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FÓRUM EDUCAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO • QUAL SERÁ O FUTURO DAS FÁBRICAS DE ADMINISTRADORES?

QUAL SERÁ O FUTURO DAS


FÁBRICAS DE ADMINISTRADORES?
RESUMO
O ensino de graduação em Administração no Brasil caracterizou-se, desde seu início, pela transferência
de tecnologia de gestão, principalmente norte-americana, e posteriormente pela desvinculação das
atividades de ensino e pesquisa. Está experimentando, ao longo da última década, uma expansão sem
precedentes. Os resultados, no entanto, deixam muito a desejar.
Estruturadas a partir do ideário da “gerência científica”, as escolas podem ser comparadas a fábricas, e os
bacharéis em Administração, a produtos. Esse “padrão de produção”, no entanto, contradiz a opinião de
mestres consagrados, como Paulo Freire e Guerreiro Ramos. Sendo assim, este ensaio busca verificar
quais são as chances de sobrevivência do modelo de ensino em uso.

Alexandre Nicolini
Universidade Cândido Mendes - UCAM

ABSTRACT The under-graduate level teaching of Business Management is, in Brazil, a fairly recent event. Given the importance of this field of
knowledge as a strategic tool for the development of the nation and its organizations, an investigation into the public policies regarding the
teaching of Business Management becomes highly necessary. This paper seeks to analyze the policies which have already been implemented and
those that are now being proposed by the Comissão de Especialistas de Ensino de Administração (Commission of Specialists of Business Management
Study), as seen through the eyes of highly acknowledged educators who are deeply committed to the development of the nation.

PALAVRAS-CHAVE Ensino; Administração; graduação; políticas públicas; conhecimento.


KEY WORDS Undergraduate; public policies; business management; knowledge; teaching; Brazil.

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INTRODUÇÃO neiro, na Escola Álvares Penteado, e em São Paulo, na


Academia de Comércio. O ensino não era regulamenta-
O Brasil vive, neste início do século XXI, um período do, o que só veio a acontecer em 1931, com a criação
de intensas mudanças: privatizações e concessões nas do Ministério da Educação e a estruturação do ensino
áreas em que antes atuava o governo empresário, fusões em todos os níveis. Na área dos estudos universitários,
de empresas nacionais com empresas estrangeiras, fu- é criado o Curso Superior de Administração e Finanças.
sões entre empresas brasileiras a fim de enfrentar a con- Esse curso diplomava os bacharéis em Ciências Econô-
corrência global. Novos empreendimentos surgem, des- micas, ainda que com forte preocupação quanto à capa-
tinados a explorar segmentos de mercados emergentes citação administrativa dos novos profissionais.
ou reforçar a concorrência nos que já existem. Mais do Nessa época, a consolidação dos cursos superiores em
que simples negócios, toda essa movimentação trans- Administração ainda estava a três décadas de sua regu-
forma profundamente o comportamento de três atores lamentação. Porém, a mudança e o desenvolvimento da
fundamentais: o capital nacional, o capital estrangeiro e formação social brasileira a partir da Revolução de 1930
os governos, em todas as suas esferas. demandavam a preparação de recursos humanos, na for-
Em um momento como este, é fundamental que se pos- ma de técnicos e tecnólogos de várias especializações,
sa contar com administradores, públicos ou de empresas, assim como métodos de trabalho mais sofisticados. Eram
que deverão ser capazes de romper com as antigas regras necessidades criadas pelo crescimento econômico, pelo
de um país onde concorrência e risco não faziam parte dos desenvolvimento de infra-estrutura social e pela infra-
negócios; administradores que devem ter visão para estrutura nascente de transportes, energia e comunica-
(des)regular com isenção os mercados que se abrem e que ções. Esse processo de transformação trouxe em seu bojo
sejam capazes de otimizar ao máximo o capital investido a formação de grandes conglomerados industriais e um
nesses mercados. Dessa forma, o efeito multiplicador gera- Estado como agente no processo de desenvolvimento
do por esse capital não se perderá nos costumeiros desper- econômico e social (Mezzomo Keinert, 1996, p. 4).
dícios – gerados tanto por métodos de gestão antiquados Na propagação de métodos mais sofisticados nas ciên-
como pelo excesso de regras – que estamos acostumados a cias administrativas destacou-se o Instituto de Organiza-
ver, na prática ou descritos pela imprensa. ção Racional do Trabalho – Idort –, fundado em São Paulo
A pesquisa empreendida para a consecução deste en- em 1931. Dentre suas atribuições estava a divulgação dos
saio, além das dificuldades naturais, escondia outras sur- teóricos da administração científica e clássica e de seus
presas. A diminuta produção científica, na forma de livros métodos, objetivando o aperfeiçoamento do desempenho
ou trabalhos científicos, sobre a formação em Administra- gerencial dos profissionais e a solução de problemas liga-
ção é surpreendente. A quantidade de pareceres analíticos dos à racionalização da administração das empresas em
sobre o ensino de Administração resume-se ao mínimo geral (Conselho Federal de Educação, 1993, p. 289).
necessário. E a documentação que conta a história dos acor- Também inserido no processo de propagação do
dos que propiciaram o início do estudo de Administração ideário da “gerência científica”, a criação do Departa-
no Brasil é escassa e carente de sistematização. mento de Administração do Setor Público – DASP – em
Dessa forma, a análise bibliográfica contida no texto 1938 enseja a modernização do Estado brasileiro, orga-
foi quase que exclusivamente desenvolvida a partir da nizando seu pessoal, material, orçamento, sua organi-
leitura de obras que abordavam temas conexos. A análi- zação e seus métodos, de acordo com as características
se documental foi feita diretamente nas leis, portarias, burocráticas weberianas e as teorias da administração
propostas, resoluções e pareceres sobre o ensino uni- de Taylor e Fayol (Mezzomo Keinert e Vaz, 1994, p. 5).
versitário em geral e sobre o bacharelado de Adminis- Originada no DASP, a Fundação Getulio Vargas – FGV –
tração em particular. foi instituída em 1944 com o objetivo de preparar pessoal
especializado para a administração pública e privada.
Foram estabelecidas, assim, as condições e motiva-
O ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL ções para a criação de cursos com ênfase na “gerência
científica” que formassem a burocracia especializada
Os primeiros anos, com tecnologia estrangeira requerida para o desenvolvimento do país (Covre, 1991,
Os primeiros cursos de que se tem notícia no Brasil p. 59). A difusão e a aplicação desse ideário tornaram-
datam de 1902, quando passam a ministrar o estudo da se as razões principais para que governos e empresas
Administração duas escolas particulares: no Rio de Ja- demandassem administradores, ou seja, técnicos capa-

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zes de produzir e gerir grandes e complexas organiza- caracterizado como uma transferência de tecnologia de-
ções burocráticas. senvolvida nos Estados Unidos.
A intensificação do uso de modelos estrangeiros na O momento histórico que vivia o país àquela época
estruturação das organizações brasileiras e do ensino de era propício para a difusão dessa tecnologia. Se o surgi-
Administração tornou-se mais forte em 1948, quando mento do ensino de Administração é resultante do de-
representantes da FGV visitaram diversos cursos de senvolvimento econômico do governo de Getulio Vargas,
Administração Pública sediados em universidades nor- um grande incentivo dado à expansão desse ensino foi
te-americanas, como resultado da cooperação técnica o surto industrializante no qual ingressou o país sob o
Brasil-Estados Unidos estabelecida após o fim da Segun- comando de Juscelino Kubitschek, décadas mais tarde,
da Guerra. Dos encontros entre esses representantes e que havia criado uma enorme demanda por profissio-
professores norte-americanos nasceu em 1952, no Rio nais que pudessem atuar nas organizações que se insta-
de Janeiro, a Escola Brasileira de Administração Pública lavam e progrediam, no ambiente de intensas mudan-
– EBAP –, destinada à formação de profissionais especia- ças econômicas que vinham ocorrendo. Era necessária a
listas para a administração pública. Dois anos mais tar- profissionalização dos quadros das empresas brasileiras.
de, a mesma FGV criaria a Escola de Administração de A complexidade e o tamanho de suas estruturas deman-
Empresas de São Paulo – EAESP. Na capital econômica davam a utilização crescente da técnica e isso tinha tor-
e coração da iniciativa privada no país, a escola desti- nado fundamental o treinamento de profissionais para
nou-se a formar profissionais especialistas nas moder- executar diferentes funções no interior das organizações.
nas técnicas de gerência empresarial, atendendo assim
às expectativas do empresariado local (Comissão de Es- A expansão, desvinculada da pesquisa
pecialistas de Ensino de Administração, 1997, p. 23). O primeiro precedente para a regulamentação e poste-
A influência estrangeira no ensino de Administração rior expansão do ensino de Administração no Brasil foi a
torna a se manifestar, de forma mais vigorosa, em fun- criação da categoria de “técnico em Administração”, que
ção do convênio firmado em 1959 entre os governos torna o exercício da profissão privativo “dos bacharéis em
brasileiro e norte-americano, instituindo o Programa de Administração Pública ou de Empresas, diplomados no
Ensino de Administração Pública e de Empresas. Tal Brasil, em cursos regulares de ensino superior, oficial, ofi-
convênio, que beneficiou a EBAP, a EAESP, o DASP e as cializado ou reconhecido, cujo currículo seja fixado pelo
universidades federais da Bahia e do Rio Grande do Sul Conselho Federal de Educação” (Conselho Federal de Ad-
– UFBA e UFRGS, respectivamente –, enfatizava a ne- ministração, 1994, p. 40). Dessa forma, em 8 de julho de
cessidade de formar professores para o ensino de Admi- 1966, o Conselho Federal de Educação regulamentou o
nistração Pública e de Empresas, visando dotar o gover- ensino de Administração por meio de resolução não nu-
no e a área privada de técnicos competentes para pro- merada (Conselho Federal de Educação, 1991, p. 49), fi-
moverem o desenvolvimento econômico e social. xando o conteúdo mínimo e a duração para o curso.
As escolas da FGV foram designadas como centros de A EAESP, um centro de treinamento e intercâmbio na
treinamento e de intercâmbio, sendo encaminhados bol- área de negócios, logo se tornou uma referência para a
sistas de Administração Pública da EBAP e bolsistas de expansão dos cursos de Administração no país, pois sua
Administração de Empresas da EAESP, para estudos de proposta adaptava-se ao estilo de desenvolvimento bra-
pós-graduação e formação de quadro docente próprio, sileiro, que privilegiava as grandes empresas produti-
respectivamente à University of Southern California e à vas, principalmente as estrangeiras e as estatais. Forma-
Michigan State University. Também do DASP, da UFBA da nos melhores moldes das business schools norte-ame-
e da UFRGS foram enviados bolsistas, resultando, final- ricanas, onde as grandes empresas já eram realidade
mente, na criação de cursos de Administração Pública desde a Segunda Revolução Industrial, tinha como refe-
nessas duas últimas instituições (Fischer, 1993, p. 11). rencial teórico bibliografia norte-americana e abrigava
O país também recebe uma missão de professores nor- o primeiro currículo especializado em Administração de
te-americanos, especializados em administração públi- Empresas do país (Motta, 1983, p. 53).
ca e de empresas, que foi responsável pelos programas Com essa referência e outras, também importantes,
de ensino de Administração em implementação no país, como a EBAP e a Faculdade de Economia e Administra-
missão que só terminou em 1965 (Comissão de Especi- ção da Universidade de São Paulo (FEA-USP), cujos cur-
alistas de Ensino de Administração, 1997, p. 23). As- sos de Administração Pública e de Empresas haviam sido
sim, o ensino de Administração, recente no Brasil, fica criados em 1964, o ensino de graduação desenvolveu-se

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rapidamente no Brasil. É importante notar, entretanto, perior do Ministério da Educação (SESu-MEC) com o
que, se em um primeiro momento a criação dos cursos propósito de produzir um anteprojeto de Reformulação
deu-se no interior de instituições universitárias, fazendo Curricular dos Cursos de Administração em 1982, a
parte de um complexo de ensino e pesquisa (Comissão proposta de reformulação foi apresentada apenas uma
de Especialistas de Ensino de Administração, 1997, p. década depois, ainda que o mundo estivesse passando
25), esse modelo logo foi abandonado. A regulamentação por profundas transformações nos anos 1980.
do ensino e posteriormente o “milagre econômico” abri- A discussão das reformas finalmente ocorreu durante
ram um grande campo para os bacharéis em Administra- o Seminário Nacional sobre Reformulação Curricular dos
ção, e com incentivo governamental essa demanda foi Cursos de Administração, na Universidade Federal do
atendida, formando profissionais em faculdades isoladas Rio de Janeiro, de 28 a 31 de outubro de 1991. Nesse
e privadas – características do processo de expansão do encontro, foram reunidos 170 cursos de Administração
ensino superior no país. Assim, de acordo com o Minis- de todo o país, concluindo pela apresentação de pro-
tério da Educação e do Desporto, eram 31 cursos em 1967, posta formal de um currículo mínimo a ser submetido à
que evoluíram para 177 cursos em 1973. Posteriormen- aprovação do Conselho Federal de Educação. Mas, na
te, com a continuidade dessa política, nos anos 1980 eram avaliação de Monteiro Jr. (1995, p. 84), “resultou dos
245 cursos. Em 1990 evoluiu-se para 330 cursos, e, se- debates e discussões acalorados e prolongados a monta-
gundo o censo do MEC, em 1998 já eram 549 escolas de gem de um novo currículo mínimo, aperfeiçoado e mo-
Administração. A maior parte (57,6%) era de instituições dernizado, é verdade, mas ainda longe de retirar as Es-
não-universitárias (Instituto Nacional de Estudos e Pes- colas de Administração da trilha tradicionalista”. Esse
quisas Educacionais, 1998(a), p. 9). novo currículo mínimo é fixado pelo Conselho Federal
Um fator importante para a evolução desmedida do de Educação em 4 de outubro de 1993, por meio da
crescimento da graduação em Administração era que “a Resolução n. 2 /97, e permanece vigente até hoje.
abertura dos cursos apresentava-se vantajosa, uma vez que A promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da
poderiam ser estruturados sem muitos dispêndios finan- Educação Nacional (LDB) em 20 de dezembro de 1996,
ceiros” (Comissão de Especialistas de Ensino de Admi- no entanto, vem iniciar um novo processo de discussão
nistração, 1997, p. 25), pois não eram necessários inves- do ensino superior, em Administração e em outras áreas.
timentos vultuosos em laboratórios sofisticados e nem Pelo Parecer n. 776 /97, o Conselho Nacional de Educa-
qualquer outro refinamento tecnológico. Motta (1983, p. ção torna a conclamar as áreas a formular as diretrizes
53) acrescenta que “a maior parte das escolas utiliza pes- curriculares específicas para cada curso de graduação.
soal mal preparado e que, face à retribuição que recebe, Mobilizada por essa nova situação, a área de Administra-
não teria mesmo condições de se aperfeiçoar”. ção responde em 23 e 24 de abril de 1998, em Florianó-
Desvinculado do processo de construção científica, polis, com o Seminário Nacional sobre Diretrizes Curri-
não é de espantar que o ensino de Administração per- culares para os Cursos de Graduação em Administração.
manecesse inalterado em sua legislação por 27 anos, Esse evento, seguido por outros menores com caráter re-
insensível às mudanças por que passava o mundo. Al- gional, serviu para analisar e discutir as novas propostas
gumas dessas mudanças – como o choque do petróleo, de diretrizes curriculares para os cursos de Administra-
a revolução microeletrônica, o surgimento acelerado de ção. Sistematizadas, essas propostas estão hoje sob apre-
novas tecnologias e a globalização econômica – acaba- ciação do Conselho Nacional de Educação.
ram por modificar, de forma irreversível, o mundo das
organizações. Transformaram profundamente a forma da
realização de negócios e o posicionamento dos gover- A BASE FABRIL DO MODELO DE ENSINO ATUAL
nos, sendo denominadas “ondas de choque” (Albrecht,
1994, p. 6). Devido a essas “ondas”, a área de estudos A linha de montagem
organizacionais foi brindada com um fim de século par- Ainda que se considere a regulamentação atual dos
ticularmente agitado. As mudanças sucederam-se em um cursos de Administração pouco flexível, é fato que a
ritmo alucinante, no melhor “efeito dominó” provavel- grande maioria das escolas no Brasil não tem inovado
mente já registrado pela história. muito quando o assunto é o bacharelado. A ausência de
A rapidez dessas alterações não assustou, porém, os originalidade das propostas, conforme já discutido, alia-
educadores em Administração. Apesar da constituição do à rigidez da lei que regulamenta a área, traduz-se em
de um Grupo de Trabalho pela Secretaria de Ensino Su- uma formação homogênea e sem espaço de destaque para

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a produção científica. Nas palavras de Martins et al. ção, Administração Financeira e Orçamentária, Admi-
(1997, p. 239): “É bastante comum a prática de repetir nistração de Recursos Materiais e Patrimoniais e Orga-
o currículo mínimo preconizado pelo Conselho Federal nização, Sistemas e Métodos. Nessa formação, trabalha-
de Educação. (...) Comete-se assim o pecado de supor se para construir no estudante o domínio das áreas téc-
que, em tema tão amplo como a administração, é possí- nicas consideradas como de âmbito exclusivo dos ad-
vel e desejável o domínio de todas as suas áreas de apli- ministradores e que compõe o campo do saber adminis-
cação e, ainda pior, ignoram-se ou violentam-se as pre- trativo propriamente dito. É quando se constrói toda a
ferências e vocações de cada formando”. base técnica do administrador e se manipulam as ferra-
Sendo assim, completamente despersonalizado e fiel mentas minimamente necessárias para a habilitação e o
ao currículo mínimo (Conselho Federal de Educação, exercício da profissão.
1993, p. 295), o ensino serve tão somente para a pro- Depois, vêm as disciplinas eletivas e complementares:
dução em massa de bacharéis, e as escolas de Adminis- busca-se uma ênfase na formação, seja ela generalista ou
tração, como estão estruturadas, mais se parecem com especializada. Essa última etapa, conforme o próprio tí-
uma fábrica do que com um laboratório. Pode-se traçar tulo demonstra, não apresenta necessariamente um for-
a seguinte analogia: as escolas recebem a matéria-prima mato definido, sendo utilizada para promover o contato
(o aluno) e a transformam, ao longo da linha de monta- com disciplinas conexas à Administração ou enfatizar uma
gem (o currículo pleno), em produto (o administrador), área do conhecimento já discutida durante o curso. É tam-
conforme o gráfico 1. bém o espaço para adequar o currículo pleno às caracte-
Nos primeiros períodos, estão as disciplinas da for- rísticas de cada escola e às vocações regionais.
mação básica e instrumental, a base que sustentará o Finalmente, dá-se o estágio supervisionado. Ele foi
todo: Economia, Direito, Matemática, Contabilidade, concebido para verificar a aplicação dos conhecimentos
Filosofia, Psicologia, Sociologia e Informática. Espera- adquiridos pelos alunos que a ele se submetem. Embo-
se, nessa formação, fundamentar no futuro administra- ra obrigatório, sofreu diversas disfunções desde sua re-
dor a compreensão e as aplicações das ciências sociais gulamentação, perdendo seu objetivo e forma original.
que dão base à Administração, bem como o desenvolvi- Mesmo que essa lógica inerente ao processo de forma-
mento das habilidades matemáticas necessárias para ção do administrador pareça obsoleta, é perfeitamente com-
quantificar e especular. É uma preparação necessária, preensível sua concepção. Os grandes expoentes do ensi-
segundo a lógica presente na lei, para a próxima fase. no de Administração no final do século XX, sem nenhum
Nos períodos seguintes, são ministradas as discipli- demérito a essas figuras, ainda são os pensadores clássi-
nas da formação profissional que tornarão o adminis- cos, como Frederick Taylor, Henri Fayol e Henry Ford. A
trador capaz de operar dentro de sua área: Teorias da formação do administrador apenas obedece à lógica pro-
Administração, Administração Mercadológica, Adminis- posta por eles. Mesmo que revistos sob um enfoque
tração de Recursos Humanos, Administração de Produ- sistêmico, representam todo um referencial teórico cujas

Gráfico 1 – A “linha de produção” do administrador.

Formação Disciplinas
básica e eletivas e
instrumental complementares

Aluno Currículo pleno Administrador

Formação Estágio
profissional supervisionado

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bases remontam à Revolução Industrial. Esse tempo, se toda atenção na definição das grades curriculares, na
ainda não foi superado, tem hoje suas principais caracte- falsa expectativa de que uma arrumação certeira condu-
rísticas sob profundos questionamentos. E essas caracterís- zirá a escola e seus futuros administradores pela direção
ticas acabam também por revelar o caráter tipicamente fa- almejada. O relator da regulamentação de 1993 já cha-
bril da formação do administrador, como veremos. mava atenção para o seguinte fato: “Na realidade, a enu-
meração que discrimina as matérias (o currículo) tem
um valor secundário dentro de uma correta filosofia
A DIVISÃO DO ESTUDO educacional: (...) cabe à metodologia escolar, procuran-
do reconstruir a experiência e sua organicidade, através
Tal como a sociedade da qual fazem parte, as organi- desse instrumento, o papel mais importante. Nessa orien-
zações vivem uma grande evolução desde o advento da tação, a multiplicidade das matérias tenderá a reduzir-
revolução industrial. Desde a prototípica fábrica de alfi- se a um repertório solidário, encaminhando-se no sen-
netes descrita por Smith (1981, p. 41), as organizações tido da unificação, e não da dispersão” (Conselho Fede-
experimentaram um notável aumento de sua complexi- ral de Educação, 1991, p. 41).
dade. Elas cresceram, diversificaram suas operações, adi- É a construção desse repertório solidário o grande
cionaram uma gama de novos trabalhos de forma a au- obstáculo do ensino de Administração e, provavelmen-
mentar o valor agregado de seus produtos, extrapola- te, também dos demais cursos superiores. O problema
ram seus limites nacionais e tornaram-se mais interde- fundamental dos currículos não é a ordenação das ma-
pendentes do ambiente que as abriga. térias que os compõem. É a inter-relação delas. A divi-
Estudar as organizações, por conseqüência, tornou- são do estudo e a fragmentação do saber ganham con-
se uma tarefa muito mais complexa. A solução encon- tornos preocupantes quando os mecanismos de intera-
trada para lidar com tal complexidade foi dividir esse ção entre as matérias são constantemente esquecidos,
estudo: fragmentar a organização em partes menores para ignorados ou mesmo desconhecidos.
que pudessem ser intimamente compreendidas, desco-
brir a inter-relação entre essas partes e, finalmente, reu- Especialização
nir a compreensão de todas as partes e a relação entre A divisão do estudo trouxe conseqüências desfavorá-
elas para buscar de forma racional a compreensão da veis. A mais direta delas foi a especialização e, em muitos
totalidade da organização. Essa opção pelo estudo em casos, a estagnação do campo de estudo dos professores.
separado de cada uma das partes que compõem o fenô- Tal como está previsto pelo currículo mínimo, a fragmen-
meno organizacional encontra sua origem na filosofia tação do estudo divide-o em formações específicas, e cada
de René Descartes, que defendeu a hipótese de que a uma delas divide-se em disciplinas teoricamente conexas.
compreensão de fenômenos complexos poderia aconte- Essas matérias, componentes básicos do curso, deveriam
cer a partir de sua redução em componentes básicos. obrigatoriamente manter relações entre si. Ainda que se-
Baseado no método cartesiano, o ensino de Adminis- jam estudos diferentes, deveriam observar caminhos con-
tração foi dividido desde sua primeira regulamentação, vergentes, atuar solidariamente no sentido de formar no
em 1966, em grupos de matérias. A regulamentação de aluno a visão de todo um campo do conhecimento, seja
1993, longe de alterar conceitualmente a primeira, dá ele geral ou especializado em sua área de interesse.
apenas um novo arranjo à divisão anterior. Cada uma Não é isso, entretanto, que acontece. As abordagens
dessas etapas de formação encerra um conjunto de disci- inerentes a cada disciplina são muitas vezes tão diferen-
plinas, e o conjunto total denomina-se currículo míni- tes quanto os professores que as lecionam, “o que se
mo. É a partir desse currículo mínimo que se desenvol- compreende a partir da estrutura universitária brasilei-
verá o currículo pleno, personalizado em cada escola, de ra, que provoca o isolamento dos especialistas” (Motta,
acordo – pelo menos teoricamente – com as especificida- 1983, p. 53). O estudante acaba prejudicado, porque o
des regionais e necessidades de desenvolvimento setoriais. isolamento torna o aprendizado penoso, confuso e pou-
Tenta-se, assim, construir uma linha de pensamento que co profícuo, e também os professores, que não se benefi-
leve à compreensão do fenômeno organizacional. ciam do contato com outros professores e pesquisadores.
Em conseqüência, a ordenação das disciplinas que Todas as disciplinas, principalmente as que não são
compõem o currículo pleno, bem como sua nomencla- diretamente relacionadas à área de administração, de-
tura, é ponto de pauta certo quando o assunto discuti- veriam ser estudadas cuidadosamente, buscando sua
do é a formação do administrador. Tem-se concentrado interação com o fenômeno administrativo, preparando o

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pensamento e o raciocínio do aluno para a compreensão cação, 1991, p. 41). Encara-se o futuro administrador,
das organizações de forma generalista. Esse é um aspecto no final do processo, como uma máquina que será ca-
destacado – e não observado – há mais de três décadas paz de operar – gerir e tomar decisões – dentro do que
pelo relator da primeira regulamentação: “O estudo das foi programada. Completa-se, assim, o ciclo de trans-
ciências auxiliares ou instrumentais em cursos profissio- formação do aluno em um técnico aplicador de tecnolo-
nais se orienta na direção desses e sob o impulso de suas gia estrangeira (Covre, 1991, p. 76).
motivações. É bastante corrente o fato de serem ministra- Em um mundo em transformação, porém, há de se
das essas matérias de modo bastante genérico, sob a res- esperar mais do que isso de um profissional. Em lugar
ponsabilidade de professores divorciados do campo a que de treiná-lo para dar respostas prontas aos problemas
elas devem aplicar-se. Disso resulta o adensamento do costumeiros, devemos educá-lo para desafios maiores.
currículo, sem vantagens, nem de ordem cultural nem de O aluno precisa ser incentivado a romper paradigmas, a
ordem prática, por falta de adequada perspectiva” (Con- criar e a ousar em um mundo de complexidade crescen-
selho Federal de Educação, 1993, p. 46). te e que se transforma rapidamente. “Antes que treinar
Todos esses argumentos reforçam a impressão de que e adestrar alunos é indispensável iniciá-los na ultrapas-
o ensino de Administração terminou parecido com uma sagem das fronteiras do já conhecido” (Conselho Federal
fábrica. Cada professor entra em sala para lecionar sua de Educação, 1993, p. 292).
disciplina, de forma estanque, dissociada das outras exis-
tentes. Tal como um operário, ministra a matéria como Visão de sistema fechado
se montasse no conjunto (o aluno) a peça de sua res- Tal como as fábricas, representações do pensamento
ponsabilidade. Peça que nem sempre se encaixa, pois a clássico da Administração, determinístico e programático
fragmentação e o estudo cada vez mais aprofundado e como uma máquina, as escolas de Administração têm
isolado vão acabar dificultando, para o aluno, a apresentado um intercâmbio muito pequeno com o am-
visualização do todo administrativo. biente no qual estão inseridas. Já em 1983, a “década
perdida”, Motta (1983, p. 54) ponderava sobre esse dis-
Mecanicismo tanciamento do mundo. Concluía observando que, em-
Uma das peculiaridades do sistema industrial é a con- bora três décadas houvessem modificado bastante o ce-
cepção das organizações tais como se fossem máquinas: nário no mundo dos negócios, “pouco ou nada se faz em
arranjos estáticos de peças que, consertados, dão ori- termos de preparar os jovens aspirantes à administração
gem aos produtos previstos. Os cursos de Administra- para as questões que irão enfrentar num futuro muito
ção também foram concebidos dentro dessa lógica me- próximo. Em suma, a maior parte dos cursos está prepa-
canicista: de determinadas ações ou causas derivarão rando nem mesmo para hoje, mas sim para ontem”.
determinados efeitos ou conseqüências previsíveis, den- Em face de críticas como essa os coordenadores das
tro de uma correlação razoável. escolas se preocuparam, nos encontros promovidos que
As escolas de Administração são como organizações levaram à construção da nova grade curricular em 1993,
industriais. A partir de um padrão de produção, deter- com a maior permeabilidade dos estudos com o mundo
minado por características da escola e por necessidades que as cerca. O Parecer n. 433 /93 expunha que “nesse
locais, elas definem sua maneira para realizar a tarefa de contexto, alguns tópicos emergentes já se apresentam com
formar administradores, escolhem os trabalhadores mais as marcas da atualidade: a ética administrativa, a globali-
adequados a essa tarefa e selecionam, de acordo com zação, o meio ambiente, a administração da tecnologia,
sua credibilidade e prestígio, a matéria-prima. Em ou- os sistemas de informação, o controle de qualidade total
tras palavras, uma proposta de currículo pleno, um bom e outras” (Conselho Federal de Educação, 1993, p. 294).
corpo docente e bons estudantes, conseqüentemente, Entretanto, como em toda organização que pode ser
seriam suficientes para formar bons administradores. apontada como um sistema fechado, as escolas de Admi-
Ao final do processo da graduação, espera-se que os nistração mostraram uma grande resistência a abrir seus
alunos tenham estabelecido as conexões entre todas as programas a esses novos temas. Segundo dados do Insti-
disciplinas ministradas no curso, ainda que ordenadas tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (1997
em uma lógica penosa e em um currículo extenso, esti- (b), p. 24), dos estudantes concluintes de 1996, apenas
mulando a fragmentação do conhecimento e contrari- 20,3% havia estudado Ecologia /Meio Ambiente como
ando o princípio da ordenação da multiplicidade de tópico ou como tema central de uma disciplina do curso. A
matérias em um repertório (Conselho Federal de Edu- maioria (79,6%) nunca apreciou o tema durante o curso

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ALEXANDRE NICOLINI

ou o apreciou apenas superficialmente durante ativida- uma como outra tratam o aluno como mero produto,
des extraclasse. Os números não são melhores quando o mera conseqüência do processo de ensino. Tornam-se,
tema é Tecnologia de Informação. Embora seja um dos assim, os educandos meros arquivadores de conhecimen-
motores das profundas modificações que vivemos hoje, tos e conteúdos, pois estão desprovidos de sua capaci-
particularmente no meio empresarial, o assunto só foi tra- dade de buscar o inter-relacionamento de teoria e práti-
tado por 29% dos formandos do mesmo ano. Já Ética nos ca e vivenciar o conhecimento. O que é arquivado, na
Negócios, uma discussão recorrente no Brasil e no mun- realidade, é o homem e todo seu potencial.
do, só foi analisada por 42,5% dos alunos. Globalização Aos estudantes, pouco resta senão o papel de receber,
Econômica, assunto de fundamental importância na ad- de memorizar e de exercitar as reações para as quais es-
ministração atual, foi abordado por apenas 49% dos fu- tão sendo preparados. Quanto mais os educandos se exer-
turos administradores. citam nessa tarefa de memorização autômata, mais se afas-
A percepção é a de que os cursos caminham separa- tam da busca da consciência crítica que, em última análi-
damente do mundo, como se dele não dependessem. se, resultaria em sua inserção no mundo e na conseqüen-
Não há uma colaboração estreita entre a universidade te transformação deste. Distanciam-se, assim, de seu pa-
e a sociedade, particularmente o mercado, o que reme- pel como sujeitos do processo de aprendizagem.
te a situações como a acima descrita. Os conteúdos en- O estudante como produto não transforma o mundo,
faticamente técnicos são predominantes no processo mas antes tende a ele se adaptar, anulando ou reduzin-
de formação do administrador. do dramaticamente seu poder criador. Dissocia-se de seu
papel como indivíduo, relegando-o a um segundo pla-
no, no qual sua responsabilidade como agente de mu-
BUSCANDO BASES SÓLIDAS PARA O ENSINO dança está alijada do exercício profissional. Torna-se um
ingênuo (Freire, 1983, p. 69).
O aluno como sujeito de seu aprendizado Em contraponto, uma educação problematizante bus-
O papel desejável das escolas de Administração vai, ca a emersão das consciências e sua inserção crítica na
aos poucos e por exclusão, ficando delineado. Mas qual o sociedade. Possibilita ao aluno ser sujeito do próprio
papel do estudante na relação ensino-aprendizagem? processo de aprendizado, permite o despertar de sua
Pode-se definir o aluno de Administração como produto consciência, o despertar da intencionalidade, estimula
ou como sujeito no processo de sua própria formação? a busca do conhecimento. Motiva-o a sair da submissão
Uma nova realidade organizacional demanda admi- e da passividade e abre caminho para que ele venha a
nistradores que sejam capazes de reconhecer e definir ser o protagonista de sua própria história.
problemas, equacionar soluções, pensar estrategica- Na prática da problematização, os educandos desen-
mente e ser criativo; que tenham iniciativa, vontade de volvem o poder de captação e compreensão do mundo
aprender, abertura às mudanças, habilidades de nego- que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como
ciação e consciência da qualidade e das implicações uma realidade estática, mas como uma realidade em trans-
éticas de seu trabalho (Comissão de Especialistas de formação, em processo. A partir das experiências dos alu-
Ensino de Administração, 1997, p. 12). Basicamente, nos, implica-se um constante ato de desvelamento da
exige um estudante ativo, o que não é a regra na rela- realidade, abrindo espaço para a inserção crítica dessa
ção ensino-aprendizagem. realidade. A tendência então, para o aluno, é estabelecer
Sobre a atitude normalmente passiva do educando, uma forma autêntica de pensar e atuar. Pensar em si mes-
Freire (1987, p. 58) contribui expondo sua concepção mo e no mundo, sem separar esse pensar da ação, pois a
“bancária” da educação: “A narração, de que o educador prática problematizante funda-se na criatividade e esti-
é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecâ- mula a reflexão e a ação verdadeiras dos homens sobre
nica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os sua realidade (Freire, 1983, p. 71).
transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem O aluno que aprende a perceber a si próprio e sua
‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais vá ‘enchendo’ os situação entra em contato com sua realidade e sente-se
recipientes com seus ‘depósitos’, tanto melhor educa- capaz de modificá-la. O fatalismo, ou a consciência de
dor será. Quanto mais se deixa docilmente ‘encher’, tanto se sentir como apenas um produto ao final do processo
melhores educandos serão”. de formação, cede lugar à vontade de aprender para
A concepção “bancária” da educação guarda muitas produzir seu próprio futuro. O aluno, finalmente, sen-
semelhanças com a “fábrica de administradores”. Tanto te-se sujeito.

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FÓRUM EDUCAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO • QUAL SERÁ O FUTURO DAS FÁBRICAS DE ADMINISTRADORES?

A “redução sociológica” necessária movida pela sua autodeterminação em direção à pró-


Uma educação “bancária” e não problematizante, que pria suficiência e pondo entre si e as coisas que a cir-
aliena o aluno do próprio processo de aprendizado, im- cundam um projeto de existência. Esse projeto, ao me-
possibilita-o de desenvolver sua própria percepção acerca nos no campo da administração, ainda falta ao Brasil,
do fenômeno administrativo e uma visão crítica das teorias na medida em que importamos e tentamos implantar mo-
que lhe são ensinadas. Conseqüentemente, impede-o de delos prontos e inadequados, na maior parte dos casos.
investigar novos métodos e técnicas de gestão que melhor Isso acontece porque a redução sociológica no ensi-
se adaptem à sua realidade. O aluno corre o risco, então, no de Administração choca-se frontalmente com a con-
de se tornar um profissional condenado a repetir indefini- cepção “bancária” desse ensino. Passo a passo, a redu-
damente os métodos e as técnicas importadas de países ção é um processo que deve ser desenvolvido por pes-
estrangeiros, particularmente dos Estados Unidos. soas que têm consciência de seu papel na sociedade e
Não desenvolvendo, desde sua implantação no Bra- da importância de transformá-la (Guerreiro Ramos,
sil, uma via adequada à compreensão do fenômeno or- 1965, p. 45). Não parece ser o perfil do estudante de-
ganizacional, sua ciência e tecnologia, tornou-se o ensi- positário, tampouco o de professores que se portam
no em Administração dependente do desenvolvimento como meros repetidores de conhecimentos petrificados,
científico e tecnológico ocorrido em centros mais de- sem vida e sem chances de serem utilizados como ferra-
senvolvidos. “Enquanto no mundo moderno do século mentas para promover qualquer transformação.
XIX, teóricos pensaram o trabalho no pano de fundo do Para o estudante agir como ser transformador é im-
capitalismo industrial e a relevância do papel do admi- portante que ele tenha a percepção da totalidade do fe-
nistrador neste processo, no Brasil, isto não aconteceu”, nômeno administrativo e das inter-relações das diferen-
explicam Martins et al. (1997, p. 11). Como os desafios tes matérias que compõem a área. Todas as matérias a
administrativos brasileiros ocorreram posteriormente aos serem estudadas fazem parte, necessariamente, de cone-
desafios administrativos de países que viveram os xões de sentido. Estão referidas umas às outras por um
primórdios do capitalismo industrial, o país teve a op- vínculo de significação que dá forma ao todo. Existem
ção de importar modelos em detrimento da criação de apenas em um determinado contexto, pois a perspectiva
outros, quiçá mais adequados às nossas necessidades e em que estão as matérias em parte as constitui. Portanto,
estilo de desenvolvimento. se transferidas para outra perspectiva, deixam de ser exa-
O resultado desse processo é o ensino profissionali- tamente o que eram. Assim, técnicas e métodos importa-
zante, que transforma o estudante em um técnico pouco dos provavelmente nunca funcionarão satisfatoriamente,
“pensante”, em um aplicador de tecnologia em sua maior pois foram concebidos em outro contexto e, quando trans-
parte importada, e não mais em um possível futuro pes- feridos, passam a apresentar problemas.
quisador, cientista (Covre, 1991, p. 76). Nessas condi- Não é necessário, porém, que se recomece a história
ções, entende-se a perpetuação do referencial teórico im- administrativa no Brasil. A fim de melhor conduzir o
portado e da baixa produção de conhecimento no Brasil. processo de desenvolvimento nas várias áreas do saber
Há a necessidade da criação de uma consciência crí- humano, é importante investigar a experiência estran-
tica em relação a esses assuntos que fazem parte da rea- geira, seus sucessos e insucessos. A redução sociológica
lidade nacional. A redução sociológica é, então, tema da conduz a um procedimento crítico-assimilativo dessa
maior importância quando se fala da formação do ad- experiência, por uma sociedade que desenvolve a capa-
ministrador. Define-a Guerreiro Ramos (1965, p. 44), cidade de se auto-articular, tornando-se conscientemente
no domínio restrito da sociologia, como: “uma atitude seletiva. É dirigida por uma aspiração ao universal, po-
metódica que tem por fim descobrir os pressupostos rém mediatizada pelo local, regional ou nacional.
referenciais, de natureza histórica, dos objetos e fatos
da realidade social. A redução sociológica, porém, é di-
tada não somente pelo imperativo de conhecer, mas tam- CONCLUSÕES
bém pela necessidade social de uma comunidade que,
na realização de seu projeto de existência histórico, tem A demanda por administradores sempre acompanhou
de servir-se da experiência de outras comunidades”. a estruturação econômica do país, relacionando-se com
Para além das definições, trata-se de uma atividade os momentos históricos característicos desse processo
de protagonismo de todo um país. Ela surge quando uma até os dias de hoje. O ensino de Administração, inicial-
sociedade dependente se espelha em uma desenvolvida, mente confundido com o de Economia, foi regulado

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primeiramente em 1931, quando o capitalismo que se importando conhecimento já sistematizado em outros


instalava tardiamente em nosso país necessitava de pro- países, premido pela necessidade de se desenvolver e alia-
fissionais especializados para gerir as organizações in- do à impossibilidade de gerá-lo em curto prazo. Isso acon-
dustriais que se instalavam. Nos anos 1950, quando um tece durante toda a história do surgimento e desenvolvi-
novo governo Vargas buscava o desenvolvimento eco- mento da área de Administração no país e estende-se até
nômico e social do país, seguido por Kubitschek, o en- os dias de hoje. A importação desse conhecimento admi-
sino de Administração estruturou-se a partir da influên- nistrativo, adquirido em outras condições econômicas,
cia gerada pela Fundação Getulio Vargas e, mais especi- sociais e culturais, porém, nunca conduziu o Brasil ao
ficamente, pela Escola de Administração de Empresas mesmo estágio de desenvolvimento capitalista desses pa-
de São Paulo, criada em 1954. O modelo de ensino des- íses. Conduziu, antes, a um estado de dependência inte-
sa escola, com um currículo especializado em adminis- lectual administrativa, que não foi solucionado mesmo
tração de empresas, traduziu o momento histórico pelo após tantas décadas em que o país busca, de forma
qual atravessava o país, com a instalação de várias em- caudatária, encontrar-se com a modernidade.
presas estrangeiras e estatais. Tal dependência pode ser creditada, também, à falta
Com o desenvolvimento estimulado pelos governos de caráter investigativo no desenvolvimento das ciências
militares e o “milagre econômico”, a nação privilegiou administrativas no país. Em instituições universitári-
as grandes empresas, multinacionais e estatais – princi- as onde se desenvolvem pesquisas, sedimenta-se um
palmente estas últimas. O ensino expandiu-se em ritmo conhecimento que é essencialmente dinâmico, que
acelerado, resultado da regulamentação da profissão e acrescenta, desenvolve-se e adapta-se às condições
do bacharelado em Administração, procurando suprir a socioeconômico-culturais desiguais, a partir da revela-
demanda por tecnocratas gerada por esse tipo de desen- ção de seus mecanismos e de como manuseá-los. Em
volvimento. Já em 1993, após dois anos de governo instituições onde o ensino é a única atividade, o conhe-
Collor e intensas mudanças que projetavam o Brasil no cimento administrativo torna-se rígido e estático: rígi-
contexto de uma economia globalizada, a reforma da do pois a inexistência da pesquisa torna seus mecanis-
regulamentação tenta orientar as escolas para a forma- mos desconhecidos e não permite ajustamentos, e está-
ção de profissionais aptos a enfrentar o mundo e suas tico porque só se torna possível a reprodução dos con-
novas demandas. ceitos. Registre-se que a expansão do ensino de Admi-
Como conseqüência histórica, o ensino de Adminis- nistração se fez primordialmente por meio de institui-
tração nasceu, estruturou-se e expandiu-se em um Bra- ções desse tipo.
sil que inaugurou, desenvolveu e concretizou-se como Em face de um mundo em constante desenvolvimento
uma sociedade industrial. Herdou as características mais e sofrendo profundas mudanças, no qual as característi-
marcantes de tal sociedade, como a divisão de trabalho, cas industriais perdem paulatinamente o sentido, os áto-
a especialização e o mecanicismo que permeiam o mo- mos estão sendo substituídos pelos bites, e a informação
delo de ensino em voga. Com as mudanças acontecen- – o domínio dela – firma-se como a base de toda uma
do de forma avassaladora na última década e com a es- nova gama de produtos, pode-se considerar que é uma
tagnação acadêmica do ensino de Administração, em boa hora para se repensar o ensino de Administração.
parte devida à “década perdida”, incorporou-se a esse A definição das novas Diretrizes Curriculares, em aná-
ensino mais uma característica: a visão de sistema fe- lise no Conselho Nacional de Educação, infelizmente não
chado. Todas essas características, pertinentes ao mo- é uma aspiração das escolas de Administração para dimi-
mento histórico em que surgiram, tornam-se hoje parti- nuir a defasagem entre o conhecimento conquistado pelo
cularmente problemáticas quando se tenta buscar no- avanço científico e tecnológico atual e o conhecimento
vos rumos para a formação de administradores. Em um ensinado nas salas de aula. Antes, têm como fato político
mundo globalizado e holístico, falta a esses homens e precedente a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
mulheres uma compreensão maior do fenômeno orga- Nacional. A preocupação decorre do fato de, já em 1993,
nizacional e de suas conseqüências. a regulamentação ora promulgada conferir às escolas li-
A importação de referencial teórico reforça essas ca- berdade, senão total, suficiente para que cada uma
racterísticas. Nos países ditos de Primeiro Mundo, o de- formatasse seu projeto de ensino e definisse o profissio-
senvolvimento do capitalismo só se deu com a produção nal que desejaria formar, utilizando a prática pedagógica
e o domínio do conhecimento administrativo para tal. que julgasse adequada. A grande maioria delas não fez
No Brasil, o capitalismo tardio supriu suas necessidades uso de tal liberdade, limitando-se a reformular seus cur-

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FÓRUM EDUCAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO • QUAL SERÁ O FUTURO DAS FÁBRICAS DE ADMINISTRADORES?

rículos apenas para adequá-los ao novo texto da Lei. CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO. Leis. In: Manual do admi-
nistrador: guia de orientação profissional. Brasília : Conselho Federal de
Se a pretensão dessas novas diretrizes curriculares for
Administração, 1994.
um ensino universitário de Administração baseado na
universalidade de idéias e compreensões, um trabalho CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Currículos mínimos dos cursos de
graduação. Brasília, 1991.
de formação verdadeiramente interdisciplinar, é proce-
dente a perspectiva de contratar educadores e pedagogos CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Documenta. Brasília, ago. 1993.
para integrar a equipe de trabalho e ajudar na definição
COVRE, M. L. M. A formação e a ideologia do administrador de empresas.
das pedagogias adequadas a esse ou aquele curso. Do São Paulo : Cortez, 1991.
contrário, a proposta de reformulação do ensino irá se
tornar novamente ingênua e limitada. Se não houver a FISCHER, T. A formação do administrador brasileiro na década de 90:
crise, oportunidade e inovações nas propostas de ensino. Revista de
utilização de pedagogias inovadoras, o ensino de Admi- Administração Pública, FGV, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, p. 11-20, out./
nistração, embora disponha de todos os trunfos impor- dez. 1993.
tantes para sua superação, estagnará na concepção “ban-
FREIRE, P., Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
cária” já explicitada por Paulo Freire, e resultará nas
mesmas “fábricas de administradores” construídas após GUERREIRO RAMOS, A. A redução sociológica (introdução ao estudo da ra-
as duas primeiras regulamentações. zão sociológica). Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1965. p. 45-6.
As competências desejáveis ao administrador, quando INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS.
não são inatas, têm de ser desenvolvidas ao longo do curso Exame nacional de cursos, 1996: relatório administração. Brasília :
– desenvolvimento que pressupõe o estudante como sujei- Instituto...,1997(a).
to de seu próprio processo de formação. Há de se trabalhar INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS.
os alunos como indivíduos que devem e têm de contribuir Exame nacional de cursos: relatório-síntese 1997. Brasília : Instituto...,
para o enriquecimento dos temas e abordagens desenvol- 1997(b).
vidos durante essa formação. O estudo das organizações, INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS.
muito rico, é de uma complexidade notável, o que traz Censo da Educação Superior: 1998. Brasília : Instituto..., 1998(a).
uma dificuldade natural para apreendê-lo. Mesmo assim, INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS.
ainda que complexo seja o assunto, o estudante que parti- Exame nacional de cursos: relatório-síntese 1998. Brasília : Instituto...,
cipa do projeto para sua formação terá a chance de desen- 1998(b).
volver a consciência crítica que lhe permitirá uma melhor MARTINS, P. E. M. et al. Repensando a formação do administrador brasi-
compreensão do fenômeno organizacional. leiro. Archétypon, Rio de Janeiro, v. 5, n. 15, set. /dez. 1997.

MEZZOMO KEINERT, T. M. Análise das propostas dos cursos de admi-


Artigo convidado. Aprovado em 15/02/2003.
nistração pública no Brasil em função da evolução do campo de conheci-
mento. Série Relatórios de Pesquisa. São Paulo, 1996.

MEZZOMO KEINERT, T. M. e VAZ, J. C. A Revista do Serviço Público no


Referências bibliográficas pensamento administrativo brasileiro. Revista do Setor Público, n. 28, jan. /
ALBRECHT, K. O trem da linha norte. São Paulo : Pioneira, 1994. mar. 1994.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Lei n. 9.394, de 20 de MONTEIRO JR., S. O currículo por tema como alternativa ao currículo dos
dezembro de 1996. Diário Oficial, Brasília, 1996. cursos em administração. 1995. Dissertação (Mestrado) – Escola Brasilei-
ra de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parecer n. 776/97, de 3
de dezembro de 1997. Diário Oficial, Brasília, 1997. MOTTA, F. C. P. A questão da formação do administrador. RAE – Revista de
Administração de Empresas, FGV, Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, out. /dez. 1983.
COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO DA
SESu /MEC. Biblioteca básica para os cursos de Administração. Florianópolis : SMITH, A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas
UDESC, 1997. causass. São Paulo : Nova Fronteira, 1985.

Alexandre Nicolini
Universidade Cândido Mendes - UCAM
E-mail: nicolini@ucam-campos.br
Endereço: Rua Almirante Barroso 248, Ed. Bela Morada, apt. 402. Salvador, BA. CEP: 41.950-350

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