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Sabedoria
Revista bimestral do Templo Tzong Kwan – Mês. Janeiro 14
Volume 73
A Visão do Centro
Introdução ....................................................................................... 6
O observador ................................................................................. 10
O pensamento ............................................................................... 13
O apego ......................................................................................... 14
Meditação ...................................................................................... 19
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TZONG KWAN
A Visão do Centro
Marco Defensor de Moura
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Introdução
6
As cargas mentais
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Conceituando nossas experiências
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A visão ilusória
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A cobiça é o desejo excessivo que surge nessa mente, que busca
impulsivamente uma satisfação para os vícios e apegos que ela mesmo
criou. A ira é o estado de aversão excessiva da mente perante algo que
vai contra a sua satisfação. Das inúmeras combinações desses três venenos,
surgem todos os males da mente que nos fazem sofrer.
Todas as ações originárias da mente envenenada pela cobiça, ira e
ignorância geram consequências das quais não podemos escapar. O
veneno impregna o corpo, a fala e a mente, de modo que a energia
envenenada que se investe na intenção é a mesma que move a ação e
que está contida no efeito. É a chamada lei do karma
karma, entendido como
a ação intencional que não está separada do efeito, que pode manifestar-
se imediatamente ou muito tempo depois. São como sementes plantadas
e que dão frutos em seu devido momento, de acordo com as condições
propícias. Ações meritórias geram resultados favoráveis, ações destrutivas
geram resultados desfavoráveis.
O observador
Sabemos que a visão do observador não é límpida, que existe uma tela
mental que é projetada naquilo que está diante dele. Essa tela mental é
formada por experiências prévias registradas em sua memória. Mais do
que um observador, é um projetor. Sabemos também que a sua mente é
mais apurada para os fenômenos associados a conteúdos emocionais
intensos do que para experiências sutis. O observador vê, identifica e dá
nome àquilo que observa, ficando a experiência registrada em sua mente.
Mas quem seria o observador? É aquele que vê, sente, vivencia, memoriza,
pensa. O observador é o observado. Não é possível separar o observador
do conteúdo que observa, da sua visão, do pensamento, da emoção, da
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respiração. Tudo isso que o observador supõe como sendo parte dele é
chamado de ego
ego. É o que consideramos ser o “eu” - o corpo, seus
processos, o registro de tudo o que o observador já passou e que identifica
como sua própria experiência; tudo aquilo que ele acredita, sua ideologia,
seu potencial, etc. O ego, portanto, não é uma entidade real, é uma
identificação de processos mentais.
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Por exemplo:
1) Vejo uma maçã e sinto o seu aroma;
2) Ocorre uma sensação agradável;
3) Isso me remete à lembrança da infância, do pomar de maçã que
havia em casa e do prazer em reunir-me lá com a família. Quero essa
sensação e reconheço que essa maçã pode me satisfazer;
4) Começo a salivar, libero neurotransmissores e o meu corpo se prepara
para a ação de pegar e saborear a maçã;
5) Tomo consciência do gosto e me convenço que a minha experiência
com a maçã faz com que eu sinta prazer. A maçã passa a fazer parte
daquilo que classifico como bom.
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A partir do mundo limitado das formas, não é possível conceber a
realidade que está além da forma. Tudo fica condicionado à presunção
do ego, ou seja, à nossa impressão particular dos fatos.
O pensamento
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presente sem se dispersar, dando continuidade à vivência do momento
com atenção plena.
O apego
Lidar com a mente é como equilibrar-se o tempo todo para não deixá-
la criar apego. Qualquer apego, mesmo ao centro, tira a estabilidade. O
equilíbrio não é estático, é dinâmico, pois a vida é móvel. Podemos
balançar, só não podemos sair do eixo. A vida está em movimento e segue
propondo mudanças desafiadoras. Se você fixa a sua mente, você a
ancora e é atropelado pelas circunstâncias. É como tentar capturar o vento,
que é móvel. Se você captura o vento em suas mãos, você não pega
nada, pois destrói o movimento. O momento presente é movimento, não
pode ser capturado pela mente. Se você achar que capturou o momento
presente, o que você ganhou foi um problema: o apego a uma forma
ilusória. O apego é uma carga a mais em sua jornada e o pior, você mesmo
o cria e nutre.
O apego consome a energia mental dos pensamentos e emoções
para criar a ilusão que sustenta a sua permanência. Ele encontra muitas
artimanhas para conseguir chamar atenção de modo que a energia men-
tal seja desviada para seus fins. Ele se apresenta de forma oscilatória: ora
como uma recompensa, quando você faz o que ele quer; ora como uma
adversidade, esperneando quando o seu desejo não é atendido. Não tem
saída. Existe um ditado popular: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho
come”. É o próprio apego.
Porém, a adversidade é apenas uma estratégia que esse “bicho” ilusionista
se utiliza, manipulando pensamentos e emoções para simular uma situação.
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Ela não é real, mas se você a encara como um fato, ela te derruba. Sob
o comando do apego, a mente cria a ilusão de Maya; se adentrarmos nos
seus domínios, seremos capturados. É uma armadilha. A tela de Maya se
abre e perdemos a visão dos fatos. Nem lutar contra, nem se apegar -
qualquer atenção demasiada só reforça a ilusão, atribuindo um caráter
real à adversidade. O dinamismo da vida faz com que ocorram turbulências,
comumente vistas como obstáculos fixos. Os obstáculos são dejetos do
passado, são um conjunto de crenças que a mente segura como que
catando pedras no caminho, das quais o apego se apropria para fazer o
seu ilusionismo. Sem assumir a forma aparente como fixa, basta contornar
e seguir em frente como a água corrente: moldável e flexível. Com atenção-
plena ao momento, a mente ilusória não acha brecha para se instalar
com todo o seu rastro de confusão. O apego enfraquece e se esvai.
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devamos ter apenas experiências “mornas” para que não se formem registros
que distorcem a realidade. Não é isso. Estamos expostos a situações sutis
e extremas, mas podemos manter-nos de forma centralizada e imparcial,
sem nos prendermos às aparências.
Para nos mantermos no eixo, precisamos deixar a mente em seu devido
lugar. Sabemos como a mente cria os rótulos, o pensamento e todo o seu
drama de conceituações diante do fato observável e das sensações. Ok,
é o sistema dela - capturar a forma, fantasiar em cima e depois registrar
em forma de conhecimento. Dizem que “o que os olhos não vêem o
coração não sente”. A forma que vemos é uma suposição. Sem forma
captada pelos olhos (órgãos dos sentidos), nem sensação pelo coração,
não há bases para construções mentais elaboradas no mundo de fantasia
da mente. Se reconhecermos como o mecanismo mental é limitado e
falho, podemos não nos apegar a ele. O que também não significa negar
a mente.
No budismo, fala-se muito sobre o caminho do meio
meio.. O príncipe
Siddhartha Gautama, antes de tornar-se o Buddha, vivenciou dois extremos:
o luxo da vida palaciana e as torturas de práticas espirituais da Índia, que
repudiavam o prazer do corpo. Na jornada pelo despertar da visão
iluminada, ele abandonou os extremos e seguiu o caminho do meio. Ele
percebeu que sem o devido cuidado ao corpo, não seria possível despertar
a mente. Sem a devida atenção à mente, o corpo se desintegraria e a
mente sofreria. Buddha teve esse insight ao comparar a prática espiritual
com um instrumento de cordas: se as cordas estão afrouxadas demais,
não produzem som; se são tensionadas demais, arrebentam; nem frouxas,
nem tensas, produzem um som agradável. Portanto, é preciso lidar com a
mente de forma equilibrada.
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As quatro nobres verdades
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a impossibilidade de nos proporcionar uma felicidade incondicional. Ou
seja, uma vez que tudo é originário da lei de causa e efeito, nada possui
uma existência independente; portanto, tudo cessa no momento em que
a causa de sua originação e de seu sustento cessarem. Todo o sofrimento
é causado pelo apego aos desejos centrados em um “eu” independente.
Esse “eu” é fruto da crença em uma entidade contínua que pensa, sente e
identifica-se com suas experiências do decorrer da sua vivência. Sustentamos
essa identidade com forte apego, alimentando os seus padrões viciosos e
procurando satisfazer os seus desejos. A origem da insatisfação é o apego
às condições transitórias e ilusórias do “eu”, desejando que sejam
permanentes.
3) É necessário lidarmos com essa mente imperfeita a partir de uma
perspectiva livre e não através dos pensamentos condicionados pela sua
visão subjetiva da realidade. Ao nos desapegarmos dos desejos formados
a partir dessa construção mental fictícia, nos esvaziando da ilusão do eu,
experimentamos o nosso estado natural e pleno de ser. A vida em si não é
sofrimento, que surge ao nos apegarmos ao que é impermanente e ilusório.
Ao despertarmos a mente para ver a realidade como ela é, nos libertamos
de todo o sofrimento.
4) O caminho para a liberação do ego é a prática em meio ao cotidiano
dos três treinamentos superiores
superiores: conduta compassiva (shila),
concentração (samadhi) e sabedoria (prajna).
Tendo em mente que a ignorância resulta em apego e sofrimento, é
necessário que abandonemos a visão equivocada, dando lugar à
sabedoria
sabedoria. Assim, vemos claramente a lei de causa e efeito operando
em todos os níveis, observando o surgimento e a cessação dos fenômenos.
Para isso, é preciso nos desapegarmos do nosso ponto de vista particular. A
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habilidade em desapegar-se requer o treinamento da concentração
concentração. A
concentração, por sua vez, é facilitada pelo cultivo de hábitos que não
sejam ego-centrados, que sejam íntegros mesmo em meio às aparências
que podem iludir o nosso discernimento. A conduta compassiva é o
que nos envolve na vida como um todo, beneficiando todos os seres e
manifestando a essência do coração a partir de um sentimento de
comunhão incondicional.
Meditação
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contra, os pensamentos gradualmente perdem a força e não mais afligem
a mente.
Com a observação contínua da respiração, a mente permanece
conectada ao corpo mantendo o fluir do momento presente. Sem uma
quebra na atenção, não existe brecha para a racionalização da sua
experiência. Com o sentido de presença, a mente permanece em um
estado sereno e livre de obstáculos. Vivencia o momento sem dramas -
somente a observação pura dos fatos, sem suposições e sem
sentimentalismos.
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Imagine a quantidade de coisas que só existem no mundo da
potencialidade e que ainda não foram reveladas na existência. Os nossos
olhos são enganados por algo que vemos pronto, do qual desconhecemos
o processo de originação.
Sobre a origem do “eu”, já vimos que o “eu” não é uma entidade, assim
como nada o é. Vendo a partir do centro, o “eu” não nasceu nem não
nasceu. Como a concepção da forma surge a partir do potencial da
mente junto aos órgãos dos sentidos, tudo o que concebemos já existia
em potencial oculto na mente. Temos capacidade de conceber inúmeras
possibilidades de formas. Uma das principais obras budistas, o Sutra do
Coração da Perfeição da Grande Sabedoria, ensina como as formas são
vazias. Tudo o que a mente reconhece como existente de um lado tem
raiz em sua contraparte inaparente do outro lado. A cabeça não pode
fugir da cauda - nada está separado. Só identifico o “eu” porque concebo
o “outro”. Só noto o surgimento do visível porque antes era invisível. Só
reconheço o claro porque concebo o escuro, mas ambos são a mesma
realidade; são apenas diferentes concepções daquilo que reconheço como
luminosidade. A ilusão óptica da mente faz com que ela conceba
realidades distintas, mas em essência, trata-se de um grande vazio, sem
uma existência independente do olhar. É mente-dependente. Não nascido,
não morto; não existente, não inexistente. Chama-se sunyata
sunyata, traduzido
como “vazio”, mas cujo significado vai muito além da compreensão
intelectual. Escapa aos domínios da mente. A visão do centro em sua
magnitude é a visão do vazio.
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A visão além do centro
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Sutra do Coração da Perfeição da Grande Sabedoria
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Prajnaparamita, o Bodhisattva Avalokitesvara compreendeu que a concepção
da realidade a partir do “eu” - um agregado de ideias personificadas - é fictícia,
portanto, desmoronou-se o equívoco. Sem mais sofrimentos inventados.
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Sem ignorância e sem fim à ignorância. Sem velhice e morte e
sem fim à velhice e morte. Sem sofrimento, sem causa, sem
cessação e sem caminho. Sem sabedoria e sem ganho.
Comentário: A diferenciação é ilusória, portanto os instrumentos e mecanismos
diferenciatórios também o são.
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A Revista Tzong Kwan é uma publicação bimestral, de distribuição gratuita e sem fins
lucrativos.
Doamos mais esta edição feita com todo amor e carinho desejando que ela possa
iluminar todas as pessoas que com ela tiverem contato, fazendo com que se afastem
para viabilizar esta edição; e aos que doaram recursos para que a revista fosse impressa.
Namo Amitofo!!
Expediente
Diagramação e Layout : Carolina Castilho
Colaboradores: Sra. Ana Maria N. Hernadez, Sr. Henrique Pires,, Sr. Lu e Sr. Marco
Moura
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Quadrinhos: Xuanjian de Deshan (780-865) -Parte 4 1) Longtan subtamente
totalmente as forças básicas do mundo é como uma gota num imenso abismo. 4) Somente
quando a luz externa se apaga, nossa luz interna brilha.. Somente quando nos livramos das
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