeu e aos
assimilados o ensino oferecido pelos colégios das Missões que o Superior das mesmas informar
oficialmente à Direcção dos Serviços da Administração Civil. Já pelo Diploma Legislativo nº. 183, de
30 de Dezembro de 1939, alterou-se o Art. 36º. do Diploma Legislativo nº. 154, de 1938, no que diz
respeito ao fato de os professores e as professoras de instrução primária destinada aos europeus e
assimilados, agora, serem também contratados pelo Governador da Colônia e não apenas nomeados
por este, conforme estava previsto pelo Diploma anterior (p. 185).
103
na Colónia. Nas classes dos europeus e dos assimilados as frases deveriam ser
escritas em língua portuguesa, exortando-se: “Tudo pela Nação, nada contra a
Nação” e “Nasci Português, quero morrer Português”, Art. 46 º, p. 186.
Se a partir de toda a década de 30, do século XX, foi possível assistir aos
movimentos de (re)aproximação e (re)negociação entre o Estado Português e as
Missões Católicas no Ultramar e aos desdobramentos das movimentações entre
essas duas Instituições e o que eles produziram no caso do Timor Português, 1940
foi celebrado, por Portugal e a Santa Sé, como o ano da oficialização das relações
entre Estado e Igreja por meio de dois acordos: a Concordata e o Acordo
Missionário. Esses dois documentos, de certo modo, criaram o enquadramento
institucional necessário à institucionalização do controle que o governo ditatorial
português exerceria sob as missões católicas no Ultramar.
Enquanto a Concordata108, assinada em 07 de Maio de 1940, regularia a
situação jurídica da igreja católica em Portugal109, na mesma data, o Governo
Português e a Santa Sé assinaram o Acordo Missionário110. Esse seria responsável
por determinar, de modo específico e detalhado, a organização e o funcionamento
das atividades missionárias no Ultramar Português, permanecendo o que havia sido
convencionado para o Padroado do Oriente. No mesmo ano da assinatura da
Concordata e do Acordo Missionário entre Portugal e a Santa Sé, através da Bula
Solemnibus Conventionibus111, foi possível oficializar a separação do território de
108
Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa (07 de Maio de 1940). Cf.
República&Laicidade. Associação Cívica. Disponível em: <http://www.laicidade.org/wp-
content/uploads/2007/07/concordata-1940.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2015.
109
Nesse documento, os artigos 26 a 28 são determinações direcionadas, exclusivamente, para as
atividades missionárias no Ultramar e levou o nome de “Regime das Missões e Dioceses no
Ultramar”.
110
Acordo Missionário entre a Santa Sé e a República Portuguesa (07 de Maio de 1940). In:
República&Laicidade. Associação Cívica. Disponível em:
<http://www.laicidade.org/documentacao/legislacao-portuguesa/portugal/estado-novo-1926-
1974/acordo-missionario/> Acesso em: 03 fev. 2015.
111
Cf. “Bula ‘Solemnibus Conventionibus’”, publicada no Boletim Geral das Colónias, nº. 188,
Fevereiro, 1941. p. 82-86.
106
112
Decreto-Lei nº. 31.207. Estatuto Missionário (05 de Abril de 1941). Cf. Legislação.org. Disponível
em: <http://www.legislacao.org/diario-primeira-serie/1941-04-05>. Acesso em: 03 fev. 2015.
107
escolas das missões era algo que gerava desacordo, entre missionários e
administradores portugueses, desde a aprovação do Estatuto Orgânico das Missões
Católicas Portuguesas da África e de Timor113.
Desse modo, as atribuições conferidas ao uso das línguas variaram entre
as autoridades, segundo as situações já vistas; contudo, com a aprovação do
Acordo Missionário de 1940, ficou determinado que a língua local seria empregada
na prática da conversão ao cristianismo entre os nativos, o que fez com que “nas
escolas indígenas missionárias fosse obrigatório o ensino da língua portuguesa,
ficando plenamente livre, em harmonia com os princípios da Igreja, o uso da língua
indígena no ensino da religião católica”, segundo o Art. 16º, s.p.
Como as decisões tomadas estavam em aberto, as atribuições foram
fixadas oficialmente segundo as diretrizes estabelecidas pelo Estatuto Missionário de
1941, Art. 69º., que estabelecia que o português era a língua da administração e a
do ensino oficial na ilha, cabendo a local o estatuto de língua da catequese e da fé
cristã em Timor, conforme já mencionado anteriormente.
113
Pelo decreto n°. 12.485, de 13 de Outubro de 1926. Cf. Boletim Oficial do Gôverno da Provincia de
Timor, n°. 50, 11 de Dezembro de 1926, p. 461-469.
108
nipônica, de acordo com Figueiredo (2011), D. Jaime Garcia Goulart 114 foi ordenado
Bispo da Diocese de Díli e recomeçava o trabalho das Missões Católicas em Timor.
Para isso, ordenou a construção de novas igrejas, reabriu colégios, reconstruiu
igrejas, fundou quatro novos colégios, um para moças e outro para rapazes, em
Ossu, Distrito de Viqueque, um terceiro, para rapazes, em Maliana, e outro, em
Fuiloro, confiado aos Salesianos, chegados a Timor em 1946.
No caso da colônia de Timor, a política de ensino destinada aos
timorenses, ao longo dos séculos, conforme já visto, mostrou-se totalmente entregue
aos missionários das missões católicas portuguesas, ainda que responsabilidades
tivessem sido atribuídas aos diferentes governadores que administraram a ilha,
porém, quase sempre, com pouco êxito naquilo que compreendiam por “civilizar” e,
consequentemente, “instruir” os diferentes grupos da ilha.
Diante de uma situação que se alongou por séculos, de acordo com
Figueiredo (2008, p. 507), a partir dos anos sessenta, o Estado Português teve de
assumir com maior responsabilidade o ensino oferecido às suas colônias, de
maneira a “atenuar as exigências internacionais resultantes de uma colonização
deficiente e para além do tempo”. Segundo Figueiredo (2008), assistia-se a uma
igreja amplamente dedicada não apenas às questões da fé cristã, mas,
especialmente, à ação educativa na colônia de Timor.
Com a retirada das tropas japonesas do território timorense, as
autoridades do Estado Novo, sob a representação do governador em Timor Oscar
Freire de Vasconcelos Ruas (1945-1950), retomaram a proposição de mudanças ao
sistema de instrução da ilha com a publicação do Diploma Legislativo nº. 254115, de
02 de dezembro de 1946.
114
Na data de 20 de janeiro de 1941, Padre Jaime Garcia Goulart, sobrinho de D. José da Costa
Nunes, antigo Bispo de Macau e Patriarca das Índias Orientais, assumiu o cargo de Administrador
Apostólico da Diocese de Díli. Padre Goulart já havia estado em Timor. A primeira vez, em 1933, foi
secretário particular de D. José da Costa Nunes e, nos anos de 1936 e 1937, foi professor e Superior
da Missão de Soibada, onde fundou o Seminário Menor de Nossa Senhora de Fátima. Em 1937,
retornou à Macau e, em 1940, à Timor como Vigário-Geral das Missões Católicas na ilha com o
propósito de fortalecer o projeto de missionação através dos programas de catequese e de ensino.
Durante a dominação japonesa, padre Jaime Garcia Goulart e outros padres que trabalhavam na ilha,
refugiaram-se na Austrália para que a missão de Timor não fosse colocada em risco, já que a mesma
contava com pouquíssimos missionários, no período entre e pós-guerra.
115
Diploma Legislativo nº. 254 – Regulamento do Ensino Primário, de 02 de Dezembro de 1946. Cf.
Boletim Oficial da Colónia de Timor, XLVII Ano, Suplemento ao número 6, 02 de Dezembro de 1946,
p. 35-38.
109
121
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/240108/>. Acesso em: 28 jan. 2015.
122
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/270918/>. Acesso em: 28 jan. 2015. Portaria Ministerial
nº. 20.380, de 19 de Fevereiro de 1964, s.p.: “Manda o Governo da República Portuguesa […], que o
Diploma Legislativo nº. 42.994, de 28 de Maio de 1960, seja aplicado em todas as províncias
ultramarinas, […]”.
123
“1º - O artigo 1º. passa a ter a seguinte redacção: Artigo 1º. O ensino primário é constituído por
quatro classes, precedidas de uma classe preparatória e formando um só ciclo, terminando com a
aprovação no exame da 4ª. classe”, s.p.
§ único. A classe preparatória visa a prática do uso oral corrente da língua nacional e actividades
preparatórias da receptividade para o ensino escolarizado.
124
Decreto-Lei nº. 45.810, de 9 de Julho de 1964, s.p.: Art. 1º. “O ensino primário é ampliado,
passando a compreender dois ciclos, um elementar, correspondente às actuais quatro classes, e
outro complementar, constituído por duas novas classes”. Disponível em:
<http://dre.tretas.org/dre/241079/>. Acesso em: 28 jan. 2015.
125
“Artigo 1º. O ensino primário é ampliado, passando a compreender dois ciclos, um elementar,
correspondente às actuais quatro classes, e outro complementar, constituído por duas novas classes.
Art. 2º. O ciclo complementar do ensino primário terminará com a aprovação no exame da 6.ª Classe
ou no de admissão ao 2º. ciclo do ensino liceal ou a algum dos cursos de formação do ensino técnico
profissional.
Art. 3º. - 1. O referido ciclo complementar terá carácter obrigatório e gratuito, como o elementar”, s.p.
111
quatro anos, e o segundo, com o quinto e o sexto ano. Esse mesmo decreto também
previa, para breve, o alargamento do ensino primário de seis anos ao Ultramar 126.
Em 10 de Setembro de 1964, era publicado, no Diário do Governo de Portugal, o
Decreto-Lei nº. 45.908127 que estendia às províncias ultramarinas a reforma na
estrutura do ensino primário elementar em vigor até então.
Até 1964, na Colônia de Timor, o ensino primário elementar, adequando-
se às condições locais de ensino que vigorava na Metrópole, pelo Art. 1º.,
compreendia quatro classes128, no caso, as três primeiras voltadas ao ensino
elementar e a 4ª. classe para o complementar, antecedidas de uma pré-primária129,
sendo o mesmo autorizado nas escolas primárias, oficiais, particulares e nos postos
escolares da colônia, segundo o Art. 2º. De acordo com a reforma em Portugal, a
educação no Ultramar teria de se adequar à estrutura de ensino primário elementar
de seis anos de escolaridade, obrigatório e gratuito, para as crianças de seis aos
doze anos de idade, completos ou a completar até 31 de dezembro do ano em que
se efetuasse a matrícula, conforme o Art. 9º.
As escolas primárias ficariam nos centros urbanos e os postos escolares,
subsidiários das escolas primárias, seriam instalados nos demais núcleos
populacionais, geralmente em ambientes rurais, pelo Art. 5º. As classes em
funcionamento e o número de alunos matriculados eram os critérios empregados
para diferenciar as escolas primárias urbanas e aquelas do posto escolar.
126
Idem: Art.º 11º. “O Ministério do Ultramar, em colaboração com o Ministério da Educação Nacional,
estudará, quando for julgado oportuno, a adaptação do regime previsto neste decreto-lei às
províncias ultramarinas”.
127
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/258393/>. Acesso em: 28 jan. 2015.
128
Os parágrafos 2º. e 3º. do Art. 2º. determinavam que para a 1ª. classe era necessário dar
continuidade ao trabalho já iniciado na classe pré-primária, porém, iniciando-se, nessa fase, os
primeiros ensinamentos no aprendizado da leitura, da escrita e do cálculo na língua nacional e nas
classes seguintes os conhecimentos que complementarão os iniciados anteriormente, acompanhados
do processo de desenvolvimento da criança e sua integração no ambiente.
129
No caso das possessões ultramarinas, o que incluia a Colônia de Timor, de acordo com o Decreto-
Lei em questão, reconhecia-se que essa modalidade de ensino era de lenta expansão, deste modo,
para suprir a sua insuficiência, admitia-se a criança do Ultramar mais cedo à escola de modo a
ensinar-lhes o uso oral do português do dia a dia e acelerar o processo de desenvolvimento psíquico
necessário para o ensino escolarizado. O parágrafo 1º. do Art. 2º. previa para “a classe pré-primária a
aquisição do uso corrente da língua nacional e actividades preparatórias da receptividade para o
ensino escolarizado. O ensino será oral, basear-se-á em actividades lúdicas e terá como principal
finalidade despertar racionalmente na criança as suas faculdades específicas e integrá-la no
ambiente mais directo e imediato do seu desenvolvimento”, s.p. Por outro lado, há de se reconhecer
que o programa oficial de educação de 1958 já previa a criação do ensino pré-primário que viria a
entrar em funcionamento alguns anos depois.
112
130
Disponível em: <http://dre.tretas.org/dre/258393/>. Acesso em: 05 fev. 2015.
131
Reforma do Ensino Primário Elementar a ministrar nas Províncias Ultramarinas. Cf. Boletim Oficial
de Timor, Ano LXV, nº. 42, 20 de Outubro de 1964, p. 925-947.
113
133
Portaria que estende ao Ultramar a Reforma do Sistema Educativo em Portugal. Disponível em:
<https://dre.tretas.org/dre/235168/>. Acesso em: 16 mai. 2016.
134
II. Plano de Trabalhos para 1974, p. 45-63. Resumo das Actividades de 1973 e Plano de
Trabalhos para 1974. Dezembro de 1973, p.1-63. Cf. AHU/MU/DGEDU/RE/P016/Cx.164 – (Arquivo
Histórico Ultramarino/Ministério do Ultramar/Direcção-Geral da Educação/Repartição do Ensino/Pasta
016/Caixa164). Relatório e Plano de Actividades.
115
língua portuguesa, nem seria possível eleger de entre eles um que a todas
etnias em presença pudesse servir de simples meio de conversão.
tétum o estatuto de língua nacional. Uma questão que precisava ser decidida, uma
vez que o país estava prestes a se projetar ao mundo como a mais nova nação
independente do início do século XXI.
Diante de tal acontecimento e temendo crises internas entre as
autoridades e os grupos populares locais, o presidente do Conselho Nacional da
Resistência Timorense (CNRT), Kay Rala Xanana Gusmão, e outras autoridades
timorenses, aconselhados pelo linguista australiano Geoffrey Hull, firmaram um
acordo que posicionou as línguas tétum e portuguesa como oficiais.
Desse modo, tomadas as devidas providências, e sem levar em conta a
diversidade linguística de Timor-Leste e a real situação educacional do país, onde
muitos timorenses não sabiam ler, escrever e nem mesmo compreendiam o
português, até os dias atuais, a escolha tem gerado desacordos e polêmicas entre
autoridades timorenses e, principalmente, entre setores da sociedade local e órgãos
estrangeiros de língua inglesa. Estes últimos, na posição de “colaboradores”
internacionais para o “desenvolvimento” de Timor-Leste, questionam a manutenção
do português como língua oficial em diferentes setores envolvendo os integrantes da
área da justiça, das repartições públicas e das escolas no país.
Entre os questionamentos dos internacionais estão a falta de professores
preparados para ensinar o português nas instituições públicas e privadas de ensino
no país, de que há a ausência de materiais e situações para o uso da língua
portuguesa e a insuficiência de capital financeiro para a promoção e o investimento
em recursos humanos capazes do desenvolvimento em língua portuguesa.
Muitos timorenses também se indagam a respeito da falta de
investimentos do governo na promoção das línguas faladas nos espaços rurais do
país, os quais são conferidos, majoritariamente, ao tétum.
118
CAPÍTULO 3
O ESPAÇO DE ENUNCIAÇÃO DAS LÍNGUAS E DOS
SUJEITOS EM TIMOR-LESTE
[...].
Indo mais a diante, deixando estas ilhas de Jaoa maior e menor, ao mar
dela estão outras muitas, grandes e pequenas, povoadas de gentios e
mouros alguns, entre as quais está uma que chamam Timor, que tem rei
e língua sobre si.
[...] [grifos nossos].
135
Ilha de Timor. Cf. Barbosa, Duarte. Livro em que dá relação do que viu e ouviu no Oriente.
Introdução e notas de Augusto Reis Machado. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1946, p. 211.
123
[...].
Há tambem nesta ilha de Timor cantidade de ouro [...]; de sorte que
todas estas riquezas postas oje nas mãos destes gentios, de que
muitos se tem já convertido á nossa santa fee catholica, e vão
convertendo, [...].
[...].
Nesta ilha há duas lingoas somentes, distintas huma da outra que
chamão Vaiquenos e Bellos; [...) [...] [grifos nossos].
136
É essa intitulada Fundação das Primeiras Cristandades nas Ilhas de Solor e Timor (s.d.) –
Discripção da ilha de Thimor. Cf. Sá, Artur Basílio de. Documentação para a História das Missões do
Padroado Português do Oriente: Insulíndia. Volume 4 - 1568-1579. Lisboa: Agência Geral do
Ultramar, 1956, p. 491-492.
126
portuguesa, do que com o nome das línguas dos diferentes reinos, vários deles,
inclusive, sob o domínio dos Belos. Já os reinos que não se (as)sujeitaram a
qualquer tipo de subordinação econômica e/ou política e militar, e que se negaram a
se submeter etc. à exploração do império português, tiveram suas identidades e os
nomes das suas línguas totalmente apagados.
É importante destacar que a designação “bello” será conferida, mais
tarde, ao tétum falado em Bé-Háli, região localizada no Timor Indonésio (Ocidental),
mas muito próxima do Timor Oriental. Esse aspecto, de certo modo, marcaria a
região de Bé-Háli, território de domínio dos Belos, reduto do catolicismo e com
falantes da língua tétum. Portanto, pelo nome da língua, as autoridades dos belos
marcariam que Bé-Háli era um reino subordinado a eles, com influência católica e
portuguesa, ainda que o mesmo se encontrasse localizado entre mouros e malaios
do Timor indonésio.
O mesmo se passou com a designação “Vaiqueno” empregada como
referência à língua e ao povo de Lifau, localizado no Reino do Servião, o primeiro
lugar onde os missionários dominicanos iniciaram a obra de catequização na ilha de
Timor e local onde também era falado o malaio.
Desse modo, o que foi dito sobre os nomes das línguas de Timor, na
segunda metade do século XVI, eram os nomes conferidos pelo europeu aos povos
dos dois principais reinos do território com os quais estabeleceram relações de
poder, no caso, o Reino do Servião, no Timor Ocidental, e o Reino dos Belos, no
Timor Oriental. Esses dois espaços de poder mantinham relações de vassalagem
com reinos menores, encontravam-se convertidos ao catolicismo, com chefes locais
falantes do português e estavam subordinados às autoridades portuguesas.
Em meio a todas essas configurações marcadas pelos conflitos e pelas
divisões, a hierarquia entre os reinos e as suas respectivas línguas era apontada e,
pouco a pouco, eram definidos diferentes estatutos às línguas de Timor. Ou seja, o
estatuto de língua, em um primeiro momento, foi conferido apenas àquelas que
pertenciam aos territórios convertidos ao cristianismo, e que, de algum modo,
estavam subordinados aos dois grandes reinos católicos da época, o dos “Bellos” e
o dos “Vaiquenos”.
127
[...].
A chamada Thimor, tem quatro línguas differentes em si, nella ha o pão
de Sandalo, mercancia muito estimada naquellas partes, dizem aver nella
ouro [...] [grifos nossos].
137
Parte do documento designado Relaçam do Principio da Christandade das Ilhas de Solor, e da
Segunda Restauração Della, Feita pellos Riligiosos da Ordem dos Prégadores. Cf. Sá, Artur Basílio
de. Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente: Insulíndia.
Volume 5 - 1580-1595. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1958, p. 308.
128
[...].
[...]. Lifau. É uma colônia portuguesa [...].
[...]. Os habitantes da cidade são principalmente uma espécie de
Indianos [...]: eles falam Português e são da religião católica romana;
[...]. [...] linhagem dos Portugueses; [...]. [...]. [...].
[...].
Os verdadeiros nativos da ilha [...] [...]. Eu perguntei sobre a religião
deles e foi me dito que eles não tinham. [...]. [...]; esta ilha está agora
dividida em muitos reinos, e todos de diferentes línguas; [...].
A autoridade principal que eles têm na ilha é chamado Antonio Henriquez;
[...].
Há outro tenente em Lifau; que é também um Indiano; fala tanto a sua
própria como a língua portuguesa muito bem; [...] [grifos nossos].
138
A Continuation of a Voyage to New Holland. William Dampier. London, printed for James and John
Knapton at the Crown in St. Paul's Churchyard, 1729.
Cf. Capítulo 2 - A description of Timor. Laphao, a Portuguese settlement, described and Its original
natives described. Parte do Project Gutenberg License included with this e-Book or online at
www.gutenberg.net. April 22, 2005. Disponível em http://www.gutenberg.org/files/15685/15685-
h/15685-h.htm. Acesso em mai. 2015.
Trecho Original: (...).
... Laphao. It is a Portuguese settlement ...
(...). The inhabitants of the town are chiefly a sort of Indians ...: they speak Portuguese and are of the
Romish religion; (...). ... descent from the Portuguese; ... (...).
The original natives of this island .... […]. I enquired about their religion and was told they had none.
[...] ....; for this island is now divided into many kingdoms, and all of different languages; though in their
customs and manner of living, as well as shape and colour, they seem to be of one stock.
[…].
The chief person they have on the island is named Antonio Henriquez; […].There is another lieutenant
(tenente) at Laphao; who is also an Indian; speaks both his own and the Portuguese language very
well; […].
129
IDIOMAS
Ha em Timor um grande número de dialectos, mas a língua que fallam
os indigenas que habitam a praça de Dilly e uma boa parte dos reinos
do nascente, chama-se teto. Esta língua, sendo pobrissima, é com tudo a
mais abundante de termos de quantas se fallam em Timor. E se não é ella
geral em toda a ilha como seria para desejar, nós os portuguezes somos
talvez os mais culpados; assim como é nossa culpa se o teto esta uma
lingua imperfeitissima, uma lingua de selvagens, á qual faltam termos para
as cousas do uso o mais quotidiano [...]
[...].
139
Timor. Notícia dos usos e costumes dos povos de Timor, extrahida do relatório do sr. Affonso de
Castro, Governador d’aquella possessão portugueza. Seção Idioma. Cf. Annaes do Conselho
Ultramarino. Parte Não Official, série IV (1963), p. 37.
140
É relevante ressaltarmos que o modo de significar as línguas é fruto do que se produz na teoria
linguística. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que De Castro se encontrava filiado aos
ensinamentos da escola evolucionista, vigente no século XIX, que enquadrava as culturas humanas
em estágios, ou seja, de que toda forma de expressão e/ou representação simbólica passaria por
progressões e alcançaria uma posição superior.
134
português.
Por outro lado, as línguas que eram denominadas como “dialectos”, todas
ágrafas, não contavam com gramática ou dicionário e não eram línguas dos donos
do poder na ilha, ou seja, sob a ótica do colonizador, elas não significavam nada,
indicavam o “caos” e a “selvageria”.
A nomeação “língua” simbolizaria a unidade linguística e apontaria para o
que era sinal de estabilidade e de homogeneidade entre as línguas, representando,
sob essa perspectiva, a “ordem” e a “civilidade”, aspectos que o europeu impunha a
um povo que se encontrava em formação, segundo aquele, sem algo que o
constituísse enquanto Nação.
A sequência discursiva que propõe que no Timor Português havia uma
“língua” em oposição a muitos outros “dialectos” produziu o efeito da unidade
imaginária que, segundo o modo como foi apontado, seria garantida pelo
instrumento linguístico, no caso um dicionário. Esse controlaria e uniformizaria pela
letra e pela palavra o funcionamento do tétum, pois, esse se encontrava em
instabilidade e em funcionamento com muitas variações. O estatuto de língua era
conferido imaginariamente a algo que viria a ser composto de palavras e que, num
futuro próximo, se estabilizaria representando, assim, a civilidade.
O instrumento linguístico e a escola, de certo modo, interfeririam na
configuração do espaço imaginário de uma língua dita “geral” para toda a ilha, de
modo que distribuiriam a maneira como os falantes se encontrariam divididos e
regulando a relação dos falantes com a língua. Sendo assim, através da escola e do
dispositivo linguístico, o colonizador apontava ser necessário investir na
generalização e no aperfeiçoamento do tétum para todo o território. Desse modo,
seria possível atribuir o estatuto de língua “geral” que, até então, estava apenas no
plano imaginário do europeu, pois, para o real histórico que marcava a relação entre
as línguas, não havia uma única língua timorense que fosse falada em todo o Timor.
De acordo com o discurso em questão, podemos afirmar que em busca
de uma política de línguas com planejamento linguístico que a contemplasse de
forma bem sucedida, ou, em outras palavras, segundo Mariani (idem, p. 44), para
que fosse possível “existir unidade, clareza e entendimento na comunicação”
exercida pela(s) língua(s), produz-se o apagamento, exatamente, da “política de
136
sentidos das línguas” (ibidem), como foi o caso das línguas de Timor, e formula-se
uma “política de sentidos” (ibidem) a uma das línguas do país, o tétum, silenciando
as línguas dos demais grupos.
Orlandi (1998, p. 10-11) e Mariani (idem, p. 44-45) apontam para três
diferentes posições com relação à elaboração das políticas das línguas.
De acordo com as pesquisadoras, há a política das línguas que funciona
de acordo com o Estado e as Instituições sendo que estes determinam o aspecto da
unidade como valor. Esta se materializa quando é pretendida a construção de uma
identidade nacional, sendo necessária para isso a produção de uma unidade
linguística aparente frente à diversidade de línguas de uma dada região e às
influências produzidas na relação com outras línguas, configurando a primeira
posição. Já a segunda posição envolve aspectos que contemplam as relações entre
grupos de diferentes etnias, nações e Estados e tem como ponto principal a
dominação de um sobre o outro. É o caso da colonização e das conquistas entre
povos, sendo que o que está em jogo é a imposição da língua do outro, seja “pelo
contato, pela lei ou pela força” (MARIANI, ibidem). E a terceira posição que leva em
conta os que falam a língua, contemplando a questão da diversidade em oposição à
unidade.
Segundo Orlandi (idem, p.12), a última posição intervém na primeira
posição e unidade e diversidade são noções inseparáveis que devem ser analisadas
conjuntamente, pois, não se pode apagar essa relação, mas sim “trabalhar a
contradição unidade/diversidade”.
No caso do Timor Português, a política de línguas da coroa portuguesa
para a ilha funcionou amparada veementemente nas duas primeiras posições,
buscando, a todo e qualquer custo, acabar com toda iniciativa que primasse pela
diversidade. Porém, a diversidade resistiu e produziu efeitos sobre a unidade e a
homogeneidade imposta pelo colonizador naquela época, e, ainda hoje, resiste entre
os que falam as diferentes línguas de Timor-Leste frente ao poder capitalista do
inglês, do português e da bahasa indonésia. Não será abordado em nossa pesquisa,
mas, atualmente, há projetos de política linguística que buscam trabalhar com a
contradição unidade/diversidade, apontada por Orlandi (1998).
Para o próximo capítulo, apresentaremos e analisaremos, com os corpora
137
CAPÍTULO 4
O PROCESSO DE GRAMATIZAÇÃO DAS LÍNGUAS DE
TIMOR-LESTE
portuguesa.
Sendo assim, organizando o ensino oficial, que estaria sob a
responsabilidade dos padres e seria subsidiado pelo Estado português, os
governadores solicitaram, a partir de 1916, esforços dos missionários na elaboração
dos primeiros instrumentos linguísticos bilíngues (tétum-português) para a educação
formal, no caso uma cartilha142 e um dicionário143, respectivamente.
Para a composição dos materiais mencionados, uma única língua
timorense, no caso, o tétum, fora descrita em parceria com a língua do colonizador.
Através dos dois dispositivos linguísticos, as autoridades portuguesas pretendiam
que o tétum fosse língua de apoio na aprendizagem da língua portuguesa pelos de
Timor, cumprindo com os propósitos da política de língua preconizada pelo
colonizador europeu para a ilha.
De modo que seja possível conhecer quais foram as línguas que
receberam instrumentos linguísticos para a catequese e para o ensino, durante a
administração colonial portuguesa no território, e sobre o contexto de produção
conferido a cada uma delas, apresentaremos aqui o que nos foi possível tomar
conhecimento a partir do material de arquivo ao qual tivemos acesso.
No processo de gramatização que envolveu as línguas de Timor-Leste, a
primeira publicação impressa em uma língua do território foi o Catecismo da
Doutrina Christã em Tétum, da autoria do Pe. jesuíta Sebastião Maria Apparicio da
Silva, no ano de 1885. O Pe. da Silva foi um dos missionários que acompanhou D.
António Joaquim de Medeiros na ação que compreendeu o reflorescimento das
Missões Católicas em Timor, no ano de 1877.
Em 1920, sob o bispado de D. José da Costa Nunes, foi publicada a 2ª.
edição do mesmo catecismo. O jesuíta teve também editada, em 1889, a primeira
gramática de Timor em língua tétum; entretanto, dada como perdida. Já o primeiro
142
Cartilha-Tetun. Pelo Missionário Pe. Manuel Mendes de Laranjeira. 1ª. Parte. (Mandada adoptar
nas escolas oficiais de Timor por P.P. n°. 121, de 19-7-1916). 3ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil,
1932 e CartilhaTetun. 2ª.Parte. (Exercícios de Versão de Tétun em Português). Pelo Missionário Pe.
Manuel Mendes de Laranjeira. 1ª. Parte. (Mandada adoptar nas escolas oficiais de Timor por P.P. n°.
121, de 19-7-1916, e P.P. n°. 61, de 07-04-1917). 2ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil, 1932.
143
Dicionário Tétum-Português. Impresso em Macau sob direcção do Cônego Manuel Patrício
Mendes. (Segundo os trabalhos do Rev. Manuel Mendes Laranjeira e do mesmo Rev. Manuel Patrício
Mendes, ex missionários de Timor. Macau, Tipografia Mercantil de N.T. Fernandes & Filhos Ltda,
1935).
141
144
Época do mandato de Raul Manso Preto (1934 - 1936), segundo Duarte (1987), um dos
governadores portugueses que mais apoio ofereceu ao ensino ministrado pelas escolas das missões
e idealizador da construção de escolas de ensino rural nas áreas de difícil acesso e as mais
afastadas da capital do país. O dicionário, em questão, foi especialmente concebido para o uso nas
escolas de Timor onde o português era a língua oficial do ensino e o tétum ocuparia a posição de
língua auxiliar na aprendizagem do português do colonizador.
145
Alguns dos missionários que se dedicaram ao estudo e à instrumentalização das línguas de Timor
tiveram momentos de intensa produção material e intelectual com as línguas das missões para onde
eram enviados. Foi o caso do Padre Manuel Fernandes Ferreira que, em carta enviada ao Diretor
Geral do Ultramar em Portugal, pedia o financiamento, em 1907, de seis obras da sua autoria, todas
elas escritas em língua tétum e destinadas ao uso nas escolas e entre os novos missionários de
Timor que se encontravam a serviço da Religião e da Pátria. Na época, recebeu o apoio das
autoridades portuguesas para a publicação de duas dessas obras, sendo elas, o Resumo da História
Sagrada, em portuguez e tétum, e a História da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. As outras
quatro eram: Compendio de Civilidade, em portuguez e tétum; Evangelhos dos domingos e festas
principaes, com sua explicação; Devocionario do Christão de Timor e Pequeno Guia de Conversação,
em tétum e portuguez. Não sabemos se foram aprovados decretos ou portarias pelos governadores
portugueses autorizando oficialmente o uso dos dispositivos nas escolas da ilha. (Impressão de
Opúsculos sobre Temas de Religião, em português e Tetum, para uso nas Escolas das Missões e
Carta do missionário ao Director Geral do Ultramar. Cf. AHU - Arquivo Histórico Ultramarino, Macau -
Timor, Pasta 13 – 1907-1911 – Administração Eclesiástica).
146
Ofício do Gov. de Timor, n°. 56, de 12/04/1909, acusa a “recepção do conhecimento relativo a 750
exemplares da obra intitulada ‘Resumo da História Sagrada em portuguez e tetum’, [...], os quaes
conforme no mesmo officio da Direcção Geral do Ultramar é determinado foram postos à disposição
do Rev. Bispo de Macau, a quem n’esta data é feita a devida communicação. [...].” Cf. AHU - Arquivo
Histórico Ultramarino, Macau -Timor, Pasta 13 – 1907-1911 – Administração Eclesiástica.
142
nessas duas línguas, e uma terceira edição, de 1939, escrita apenas em tétum. A
confecção desse catecismo contou com o auxílio dos falantes da língua na
“redacção do tétum e escolha de muitos termos que tiveram de ser substituídos, por
se apurar que ou eram desconhecidos na maior parte dos reinos ou empregados em
sentido mui diverso e até às vezes obsceno!”147.
Com o processo de gramatização das línguas de Timor, no fim do século
XIX, o catecismo em questão fora escrito segundo o que os missionários produtores
dos instrumentos linguísticos, na época, nomearam como “tétum puro”.
Segundo Thomaz (2001a), entre o tétum de Timor havia três
denominações, a saber: o tétum-Soibada, o tétum-belo e o tétum-praça (ou tétum de
Díli). Essas determinações marcavam divisões entre o tétum e conferiam posições
diferentes à língua que passou a ser descrita.
O tétum-Soibada, falado no reino de Samoro, era o tétum dos jesuítas das
missões de 1898, o tétum acurado, o tétum dos textos litúrgicos, da catequese e dos
cânticos, ou seja, o tétum que quando descrito foi muito bem cuidado pelos
missionários. Recebeu a designação “tétum puro”, pelo fato ser o tétum que se
encontrava mais afastado da costa litorânea e, portanto, aquele que teve menos
contato com as línguas de outras nações, como a europeia e a malaia, mantendo-
se, desse modo, segundo o descritor da língua, “castiço”, não “deturpado”.
Já o tétum-belo era a língua dos Belos, primeiro grupo com o qual os
primeiros missionários que vieram até a ilha tiveram contato, com falantes na porção
do Timor Indonésio e o mais antigo entre os tétuns. E o tétum-praça, falado em Díli,
desde a transferência da administração portuguesa de Lifau para Díli, em 1769, era
a língua da capital do país, espaço urbano da ilha. Foi o tétum que manteve intenso
contato com a língua portuguesa de Portugal e das colônias e com o malaio, sendo,
imaginariamente, portanto, naquela época, apontada como língua “deturpada” e
“corrompida”.
Durante o intensivo processo de gramatização das línguas do Timor
Português, as Missões foram nomeadas Missão Central do Sul ou Contra-Costa148.
147
Cf. Padre Sebastião Maria Aparício da Silva, S. J. – Timor. Memórias do P. Silva, M.S., p. IV da 1ª.
ed. e p. 6 da 2ª. edição. Apud Domingues, Pe. Ernesto. Línguas de Timor (nótulas bibliográficas).
Portugal em África. 2ª. série, ano IV, Maio-Junho, Lisboa, 1947, p. 142-151.
148
A missão compreendia as regiões de Bobonaro, Suro, Manufahi, Ermera, Alas, Dotic, Barique,
143
Para as cristandades, onde não se falava o tétum, ou era empregado o tétum de Díli,
foram elaborados, pelo Pe. Manuel Patrício Mendes, o Catecismo ho Oração Ruma
(Catecismo com algumas Orações), com duas edições. A primeira em 1929 e a
segunda em 1952, e o Sarâni sira nia súrat (Livro dos Cristãos), escrito em tétum de
Díli e tétum-Soibada, e que contou com duas edições, uma datada de 1929 e a outra
de 1936, respectivamente, e que a Doutrina Badac (Doutrina Resumida), em tétum
de Díli e tétum-Soibada, também da autoria do mesmo padre, impressa em 1930 e
1936, resume com fidelidade.
Já a Cartilha-Tetun (1ª. e 2ª. partes) do Padre Manuel Mendes Laranjeira,
elaborada para o ensino nas escolas, foi o primeiro material do gênero a ser
publicado, em 1916, sob a autorização do governador português Filomeno da
Câmara. Composta de duas partes, a primeira tinha como propósito pôr a criança a
ler primeiro em tétum-praça para que a partir da segunda parte, através de
exercícios de versão de tétum para o português, o aluno pudesse ser capaz de
traduzir palavras e frases do tétum para o português. Recebeu diversas publicações,
sendo três edições para a primeira parte, 1916, e os anos de 1925 e 1932
reservados para os da segunda e terceira edições, respectivamente; já a segunda
parte constou da primeira edição, sem data, e a segunda de 1932. Padre Manuel
Mendes Laranjeira também publicou o Catecismo Tétum, litografado, mas que não
chegou até os nossos dias. Fora publicado o Método Prático para aprender o tétum,
em 1937, da autoria do Padre Abílio José Fernandes, Vigário Geral e Superior das
Missões de Timor. Na época, foi confeccionado na língua tétum de Díli e com o
propósito de auxiliar os missionários e os funcionários da administração portuguesa
que precisavam aprender o tétum da capital de Timor.
Em 1945, após o fim do controle japonês sob Timor, o exército
português149 desembarcou em Díli com material intitulado Vocabulário português-
tétum, sem autoria e data de publicação, elaborado a partir do método do Pe. Abílio
José Fernandes. Já Regras elementares de Tetum. Ano lectivo de 1974-1975.
Luca, Viqueque, Laclubar, Bibiçucu, Turiscain, Mahubo, Atabae, Cotubaba, Balibó, Batugadé,
Raimean, Camanasa, Suai, Marobo, Atsabe, Leimean e Cailaco. Limites da Missão da Contra-Costa
de Timor. Cf. Teixeira, Manuel. Macau e a Sua Diocese. Vol. X - As Missões de Timor. Macau,
Tipografia da Missão do Padroado, 1974, p. 127.
149
Esperança, João Paulo T. Estudos de Linguística Timorense. Aveiro: Sul-Associação de
Cooperação para o Desenvolvimento, 2001, p. 158.
144
Lahane, Externato de São José em Bispo Medeiros, são publicadas em 1975, ano
da tomada de Timor-Leste pelos indonésios150. São editados, em 1961, em tétum-
los, com a tradução para o português, os primeiros textos da literatura oral e antiga
timorense, sob o título de Textos em Teto da Literatura Oral Timorense, da autoria
do Pe. Artur Basílio de Sá.
A língua tétum falada em diferentes espaços timorenses também circulou
em versões manuscritas151 escritas por missionários; porém, as mesmas são dadas
como desaparecidas, não sendo possível precisar as datas de elaboração das
mesmas. Estão entre elas: Tradução e Explicação do Catecismo de Dianda, em
Tétum de Díli, do Pe. Manuel Mendes Laranjeira; O Mês do Sagrado Coração de
Jesus, do Pe. Vanutelli, e traduzida para o tétum-Soibada pelo Pe. Manuel
Fernandes Ferreira; Homilias dos domingos e festas do ano, O Mês de Maria em
Tétum e Várias Vidas de Santos, todas traduzidas para o tétum-Soibada pelo
também Manuel Fernandes Ferreira; Evangelho yha domingo (Evangelho ao
domingo), escrito em tétum de Díli, pelos Padres Alberto Gonçalves e Porfírio
Campos e revisado pelo timorense Tomás dos Reis Amaral; Jesus fútar fúan nia
fúlan (Mês do Sagrado Coração de Jesus) e Mês de Maria, ambas do Pe.
Gonçalves, traduzidas para o tétum-Soibada.
O processo de gramatização iniciado pelos missionários instrumentalizou
o Galóli, língua da catequese em Manatuto e em territórios vizinhos, como Baucau,
reinos de Vemase e Venilale, e Viqueque, reino de Lacluta. A língua galóli, depois do
tétum, foi a que recebeu maior atenção por parte dos missionários no tocante à
produção de dispositivos linguísticos diversos.
Padre Manuel Maria Alves da Silva, nos seus 23 anos de trabalho
missionário em Timor, dedicou-se, exclusivamente, à produção de materiais em
galóli e teve a impressão, em Macau, dos seguintes trabalhos: Método para Assistir
à Missa em Galóli, de 1888; Noções de gramática galóli, com edição em 1900;
Compêndio (em Galóli) de Orações Cotidianas, de 1902; Catecismo da Doutrina
Christã em portuguez e galóli, de 1903; Evangelhos das Domingas e Outras Festas
150
A relação dos principais instrumentos linguísticos publicados durante a época da resistência
timorense encontra-se no Anexo 3 da tese, p. 220.
151
Domingues, Pe. Ernesto. Cf. Línguas de Timor (nótulas bibliográficas). Portugal em África. 2ª.
série, ano IV, Maio - Junho, Lisboa, 1947, p. 142-151.
145
152
Domingues, Pe. Ernesto. Línguas de Timor (nótulas bibliográficas). Portugal em África. 2ª. série,
ano IV, Maio-Junho, Lisboa, 1947, p.149.
146
153
No caso em questão, o fato de aprender a língua portuguesa faria com que o timorense se
sentisse como integrante do movimento de pertencimento do modo de ser e de ter português,
inclusive, ocupando uma posição diferente do timorense que não sabia o português, ou seja, aquele
seria parte do grupo de poder. Porém, muitas vezes, a posição de integrante era apenas imaginária,
pois, o timorense falante da língua portuguesa não tinha os mesmos direitos que gozava o
colonizador europeu e a sua língua, geralmente, era silenciada.
154
Conforme define Auroux (1992), estes são aspectos propulsores para a gramatização de uma
língua estrangeira. Segundo o autor (idem, p. 47), possibilita o “acesso a uma língua de
administração, acesso a um corpus de textos sagrados, acesso a uma língua de cultura, relações
comerciais e políticas, viagens (expedições militares, explorações), implantação/exportação de uma
doutrina religiosa e colonização”.
148
constituindo uma língua fabricada para compor uma Nação. Essa mesma língua é a
de um grupo, geralmente, aquele com mais prestígio e poder e, nessa relação
conflituosa entre línguas e falantes diferentes, a maioria é obrigada a aprender a
língua da minoria, que é a Língua do Estado.
Nesse jogo de relações diversas, a gramatização da língua de um país
significa o rompimento com a diversidade entre as línguas e entre os seus falantes,
encontrando-se os mesmos divididos, em nome de uma única língua e de uma
unidade aparente que controla ou silencia a língua fluida, aquilo que é heterogêneo
e múltiplo.
No caso de Timor-Leste, o processo de gramatização realizado pelos
missionários católicos teve basicamente dois propósitos: a instrumentalização de
línguas (imaginárias) para a catequese e para o ensino. Sob tais condições, os
instrumentos linguísticos no Timor Oriental institucionalizaram hierarquicamente,
atendendo ao projeto colonial português, algumas poucas línguas
instrumentalizadas e silenciaram a grande maioria que não integrou o movimento de
gramatização das línguas do país.
O material de análise, além das sequências discursivas produzidas pelos
viajantes, pelos missionários, pelos governadores portugueses etc. consistiu em
textos de abertura, mais especificamente os prólogos155, dos instrumentos
linguísticos da autoria dos padres católicos para as línguas do Timor Português.
Com o processo de gramatização liderado pelos missionários, diferentes
línguas foram contempladas, mas a heterogeneidade entre as mesmas era sempre
apagada em nome da suposta unidade que não era neutra e a produção de divisões
de todas as ordens sobre as línguas, em seus diversos usos e entre os que as
usavam, foi produzida.
Tais divisões refletiam as condições de produção sob as quais as línguas
estavam submetidas ao longo das relações de séculos entre diferentes línguas e os
seus sujeitos, estando entre eles colonizados e colonizadores, na eterna luta entre
explorados e exploradores, entre os que “não tinham” língua e entre os que “tinham”,
155
Para a pesquisa de doutorado em questão, não analisaremos os prólogos na íntegra, mas sim
partes que apontam para a relação das línguas e dos falantes em Timor-Leste. Por outro lado, em
nossos anexos, apresentamos, de modo reduzido, o “corpo” da língua que integra os diferentes
instrumentos linguísticos de algumas línguas de Timor-Leste, conforme Anexo 4, p. 232.
150
entre os que eram “bárbaros” e entre os que eram apontados como “civilizados” etc.
Antes de darmos continuidade às condições de produção e às análises
envolvidas na gramatização das línguas de Timor-Leste, apresentamos abaixo os
quadros sinópticos com as principais línguas do Timor Português que receberam
instrumentos linguísticos no fim do século XIX até 1975 pelos missionários católicos
e a relação dos dispositivos linguísticos que, de algum modo, apontaram para a
relação entre as línguas e os falantes e que, sendo assim, tiveram seus prólogos
analisados.
151
Quadro 1
LínguaInstrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
1. Catecismo da Doutrina Christã em Tétum (1885).
2. Gramática da língua tétum (1889).
3. Diccionario de Portuguez-Tétum (1889).
4. Catecismo Badac nò oração ba Loro-Lóron (Pequeno Catecismo para a
oração diária) (1907).
5. Resumo da Historia Sagrada em Português e em Tétum para uso das
crianças de Timor (1908).
6. História da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo (1908).
7. Compendio de Civilidade (1908).
8. Evangelhos dos domingos e festas principaes, com sua explicação
(1908).
9. Devocionario do Christão de Timor (1908).
10. Pequeno Guia de Conversação (1908).
11. Cartilha-Tetun (1ª. e 2ª. partes) (1916) e (1932), respectivamente.
12. Catecismo ho Oração Ruma (Catecismo com algumas Orações)
(1929).
TÉTUM 13. Sarâni sira nia súrat (Livro dos Cristãos) (1929).
14. Doutrina Badac (Doutrina Resumida) (1930).
15. Dicionário Tetum-Português (1935).
16. Método Prático para aprender o tétum (1937).
17. Textos em Teto da Literatura Oral Timorense (1961).
18. Regras elementares de Tetum (1975).
19. Catecismo Tétum (s/d).
20. Tradução e Explicação do Catecismo de Dianda (s/d).
21. O Mês do Sagrado Coração de Jesus (s/d).
22. Homilias dos domingos e festas do ano (s/d).
23. O Mês de Maria em Tétum (s/d).
24. Várias Vidas de Santos (s/d).
25. Evangelho yha domingo (Evangelho ao domingo) (s/d).
26. Jesus fútar fúan nia fúlan (Mês do Sagrado Coração de Jesus) (s/d).
27. Mês de Maria (s/d).
152
Quadro 2
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
Quadro 3
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
Quadro 4
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
Quadro 5
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
Quadro 6
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
Quadro 7
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários
católicos
Quadro 8
Língua Instrumentos linguísticos elaborados pelos missionários católicos
Quadro 1
156
Pedido de atenção do Reverendo goês Gregorio Maria Barreto às autoridades portuguesas no
tocante aos investimentos financeiros para a produção do primeiro catecismo da doutrina cristã nas
línguas de dois reinos católicos na ilha, datado de 1856. Cf. Annaes do Conselho Ultramarino. Parte
Não Official, série I (1854-1858), 1867, p. 479/447. Disponível em:
<https://play.google.com/books/reader?id=XFYMAQAAMAAJ&printsec=frontcover&output=reader&hl=
pt_BR&pg=GBS.PA477>. Acesso em: 15 jan. 2015.
156
falantes e na relação desses com essas duas línguas, a partir dos usos de
instrumentos linguísticos para a catequese.
Para a descrição e a instrumentalização de duas línguas timorenses que
marcariam a divisão entre as línguas no país, estariam os missionários “gramáticos-
lexicógrafos” europeus com conhecimentos no funcionamento da língua europeia e
algum tipo de saber para a preparação de instrumentos linguísticos, como
dicionários, gramáticas e cartilhas, que estariam estruturados a partir da tradição
gramatical e lexicográfica do colonizador.
Desse modo, o tétum e o baiqueno contariam com provável modelo de
gramatização europeia que funcionaria de acordo com uma comissão de gramáticos
e lexicógrafos missionários que descreveriam a língua do outro tomados pelo
funcionamento - partes do discurso e categorias gramaticais - da própria língua
portuguesa e com o auxílio de nativos falantes da língua a ser descrita, os
intérpretes. Inclusive sendo necessário que esses conhecessem a língua do
colonizador e o missionário seria o responsável por regular e intermediar a relação
entre línguas e falantes tão diferentes, seja porque conhecia uma ou as duas línguas
de Timor e/ou pela relação de proximidade que estabelecera com os timorenses.
Nesse caso, o tétum e o baiqueno eram postos em situação de disputa pelo poder
com relação às outras línguas de Timor-Leste. Tudo isso intermediado pelo
colonizador.
Já em momento posterior que marcaria, de maneira institucionalizada, os
primórdios do processo de gramatização para a catequese, as relações de
hierarquia entre as línguas timorenses viriam marcadas pela instrumentalização em
massa do Tétum e do Galóli. Porém, como se tratava da gramatização para a
conversão de um número cada vez mais significativo de reinos, com falantes de
diferentes línguas, foi sugerido157 que a produção de instrumentos linguísticos para a
catequese não deveria se concentrar apenas no tétum e no galóli e que ao
missionário católico fossem oferecidas as melhores condições para o estudo e para
a produção linguística das línguas de Timor-Leste:
157
Relatório enviado ao Bispo de Macau em 1911, pelo Pe. José da Costa Nunes. Cf. Teixeira,
Manuel. Macau e a Sua Diocese - Vol. X. As Missões de Timor. Macau, Tipografia da Missão do
Padroado, 1974, p. 180.
157
[…]. Por ultimo desejo ainda chamar a attenção de V. Ex.cia Rev.ma para o
seguinte ponto: As línguas faladas em Timor são 19. Os missionários
luctam com enormes difficuldades na aprendisagem de uma língua
regional, pela razão de não haver cousa alguma escripta, que os oriente, a
não ser em Tetum e Galloli. Como ha-de ele ensinar catecismo a um
indigena, se não houver uma versao propria? Não seria, por ventura, uma
medida de vasto alcance impôr a um missionario, que revele habilidade e
conheça bem a lingua de uma região, a obrigação de traduzir o
catecismo e alguns hinos de piedade e fazer um pequeno vocabulario
ou um mettodo de ensino? Não seria isto auxiliar grandemente a obra dos
missionários futuros? Creio que sim. Ainda mesmo que esse missionario
tivesse de ser dispensado do exercicio do seu ministerio para somente se
ocupar em trabalhos d’este genero, a missão lucraria muito com tal medida
[grifos nossos].
apenas pela descrição de diferentes línguas do país, mas também pelo uso prático,
sem restrição, das mesmas como línguas de instrução nas escolas das missões
católicas.
Todavia, com a aprovação da Portaria nº. 92159, em 1902, na
administração do governador português José Celestino da Silva (1894 a 1908), ficou
determinado que, nos institutos de educação e nas escolas do sexo feminino e
masculino, o português, segundo da Silva (idem, p. 221), seria a única língua de
instrução autorizada para o ensino formal, proibindo totalmente o uso de qualquer
outra língua de Timor, “tanto no ensino como nas relações dos dirigentes e
professores com os alumnos e nas d’estes uns com os outros”.
Desse modo, o movimento que teve vida efêmera e que poderíamos
nomear como “gramatização para o ensino das línguas de Timor”, nas escolas das
missões, foi interditado pelo governador português em favor do ensino e do
desenvolvimento único da língua do colonizador. A gramatização massiva das
línguas do país para catequese foi autorizada. Todavia, tudo o que envolvesse
aspectos ligados à administração portuguesa e aos saberes necessários para o
ensino oficial da língua portuguesa em Timor todo o controle seria imprescindível,
especialmente em se tratando de línguas faladas entre os de Timor e ininteligíveis
aos ouvidos do colonizador.
Por quase três décadas, após o início da descrição das línguas de Timor-
Leste pelos missionários, a instrumentalização das mesmas esteve, exclusivamente,
ligada à conversão.
No segundo mandato do governador português Filomeno da Câmara
(1910-1912 e 1914-1918), no ano de 1916, a gramatização de uma única língua
timorense foi autorizada e esta ocuparia o estatuto oficial de língua para o ensino
reconhecido pela metrópole portuguesa160:
159
Pela Portaria Distrital nº. 92, de 03 de Setembro de 1902. Cf. Boletim Official do Districto
Autonomo de Timor, nº. 36, 06 de Setembro de 1902, p. 221-222.
160
Portaria nº. 121 (Adoção obrigatória nas escolas oficiais da Cartilha Tétum-Português). Cf. Boletim
Oficial do Governo da Província de Timor, nº. 29, XVII Ano, 22 de Julho de 1916, p. 199 e 200.
160
161
Portaria nº. 120 (Louva o missionário, Pe. Manuel Mendes Laranjeira). Cf. Boletim Oficial do
Governo da Província de Timor, nº. 29, XVII Ano, 22 de Julho de 1916, p. 199.
162
Portaria nº. 452 (Encarrega, o missionário padre Manuel Mendes de Laranjeira, de organisar
cartilhas, e exercícios de leitura das línguas tetum e português). Cf. Boletim Oficial do Governo da
Província de Timor, nº. 47, XVI Ano, 20 de Novembro de 1915, p. 436.
161
163
Cf. Laranjeira, Manuel Mendes. Cartilha Tetun. 2ª. parte. Exercícios de Versão de Tétun em
Português. (Mandada adoptar nas escolas oficiais de Timor por P.P. nº. 121, de 19-07-1916 e P.P. nº.
61, de 07-04-1917). 2ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil, 1932, p. II- III.
162
[...]. [...], pelo referido diploma legislativo, no item ‘Do Ensino em Geral’, é
disposto no seu Art. 10º. que: Em todas as escolas indígenas, o ensino
da leitura e da escrita deverá fazer-se, de início, com o auxílio da
cartilha de Tétum da autoria do Rev. Padre Laranjeira, a qual se irá
dispensando à medida que o progresso dos alunos no conhecimento
da língua portuguesa o aconselhe [grifos nossos].
II. ... por nada haver escripto em qualquer dos muitos dialectos que
n´aquella ilha ha, ... , que me podesse servir de guia para aprender bem a
lingua em que escrevi este catecismo ... (Catecismo da Doutrina Christã
em Tétum – 1885 – pelo missionário Pe. Sebastião Maria Apparicio da Silva,
p. III-IV) [grifos nossos].
II.I ... para a civilisação dos povos malasios da nossa colonia de Timor,
sabendo por experiencia, ... recebem mais ideias d´uma pratica em
lingua do paiz, ... (Idem, p. VII) [grifos nossos].
Ou seja, o tétum que ocupava o lugar de língua contava com regras que
definiam o seu funcionamento, e tais aspectos, segundo o missionário, permitiam
com que o tétum fosse lido e compreendido por todos.
Contudo, o tétum de Timor-Leste, língua fluida (Orlandi, 2005),
encontrava-se em movimento, língua marcada pelos diferentes sujeitos e pelas
divisões entre os mesmos, e, de acordo com o discurso do missionário em questão,
deveria sofrer ajustes e uniformizações:
IV. ... o tétun o que dia a dia se vai tornando conhecido em toda a parte.
[...].
[...]. No estado actual da língua tétun é impossível usar de frases
comuns a todos os lugares. Quando, pois, aparecer um modo de dizer
que em determinado lugar seria diverso, tenham os Rev. Missionários a
generosidade de optar sempre pelo que vem no catecismo (Catecismo
Ho Oração Ruma – 1929 –, pelo missionário Pe. Manuel Patrício Mendes, p.
III e p. V) [Grifos nossos].
Nessa sequência, o Galóli não foi nomeado como língua, mas “dialecto” e
“linguagem”. Do lugar de dialecto que ocupa, ele é determinado como um dos mais
falados pelos indígenas de Timor, que não eram os chefes timorenses, falantes de
tétum e não eram representantes do poder central, localizado na capital do país, Díli.
Embora o galóli contasse com número expressivo de falantes era uma língua com
falantes sem poder político junto da administração central.
171
VIII. [...]. ... galóli, dialecto mais usado e commum das christandades do
nordeste de Timor, que constituem a parte da Malasia mais obediente e
fiel á corôa portuguesa. [...]. (Dicionário Portuguez e Galoli – 1905 –, pelo
Pe. Manuel Maria Alves da Silva, s.p.) [grifos nossos].
164
No quadro teórico proposto por Pêcheux (1969), a noção posição-sujeito é chamada para formular
o conceito de formação discursiva, uma vez que ambos estão extremamente imbricados para a
produção do sentido. Ou seja, é por meio da relação do sujeito com o que pode e deve ser dito, a
formação discursiva, que se chega ao funcionamento do sujeito do discurso. De acordo com Pêcheux
(1988, p.163), apud Indursky (2007, p. 79), “a interpelação do indivíduo em sujeito de seu discurso se
173
I.I Nos reinos do interior, onde se falla melhor, de reino para reino ha
alguma differença, apezar de não ser tão grande como a que se nota entre
o de Dilli e o do interior da ilha, sendo o modo de construir outro,
principalmente quanto a uma espécie de conjugação de verbos, que só
no interior ha ... (Recorte do Dicionário de Portuguez-Tétum – 1889 – p. IV)
[grifos nossos].
efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina (isto é, na qual ele é
constituído como sujeito)”. Sendo que tal identificação dá-se pelo viés do que Pêcheux (idem, p.167)
denomina de forma-sujeito.
174
II. A fim de ir unificando o tétum (que tanto diverge de reino para reino!)
adoptou-se aqui o que parece ser mais puro; isto é, o que tem menor
mistura de termos estranhos, e que é falado em maior numero de
reinos ... (Resumo da Historia Sagrada em Português e em Tétum para uso
das crianças de Timor – 1908 – pelo missionário Pe. Manuel Fernandes
Ferreira, p.5) [grifos nossos].
III. ... o tétum ... que na costa do sul da ilha é mais puro, conservando
melhor a sua estrutura peculiar do que em Díli onde se tem deixado
influenciar mais por elementos estranhos, não é menos verdade que o tétun
de Dili é o mais simples e facilmente entendido e que, se tem
espalhado, é pelo facto de ser falado na capital. [...] (Catecismo Ho Oração
Ruma – 1929 – pelo missionário Pe. Manuel Patrício Mendes, p. III-IV)
[grifos nossos].
IV. [...]. Os textos que publicamos vão escritos em tetun-los, o teto puro,
falado ... , na sua forma erudita, por um ou outro lia-na’in, os mestres da
palavra, os clássicos da sua literatura oral (Recorte de Sá, Artur Basílio
176
de. Zona do Tétum na Ilha de Timor. Cf. Textos em Teto da Literatura Oral
Timorense. Volume 1. Lisboa, 1961, p. XXV. Publicação da Junta de
o.
Investigações do Ultramar – Centro de Estudos Políticos e Sociais, n 45)
[grifos nossos].
V. [...].
Este, quer o consideremos, por hipótese, um falar autóctone, derivado não
se sabe de que língua morta e ramificada em inúmeros dialectos, quer o
consideremos, segundo a tradição indígena, uma célula dialectal
embrionária, trazida para aqueles sítios no seio de lendária família ali
aportada, não se terá expandido mais por outras razões, que não pela
agressividade das montanhas que o circundam, nem pelo furor dos caudais
que o envolvem. Não nos parece, portanto, verossímel a suspeita que
estabeleça, como balizar da sua expansão, quaisquer óbices de
natureza geográfica (Recorte de Sá, Artur Basílio de. Zona do Tétum na
Ilha de Timor. Cf. Textos em Teto da Literatura Oral Timorense. Volume 1.
Lisboa, 1961, p. XXVI. Publicação da Junta de Investigações do Ultramar –
o.
Centro de Estudos Políticos e Sociais, n 45) [grifos nossos].
Na defesa de uma norma de correção para o tétum, não era qualquer tipo
de falante que estava autorizado a participar do trabalho de descrição do tétum,
pois, na sequência discursiva abaixo:
165
Portaria nº. 452 (Govêrno da Província), pelo governador Filomeno da Câmara Melo Cabral. Cf.
Boletim Oficial do Governo da Província de Timor, nº. 47, XVI Ano, 20 de Novembro de 1915, p. 436.
178
[...] o estudo dêstes exercícios aos alunos e que êstes [...] fiquem depois
dêle, não digo aptos a falar o português correcta e
desembaraçadamente, o que só poderá conseguir-se com bastante tempo
e muita prática, mas ao menos com os princípios ou bases suficientes
para poderem aperfeiçoar-se, continuando a estudar.
[...] utilizar o tetun apenas como elemento para introduzir os alunos no
estudo do português [...] [grifos nossos].
166
Cf. Laranjeira, Manuel Mendes. Cartilha Tetun. 2ª. parte. Exercícios de Versão de Tétun em
Português. (Mandada adoptar nas escolas oficiais de Timor por P.P. nº. 121, de 19-07-1916 e P.P. nº.
61, de 07-04-1917). 2ª. Edição. Macau, Tipografia Mercantil, 1932, p. II-III.
179
Um dos traços que nos chamou a atenção foi o fato do tétum, quando
comparado com a língua portuguesa, ocupar a posição de língua deficitária e
incompleta no que se refere à capacidade de expressão de ideias e de pensamentos
presentes no funcionamento da língua do colonizador. Não apenas a língua,
segundo a posição do missionário gramático, mas os seus falantes, sujeitos
“selvagens”, falhavam e eram apontados como incapazes de aprender na língua do
colonizador.
De acordo com as sequências discursivas do Prólogo da Cartilha - Tetun -
1ª. Parte, da autoria do Pe. Laranjeira, p.II, III e VI:
167
A ortografia padrão do tétum foi reconhecida através do Decreto do Governo n°. 1/2004, de 14 de
Abril de 2004, no documento intitulado O Padrão Ortográfico da Língua Tétum. Disponível em:
<http://mj.gov.tl/jornal/public/docs/2002_2005/decreto_governo/1_2004.pdf>. Acesso em: 30 out.
2016.
180
caberia o estatuto de língua homogênea, aquela que não variava nunca, exemplo de
língua perfeita, modelo de correção afastada de quaisquer espécies de deturpação e
incorreção.
Conforme sequência discursiva do Prólogo da Cartilha-Tetun - 1ª. Parte,
da autoria do Pe. Laranjeira, p. V:
O tetun, por ser uma língua sem escrita, transmitida só pelo ouvido e
falada por povos rudes e com poucas relações mútuas, tem muitas
variações provenientes da influência e mistura de palavras de outras
línguas [...] [grifos nossos].
Já o tétum era uma língua ágrafa e por isso que variava muito, sendo que
tais “variações” precisavam ser controladas pela escrita. Na sequência discursiva,
era uma língua que apresentava, segundo o colonizador, estrutura bastante
“irregular” quando comparada com o português, língua “homogênea” regulada pela
escrita e modelo de organização e de correção.
De acordo com a sequência discursiva da 1ª. Parte da Cartilha - Tetun, p.
V:
182
Sem escrita, porém, que lhe permitisse tomar uma organização fixa, o
tetun ficou sujeito a inúmeras variações e irregularidades na sua
construção e na sua pronúncia [...] [grifos nossos].
[...].
Ninguém se admire dos frequentes circumlóquios e significações que
parecerão à primeira vista difusas demais.
A índole do tétum é tão diferente da do português que, na maioria dos
casos, tais divagações são indispensáveis para dar uma idea do têrmo
[grifos nossos].
CAPÍTULO 5
LUGARES OCUPADOS PELAS LÍNGUAS NO PERÍODO DE
CONTROLE DOS INDONÉSIOS EM TIMOR-LESTE
A Indonésia, assim como Timor, sempre foi constituída por povos muito
diferentes, com costumes e tradições diversas, vários cultos e mais de 250 línguas
muito diferentes, ou seja, um país onde a heterogeneidade, em diferentes aspectos,
sempre fez parte da sua formação. Porém, mesmo diante da real pluralidade
Indonésia, as suas autoridades logo trataram de anular a diversidade em nome da
185
unidade e, para isso, estabeleceram uma língua única (a bahasa indonésia), uma
autoridade governamental centralizadora e uma religião que conferiu uma direção à
vida dos indonésios, conforme os governantes pretendiam.
Tudo isso foi necessário para a construção da ideia de Nação que se
reconheceria enquanto tal a partir da coesão e da unidade linguística e cultural. Tal
unidade da Nação era imaginária e fazia parte da política dos que ocupavam o
poder. O que as autoridades indonésias almejavam realizar em Timor não era
diferente do que fizeram, em proporções ainda mais violentas, no território
Indonésio.
Em Timor-Leste, proibiram o uso e o ensino da língua portuguesa e
oficializaram a língua indonésia como língua do Estado. As línguas de Timor não
foram proibidas, contudo, também, não receberam apoio para o desenvolvimento
pleno das mesmas pelos representantes do governo indonésio, como, fora feito, por
exemplo, com o ensino do indonésio nas escolas oficiais da ilha; embora, as milícias
e os professores indonésios tratassem logo de compreender as línguas timorenses
para o controle dos habitantes do país.
Posição bem diferente da que fora ocupada pelo tétum, pois, esse, a
única língua timorense com escrita um pouco mais desenvolvida, com o passar dos
séculos entre os colonizadores europeus, foi primeiramente empregado como língua
auxiliar para a aprendizagem da língua indonésia e foi ensinado nas escolas oficiais.
Língua falada pelos muitos indonésios que se fixaram em Timor ocupou o lugar de
língua oficial da igreja católica na ilha e foi usada pela resistência timorense nas
correspondências trocadas entre os guerrilheiros e na comunicação diária com a
população.
Já a língua portuguesa, em meio à clandestinidade, foi empregada entre
os poucos guerrilheiros que sabiam o português e que sobreviveram ao massacre
promovido pelas milícias do ocupante. Além disso, era uma das línguas usadas
pelos timorenses e missionários que estiveram fora do país, seja na frente
diplomática, ou porque tiveram de fugir para países como Austrália, Portugal,
Inglaterra, Moçambique etc., no acontecimento que ficou conhecido como Diáspora
Timorense. O português em Timor-Leste também resistiu entre as famílias
timorenses que se negaram a empregar o indonésio em suas casas ou entre os
186
168
FRETILIN. FRETILIN (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente). Manual e Programa
Políticos. s/l, 1974, p. 10-11.
169
Idem. p. 87. Apud Meneses (2008, p. 51).
188
Porque é que a Fretilin quer que o povo esteja esclarecido e que todos
saibam ler e escrever?
Porque a libertação do Povo tem de ser completa e total. […]. O Povo tem
de estar esclarecido para decidir a sua vida. Não pode continuar ignorante
para que ninguém possa aproveitar-se dessa ignorância e explorá-la em seu
benefício. […]. Que a política não seja um tema estranho e vago só para
senhores doutores. É necessário que o Povo esteja esclarecido […]. […].
Como podemos desenvolver a nossa literatura, a nossa poesia se estas são
a expressão do Povo e o povo não sabe escrever? Quantos valores se
perdem por existir apenas uma tradição oral. Valores que passam dos pais
para filhos […]. Para construirmos um Timor verdadeiramente livre e
independente, é necessário que todos, homens, mulheres, velhos, jovens e
crianças, todos saibam ler e escrever.
Para pôr em prática as suas ideias, mesmo sem contar com o tétum com
escrita padronizada, as autoridades da Fretilin, logo que assumiram o país, deram
início a uma campanha de alfabetização de adultos ancorada em princípios
humanísticos que pretendiam, entretanto (1974, p.19):
conhecido como Rai Timur Rai Ita Niang (Timor é o nosso país)170.
De acordo com Taylor (s/d, p. 116)171 apud Meneses (2008, p. 51-52):
O manual, Rai Timur Rai Ita Niang, focava palavras do dia-a-dia e dividia
estas palavras em sílabas, colocando-as seguidamente em diferentes
contextos com palavras associadas. A essência do manual consistia na
descrição do cotidiano rural, fornecida pelos próprios timorenses.
Aleixo172 (2000) apud Meneses (idem, p. 52) esclarece que com o projeto
da Fretilin, grupos foram formados para promover em todo o país iniciativas que
atendessem à alfabetização, às questões ligadas às necessidades sanitárias e
políticas.
Com a tomada definitiva do Timor Português pelo governo indonésio,
todas as ações da Fretilin foram proibidas e os outros partidos deixaram de ter as
suas decisões respeitadas, ou seja, Timor passaria a ser administrado de acordo
com as leis e as regras do Estado Indonésio. Desse modo, sendo retirado dos
timorenses o direito à autonomia em suas unidades administrativas e da escolha de
como pretenderiam conduzir o futuro do país, vários integrantes da Fretilin e dos
demais partidos passaram a atuar na frente diplomática no exterior e os que ficaram
no país, com a ajuda do povo, concentraram-se no movimento da resistência
timorense contra as decisões arbitrárias do ocupante.
A República da Indonésia na posição de Estado Nacional com governo
centralizado em Jakarta, uma língua oficial única e rígida com relação às leis de
unidade e de ordem em seu país, como uma das primeiras decisões a ser tomada,
anulou a língua portuguesa, que representava a Nação que controlou Timor por
quatrocentos e cinquenta anos e oficializou a bahasa indonésia para todo o Timor
Oriental. Através desse gesto, não apenas foi interditada a língua do Estado
Nacional Português e tudo mais que isso produzia, documentos, leis, organizações,
relações com a língua de Portugal e as línguas de Timor etc., mas também
170
Fretilin. Rai Timur. Rai Ita Niang. Lisboa, Casa dos Timores, 1975.
171
Taylor, John. A Fretilin e o Movimento Nacionalista em Timor-Leste. Cf. Encontros de Divulgação e
Debate em Ciências Sociais. Porto, Vila Nova de Gaia, Sociedade de Estudos e Intervenção
Patrimonial, s/d.
172
Aleixo, Estanislau. Construir uma Sociedade Justa. Cf. Depois das Lágrimas. A reconstrução de
Timor-Leste. Jill Jollife (coord.). Lisboa: Intercooperação e Desenvolvimento, 2000, p. 53.
191
Irmão
VL
(…).
Quanto ao trabalho que me falaste para responder a posição do Hodu se
a situação te permitir para fazer, farás em português. Enquanto que para
responder ao auto-proclamado grupo OPRC (orgão popular da
resistência clandestina) do Aitahan Matak, farás em Tétum para ser
acessível aos jovens compreenderem.
Um dos responsáveis dos jovens pediram-nos p/ que no futuro, a tradução
de documentos públicos sejam feitos em Tétum porque nem todos os
nossos sabem a bahasa com perfeição [grifos nossos].
173
Rosa T; Vero Lata. Correspondências. Cf. Sem Título, CasaComum.org, 1994, p. 1. Disponível
em: <http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=06223.105#!1>. Acesso em: 24 set. 2014.
192
174
Rocha, Nuno. Timor – O Fim do Império. Lisboa: Editora Obipress, 1999. p. 422-423.
193
Em 1976, havia 47 escolas primárias com 13501 alunos e 2 liceus com 315
alunos. De 1976 a 1982, foram construídas 984 salas de aula para escolas
primárias e remodeladas 342 salas do liceu. Em Abril de 1986, havia um
total de 493 escolas primárias que albergavam 109884 crianças e 2978
professores.
175
Cf. Rocha (1999, p. 431) apud Meneses (2008, p. 62).
194
176
Pelos princípios da “filosofia de vida” Pantja Sila não era possível o Comunismo e o Ateísmo entre
os indonésios e todos os povos das ilhas anexadas à Indonésia. Apesar da diversidade e das
diferenças que existiam, precisavam se entender enquanto uma unidade, ou seja, manter-se como
uma Nação coesa. Para isso, o Pantja Sila propunha cinco princípios básicos, estando entre eles: “1.
Crer em Deus Todo Poderoso; 2. Uma justa e civilizada humanidade; 3. Nacionalismo que une o povo
da Indonésia; 4. Democracia, guiada pelo espírito e sabedoria; e 5. Justiça Social. O Pancasila
regulava a Estrutura do Estado; os Partidos Políticos e a Imprensa nos territórios indonésios”. Cf. O
Dia do Sagrado Pantja Sila. Edição Especial. Dili, Consulado da República da Indonésia. p.3.
195
177
Esperança, João Paulo T. Estudos de Linguística Timorense. Aveiro: Sul-Associação de
Cooperação para o Desenvolvimento, 2001, p. 158.
196
178
Abel; SANTANA, N. K. Correspondência. Cf. Sem Título, CasaComum.org, 1997, p. 1-2.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_131714>. Acesso em: 24 set. 2014.
198
[...].
O problema linguístico será fundamental como meio de transmissão,
educação e formação da população escolar!
E sua experiência ou melhor dito é com a experiência dos países coloniais
de África que as causas do atraso econômico e da instabilidade política do
período pós-independência e a utilização de línguas oficiais dos países ex-
colonizadores e do multilinguismo, fatores que fomentam as divisões tribais
agudisando-as, já no caso de Timor-Leste acho que o factor linguístico
não será motivo para instabilidade política, transformando-se num
potencial foco de conflitos inter-culturais ou regiões linguísticas, muito
embora devamos reconhecer que venha constituir o travão de um
desenvolvimento no domínio da ciência, da cultura, da tecnologia e
industrialização do país!
Reconheço que no passado factores linguísticos constituíram motivos
179
SANTANA, N. K; Abel. Correspondência. Cf. Sem Título, CasaComum.org, 1997, p. 2-4.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_132206>. Acesso em: 24 set. 2014.
201
tétum pela política da Fretilin. Dessa forma, o tétum torna-se língua de entendimento
entre os diferentes grupos de falantes.
Segundo a sequência discursiva, diferentes grupos etnolinguísticos da
frente de resistência timorense se comunicam entre si e com a população através da
língua tétum, configurando, assim, a aparente unidade na identidade cultural e
linguística do povo timorense, o que o diferencia do povo indonésio. E com a saída
do invasor, uma vez que a Fretilin conseguiu aproximar grupos diferentes na
diversidade de línguas e na cultura, a política de proteção e salvaguarda dos bens
imateriais, como tradições, línguas e valores étnicos de diferentes grupos, poderá
ser a política nacional do governo. Defendendo também que a língua indonésia em
Timor-Leste independente não poderá ser ignorada pelas autoridades do país, já
que a juventude e a maioria dos timorenses falam o indonésio, língua de relações de
natureza diversas entre timorenses e indonésios.
Nesta outra sequência discursiva que é uma resposta ao o que o locutor
anterior expõe para o problema das línguas de Timor, o sujeito enunciador, um dos
líderes da resistência timorense, ao enunciar ocupa posição-sujeito em defesa de
uma política de língua com uma única língua 'nacional' em meio à diversidade
linguística. Ainda que no contexto da dominação dos indonésios, a resistência da
Fretilin tenha conferido ao tétum o estatuto de língua da resistência, a 'língua
comum' entre os próprios guerrilheiros falantes de línguas diferentes e destes com a
população, a língua da unidade nacional, a língua da 'identidade cultural e linguística'
entre diferentes grupos etnolinguísticos, a tensão entre aquele e as demais línguas
do país continua a produzir efeitos e a significar.
A relação histórica e material entre as línguas de Timor-Leste fez com que
as línguas sempre fossem tratadas e hierarquizadas de modo diferente e isso
persistiria, mesmo após a independência do país. Afirmar a respeito da necessidade
de uma política nacional que, mesmo diante da diversidade entre culturas, tradições
e línguas, constituísse algo que a todos agregasse no que havia de identitário, no
caso o tétum, anula, de qualquer modo, as diferentes línguas e os seus falantes.
O tétum, pelas questões já indicadas, cumpriria a posição da língua da
“identidade nacional” na sociedade timorense independente tensionando as línguas
de Timor e sendo pressionada pela língua indonésia, essa falada por praticamente
203
todos do país.
Na terceira e última sequência discursiva, José Afonso180 escreve a Nino
Konis Santana:
falantes.
A sequência discursiva, do início ao fim, é atravessada pela ideologia do
confronto entre o que determina a política de língua de países colonizadores, como
Portugal, Austrália e Estados Unidos, esta sempre marcada pelo violento processo
de dominação, e a outra posição aponta para as línguas dos povos timorenses como
as mais indicadas para um Timor independente.
O discurso é atravessado por questionamentos e inquietações quanto ao
que as autoridades timorenses elegerão, no futuro, como língua ‘oficial’ e ‘nacional’
do país; quais línguas receberão tal estatuto; se a língua do colonizador português
fará parte da política de línguas definida para Timor; se o tétum for a língua do
governo, como ficará a situação das demais línguas timorenses, quais serão
ensinadas nas escolas, qual o estatuto conferido a essas línguas?; e se as
autoridades timorenses vão pôr em primeiro lugar os seus interesses pessoais e
financeiros aceitando a política de língua (im)posta pelos ocidentais em detrimento
da diversidade linguística e cultural do povo do país, conforme sempre aconteceu na
história da relação entre as línguas e os falantes em Timor. Ou seja, infinitas
preocupações e todas extremamente pertinentes para serem postas às autoridades
timorenses que decidiriam pelo futuro político e linguístico de um país que por mais
de quatrocentos e cinquenta anos esteve sob a exploração de países colonizadores
que sempre decidiram por tudo e por todos no Timor Oriental.
A posição do enunciador aqui, no tocante à política de línguas para o
Timor independente, é pelo desenvolvimento de todas as línguas do país, seja na
escola, na política, enfim em todas as instituições que têm a língua como
instrumento de poder e de controle.
205
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Leste. A naturalização da imagem de que havia uma mesma língua falada em todo o
Timor Português, ora silenciava a diversidade linguística do território, ora, em outras
condições de produção, em que havia o reconhecimento da diversidade, as línguas
eram postas em situação de hierarquia a ponto de determinar o que era língua e o
que não era.
Na divisão instaurada entre as línguas timorenses, a língua do
colonizador esteve sempre presente e dividiu, no espaço das línguas e dos sujeitos
nativos, lugar com o português das colônias do Ultramar. Porém, o português
europeu foi sempre apontado como língua homogênea, diferente daquele que era
falado nas possessões ultramarinas e símbolo da unidade da Nação portuguesa.
Diante dos bons resultados que as missões católicas lideradas pelos
padres em Timor-Leste alcançaram, apesar dos escassos investimentos e dos
poucos padres católicos para atender todos os espaços da ilha, a administração
central portuguesa começou a investir não apenas no envio de mais missionários, na
construção de algumas escolas sob o comando dos padres etc., como também
contribuiu financeiramente para que o processo de gramatização de algumas línguas
do Timor Português, primeiramente o tétum, ganhasse forma e força entre os
missionários católicos. A partir do processo de gramatização das línguas do país, a
relação entre os falantes e as línguas no espaço de Timor-Leste seria afetada por
efeitos diversos e outros sentidos para os sujeitos e as línguas foram produzidos.
Com o processo de gramatização iniciado no final do século XIX pelos
padres católicos, entre eles alguns jesuítas, o tétum foi a primeira língua timorense a
ser descrita e a contar com um catecismo (1885) em tétum e um dicionário (1889)
português-tétum. Algumas línguas timorenses também foram descritas, porém, foi o
tétum que recebeu mais atenção e contou com mais dispositivos linguísticos do que
as demais línguas. Além disso, foi a única língua timorense promovida pelo governo
português para contar com uma cartilha-tétum oficial a ser adotada nas escolas do
país, inaugurando, deste modo, a gramatização para o ensino da língua portuguesa
através do tétum de Timor. O tétum ocuparia a posição de língua de apoio para a
aprendizagem da língua do colonizador e ficaria sempre em segundo plano, já que
as autoridades portuguesas não tinham como objetivo o desenvolvimento da escrita
e da leitura do tétum entre os timorenses. O propósito sempre foi obrigá-los a
207
era deixado de lado à medida que a língua portuguesa era aprendida pelo
timorense. Não havia um projeto linguístico por parte das autoridades portuguesas
para o desenvolvimento pleno do tétum entre os falantes de Timor-Leste.
Na gramatização para o ensino formal, oficializou-se a relação sempre
muito desigual e de hierarquia entre a língua tétum e a língua portuguesa. Na
política de língua de Portugal para Timor-Leste, o tétum era apenas língua de apoio
para que o timorense aprendesse a língua portuguesa. O colonizador nunca
promoveria o ensino da leitura, da escrita e da produção de saberes e de
conhecimentos científicos na língua tétum.
Sob a perspectiva do colonizador, o tétum era uma língua provisória,
língua de transição, pois, era uma língua “incompleta”, “heterogênea”, “que variava
muito” e “em processo de formação”. Sendo assim, não há como negar que a
“parceria” entre o tétum e a língua portuguesa foi marcada pela relação de
desigualdade o que acabou criando um estatuto de poder que hierarquizou as duas
línguas, encontrando-se a língua do colonizador em primeiro lugar.
O português sempre foi a língua que seria desenvolvida pelo processo de
gramatização para o ensino. Porém, ao promover apenas uma única língua
timorense como língua de apoio para a alfabetização do timorense em português, o
processo de gramatização silenciou todas as demais línguas do Timor-Leste para o
ensino oficial nas escolas do país.
Uma vez que a relação entre a língua portuguesa e o tétum e entre essas
duas com as demais línguas de Timor-Leste estava configurada e os estatutos das
línguas em constante conformação, no período da dominação indonésia, mudanças
na configuração do espaço-tempo timorense ocorreriam repetindo alguns e
produzindo outros sentidos.
Com o domínio das autoridades indonésias, a divisão entre as línguas
continuariam, porém, a bahasa indonésia e o inglês entrariam em cena no espaço
de enunciação timorense e as posições entre as línguas no país e os seus falantes
seriam outras.
O processo de gramatização das línguas de Timor-Leste continuaria,
porém, indonésios e australianos também começariam a trabalhar nesse domínio
empregando as línguas indonésia e inglesa junto das línguas timorenses descritas.
210
se passava com o inglês e com o português. Sob essa perspectiva, não foi conferido
qualquer reconhecimento às demais línguas do Timor Português. Da posição
ocupada pelo membro da guerrilha ligado aos portugueses, a diversidade entre as
línguas era compreendida como um problema para a configuração de uma unidade
nacional.
A outra posição propunha que uma Nação que estava prestes a se tornar
independente e que prezava pela democracia deveria reconhecer todas as línguas
do país e não valorizar a língua dos países colonizadores, como sempre aconteceu
na história dos povos colonizados pelos exploradores portugueses e ingleses. Se
Timor-Leste fizesse isso, na condição de país recém-independente, estaria
rendendo-se aos interesses obscuros e de dominação sem escrúpulos de países
colonizadores, (as)sujeitando-se, dessa forma, ao que eles impusessem e
retrocedendo ao estado de país sem capacidade para decidir sobre o próprio futuro.
Desse modo, as autoridades de um Timor-Leste independente não
poderiam se entregar às propostas de países exploradores que pretendiam apenas
impor a língua do seu governo, aniquilando e silenciando as línguas, os povos e as
culturas locais. As línguas e os sujeitos timorenses sempre produziram sentidos na
relação desigual entre as línguas em Timor-Leste e a língua do(s) colonizador(es).
A política de língua do colonizador para Timor-Leste sempre esteve
apoiada no apagamento do funcionamento das línguas do país e no
desenvolvimento de uma língua totalmente estranha a grande parte da população.
A língua do colonizador português circularia nas instâncias de poder,
como governo, finanças, escolas, igrejas etc., e deveria ser aprendida, no caso, não
por todos os timorenses, mas, principalmente, pela elite local detentora de poder
econômico e político. Já as autoridades indonésias obrigaram a todos os timorenses
a aprenderem a língua do Estado, inclusive, tirando o direito ao trabalho na
administração pública daqueles que se negassem a aprender a língua do governo.
As línguas dos diferentes espaços de Timor-Leste eram aprendidas pelos
indonésios, porém, as mesmas não eram desenvolvidas pelas instituições de ensino
oficiais do goveno indonésio e circulavam, geralmente, na comunicação diária entre
indonésios e timorenses e nas celebrações católicas.
Enfim, sujeitos e línguas tinham estatutos muito bem definidos e estavam
212
REFERÊNCIAS
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Timor. Sydney: Australian Catholic Relief, 1998.
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de Linguística: Universidade Nacional de Timor Lorosa'e, 2002. Disponível em:<
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Díli: Instituto Nacional de Linguística, 1998-2005.
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trabalho com a linguagem. In: ORLANDI, E. P. (org.). Política Lingüística na
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67252005000200016&lng=en&nrm=iso >. Acesso em: 18 Jun. 2015.
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Encontros de Cultura e Divulgação em Ciências Sociais. Porto: CEPESA, 1998.
p. 5-22.
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ANEXOS
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Fonte: Map of Timor-Leste – United Nations (Mapa de Timor-Leste – Nações Unidas). Disponível em:
<http://www.un.org/Depts/Cartographic/map/profile/timor.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2015.
223
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1997.
20) Suara Timor Timur (Voz de Timor-Leste). Díli, 1997. Escrito em bahasa
indonésia.
21) Serie Mai Hatene Tetun: klase rua (Série Para saber Tétum: Segunda Classe).
St. Marys, N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies, 1997-1999.
22) Serie Mai Hatene Tetun (Série Para saber Tétum). St. Marys, N.S.W.: Mary
MacKillop Institute of East Timorese Studies, 2000-2001.
23) Fernandes, Padre Rolando. Novo Testamento em Tétum - Lia Fuan Diak ba Imi
(Novo Testamento em Tétum - A boa palavra para você). Jacarta, 2000.
24) Oliveira, Filomena Maria das Dores. Disionariu Tetun ba labarik sira: mai haburas
ita lia (Dicionário Tétum para crianças: para ampliar nossa língua). St. Marys,
N.S.W.: Mary MacKillop Institute of East Timorese Studies, 2002.
7) Lafaek: revista ba labarik. (Crocodilo: revista para criança) Dili: CARE International
in East Timor. Departamento de Educação ATTL, 2001.
8) Instituto Nacional de Linguística (INL). Matadalan Ortográfiku ba Tetun Nasionál
(Guia Ortográfico para Tétum Nacional). Díli, INL, 2002.
9) Instituto Nacional de Linguística (INL). Hakerek Tetun Tuir Banati (Escrever Tétum
seguindo a cópia). Díli, INL, 2002.
10) Polke, Jonathan. Ko'alia ingles hamutuk (Falar inglês juntos). [S.l.: s.n.], 2002.
11) Williams-van Klinken, Catharina; Hajek, John; Nordlinger, Rachel. Tetun Dili: a
grammar of an East Timorese language (Tétum-Díli: uma gramática de uma língua
leste-timorense). Coleção Pacific Linguistics, 520, Canberra: Universidade Nacional
da Austrália, 2002.
CAPITULO1
I. GRAMATICA
Exemplos:
Uaasi gi ni defa basse Ohin ne’e nia bacu ninia assu Hoje ele bateu o seu cão
ARTIGO
Em Macassae não existem Artigos Definidos, existe somente o Artigo Indefinido “u”
Exemplos:
Como se vê nos exemplos, este artigo indefinido põe-se depois do nome a quem se
refere.
** Método Prático para aprender o tétum, de 1937, da autoria do Padre Abílio José
Fernandes
SUBSTANTIVOS
233
Exemplos:
Exemplos:
SEGUNDA PARTE
Fu’uc Cabelo.
Haça rahun Barba.
Ibun rahun Bigode.
Matan Olhos.
Matan fulun Pestanas.
Matan fucun Sobrancelhas.
Matan culit Pálpebras.
Matan mutin A parte branca do olho globo do ôlho.
Matan oan Pupila.
Tilun tahan Pavilhão do ouvido.
Tilun cuac Conduto auditivo.
Inur Nariz.
Inur cuac Narinas.
Ibun Bôca.
Ibun culit Lábios.
Ibun culit leten Lábio superior.
Ibun culit craic Lábio inferior.
Ibun cnanarac Céu da bôca.
TERCEIRA PARTE
PEQUENO VOCABULÁRIO
Abanar, v. t. doco; - abanar uma arvore, doco ai; - abanar a cabeça, dou’uc ulun.
Abandonar; v. t. hucic; hela.
Abater, v. t. sôbu, hatún, hamonu; - uma casa, sôbu uma; - o preço, hatún folin; - a
terra rai mouut.
Abaülar, v. t. halo cabuar.
Aberto, adj. Loke, nacloke.
Abluir, v. t. face: - as mãos, face liman.
Abolir, v. t. hasai.
Abominar, v. t. hacribi.
Aborrecer, v. t. hacribi.
Abortar, v. i. hamonu oan; ( para os animais) loulur.
Abraçar, v. t. hacfulac; abraçar a opinião de alguém, tuir ema nia lia fuan.
Abrandar, v. t. hamamar; - o vento, anin.
*** Cartilha - Tetun - 1ª. Parte, autoria do Pe. Laranjeira, publicada em 1916.
Aman, Inan
Pai, Mãe
“Ita sei hadomi ita aman ho ita inan liu ema seluc ho buat tomac iha rai, ba sira
hadomi mós ita liu tomac.
Ita aman ho ita inan há’e ita bêlun di’ac liu.
Sira hanoin de’i ita atu labele hetan aat ida.
Sira cole hodi terus atu hakiac ita, mai bé la hanoin cole ho terus; hanoin de’i ita atu
la curan buat ida. (...)”.
PAI E MÃE
“Devemos amar nosso pai e nossa mãe mais que as outras pessoas e que tôdas as
coisas que há, no mundo, porque êles também nos amam mais que tudo.
Nosso pai e nossa mãe é que são os nossos melhores amigos.
Eles só cuidam de nós para que não nos possa acontecer algum mal.
236
Eles cansam-se e sofrem para nos sustentar, mas não pensam em trabalhos nem
sofrimentos, pensam só em que nada nos falte. (...)”.
ESCOLA
“Ita aman ho ita inam haruca ita mai escola, atu hanourin an hodi hatene buat di ‘ac
ua’in.
Ita sei hacara duui atu hanourin an; sei rona ho neon lia tomac na’i mestre hanourin;
sei estuda ho laran di’ac, hodi hacara, atu hatene lailais, atu bá hi’as ita uma tulun ita
aman ho ita inan.
Labaric sira la mai escola, beic nafatin, la hatene buat ida; ema toma bele boçoc sira.
Mai bé sei hanoin há’ac ita la mai escola atu loco an, atu hatene tuir lós ita cnaar,
hodi halo di’ac bá ema seluc. (...)”.
A ESCOLA
“Nosso pai e nossa mãe mandam-nos à escola para nos instruirmos e para
sabermos muitas coisas boas.
Devemos, pois, ter vontade de aprender; devemos ouvir com atenção tôdas as
palavras que o senhor professor ensina; devemos estudar com vontade e fazer por
aprender depressa, para irmos de novo para casa ajudar nosso pai e nossa mãe.
Os meninos que não vêm à escola (ficam) sempre ignorantes, não sabem coisa
alguma, tôda a gente pode enganá-los, mas devemos pensar que não vimos à
escola para sermos vaidosos e nem para sabermos enganar as pessoas, vimos
aprender a cumprir bem os nossos deveres e a fazer bem a tôda a gente. (...)”.
**** Noções de gramática galóli, com edição em 1900, da autoria do Padre Manuel
Maria Alves da Silva
15. Da conjuncção
45. E, ho; também, etan, ho; pois, doi illan, elilan; assim como, elle, ... elle, ou, é,
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mas mae; d’outra sorte, é contra, áèn sélluco; logo, pois, ensacá; portanto, por
conseguinte, elilan, do’i illan, elilan do’i; por isso, porque, pois, pois que, do’i illan bè,
imbè, ne’e illan.
Ex.: Deus manda que façamos o bem para irmos para o Céo, Baibei deus sóban
guita tuna lálan noco la’a mia Lânit.
16. Exercicios
46. Eu e tu iremos juntos, ga’u ho go toco la’a cu’ac, ou toco la’a dáas.
Tambem elle quer ir, ni etan mui noco la’a.
(...)
19. Da pronuncia
51. As lettras tem a mesma pronuncia que em portuguez tanto as que têm accento,
como as que o não têm.
52. As palavras que em portuguez, em razão da sua etymologia, se escrevem com
certas lettras que são desnecessarias para a pronuncia, passando para galoli,
escrever-se-hão a orthographia sonica. Ex.: ora (hora); sucéde (succede); istoria
(historia).
53. Quando apparecer repetida a mesma vogal, sendo a primeira longa, a pronuncia
da 2ª. é indistincta, devendo prolongar-se aquella como se tivesse o valor de duas
da mesma natureza. Ex.: iháate (quatro) etc.; exceptua-se d’esta regra inéen (seis) e
as lettras que tiverem entre si a virgula em cima ( ‘ ): como le’i – aqui etc. ca’a ba,
vamos lá.
54. A – final das palavras é brando, como em portuguez a ultima lettra de toda. Ex.:
Rala, tomar.
55. O – final é mudo, como: uno, beijar.
56. E – final é mudo, como: ilate, espingarda, como se se escrevesse ílat.
57. I e U – têm o som natural. Ex.: icluni, travesseiro; iáhu, cinza; dau, barro
58. As consoantes têm a mesma pronuncia que em portuguez, excepto o h que
238
181
As palavras que em portuguez têm s entre vogaes valendo z, e passam para galoli, deviam
escrever-se todas com um z; mas pelo habito de as escrever em portuguez, muitas escaparam com s;
o mesmo deve dizer-se das palavras, beli, ilan, nahula, que quasi sempre se escrevem com lettra
dobrada, pelo habito de as escrever assim, seguindo a maneira de escrever portugueza.
239
de i, e por ç antes de a, o, u.
67. Adoptou-se um signal que servirá para ferir gutturalmente a syllaba que estiver
antes, é – uma virgula em cima ( ‘ ). Ex.: ran’an, comer ; illan do’i, isso mesmo.
Somente ouvindo-se e com a pratica se pode produsir este som.
FIM.
DOUTRINA CHRISTÃ
Saráni cátac sá
(Que quer dizer Christão)