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DEHON - VIDA DE AMOR


Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

PREFÁCIO

Santo Inácio termina o seu retiro com um exercício que ele chama «contemplação para
excitar ao amor» (contemplatio ad amorem). O seu pensamento é, então, que um bom retiro
deve estabelecer as almas na vida de amor e que aí devem permanecer.
Propomo-nos simplesmente nesta série de meditações ajudar as almas a viver desta vida
de amor. É um mês de meditações ad amorem ou, se se quiser, um retiro ad amorem. Não temos
a ridícula pretensão de substituir os Exercícios de Santo Inácio, queremos apenas ajudar
algumas almas a conservar os frutos destes Exercícios e mesmo a multiplicá-los.
Foi com o propósito de fazer isto que o pensamos. Depois de Santo Inácio, o Sagrado
Coração de Jesus manifestou-se a nós. Revelou-se a Santa Margarida Maria, inspirou S. João
Eudes. Pede mais instantemente do que antes a vida de amor. É portanto justo ajudar nisto as
almas.
Nós recordamos nestas meditações os motivos do amor, dos quais os principais são o
desejo e a ordem divina e os benefícios de Deus.
Descrevemos as diversas formas do amor: a gratidão, a benevolência, a compaixão, a
união e o abandono.
Explicamos os meios para adquirir e desenvolver o fervor do amor: é a parte mais
prática das nossas meditações.
Finalmente expomos os efeitos do verdadeiro amor para ajudar as almas a reconhecer se
elas estão no bom caminho.
Oferecemos este modesto trabalho ao Sagrado Coração de Jesus. Escrevemo-lo para
ajudar ao seu reino. Confiamo-lo a Nossa Senhora do Sagrado Coração, a Rainha do belo amor
para que ela se digne abençoá-lo e fecundá-lo.
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

PRIMEIRA MEDITAÇÃO

SOBRE AS TRÊS VIAS: DO TEMOR, DA ESPERANÇA E DO AMOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Lc 1


74. Ut sine timore, de manu inimicorum liberati, serviamus illi.
75. In sanctitate et justitia coram ipso, omnibus diebus nostris.
76. Et tu puer propheta Altissimi vocaberis: praeibis enim ante faciem domini parare vias ejus.
77. Ad dandam scientiam salutis plebi ejus in remissionem peccatorum eorum.
78. Per viscera misericordiae Dei nostri, in quibus visitavit nos, oriens ex alto.
79. Illuminare his, qui in tenebris et in umbra mortis sedent: ad dirigendos pedes nostros in viam pacis.

74. (Deus visitou-nos) para que, libertos dos nossos inimigos, O sirvamos sem
temor.
75. Na santidade e na justiça, sob os seus olhos, todos os dias da nossa vida.
76. E tu, menino, serás o profeta do Altíssimo: caminharás diante do Senhor,
para lhe preparar os caminhos.
77. Para ensinar a ciência da salvação ao seu povo, para a remissão dos seus
pecados.
78. Pela misericórdia do coração do nosso Deus que veio do céu para nos visitar
na sua bondade.
79. Para iluminar os que jaziam nas trevas e na sombra da morte: para dirigir os
nossos passos nos caminhos da paz.
Sumário. – Três caminhos conduzem a Deus: o temor, a esperança e o amor.

O temor é sobretudo útil aos iniciantes. /12

A esperança está muitas vezes misturada com o amor-próprio.

A caridade é mais pura e mais fecunda.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O discípulo. – Senhor, dirigi os meus passos, fazei-me conhecer os vossos


caminhos. Ensinai-me o caminho pelo qual devo andar.

1. Três vias conduzem à salvação

Reflexões. O ponto de partida é sempre o estado de graça. É preciso sair do


pecado e revestir a caridade para viver a vida cristã. Mas com esta caridade inicial,
tereis ainda diante de vós três vias, as do temor, da esperança e do amor. Chamamo-las
assim em virtude da acção que as caracteriza. Não é preciso, porém, que um destes
motivos exclua absolutamente os outros dois, pois, de outro modo, as duas primeiras
vias não seriam boas, não tendo então lugar o exercício da caridade; e a terceira via
seria contrária aos princípios da fé e ao vosso estado presente de viajantes, no que
excluiria a esperança.

Mas na primeira, o motivo do temor é o que actua mais frequentemente e que faz
uma mais forte impressão. Na segunda, é o motivo da esperança, na terceira, o da
caridade.

Ninguém é mestre, pelo menos no princípio, para escolher a sua própria via. Há
almas que Nosso Senhor conduz pelo temor, outras que atrai a si pela esperança, outras
que prende a si pelo amor.

O Salvador. – Sim, mas a minha intenção é que, no progresso do caminho, o


amor prevaleça sempre mais, que modele e mesmo que bane enfim o temor, sobretudo o
temor servil, que enobreça e purifique a esperança. Eu disponho o coração a isso pouco
a pouco, se é fiel; e o dever das almas é secundar nisto o operador da minha graça que
tende a fazê-las avançar no cumprimento do grande preceito do amor: o que Eu quero
são os corações.

II. Sobre a via do temor

A via do temor é extremamente útil nos começos da vida cristã. É necessária


para retirar o pecador dos seus hábitos. A juventude, cujas inclinações são violentas,
tem muita necessidade disto. /13

As almas levadas por esta via são muito tocadas pelo rigor dos juízos divinos,
dos suplícios do inferno, e por todas as verdades terríveis da religião. Deus serve-se do

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
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temor para deter o ímpeto das paixões, para contrabalançar a atracção sedutora dos
objectos sensíveis, para prevenir a alma contra as ocasiões e os perigos que encontra e
para lhe servir de freio quando é pressionada por violentas tentações.

Mas acontece muitas vezes que as almas movidas pelo temor o levam para lá dos
limites que Deus lhes marcou, e se fixam nesta via, e não gostam de ler ou de meditar
senão nos temas que a ele conduzem. Há um inconveniente. Nosso Senhor não pode
então elevar estas almas ao seu amor como quereria.

O temor é mais próprio para afastar do mal do que para levar ao bem. Pelo
menos, se leva a praticar o bem, é unicamente aquele que é de obrigação estrita e
rigorosa. O temor comprime o coração, nem vê o que de amável a virtude tem, não leva
à generosidade. Pode conduzir uma alma à salvação, mas não à santidade.

O temor não suaviza o jugo divino, mas deixa sentir todo o seu peso. A alma que
se deixa dominar pelo temor do serviço divino não toma senão o que lhe parece de
estrita obrigação e nele se arrasta penosamente. Não encontra nele nem doçura, nem
consolação, nem encorajamento. A alegria do Espírito Santo é-lhe desconhecida, é
triste, desgostosa e inquieta, e muitas vezes tentada a tudo abandonar.

Finalmente, o temor deixa demasiado espaço ao amor-próprio. Faz-vos


considerar as grandes verdades da religião unicamente em relação a vós mesmos e ao
vosso interesse pessoal. Degenera num temor servil, muito pouco sobrenatural, que tem
menos horror ao pecado que ao castigo que se lhe segue, e que considera menos a
ofensa a Deus do que a infelicidade eterna que daí resulta para o pecador.

Este temor seria mesmo insuficiente e incompatível com a caridade, se a


apreensão da pena fosse o único motivo que vos afastasse do pecado.

O Salvador. – Quis acentuar isto na parábola dos talentos. Falei de um servo que
recebeu um talento e que, por temor em prestar contas, enterra o seu talento com medo
de o perder. Só tem no coração o temor, um temor servil e não faz frutificar o talento do
seu senhor: timens abii et abscondi talentum tuum in terra. Assim, no seu regresso, o
senhor recebe severamente o seu servo inútil, retoma o seu talento e manda-o lançar nas
trevas exteriores onde há choro e o ranger de dentes: serve male et pigre... toliite itaque
ab eo talentum... et /14 inutilem servum ejicite in tenebras exteriores: ibi erit fletus et

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stridor dentium. Eis aonde o temor pode conduzir, quando é dominado pelo amor-
próprio.

III. A via da esperança

A esperança cristã tem grandes vantagens sobre o temor. Eleva o coração,


anima-o a praticar a virtude, encoraja-o a vencer as dificuldades pela visão da
recompensa. Leva-o mesmo a fazer e a sofrer grandes coisas para a merecer e
acrescentar. Aqui estão, de facto, grandes vantagens, e não é em vão que o vosso Deus,
conhecendo a vossa fraqueza e a vossa repugnância pelo bem, quis excitar-vos e suster-
vos pela grandeza do prémio que vos espera no fim da carreira.

Mas como estais naturalmente interessados, é de temer que a alma conduzida


pela via da esperança não dê a este motivo mais atenção do que merece, e de um modo
que prejudique o amor. Está exposta a tornar-se mercenária, fixando mais o seu olhar na
recompensa do que na bondade divina mesma que se empenhou em vo-la dar. Pensa
menos em agradar a Deus do que em conquistar méritos; conta por assim dizer com
Deus e põe preço aos seus serviços.

Esta alma está também sujeita a retirar glória do que faz para além do necessário
para ganhar o céu; a apoiar-se mais sobre as suas boas obras do que sobre os méritos de
Nosso Senhor; a presumir que, depois de tudo o que fez e sofreu, a recompensa lhe está
garantida.

O amor-próprio faz referir a si mesma a posse eterna de Deus. Considera esta


posse menos por relação a Deus que se glorificará nela, do que por relação à sua própria
alegria e à felicidade que daí advirá. Numa palavra, o que ela ama na felicidade celeste é
mais o seu contentamento e a sua saciedade, do que o bom agrado de Deus.

Sem dúvida que em tudo isto não há nada que interesse essencialmente a
caridade; ela fica na realidade enfraquecida, a sua pureza sofre com isso, e há muita
imperfeição em ocupar-se assim muito mais com o seu próprio interesse do que com o
de Deus.

O Salvador. – Se o motivo da recompensa é aquele que mais fortemente age


sobre vós até aqui, pertence a vós ver, na minha presença, se não tendes de vos censurar
muitas das imperfeições que acabais de considerar, e se não deveis trabalhar para delas

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
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vos purificardes, voltando-vos mais para o lado do amor e dando ao seu motivo toda a
preponderância que merece. /15

Como é mais elevada e mais pura a via do amor! Coloca Deus no seu lugar e faz
d’ Ele verdadeiramente o mestre, o centro e o ideal de tudo; e faz das criaturas como
uma corte atenta e diligente, toda dedicada ao senhor que ama e do qual tudo recebe. O
temor e a esperança mais não devem ser do que auxiliares; a caridade é que é a rainha e
a mestra da vida interior, e foi para vos ajudar a viver desta vida de amor que vim
oferecer-vos uma fonte nova de amor manifestando o meu Coração à bem-aventurada
Margarida Maria.

Afectos e resoluções

Ó meu bom Mestre, estou confuso por vos ver servido tão mal até ao presente, e
sempre por motivos tão imperfeitos. Vinde, enchei o meu coração com o vosso amor,
para que não pense mais noutra coisa que não seja em vos servir por amor. A vossa
beleza infinita, as vossas bondades incessantes a isso me convidam e me pressionam.
Tomai o meu coração e nunca mais o deixeis ser ingrato.

Ramalhete espiritual

- Ut sine timorem serviamus illi, in sanctitate et justitia coram ipso (Lc 1).
- Charitas diffusa est in cordibus nostris per Spiritum Sanctum qui datus est nobis (Rom 5).
- Non enim accepistis spiritum servitutis iterum in timore, sed accepistis spiritum adoptionis
filiorum in quo clamamus: Abba, Pater (Rom 8).
- (Jesus veio) para que nós o sirvamos sem temor na santidade e na justiça, sob
os seus olhos (Lc 1).

- A caridade foi derramada nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi
dado (Rom 5).

- Vós não recebestes o espírito de servidão no temor, mas o espírito de adopção


dos filhos, no qual nós clamamos: Abba, meu Pai (Rom 8). /16

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SEGUNDA MEDITAÇÃO

VANTAGENS DA VIA DO AMOR

Preparação para a vigília

Leitura do Santo Evangelho: Jo 15

14. Vos amici mei estis, si feceritis quae ego praecipio vobis.
15. Jam non dico vos servos: quia servus nescit quid faciat dominus ejus. Vos autem dixi amicos:
quia omnia quaecumque audivi a Patre meo, nota feci vobis.
16. Non vos me elegistis: sed ego elegi vos, et posui vos ut eatis, et fructum afferatis; et fructus
vester maneat: ut quodcumque Patrem petieritis in nomine meo det vobis.
14. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que vos mando.
15. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor.
Chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que aprendi de meu Pai.
16. Não fostes vós que me escolhestes. Fui Eu que vos escolhi, para que vades e
deis frutos e os vossos frutos permaneçam; e tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome,
Ele vos dará.
Sumário. – O amor tira ao temor e à esperança o que se lhe mistura de amor-
próprio.

A via de amor é a mais simples porque reduz tudo a um único motivo no qual os
outros estão eminentemente compreendidos.

É a via mais doce. Ela agarra-nos pelo coração e o nosso coração é feito para
amar.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, David, o vosso antepassado bem-amado, gostava de


dizer a Deus: «Senhor, ensinai-me o caminho a seguir, indicai-me, mostrai-me o vosso
caminho. Eu também Vos digo: mostrai-me o caminho melhor e dai-me a graça de o
seguir.

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I. A via do amor é a mais perfeita

Reflexões. – O amor ultrapassa o temor e a esperança. O amor não destrói o


temor nem a esperança, mas retira-lhes o que o /17 amor-próprio lhe pode misturar de
visões mercenárias.

O amor não conhece habitualmente outro temor senão o temor filiar, isto é, o
medo de desagradar a um Pai bem-amado. Sendo filho do amor, este temor é de uma
atenção e delicadeza totalmente diferentes do medo da justiça divina e dos seus castigos.
Leva a evitar as mínimas faltas, as mais pequenas imperfeições voluntárias. Em vez de
comprimir e de gelar o coração, alarga-o e aquece-o. Não causa nenhuma perturbação,
nenhum alarme; e mesmo quando escapa alguma falta, reconduz docemente a alma ao
seu Deus através de um arrependimento tranquilo e sincero. Procura acalmar-se e
reparar abundantemente da mágoa que se lhe pôde causar. De resto, não se inquieta
nem perde a confiança.

O amor tira também à esperança o que ela tem de demasiado pessoal. Aquele
que ama não sabe outra coisa senão contar com Deus, nem fazer boas obras
principalmente com o objectivo de acumular méritos; e por este nobre desinteresse,
merece incomparavelmente mais. Esquecendo tudo o que fez por Deus, não pensa
noutra coisa senão em fazer ainda mais. Não se apoia sobre si mesmo; visa a
recompensa celeste menos sob o título de recompensa do que como uma garantia de
amar o seu Deus com todas as suas forças e de ser por Ele amado durante a eternidade.
Sem excluir a esperança, que lhe é natural, considera a felicidade mais do lado do bom
agrado do seu Deus e da sua glória que lhe pertence do que do lado do seu próprio
interesse. E quando o amor está no seu ponto mais elevado de perfeição, estaria disposto
a sacrificar a sua felicidade própria à vontade divina, se exigisse dele este sacrifício.
Coloca a sua felicidade no cumprimento desta vontade.

O Salvador – O coração dos Santos atingiu mesmo sobre a terra este grau de
pureza. É a disposição dos bem-aventurados no céu. É preciso, portanto, que o amor
seja purificado a este grau neste mundo, ou no outro pelas penas do purgatório. Há,
portanto, que deliberar sobre esta escolha? E quando a via do amor não tivesse outra
vantagem senão a de nos isentar do purgatório ou de lhe abreviar consideravelmente a
duração, poderíeis hesitar em abraçá-la?

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II. É a via mais simples

Servir o seu Deus por amor é a via mais simples, porque ela reduz tudo a um
único motivo dominante, onde todos os outros estão eminentemente compreendidos. Se
amais a Deus, temê-lo-eis com o temor que lhe é mais /18 útil. Se O amais, esperais nas
suas promessas com a confiança mais firme, e tendes a certeza da sua execução, tanto
quanto isso é possível na terra. Se O amais, já não tendes necessidade de pensar na
aquisição de cada virtude em particular; o exercício do amor encerra-as a todas e fá-las
praticar pelo seu motivo, de um modo mais elevado e mais perfeito do que se as
exerciteis cada uma pelo motivo que lhe é próprio.

O amor dispensa-vos de uma multidão de métodos e de práticas, que a maior


parte das almas procuram com tanta diligência, apegando-se ora a um ora a outro, e que
não fazem senão embaraçá-las, inquietá-las e atrasá-las no caminho da santidade.

O amor só tem um método, o de seguir o impulso da graça, que nos leva a amar.
Só tem uma prática, que é de amar em todo o tempo, em todo o lugar, em toda a
situação. Só tem um acto ao qual todos os outros se reportam; um motivo, amar porque
ama; um fim, amar por amar.

Que há de mais simples? Mas há algum meio de perfeição que esta simplicidade
não abrace? Há algum que não empregue excelentemente, e de que não retire mais
proveito, a não ser que a alma se ficasse neste meio considerado em si mesmo?

O Salvador. – A simplicidade da via do amor aproxima a alma do estado dos


bem-aventurados, que não vêem o seu Deus senão para o amarem. Se lhe acrescenta a
esperança, é porque ainda não está como os bem-aventurados na posse de Deus. Mais
ainda, esta simplicidade aproxima a alma do estado de Deus mesmo, que não se conhece
senão para se amar e no qual o amor é o termo das emanações divinas.

III. É a via mais doce e mais fácil

Servir o seu Deus por amor é também a via mais doce. Ela agarra-vos pelo
coração e o vosso coração é feito para amar. Conduz docemente, mas muito eficazmente
a vossa vontade para o que Deus deseja. O amor coloca o coração perfeitamente á
vontade, o que nenhum outro sentimento poderia fazer. O medo constrange; a esperança

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não está totalmente isenta de um certo regresso à inquietude; o amor não conhece nem
os tormentos do medo, nem os alarmes da esperança reduzida a si mesma.

O amor inspira a alegria, que é o segundo fruto do Espírito Santo, porque a


caridade é o primeiro (Gal 5, 22). E que alegria! Uma alegria pura, uma alegria / 19
íntima, inalterável, uma alegria que é o antegozo da dos Bem-aventurados. O amor
mantém a alma na paz, que é, depois da alegria, um fruto do Espírito Santo. O amor
nunca causa perturbação. A perturbação da alma tem três fontes: ou a má consciência,
ou o amor-próprio, ou o demónio. O amor mantém a consciência no melhor estado;
trabalha sem cessar para destruir o amor-próprio; despreza as negras sugestões do
demónio; resiste-lhe, triunfa sobre ele. Deus é a paz mesma e como não O possuímos
aqui em baixo senão pelo amor, o amor é também o único meio de gozar a paz.

É também a via mais fácil. Certamente, se há uma disposição que nos possa
facilitar a prática da virtude, é, sem contradição, o amor, que, pela sua natureza, é nobre
e generoso, ao qual nada custa, desde que se trate de agradar ao objecto amado, e que
está pronto para tudo sofrer antes que de lhe desagradar.

Se o amor terrestre mesmo, aquele que tem a sua fonte na natureza ou que
inspira a paixão, torna o homem capaz dos maiores esforços em favor de um pai ou de
um esposo, que não há-de então esperar-se do amor sobrenatural, que tem por objecto
um ser infinitamente amável, acendido no vosso coração pelo vosso Deus mesmo, e que
é fortificado por todo o poder da graça? Nós fazemos de boa vontade aquilo de que
gostamos. O amor fecha os olhos às dificuldades; triunfa sobre os obstáculos; lança-se
através dos perigos; sacrifica os seus interesses; torna capaz de tudo e crê que tudo lhe é
possível.

O esposo do Cântico vo-lo diz: Nada pára o amor, nem os rios, nem as torrentes;
e, se for necessário dar tudo o que se tem pelo objecto amado, considera tudo isso como
nada (Cant. 8).

Margarida Maria dizia também, perante os sacrifícios a fazer: «Que temes tu, ó
minha alma? Tu levas o Coração de Jesus e o seu amor; é o tesouro, a força, a alegria do
céu e da terra».

O Salvador. – Vós amastes até agora objectos terrestres e experimentastes que,


de facto, o amor permitia-vos fazer à vontade o que não teríeis feito sem ele. O meu

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amor teria menos poder sobre vós do que o de uma vil criatura? Teria menos atractivos?
Mereci menos a vossa afeição? Encontram menos satisfação em agradar-me? E, se for
necessário considerar o vosso próprio interesse, podeis esperar a vossa felicidade de um
outro amor que não do meu? Dai-me, portanto, o vosso amor. Tenho sede de ser amado
e é por isso que vim manifestar o meu Coração./20

Afectos e resoluções

Ó meu bom Mestre, porque não Vos amei mais cedo! Eis o meu coração,
entrego-vo-lo e vos deixo como seu senhor. Tomai-o, dilatai-o, enchei-o com o vosso
amor. Encorajado e fortificado pelo vosso amor, corri na via dos vossos mandamentos.
Recordar-me-ei muitas vezes dos vossos benefícios para alimentar no meu coração o
fogo sagrado da vossa caridade.

Ramalhete espiritual

- Viam mandatorum cucurri cum dilatasti cor meum (Ps 118).


- Jam non dicam vos servos. Vos autem dixi amicos (Jo 15).
- Si diderit homo omnem substantim suam pro dilectione, quase nihil despiciet eam (Cant 8).
- Corri na via dos vossos preceitos quando dilatastes o meu coração (Sl 118).
- Já não vos hei-de chamar servos. Vós sois meus amigos (Jo 15).
- Um homem que ama sacrifica facilmente tudo o que tem ao seu amor (Cant
8)./21

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TERCEIRA MEDITAÇÃO

O DESEJO DE NOSSOS SENHOR. VIM ACENDER FOGO À TERRA

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Lc 12


42. Dixit autem Dominus: Quis, putas, est fidelis dispensator et prudens, quem constituit dominus supra
familiam suam, ut det illis in tempore tritici mensuram?
43. Beatus ille servus, quem cum venerit dominus, invenerit ita facientem.
44. Vere dico vobis, quoniam supra omnia quae possidet, constituet illum...
49. Ignem veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur?
50. Baptismo habeo baptizari: et quomodo coarctor usque dum perficiatur?

42. O Senhor disse então: Quem é, pensais, o administrador fiel e prudente, que
o senhor colocou à frente da sua família, para que dê a cada um no seu tempo a sua
medida de trigo?
43. Feliz o servo que o senhor encontrar vigilante quando voltar.
44. Em verdade vos digo que o colocará à frente de tudo o que possui...
49. Vim trazer fogo à terra, e que é que eu quero senão que se acenda?
50. Devo ser baptizado com um baptismo: sinto-me ansioso até que isso
aconteça!
Sumário. – Este fogo, que Jesus veio trazer à terra, é o amor divino. Veio viver e
sofrer entre nós para que todos O amemos e para que amemos o seu Pai. É o objecto da
sua missão.

Vamos contra os seus desígnios, somos seus inimigos, se não amamos e se não
O fazemos amar.

Nas este fogo não se ateará, ou, pelo menos, não se manterá e não crescerá nos
nossos corações, se o não alimentarmos, se o não aumentarmos com a nossa cooperação
assídua.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
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O discípulo. – Ó meu bom Mestre, aqui está o meu coração, eu vo-lo entrego e
vo-lo-deixo para que sejais o seu mestre. Purificai-o, preparai-o para receber o vosso
santo amor. Acendei nele este fogo que desejais ver nele arder. /22

I. Deus quer que nós O amemos

Reflexões. – Sim, foi verdadeiramente para acender este fogo do amor divino
que Nosso Senhor veio à terra. Este era o fim da Santíssima Trindade na criação, era
também o seu objectivo na redenção. Deus quer ter filhos que O amem. Quer encontrar
corações que O amem, corações que se dêem a Ele. Foi por isso que Nosso Senhor se
fez homem, que passou pelos diversos estados da sua vida mortal. Todas as suas
palavras, todas as suas acções, todos os seus sofrimentos tinham este objectivo, ensinar-
nos pelas suas lições e pelos seus exemplos a amar o seu Pai, obter-nos, merecer-nos e
comunicar-nos Ele mesmo esta graça do amor divino. Foi por isso ainda que Ele veio
fazer um último esforço manifestando-nos o seu Coração, que é a fonte e o lugar do seu
amor.

Esta graça do amor é o maior dos benefícios: supõe e contém todos os outros.

O Salvador. – Antes da minha vinda todos os homens adoravam os demónios


sob a aparência das falsas divindades e julgavam aplacar as suas cóleras caprichosas
com sacrifícios. Eu vim para dar a conhecer o vosso criador e vosso Pai e para vos
ensinar a amá-lo.

Sou verdadeiramente o sol de amor e venho com os meus raios às trevas deste
mundo para aí trazer a luz e o calor. Se até ao presente não participastes ainda neste
benefício, se a vossa alma não está ainda abrasada deste fogo sagrado, não é a mim, mas
a vós que o deveis imputar.

Não quero outra coisa, a não ser que este fogo se acenda no coração dos homens.
Como Deus, não quero outra coisa, porque a minha glória e a vossa felicidade, que são
os dois fins das minhas obras, estão ligadas ao reino deste amor nos vossos corações e
dele dependem como efeitos da sua causa. Como homem, também não tenho outro
desejo, porque este é o único objecto da minha missão, e ela é perfeitamente cumprida,
se chego a acender em todos os corações o fogo de que ardem os habitantes do céu e

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
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que eles colhem no seio mesmo da divindade, porque o céu é verdadeiramente a região
deste fogo.

II. A nossa resistência

Mas, se aqui está o fim e o desejo de Nosso Senhor, se Ele não quer nem pode
querer outra coisa senão abrasar os vossos corações com este fogo divino, devereis vós
mesmos desejar e querer outra coisa? /23

Não sereis seus contraditores e seus inimigos, se em vós puserdes obstáculo


àquilo que deve assegurar a sua glória?

Não sereis seus inimigos se vos opuserdes ao seu mais ardente desejo e ao
grande desígnio que o chamou à terra? Não sereis os vossos próprios inimigos se não
abrirdes os vossos corações a esta chama sagrada, que é a fonte única da vossa santidade
e da vossa felicidade?

O Salvador. – É preciso que escolhais, ou de arder eternamente no fogo do amor


divino, ou de arder eternamente no fogo do inferno. Podeis hesitar um instante entre o
fogo do amor que fará a vossa felicidade como faz a da Santíssima Trindade mesma e o
fogo do inferno que faz o desespero, a raiva e a infelicidade sem fim dos demónios e
dos condenados?

III. A nossa cooperação

Este fogo que Nosso Senhor veio trazer e que Ele quer acender, não se há-de
acender no vosso coração, ou, pelo menos, nele não se há-de manter nem crescer, se vós
mesmos não quiserdes que nele se acenda, se o não sustentardes, se, pela vossa
cooperação, não alimentardes o seu ardor.

Recebestes o seu germe e a primeira faísca no baptismo. Nosso Senhor colocou-


o em vós por pura bondade. Era impossível merecer esta graça, mas Nosso Senhor
encarregou-vos de a conservar e de lhe fornecer sem cessar o alimento. Tende-lo feito
desde que acedestes ao uso da razão, desde que conheceis o valor da caridade e da graça
santificante? Quantas vezes tendes extinto em vós esta divina graça pelo pecado mortal?
Pelo menos procurastes reacendê-la recebendo como convém o sacramento da
Penitência? Se o fizestes, é ainda um novo benefício que deveis à bondade divina.

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Não sois bem culpados de ter deixado enfraquecer esta divina caridade pela
negligência e pela lassidão, por uma multidão inumerável de faltas veniais, cujo hábito
vos expunha a perder a graça inteiramente e talvez sem retorno?

Não tendes ainda de vos censurar não terdes feito uso ou de terdes usado mal
tantos meios de santificação, tantas graças interiores e exteriores, cujo objectivo era
fazer crescer em vós o fogo da caridade? Recordai os milhares de circunstâncias da
vossa vida em que Nosso Senhor pôs à vossa disposição um acrescimento de graça de
que não aproveitastes: tantas comunhões, santas missas, orações /24, leituras, exortações;
tantas luzes e impressões interiores; tantas lições dadas pelos acontecimentos
providenciais!

O Salvador. – Que é que eu pude fazer que o não tenha feito? Quantas vezes vos
quis ajudar e não o quisestes!

É agor o momento de deplorar as vossas faltas passadas e de gemer pela vossa


tibieza e lassidão presentes. Vós feristes de facto muito vivamente o meu Coração. Batia
à vossa porta e não me abríeis; chamava e não respondíeis às aproximações do meu
amor pela indiferença e ingratidão, senão mesmo por ofensas positivas.

Peço agora o vosso arrependimento e a reparação do passado, e ofereço-vos


novas graças para que tomeis santas e firmes resoluções para o futuro. É com este fim
que deveis fazer estas meditações sobre o santo amor. É para aprender e começar
seriamente a amar, é para acender este fogo que desejo tanto ver acender-se no vosso
coração.

Afectos e resoluções

Ó meu divino Jesus, aqui está o meu coração, eu vo-lo entrego e deixo que sejais
o seu mestre. Purificai-o, iluminai-o e preparai-o para receber o santo amor. É vosso
desejo, é também o meu. Não quero procurar as doçuras e as consolações por si
mesmas; mas gostava de retirar desta meditação uma vontade decidida de consagrar ao
amor de Deus todos os instantes da minha vida, de pôr em acção todos os meios para a
aumentar em mim e não ter outro objectivo dos meus pensamentos, dos meus desejos,
das minhas acções, dos meus sofrimentos.

15
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Ramalhete espiritual

- Ignem veni mittere in terram et quid volo nisi ut accendatur (Lc 12).
- Ignis autem in altari semper ardebit (Lev 6).
. Qui non diligit manet in morte (1Jo 3).
- Vim trazer fogo à terra e que quero senão que ele se acenda (Lc 12).
- O fogo do altar deverá arder sempre (Lev 6).
- Quem não me ama permanece na morte (1Jo 3). /25

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

QUARTA MEDITAÇÃO

O PRECEITO DO AMOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Mt 13

34. Pharisaei autem audientes quod silentium imposuisset sadducaeis, convenerunt in unum.
35. Et interrogavit eum unus ex eis legis doctor, tentans eum.
36. Magister, quod est mandatum magnum in lege?
37. Ait illi Jesus: Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo, et in tota anima tua, et in tota
mente tua.
38. Hoc est maximum et primum mandatum.
34. Os Fariseus, sabendo que Ele tinha reduzido ao silêncio os Saduceus
reuniram-se.
35. Um deles, um doutor da lei, interrogou Nosso Senhor para o tentar.
36. Mestre, qual é o maior mandamento da lei?
37. Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda
a tua alma e com todo o teu espírito.
38. Aqui está o maior e o primeiro mandamento.
Sumário. – O pecado tornou este preceito necessário para que nós amemos o
nosso Criador e o nosso Pai.

Ele é o nosso Senhor, o nosso criador infinito e todo poderoso. No entanto, não
pede somente de nós o temor, mas também o amor.

Ele é o nosso Deus, o nosso soberano bem. Recebemos d’ Ele tudo na ordem da
natureza, temos tudo a esperar d’ Ele na ordem da graça e da glória: é portanto um dever
tão justo como doce este de o amarmos.

Como é vantajoso e premente este amor que eleva o nosso coração até Deus e
que assegura a nossa salvação!

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

2. Meditação

O discípulo. – Falai, Senhor, o vosso humilde servo escuta. Devíamos amar-vos


espontaneamente. Vós sois o nosso Deus e o nosso tudo. Mas porque a nossa pobre
natureza se desviou do bem pelo pecado, /26 ordenai, mandai que vos amemos, e
reconduzi-nos aos vossos pés onde havemos de encontrar a felicidade prestando-vos o
dever do nosso amor.

I. O preceito tornou-se necessário no seguimento do pecado

Reflexões. – Vós não devíeis ter necessidade deste preceito. Esta inclinação
estava no fundo do vosso ser. Amar a Deus, era o grito da natureza ela mesma depois da
criação. Que necessidade havia de vos ameaçar com o inferno, se não amásseis o vosso
Deus, como se não o amar não fosse uma pena demasiado grande e mesmo a maior de
todas!

Sim, mas pelo pecado a vossa natureza afastou-se do seu próprio fim. É hoje,
infelizmente, uma natureza degradada e desencaminhada, e este mandamento e estas
ameaças tornaram-se necessárias. E o que representa o cúmulo à vossa humilhação, é
que, apesar deste preceito absoluto e das ameaças terríveis, ainda não sabeis amar,
tendes tanta dificuldade em amar e amais tão fracamente a Deus, enquanto o vosso
coração se agarra com furor a tantos objectos estranhos a Deus. Humilhai-vos e haveis
de meditar com fruto o preceito que Deus vos deu.

Observai primeiro o que Ele disse, que é o primeiro e o maior dos preceitos. É o
primeiro: não há e não pode haver nada antes dele; está necessariamente à cabeça de
todos os outros. É o maior pela majestade do seu objecto, trata-se de Deus; pela nobreza
do sentimento que comanda, trata-se do amor; pela extensão da sua matéria,
compreende tudo e tudo a ele se refere; pelo seu fim, que é a glória de Deus e a
felicidade da criatura; pelo rigor da sua obrigação, de que nada pode dispensar-se, em
nenhum tempo, em nenhum lugar, em nenhuma circunstância; pela pena que arrasta
consigo a sua infracção, a infelicidade do homem que o viola.

O Salvador. – Sim, é um preceito rigoroso, mas foi o meu amor por vós que mo
ditou.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. É um preceito tão doce como justo

É o teu Senhor e o teu Deus que deves amar. É o Senhor por excelência, o
Senhor único, ao qual este nome pertence de uma maneira incomunicável; é o Senhor
diante do qual os outros senhores e mestres tremem e reconhecem que mais não são do
que nada, que recebem d’ Ele a sua autoridade, e que não devem usar dela senão em seu
nome, segundo as suas intenções e para a sua glória. É o Ser supremo, o único /27
grande, o único perfeito, o único existente pela necessidade da sua natureza, o único
infinitamente amável em si mesmo e por si mesmo.

Pobre e vil criatura, o temor e o respeito deviam manter-te aniquilado diante d’


Ele; Ele quer que tu O ames, que tu aspires às suas confidências, à sua familiaridade
mais íntima; que o amor te faça entrar em sociedade com as suas imensas riquezas, que
tu partilhes com Ele a sua glória e a sua felicidade.

Ele quer isso tão ardentemente como se isso fosse necessário à sua felicidade.
Abaixa-se até ti pedindo-te o teu amor para te elevar até si e te consumar na sua
unidade. Que inefável condescendência! Que incomparável favor!

Ele não aceita o teu temor, se ele não te conduz ao amor; não se sente lisonjeado
com a tua homenagem, se não é o amor que a dita.

Preveniu-te, e não pede o teu amor senão depois de te ter dado testemunhos
incompreensíveis do seu.

Amarás o Senhor teu Deus. Mas o teu Deus, é o teu soberano bem, o teu único
bem. Fez-se para o possuíres, dá-se a ti. É para ti, se O amas, e na proporção em que O
ames.

Teu Deus: na ordem da natureza, criou-te, fez-te tudo o que tu és. Conserva-te
em cada instante. A sua mão poderosa que te tirou do nada impede que nele não caias de
novo pelo teu próprio peso. Recebes d’ Ele todos os bens de que gozas; não podes
esperar senão d’ Ele todos aqueles que esperas; são menos os frutos da tua indústria do
que da liberalidade e das atenções da providência divina. Mas que é tudo isso em
comparação com o valor do teu Deus? O universo há-de passar e o teu Deus te restará;
se tu possuis o teu Deus, tu és mais rico do que se dispusesses da natureza inteira.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

É o teu Deus na ordem da graça. Tinha-te colocado, na pessoa dos teus


primeiros pais, num estado ao qual não terias podido aspirar. E quando decaíste deste
feliz estado pelo pecado, restabeleceu-te ainda mais vantajosamente adoptando-te como
seu filho na pessoa do seu Filho único. Dá-te abundantemente todos os socorros para
chegares ao teu fim. Perdoa-te de cada vez que vens ter com Ele depois de O teres
ofendido e é Ele que te solicita para voltares e que dá os primeiros passos. Que motivo
não tens tu para amar aquele que, não tendo nenhuma necessidade de ti, por primeiro te
amou assim para que tu por tua vez o ames também!

Ele quer ser ainda o teu Deus na ordem da glória. Destinou-te à eterna posse de
si mesmo e à partilha da sua própria felicidade. Elevará a tua inteligência à capacidade
de O veres face a face; alargará o teu coração para que possas nele receber as torrentes
de um deleite puro e infinito. /28

O Salvador. – Aqui está Aquele que tendo-te amado desde toda a eternidade e
querendo amar-te ainda durante a eternidade te ordena que o ames no curto espaço desta
vida, para conseguires vê-lo, amá-lo e possuí-lo para sempre. Vais então descobrir que
este mandamento não é doce nem fácil? Não vim ainda manifestar-te o meu Coração
para te tornar o preceito do amor mais fácil e mais atraente?

III. Como este preceito é vantajoso e premente

Considera ainda como este preceito é vantajoso e premente. Este amor eleva e
enobrece a alma. O teu coração aperfeiçoa-se exercitando-se neste grande objecto onde
descobre sem cessar belezas deslumbrantes. Que nobres pensamentos o espírito humano
vai colher na divindade! Que rectidão e que sabedoria o homem adquire ao aplicar-se a
julgar as coisas segundo Deus! Como deve ser puro e santo o coração que ama aquele
que é a pureza e a santidade por essência! Que paz, que alegria se encontra no amor!
Que contraste com a alma que se demora no amor das criaturas terrestres e grosseiras!

Como este preceito é urgente! Tu estás sempre à porta da eternidade. Só depende


de Deus que tu nela entres a todo o instante. Se tens o seu amor no coração, estás salva,
se não o tens, estás irremediavelmente perdida.

20
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O Salvador. – Tu não sabes se és digno de amor ou de ódio, se tens a graça


santificante e a caridade no grau suficiente, e qual outro meio de dela te assegurares a
não ser consagrares deste o presente o teu espírito e o teu coração ao amor de Deus?

O teu grau de glória e de felicidade no céu há-de corresponder ao grau de amor


que tiveres tido na terra, será que quererias como os medíocres e os indolentes aspirar
apenas aos últimos lugares, com o risco de ser totalmente excluída?

Finalmente o céu está aberto apenas à caridade pura. Quando mais estiveres
afastada na morte, tanto mais longa será a tua purificação nas chamas do purgatório.
Que loucura não trabalhar para se subtrair a estas longas e terríveis penas!

Afectos e resoluções

Vós sois o meu Deus, meu tesouro e meu tudo. Amastes-me por primeiro e
ordenais que vos ame para que eu encontre /29 neste amor a minha salvação e a minha
felicidade. Este mandamento tem a sua fonte no vosso amor por mim. É tão doce quanto
justo. A lei que me impõe fará a minha felicidade nesta vida e na outra. Quero observá-
lo em cada uma das minhas acções.

Ramalhete espiritual

- Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo (Mt 22).


- Hoc est maximum et primum mandatum (Mt 22).
- Et si habuero prophetiam et noverim mysteria omnia et omnem scientiam... caritatem autem
non habuero, nihil sum (1Cor 13).
- Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração (Mt 22).
- Este é o maior e o primeiro mandamento (Mt 22).
- Se tivesse o dom de profecia e possuísse todos os mistérios e todas as ciências,
se não tiver caridade, não sou nada (1Cor. 13)./30

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

QUINTA MEDITAÇÃO

OS BENEFÍCIOS DE DEUS

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 3.

16. Sic enim Deus dilexit mundum ut filium suum unigenitum daret: ut omnis qui credit in eum,
non pereat, sed habeat vitam aeternam.
17. Non enim misit Deus Filium suum in mundum, ut judicet mundum, sed ut salvetur mundus
per ipsum.
18. Qui credit in eum non judicatur: qui autem non credit, jam judicatus est: quia non credit in
nomine unigeniti Filii Dei.
16. Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único, para que
todo o que n’ Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
17. Na verdade Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo,
mas para que ele seja salvo.
18. Quem acredita n’ Ele não será julgado; mas quem não acredita n’ Ele já está
condenado, porque não crê no nome do Filho único de Deus.
Sumário. Se há um meio capaz de fazer nascer, alimentar e aumentar em nós o
amor de Deus, é sem contradição a meditação nos seus benefícios.

Fomos com eles investidos; são imensos, contínuos e sem número do lado da
natureza: Deus é o nosso Criador, o nosso Pai, a nossa Providência.

São incomparavelmente maiores do lado da graça: Deus deu-nos o seu divino


Filho e com Ele deu-nos todos os bens. Deu-nos a Igreja, os sacramentos e o céu com as
suas alegrias eternas.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação

O discípulo. – Falai-me, ó meu Salvador, dos benefícios que devo ao vosso Pai
celeste que é também o meu. Sei que vivi na ingratidão, mas gostava de compreender

22
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

melhor ainda para me corrigir. Despertai o meu amor que é demasiado fraco e indolente.
/31

I. A recordação dos benefícios de Deus

Reflexões. – A vossa mais doce ocupação deveria ser evocar sem cessar a
recordação dos benefícios do vosso Pai celeste, meditá-los, aprofundá-los.

É uma matéria inesgotável, nela não há nada que não seja cheio de consolação e
de enternecedor para o coração, está ao vosso alcance e não exige uma grande
contenção do espírito. A intenção do vosso Pai celeste é que penseis nisso mais
frequentemente do que em nenhuma outra coisa e que os não percais jamais de vista.
Assinalou-a em centenas de lugares da Sagrada Escritura. Muitas vezes censurou Israel
de esquecer o seu Criador e o seu Deus (Dt 32; Is 51, etc.). Convida-vos a guardar esta
recordação; ordena-vos que o recordeis para a sua glória e para o vosso benefício; ligou-
lhe graças infinitas.

E vós, ingratos e insensatos, gozais dos benefícios de um Deus criador, de um


Deus salvador, e com dificuldade vos acontece reflectir nisso e assinalar o vosso
reconhecimento. Rezais bastante para lhe pedir, não rezais quase nunca para lhe
agradecer e o glorificar.

Seria demasiado dar cada dia uma meia hora, um quarto de hora pelo menos para
meditar nos inefáveis benefícios do vosso Deus, prestar-lhe acções de graças, excitar em
vós os sentimentos que a sua bondade merece? Não seria este o melhor emprego do
tempo do que dais cada dia a exercícios de piedade muitas vezes bem vazios? Ó como
vos encontraríeis bem com esta prática e como o amor de Deus tomaria o melhor
crescimento na vossa alma!

Deus pedir-vos-á contas do emprego do vosso tempo e das vossas faculdades.


Porque é que, dir-vos-á, quase nada tendes pensado nos meus benefícios? Porque é que
os mistérios da religião não estiveram sempre presentes no vosso espírito? Porque é que
não tendes reflectido em tantas graças pessoais de que a vossa vida não era mais do que
um tecido?

Mesmo as pessoas do mundo têm este dever. As riquezas têm os seus


inconvenientes e os seus perigos, mas têm também as suas vantagens em relação à

23
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

salvação e à santidade, na medida em que proporcionam mais liberdade para se


ocuparem das coisas da religião e, ordinariamente, uma educação que dispõe a melhor
as conceber e a delas tirar mais fruto. Permitem que se procurem bons livros de
piedade. Os que têm estas vantagens serão porventura desculpados, se negligenciam
alimentar em si a recordação dos benefícios de Deus através das leituras e meditações
diárias; se despendem todos os seus tempos livres em visitas, no jogo, nos espectáculos,
nos divertimentos frívolos; /32 se as suas leituras se limitam aos livros de ciência profana
ou mesmo a matérias pueris e perigosas?

O Salvador. – Não vo-lo disse, falando à bem-aventurada Margarida Maria: a


vossa ingratidão foi a causa mais activa das angústias da minha agonia.

II. A paternidade divina

Recordai-vos dos principais títulos do vosso Pai celeste ao vosso amor. E, em


primeiro lugar, Ele é vosso Pai. Será que se encontra na natureza um título que dê mais
direito a ser amado do que este? E é-o de um modo eminente. É o criador do vosso
corpo e da vossa alma e o autor da sua união. É só d’Ele que recebeis as vossas
faculdades e as vossas qualidades naturais. Somente por Ele é que continuais a existir
em cada instante. É Ele que provê em cada instante às vossas necessidades, às vossas
comodidades e mesmo aos vossos prazeres; porque vós não gozais de nenhum, mesmo
contra a sua vontade sem que seja Ele que vos forneça os seus elementos. Poderia
retirar-vos tudo aquilo que vos deu, quando disso abusais para o ofender.

É o vosso Pai a um título mais excelente ainda na ordem sobrenatural, porque


vos adoptou como seus filhos. É o vosso Pai por graça, como é o Pai de Nosso Senhor
por natureza. Tornai-vos em Jesus o objecto da sua complacência. Estende até vós a
ternura infinita que tem por Ele. Este benefício é tão grande que os anjos dele seriam
invejosos se o pudessem ser.

Todas as consequências desta paternidade são outros tantos motivos de ainda


mais amardes a Deus. Entrais por adopção na família de Deus. Sois incorporados nesta
família da qual Jesus é o primogénito. Pertenceis à casa do vosso Pai não na qualidade
de servos, mas na qualidade de filhos. Jesus não faz distinção a este respeito entre vós e

24
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Ele, como o observais no Evangelho: «Meu Deus e vosso Deus; meu Pai e vosso Pai»
(Jo 20, 17).

O Salvador. – Sim, tendes direito a uma ternura especial, a atenções, a cuidados


da parte de meu Pai, que vos considera como um outro Eu mesmo, que vos prodigaliza
o seu afecto e as suas carícias, que vive por assim dizer em vós, que partilha as vossas
alegrias e as vossas mágoas, que não se aplica senão a tornar-vos felizes e que nisso
coloca a sua glória. Na parábola do filho pródigo, mostrei-vos os sentimentos de ternura
que Ele tem mesmo pelos pecadores.

Tendes finalmente um direito adquirido e assegurado à herança celeste, se vos /33


não obstinardes a vos deserdar a vós mesmos. E esta herança, é a posse de Deus mesmo.
É a participação na sua felicidade infinita e isto por toda a eternidade, na mais perfeita
segurança e quietude. Na meditação destes benefícios inefáveis compreendereis sempre
melhor a obrigação de amar o meu Pai.

III. Deus deu-nos o seu próprio Filho para nos salvar

Não se contentou em adoptar-vos, deu-vos o seu próprio Filho. Enviou-O para


vos resgatar. Poderia fazer-vos um maior dom e testemunhar-vos um amor maior? S.
Paulo compreendeu-o: «Aquele, diz, que não poupou o seu próprio Filho, mas que O
entregou por todos nós, não nos deu tudo com Ele?» (Rom 8). Se tivesse sido posta à
vossa disposição a liberdade de pedir a Deus a garantia de amor que vos apetecesse,
alguma vez teríeis pensado nisto? Teríeis ousado propô-lo? Não podeis senão confessar
a vossa impotência a dar-lhe o amor e as acções de graças que merece.

Sem dúvida vós deveis tudo dar e dar-vos a vós mesmos ao vosso Pai celeste,
que vos deu o seu Filho único, mas o que é o dom de tudo o que vos pertence e o dom
de vós mesmos? O que é o amor mais generoso de que uma criatura seja capaz para
reconhecer dignamente o derradeiro esforço do amor de Deus? Já vos deveis a Ele a
muitos títulos; que podereis acrescentar para este, que ultrapasse infinitamente todos os
outros?

E em que circunstâncias vos deu o seu Filho? Deu-vos quando éreis seus
inimigos, dignos da sua eterna desgraça e da sua maldição. Apenas o seu amor o
solicitou em vosso favor. S. Paulo nota-o: «O que revela, diz, a caridade de Deus a

25
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

nosso respeito, é que quando nós éramos ainda pecadores, Jesus Cristo morreu por nós»
(Rom 5). E porque é que vos deu o seu Filho? Para vos colocar de novo o mais à frente
do que nunca nas suas boas graças; para vos restabelecer com vantagem nos direitos
donde havíeis decaído; para não mais vos ver senão no seu Filho único, objecto da sua
complacência; para estender até vós o amor infinito que tem por Ele.

O Salvador. – E como é que o meu Pai vos deu o seu Filho? Sacrificando-O por
vós! Imolando-O à sua justiça em vosso lugar; descarregando todo o peso da sua
vingança sobre este Filho bem-amado, a fim de vos fazer misericórdia, a vós seus
inimigos. Aqui está precisamente o triunfo do amor divino! /34

Doravante, em vista deste Filho único, tornado vosso resgate e vosso irmão, o
meu Pai derrama sobre vós com profusão todas as graças necessárias à vossa
santificação. Estas graças perseguem-vos por toda a parte e o meu Pai não se cansa.
Esperou-vos depois das vossas faltas; perdoou-vos todas as vezes que regressastes para
Ele. Ele mesmo vos estende a mão e vos procura quando caístes. Abriu-vos uma fonte
infinita de misericórdia permitindo que o meu Coração seja penetrado pela lança.
Enriqueceu-vos com os meus sofrimentos e as minhas expiações. Como é que não
havíeis de O amar?

Afectos e resoluções

Ó meu Deus, a minha ingratidão é monstruosa, compreendo-o, se não amar com


todo o meu coração e em todos os instantes da minha vida, um Pai tal como vós, que dá
direito sobre tudo o que Ele tem e que quer associar-me a toda a sua glória, a toda a sua
felicidade. Perdoai a minha ingratidão passada e fortificai-me no vosso amor.

Ramalhete espiritual

- Sic Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret (Jo 3).
- Ipse prior dilexit nos et misit Filium suum propitiationem pro peccatis nostris (1Jo 4).
- Qui etiam proprio Filio suo non pepercit sed pro nobis tradidit illum, quomodo non etiam cum
illo omnia nobis donavit (Rom 8).
- Deus amou de tal modo o homem que lhe deu o seu único Filho (Jo 3).
- Amou-nos primeiro e enviou o seu Filho como vítima pelos nossos pecados
(1Jo 4).

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

- Se não poupou o seu próprio Filho e entregou-o por todos nós, como não nos
teria dado tudo com Ele (Rom 8).

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

SEXTA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA


TORNANDO-SE NOSSO IRMÃO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 1

1. In principio erat Verbum, et verbum erat apud Deum, et Deus erat Verbum.
2. Hoc erat in principio apud Deum.
3. Omnia per ipsum facta sunt, et sine ipso factum est nihil, quod factum est.
4. In ipso vita erat, et vita erat lux hominum.
5. Et lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non comprehenderunt.
6. Fuit homo missus a Deo, cui nomen erat Joannes.
7. Hic venit in testimonium ut testimonium perhiberet de lumine, ut omnes crederent per illum.
8. Non erat lux, sed ut testimonium perhiberet de lumine.
9. Erat lux vera, quae illuminat omnem hominem venientem in hunc mundum.
10. In mundo erat, et mundus per ipsum factus est, et mundus eum non cognovit.
11. In propria venit, et sui eum non receperunt.
12. Quotquot autem receperunt eum, dedit eis potestatem filios Dei fieri, his qui credunt in
nomine ejus.
13. Qui non ex sanguinibus, neque ex voluntate viri, sed ex Deo nati sunt.
14. Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis: et vidimus gloriam ejus quasi unigeniti a
Patre, plenum gratiae et veritatis.
1. No princípio era o Verbo; e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
2. Estava no princípio com Deus.
3. Todas as coisas foram feitas por Ele; e nada do que foi feito, não o foi sem
Ele.
4. N’ Ele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
5. E a luz brilhou nas trevas e as trevas não a compreenderam.
6. Houve um homem enviado por Deus, que se chamava João.
7. Ele veio servir de testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos
cressem por meio dele.
8. Ele mesmo não era a luz, mas tinha vindo para dar testemunho da luz.
9.Aquele era a luz verdadeira, que ilumina todo o homem que vem a este mundo.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

10. Estava no mundo, e o mundo tinha sido feito por Ele; e o mundo não /36 O
conheceu.
11. Veio para o que era seu, e os seus não O receberam.
12. Mas deu o poder de se tornarem filhos de Deus a todos os que O receberam;
àqueles que crêem no seu nome.
13. Os quais não nasceram dos sangues, nem da vontade da carne, nem da
vontade do homem, mas de Deus.
14. E o Verbo fez-se carne e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória, como
Filho único do Pai, sendo cheio de graça e de verdade.
Sumário. – Deus é amor: Deus charitas est. O Verbo sendo Deus é todo amor.
Fazendo-se homem, concentra todo o seu amor num coração humano. O mistério da
Incarnação é, portanto, o mistério do amor divino tornado sensível e palpável.

Amando a humanidade de Cristo, amamos Jesus, amamos Deus, porque Jesus é


Deus.

Jesus é sempre Emanuel, permanece connosco, mas mais intimamente com os


justos e particularmente com os seus padres.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação

O discípulo. – Bom Mestre, eis-me aqui aos vossos pés, falai, tenho sede de vos
amar; dizei-me todo o amor que tendes testemunhado no mistério da Incarnação.

I. O mistério da Incarnação é o mistério do amor divino tornado


sensível e palpável

Reflexões. – O mistério da Incarnação é um mistério de amor. Deus Pai deu o


seu Filho aos homens, porque os amava: Sic Deus dilexit mundum ut Unigenitum suum
daret. É o mistério de um Deus que ama o homem até Ele mesmo se fazer homem.
Fazendo-se homem, o Filho não pôde deixar de ser todo amor, porque teria deixado de
ser Deus. E porque o coração é o nobre órgão da afeição dos homens, o seu Coração
concentra todo o seu amor. O amor do seu Coração é ao mesmo tempo totalmente um

29
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

amor divino e um amor humano. É o amor divino humanizado. A festa da Anunciação


é, portanto, a grande festa do seu amor.

O Salvador. – Fazendo-me carne, ao revestir uma forma sensível, visível e


tangível, tornei o amor divino palpável, perceptível aos sentidos /37 dos homens. Eis
porque a contemplação da minha humanidade santa leva aos corações que a ela se
entregam o meu divino amor. Estas formas sensíveis da minha humanidade facilitam
aos homens a produção de actos de amor para comigo. O objecto deste amor os
diviniza. Ao amarem a minha humanidade, amam-me a mim, amam, portanto, a Deus,
porque Eu sou Deus.

II. Ao amarmos Jesus amamos a Deus

Ao amarmos assim a Nosso Senhor, prestamos glória ao seu Pai, porque


amamos o prodígio que realizaram por nós o amor do Pai e o do Filho.

O Salvador. – A minha amorosa condescendência por vós levou-me a revestir as


formas perecíveis e grosseiras da carne.

Aceitei todas as fraquezas e todas as misérias da infância. Se me fiz criança para


mostrar a ternura do meu amor, farão assim demasiado ao se abaixarem até esta criança
para contemplarem os mistérios da sua ternura e lhe darem amor por amor?

Quando disse ao meu Pai: Ecce venio, dois amores fundiam-se em mim: o amor
pelo meu Pai e o amor pelos homens que aceitava como irmãos. Estes dois amores estão
reunidos no meu Coração. Amo os homens pela glória do meu Pai e pela sua própria
felicidade. Quero que reconheçam o amor que lhes testemunhei tornando-me seu irmão,
habitando entre eles.

III. Jesus permanece sempre entre os homens

Jesus é sempre o Emanuel, porque está sempre no meio dos homens seus irmãos:
Deliciae meae esse cum filius hominum. Tem no meio deles uma dupla vida: a vida
humilde e escondida dos tabernáculos e a sua vida misteriosa nas almas.

Sem que o seu corpo glorificado deixe os esplendores do céu onde faz a
felicidade dos eleitos, a sua humanidade não está menos, de uma maneira misteriosa e
incompreensível, na Igreja militante, porque é indivisível e indecomponível. Isto ajuda a

30
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

compreender como sofre misteriosamente pelas faltas de correspondência à sua graça,


das resistências à acção do seu amor.

A sua presença tem, no entanto, graus diferentes. Aqueles que têm a vida da sua
graça vivem da sua vida, porque a graça lhes vem por Ele. No padre, está presente mais
intimamente ainda. A unção sacerdotal liga-o ao padre por um laço de amor, e sofre
quando em lugar do amor /38 que tem direito de encontrar, não recolhe senão indiferença
e tibieza. Sofre mais vivamente ainda quando o padre ao qual se ligou por amor se dá ao
seu inimigo que personifica o ódio da sua pessoa sagrada. É por isso sobretudo que Ele
quer padres que O amem muito para O compensarem dos sofrimentos que lhe causam
os maus. É feliz por fruir do coração de um padre que O ama. Reserva aos padres que O
amam tesouros de ternura. O seu Pai também os ama com um amor de preferência,
porque partilham o seu amor por Ele. Alegra-se por vê-lo amado. Pedi, portanto, a Deus
que multiplique os bons padres para a consolação do seu divino Filho.

O Salvador. – O padre que me ama, torna-se particularmente meu amigo. Como


Sacerdote eterno, sou feliz por me assimilar, por me unir, tanto quanto isso seja
possível, ao padre que me ama.

Este amor do padre por mim deve crescer até que não mais encontre nele a
mínima resistência aos meus desejos, até que o seu coração se consuma por mim. Então
ele mesmo me enche de amor por ele, já não posso recusar-lhe nada e elevo-o a um alto
grau de união comigo.

Quereria uma falange de padres de elite, animados deste ardente amor para que
Eu possa unir-me muito particularmente a eles e me compensar do que me fazem sofrer
os maus.

Afectos e resoluções

Senhor Jesus, esta união que pedis e que é tão desejável para nós depende ao
mesmo tempo da vossa graça e da nossa boa vontade. A vossa graça não falta, mas a
nossa boa vontade é muito fraca. Fortificai-a, ajudai-a, para que pratiquemos todas as
acções na vossa presença e por vosso amor. A vossa graça concluirá a união que a nossa
boa vontade tiver preparado.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Ramalhete espiritual

- Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis (Jo 1).


- Vocabunt nomen ejus Emmanuel, nobiscum Deus (Mt 1).
- Non dicam vos servos, sed amicos (Jo 15).
- E o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1).
- Chamar-se-á Emanuel, Deus connosco (Mt 1).
- Já não vos chamo servos, mas amigos (Jo 15).

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

SÉTIMA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA NA


REDENÇÃO, E QUE É SIMBOLIZADO PELA ABERTURA DO SEU
CORAÇÃO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 10

11. Ego sum pastor bonus. Bonus pastor animam suam dat pro ovibus suis.
12. Mercenarius autem et qui non est pastor, cujus non sunt oves propriae, videt lupum
venientem, et dimittit oves et fugit: et lupus rapit et dispergit oves.
13. Mercenarius autem fugit, quia mercenarius est, et non pertinet ad eum de ovibus.
14. Ego sum pastor bonus: et cognosco meas et agnoscunt me meae.
15. Sicut novit me Pater, et ego agnosco Patrem: et animam meam pono pro ovibus meis.
11. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas.
12. O mercenário e aquele que não é o próprio pastor das ovelhas, vendo vir o
lobo, abandona as ovelhas e foge; e o lobo ataca e dispersa as ovelhas.
13. O mercenário foge, porque é mercenário e as ovelhas não lhe pertencem.
14. Eu sou o bom pastor: conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas
conhecem-me.
15. Como o meu Pai me conhece, Eu conheço o meu Pai e dou a vida pelas
minhas ovelhas.
Sumário. – A Paixão é a obra-prima do amor do Coração de Jesus. Como Nosso
Senhor nos disse, ninguém pode mostrar mais amor do que quem dá a sua vida pelos
seus amigos!

Foi o amor de Nosso Senhor por nós que inspirou toda a sua Paixão. A sua
agonia é particularmente a Paixão do seu Coração. O seu amor manifesta-se aí muito
especialmente.

Mas o seu amor conduziu-o através de todos os seus sofrimentos até morrer com
alegria por nós.

33
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação /40

O discípulo. – Fazei-me compreender todo o vosso amor, ó meu Salvador, a fim


de que eu não seja mais ingrato. Dizei-me o segredo de tanto abaixamento, de tantas
lágrimas e sofrimentos. Parece-me que todas estas chagas da vossa Paixão são outras
tantas bocas que me dizem para vos amar. Abri-me o vosso Coração para que aí eu
possa ler o vosso amor.

I. A Paixão é a obra-prima do amor do Coração de Jesus

Reflexões. – É bem verdade que depois de nos ter amado durante toda a sua vida,
Nosso Senhor manifestou o seu amor mais sensivelmente ainda na sua Paixão, como
no-lo diz S. João: Cum dilexisset suos, in finem dilexit eos (Jo 13). A Paixão é a obra
capital do seu amor. Tinha-a anunciado pelos profetas. Queria vir sofrer por nós, porque
nos amava. No salmos, dizia ao seu Pai: «Já não vos quereis contentar com vítimas
antigas pelo pecado, eu venho oferecer-me em seu lugar» (Sl 39).

Em Isaías, anunciava que Ele mesmo viria, instrumento e vítima da justiça


divina, pisar o lagar e corar os seus vestidos como aqueles dos vindimadores; e assim
indicava que fulminaria apenas sobre ele para a todos nos libertar dos nossos pecados
(Is 63).

Noutros lugares Isaías recorda-nos ainda que Nosso Senhor se oferecia ao seu
Pai como vítima de expiação, porque lhe queria bem e por amor por nós: Oblatus est
quia ipse voluit (Is 53).

Era a Paixão que o profeta Habacuc tinha em vista quando exclamava: «Senhor,
ouvi falar da vossa obra, da vossa obra por excelência e fui tomado de pasmo: Domine,
audivi auditionem tuam et timui (Hab 3).

34
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

S. Paulo não deixa de estar num êxtase de amor ao contemplar este admirável
mistério. Recorda aos Romanos1, aos Coríntios2, aos Efésios3, como Nosso Senhor dá a
sua vida por amor por nós, para expiar os nossos pecados. Descreve aos Colossenses
Nosso Senhor tomando sobre Ele o título da nossa dívida e pregando-o consigo na cruz:
Delens quod adversus nos erat chirographum decreti, affigens illud cruci (c. 2).

S. Pedro exclama: «Cristo morreu por nós, o justo pelos culpados!» (1Pd 3, 18).
E S. João, ao recordar-nos o motivo da Paixão, diz-nos: «Ele amou-nos e lavou os
nossos pecados no seu sangue: Dilexit nos et lavit nos a peccatis nostris in sanguine
suo» (Ap 1, 5)./41

COLÓQUIO

- O discípulo. – Bom Mestre, começo a compreender a intensidade do vosso


amor nos mistérios da vossa Paixão, ajudai-me a melhor a conhecer.

O Salvador. – Eu próprio vos exprimia toda a generosidade e toda a ternura do


meu Coração quando dizia aos meus discípulos: «Desejei ardentemente comer esta
páscoa convosco», e ainda: «Tenho pressa de ser baptizado com o baptismo do meu
sangue por vós» (Lc 22, 15; Lc 12, 50).

Vós deveis, portanto, tentar penetrar nas profundezas deste abismo de caridade e
excitar-vos ao amor do meu Coração vendo quanto vos amei.

Sou verdadeiramente, nos mistérios da minha Paixão, um livro escrito por dentro
e por fora (Ap 5), e o que está assim escrito, é o meu amor. Os chicotes, os espinhos, os
pregos escreveram-no em caracteres de sangue na minha carne divina, mas não vos
contenteis em ler e em admirar esta escritura divina do exterior, penetrai até ao meu
Coração e vereis uma maravilha ainda maior, é o amor mesmo, o amor inesgotável que
por nada conta tudo o que sofre e que se dá sem nunca se cansar.

Esta é a vocação de almas consagradas ao meu amor sob a aparência de todos os


meus mistérios, mas onde é que é possível vê-lo mais do que na minha Paixão? Se não o

1
Rom 5, 8.
2
1Cor 15.

35
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

virem ou se não o virem senão de um modo superficial, pouco proveito hão-de retirar
destes grandes mistérios dos meus sofrimentos e darão pouca glória a Deus.

A minha Paixão tira todo o seu valor, todo o seu mérito não tanto dos meus
sofrimentos exteriores como do meu Coração, do meu amor que inspirava o meu
sacrifício.

Quis suportar estes sofrimentos extraordinários a fim de melhor vos mostrar o


meu amor e de nada poupar para ganhar o vosso.

E como me tinha empenhado para com o meu Pai a sofrer tudo por vós, era o
voto do meu amor que cumpria em todas as circunstâncias da minha Paixão.

II. A agonia é particularmente a Paixão do Coração de Jesus

Reflexões. – A agonia é particularmente a Paixão do Coração de Jesus. É como a


fonte de onde brotam todos os outros mistérios dos seus sofrimentos. Preparou-os lá,
aceitou-os e fecundou-os no seu /42 Coração. Contemplou-os e resolveu-os e decidiu-os
no seu amor.

No céu, era no espírito de amor que se tinha oferecido ao seu Pai. Na Agonia, é
no seu Coração que aceita a sua Paixão por amor de nós. É a esta suprema generosidade
e a esta ternura extrema do seu Coração que S. Paulo se reporta quando diz que Nosso
Senhor tomou a cruz com alegria: Proposito sibi gaudio sustinuit crucem, confusione
contempta (Heb 12).

O Salvador. – O que mais chorei lá foi a vossa falta de amor e a vossa


ingratidão. A perspectiva dos sofrimentos a suportar era-me certamente sensível, mas
tinha facilmente a coragem de os enfrentar. O que me custava mais, e o que levava a
minha dor ao extremo, era a visão da vossa ingratidão para com o meu Pai e para
comigo, e sobretudo a das almas escolhidas que formam o meu povo de predilecção.
Sim, pensava, contarei como nada os chicotes, a coroa de espinhos, os opróbrios e a
cruz, suportaria mil outros tormentos se o pudesse para ganhar o coração dos homens, e
vejo que me pagarão com ingratidão. Nem posso contar com os meus amigos: haverá
Judas, apóstatas, traidores entre os ministros dos altares; haverá também almas tíbias

3
Ef 2.

36
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

que me pagarão com ingratidão. E era isto que então me era mais doloroso. Foi
necessária toda a imensidão do meu amor para me dar a força de aceitar e de beber este
cálice de amargura.

III. O seu amor conduziu-o através de todos os seus sofrimentos até


morrer com alegria por nós

Reflexões. – Podemos seguir também as manifestações do seu amor nos


opróbrios que quis sofrer, nos seus sofrimentos exteriores e na sua morte.

Não via nestes ultrajes senão a expiação do nosso orgulho. As suas humilhações
resgatavam-nos e salvavam-nos, era por isso que as amava.

O Salvador. – Sim, Eu amava os chicotes que curavam a vossa imortificação, as


vossas impurezas, a vossa busca de alegrias mundanas e de prazeres maus.

Amava a minha coroa de espinhos, os meus cravos e a minha cruz, que pagavam
o resgate de todos os vossos pensamentos e de todas as vossas acções culpáveis.

Ah! Bem que me custava ver a minha Mãe tão acabrunhada de dores. Também
muito me custava ser abandonado por meu Pai e como que amaldiçoado por Ele. Mas
era por vós, pela vossa salvação. Tinha sede de terminar o meu /43 sacrifício e tinha sede
do vosso amor.

Não me recuseis este amor de reconhecimento, este amor recíproco. Que mais
poderia Eu ter feito para ganhar os vossos corações?

Quis pela abertura do meu lado confiar-vos o segredo da minha Paixão e revelar-
vos a sua fonte. Foi o meu amor por vós, foi o meu Coração que me conduziu ao
Calvário. Não me recuseis o vosso amor.

Resoluções

Seria bem insensato e bem ingrato, ó meu bom Mestre, e vos recusasse o meu
coração depois que vos destes inteiramente por mim como vítima de expiação e de
amor. Tomai o meu coração, abrasai-o e fixai-o no vosso amor. Sou fraco e inconstante,
mas desejo amar-vos e prometo-vos pensar todos os dias na vossa Paixão para reanimar
o meu amor.

37
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Ramalhete espiritual

- Dilexit nos et lavit nos a peccatis nostris in sanguine suo (Ap 1, 5).
- Commendat autem caritatem suam Deus in nobis quoniam cum adhuc peccatores essemus
Christus pro nobis mortuus est (Rom 5, 8).
- Baptismo habeo baptizari et quomodo coarctor usquedum perficiatur (Lc 12, 50).
- Amou-nos e purificou-nos dos nossos pecados no seu sangue (Ap 5).
- Deus manifesta o seu amor por nós quando Cristo morre pelos nossos pecados
(Rom 5).
- Devo ser baptizado com um baptismo (de sangue) e ardo de desejo que isso
aconteça (Lc 12)./44

38
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

OITAVA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA NA


EUCARISTIA

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 6

48. Ego sum panis vitae.


49. Patres vestri manducaverunt manna in deserto et mortui sunt.
50. Hic est panis de coelo descendens: ut si quis ex ipso manducaverit non moriatur.
51. Ego sum panis vivus qui de coelo descendi.
52. Si quis manducaverit ex hoc pane, vivet in aeternum: et panis quem ego dabo, caro mea est
pro mundi vita.
48. Eu sou o pão da vida.
49. Os vossos pais comeram o maná no deserto e morreram.
50.Este é o pão que desceu do céu, e se alguém dele comer, não morrerá.
51. Eu sou o pão vivo descido do céu.
52.Se alguém comer deste pão, viverá eternamente: e o pão que Eu hei-de dar, é
a minha carne para a vida do mundo.
Sumário. – Todos os sacramentos são dons infinitamente preciosos do amor de
Nosso Senhor, mas particularmente a Eucaristia. Este é verdadeiramente o sacramento
do amor.

Foi por amor por nós que Nosso Senhor quis reproduzir sobre os nossos altares o
sacrifício do Calvário.

É por nosso amor que nos autoriza a participar no sacrifício comendo a sua carne
e bebendo o seu sangue na santa Comunhão.

É ainda por nosso amor que permanece nos nossos tabernáculos para ser o
companheiro e o consolador do nosso exílio, o nosso confidente, o nosso amigo e o
nosso benfeitor infatigável.

39
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação

O discípulo. – Eu sei, ó meu bom Mestre, que a Eucaristia é o sacramento do


vosso amor. Quisestes deixar-nos uma vítima de um preço infinito e permanecer
connosco como um amigo. Repeti-o para mim para eu reanimar o meu coração sempre
esmorecido. /45

I. O sacrifício do altar

Reflexões. – Todos os sacramentos são dons maravilhosos de Nosso Senhor, mas


a Eucaristia, que é ao mesmo tempo sacrifício e sacramento, ultrapassa todos os outros.
Nestes dá-nos a sua graça; na Eucaristia, dá-se a si mesmo por nós. Também S. João
teve razão ao dizer a propósito da santa Ceia que tendo sempre amado os seus
discípulos, Nosso Senhor mostrou-lhes um amor ainda maior neste momento supremo:
Cum dilexisset suos, in finem dilexit eos (Jo 13). E Jesus podia dizer aos seus apóstolos
depois da Ceia: «Como o meu Pai me amou, também Eu vos amei». E acrescentava:
«Permanecei no meu amor».

Quis permanecer connosco. Quis dar-nos, tanto quanto era possível, o belo
privilégio que tinha Adão de conversar com Deus. Já não podemos comunicar
directamente com o nosso Pai celeste, a nossa natureza enfraquecida não podia suportá-
lo sem morrer. Era preciso um intermediário entre o Filho culpado e o pai
misericordioso, Nosso Senhor fez-se este intermediário pela sua natureza humana.
Interveio como redentor e como resgate, permanece como sacerdote e vítima, como
alimento, como amigo, como defensor.

COLÓQUIO

- O discípulo. – Ó meu bom Mestre, como a vossa presença no altar é doce e


preciosa!

O Salvador. – Estou lá sobre o altar e ofereço-me por vós como me oferecia no


Calvário, embora de um modo não sangrento. Estou lá como o verdadeiro cordeiro de

40
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Deus, vítima de propiciação pelos nossos pecados e de impetração por todas as graças
de que tendes necessidade. Adoro o meu Pai em vosso nome, dou-lhe graças por vós,
intercedo por vós e ofereço os sofrimentos da minha Paixão pelos vossos pecados.

Estou lá com o meu Coração. O meu corpo é impassível sob o véu das santas
espécies, mas a minha alma não é insensível. Estou lá vivente, com a minha vida divina
e com a minha vida humana. Sem perder as alegrias da visão beatífica, experimento
sentimentos muito diversos. À mesma hora, muitos padres celebram o santo sacrifício
da missa. Estou presente nas mãos de cada um deles. Com alguns experimento no meu
Coração grandes consolações. Com outros sofre grandes mágoas. / 46 Nas mãos dos
padres sacrílegos, recebo indignos ultrajes. Quis expor-me a isto pondo-me à vossa
disposição como vítima dos vossos sacrifícios. É um profundo mistério de amor.

II. A santa Comunhão

Reflexões. – Não somente Nosso Senhor se oferece como vítima, mas dá-se a
nós na santa Comunhão. Nos participamos na vítima do altar. Comemos o seu corpo e
bebemos o seu sangue. Ele é o nosso pão da vida.

Sem deixar o céu, onde goza na glória da posse do seu Pai, está presente e
totalmente presente em cada pão eucarístico. O seu corpo está lá impassível, a alteração
das santas espécies não pode atingi-lo. Mas a sua alma não está inerte, não está
desprovida de sensibilidade. Faz as suas delícias de estar com os filhos dos homens.
Apraz-se de ser o seu Emanuel. Depois de ter cumprido a redenção, teria podido não
viver outra vida senão a sua vida de glória no céu. Mas o seu amor pelos homens é tão
grande, tão terno e tão apaixonado que quis permanecer com eles e dar-se a eles, ao
mesmo tempo que se regozija no seu Pai.

O discípulo. – Ó meu Salvador, como é grande a vossa bondade!

O Salvador. – No céu, vivo para glorificar o meu Pai e fazer a alegria dos santos.
Na Eucaristia, permaneço na alegria do meu Pai, mas vivo também para os meus irmãos
que estão na via da provação, intercedo por eles e comunico-me às suas almas. Quero
viver, permanecer, habitar no meio dos homens, dou-me a eles em alimento, venho
pedir-lhes para conversarem comigo como com o melhor dos seus amigos, mas
infelizmente, afectam não me compreenderem. Fecham-me o seu coração. Encontram a

41
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

afeição por mim indigna de um homem que se respeite. Esquecem que se me pus neste
estado humilhante, é porque amo, é porque cometo todas as loucuras do amor por
aqueles mesmos que me desconhecem e que são ingratos.

Estou lá sobre cada altar como se não estivesse em mais parte nenhuma. Estou
em cada comungante como se ele estivesse sozinho no mundo para me receber. Estou
em milhares de almas que me recebem no mesmo instante e estou em cada uma delas
como se não vivesse senão para ela. Vivo em cada um destes milhares de comungantes
como se houvesse mil Jesus experimentando impressões de alegria, de consolação ou de
pena segundo o modo como sou recebido. Mas sempre sou beneficente, bom, paciente,
pronto para perdoar ao pecador que se arrepende e a cumular de graças a alma de boa
vontade. /47

III. A santa presença de Jesus no tabernáculo

Não somente Nosso Senhor vem sobre o altar para se imolar e se dar em
alimento àqueles que comungam no sacrifício, mas quis permanecer habitualmente
connosco nos tabernáculos. Está lá como nosso rei, mas sobretudo como um benfeitor,
um irmão e um amigo. O tabernáculo é o seu trono de graças e de misericórdia. É
também como o gabinete de um amigo e de um consolador.

Ele está ao mesmo tempo em milhares de tabernáculos e está todo inteiro em


cada um deles.Vive aí no seu coração uma vida diferente segundo as consolações que
lhe dão ou os ultrajes que lhe infligem.

Para compreendermos isto, transportemo-nos em espírito numa capela onde Ele


se encontra exposto e adorado, envolvido por uma corte de almas piedosas que vêm,
umas fazerem-lhe uma guarde de honra como soldados ao seu imperador, as outras
rezarem-lhe pelas suas necessidades, outras oferecer-lhe uma reparação pelos ultrajes
que recebe; outras ainda, mais ternas e mais amantes, expandir os seus corações no seu.
Ele experimenta uma consolação verdadeira. O seu Coração está emocionado. Observa
estas almas com complacência; intercede por elas com um grande amor junto do seu
Pai; muitas vezes compraz-se em aí depor uma destas doces impressões que fazem
estremecer uma alma humana e são como um antegozo das alegrias do céu. Não poupa
nunca as suas graças a quem não poupa o seu amor. O seu Coração experimenta

42
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

sentimentos de verdadeiro reconhecimento. É sensível a estes sinais de adoração, de


confiança e de afeição.

Se agora passardes numa igreja deserta onde se encontra sozinho e esquecido


dos homens no tabernáculo, pensais que possa experimentar as mesmas consolações?
Está lá a interceder pela paróquia que O esquece. As adorações da corte celeste que O
envolvem são sem dúvida uma glória para Ele, mas não tomam o lugar dos sinais de
afeição e de amor que veio pedir aos homens. A sua ingratidão não impede de interceder
por eles, porque os ama na mesma, mas o seu Coração sente uma mágoa por isso e esta
mágoa é muitas vezes bem cruel.

Algures mesmo é objecto de profanações e de insultos. Apesar de tudo isto, quis


permanecer connosco, para nos dar o maior sinal do seu amor e para nos pedir o nosso.

O discípulo. – Que havemos de fazer, bom Mestre, para vos consolar?

O Salvador. – As honras prestadas ao sacramento do altar, as comunhões das


almas fervorosas são para o meu Coração uma grande compensação. /48

Comprazo-me a espalhar as minhas bênçãos sobre as almas que me visitam com


amor, sobre as comunidades fervorosas onde pensam em mim, onde vêm conversar
comigo através das portas dos tabernáculos ou diante dos véus do pão sagrado exposto
aos olhares. Esqueço no meio destas almas amantes todas as mágoas que experimento
nos tabernáculos onde me abandonam.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Compreendo melhor agora, ó meu bom Mestre, todo o amor que me


testemunhais no sacramento da Eucaristia, e estou confuso e desolado por não ter
respondido melhor até ao presente. Perdoai-me. Aquecei o meu coração e inflamai-o
com o incêndio do vosso amor.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Deliciae meae esse cum filiis hominum (Prov. 8).


- Ego sum panis vivus qui de coelo descendi (Jo 6).
- Non relinquam vos orphanos, veniam ad vos (Jo 14).

43
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

- Faço as minhas delícias em habitar com os filhos dos homens (Prov. 8).
- Eu sou o pão vivo descido do céu (Jo 6).
- Não vos deixarei órfãos, virei a vós (Jo 14).

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

NONA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA NOS


OUTROS SACRAMENTOS

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 22.

19. Cum ergo sero esset die illa, una sabbatorum, et fores essent clausae, ubi erant discipuli
congregati propter metum judaeorum; venit Jesus et stetit in medio, et dixit eis: Pax vobis.
20. Et cum hoc dixisset, ostendit eis manus et latus. Gavisi sunt ergo discipuli, viso Domino.
21. Dixit ergo eis iterum: Pax vobis. Sicut misit me Pater, et ego mitto vos.
22. Haec cum dixisset, insuflavit, et dixit eis: Accipite Spiritum sanctum.
23. Quorum remiseritis peccata, remittuntur eis et quorum retinueritis, retenta sunt.
19. Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro dia da semana, as portas da casa
onde os discípulos estavam reunidos com medo dos Judeus estando fechadas, Jesus veio
e encontrou-se no meio deles e disse-lhes: A paz esteja convosco.
20. E depois de ter dito estas palavras, mostrou-lhes as suas mãos e o seu lado.
Os discípulos tiveram então uma grande alegria por verem o Senhor.
21. Então disse-lhes uma segunda vez: A paz esteja convosco! Como o meu Pai
me enviou, Eu vos envio (para a salvação dos homens).
22. Tendo dito estas palavras, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito
Santo.
23. Os pecados serão perdoados àqueles aos quais perdoardes, e serão retidos
àqueles aos quais os retiverdes.
Sumário. – Os sacramentos são o dom do Coração de Jesus. Ao permitir que o
seu Coração fosse aberto e que dele saísse sangue e água, quis mostrar-nos que o seu
coração é a fonte dos sacramentos simbolizados por este sangue e esta água.

Que dons preciosos nós temos seja nos sacramentos que nos dão a vida
espiritual, seja naqueles que a desenvolvem!

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

45
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

2. Meditação. /50

O discípulo. – Bom Mestre, mostrai-me o dom do vosso amor nos sacramentos.


Tenho necessidade de vos amar, não encontro noutro lugar alegria tão verdadeira;
ajudai-me mostrando-me o amor que vos devo.

I. Os sacramentos são o dom do Coração de Jesus

Reflexões. – Os sacramentos são o dom do Coração de Jesus. Nós já o vimos


para a Eucaristia.

A Igreja e os seus tesouros estavam simbolizados pela água e pelo sangue que
saíram do lado de Jesus no Calvário. Fora assim que Eva, figura da Igreja, saíra do lado
de Adão. A água e o sangue representavam o Baptismo e a Eucaristia, que são os
principais entre os sacramentos.

Quando Nosso Senhor instituiu a Penitência depois da sua ressurreição, mostrou


aos seus apóstolos a chaga do lado que era a fonte das melhores graças. Foi então que
lhes disse, enquanto eles manifestavam a sua alegria e o seu reconhecimento: «Recebei
o Espírito Santo, os pecados serão perdoados àqueles que os perdoados e serão retidos
àqueles aos quais os retiverdes».

Foi naqueles dias em que todos os abismos do seu amor estavam abertos que
organizou o reino de Deus com as sete fontes de graça que dão a vida espiritual ou que a
desenvolvem. E vêde como este dons respondem às necessidades das vossas almas: o
Baptismo faz-vos filhos de Deus e introduz-vos na vida sobrnatural; a Confirmação
fortifica-vos para o combate; a Eucaristia nutre a vossa alma com o alimento mais
fortificante e mais suave; a Penitência restitui-vos a vida quando a perdestes, ela cura-
vos de todas as vossas faltas; a Extrema-Unção vem acabar de saldar as vossas dívidas
no momento em que ides prestar as vossas contas ao juízo supremo; o Casamento
abençoa as famílias e provê à propagação da vida humana; a Ordem, finalmente, dá-vos
pastores, como outros Jesus que vos guiam na vida e que são os instrumentos das graças
divinas.

O discípulo. – Reconheço, Senhor, os vossos desígnios admiráveis para a minha


santificação.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O Salvador. – Podia prover melhor a todas as vossas necessidades e ir ao


encontro de todos os vossos desejos? Que mais teria podido fazer para vos testemunhar
toda a minha solicitude e todo o meu amor?

II. Que dons preciosos sobretudo são os sacramentos que dão a vida
espiritual!

Reflexões. – Recordai-vos, por exemplo, das graças do Baptismo. Antes de o


receberdes, estáveis como presa dos demónios. Os exorcismos /51 comprimiram as suas
forças e a água salutar expulsou-os. Éreis os inimigos de Deus, tornastes-vos os seus
filhos bem-amados. O Baptismo é uma verdadeira adopção. – Tornastes-vos também os
filhos da Igreja, entrastes na participação de todos os seus bens, das suas alegrias, das
suas festas, dos seus tesouros. Fostes admitidos a participar na comunhão dos santos. –
Recebestes o dom incomparável da graça santificante, que vos regenerou resgatando-
vos do pecado original, dos pecados actuais se os tínheis e de todas as penas devidas aos
pecados passados. – Recebestes um carácter sagrado que é um título para obter graças
incessantes, se lhe corresponderdes.

Nosso Senhor deu-vos um coração novo e um espírito novo. As vossas


inclinações más foram diminuídas e tornastes-vos dóceis à graça e acessíveis ao bem.
Passastes das trevas à luz: Eratis aliquando tenebras, nunc autem lux in Domino (Ef 5,
8). Quantas graças acumuladas e quanto deveis estar reconhecidos! O acontecimento
figurativo do Baptismo no Antigo Testamento diz-vos também o preço do Baptismo: é a
passagem do Mar Vermelho, é a saída do Egipto, a libertação da servidão e da
corrupção.

Que grande dom é também o do sacramento da Penitência! Que vos teríeis


tornado se não tivésseis tido mais nenhum socorro depois dos pecados cometidos depois
do Baptismo? O pobre naufragado encontra às vezes no mar uma tábua de salvação. A
penitência é esta tábua de salvação que está sempre ao vosso alcance no naufrágio.

Por este sacramento, a graça habitual é-vos restituída se tínheis perdido e graças
sacramentais são-lhe acrescentadas. Todos os vossos pecados vos são perdoados. A
pena eterna que vos era devida é-vos perdoada, as expiações temporais a sofrer são
diminuídas. Todas as vossas boas obras apagadas pelos vossos pecados revivem. Deus

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

dizia ao seu povo pelo profeta Joel: «Fazei penitência e restituir-vos-ei os frutos dos
anos que vos fizeram perder o gafanhoto, o verme, a alforra e a lagarta» (Joel 2, 25). -
Os vossos méritos esquecidos também reviverão com todos os direitos que vos dão âs
recompensas celestes: Impietas impii non nocebit ei, in quacumque die conversus fuerit
(Ez 33).

O discípulo. – Como poderei, Senhor, agradecer-vos tantos benefícios?

O Salvador. – Eu pensava nos vossos pecados quando curava o paralítico de


Cafarnaum(Mc 12). A Penitência reanima as vossas faculdades paralisadas para o bem.
Pensava em vós também quando curava os leprosos /52 que enviei aos sacerdotes para
que tomassem conhecimento do milagre; e vós, envio-vos aos padres para que eles
operem em meu nome a cura da lepra hedionda dos vossos pecados.

Vos estáveis-me também presentes quando ressuscitei Lázaro. Estava morto


fisicamente como as almas pecadoras estão mortas espiritualmente. Ordenei-lhe que
saísse do túmulo, mas deixei aos apóstolos o cuidado de o desligarem dos seus lençóis.
Assim ressuscito-vos na penitência, quando o padre vos desliga dos vossos pecados. Por
estes símbolos e figuras podeis compreender melhor a grandeza do benefício da
penitência e a misericórdia do meu coração; e espero em retorno o vosso
reconhecimento filial.

III. Os sacramentos que desenvolvem a vida espiritual são também


um dom precioso

Há ainda a Confirmação, a Extrema-Unção, a Ordem e o Matrimónio.

Os efeitos da Confirmação foram simbolizados por uma língua de fogo. Todos


os dons do Espírito Santo são luz para a inteligência e calor para o coração. O Espírito
Santo habita mais intimamente no coração dos confirmados, assinala-os com o sinal dos
cavaleiros de Cristo, fortifica-os para o combate, é o órgão e o instrumento da acção do
Salvador. É por Ele que o divino Coração de Jesus vive em vós.

A Extrema-Unção apaga no fim da vossa vida os pecados que podem estar nas
vossas almas, enfraquece as deploráveis influências da concupiscência, coloca as vossas
almas na paz e muitas vezes também alivia os vossos sofrimentos.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

A Ordem dá-vos pontífices, padres. Perpetua a Igreja da qual recebeis tantos


benefícios. É a fonte mesma de todas as graças que vos vêm pela pregação apostólica,
pelo sacrifício eucarístico e pelos sacramentos. É pelos seus padres que a Igreja cumpre
junto de vós as suas funções maternas. São outros Jesus Cristo, que Ele deixou junto de
vós, para vos instruir, vos guiar, vos consolar e distribuir as suas graças
quotidianamente.

O sacramento do Matrimónio é também a fonte de grandes graças. Santifica a


família. Sela a sua unidade e indissolubilidade. Dá as graças sacramentais para a vida
comum, para a educação das crianças. Dá às sociedades verdadeiramente cristãs esta
fisionomia de paz verdadeira, de união e de afecto no lar, de respeito e de obediência na
família que é um espectáculo agradável aos olhos dos anjos. /53

O Salvador. – Que mais podia fazer para vos mostrar a minha solicitude
incessante? Não vêdes como estou convosco todos os dias, como um amigo dedicado
está junto dos seus amigos?

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Obrigado ainda, ó meu bom Mestre, encontro a marca da vossa infinita bondade
na instituição dos sacramentos. Provestes a todas as necessidades da nossa vida
espiritual. Como somos ingratos por não vos agradecermos melhor! Como somos
insensatos por deles não nos aproveitarmos melhor.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Ostendit eis manus et latus (Jo 20).


- Unus militum lancea latus ejus aperuit et continuo exivit sanguis et acqua (Jo 19).
- Omnes sitientes venite ad aquas; venite emite absque argento vinum et lac (Is 55).
- Mostrou-lhes as suas mãos e o seu lado aberto (Jo 20).
- Um dos soldados abriu o seu lado com uma lança e dele saiu água e sangue (Jo
19).
- Vós que tendes sêde, vinde às fontes; vinde, adquiri gratuitamente o vinho e o
leite (Is 55)./54

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA MEDITAÇÃO

AMOR DE PREFERÊNCIA, DE COMPLACÊNCIA, DE


BENEVOLÊNCIA

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Mc 12

29. Jesus autem respondit ei: Quia primum omnium mandatum est: Audi, Israël, Dominus Deus
tuus, Deus unus est.
30. Et diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo, et ex tota anima tua, et ex tota mente tua,
et ex tota virtute tua...
32. Et ait illi scriba: Bene Magister, in veritate dixisti, quia unus est Deus, et non est alius
praeter eum.
33. Et ut diligatur ex toto corde, et ex toto intellectu, et ex tota anima, et ex tota fortitudine...
34. Jesus autem videns quod sapienter respondisset, dixit illi: Non es longe a regno Dei.
29. Jesus respondeu: É este o primeiro mandamento: Escuta, Israel, o teu Deus é
o único Deus.
30. E tu amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, e com toda a tua
alma, e com todo o teu espírito e com todas as tuas forças.
32. E o escriba disse-lhe: Está bem, Mestre, vos dissestes a verdade, que não há
senão um Deus e que não pode haver outro.
33. E que é preciso amá-lo com todo o seu coração, e com toda a sua
inteligência, e com toda a sua alma, e com todas as suas forças...
34. Jesus, vendo que ele tinha respondido sabiamente, disse-lhe: Tu não estás
longe do reino de Deus.

Sumário. – Tu amarás, mas com que amor? Com um amor de preferência a


qualquer outro objecto; com um amor de complacência pelas perfeições divinas; com
um amor de benevolência; com um amor efectivo e perseverante?

Amarás com todo o teu coração.

Amarás com todo o teu espírito.

Amarás com todas as tuas forças.

50
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Sinto, ó meu bom Mestre, que não vos amei até aqui como devia.
Não meditei o suficiente sobre o preceito do /55 amor e sua extensão, iluminai-me,
ajudai-me, a fim de que eu compreenda como vos devo amar e que vos ame como devo.

I. Amor de preferência, de complacência e de benevolência

Reflexões. – Amarás o teu Deus com um amor de preferência a qualquer outro


objecto e a ti mesmo. O teu afecto por Deus deveria ultrapassar qualquer outro afecto
enquanto Deus está Ele mesmo acima de todos os outros seres. Estarás disposto na
ocasião a sacrificar-lhe tudo, mesmo a tua própria vida, ante que o ofender. Temerás
acima de tudo desagradar-lhe, e considerarás o mais ligeiro pecado como um mal
infinitamente maior do que todos os males de um outro género. Serás ciumento da sua
amizade mais do que da de qualquer criatura que seja. Não somente a sua vontade
absoluta, mas também o seu bom agrado será a tua lei e a tua regra.

Amarás o teu Deus com um amor de complacência, contemplando com alegria


as suas perfeições infinitas, admirando-as, considerando-te feliz por pertencer a um ser
tão perfeito, de depender dele; será mais glorioso desta dependência do que se gozasses
do império do universo.

Amarás o teu Deus com um amor de benevolência, e, não podendo desejar-lhe


no que respeita à sua natureza nenhum bem que não possua eminentemente, desejarás
que as criaturas lhe prestem toda a glória que pede e que delas espera. Procurarás a sua
honra com todos os meios que estão em teu poder, pelo menos com os teus votos e as
tuas orações.

O discípulo. – Bom Mestre, não tinha ainda compreendido o grande


mandamento do amor divino.

O Salvador. – Sim, o mandamento de meu Pai pede tudo isto e ainda mais. Não
somente tu deves amar o teu Deus, mas deves desejar ardentemente que todos os
homens o conheçam, o amem, o adorem, lhe obedeçam. Deves afligir-te até ao fundo do

51
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

coração à vista dos crimes que inundam o universo. O teu zelo, como o de David, te
secará, te fará cair num santo desfalecimento a respeito dos pecadores que abandonam a
lei de Deus.

II. Amarás a Deus com todo o coração

Reflexões. – Amarás a Deus com todo o coração. Pode Deus ser amado de outro
modo que não de todo o coração? É muito, um coração finito para amar uma beleza
infinita? Se o amas menos que de todo o teu coração, pode estar Ele contente?
Infelizmente, mesmo amando-O com toda a capacidade deste pobre coração, não o
amarás senão muito abaixo do que merece. /56

Não amarias Deus com todo o teu coração se usasses reserva com Ele, se
estivesses resolvido a não ultrapassar certos limites nos testemunhos do teu amor; se
recusasses com obstinação o sacrifício de certas coisas que Ele te pede; se fizesses um
plano de devoção no qual estivesses resolvido a parar, mesmo que a graça quisesse
levar-te mais longe.

Não é que seja preciso consultar a tua imaginação e representar-te circunstâncias


extraordinárias onde talvez nunca te hás-de encontrar, para te perguntares o que farias
em tais circunstâncias. Poderias imitar a presunção de S. Pedro. Não deves contar
contigo mesmo. Não previnas os acontecimentos. O que julgarias poder, não o poderias
realmente, e o que te pareceria impossível, não o seria realmente, se Deus o exigisse de
ti. Contenta-te em examinar as tuas disposições actuais, e ver se neste momento
concedes a Deus tudo o que Ele te pede e se não pões alguma restrição secreta à
oferenda de ti mesmo.

Este preceito de amar a Deus de todo o coração expulsa absolutamente o amor-


próprio, pelo qual nos amamos sem relação a Deus e amamos qualquer outro objecto em
relação a si. O amor de Deus deve ser puro e está maculado por qualquer outro amor do
qual não é nem o princípio nem o termo. O coração humano não deve fazer uso da sua
liberdade senão para se agarrar a Deus; as criaturas não devem servir-lhe senão para
amar mais a Deus e deve destruir em si tudo o que aí aperceba de contrário ao amor de
Deus. Eis uma ampla matéria de reflexões e de resoluções.

52
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O discípulo. – Começo, ó bom Mestre, a compreender o amor que devo ao meu


Deus, ajudai-me.

O Salvador. – Retém isto particularmente; o amor de Deus não admite partilha


no teu coração. O teu Deus é soberanamente ciumento; quer o teu coração todo inteiro
porque o merece. E quer o teu coração somente para si, porque é o único que o merece,
e não o fez nem o podia fazer senão exclusivamente para si. Se desvias a mínima
afeição para a criatura, tu rouba-la a Deus, retiras-lhe um bem que lhe pertence e que
não pode ceder a ninguém. É preciso absolutamente que não ames senão a Ele, e
qualquer outro objecto por relação a Ele, como o ordena e quanto o ordena. Sto.
Agostinho compreendeu-o bem quando escreveu: «Não é amar-vos bastante, ó meu
Deus, amar convosco alguma coisa que não amamos por vós»./57

III. Com toda a tua alma e com todas as tuas forças

Reflexões. – Amarás a Deus com toda a tua alma e com todo o teu espírito. De
quem recebes tu o teu espírito? De Deus unicamente. Pudeste cultivá-lo; mas não
pudeste dá-lo a ti mesmo. Mas porque é que Deus to deu? Foi para que tu o exerças à
tua vontade sobre tal objecto que te agradar, seja bom, seja indiferente, seja mau? Isto
não pode ser. Mas quais são os bons objectos sobre os quais Deus quer que tu o
exerças? Ele mesmo sem dúvida antes de mais nada, e depois os objectos criados,
considerados sob a relação que têm contigo; porque não têm bondade senão sob esta
relação, e se tu os consideras em si mesmos, se deles te ocupas de outro modo que não
seja em vista de Deus, deixam de ser a teu respeito bons e úteis objectos de
conhecimento; de nada servem a não ser para satisfazer uma vã e perigosa curiosidade.

Ao criar o mundo, ao instituir a sociedade humana, a intenção de Deus pôde


porventura ser que isso contribuísse para te fazer perder a sua recordação; ou que as tuas
necessidades, os teus afazeres, os deveres do teu estado, os teus entretenimentos, os teus
estudos mesmos te o fizessem quase inteiramente esquecer? Não, o espírito pensa
naquilo que o coração ama e se tu amas a Deus com todo o teu coração, n’ Ele pensarás
com todo o teu espírito. Falarás d’ Ele de boamente. Sem negligenciar os teus deveres,
quererás meditar todos os dias sobre Deus e os seus benefícios e a tua intenção será que
os teus diversos conhecimentos te sirvam a amá-lo mais.

53
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Amarás a Deus com toda a tua força. Isto quer dizer, em primeiro lugar, que
devendo amar a Deus com toda a força que te dá a graça actual e esta graça aumentando
sempre pelo exercício do amor, deves também de dia para dia amar a Deus sempre
mais.

Isto quer dizer ainda que deves consagrar a Deus todos os teus projectos, todos
os teus desígnios, todas as tuas acções, não tendo outra intenção senão a de lhe agradar;
cumprir por amor todos os teus deveres; empregar os teus talentos, os teus bens, o teu
crédito para o fazer amar; ter um zelo ardente pela sua glória e procurá-la com todo o
teu poder, tanto quanto a graça para aí te incline, o teu estado o autorize e sábios
conselhos te regulem e te dirijam.

O discípulo. – Como estava longe, ó meu Deus, de vos amar como devia!

O Salvador. – Se queres que o amor de Deus reine eficazmente no teu coração, é


preciso que lutes sem cessar e com todos os teus esforços contra os diversos obstáculos
que se opõem ao teu amor por Deus da parte da natureza corrompida, do mundo e do
demónio, e porque os teus esforços são fracos e ineficazes, é preciso que recorras sem
cessar à oração. /58

É preciso finalmente que sofras com resignação e paciência, com uma submissão
tranquila, uma perfeita conformidade de vontade, até mesmo com uma alegria espiritual,
as provações que agradar a Deus enviar-te, quer elas venham da natureza ou dos
homens, quer venham do demónio ou da Providência, que quer purificar o teu espírito e
o teu coração.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Ah! Meu Deus, ainda não vos amei verdadeiramente; ainda não me censurei a
mim mesmo não vos amar como devo; nunca me examinei seriamente sobre a
observação do primeiro e do maior dos preceitos. Que eu comece enfim e que continue
até ao último suspiro!

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Qui non diligit non novit Deum, quoniam Deus charitas est (1Jo 4).

54
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

- Etenim Deus noster ignis consumens est (Heb 12).


- Diliges Dominum Deum tuum ex toto corde tuo et ex tota anima tua et ex tota mente tua et ex
tota virtute tua (Mc 12).
- Aquele que não ama Deus não o conhece, porque Deus é amor (1Jo 4).
- Deus é um fogo que consome (Heb 12).
- Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com
todo o teu espírito e com todas as tuas forças (Mc 12).

55
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA PRIMEIRA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR DE CONFIANÇA E DE UNIÃO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 15

7. Si manseritis in me, et verba mea in vobis manserint, quodcumque volueritis, petetis et fiet
vobis.
8. In hoc clarificatus est Pater meus, ut fructum plurimum afferatis, et efficiamini mei discipuli.
9. Sicut dilexit me Pater, et ego dilexi vos; manete in dilectione mea.
10. Si praecepta mea servaveritis, manebitis in dilectione mea, sicut et ego Patris mei praecepta
servavi, et maneo in ejus dilectione.
7. Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi
o que quiserdes e isso ser-vos-á concedido.
8. Nisto o meu Pai é glorificado, se produzirdes muitos frutos e se fordes meus
discípulos.
9. Como o meu Pai me amou, eu vos amo; permanecei no meu amor.
10. Se observardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor; como Eu
observei os preceitos de meu Pai e permaneço no seu amor.

Sumário. – Se amar a Deus, os meus pensamentos, os meus desejos, as minhas


acções reportar-se-ão a Ele.

Repousarei em tudo na sua providência, e manter-me-ei na paz sob a sua


conduta.

Encontrarei neste amor uma doce segurança para a minha perseverança final.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação

O discípulo. – Dizei-me, Senhor, os felizes efeitos do vosso amor, a fim de que a


ele me agarre mais e nele me afirme sempre mais.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. Se eu amo a Deus, os meus pensamentos, os meus desejos e as


minhas acções reportar-se-ão a Ele

Reflexões. – Três coisas estão no vosso poder, os vossos pensamentos, os vossos


desejos e as vossas acções. Vós sois o mestre para delas dispor com o socorro da graça.
/60

Eis os efeitos que há-de produzir em vós a santa caridade em relação a estas três
coisas; não tudo de uma vez, mas pouco a pouco, conforme o vosso amor for maior e a
vossa correspondência mais fiel.

Se amais Nosso Senhor, os pensamentos e as intenções do vosso espírito terão


principalmente por objecto tudo o que lhe concerne. Ocupar-vos-eis de boamente d’ Ele,
d’ Ele falareis com prazer. Haveis de alimentar em vós a sua santa presença. Afastareis
todo o pensamento inútil, e considerareis como tais os que vos dissipam e vos desviam
d’ Ele, seja que vos afectem vivamente, seja que mais não façam senão divertir-vos.

Se O amais sinceramente, os desejos e os sentimentos do vosso coração ser-lhe-


ão consagrados; não consentireis nada no vosso coração que o partilhe; não vos
agarrareis a nada contra a vontade de Nosso Senhor, a nada que enfraqueça ou que
mantenha desocupado em vós o hábito da santa caridade, a nada que não contribua para
afirmá-lo e aumentá-lo. Observai estes três graus: o primeiro inspira-vos aversão por
todo o apego mau ou perigoso; o segundo afasta-vos de todo o apego frívolo e inútil; o
terceiro eleva-vos até a santificar pela caridade todo o apego legítimo e permitido.

Se amais sinceramente a Nosso Senhor, não formareis nenhum projecto que não
tenda directa ou indirectamente ao seu reino e à sua glória. Não fareis nenhuma acção
que possa desagradar-lhe; pelo contrário, procurareis não fazer nenhuma que não tenha
por objecto senão agradar-lhe. Pode o amor divino estar em vós, se não for senhor de
tudo, se não regular e governar tudo, se tudo não partir dele como do seu princípio e a
ele não regressar como o seu fim?

O Salvador. – não posso de facto ter por um amor sincero o simples hábito da
caridade, que não é senão uma disposição a amar. A criança tem-na pelo baptismo e não
ama por isso. Aguardo o exercício desta caridade. Se a não exercerdes, não amais; se a
exerceis pouco, amais pouco. Quando começais a exercê-la muitas vezes, desejando

57
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

sempre exercê-la mais, e não estando nunca contentes neste ponto, amais muito; e se
continuais, havereis de amar sempre mais.

III. A alma amante repousa em tudo na providência divina e mantém-


se em paz sob a conduta de Nosso Senhor

Reflexões. – Vós dependeis em tudo da Providência divina, tanto na ordem


natural como na ordem sobrenatural. /61

Se o vosso amor por Nosso Senhor é sincero, aprovareis todas as suas


disposições a vosso respeito; nele consentireis de boa vontade; a ele vos conformareis;
evitareis lamentar-vos, murmurar, fazer vãos esforços para dele vos subtrairdes. Isso vai
longe e é um grande e contínuo exercício de amor, sobretudo para os cristãos
empenhados no mundo.

Donde vêm tantas revoltas interiores, tantas lamentações dos ricos como dos
pobres, dos grandes como dos pequenos, dos que têm saúde como dos doentes, a
respeito dos acidentes da vida, dos sofrimentos, dos embaraços ou dos revezes aos quais
cada condição está exposta? De onde vem que os seus desejos estão quase sempre em
contradição com o que eles experimentam e estão ordinariamente descontentes com o
seu estado presente? Isso vem da falta de amor. Se amassem Nosso Senhor, bendi-lo-
iam por aquilo que são e por aquilo que lhes acontece; e a sua vontade, sempre
submetida à sua, não seria jamais contrariada. Produziu o amor este efeito em vós?
Examinai-vos e vêde onde estais.

Também dependeis d’Ele no que respeita à providência sobrenatural, por


exemplo, para os meios exteriores da salvação que, segundo os tempos e os lugares, são
mais abundantes ou mais raros e mais ou menos ao vosso alcance, e que vos são ora
concedidos ora retirados segundo as disposições da Providência; para as graças
interiores, cuja dispensação vos é desconhecida e que o Espírito Santo distribui do
modo e na medida em que lhe agrada; para as tentações de todo o género, mais ou
menos longas e violentas, que vos atacam quando Nosso Senhor o permite e que
nenhum outro excepto Ele vos pode libertar; para as cruzes espirituais, de que toda a
vida do cristão está semeada, que não são da vossa escolha, e cujo objecto é fazer-vos
morrer para vós mesmos; para as consolações que não vos vêm quando as esperais e que

58
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

julgais delas ter necessidade, e que se retiram tão depressa quando quereríeis ainda as
reter; finalmente para os diversos estados e as vicissitudes que compõem a vida
espiritual.

O Salvador. – A santa caridade tem aqui um grande exercício e produz


maravilhosos efeitos. Ensina-vos, no que diz respeito à vossa santificação, a considerar
sobretudo a glória divina; a crer que sendo infinitamente sábio escolhi os meios mais
convenientes para vós e os meios apropriados às vossas necessidades presentes; e que,
querendo a vossa salvação mais ardentemente e mais eficazmente do que não a podeis
querer vós mesmos, se repousardes em mim, conseguirei para isso os meios a tomar e se
vos limitardes a cooperar fielmente com os meus desígnios; que sendo infinitamente /62
poderoso e bom, posso e quero suprir por mim mesmo aos meios de que decido a
propósito privar-vos; e que suprirei infalivelmente se confiardes em mim e se me
deixardes fazer sem nada perturbar os meus planos pela vossa actividade inquieta.
Numa palavra, o efeito do amor é ao mesmo tempo santificar-vos e tornar-vos felizes,
mantendo-vos tranquilo, firme, invariável sob a minha conduta.

III. A alma amante está numa doce segurança quanto à sua


perseverança final

Reflexões. – A perseverança final depende absolutamente da Providência. É aqui


que o amor produz o maior efeito. Tranquiliza-vos primeiro sobre a incerteza acerca da
vossa situação presente e sobre o medo de não estar em estado de graça. Sto. Agostinho,
o doutor da caridade, tranquilizava-se dizendo: «A minha consciência, ó meu Deus,
responde-me sem nenhuma dúvida que vos amo». É já uma grande consolação, este
testemunho que o amor se dá a si mesmo no fundo do coração. Se amais a Deus, se
estais certos, não podeis igualmente responder a vós mesmos a respeito da sua amizade?
Não o amaríeis se não fosseis amado, porque o amor é um dom divino.

Depois o amor não vos permite nem perturbação nem inquietude quanto ao
futuro; interdita-vos uma vã curiosidade; prescreve-vos uma humilde e firme confiança.

O Salvador. – Eu vos inspiro mesmo um generoso abandono, colocando-vos na


persuasão íntima de que se amais o vosso Deus, é impossível que sejais infelizes. Ora,
nada pode, nem neste mundo nem no outro, arrebatar-vos o tesouro do amor divino,

59
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

excepto a vossa própria vontade; e quando este amor é um pouco ardente, embora
possamos absolutamente sempre perdê-lo por própria culpa, temos um horror mesmo
em pensar que alguma vez queiramos nisso consentir. Podemos também dizer com
confiança como S. Paulo: «Quem me separará do amor de Cristo?» (Rom 8, 38).

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Senhor, quando é que vos hei-de amar bastante para estar autorizado a falar
assim com tanta verdade quanta confiança? Fortificai o vosso amor no meu coração. Do
meu lado, serei mais fiel a pensar em vós e nos vossos mistérios várias vezes por dia,
segundo a minha regra de vida. /63

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Si manseritis in me et verba mea in vobis manserint, quodcumque volueritis petetis et fiet vobis
(Jo 15).
- Quis nos separabit a charitate Christi? (Rom 8).
- Certus sum quia nulla creatura poterit nos separare a charitate Dei quae est in Christo Jesu
(Rom 8).
- Se permanecerdes em mim e guardardes as minhas palavras, pedi o que
quiserdes, e ser-vos-á dado (Jo 15).
- Quem vos separará do amor de Cristo? (Rom 8).
- Estou certo que nenhuma criatura poderá separar-nos do amor de Deus em
Cristo (Rom 8)./64

60
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA SEGUNDA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR DE COMPAIXÃO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 19

13. Pilatus autem cum audisset hos sermones adduxit foras Jesum; et sedit pro tribunali in loco
qui dicitur Lithostrotos, hebraice autem Gabbatha.
14. Erat autem Parasceve Paschae, hora quasi sexta, et dixit Judaeis: Ecce rex vester.
15. Illi autem clamanbant: Tolle, tolle, crucifige eum. Dixit eis Pilatus: Regem vestrum
crucifigam? Responderunt pontifices: Non habemus regem nisi Caesarem.
16. Tunc ergo tradidit eis illum ut crucifigeretur. Susceperunt autem Jesum et eduxerunt.
17. Et bajulans sibi crucem, exivit in eum qui dicitur Calvariae locum, hebraice autem Golgotha.
18. Ubi crucifixerunt eum, et cum eo alios duos, hinc et hinc, medium autem Jesum.
13. Pilatos tendo ouvido estas palavras conduziu Jesus para fora e sentou-se para
o julgamento no lugar chamado Lithostrotos, em hebraico Gabbatha.
14. Era a véspera da Páscoa, pela hora sexta. Disse aos Judeus: Eis o vosso rei.
15. Estes gritavam: Condenai-o, crucificai-o. Pilatos disse-lhes: Hei-de crucificar
o vosso rei? Os Sumos Sacerdotes responderam: Não temos outro rei senão César.
16. Então entregou-os para ser crucificado. Pegaram nele e levaram-no.
17. E Ele levou a sua cruz até ao lugar chamado Calvário, em hebraico
Gólgotha.
18. Lá o Crucificaram e os outros dois ao seu lado, mas Jesus ao meio.
Sumário. – Pode alguém dizer que ama verdadeiramente Nosso Senhor se não
sofre por vê-lo sofrer, mesmo desde a infância?

Não devemos chorar ao vê-lo chorar no Gethsémani?

Podemos não sofrer ao vê-lo insultado, flagelado, coroado de espinhos? Não


devemos partilhar as suas angústias no Calvário?/65

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação

61
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O discípulo. Ó Jesus, ó Maria, que sofrestes tanto por mim, fazei que eu chore
convosco; fazei que eu sinta vivamente no meu coração a margura das dores que
partiram os vossos.

I. Nosso Senhor sofreu por nós desde a sua infância

Contemplação. – Jesus foi, desde a sua entrada na vida, o cordeiro do sacrifício.


Foi no estábulo de Belém que os seus olhos se abriram. Não tinha encontrado casa
hospitaleira para o acolher. O frio arrancou-lhe as suas primeiras lágrimas. Sofria
também no seu coração de criança por ver a humilhação do seu pai adoptivo e de sua
mãe.

Que contraste com a sua vida do céu! Que mudança! Que abaixamento! Que
humilhação! Alguns dias depois, dava as primeiras gotas do seu sangue sob o cutelo da
circuncisão, e pensava já em todo o sangue que derramaria gota a gota.

Depois foi o exílio, a fuga precipitada, as privações do deserto, o sofrimento


desta frágil existência sacudida na viagem.

No Egipto, eram as recusas, a indigência, a miséria. Via os seus pais chorarem,


faltar tudo. Estavam mal vestidos, humilhados e insultados por estrangeiros, reduzidos a
comer algumas vezes o pão grosseiro da esmola.

Em Nazaré, eram muitas vezes as angústias da falta de trabalho ou do trabalho


mal remunerado. Todas as provações de uma família de operário, quis conhecê-las.

Com a idade de doze anos, para cumprir um ministério indicado pelo seu Pai,
teve de partilhar todas as inquietações e dores de sua mãe e de seu pai adoptivo, que o
procuravam chorando amargamente. O seu coração sangrava por vê-los tão desolados.

O discípulo. – Verdadeiramente, bom Mestre, fostes imolado por nós desde a


vossa infância.

O Salvador. Sim, tal foi a minha infância, e tantos sofrimentos e tantas lágrimas
eram por vós. Ficareis insensíveis? Como poderíeis dizer que me amais, se não chorais
por me verdes chorar? /66

62
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. As aflições da agonia do Salvador no Gethsémani

Contemplação. – No Getshsémani, Jesus pôs-se mais especialmente perante os


nossos pecados. Aproximava-se o momento de realizar a sua mais completa expiação, a
mais rigorosa e a mais solene. Judas preparava-se. Deus Pai ia pedir ao seu Filho para
derramar o seu sangue. Jesus contemplava todas as iniquidades cometidas ou que iam
ser cometidas pelos homens seus irmãos. E isto formava uma massa imensa, odiosa,
espantosa, que repugnava infinitamente à pureza e à santidade da sua alma. Ele corava
de vergonha pelos seus irmãos, estremecia de horror e de desgosto, tremia de uma santa
cólera contra todos os insultadores de seu Pai. E o seu Pai propunha-lhe que se
substituísse a todos os culpados. Ele respondeu: «fiat». Mas era demasiado para a sua
natureza. Era esmagada e triturada sob a vergonha e o horror do pecado, e chorava até
ao sangue. Seria morto mil vezes, se o seu poder divino não lhe tivesse conservado a
vida. Sabeis isto e não chorais! Vêde-lo sofrer a este ponto e não sois compassivos!

Contemplava depois todos os seus sofrimentos próximos, a fim de os aceitar e de


os oferecer ao seu Pai por nossa salvação. Via a traição de um apóstolo, a cobardia dos
outros, a iniquidade dos tribunais, a ingratidão e a ferocidade do povo, as dores atrozes
da flagelação e da coroação de espinhos, o encontro com sua mãe, a crucifixão, e acima
de tudo o abandono do seu Pai. E repetia o seu fiat. Mas a sua natureza sucumbia sob o
temor e a angústia. E este fiat é muito doloroso de dizer!

O discípulo. – Verdadeiramente, bom Mestre, vós sois o homem das dores.

O Salvador. – Contemplava também os poucos frutos que produziriam os meus


sofrimentos, a inutilidade do meu sangue para uma infinidade de almas, a ingratidão da
maior parte dos homens, e era tentado ao desânimo. Crescendo as minhas angústias,
rolava-me sobre o solo como um verme de terra, e o sangue jorrava de todos os meus
póros.

Ficareis indiferentes perante um tal espectáculo?

Mas o meu Pai enviou um anjo representar-me a sua glória a reparar e as almas
de boa vontade a salvar. E aceitei definitivamente o cálice por amor por meu Pai e por
vós. O vosso coração vai ainda ficar frio e indiferente? Não tereis compaixão de mim,
que vos amei até este ponto? /67

63
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. Os sofrimentos da Paixão

Contemplação. – As palavras não impotentes para dizer os sofrimentos da


Paixão do Salvador. Por uma inversão das coisas, era Jesus, o justo, que era arrastado
pelos culpados aos tribunais e ao suplício.

Os sofrimentos da sua alma e do seu coração ultrapassavam os do seu corpo. Os


seus apóstolos eram ingratos. O sacerdócio mosaico acabava a sua carreira num acto de
suprema loucura. O povo esquecia os benefícios de Cristo e deixava-se levar pelos seus
ódios brutais.

As bofetadas, os escarros e os insultos tomavam o lugar das honras que eram


devidas à divindade do Salvador.

Os chicotes rasgavam o seu corpo até esgotarem as suas forças. O seu pudor era
ofendido para reparar as nossas imodéstias.

A loucura humana insultava a sua sabedoria revestindo-lhe o manto dos loucos.

Pilatos achincalhava a sua realeza coroando-o de espinhos e cobrindo-a com


uma púrpura de escárnio para o mostrar ao povo.

Como Isaac levava o madeiro do seu sacrifício, mas era para ser aí realmente
sacrificado.

Não havia uma palavra, um passo, um pormenor deste drama que não ferisse
todos os seus sentimentos no mais profundo do seu coração. A justiça, a verdade, a
doçura, a piedade, a modéstia, o reconhecimento, o respeito, tudo o que Ele ama era
desprezado. Toda a sua alma era partida enquanto o seu corpo era rasgado pelos
chicotes e furado pelos cravos.

As três horas da crucifixão são as da sua suprema dor. Condensou lá todos os


seus sofrimentos para oferecer o preço infinito ao seu Pai. Revia todos os nossos
pecados e assumia a sua expiação. Era rebaixado ao nível dos ladrões, era despojado de
tudo, traído pelos seus amigos e abandonado pelo seu Pai. Todo o seu corpo era uma
chaga e consumava a doação da sua vida por nós.

O Salvador. – Onde está agora a vossa compaixão? Tendes piedade de mim?


Detestais os vossos pecados? Ah! Não foram os sofrimentos do Calvário que me

64
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

custaram mais; é a vossa ingratidão, é a vossa insensibilidade, é a vossa dureza de


coração. Esqueceria todos os meus sofrimentos, estaria pronto a recomeçar, se visse
almas compassivas e agradecidas. Até quando tereis este coração de pedra? Que mais
teria Eu podido fazer para ganhar os vossos corações? /68

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Oh! Sim, meu bom Mestre, tenho sido muito ingrato e muito duro. Em vez de
compadecer com os vossos crueis sofrimentos, tenho-vos ofendido tantas vezes. Feri o
vosso coração. Perdoai-me. Colocai no meu coração um verdadeiro amor de compaixão
por vós, para que não peque mais e para vos consolar, tanto quanto isso esteja em mim.

Ó Maria, gravai no meu coração as chagas do vosso divino Filho crucificado.


Fazei que eu chore piedosamente convosco e que eu compadeça nas dores de Jesus e
nas vossas!

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Angeli pacis amare flebunt (Is 33).


- Vulneratus est propter iniquitates nostras, attritus est propter scelera nostra (Is 53).
- Effundam super domum David Spiritum gratiae et precum; et adspicient ad me quem
confixerunt; et plangent quasi super unigenitum (Zac 12).
- Os anjos da paz chorarão amargamente (Is 33).
- Foi ferido pelas nossas iniquidades e esmagado pelos nossos crimes (Is 53).
- Darei à casa de David o Espírito de graça e de oração; olharão para o meu
coração trespassado e chorarão como uma mãe chora a morte do seu primogénito (Zac
12). /69

65
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA TERCEIRA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR PURO E DESINTERESSADO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 15

9. Sicut dilexit me Pater, et ego dilexi vos. Manete in dilectione mea.


10. Si praecepta mea servaveritis, manebitis in dilectione mea, sicut et ego Patris mei praecepta
servavi, et maneo in ejus dilectione...
12. Hoc est praeceptum meum, ut diligatis invicem, sicut dilexi vos.
13. Majorem hac dilectionem nemo habet, ut animam suam ponat quis pro amicis suis.
14. Vos amici mei estis, si feceritis quae ego praecipio vobis.
15. Jam non dicam vos servos: quia servus nescit quid faciat dominus ejus. Vos autem dixi
amicos: quia omnia quaecumque audivi a Patre meo, nota feci vobis.
9. Amei-vos como o Pai me amou. Permanecei no meu amor.
10. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, como Eu
mesmo guardei os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor.
12. O mandamento que vos dou é que vos ameis uns aos outros como Eu vos
amei.
13. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus
amigos.
14. Vós sereis meus amigos se fizerdes o que vos mando.
15. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor;
mas Eu dei-vos a conhecer tudo o que aprendi de meu Pai.
Sumário. – Nosso Senhor deseja que o amemos por Ele mesmo e não por nós. O
amor interessado não é mau. Nosso Senhor aceita-o e recompensa-o, mas não toca o seu
Coração e não nos obtém as graças que conduzem à santidade e à perfeição.

Aqueles que se tornam os amigos de Nosso Senhor obtêm facilmente o seu


perdão e as suas graças; não conta com os seus amigos. É todo para eles como eles são
tudo para Ele. Os padres sobretudo devem amar e fazer amar Nosso Senhor.

Esta verdadeira devoção ao Coração de Jesus por um amor puro e desinteressado


há-de renovar o mundo. /70

66
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Falai, Senhor, o vosso humilde servo escuta. Dizei-me como vos
hei-de amar como mereceis, com desinteresse.

I. Nosso Senhor deseja que O amemos por Ele mesmo e não por nós

Reflexões. – Jesus atrai a si aqueles que o amam e o seu contacto santifica-os,


leva-os à perfeição, porque Ele é a santidade e a perfeição mesma. No entanto, é preciso
compreendê-lo bem, Ele deseja que o amemos por Ele mesmo e não por causa de nós.
Se lhe testemunhamos um amor interessado, ditado pelo cálculo, isso toca-o pouco.

Muitos amam Nosso Senhor em vista das suas graças, dos seus benefícios.
Amam-no porque a piedade tem muitas vezes, sobretudo para os iniciantes, doçuras e
consolações; e quando chega a aridez, perdem a coragem.

Outros amam Nosso Senhor e servem-no em vista das bênçãos temporais que daí
lhe advirão. Também, desde que uma provação chega, um revês da fortuna, uma
doença, a perda de um familiar, arrefecem e às vezes recusam Nosso Senhor.

Outros finalmente têm demasiado constantemente em vista no seu amor as penas


e as recompensas da outra vida.

Estas almas rezam, mas sobretudo para obter benefícios. Mal sabem louvar,
amar, agradecer. A segunda parte do Pater toca-as, mas a primeira deixa-as frias. Atêm-
se mais ao pão quotidiano do que ao reino de Deus mesmo.

Já não há aí verdadeiramente amor, é um procedimento diplomático. Jesus


descobre todos os cálculos porque perscruta os rins e os corações. Os que amam por
cálculo são mais servos do que seus amigos.

O discípulo. – Perdoai-me, pois, bom Mestre, ter-vos amado tão imperfeitamente


até ao presente.

O Salvador. – Com os meus amigos, não conto. Sou tão feliz por ser amado por
um coração que não tem outra paixão senão a de me amar, de tal modo que esqueço

67
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

todo o passado. O meu amor cobre-o inteiramente. Quem me ama apaixonadamente já


não se preocupa com a minha justiça, mas com o meu Coração. Mas por mais
apaixonadamente que alguém me ame, Eu amo-o com mais paixão ainda, /71 porque
estou louco de amor. As dívidas dos meus amigos são pagas pelo meu amor com tal
abundância que aqueles que me deviam se tornam num instante ricos, ricos de todos os
tesouros do meu Coração, porque não posso recusar nada àqueles que me amam. Sou
tudo para eles. O meu Coração pertence-lhes com os seus tesouros; nele se perdem
como num oceano de amor. Porque é que havia de contar com eles, uma vez que eles
não contam comigo? Ninguém me pode vencer em generosidade; mas quando alguém
toca no meu coração por amor, envolvo o amante do meu coração com todos os afectos
da minha ternura. Ah! Se os padres, se os privilegiados do meu Coração,
compreendessem bem que amor tenho por eles, como me amariam! Um dos meus fiéis
servos, (o cura de Ars), dizia que morreriam de amor.

II. Os padres sobretudo devem dar a Nosso Senhor este amor


desinteressado

Reflexões. – Não o sabem bastante por sua culpa. A sua missão não é a de fazer
amar Jesus? Como fazê-lo amar sem fazer conhecer as razões que temos de o amarmos?
Estas razões, expomo-las bem aos outros, mas friamente e sem nos preocuparmos
bastante de as saborearmos nós mesmos. Ou então concedemos a Jesus um amor de
razão, ou mesmo de vontade, no qual o coração não tem nenhuma parte, como se fosse
possível a alguém amar sem dar o próprio coração. Muitos permanecem assim, embora
com boas intenções, frios servos, quando Jesus queria ver neles amigos. Porque se Jesus
quer encontrar amigos em todos os seus discípulos, foi particularmente aos seus
apóstolos e aos seus padres que disse: «Já não sois meus servos, mas amigos». As
relações íntimas e diárias do Salvador com os seus padres, particularmente no santo
altar, exigem esta amizade. O padre representa Jesus e continua a sua missão, deve
haver entre eles esta comunhão de intenções e de sentimentos que é o próprio da
amizade.

O padre deve desposar todos os interesses de Jesus, partilhar todas as suas


solicitudes, alegrar-se com as suas conquistas, entristecer-se com as suas perdas. Sto.

68
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Agostinho disse: «Sacerdos alter Christus», o padre é um outro Cristo. Dizemos


também de um amigo: é um outro eu.

A intimidade de Jesus com os seus apóstolos era o sinal da amizade. Quer ter a
mesma amizade com os seus padres. Mas muitos não o compreendem inteiramente.

Com estes é bem obrigado a contar para lhes dar as suas graças, porque contam
com Ele. Não falamos aqui dos maus padres que fazem a desolação do divino Coração,
mas dos servos exactos, /72 capazes de uma certa dedicação, mas cujo ministério
permanece pouco frutuoso porque lhe falta a vida do coração.

O Salvador. – Como seria depressa mudada a face do mundo se todos os padres


fossem amigos do meu Coração! Que prodígios de santificação e de conversão não
realizaria pelo seu ministério! Renovar os meus padres no e pelo meu amor, eis o meu
maior desejo. Que os padres se aqueçam nos ardores do meu Coração e farei prodígios
para fecundar o seu ministério de amor. Ministério de amor, tal é aquele que Eu quereria
ver cumprido pelos meus padres. Eu sou todo amor; os meus ministros devem ser
ministros do amor e não poderão sê-lo a não ser que sejam inflamados pelo meu amor.

III. A verdadeira devoção ao Coração de Jesus renovará o mundo

Reflexões. – A devoção ao divino Coração de Jesus produzirá uma renovação do


mundo.

Recordai-vos das promessas que fez a Margarida Maria para os padres dedicados
ao seu Coração: «O seu ministério será fecundo, tocarão os corações mais endurecidos».
Porque é que estas promessas não obtiveram até agora uma mais larga realização? É
porque os padres não dão bastante o seu coração a Nosso Senhor. O dom do coração é a
devoção que Ele pediu a Margarida Maria e que pede ainda. «A ingratidão dos homens,
dizia, é-me mais sensível do que o que sofri na minha paixão; se eles me retribuíssem
algum amor, consideraria pouco tudo o que sofri por eles, e quereria, se isso fosse
possível, sofrer ainda mais. – Tu ao menos, dá-me esta alegria de suprir à sua ingratidão
tanto quanto possas ser capaz. Noutra vez dizia-lhe: «Derrama lágrimas sobre a
insensibilidade destes corações que tinha escolhido para os consagrar ao meu amor». E
ainda: «Venho no coração que te dei, a fim de que pelo seu ardor, tu repares as injúrias

69
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

que recebi destes corações tíbios». - «O teu coração é um altar onde o fogo do meu
amor deve arder continuamente».

O Salvador. – É esta vida de amor que espero dos meus amigos e sobretudo dos
meus padres e é a condição das minhas grandes graças.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Senhor respondo-vos com Margarida Maria: «Que tendes feito para ganhar o
coração dos homens? Ah! Como é bom o bem-amado /73 da minha alma, porque é que
não o posso amar tanto como desejo? Ó Coração divino, quero arder nos vossos fogos e
viver da vossa vida. Já não quero viver senão de vós, por vós e para vós.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Jam non dicam vos servos, vos autem dixi amicos (Jo 15, 15).
- Charitas non quaerit quae sua sunt (1Cor 13).
- Pro omnibus mortuus est Christus, ut qui vivunt jam non sibi vivant sed ei qui pro ipsis moruus
est et resurrexit (2Cor 5, 15).
- Já não vos chamo servos, mas amigos (Jo 15, 15).
- O amor é desinteressado (1Cor 13).
- Cristo morreu por todos, a fim de que os que vivem não vivam para si mesmos
mas para aquele que por morreu por eles e que ressuscitou (2Cor 5, 15). /74

70
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA QUARTA MEDITAÇÃO

AFEIÇÃO PROFUNDA, INCESSANTE E FERVOROSA

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 17

20. Non pro eis rogo tantum, sed et pro eis qui credituri sunt per verbum eorum in me.
21. Ut omnes unum sint, sicut tu Pater in me, et ego in te, ut et ipsi in nobis unum sint: Ut credat
mundus quia tu me misisti.
22. Et ego claritatem quam dedisti mihi, dedit eis: ut sint unum sicut et nos unum sumus.
23. Ego in eis et tu in me: ut sint consummati in unum: et cognoscat mundus quia me misisti et
dilexisti eos, sicut et me dilexisti...
26. Et notum feci eis nomen tuum, et notum faciam: ut dilectio, qua dilexisti me in ipsis sit, et ego
in ipsis.
20. Não rezo somente por eles, mas também por todos aqueles que pela sua
palavra acreditarão em mim.
21. Para que todos sejam um, como vós, meu Pai, sois em mim e eu em vós, que
eles sejam em nós; a fim de que o mundo creia que vós me enviastes.
22. Eu dei-lhes a glória que me destes: que eles sejam um como nós.
23. Eu neles e vós em mim: que eles sejam consumados na unidade; e que o
mundo saiba que me enviastes e que os amastes, como me amastes a mim...
26. Dei-lhes a conhecer o vosso nome e dá-lo-ei a conhecer: para que o amor
com que me amastes esteja neles e eu neles.
Sumário. – A afeição por Nosso Senhor deve ser uma afeição profunda e que
encha o coração.

Aquele que ama Nosso Senhor põe a sua felicidade a pensar n’ Ele e a procurar
os meios para lhe provar a sinceridade dos sentimentos do seu coração.

Este hábito de pensar em Nosso Senhor e de lhe oferecer as suas acções coloca
as almas no estado de fervor e transforma todas as suas acções em actos de caridade.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

71
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

2. Meditação. /75

O discípulo. – Como é que vos hei-de testemunhar o meu amor, ó bom Mestre?
Vós sois todo amável, o meu coração pertence-vos, dizei-me o que devo fazer para que
o meu amor vos seja agradável.

I. A afeição por Nosso Senhor deve ser profunda e encher o coração

Reflexões. – Não é preciso enganar-vos sobre a natureza da afeição que Nosso


Senhor pede. O que Ele quer, é uma afeição profunda, que encha o coração inteiramente
e que o arraste na via generosa do sacrifício. Ele aprecia esta afeição pelos efeitos que
produz, muito mais do que pelos sentimentos mais ou menos vivos que inspira.

O primeiro efeito da afeição verdadeira é tornar leves todos os fardos. Por mais
pesada que seja a cruz a levar, quem ama Nosso Senhor é feliz, levando-a, por lhe dar
um sinal do seu amor. Pensa nos seus sofrimentos, une-lhe o seus, e este traço de
semelhança que tem com Jesus coloca a alegria no seu coração.

Nas condições ordinárias da vida, o seu pensamento reporta-se habitualmente


para aquele que é o caminho, a verdade e a vida. Pensa nos seus benefícios, no seu
amor, e segundo as disposições do seu coração, apraz-se a ocupar o seu espírito com um
ou outro dos mistérios do Salvador.

Quando a sua regra o conduz ao santuário onde Jesus reside no tabernáculo, é


feliz por passar alguns instantes junto d’Ele, de lhe falar com simplicidade, e de lhe
confiar as suas mágoas, de lhe dizer que o ama, ou ainda de lhe pedir a graça de o amar
cada vez mais.

Se nestes momentos o seu coração permanece frio, sofre por causa deste estado e
diz com abandono ao Salvador que bem gostaria de encontrar no seu coração alguma
afeição para lhe oferecer.

Quando uma ordem penosa de um superior vem perturbar um projecto ou


contrariar um hábito, se a fraqueza da natureza lhe deixou escapar um primeiro
movimento de mau humor, o pensamento de que este mau humor entristece o Coração
de Jesus e que o sacrifício generosamente aceite o alegrará, vem imediatamente

72
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

reanimar a coragem; pedimos perdão a Jesus com simplicidade pela pequena frouxidão
e oferecemos-lhe com alegria a obediência que vem remi-la.

Quando cometemos alguma falta, sofremos com o pensamento de ter


entristecido o Coração tão sensível de Jesus e de lhe ter desagrado, e temos pressa em
recorrer ao sacramento da Penitência e ao reconhecimento simples e cândido da nossa
falta ao nosso director.

Se um coração que ama ternamente o divino Coração se aproxima de um


sacramento, há-de pensar que vai receber um benefício, um sinal da /76 amorosa
solicitude do Salvador por ele, um favor enfim que Jesus lhe adquiriu com o preço do
seu sangue, e este pensamento há-de excitar nele um vivo sentimento de gratidão para
com o bom Mestre. Sofremos, se então não sentimos no nosso coração um sentimento
afectuoso pelo Coração tão amante de Jesus e dizemo-lo com simplicidade. Acusamo-
nos no secreto do nosso coração por não amarmos como este Coração infinitamente
amante e infinitamente amável merece.

Entregamo-nos a um trabalho da regra, temos o cuidado de o oferecer a Jesus


pedindo-lhe que o aceite como um snal de amor.

Cumprimos um dever qualquer, não só pensamos em oferecê-lo como uma


garantia de amor, mas para lhe dar uma prova da sinceridade da nossa afeição,
aplicamo-nos a fazê-lo o melhor que podemos.

Se apesar da boa vontade aplicada ao trabalho não conseguimos mais do que


uma obra defeituosa, oferecemos a Nosso Senhor a humilhação que daí poderá resultar.

O Salvador. – Frequentemente o coração consagrado ao amor do meu Coração


experimenta a necessidade de se aproximar de mim, de me dizer que me ama.

Os homens simples são aqueles que melhor escutam o seu coração nos curtos
instantes em que reanimam o seu ardor no trabalho através de uma invocação afectuosa.
Não lhes custa dizer-me com todo o seu coração: «Jesus, como eu vos amo», ou ainda:
«Ó Jesus como eu quereria amar-vos!» Eu respondo muitas vezes a estas invocações e a
estas atenções delicadas com toques de graça que dilatam o coração e o tornam mais
ardente. Gosto muito destas efusões cheias de simplicidade.

73
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. O religioso ou o fiel que ama verdadeiramente Nosso Senhor


coloca a sua felicidade em pensar n’ Ele e procura os meios de lhe provar a
sinceridade dos seus sentimentos

Reflexões. – Aquele que ama verdadeiramente o Coração sagrado de Jesus é


vigilante deste a manhã. Não é preguiçoso a levantar-se, porque o seu primeiro
pensamento é para o bom Mestre. Tem pressa de lhe dar o seu coração e de renovar a
sua oblação. Sabe que a preguiça no levantar seria um desmentido dado à suas
protestações de amor.

Uma vida assim cheia pelo pensamento habitual daquele a quem damos o nosso
coração não é somente uma oração contínua, é um acto de amor contínuo. «Sine
intermissione orate» disse o apóstolo. Eis o meio de rezar sem interrupção.

Aquele que ama Nosso Senhor continua a amá-lo durante o seu sono, porque
enquanto dorme o seu coração vela. Não pôde entregar-se ao sono /77 sem experimentar
a necessidade de dizer a Nosso Senhor que O ama e sem lhe oferecer o seu repouso,
destinado a reparar as forças que dedicou ao seu amor. Como a esposa do Cântico,
procura Nosso Senhor mesmo durante a noite: In lectulo meo quaesivi quem diligit
anima mea.

O coração apaixonado murmura como de si mesmo: «Jesus, eu vos amo», ou


alguma outra palavra afectuosa por Nosso Senhor.

O Salvador. – Sim, aqueles que vivem assim deram-me realmente o seu coração.
Deram-me todas as suas afeições e todos os seus batimentos. Ama-se muito quando se
pensa pouco ou nada no objecto do próprio amor? Não temais, esta maneira de me amar
não tem nada que fadigue. Não exige que se façam raciocínios incessantes, nem que se
mantenha o espírito numa tensão penosa. O coração nunca se cansa de pensar naquele
que ama. É o principal efeito do amor o de encher de tal modo o coração que ele sente
incessantemente a necessidade de se unir ao objecto do seu amor.

74
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. Este hábito de pensar afectuosamente em Nosso Senhor coloca a


alma em estado de fervor e transforma todas as suas acções em actos de
caridade

Reflexões. – O grande sinal do amor verdadeiro e fervoroso, é o pensamento


daquele que se ama, é o cuidado de tudo lhe oferecer e de tudo fazer com coração por
amor dele. Quanto mais alguém ama mais é pressionado pela necessidade de tudo
oferecer como uma marca de amor: Qui edunt me adhuc esurient et qui bibunt me adhuc
sitient. Esta necessidade torna atento a fazer bem tudo o que faz. Torna delicado nas
pequenas coisas. Esta delicadeza toca muito Nosso Senhor, porque é a marca de um
amor profundamente enraizado. A estas almas que o amor tornou assim atentas a lhe
agradar até nos mínimos pormenores da sua vida, reserva ternuras particulares. É a elas
que se aplicam estas palavras do Esposo: «Tu feriste o meu coração, ó minha irmã e
minha esposa, com o teu olhar e com a tua cabeleira: Vulnerasti cor meum, soror mea
sponsa, in uno oculorum tuorum et in uno crine colli tui». Que marca de amor haveria
num trabalho de que alguém se desobrigaria como de uma estopada enfadonha?

Finalmente, a grande vantagem deste hábito de sempre pensar em Jesus e de


sempre lhe oferecer as suas acções como uma garantia de amor, é de realizar várias
práticas ao mesmo tempo, de as resumir, de as concentrar numa só, que conduz
directamente à perfeição. Agir em espírito de fé, agir mantendo-se na presença de Deus,
agir com uma grande pureza de intenção, tudo isto se encontra reunido num só acto
inspirado pelo coração: Agir por puro amor pelo Coração de Jesus./78

O Salvador. – Sim, estou presente no coração daquele que age assim. Faço dele
um tabernáculo. Estou lá com o meu amor e muitas vezes falo a este coração pelas
doces inspirações da minha graça; e este coração dilatado pelo amor avança com alegria
no caminho do dever e do sacrifício: Viam mandatorum tuorum cucurri, cum dilatasti
cor meum.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Saboreei muitas vezes, ó bom Mestre, a doçura da vossa presença, e compreendo


que devo merecê-la com a minha generosidade em vos servir com um amor filial.

75
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Renovo a minha resolução de vos oferecer sinceramente as minhas acções e de as fazer


diante de vós com um cuidado delicado, para contentar o vosso coração tão amável.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Sine intermissione orate (1Tes 5).


- Vulnerasti cor meum in uno oculorum tuorum et in uno crine colli tui (Cant. 4).
- Viam mandatorum cucurri cum dilatasti cor meum (Ps 118).
- Orai sem interrupção (Tes 5).
- Feriste o meu Coração com um olhar e com o cabelo da tua cabeça (Cant. 4).
- Corri no caminho dos mandamentos, quando dilatastes o meu coração (Sl
118)./79

76
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA QUINTA MEDITAÇÃO

SOBRE O AMOR DE ABANDONO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 4.

31. Interea rogabant eum discipuli, dicentes: Rabbi, manduca.


32. Ille autem dicit eis: Ego cibum habeo manducare, quem vos nescitis.
33. Discebant ergo discipuli ad invicem: Numquid aliquis attulit ei manducare?
34. Dicit eis Jesus: Meus cibus est, ut faciam voluntatem ejus, qui misit me, ut perficiam opus
ejus.
31. Então os discípulos pressionavam-no dizendo: Mestre, comei.
32. Disse-lhes: Tenho outro alimento para comer que não conheceis.
33. Então diziam entre si: Trouxe-lhe alguém de comer?
34. Jesus disse-lhes: O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou
para que cumpra a sua obra.
Sumário. – Aquele que ama não se resigna somente, faz mais; coloca-se
alegremente à disposição do objecto amado. Entrega-se a ele em tudo e por tudo.

A amargura da resignação é incompatível com o amor cuja delicadeza ofende.

O abandono amoroso e confiante é o que agrada a Nosso Senhor. Era assim que
Ele se dava ao seu Pai e mesmo a Maria e a José.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, desejo acima de tudo contentar-vos e testemunhar-


vos o meu amor do modo mais completo e mais delicado. Dizei-me, peço-vos, o que
devo fazer.

77
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. Quem ama coloca-se alegremente à disposição da pessoa amada

Reflexões. – No amor verdadeiro, damo-nos inteiramente à pessoa amada. Não


nos resignamos apenas, fazemos mais: estamos alegres por estar à disposição daquele
que amamos; entregamo-nos a ele em tudo e por tudo. A união seria incompleta, não
existiria totalmente, se /80 não deixasse absorver a própria vontade pela pessoa que se
ama.

Nosso Senhor não se limitou a resignar-se à vontade do seu Pai, quis o que o seu
Pai queria e qui-lo com alegria. Disse com alegria o Surgite, eamus: Levantai-vos,
vamos.Tomou a cruz com alegria: - Cum gaudio sustinuit crucem. – No Egipto, em
Nazaré, não se resignou simplesmente à vontade da sua Mãe ou à de S. José, quis
sempre o que eles queriam; fez mais, quis o que eles desejavam.

Vêde como estais longe ainda de o amar como Ele quer ser amado. Ele deixa aos
seus amantes uma vontade, a de estarem unidos a Ele, mas não pode deixar-lhes a
escolha na forma desta união, eles devem deixar-se conduzir.

O Salvador. – O que peço aos meus amigos, não é a resignação simples, a


resignação de Simão de Cirene; é o abandono alegre. A resignação misturada de
amargura e de tristeza é ainda meritória e recompenso-a, mas peço mais aos meus
amigos: a tristeza no sacrifício é incompatível com o amor cuja delicadeza ofende.

A preocupação de um coração amante não é a recompensa, não pensa nela; é


unir-se a mim, é provocar as efusões do meu Coração pelas efusões do seu. Dá-se a mim
inteiramente, esquece-se, perde-se em mim como uma gota no oceano.

II. Nosso Senhor pede o abandono amoroso e confiante

Reflexões. – É na meditação da infância e dos sofrimentos de Nosso Senhor que


se encontra a luz e a força para seguir os exemplos de abandono que deu. A meditação
afectuosa da sua vida de criança ensinar-vos-á a colocar-vos entre as suas mãos com
uma confiança de criança. É o fruto que devemos tirar da contemplação da sua infância.
É preciso aprender a amar primeiro e depois deixá-lo fazer e abandonar-se n’ Ele.

O que pede de vós, não é tanto pensar em vos resignardes e fazerdes um


sacrifício, mas em amá-lo e vos abandonardes com confiança e com amor ao seu amor.

78
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O abandono amante, eis o que lhe agrada, o que faz estremecer o seu Coração e lhe dá
as mais doces alegrias.

O Salvador. – Quando uma alma se abandona generosamente ao meu amor, já


não conto com ela. Tomo cuidado dela como de mim mesmo. O seu coração funde-se,
perde-se no meu. Como não faço senão um só /81 com o meu Pai, ela não faz senão um
só comigo. Ela não é senão um amigo comigo, ela é de algum modo um outro eu
mesmo. – Sicut tu, Pater, in me et ego in te, ut et ipsi in nobis unum sint (Jo 17, 21).
Não era assim que Eu repousava nos braços de Maria e de José deixando-me levar
aonde eles queriam, sempre contente desde que estivesse com eles? Mais tarde eles
conduziam-me pela mão e todo o meu desejo era estar junto deles e de fazer o que eles
queriam. Fazia o mesmo pelo meu Pai celeste, estava entre as suas mãos não pedindo
outra coisa senão fazer amorosamente a sua vontade.

Fazei o mesmo, dai-vos a mim para serdes conduzidos quer pela minha graça e
pela minha providência, quer por aqueles que me representam junto de vós.

III. A meditação da Paixão ensina-nos particularmente o abandono

Reflexões. – É na meditação dos sofrimentos de Nosso Senhor que havemos de


colher sobretudo as forças necessárias para praticar o abandono nas provações da vida.
A contemplação da sua Paixão desenvolve o amor que lhe temos, e o amor é o meio de
transformar em alegria o que seria amargura.

O desejo de se unir aos sofrimentos de Nosso Senhor adoça as penas que é


possível encontrar-se na imolação de si mesmo. Unimos as nossas penas à sua imolação
do Calvário e é um meio de nos associarmos à sua dolorosa Paixão, no mesmo espírito
no qual se ofereceu, por amor e pela glória de seu Pai e pela salvação das almas. Esta
união de intenção é-lhe muito agradável e o amor com o qual o fazemos aumenta ainda
o preço aos seus olhos. É assim que não temos verdadeiramente senão um só coração e
uma só alma com Ele.

O seu amor será assim por vós o meio de suportar facilmente todas as provações
por onde podereis passar. Aliviar-vos-á, e mesmo transformará em alegria tudo o que
sem Ele seria pena ou amargura.

79
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Alegramo-nos por sermos flagelados com Ele quando lhe oferecemos


amorosamente as mortificações da carne e as humilhações do orgulho. Somos coroados
de espinhos com Ele e comprazemo-nos n’Ele, quando nos unimos amorosamente aos
seus sofrimentos todas as contrariedades que experimentamos. Uma alma avança com
Jesus na via dolorosa do Calvário quando segue, unida a Ele pelo amor, as vias onde lha
agrada fazê-la passar.

Somos pregados na cruz com Ele, quando unimos à sua crucifixão as situações
penosas e dolorosas onde lhe agrada colocar os seus amigos. Agonizamos com Ele
sobre a cruz, quando unimos às suas penas as angústias /82 de uma situação na qual quer
que estejamos.

É preciso aceitar as provações sejam elas quais forem. Não é necessário que elas
se assemelhem fisicamente às suas. Quem quer que seja que O ame passa por
provações. Estas provações, sofremo-las com Ele unindo-nos aos sofrimentos da sua
Paixão. A união de amor identifica de algum modo estes sofrimentos com os seus, que
importa que estas dores não sejam materialmente idênticas às suas! São-lhe sempre
semelhantes, quando são amorosamente aceites e oferecidas em união com as suas.

Aceitação e abandono, são as duas condições desta vida de união que é animada
por um generoso amor para com Nosso Senhor.

O Salvador. – Estas eram as minhas disposições habituais para com o meu Pai.
Pude experimentar um momento de tristeza na agonia para vos encorajar nas vossas
tentações, mas voltei prontamente ao espírito de abandono: «Meu Pai, que a vossa
vontade seja feita e não a minha!»

Não eram também estas as disposições dos meus apóstolos? O livro dos Actos
diz-nos que Pedro e João se iam embora felizes depois do interrogatório do Sinédrio
onde tinham sido humilhados pelo nome de Cristo. – Ibant gaudentes a conspectu
concilii, quoniam digni habiti sunt pro nomine Jesu contumeliam pati! (Act 5). É que
eles amavam-me verdadeiramente. Também S. Paulo superabundava de alegria nas
provações. – Superabundo gaudio in omni tribulatione (2Cor 7).

Mas esta união comigo pede o recolhimento habitual, a recordação constante das
minhas bondades e do meu amor e uma doce intimidade habitual comigo.

80
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Senhor, confio-me, dou-me e abandono-me com confiança e amor na vossa


amorosa Providência, como vós vos abandonastes ao vosso Pai na vossa infância, na
vossa vida e na vossa Paixão. Dado que me amais, porque não me confiaria ao vosso
Coração? Tereis mais cuidado de mim do que não teria uma mãe. /83

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Meus cibus est ut faciam voluntatem ejus qui misit me (Jo 4, 34).
- Et qui misit me mecum est et non reliquit me solum, quia quae placita sunt ei facio semper (Jo
8, 29).
- Quicumque fecerit voluntatem Patris mei qui in coelis est, ipse meus frater, et soror et mater
est (Mt 12, 50).
- O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou (Jo 4).
- Aquele que me enviou está comigo e não me deixou só porque cumpri sempre
o que é do seu agrado (Jo 8).
- Quem faz a vontade do meu Pai que está nos céus, esse é o meu irmão e a
minha irmã e a minha mãe (Mt 12)./84

81
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA SEXTA MEDITAÇÃO

SOBRE A PUREZA DE CORAÇÃO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Lc 15.

11. Homo quidam habuit duos filios.


12. Et dixit adolescentior ex illis patri: Pater, da mihi portionem substantiae quae me contingit.
Et divisit iliis substantiam.
13. Et non post multos dies, congregatis omnibus, adolescentior filius peregre profectus est in
regionem longinquam, et ibi dissipavit substantiam suam vivendo luxuriose.
14. Et postquam omnia consummasset, facta est fames valida in regione illa, et ipse coepit
egere.
15. Et abiit, et adhaesit uni civium regionis illius, qui misit illum in villam suam pascere porcos.
17-18. In se autem reversus dixit: ... Surgam et ibo ad patrem.
11. Um homem tinha dois filhos.
12. O mais novo disse ao pai: Dai-me a parte da herança que me cabe. E o pai
fez a partilha.
13. Pouco depois reuniu os seus bens e partiu para longe, onde dissipou tudo
vivendo luxuriosamente.
14. E quando dissipou tudo, sobreveio a fome naquela região e ele teve fome.
15. Pôs-se ao serviço de um proprietário, que o enviou para o seu campo guardar
porcos.
17-18. Mas caindo em si mesmo disse para consigo: ... Vou voltar para o meu
pai.
Sumário. – É bem claro que o principal obstáculo à vida de amor é o pecado.
Pecar e afastar-se do amor de Deus é a mesma coisa.

O pecado mortal destrói o amor; o pecado venial diminui-o.

É preciso voltar todos os dias ao nosso Pai celeste pelo arrependimento, a


conversão, a penitência.

82
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação. /85

I. O principal obstáculo ao amor é o pecado

Reflexões. – Pelo pecado, o homem afasta-se do seu Deus para se estabelecer na


independência e bastar-se a si mesmo. Quebra a união da sua alma com Deus e perde a
graça que tinha operado nele esta união. Mais ainda, uma inclinação nova o arrasta para
as criaturas e para longe de Deus, enquanto antes tinha uma inclinação sobrenatural a
procurar Deus em tudo e acima de tudo.

Não existindo mais o canal de união, não se dá mais nenhuma comunicação de


graças vivificantes do Criador à criatura; e, por outro lado, não existe mais submissão e
dependência da criatura ao Criador.

A alma assim separada de Deus e não recebendo mais as divinas comunicações,


procura a sua felicidade nas criaturas. As três concupiscências, que afastam de Deus,
substituem as três virtudes teologais que levavam a alma para Deus. As três potências
da alma são arrastadas por estes três vícios. A alma torna-se escrava dos sentidos e da
carne. A pobre pródiga vive com os porcos. Mas os alimentos miseráveis que ela
encontrou não lhe bastam: tem fome.

Então lembra-se da sua felicidade passada. Quando possuía Deus, recebia com
abundância as comunicações do amor divino. Via Deus nas criaturas mesmas, que a
ajudavam a unir-se a Deus. Os sentidos estavam calmos e submetidos. Ela saciava-se do
amor.

Que lhe resta a fazer? Levantar-se e regressar ao seu pai, que lhe perdoará e lhe
fará servir de novo o festim abundante do amor.

É preciso, portanto, voltar sempre a Deus: voltar de longe, se foi cometido


algum pecado mortal; voltar de menos longe, se o homem começou somente a afastar-se
pelas faltas veniais.

83
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O Salvador. – Sim, voltar a mim e fugir do pecado é sempre a condição do


amor. Voltar e reencontrar a sua veste primitiva, a veste branca da pureza, é a condição
para de novo sentar-se no festim do amor. Ah! Espero-vos, como o pai espera o filho
pródigo; não hesiteis, voltai, tenho pressa em cumular-vos dos dons do amor, mais
ainda do que antes o fazia.

II. O pecado venial e a tibieza paralisam o amor

O pecado venial não destroi completamente o amor, mas paralisa-o.

A amizade é delicada, cultiva-se pelas atenções, a assiduidade, os /86 os serviços


prestados. Arrefece depressa quando vêm os esquecimentos, os melindres, as ofensas
mesmo ligeiras. As mágoas que nos chegam de um amigo são as mais sensíveis, como
nota David nos salmos.

O hábito do pecado venial é absolutamente inconciliável com a amizade de


Jesus. Pretender que se ama alguém e incomodá-lo sem cessar com desprezos e maus
tratos, é absolutamente contraditório. Agir assim, é provocar as náuseas do nosso
amigo, é preparar a ruptura com ele.

Na prática, se pecámos mortalmente, não há senão um remédio: recorrer ao


sacramento da Penitência; preparar-se bem, ir com ardor e confiança, como fez o filho
pródigo; mostrar-se reconhecido pela graça recebida.

Quanto ao pecado venial, a luta é de todos os dias. É preciso em primeiro lugar


animar-se no sentido de lhe ter ódio; determinar-se bem a evitá-lo o mais possível;
tomar os meios para isso.

A oração, os exames, a vigilância são os meios ordinários. É preciso saber fugir


das ocasiões.

A amizade não se contenta com uma semi-generosidade, ela quer tudo ou nada.
Quem é que quereria ir assiduamente a casa de uma pessoa que só tem procedimentos
ofensivos? Jesus ama aqueles pelos quais é amado: dilientes me diligo (Prov 8). É
assíduo junto daqueles que são assíduos a agradar-lhe, a servi-lo delicadamente, a
evitar-lhe qualquer mágoa e toda a tristeza.

84
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Pecar venialmente, não é afastar-se absolutamente de Deus, mas é voltar-lhe as


costas, mesmo permanecendo perto dele. Mas isto é amizade?

Não é macular completamente o seu Coração, mas é sujá-lo. Um objecto sujo


pode agradar e ficar agradável?

O Salvador. – Peço-vos o vosso coração, mas só posso querer um coração puro,


um coração atento, um coração amante. Que é que posso fazer de um coração todo
cheio de si mesmo e das criaturas? Encontro o meu prazer entre os lírios. O meu amor
pelas almas é em proporção da sua pureza.

III. A tibiez e o regresso a Deus

O pecado venial pode não passar de um acidente. Mas se permanecermos nele,


se o cometermos facilmente, se não o afastamos pelo regresso da alma a Deus, por um
acto de caridade perfeita, então é a tibiez. Ainda não é o fim do estado de graça, mas é
já o fim da amizade íntima com Nosso Senhor. /87

A vida de amor é o oposto da tibiez. Não é incompatível com algumas quedas


veniais; mas é quebrada pela apatia de uma alma que aceita sem se sensibilizar o
pecado venial e aí permanece habitualmente sem se voltar seriamente para Nosso
Senhor, sem se purificar por um acto de amor e de contrição perfeita.

O contraste é, portanto, completo, entre um amigo de Nosso Senhor e um


mercenário. O mercenário quer ganhar o seu salário sem se incomodar muito. Procura
evitar o pecado mortal e preocupa-se pouco com o resto. O amigo é dedicado, delicado,
vigilante. Procura evitar toda a falta voluntária, mesmo venial. Se uma falta lhe escapa,
apaga-a imediatamente com um acto de amor. Renova estes actos de amor várias vezes
por dia, ao menos na hora da oração e dos exames, excitando-se pela recordação da
Paixão, e pouco a pouco estes actos tornam-se-lhe fáceis e familiares. Obtém então este
estado de alma que se chama a oração de afeição e que deveria ser comum a todas as
almas consagradas ao Sagrado Coração de Jesus. Neste estado a alma é facilmente
impressionada por um movimento de afeição que a leva para Nosso Senhor.

Esta impressão vem da graça e renova-se facilmente por ocasião de alguma


oração ou de algum acto de recolhimento. É uma impressão de alegria ou dor conforme

85
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

os mistérios que se medita ou os temas nos quais se detém. É sempre uma impressão de
amor.

Um dos frutos da devoção ao Sagrado Coração é pôr facilmente as almas neste


estado de oração afectiva. Basta para isso um pouco de boa vontade para manter o seu
coração puro e para fugir da tibiez e do pecado venial deliberado.

Nos começos, é muitas vezes uma impressão de dor profunda, excitada por uma
recordação dos pecados passados. A violência da dor é medida pela violência do amor.
Ela culmina a purificação da alma.

Uma outra dor vem do desejo de obter uma graça, de adquirir uma virtude pela
qual se suspira.

Mais tarde a dor da alma provem da vista da cruz e dos sofrimentos de Nosso
Senhr.

Todas estas dores são purificadoras e estão unidas a uma alegria íntima que reina
no fundo do coração.

Ah! Se as almas conhecessem o dom de Deus! Se soubessem como o seu jugo é


suave e a sua carga leve, como se disporiam pela pureza do coração e pela devoção ao
Coração de Jesus a receber estes dons tão preciosos! /88

O Salvador. – Sim, tenho as minhas mãos cheias de favores celestes. Abri-me as


vossas almas, purificai-as, disponde-as. Não posso colocar os meus dons senão em
corações puros. Vinde a mim, vós todos que tendes fome e sede do meu amor, e eu
saciar-vos-ei.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Meu Deus, como tenho sido insensato até agora! Como tenho exercitado a vossa
paciência! Estáveis à porta do meu coração com os vossos dons e eu não vos abria.
Mantinha o meu coração ocupado pelas criaturas e não podíeis lá entrar. Perdoai-me,
Senhor, perdoai-me. Tenho um coração bem duro, bem fraco e bem inconstante.
Corrigi-o, mudai-o, tomai dele posse.

86
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Surgam et ibo ad patrem, et dicam ei: Pater, peccavi in caelum et coram te (Lc 15).
- Vidit illum pater et misericordia motus est, et accurens cecidit super collum ejus et osculatus
est eum (Lc 15).
- Levantar-me-ei e irei ter com meu pai e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o
céu e contra vós (Lc 15).
- O seu pai viu-o aproximar-se e foi tocado de compaixão e lançou-se ao seu
pescoço e abraçou-o (Lc 15). /89

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA SÉTIMA MEDITAÇÃO

SOBRE O RECOLHIMENTO E A VIDA INTERIOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 14.

16. Ego rogabo Patrem, et alium Paraclitum dabit vobis, ut maneat vobiscum in aeternum.
17. Spiritum veritatis, quem mundus non potest accipere, quia non videt eum nec scit eum. Vos
autem cognoscetis eum; quia apud vos manebit et in vobis erit.
18. Non relinquam vos orphanos: Veniam ad vos.
16. Pedirei ao Pai, e Ele dar-vos-á um outro Consolador para que permaneça
convosco eternamente.
17. O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem
o conhece. Mas vós, vós conhecê-lo-eis, porque permanecerá convosco eternamente.
18. Não vos deixarei órfãos: virei a vós.
Sumário. – O Espírito Santo, que é o espírito de Verdade e de amor habita em
vós. O seu reino está dentro de vós.

O mundo que não se recolhe não pode vê-lo nem compreendê-lo.

Mas vós, vós o conheceis e tendes por Ele uma docilidade filial.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

I. O Espírito Santo habita em vós

Reflexões. – É bem claro que para viver a vida de amor é preciso ter o hábito de
voltar-se para Deus, de viver na presença de Deus, de viver unido a Deus, e
especialmente de mergulhar nesta fonte de amor que é a vida do Espírito Santo em nós.

O acto de adoração pelo qual o cristão começa a sua meditação da manhã deve
ser para nós renovado frequentemente. Pode fazer-se por um simples acto de fé e de

88
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

vontade, ou por um raciocínio piedoso, ou ainda pela imaginação que nos representa o
trono da Santíssima Trindade, o reino de Nosso Senhor ou algum dos seus mistérios.
Mas é preciso que se faça.

A vida de amor não é senão uma forma de vida interior. Ora, a vida /90 interior
consiste numa doce e amorosa presença de Deus. A alma interior está habitualmente
numa suave, simples e humilde direcção para Deus nas suas obras. Procura não agir
senão sob a influência e o impulso interior de Deus e pela sua ordem. Tem sempre como
intenção provar a Deus o seu amor. Espero tudo d’Ele, reconduz tudo a Ele; vê Deus em
todas as criaturas e todas as criaturas em Deus.

A sua acção é tranquila, recolhida, cheia de mansidão, de modéstia e de uma


doce gravidade.

Está num doce repouso entre os braços do seu bem-amado. A sua ocupação é
olhá-lo no seu interior, escutar serenamente a sua voz, ser fiel às suas santas inspirações.

Nas suas relações com o próximo, tudo é amor divino, paz, zelo,
condescendência e humildade. Ela mostra-se com um humor igual e com uma conduta
uniforme.

Mas o princípio e o ponto de partida de toda a vida interior, é a recolecção ou o


recolhimento.

O recolhimento opera-se fixando a própria atenção para Deus numa perspectiva


de fé qualquer. A união a Deus por amor resulta daí espontaneamente.

A recolecção pode ser o fruto de uma graça especial e poderosa, que atrai todas
as potências da alma; mas o mais das vezes resulta de um estado de fidelidade habitual à
graça divina. Compreende-se que neste caso a alma é facilmente impressionada por
Deus, porque Deus é o objecto para o qual ela tende habitualmente e no qual estão
concentradas todas as suas afeições.

No começo, é preciso uma vontade bem determinada e um certo trabalho,


porque a afeição do coração é ainda partilhada, a amor de Deus é fraco e a alma tem
ainda o hábito de se voltar para as criaturas.

Com uma vontade firme, é preciso um certo trabalho, uma certa habilidade, para
deter as divagações da imaginação, dar-lhe alimento e nutrir as afeições do coração.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Mas os nossos esforços são ajudados pela graça, e se somos generosos,


adquirimos depressa o hábito do recolhimento que é uma verdadeira pedra filosofal,
capaz de mudar todo o vil metal dos nossos actos naturais no ouro puro da caridade.

O Salvador. – Paz aos homens de boa vontade. Vinde a mim e acolher-vos-ei e


dar-vos-ei audiência e convidar-vos-ei a vos /91 repousardes sobre o meu Coração.
Vinde e saboreai como o vosso divino Pastor é bom e generoso.

II. O mundo não O conhece

O mundo, que não se recolhe, não pode nem conhecer nem compreender o
espírito de amor.

O apego às criaturas e o hábito de uma vida toda natural são obstáculos ao


recolhimento e à vida de amor. Neste estado, uma alma não se voltando para Deus,
como receberia o dom do seu amor? Na parábola do semeador, a alma dissipada e
demasiado dada à vida natural é representada pelo grande caminho, ou o terreno
pedregoso, ou ainda pelo terreno coberto de silvados. É em vão que o bom grão é
lançado nestes terrenos ingratos, não dá frutos.

Os primeiros cristãos gostavam de representar nas Catacumbas de Roma o Bom


Pastor rodeado de ovelhas. Umas voltam-se afectuosamente para Ele e recebem o
orvalho da sua graça. Outras olham para a terra ou para longe e não recebem nada. Estas
ovelhas representam, por um lado, as almas recolhidas e unidas a Deus, e, por outro, as
almas dissipadas ou absorvidas pelo cuidado das coisas terrestres.

Como é que as almas dissipadas receberiam o dom do amor? Se se voltam


alguma vez para Deus, por exemplo na meditação e na oração, é com ligeireza e de um
modo superficial, ou então é com desleixo e indiferença. A sua meditação é sem vigor,
sem gosto e sem sabor; as distracções são contínuas.

Não tomam os meios necessários, que são: começar bem, tornando a si mesmas
a presença de Deus tão viva e tão sensível quanto possível; entrar nos sentimentos de
humildade que convêm a um pecador em presença da santidade do seu Deus; dispor-se a
receber as graças deste Deus pelo desprendimento de si mesmo e das criaturas.

90
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Em resumo, estas almas não saem do mundo, deste mundo que Nosso Senhor
não ama e do qual disse: «Não sou do mundo. – O mundo não conhece o Espírito
Santo».

O apego às criaturas, a certas pessoas ou a certas alegrias naturais é um


obstáculo tão absoluto como a dissipação.

Este apego embaraça o coração, amolece-o, retira-lhe o verdadeiro fervor; põe


na alma uma certa disposição de frieza para com Deus.

O apego a si mesmo é pior ainda. Põe sem cessar em jogo o orgulho, ou a


indolência, ou a sensualidade./92

É preciso, portanto, agir com generosidade e com energia contra estas más
disposições. Repitamo-lo ainda: Nosso Senhor não pode prestar-se a partilhar um
coração com as criaturas, é indigno d’Ele. Ele quer todo o nosso coração e não nos
permite amar as criaturas senão n’Ele e segundo a sua lei.

O Salvador. – Meu filho, dá-me o teu coração. Dá-mo todo inteiro. Dá-mo por
uma vida regrada, com momentos de recolecção pelos quais tu te hás-de preparar para a
vida de união e de amor à qual quero elevar-te, se tu fores fiel.

III. Mas vós, vós conheceis o espírito de amor

A divina sabedoria, que é o espírito de amor, não se oculta àqueles que a


procuram. Ela mesma vai à frente deles e procura almas de boa vontade onde possa
repousar-se; dignos seipsa circuit quaerens (Sab 6).

Deixai-vos, pois, conduzir por este espírito de amor. É preciso que Ele se torne a
alma e a vida das vossas acções.

Os bens que Ele vos promete e que vos há-de ocasionar são inumeráveis: a
felicidade sobrenatural, mesmo no meio das contradições; uma vida pura, o ódio ao
mínimo pecado; uma grande confiança quanto à vossa salvação; obras cheias de graças
e de méritos diante do Senhor; uma grande força para empreender e executar o que
Deus pede de vós.

Para vos consolidar neste espírito e de nele progredir, fugi de tudo o que seja
dissipador: as sociedades barulhentas e a agitação do mundo. Fugi de tudo o que

91
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

amolece a alma e de tudo o que deleite os sentidos: fazei algumas mortificações. Tende
em tudo uma regra bem determinada. Confiai a vossa alma a um director bem unido a
Deus.

Mas ainda não é tudo: tende muitas vezes diante dos olhos Jesus e Maria; fazei
actos frequentes de amor, de humildade, de oferenda de vós mesmos, de submissão e de
abandono nas mãos de Nosso Senhor. Deixai-vos bem conduzir pelos movimentos
interiores da graça. Agi mais frequentemente pelo motivo de amor do que por qualquer
outro. Alimentai-vos da Sagrada Escritura.

Sêde submissos, dóceis, dispostos nas mãos de Deus. Ide ter com Nosso Senhor
mais ainda pela vontade do que pelo espírito. Os actos adiantar-vos-ão mais do que as
especulações do entendimento.

Que o bom agrado divino seja toda a vossa regra, toda a vossa vida, toda a vossa
preocupação: Domine, quid me vis facere? Senhor, que quereis que eu faça? /93

O Salvador. – O meu Coração e o de minha Mãe devem ser o grande livro da


vossa santificação. Considerai as minhas disposições, as minhas afeições, os meus
sentimentos para neles vos confirmar. O meu apóstolo, S. Paulo, vo-lo disse muitas
vezes, devo ser para vós um modelo, um espelho. Deveis revestir-vos por assim dizer da
minha personalidade, entrar nos meus sentimentos e reproduzir a minha vida: Induimini
Jesum Christum (Rom 13).

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Meu bom Mestre, quero doravante tomar-vos por meu único mestre e meu único
amigo. Consagro-vos o meu pensamento, o meu coração, as minhas afeições, a minha
vontade. Aceitai esta oferenda. Tomai-me ao vosso serviço. Não permitais que me
separe de vós.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Rogabo Patrem et alium Paraclitum dabit vobis ut maneat vobiscum in aeternum (Jo 14).
- Apud vos manebit et in vobis erit (Jo 14).
- Quicumque Spiritu Dei aguntur, ii sunt filii Dei (Rom).

92
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

- Pedirei ao meu Pai e Ele vos dará um outro Consolador que permanecerá
convosco para sempre (Jo 14).
- Permanecerá convosco e estará em vós (Jo 14).
- Os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, esses são os filhos de Deus
(Rom. )./94

93
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA OITAVA MEDITAÇÃO

SOBRE A ORAÇÃO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Mt 11

27. Omnia mihi tradita sunt a Patre meo. Et nemo novit Filium nisi Pater: neque Patrem quis
novit, nisi Filius et cui voluerit Filius revelare.
28. Venite ad me omnes qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos.
29. Tollite jugum meum super vos et discite a me, quia mitis sum et humilis corde: et invenietis
requiem animabus vestris.
30. Jugum enim meum suave est et onus neum leve.
27. Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e
ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar.
28. Vinde a mim vós todos que andais sobrecarregados e eu vos aliviarei.
29. Tomai o meu jugo, e aprendei de mim que sou doce e humilde de coração e
encontrareis repouso para as vossas almas.
30. Porque o meu jugo é doce e a minha carga leve.
Sumário. – Nosso Senhor é o nosso mediador para a vida interior como para a
salvação. É a Ele que é preciso ir para o conhecer e conhecer o seu Pai.

O conhecimento de Nosso Senhor conduz ao seu amor e faz nascer o fervor.

Mas o fervor é um dom de Deus que é preciso desejar ardentemente e pedir com
perseverança.

É preciso sustentar e desenvolver o fervor pela oração, pelo sacrifício e pela


generosidade.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

94
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O discípulo. – Senhor, vós sois o meu Deus e o meu tudo, vós sois o caminho, a
verdade e a vida. Vós sois a luz que ilumina todas as almas. Ensinai-me as regras da
vida interior. Que hei-de fazer para aprender a amar-vos? /95

I. O conhecimento de Nosso Senhor deve ser o fundo da vida interior,


conduz ao seu amor

Reflexões. – Seria em vão que alguém vos pedisse para fazerdes actos e
demonstrações de amor, se vos não ensinasse primeiro como fortalecer o amor no vosso
coração. A acção como a palavra deriva do coração. São as disposições do coração que
é preciso cultivar primeiro. A vida interior precede a acção. O fogo da caridade deve ser
acendido e alimentado no coração para que os actos da vida sejam cumpridos no espírito
de caridade, senão a alma recai bem depressa na vida natural: Aruit cor meum quia
oblitus sum comedere panem meum (Ps 101).

Para alimentar e desenvolver a vida interior, a regra prescreve uma meditação


todas as manhãs. Leituras espirituais e conferências ajudam também a guiar a alma e a
sustê-la.

O fim de todos os exercícios, é encher o espírito de pensamentos salutares e


reanimar o fervor. Procura-se, por estes meios, reanimar a fé, recordar a necessidade de
purificar as próprias intenções. Seria preciso, para as almas consagradas ao Sagrado
Coração, que todos estes exercícios convergissem para um fim único: fazê-lo amar.

O amor por Nosso Senhor resume e concentra tudo.

Quem O conhece e quem O ama conhece e ama o seu Pai. Não se vai ao seu Pai
senão por Ele. O livro por excelência no qual devem ler as almas consagradas ao seu
Coração, é, portanto, o seu Coração sagrado mesmo. Deve ser o centro único ao qual
reportarão não somente todos os seus actos exteriores, mas também as suas virtudes, os
seus pensamentos, as suas afeições, as preocupações dos seus corações.

Ele deve ser o seu único modelo. Meditando sobre as virtudes de pobreza, de
castidade e de obediência, reportaremos este estudo ao sagrado Coração. Havemos de
meditar o modo como praticou estas virtudes. O hábito de estudar o Sagrado Coração
como modelo, há-de ajudar a amá-lo mais.

95
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Interessar-nos-emos nestas meditações a ver no Coração sagrado transbordando


de amor pelo seu Pai e pelos homens o único inspirador de todos os nosso sacrifícios.

Os mistérios da Incarnação e da Redenção devem ser também meditados com


cuidado. Ver-se-á aí a ternura e a generosidade sem limites do amor do Sagrado
Coração. Os corações generosos não poderão deter-se na meditação destes mistérios
sem se sentirem tocados. Nosso Senhor inflamará estes corações amantes e responderá
aos seus impulsos generosos com as graças mais preciosas. /96

Acrescentai a isto considerações sobre os benefícios que Nosso Senhor não cessa
de espalhar pelos sacramentos. Avançareis no seu amor à medida em que conhecerdes
melhor os seus títulos ao vosso reconhecimento.

Enfim qualquer virtude que estudeis, procurai sempre o seu modelo na vida de
Nosso Senhor. Por estes meios, chegareis sem esforço a passar a vossa vida para o seu
Coração, porque Ele será o único objecto das vossas preocupações, dos vossos
pensamentos, das vossas recordações, das vossas afeições. Esta união com Ele há-de
resumir as outras regras de vida interior: a presença de Deus, o espírito de fé, a pureza
de intenção.

O Salvador. – As almas assim unidas viverão habitualmente no meu amor e


poderei, se me agradar e por um dom todo gratuito, elevá-las a um grau superior do
amor, ao amor de esposa ou de abandono total, grau no qual não se ama somente por
reconhecimento, mas ama-se com um perfeito desinteresse, ama-se porque se ama,
amam-me por mim mesmo e para me proporcionar a felicidade de me sentir amado.
Este grau de amor não se adquire pelo raciocínio. É a obra da graça do meu Coração que
o coloca nos corações ternos e bastante generosos para se esquecerem de si mesmos.

II. O fervor é um dom de Deus que é preciso desejar ardentemente e


pedir com perseverança

Reflexões. – Não se deve esquecer que a primeira disposição a meter no seu


espírito ou antes no seu coração para bem conduzir a vida interior, é o desejo mesmo de
amar Nosso Senhor. Quando uma alma é vivamente tocada por este desejo, Nosso
Senhor cumula-a de graças. Apraz-se a saciar aqueles que têm fome e sede de o amar:
Ego sitienti dabo de fonte aquae vitae gratis (Ap 21, 6).

96
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

A santíssima Virgem desejava tão vivamente a vinda do Messias que os seus


desejos foram saciados para além das suas esperanças. O seu coração estava cheio deste
sentimento quando ela dizia com reconhecimento: Esurientes implevit bonis: «Encheu
de graças aqueles que tinham sede do seu amor».

Como é que o desejo de amar Nosso Senhor não O tocaria, Ele que deseja tanto
ser amado? Ele mantém-se à porta dos corações e bate: Ecce sto ad ostium et pulso (Ap
3, 20). Pede que se lhe abra este coração ao qual está pegado tanto: Aperi mihi, soror
mea, quia caput meum plenum est rore (Cat. 5, 2). Ele espera, com a cabeleira cheia do
orvalho da graça, que lhe dêem acesso a este coração que o seu amor cobiça. Mas não
/97 pode entrar à força numa alma. Ele apela, sugerindo doces inspirações. Se a alma fica
indiferente, se não presta atenção às suas solicitações, se não deseja recebê-lo, que pode
fazer? No entanto, deseja com um grande desejo entrar nos corações. Encontra a sua
felicidade em comunicar-se, em dar graças. Desde que uma alma O deseje, está pronta a
saciá-la: Si quis sitit, veniat ad me et bibat (Jo 7, 37).

O Salvador. – Um coração que quer a todo o preço amar-me e testemunhar-me o


seu amor procura-me por toda a parte. Quando sente um toque da minha graça, pode
dizer como a esposa do Cântico: Anima mea liquefacta est, ut locutus est. Estes toques
passageiros agitam-no profundamente, inflamam as suas afeições. Procura-me ainda.
Algumas vezes já não me encontra. Chama-me e não respondo. Oculto-me por um
tempo a fim de experimentar a constância do seu amor. Quando um coração está
verdadeiramente desejoso de possuir o meu coração, estas provações, longe de arrefecer
o seu amor não fazem senão inflamá-lo. A minha lembrança invade de tal modo todo o
seu ser, que me procura mesmo no sono: In lectulo meo per noctem quaesivi quem
diligit anima mea (Cant 3, 1).

III. É preciso alimentar e desenvolver o fervor pela oração, pelo


sacrifício e pela generosidade

Reflexões. – O desejo de amar Nosso Senhor não produz somente sentimentos


sem consistência, dá força para praticar o que Nosso Senhor pede.

Aqueles que amam com generosidade sofrem mesmo por não terem muitas
ocasiões de lhe testemunhar o seu amor.A sua regra quotidiana parece-lhes leve, não lhe

97
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

sentem o peso e quereriam ter mais para lhe oferecer. Os seus directores deverão mesmo
muitas vezes moderar o seu ardor e recordar-lhes que serão mais agradáveis a Nosso
Senhor obedecendo do que encarregando-se de lhe oferecerem o que se lhes proíbe.

Quando uma alma é assim trabalhada pelo amor do Sagrado Coração, é preciso
velar bem para não deixar arrefecer este ardor. É preciso alimentá-la, é preciso dar-lhe
um alimento que a mantenha tanto quanto possível no mesmo grau. É preciso dar-lhe
uma dupla regra, uma para a acção, outra para a vida interior. Para a acção, é o cudado
delicado de oferecer todos os seus actos a Nosso Senhor e desempenhar-se com
perfeição de tudo o que é pedido com o fim de lhe ser agradável. Para a vida interior, é
preciso manter a sua alma unida a Nosso Senhor e sempre pronta a receber as suas
comunicações. É preciso especialmente cumprir os exercícios de piedade /98 com todo o
recolhimento, modéstia e atenção de que se seja capaz. O santo Ofício, a santa Missa
bem preparada e bem celebrada são fontes muito especiais de fervor.

O Salvador. – Não faltam momentos ao longo do dia em que pode deixar-se o


coração expandir-se à vontade no meu: durante a meditação; durante a acção de graças
que segue o santo sacrifício; nos tempos livres; à noite sobretudo ao deitar-se; durante a
noite quando acordam; de manhã renovando, desde o levantar, a oblação de si mesmo;
nas idas e vindas silenciosas; aquele que me ama ardentemente encontra sempre o meio
de me dizer o seu amor e eu estou sempre pronto para me encontrar com Ele.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Bom Mestre, desejo, quero amar-vos, ajudai-me. Consagro-me de novo


inteiramente ao vosso divino Coração. Alimentarei o fogo sagrado do amor no meu
coração pela oblação exacta das minhas acções e pensando habitualmente em vós, como
me haveis ensinado.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Ego sitiendi dabo de fonte aquae vitae gratis (Ap 21).


- Ecce sto ad ostium et pulso (Ap 3).
- Aperi mihi, soror mea, quia caput meum plenum est rore (Cant. 5).
- Quem tem sede, apraz-me dar-lhe a água da fonte viva (Ap 21).

98
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

- Estou à porta e bato (Ap 3).


- Abre-me , minha irmã, porque tenho a cabeça coberta de orvalho (Cant. 5)./99

99
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DÉCIMA NONA MEDITAÇÃO

SOBRE AS ORAÇÕES JACULATÓRIAS

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Lc 18.

1. Dicebat autem et parabolam ad illos, quoniam oportet sempre orare et non deficere.
2. Dicens: Judex quidam erat in quadam civitate, qui Deum non timebat et hominem non
reverebatur.
3.Vidua autem quaedam erat in civitate illa, et veniebat ad eum dicens: Vindica me de
adversario meo.
4. Et nolebat per multum tempus. Post haec autem dixit intra se: Etsi Deum non timeo nec
hominem revereor.
5. Tamen quia molesta est mihi haec vidua, vindicabo illam ne in novissimo veniens sugillet me.
6. Ait autem Dominus: Audite quid judex iniquitatis dicit.
7. Deus autem non faciet vindictam electorum suorum clamantium ad se die ac nocte? Et
patientiam habebit in illis?
1. Jesus dizia-lhes também esta parábola para lhes mostrar que é preciso rezar
sempre e sem cessar.
2. Disse-lhes: Havia um juiz numa cidade que não temia a Deus nem respeitava
os homens.
3. Mas uma viúva da cidade veio ter com ele e disse-lhe: Faz-me justiça contra o
meu adversário.
4. Ele resistiu durante muito tempo. Mas depois disse para consigo: Embora não
tema a Deus e não respeite os homens.
5. No entanto como ela não me deixa, vou-lhe fazer justiça, não vá ela no fim
insultar-me.
6. Nosso Senhor acrescentou: Escutai o que disse um juiz iníquo.
7. E Deus não tomaria a defesa dos seus eleitos que clamam por Ele dia e noite!
E deixá-los-ia gritar!
Sumário. – As orações jaculatórias são muito importantes; elas formam com a
oração os fundamentos da vida interior.

São gritos de amor, de oração, de reconhecimento.

Unem os corações a Nosso Senhor e aquecem-nos cada vez mais. /100

100
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, ensinai-me a recorrer constantemente a vós com


estes gritos de amor que eram tão habituais aos vossos santos. Não deveria eu pensar
sempre em vós e conversar convosco?

I. Da importância das orações jaculatórias

Reflexões. – Nosso Senhor deseja que os seus amigos se habituem a pensar nele
sem esforço, para chegar a esta união permanente que O faz viver nos corações e que
faz viver os corações n’ Ele. Toda a vida interior deve ser regulada em vista d’Ele, deve
ser referida a Ele.

Depois da oração, há ainda um meio poderoso de se elevar a esta união contínua


do coração com Nosso Senhor, é o hábito das orações jaculatórias. É necessário contrair
este hábito desde o início da vida interior. Uma vez adquirido o hábito, os actos
produzem-se sem esforço, sem contenção de espírito.

Para contrair este hábito, basta amar um pouco Nosso Senhor, sentir por Ele uma
afeição real. O seu nome vem facilmente aos lábios daqueles cujos corações Ele enche.

O Salvador. – Sim, é natural aos corações amantes dizer: «Jesus, eu vos amo. –
Meu Deus, arrependo-me de vos ter ofendido». Mas cada um pode seguir, no que diz
respeito às orações jaculatórias, as inspirações do seu coração e os impulsos da graça. O
que eu peço, é que se pense habitualmente em mim e que se adquira o hábito das
invocações feitas do fundo do coração.

II. São gritos de amor, de oração, de reconhecimento

Reflexões. – Os santos punham a sua felicidade em dirigir a Nosso Senhor


frequentes invocações todas ardentes de amor por Ele. Relede a história de S. Francisco
de Assis, de Sta. Teresa, de Sta. Catarina de Sena, e aí vereis que as chamas de amor de
que ardiam os seus corações se escapavam dos seus lábios em invocações frequentes,
como estas: «Ó Jesus, vós sois o meu amor! – Ó Jesus, concedei-me a graça de morrer

101
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

de amor por vós! – Ó Jesus, dai-me a graça de vos amar todos os dias cada vez mais». É
que aquele que ama verdadeiramente a Nosso Senhor não pode jamais cansar-se de lhe
declarar o seu amor. É para ele uma necessidade tão imperiosa, que /101 sofre por não
poder dizer este amor como o desejaria. Mas é preciso esperar que se sinta em si este
ardente amor para se entregar à prática destas orações? Não, esta prática mesma,
contraída primeiro com o único desejo de amar a Nosso Senhor conduz rapidamente a
amá-lo, porque estes dardos o atingem, tocam-no e Ele responde-lhes com graças.
Como é que não responderia com graças de amor àqueles que lhe pedem a graça de o
amarem; pedem-lhes o que Ele mais deseja conceder-lhes. Ele outra coisa não deseja
tanto como ser amado. Faz-se mendigo para obter a afeição de um coração.

A lamentação de uma alma que geme por não O amar como quereria toca tão
profundamente o seu Coração e inclina-O para ela.

Estas disposições fazem apelo aos dons da graça. Têm também a vantagem de
manter a alma em união com Nosso Senhor. É esta união de corações com o seu que Ele
tanto deseja obter. É para consegui-lo que quer espalhar o reino do seu Coração.

Mas este género de orações não se aplica somente aos dardos ardentes do amor.
Com elas pedimos a Nosso Senhor o seu socorro nas provações, pedimos a sua graça
para suportar os sofrimentos. Um «Fiat voluntas tua!» escapado de um coração
angustiado pelo sofrimento é uma oração de enorme preço aos seus olhos e aos do seu
Pai. Quando o santo homem Job conheceu todas as infelicidades que o atingiam,
exclamou: «Meu Deus, o que vós me tínheis dado, vós o retomastes, que o vosso santo
nome seja bendito!» Uma provação muito penosa, recebida assim com uma oração saída
do coração vale mais para a alma do que todos os tesouros da terra.

É na provação que se sente mais vivamente a necessidade de conversar com


Nosso Senhor, de lhe dizer a sua mágoa, de lhe pedir uma graça de força. Um impulso
do coração estabelece num instante esta comunicação íntima com o seu Coração.

Era a prática de todos os santos. Não demoravam a invocá-lo, com medo que Ele
mesmo não tardasse a socorrer-lhes. Este preciso hábito é essencial a todos os que
querem viver num comércio cheio de afeição com Ele.

A oração jaculatória é ainda indicada como expressão de reconhecimento pelos


benefícios que se recebe. Se alguém recebeu um socorro num necessidade premente, se

102
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

venceu uma tentação ou triunfou de uma dificuldade, se teve algum sucesso numa
empreendimento da ordem temporal ou espiritual, deixará passar esta ocasião de
testemunhar o seu reconhecimento? /102

O Salvador. – Quem me ama sinceramente, mistura-me de tal modo a tudo o que


faz, que não tem necessidade de reflectir e de raciocinar para me dizer o
reconhecimento do seu coração. Este reconhecimento resplandece com um dardo de
amor. Os santos iam mais longe; agradeciam-me não apenas os seus sucessos, mas
também os seus insucessos, porque viam neles uma provação querida ou permitida por
mim para os manter na humildade.

Queria, portanto, que este hábito das orações jaculatórias estivesse tão
profundamente enraizado naqueles que estão consagrados ao meu amor, que os seus
lábios cheguem a balbuciar como brotando de si mesmos alguma palavra afectuosa por
mim. Este seria o meio por excelência de pôr em prática o voto do salmista: Meditatio
cordis mei in conspectu tuo semper: Os sentimentos do meu coração estão sempre
diante dos vossos olhos.

III. Frutos deste hábito: une os corações a Nosso Senhor e aquece-os


cada vez mais

Reflexões. – Este hábito de oração é simultaneamente um fruto e um meio de


vida interior. Os mestres da vida espiritual recomendam os actos de fé frequente e o
exercício da presença de Deus. A prática da oração jaculatória obtém facilmente este
duplo fim. Faz mais do que dar o hábito da presença de Nosso Senhor, dando o dos
impulsos do coração, da união, do colóquio íntimo e contínuo com Ele. Coloca o seu
agrado em escutar estas invocações, porque o coração tem mesmo aí muitas vezes uma
parte maior do que nas orações litúrgicas onde a rotina se insinua muito frequentemente.
Resgatam-se assim por este meio muitas negligências.

Quando na oração da manhã a alma está árida, quando não podemos, por uma
razão ou por outra, seguir o tema proposto, um excelente meio de retirar algum fruto
deste exercício, é ainda a oração jaculatória. Muitas vezes uma alma que ficou fria e
seca durante uma grande parte da oração, reanima-se de repente através de uma oração
jaculatória na qual diz a sua mágoa por se sentir tão fria.

103
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O Salvador. – Muitas vezes respondo a estas lamentações cândidas com um


toque de graça, e em todos os casos a oração assim feita produz o seu fruto, porque
atinge o meu Coração./103

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Sim, meu bom Mestre, fizestes tudo para ganhar os nossos corações e é ainda
para atingir este fim que ensinastes as orações jaculatórias. Bem o dizieis na parábola da
pobre viúva que faz apelo ao seu juiz: como seremos nós mais bem escutados por vós
do que pelos poderosos da terra, seja que reclamemos pelo vosso socorro, seja que vos
declaremos o nosso amor e o nosso reconhecimento!

Porque tenho aqui um seguro meio de ganhar o vosso Coração e de me unir a


ele, doravante hei-de servir-me dele e dele farei um hábito incessante.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Meditatio cordis mei in conspectu tuo semper (Ps 18).


- Deus non faciet vindictam electorum suorum clamantium ad se die ac nocte? (Lc 18).
- Sine intermissione orate (1Tes 5).
- Prope est Dominus omnibus invocantibus eum (Ps 144).
- Os pensamentos do meu coração estão sempre na vossa presença (Sl 18).
- Será que Deus não protege os seus eleitos que clamam por Ele dia e noite? (Lc
18).
- Orai sem cessar (1Tes 5).
- Deus aproxima-se daqueles que O invocam (Sl 144). /104

104
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA MEDITAÇÃO

FÉ E CONFIANÇA

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 8

25. Dicebant ergo ei: Tu quis es? Dixit eis Jesus: Principium, qui et loquor vobis.
26. Multa habeo de vobis loqui, et judicare, sed qui me misit verax est: et ego, quae audivi ab eo,
haec loquor in mundo.
27. Et non cognoverunt quia Patrem ejus dicebat Deum.
28. Dixit ergo eis Jesus: Cum exaltaveritis Filium hominis, tunc cognoscetis quia ego sum, et a
meipso facio nihil, sed sicut docuit me Pater, haec loquor.
29. Et qui misit me, mecum est, et non reliquit me solum: quia ego, quae placita sunt ei, facio
semper.
25. Diziam-lhe: Quem sois vós? Jesus disse-lhes: Eu que vos falo, sou o
Princípio.
26. Tenho muito para vos dizer e julgar a vosso respeito; e aquele que me enviou
é verídico: e eu, o que d’ Ele ouvi, digo-o ao mundo.
27. E eles não compreenderam que falava de Deus seu Pai.
28. Jesus disse-lhes ainda: Quando tiverdes elevado da terra o Filho do homem,
compreendereis quem Eu sou e que não faço nada por mim mesmo, mas faço como o
meu Pai me ensinou.
29. E aquele que me enviou está comigo, e não me deixou só: porque faço
sempre o que lhe é agradável.
Sumário. – A vida de amor é uma vida de fé naquele que nós amamos. Não é
preciso procurar os desígnios de Deus, mas é preciso deixar-nos conduzir pelos
caminhos árduos aonde Ele nos pode levar.

A vida de amor exclui também os olhares inquietos sobre nós mesmos e sobre os
nossos progressos. Isso seria uma ocasião de amor-próprio.

Pede ainda para irmos até Deus com confiança, mesmo através das tentações e
dos abandonos.

105
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, ensinai-me todos os segredos da vida de amor;


ensinai-me a caminhar nesta via onde quero procurar-vos sempre sem jamais me desviar
de vós. /105

I. A vida de amor é uma vida de fé sob a condução daquele que nós


amamos

Reflexões. – Se quereis empenhar-vos nesta via, há três regras a seguir para vos
não perderdes.

A primeira é ir ter com Nosso Senhor com fé na sua conduta e na direcção que
Ele dá à vossa vida. Se O amais, deveis-lhe este respeito de não julgardes a conduta que
Ele tem a vosso respeito. Não deveis pedir-lhe contas do modo como vos trata. Deveis à
sua infinita sabedoria estar persuadido de que Ele não se engana nas suas medidas para
assegurar a sua glória e a vossa santificação. Deveis também à sua infinita bondade
acreditar que mesmo os seus rigores, se os exerce, vos são necessários e têm por fim o
vosso verdadeiro bem.

Quando vos dais a Ele, que lhe apresentais? Males para curar, males que
conheceis muito imperfeitamente e dos quais ignorais a causa profunda; males que
acarinhais ao menos no seu princípio e dos quais temeis ser libertados. Não devem tais
doentes serem levados para a sua cura a um médico cuja ciência, cuja sabedoria, cuja
bondade não têm limites? Devem ficar surpreendidos que descubra neles males que
escapavam ao seu conhecimento, que sonde em profundidade, que lhes aplique o ferro e
o fogo, que empreenda extripá-los até à raiz? O que é que pode conseguir-se sem os
fazer sofrer muito?

A via do amor é uma via de fé e por conseguinte obscura e tenebrosa. Nela


caminha-se às cegas sem saber aonde nos conduz.

O Salvador. – Quando o meu Pai ordenou a Abraão que lhe imolasse Isaac, o
filho da promessa, do qual devia um dia sair o Messias, se Abraão tivesse raciocinado

106
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

sobre esta ordem aparentemente tão estranha, não teria cumprido este grande sacrifício,
que lhe valeu promessas e bênçãos especiais. Ter-se-ia tornado indigno deste belo título
de Pai dos crentes. Em toda a minha vida, dei-vos o mesmo exemplo, cumpri com
confiança a vontade de meu Pai.

II. A vida de amor exclui os olhares inquietos sobre nós mesmos e


sobre os nossos progressos

Reflexões. – O mesmo motivo de fé e de abandono vos proíbe também julgar-


vos a vós mesmos, de tentar conhecer o fundo do vosso estado e de saber se fazeis
progressos, se Deus está contente convosco. Em todas estas reflexões e em todos estes
olhares inquietos sobre vós mesmos, há o perigo de amor-próprio. Correis o risco de vos
enganardes, seja que a presunção vos leve a vos lisonjear, ou a pusilanimidade a julgar-
vos/106 de um modo pouco favorável. Contentai-vos com o testemunho do vosso
director e com o testemunho íntimo da graça nos momentos de união com Deus.

Nosso Senhor não falta nunca à necessidade de sossegar uma alma tanto quanto
isso seja necessário para a suster e a fazer caminhar. Se não o faz directamente, é porque
quer reportar-se àquele que faz o seu lugar.

Nos inícios da vida interior, estas dificuldades não se dão. A doce paz que se
saboreia e que é habitual, não deixa nenhum lugar para duvidar que se esteja bem
perante Deus. Mas quando Nosso Senhor se ausenta por longo tempo, quando as
securas, as tentações, as desolações interiores sobrevêm, começamos então a temer não
estarmos no bom caminho, examinamo-nos com inquietude, receamos entrar na senda
obscura e estreita da fé e do puro amor. É perigoso então julgarmo-nos, vista a
disposição em que estamos, nestes momentos de perturbação, de escutar antes a
imaginação, o amor-próprio e o demónio, do que a razão, o director e Deus mesmo.

O Salvador. – Sim, segui-me, sem olhar para trás, sem vos considerardes
demasiado a vós mesmos. Segui-me com fé e com confiança. Esta regra será a vossa
paz e a vossa segurança. Segui a minha vontade como eu seguia a de meu Pai.

107
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. A via do amor pede ainda que se vá ter com Deus com confiança,
mesmo nas tentações e nos abandonos

Reflexões. – A terceira regra é de não se assustar diante de nenhum perigo, de


nenhuma tentação, de nenhum abandono aparente. É preciso resolver-se generosamente
e contar com o socorro divino. A boa vontade é invencível. O que não faz o demónio, de
acordo com o amor-próprio, para vos retirar da via? Às vezes não vos mostra senão
precipícios, pecados e sacrilégios. Esforça-se por vos tirar o recurso do vosso guia
prevenindo-vos contra ele. Às vezes a vossa alma obsidiada de tentações imagina-se ter
nelas consentido, ao ponto de ficar como que persuadida. Em semelhante caso, a vossa
alma não deve deter-se no seu próprio juízo, mas ater-se ao do seu director. Isso não
basta; é preciso que ela passe por cima desta imaginação, que a despreze, que se faça
uma lei de a rejeitar com mais força do que a tentação mesma, que é menos perigosa
para ela. Seja o que for que diga o director, nem sempre ficamos plenamente
sossegados. Ele ordena que comunguemos, apresenta-se então ao espírito o medo de
cometer um sacrilégio. É preciso, no entanto, ter muita coragem para obedecer apesar
deste medo, que vai crescendo até ao momento /107 da santa comunhão. Quando tiverdes
recebido Nosso Senhor, desaparecerá e deixar-vos-á livres e tranquilos com Ele.

Há-de custar-vos muito, sobretudo nas primeiras vezes, fazer este esforço. Se
cederdes, o demónio terá o que quer, tomará o domínio sobre a vossa vontade e sereis
reduzidos a ceder-lhe sempre, ou então será necessário vir para o aterrorizar.

E que fazer igualmente, quando o tentador vos coloca na mente que o vosso guia
vos perde? Reduplicar a confiança nele, e tomar, se for necessário, esta grande
resolução: «Ora bem, que ele me perca, desde que eu obedeça». Esta tomada de atitude
parece extrema, mas não há outra para triunfar sobre o demónio; e é a esta extremidade
que Deus quer levar uma alma religiosa que se entregou ao amor. Então verifica-se esta
máxima que o Evangelho refere: Quem perder a sua alma por mim há-de encontrá-la.

O Salvador. – Sim, permito às vezes que a vossa alma esteja temporariamente


perturbada; mas não levo até ao extremo senão as almas sobre as quais tenho grandes
desígnios. Mas porque insto convosco para que vos abandoneis totalmente a mim por
amor, não deveis prever nada, nada exceptuar e estardes preparados para tudo.

108
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Sim, meu Salvador, quero ser todo para vós como mo pedis. A quem hei-de ir?
Só vós sois todo amável e verdadeiramente bom. Seguir-vos-ei cegamente, se for
preciso. Consinto, se tal é o vosso bom agrado, em perder terra, a já não saber nem o
que sou, nem o que serei, desde que chegue, por este sacrifício, à pureza do vosso amor.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Domine, ad quem ibimus? (Jo 6, 68).


- Qui perdiderit animam suam propter me inveniet eam (Mt 16, 25).
- Quae placita sunt ei, facio semper (Jo 8, 29).
- Senhor, a quem iremos nós? (Jo 6, 68).
-Aquele que perder a sua alma por mim, encontrá-la-á (Mt 16, 25).
- Falo sempre o que agrada ao meu Pai (Jo 8, 29), /108

109
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA PRIMEIRA MEDITAÇÃO

SOBRE A DIRECÇÃO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Mt 10


38. Qui non accipit crucem suam et sequitur me, non est me dignus.
39. Qui invenit animam suam, perdet illam: et qui perdiderit animam suam propter me, inveniet
eam.
40. Qui recipit vos, me recipit: et qui me recipit, mercedem prophetae accipiet: et qui recipit
justum in nomine Justi, mercedem justi accipiet.
38. Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim.
39. Quem procurar a sua alma perde-a, e quem a perder por causa de mim salva-
a.
40. Quem vos recebe, recebe aquele que me enviou.
41. Quem recebe um profeta como profeta receberá a recompensa do profeta: e
quem recebe um justo como tal receberá a recompensa do justo.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Ó meu bom Mestre, já não estais lá para me guiar, como estáveis
com os vossos apóstolos, a quem iremos? Quem nos há-de dizer a vossa vontade, o
vosso desejo? Quem nos há-de traçar a via que temos de seguir?

I. A alma dada a Deus deve entregar-se inteiramente à direcção divina

Reflexões. – A alma que se deu a Nosso Senhor já não deve dispor de si mesma
em nada. Cabe a Ele regular tudo, governar tudo, quer exterior quer interiormente. Não
quereria formar um /109 projecto, empreender seja o que for, nada mudar por si mesma
na sua maneira de viver, sem consultar Nosso Senhor e sem se assegurar, tanto quanto
isso seja possível, acerca da sua vontade. É que ela sabe que não é preciso mais do que
um passo, muitas vezes de pequena consequência em si mesmo, para perturbar a ordem

110
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

dos desígnios de Deus sobre ela, nos quais tudo se mantém e se segue. Uma mudança de
residência, uma viagem, uma pessoa recebida em casa ou recusada; uma ligação
formada ou rompida contra as intenções divinas, não é preciso mais nada para fazer sair
a alma do plano da Providência, com as mais deploráveis consequências para a sua
perfeição e às vezes para a sua salvação.

Pudestes observar na vida de muitos santos, a sua perfeita conversão e a sua


santificação dependeram de certas circunstâncias exteriores conduzidas pela
Providência e que pareciam indiferentes em si mesmas.

Por mais forte razão é preciso que a alma dependa da graça para o seu interior, e
que deixe a Nosso Senhor toda a liberdade de a tratar como julgar a propósito. Não é a
vós que toca a vossa santificação, disso não entendeis nada, é Nosso Senhor quem vos
santifica. Por isso, distingui cuidadosamente o que depende unicamente d’Ele e o que
depende tambem de vós. O que depende d’Ele, é o vosso estado de oração, as
consolações, as securas, as tentações, as diversas provações interiores. Em tudo isto, é
preciso deixá-lo agir, estar contentes com o estado em que vos colocou, não desejar o
seu fim, se é penoso, nem a sua continuação, se é doce.

O Salvador. – Sim, mas o que depende de vós, é a mortificação, a interior


sobretudo, a prática das virtudes, conservar a vossa paz, e manter-se firme contra o que
a poderia perturbar. Para serdes fiéis a tudo isso, tendes esforços a fazer e combates a
travar. Mas sereis ajudados pelos meus ministros, se souberdes tirar proveito da sua
direcção.

II. Deus estabeleceu os seus ministros para a condução das almas

Reflexões. – Como estabeleceu os seus ministros para a condução das almas,


Nosso Senhor dá-lhes para isso graças e luzes, e que nos dirijamos a eles, sem nos
intrometermos a nos dirigirmos a nós mesmos. Desde que nos demos a Ele, na intenção
de caminharmos na via do santo amor, é preciso pedir-lhe um homem, segundo o seu
coração, um homem que reúna a ciência e o zelo, um homem interior, guiado ele mesmo
/110 pelo espírito divino e próprio para governar os outros segundo este mesmo espírito.
Se estes directores não são comuns, está em vós rezar para encontrar algum desta
espécie.

111
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Guardai-vos bem de fazer por vós mesmos uma escolha tão importante e
delicada, vós não sois capazes disso. Estaríeis muito expostos a enganar-vos e
mereceríeis de facto enganar-vos. Nosso Senhor fez por vós esta escolha desde toda a
eternidade; e se deixais agir a sua Providência, ela conduzirá as coisas de maneira a
cairdes nas mãos do homem que vos destinou; um instinto secreto vos dirá que é ele, e
os efeitos não tardarão a convencer-vos disso.

O Salvador. - O Espírito Santo já vo-lo recordou no Livro dos Provérbios: É


Deus quem dirige os passos do homem. O homem por si mesmo não tem a inteligência
do seu caminho: A Domino diriguntur gressus viri: Quis autem hominum intelligere
potest viam suam. Deixai-vos, portanto, conduzir passo a passo.

III. Deus quer que sigamos com confiança e docilidade os conselhos


do director

Reflexões. – A Sagrada Escritura indica a conduta a seguir a respeito do


conselheiro que a Providência vos der. «Não façais nada sem o seu conselho. – Sêde
assíduos junto dele. – Guiar-vos-á na obscuridade; quando vacilardes, suster-vos-á;
quando cairdes, consolar-vos-á (Ecli c. 32. e c. 37).

O ponto capital é considerar este homem com um espírito de fé, como se fosse
Nosso Senhor mesmo, e estar intimamente persuadidos de que, se o considerarmos
assim e se nos comportarmos em consequência, Deus nunca parmitirá que nos aconteça
nenhum dos inconvenientes sem número aos quais está sujeita a direcção, tanto da parte
dos homens como da parte do demónio, que atravessa com toda a sua força a obra
divina.

Depois disto, as três coisas que a direcção absolutamente pede de vós são a
abertura do coração, a confiança e a obediência. Não é preciso esconder nada ao vosso
guia daquilo que lhe pode servir para vos conhecer bem e vos conduzir seguramente.
Enquanto não puder estar seguro da vossa exactidão a este respeito, da vossa candura e
da vossa sinceridade, está inquieto, duvida, não sabe que partido tomar, não pode
decidir e vos aconselhar como convém.

A vossa própria tranquilidade exige que tenhais uma perfeita confiança nele, que
não vos permitais raciocinar sobre as suas decisões. /111 Escutai-o, não vos

112
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

arrependereis. Fili, sine consilio nihil facias, et post factum non paenitebis: Meu filho,
não faças nada sem conselho e não vos arrependereis (Ecci. 32). Ele pode enganar-se,
mas não deveis presumir que ele se engane; e se isso lhe acontecer, não será em coisas
de consequência, ou o seu erro não há-de durar, ou finalmente Deus não há-de permitir
que vos prejudique.

Quanto à obediência, é evidente que ela é absolutamente indispensável em todos


os casos em que não há pecado manifesto. O director representa Nosso Senhor. Disse-o
muitas vezes: «Como o meu Pai me enviou, Eu vos envio. – Ide, ensinai o povo. Quem
vos escuta, a mim escuta; quem vos despreza, a mim despreza. –Estou convosco até ao
fim dos séculos».

Como Nosso Senhor e com o seu concurso, são os patores das vossas almas. As
ovelhas conhecem a voz do pastor, seguem-no com confiança: Et oves illum sequuntur,
quia sciunt vocem ejus (Jo 10). Nosso Senhor fez deles o sal da terra e a luz do mundo.
Têm autoridade para vos conduzir, segui-os: Omnia quaecumque dixerint vobis, servate
et facite (Mt 23). É para vós o caminho da paz e da segurança. Declinais assim toda a
responsabilidade diante de Deus. Podereis dizer-lhe no juízo: «Mestre, escutei o vosso
representante, cumpri a vossa vontade cumprindo a sua, tenho direito ao meu salário».

O Salvador. – Ide, portanto, com confiança. Com o Espírito Santo agindo dentro
e a obediência dirigindo de fora, avançareis seguramente na via do amor. Ultrapassareis
todas as dificuldades. – Vir obediens, loquetur victorias: O homem obediente cantará
vitória (Prov. 21). Sereis conduzidos como pela mão, e não vos perdereis. – Qui agunt
omnia cum consilio, reguntur sapientia: Aqueles que tomam conselho para agir são
conduzidos pela sabedoria (Prov. 13), evitareis a censura que a Escritura dirige muitas
vezes aos presunçosos. – Ne innitaris prudentiae tuae: Não vos confieis na vossa
própria prudência (Prov. 3). Esses são insensatos e caem na perigo, enquanto os
prudentes e os humildes lhe escapam. – Sapiens timet et declinet a malo; stultus transilit
et confidit: O sábio teme e escapa do mal; o insensato é presunçoso e cai (Prov. 14)./112

113
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Ó meu bom Mestre, até ao presente estive muitas vezes no número dos
imprudentes e dos insensatos. Daí vieram as minhas quedas frequentes. Perdoai-me e
doravante conduzi-me pela voz dos vossos ministros. Sou fraco e cego, tomai-me pela
mão e guiai-me.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Qui vos audit me audit, et qui vos spernit me spernit (Lc 16).
- Surge et ingredere civitatem et ibi dicetur tibi (a sacerdote) quid te oporteat facere (Act 9).
- Fili, sine consilio nihil facias et post factum non paenibetis (Ecc. 32).
- Quem vos escuta escuta-me, e quem vos despreza despreza-me (Lc 16).
- Levanta-te, vai à cidade, e ser-te-á dito (pelo sacerdote) o que tens de fazer
(Act 9).
- Meu Filho, não faças nada sem conselho e nada terás a lamentar do que terás
feito (Ecli. 33). /113

114
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA SEGUNDA MEDITAÇÃO

SOBRE O DOM DE SI MESMO A NOSSO SENHOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 15

5. Ego sum vitis, vos palmites: qui manet in me et ego in eo, hic fert fructum multum, quia sine
me nihil potestis facere...
8. In hoc clarificatus est Pater meus, ut fructum plurimum afferatis, et efficiamini mei discipuli.
9. Sicut dilexit me Pater, et ego dilexi vos. Manete in dilectione mea.
10. Si praecepta mea servaveritis, manebitis in dilectione mea, sicut et ego Patris mei praecepta
servavi, et maneo in ejus dilectione.
11. Haec locutus sum vobis ut gaudium meum in vobis sit, et gaudium vestrum impleatur.
5. Eu sou a videira e vós os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá
muitos frutos, porque sem mim nada podeis fazer...
8. A glória de meu Pai é que tenhais muitos frutos e que vos torneis meus
discípulos.
9. Como o Pai me amou, Eu vos amo. Permanecei no meu amor.
10. Se guardardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor; como guardei
os preceitos de meu Pai e permaneço no seu amor.
11. Disse-vos isto para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja
completa.
Sumário. – Para amar a Deus de todo o nosso coração, é preciso dar-nos a Ele,
entregar-nos à sua graça e à sua Providência.

Ele é, com efeito, a fonte do amor, dá-o na medida em que nos damos a Ele.

Mas é preciso ser generosos e fiéis para não nos retomarmos depois de nos
termos dado.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação.

115
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O discípulo. – Desejo, ó meu bom Mestre, dar-me inteiramente /114 a Vós. Até ao
presente dei-me com reserva e muitas vezes retomei-me. Iluminai-me, ajudai-me,
arrebatai a minha vontade.

I. Para amar a Deus de todo o nosso coração, é preciso dar-nos


inteiramente a Ele

Reflexões. – Se quereis sinceramente amar a Deus de todo o vosso coração,


começai por vos dar inteiramente a Ele, a fim de que Ele faça de vós e em vós tudo o
que lhe agradar.

Dar-se assim a Deus, é renunciar absolutamente a si mesmo, para se entregar nas


suas mãos; é querer não mais ser para si, não mais dispor de si, mas entregar-se à graça
divina para seguir todos os seus movimentos; à Providência divina, para se conformar a
todas as suas disposições; à vontade de Deus, para que realize em nós o seu beneplácito.

Esta doação é um grande acto de amor, por vós mesmos sois disso incapazes e é
preciso uma graça especial para o produzir realmente. Deus não a recusa a quem a pedir
e deseja realmente obtê-la.

Muito poucas pessoas mesmo piedosas têm este desejo real e eficaz. Querem
dar-se e reter-se, ser para Deus e para si mesmas, seguir a graça e não renunciar
inteiramente à natureza.

No entanto, antes de ter feito a Deus esta doação de si, plena, inteira,
irrevogável, não é possível entrar-se no exercício do amor a não ser por curtos
intervalos, e não com esta continuidade que da vida do cristão faz uma vida toda de
amor.

O Salvador. – Mas então a que é que aspirais sobre a terra, se não aspirais a esta
vida de amor? Não é a uma tal vida que sois chamados no céu? É esta vida que deve
fazer a vossa beatitude e não quereríeis começá-la aqui em baixo? Oh! Não deveis sair
desta meditação sem vos terdes dado a mim tão perfeitamente quanto vos seja possível e
sem que o devais desejar tanto para a vossa felicidade como para a glória divina.

116
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Deus é a fonte do amor, dá-o àqueles que se dão a Ele

A razão principal pela qual é preciso dar-vos a Deus, é que Ele é a fonte do
amor. O amor brota d’ Ele. Dá-o à medida que nos damos a Ele. É Ele quem inspira as
suas práticas, que fornece as suas ocasiões, e que, pela graça actual, faz produzir os seus
actos. Coloca-nos ao alcance de santificar por amor todos os nossos pensamentos, todos
os nossos desejos, todas as nossas acções, porque em tudo isso não podemos nada sem
Ele /115 . É necessário que a graça nos previna, que seja ela a primeira a agir, que nos
ajude a cooperar, que produza connosco, e mais do que nós, a nossa cooperação.

Para tudo isto, é preciso que Deus disponha a seu gosto do nosso coração; que
este coração lhe pertença, por conseguinte, e que Ele seja o senhor da nossa liberdade
por uma doação sem reservas da nossa parte. De outro modo nós incomodá-lo-emos,
contrariá-lo-emos, colocaremos obstáculos à execução dos seus desígnios sobre nós; Ele
quererá uma coisa e nós não a quereremos. Não foi isto que nos aconteceu até agora e
que tem sido a única causa dos nossos pecados, das nossas imperfeições, do nosso
pouco progresso na via do amor? O que é que temos oposto à acção divina? A nossa
própria vontade. E porque é que a temos oposto? Porque a não tínhamos dado como
convinha. Pusemos restrições, excepções; o nosso empenhamento foi só até um certo
ponto, além do qual pretendemos ser livres. Permitimos a Nosso Senhor cortar os ramos
do nosso ego, e tínhamo-nos reservado o tronco e as raízes. E aqui está o que O deteve
na obra da nossa santificação.

O Salvador. – Sim, eu quero ter tudo, a fim de operar livremente em vós. Tenho
o meu plano todo traçado, executá-lo-ei, se nada se lhe opuser da vossa parte; e nada se
lhe há-de opor, se tiver a vossa vontade à minha disposição, se não vos pertencerdes em
nada, mas absolutamente a mim. Não há nada mais manifesto, nem mais certo.

III. É preciso ser generosos e fiéis para não nos retomarmos

É preciso sem dúvida ser generosos para nos darmos assim; mas não é necessária
menos coragem e fidelidade para não mais nos retomarmos.

É fácil dar em geral, é mais uma promessa do que um dom; mas quando é
necessário descer ao concreto, e se despojar realmente de cada coisa à medida que Deus
a pede, é então que custa e que sentimos toda a dificuldade do sacrifício. A natureza

117
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

quereria voltar sobre o que demos, tem saudades; e se não pode guardar tudo, procura
pelo menos reter uma parte. Não é uma tarefa pequena perseverar na oração apesar das
securas, das tentações, das desolações, do abandono aparente de Deus; continuar a
servi-lo com exactidão, rejeitar todo o adoçamento da parte das criaturas, praticar sem
interrupção a mortificação exterior e interior: a dos sentidos, pelas privações e pelas
macerações; a da imaginação, regulando-a e prendendo-a; a das paixões, lutando contra
elas e recusando-lhes /116 o que elas desejam; a do espírito, suspendendo todo o
raciocínio que a graça interdiz, sofrendo pacientemente a fadiga e o embrutecimento; a
da vontade, contrariando-a nas suas inclinações e nas suas aversões, considerando bom
que os outros a contrariem e não lhe permitindo nunca prevenir a vontade de Deus,
resistir-lhe, nem dela sair; acrescentar continuamente sacrifícios sobre sacrifícios,
embora Deus pareça não lhes prestar nenhuma atenção e que persiga o nosso amor-
próprio até nos seus últimos redutos. É preciso coragem para não se deter, para não
recuar e recusar a Deus em pormenor o que se lhe deu em grosso.

O Salvador. – Eu uso sem circunspecção direitos que me foram dados e que no


fundo me pertencem. Levo-os tão longe que alguém é tentado a romper o contrato. Mas
já não há tempo, e não permito que a alma chegue a este indigno arrependimento,
quando fez grandes avanços durante um certo número de anos. Submetem-se ao meu
domínio, e Eu exerço-o por graus na medida em que me apraz. Deram-me a sua
liberdade, disponho dela como senhor, e sem a constranger, conduzo-a pela graça a
querer o que Eu quero, mesmo as coisas dolorosas e crucificantes.

Tenho o consentimento desta alma e não suporto que ela o retire, sejam quais
forem os esforços que ela pareça fazer para isso.

Tal é esta tirania do amor, que é simultaneamente rigoroso e doce. Pede muito e
sem prazo, mas quem se lhe entregou conhece todo o seu encanto. Sabe como estas
exigências e estes rigores são ultrapassados pela alegria íntima e profunda que sente o
coração amante e que é o antegozo das alegrias do céu.

Procurai esta paz divina do amor que ultrapassa todo o sentimento. Que ela
guarde os vossos corações e as vossas inteligências (Fil 4, 7).

118
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Domine, da mihi hanc aquam: Senhor, com a pobre samaritana peço-vos desta
água, colhida na fonte do vosso Coração, da água da generosidade. Porque o dom de
mim mesmo é uma graça gratuita, peço-vos esta graça. Sei que pedis de mim uma
preparação e uma correspondência corajosa. Tomo essa resoluão. Deixarei as criaturas,
procurar-vos-ei sempre e em tudo. Não vos oculteis, Senhor, às minhas procuras.
Tomai-me no vosso seguimento e não me deixeis mais. /117

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Si praecepta mea servaveritis, manebitis in dilectione mea (Jo 15).


- Domine, da mihi hanc aquam et non sitiam (Jo 4).
- Quaerite et invenietis, pulsate et aperietur vobis (Lc 11).
- Se guardardes os meus preceitos, permanecereis no meu amor (Jo 15).
- Senhor, dai-me desta água, para que não volte a ter sede (Jo 4).
- Procurai e encontrareis, batei e abri-se-vos-á (Lc 11)./118

119
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA TERCEIRA MEDITAÇÃO

DA OBLAÇÃO DE SI MESMO AO CORAÇÃO DE NOSSO SENHOR


POR SEU AMOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 14

6. Dicit ei Jesus: Eo sum via, et veritas, et vita. Nemo venit ad Patrem nisi per me.
7. Si cognovissetis me, et Patrem meum utique cognovissetis: et amodo cognoscetis eum et
vidistis eum.
8. Dicit ei Philippus: Domine, ostende nobis Patrem et sufficit nobis.
9. Dicit ei Jesus: Tanto tempore vobiscum sum: et non cognovistis me? Philippe, qui videt me,
videt et Patrem. Quomodo tu dicis: Ostende nobis Patrem?
10. Non creditis quia ego in Patre et Pater in me est? Verba quae ego loquor vobis, a me ipso
non loquor. Pater autem in me manens, ipse facit opera.
6. Jesus disse: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai
senão por mim.
7. Se me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai: e agora vós O
conhecereis e já O vistes.
8. Disse-lhe Filipe: Mestre, mostra-nos o vosso Pai e isso nos basta.
9. Jesus respondeu: Há tanto tempo que estou convosco, e não me conheceis?
Filipe, quem me vê, vê o meu Pai. Porque me dizes: Mostrai-nos o Pai?
10. Não crêdes que estou no meu Pai e que o meu Pai está em mim? As palavras
que vos digo não são minhas. O meu Pai permanece em mim, é ele que faz as minhas
obras.
Sumário. – Devemos amar Nosso Senhor, porque é Ele que o seu Pai apresenta
aos nossos afectos. E se nós O amamos, devemos oferecer-nos por amor como Ele se
ofereceu ao seu Pai.

Esta oferenda é muito agradável a Nosso Senhor e a seu Pai.

Tem os seus diversos graus e administra-nos as recompensas divinas.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

120
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

2. Meditação

O discípulo. – Ó meu bom Mestre, dizemo-vos como o vosso apóstolo /119


Filipe: Mostrai-nos o vosso Pai. Aumentai a nossa fé e o nosso amor. Mostrai-nos como
devemos amar o vosso Pai e vos amar.

I. Devemos dar o nosso coração a Nosso Senhor

Reflexões. - «Quem me conhece, conhece o meu Pai, disse Nosso Senhor. Quem
me ama, ama o meu Pai e é amado por Ele». Não podemos amar um sem amar o outro.
Mas é em Nosso Senhor particularmente que o seu Pai quer ser amado, porque foi por
Ele, o seu Filho, que Ele se manifestou. Nosso Senhor explicou isto aos seus discípulos,
como S. João nos refere: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida, dizia-lhes. Ninguém
vem ao Pai senão por mim. Se me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai». Estas
palavras aplicam-se tanto ao amor do seu Pai como ao conhecimento que d’Ele pode
ter-se, porque o conhecimento tem por fim o amor e a ele conduz.

Quando Filipe insistiu e disse: «Mestre, mostrai-nos o vosso Pai», Jesus


respondeu-lhe: «Quem me vê vê o meu Pai, porque é então que me dizes: Mostrai-me o
vosso Pai?». Depois, por duas vezes, insistiu para dizer que quem o ama é amado pelo
seu Pai: Qui autem diligit me, diligetur a Patre meo et ego diligam eum et manifestabo
ei meipsum. E a seguir retomou: «Se alguém me ama, meu Pai amá-lo-á e nós viremos a
ele. Si quis diligit me... Pater meus diliget eum et ad eum veniemus et mansionem apud
eum faciemus».

Quando Nosso Senhor se compara a uma vinha e o seu Pai a um agricultor, não
diz somente que o seu Pai rejeitará aquele que não dá fruto, mas acrescenta: «Quem não
dá fruto em mim, meu Pai rejeitá-lo-á. – Omnem palmitem in me non ferentem fructum
tollet eum».

O Salvador. – Eu dizia ainda aos meus discípulos: «Permanecei em mim e Eu


em vós. Permanecei no meu amor: Manete in me et ego in vobis. Manete in dilectione
mea». Todas estas palavras e muitas outras no Evangelho indicam claramente que o
meu Pai quer que me amem, e que a melhor maneira de O amarem é que me amem.
Quando alguém refere a mim todos os seus afectos, Eu próprio apresento ao meu Pai os
corações que se dão a mim, e esta oferenda é-lhes agradável, porque é por mim que Ele

121
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

quer ser amado e glorificado pelos homens. Eu é que sou o Mediador, Eu é que sou
Pontífice e como a ponte lançada entre Deus e os homens. É assim que quem me ama
ama o meu Pai e é amado por Ele. /120

II. Devemos oferecer-nos a Nosso Senhor por amor como Ele se


ofereceu ao seu Pai

Reflexões. – Não só Nosso Senhor amou o seu Pai, mas também se ofereceu a
Ele voluntária e livremente para cumprir a sua vontade por amor. Disse-o muitas vezes
nos termos mais formais e nomeadamente a respeito da sua paixão e da sua morte: «Dou
a minha vida, permito que ma tomem. – Ego pono animam meam et iterum sumo eam;
nemo tolet eam a me; sed ego pono eam a meipso et potestatem habeo ponendi eam et
potestatem habeo iterum sumendi eam». Era de um modo totalmente livre e por amor
que Ele obedecia e oferecia a sua vida.

Os homens não podem como Ele oferecer-se como redentores, como vítimas ou
como reparadores. Isto não convém senão a Ele. Mas esta oferenda voluntária de si
mesmo foi o amor que a inspirou. Os homens podem reproduzir alguma coisa da sua
oblação oferecendo-se a Ele por amor. Podem por esta oferenda consagrar-se a Ele, eles
mesmos e tudo o que fazem, e estendem assim o amor que Lhe votaram a todas as suas
acções, mesmo as mais pequenas. Quem se dá assim a Nosso Senhor por puro amor e
quem se dá sincera e generosamente, está seguro de ter as preferências do seu Coração.
Prometeu-o nas palavras que nós acabámos de recordar: «Quem me ama, o meu Pai e
Eu o amaremos e Eu me manifestarei a ele. – Qui autem diligit me, diligetur a Patre
meo et ego diligam eum et manifestabo ei meipsum». Manifesta-se pelos dons da graça
trazendo consigo o Espírito Santo.

Mesmo que não sintamos na parte afectiva da alma a ternura ou a vivacidade de


sentimento que quereríamos, amamos profundamente a Nosso Senhor se formos fiéis a
manter os empenhamentos da sua oblação.

Os dois motivos mais nobres que os escritores piedosos indicam ordinariamente


para excitarem as almas a darem-se a Deus na vida religiosa são os seguintes: entregar-
se aos exercícios que conduzem à perfeição, oferecer-se com tudo o que se possui como
um holocausto perpétuo. Estes motivos são excelentes. Mas há um outro que os contém

122
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

e que acrescenta alguma coisa ainda, é de se oferecer a Nosso Senhor por amor
dedicando a sua vida a amá-lo e a fazê-lo amar. Imita-se assim o que pode ser imitado
na oblação de Nosso Senhor.

O Salvador. – É verdade, ao consagrar-me à obra da redenção, ofereci-me ao


meu Pai por amor, para o amar e fazê-lo amar pelos homens. Os homens não podem,
sem presumir de si mesmos, oferecer-se /121 estritamente como vítimas. Podem
oferecer-se a mim como amantes do meu Coração e colocar-se à minha disposição para
serem instrumentos do meu beneplácito.

III. Valor desta oferenda

Reflexões. – Já dissemos como alegramos a Deus Pai amando o seu Filho.


Oferecendo-nos a Nosso Senhor com as disposições de coração que Ele tinha ao se
oferecer ao seu Pai, proporcionamos-lhe a maior alegria e a maior glória possível. Por
esta oferenda mesma unimo-nos a Ele, unimo-nos ao seu Coração, e porque Ele é toda a
glória de seu Pai, acrescentamos a esta glória tudo o que a fraqueza humana lhe pode
ajuntar.

Estas disposições conduzem à perfeição cristã e religiosa, porque a perfeição não


é outra coisa senão a união a Deus pela caridade. E esta oblação une a Deus, porque une
ao Filho mesmo de Deus e o laço desta união é o amor. As virtudes religiosas e as
obrigações dos votos sendo cumpridas com estas disposições elevam-se muito
facilmente todas à altura de actos continuamente inspirados e sustidos pela caridade.

Uma outra vantagem destas disposições, é dilatar o coração e torná-lo totalmente


dócil. Nada dilata o coração como o amor.

Finalmente, a estas vantagens preciosas para os interesses da alma acrescentam-


se outras que tocam particularmente o Coração de Nosso Senhor.

O Salvador. – Sim, nada amo tanto como ser amado. Faço-me mendigo para
conseguir que os homens me dêem os seus corações. Uma oblação generosa, completa e
totalmente desinteressada dá portanto à minha sede de amor toda a satisfação que pede.

À felicidade de me sentir amado acrescenta-se ainda para mim uma outra


consolação, é que encontro naqueles que assim se dão a mim uma compensação por

123
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

todas as ofensas, por todos os ultrajes que os maus me fazem. É mesmo a única
reparação que está ao alcance dos homens, porque a reparação estrita à justiça não é
possível senão por mim. A reparação abordável ao homem é uma consolação fornecida
ao meu Coração por um acréscimo de amor e de generoso sacrifício. Nada pode, melhor
que esta oblação que peço, atingir este fim.

Aqueles que assim se dão a mim imolam-se em holocausto perpétuo, mas em


holocausto de amor. São filhos bem-amados, porque a única coisa que os liga ao seu
pai, é o afecto profundo dos seus corações. Tais são as razões pelas quais os corações
ciosos /122 de me testemunharem o seu afecto ou o seu reconhecimento devem abraçar
com ardor o caminho que lhes proponho.

Tenho porventura necessidade de acrescentar que aqueles que responderem a


este apelo do meu Coração terão todas as minhas preferências? Nada perderão do seu
direito às recompensas, porque ter-se-ão consagrado a uma vida onde se faz profissão de
pensar mais em mim do que nas vantagens pessoais a retirar do meu amor. Não é ao seu
Benjamim que o pai de família prejudicará na parte da sua herança.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Compreendo o apelo do vosso Coração, ó meu bom Mestre, e estou bem


desejoso de lhe responder. Ofereço-me inteiramente a vós por vosso amor. Quero viver
na vossa dependência absoluta e tudo fazer por vós e convosco. Acolhei a minha
oblação, abençoai-a, fecundai-a pela vossa graça a fim de que seja generosa e
perseverante.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Nemo venit ad Patrem nisi per me (Jo 14).


- Qui autem diligit me, diligetur a Patre meo et ego diligam eum et manifestabo ei meipsum (Jo
14).
- Si quis diligit me, Pater meus diliget eum et ad eum veniemus et mansionem apud eum faciemus
(Jo 14).
- Ninguém vem ao Pai senão por mim (Jo 14).
- Quem me ama, o meu Pai amá-lo-á e Eu amá-lo-ei e manifestar-me-ei a ele (Jo
14).

124
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

- Se alguém me ama, meu Pai amá-lo-á e nós viremos a ele e faremos nele a
nossa morada (Jo 14)./123

125
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA QUARTA MEDITAÇÃO

DA VIDA DE OBLAÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Mt 6

21. Ubi thesaurus tuus, ibi est et cor tuum.


22. Lucerna corporis tui est oculus tuus. Si oculus tuus fuerit simplex: totum corpus tuum
lucidum erit.
23. Si autem oculus tuus fuerit nequam, totum corpus tuum tenebrosum erit...
24. Nemo potest duobus dominis servire: aut enim unum odio habebit et alterum diliget: aut
unum sustinebit et alterum contemnet. Non potestis Deo servire et Mamonae.
21. Onde estiver o vosso tesouro, aí estará o voso coração.
22. A luz do vosso corpo é o vosso olho. Se o vosso olho for simples, todo o
vosso corpo estará iluminado.
23. Mas se o vosso olho for mau, todo o vosso corpo está nas trevas...
24. Ninguém pode servir a dois Senhores: ou detestará um e amará o outro; ou
estimará o primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e a Mammon.

Sumário. – A perfeição da vida de oblação, é o cuidado habitual de provar o


nosso amor a Nosso Senhor pelas nossas oferendas e os nossos actos.

Fortalecemo-nos nesta vida pela prática das oferendas, das resoluções e do


exame particular.

Os actos oferecidos devem ser cumpridos com o maior cuidado.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho

2. Meditação.

O discípulo. – Falai, ó meu bom Mestre; que devo fazer para vos contentar, para
vos agradar, para vos provar o meu amor em cada instante da minha vida?

126
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. A vida de oblação, é o cuidado habitual de provar o nosso amor a


Nosso Senhor

Reflexões. – Nosso Senhor não vos pede conhecimentos profundos sobre a


perfeição; o que Ele gosta, é que vós não tenhais /124 na vossa alma, no vosso coração,
na vossa vontade, senão um único cuidado, o de o amardes e de lhe provardes o vosso
amor. Se este desejo, se esta resolução tudo absorver em vós, chegareis à perfeição sem
mesmo terdes tido mesmo o cuidado formal desta perfeição.

Se cometerdes uma falta, se tiverdes menos generosidade no seu serviço, não


haveis de dizer: «Isto é uma imperfeição», mas: «Isto desagrada a Jesus; nisto, não dei a
Jesus os sinais de amor que Ele esperava de mim». Ficareis tristes por isso. Se tiverdes
o coração terno, haveis de chorar e de gemer por lhe terdes sido infiéis. Não dareis
demasiado tempo a uma contabilidade incerta de actos dos quais sois impotentes para
avaliar o preço. Fizestes da vossa vida uma questão de coração e não uma questão de
interesse. Amar o Coração sagrado de Jesus e prová-lo, isso é toda a nossa vida.

Quando não se encontra outra coisa senão este cuidado na vida de uma alma,
esta alma é perfeita, mesmo que ela tenha tomado o cuidado de controlar a perfeição do
que faz.

O Salvador. – Eu vo-lo disse no Evangelho, considero sobretudo a pureza e a


generosidade das vossas intenções. Se o olhar da vossa alma é simples e recto, se a
vossa intenção é pura, toda a vossa vida estará iluminada. Não podeis servir a dois
senhores. Dai-vos inteiramente ao meu amor.

II. Consolidamo-nos nesta vida de oblação pela prática das oferendas


e dos exames

Reflexões. – O exame particular deve ser feito de maneira a evitar a apreciação


da própria perfeição. Estaria aí o perigo de amor-próprio. Ao fazerdes este exame, é
preciso recordar todas as acções feitas sem amor ou com negligência. É preciso depois
pedir perdão a Nosso Senhor pela vossa tibieza e prometer-lhe para o resto do dia,
pedindo-lhe o socorro da sua graça, uma maior atenção a pensar n’Ele e a pensar n’Ele
com afecto. É preciso terminar renovando a resolução tomada de manhã, e esta
resolução será sempre, qualquer que seja o tema da oração, oferecer em espírito de amor

127
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

ao menos as acções principais do dia. Se fordes bastante generosos, oferecê-las-eis


todas. E a vossa principal resolução quotidiana deve ser renovar esta oblação antes do
maior número possível de acções.

A maneira prática de renovar esta oblação pode limitar-se a uma simples e


rápida oferenda saída do coração. É preciso mesmo evitar crer-se /125 obrigado por esta
resolução a manter a seu espírito tenso com esforço durante todo o dia. É preciso ser
simples com Nosso Senhor. A contenção é uma fadiga que faria abandonar esta
excelente prática. O inimigo haveria de servir-se bem depressa desta dificuldade que
encontraríamos para manter a nossa resolução, se mantivéssemos o espírito
constantemente tenso. Quando se trabalha para Nosso Senhor é preciso tudo fazer de
uma maneira tão simples e tão cândida quanto possível. É mesmo bom seguir uma certa
gradação para chegar a contrair o hábito da vida de oblação sem perturbação e sem
fadiga.

Começai, por exemplo, por oferecer bem as horas de estudo, as horas de trabalho
regular da manhã e as da tarde. A pequena oração que precede as horas de trabalho
servirá para fixar a vossa atenção e recordar-vos a vossa resolução. Estas horas de
trabalho serão oferecidas ao Sagrado Coração em espírito de amor. Oferecer-vos-eis a
vós mesmos com o vosso coração. Estes actos de uma longa duração serão, portanto,
actos contínuos de amor. No fim de cada um destes exercícios, um curto instante será
consagrado a pedir perdão ao Sagrado Coração pelas negligências nestas ocupações.

Finalmente, no exame do meio dia e no exame da noite, colocar-vos-eis as


questões seguintes: Fui fiel a oferecer ao Coração do meu Jesus as acções que lhe tinha
prometido como sinal do meu amor? Estive atento a desempenhar-me dos meus deveres
o melhor que podia, a fim de lhe dar por esta atenção sustida uma garantia do meu
amor?

O salvador. – Sim, testemunhai-me esta fidelidade e sereis verdadeiramente


amigos do meu Coração.

128
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. É preciso aplicar o maior cuidado no cumprimento dos actos


oferecidos

Reflexões. – Toda a oblação deve ser acompanhada da resolução de fazer o


melhor possível o que se ofereceu especialmente ao Sagrado Coração. Oferecer-lhe
actos mal feitos, ou feitos sem diligência, sem cuidado do seu dever, não pode tocar o
divino Coração. Também não é preciso que o desejo de chegar depressa a lhe oferecer
todas as suas acções faça faltar à regra da sábia gradação que indicámos. Ao querer ir-se
demasiado depressa, correr-se-ia o risco de falhar no objectivo. Expor-se-ia à lassidão, à
contenção do espírito e à tentação de tudo abandonar dizendo não ser possível chegar-se
à perfeição pedida.

Não vos perturbeis na ocasião das vossas imperfeições, mas sede bem fiéis a
pedir perdão ao Sagrado Coração pelas vossas negligências /126 sempre que delas vos
apercebeis.

Haveis assim de adquirir o hábito de renovar a oferenda de todas as acções um


pouco longas da jornada. Ao mesmo tempo estareis atentos a fazer estes actos o melhor
possível.

Além disso, será bom colocar de tempos a tempos no meio das vossas acções
uma curta oração jaculatória inspirada pelo coração. Direis, por exemplo: «Jesus, eu
amo-vos!» Ou ainda: «Ó Jesus, quereria amar-vos!» David, que tinha uma coração
amantíssimo, não dizia: «Bendirei o meu Deus em todo o tempo e o seu louvor estará
sempre nos meus lábios: Benedicam Dominum in omni tempore, semper laus ejus in ore
meo» (Sl 33).

Seguireis para estas aspirações a atracção do vosso coração. Escolhereis o


pensamento que vos tocar mais. Estes dardos de amor ferirão o Sagrado Coração e
dilatarão o vosso. Acrescentarão ao valor das acções às quais se encontrarem
misturados.

Resumi as vossas resoluções: É preciso cuidardes mais em amar Nosso Senhor


do que em dissertar sobre a perfeição. É preciso que as vossas acções sejam oferecidas
ao Sagrado Coração por amor e sejam cumpridas com cuidado e consciência. Para isso,

129
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

a oferenda da manhã será renovada várias vezes ao dia por um dito rápido, num instante
de recolhimento antes das acções principais.

O vosso exame particular incidirá cada dia primeiro sobre a observação destes
meios de união com Nosso Senhor.

Deixareis o vosso coração expandir de tempos a tempos o seu afecto para com
Nosso Senhor sob a forma de orações jaculatórias.

O Salvador.- Sim, quem observar generosamente estas práticas, com o desejo


sincero de dar assim ao meu Coração a prova do seu amor, receberá graças abundantes e
preciosas. Ser-me-á muito agradável aquecer o seu coração.

Foi isso aliás que pedi à minha serva Margarida Maria e aqueles que o
negligenciassem não poderiam pretender à honra de serem verdadeiramente
consagrados ao meu Coração e de viver realmente a vida de amor e de reparação.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Sim, meu bom Mestre, quero pensar muitas vezes em vós, quero viver para vós.
Ofereço-vos toda a minha vida, todas as minhas acções, todos os meus sofrimentos, por
vosso amor e por reconhecimento para com o vosso divino /127 Coração. Renovarei
fielmente esta oferenda antes das principais acções do meu dia.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Benedicam Dominum in omni tempore; semper laus ejus in ore meo (Ps 33).
- Ego dormio, sed cor meum vigilat (Cant. 5).
- Oculi mei semper ad Dominum (Ps 24).
- Cor mundum crea in me, Deus, et spiritum rectum innova in visceribus meis (Ps 50).
- Bendigo o Senhor em todo o tempo, o seu louvor está sempre na minha boca
(Sl 33).
- Durmo, mas o meu coração vela (Cant 5).
- Tenho sempre o meu Deus diante dos olhos (Ls 24).
- Senhor, dai-me um coração puro e renovai a rectidão das intenções do meu
coração (Ls 50)./ 128

130
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA QUINTA MEDITAÇÃO

SOBRE OS ACTOS DO AMOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 15

1. Ego sum vitis vera, et Pater meus agricola est.


2. Omnem palmitem in me non ferentem fructum, tollet eum: et omnem qui fert fructum, purgabit
eum, ut fructum plus afferat.
3. Jam vos mundi estis propter sermonem quem locutus sum vobis.
4 Manete in me, et ego in vobis. Sicut palmes non potest ferre fructum a semetipso, nisi manserit
in vite; sic nec vos, nisi in me manseritis.
5. Ego sum vitis, vos palmites: qui manet in me, et ego in eo, hic fert fructum multum: quia sine
me nihil potestis facere.
1. Eu sou a verdadeira vinha, e meu Pai é o cultivador.
2. Todo o ramo que não dá fruto em mim, corta-o; e o ramo que dá fruto, limpa-
o para que dê mais fruto.
3. Já estais purificados pela minha palavra.
4. Permanecei em mim e Eu em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si
mesmo, se não permanecer ligado à vinha; do mesmo modo vós, se não permanecerdes
em mim.
5. Eu sou a vinha e vós os ramos: quem permanece em mim e Eu nele dá muitos
frutos: porque sem mim nada podeis fazer.

Sumário. – Recebemos no baptismo o hábito da caridade, é preciso exercer os


seus actos.

O cristão é obrigado a aumentar este hábito com actos frequentes de amor.

Mas como é que os há-de fazer? Que se mantenha muito atento e recolhido para
fazer estes actos sob a inspiração do bom Mestre que nos disse: Sem mim, nada podeis
fazer.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

131
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, que hei-de fazer para vos amar muito, para vos amar
sempre mais, para fazer crescer em mim todos os dias o hábito de vos amar? /129

I. Recebemos no baptismo o hábito de amar a Deus, é preciso exercer


os seus actos

Reflexões. – Sustentar e aumentar o amor divino nos vossos corações, é todo o


objectivo destas meditações.

Recebestes no baptismo o hábito infuso da caridade, é para exercer os seus actos.


De outro modo este hábito ficaria ocioso, contrariamente aos desígnios formais da
Santíssima Trindade que o formou nos vossos corações, o que já é um grande mal, e
mais ainda expor-vos-íeis a perdê-lo.

Este santo hábito recebido no baptismo, havei-lo mesmo conservado? Havei-lo


recuperado pela penitência? Disso não tendes a certeza. Deus deixa-vos na incerteza
para vos manter na humildade; e não quer, no entanto, que vos entregueis à inquietação,
se a vossa consciência de nada vos acusa. Mas há por ventura alguma coisa de mais
consolador para vós do que poderdes dar-vos este testemunho que vós O amais? E uma
das garantias mais certas que tendes, é quando produzis frequentemente actos de
caridade.

Lestes que Sto. Agostinho, nas suas inquietações, consolava-se com este
pensamento: «Meu Deus, a minha consciência me responde que eu vos amo». Que
vantagem, que doçura, que fonte de paz encontrareis neste testemunho da vossa alma!
Mas para isso, é preciso sentir que este amor está vivo no vosso coração, e não se sente
que ele está vivo senão pelos actos que produz.

O Salvador. – Sim, se estes actos partem verdadeiramente do vosso coração, é


um sinal de que o amor aí reside; se são frequentes, é um sinal de que está cheio de
força e de vigor.

Se, pelo contrário, estes actos são raros, se estão apenas nos lábios e se não são
acompanhados por uma certa emoção, isso é uma prova de que o amor é fraco e frouxo
nas vossas almas; e teríeis então ocasião de crer que ele está morto, se passásseis tempo
considerável sem praticar nenhum acto.

132
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. O cristão está obrigado a desenvolver este hábito por actos


frequentes

Reflexões. – É certo que o cristão não deve somente conservar este hábito do
amor do seu Deus, mas que deve aumentá-lo em si mesmo, embora não possa
determinar exactamente a medida deste crescimento.

É certo que um hábito não se conserva senão pelos seus actos, e a /130 única regra
pela qual se possa julgar se ele se enfraquece, é quando os seus actos se tornam raros.
Pode presumir-se que está totalmente extinto, quando desde muito tempo não se produz
nenhum dos seus actos. Isso acontece quer a respeito dos bons hábitos quer dos maus,
quer dos sobrenaturais quer dos naturais.

É certo também que todo o hábito não se desenvolve nem se fortifica senão na
proporção da frequência dos actos. Donde segue que o cristão é obrigado a fazer muitas
vezes actos de amor de Deus. E como vós não podeis determinar exactamente o número
de actos que são necessários para cada ano, para cada mês, para cada dia, tomai como
regra agir de modo que Deus esteja contente.

O Salvador. – Sim, podeis estar satisfeitos com as vossas disposições, se tendes


a possibilidade de presumir que eu também estou; e isso vai muito longe, porque espero
de vós que me ameis com todo o vosso coração, com toda a vossa alma, com todo o
vosso espírito, com todas as vossas forças.

III. Que meios é preciso tomar para praticar estes actos

Reflexões. – Para fazer estes actos de amor tão frequentemente quanto Nosso
Senhor o deseja, aqui está o meio que haveis de tomar. Deixar-lhe-eis regular estes
actos. Aliás, não poderíeis fazê-los utilmente sem Ele. Ele vo-lo disse: «Sem mim, nada
podeis fazer, na ordem da graça: Sine me nihil potestis facere».

Começai, portanto, por bem O estabelecer como o mestre absoluto do vosso


coração e de todos os seus movimentos. Cada manhã pedi-lhe a graça de vos ajudar a
fazer ao longo do dia tantos actos de amor quanto lhe agradar para a sua glória e para a
vossa santificação. Depois disso, mantende-vos todo o dia muito recolhidos, muito
atentos às suas inspirações para não falhar a nenhuma daquelas que Ele vos der. Tomai

133
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

pelo menos esta firme resolução: renovai-a sempre que dela vos afastardes; e quando
vos aperceberdes que falhastes, fazei a vós mesmos uma reprovação viva e sincera.

Não tardareis a sentir os felizes efeitos desta prática. E verdadeiramente se


hesitardes a recorrer a ela, é porque não amais verdadeiramente a Nosso Senhor, e não
estais bem resolvidos a dar-lhe o vosso coração. Temeis que este meio não seja
subjugante e difícil, tentai e Ele vo-lo facilitará. Não podeis no entanto pretender
praticar a vida de amor para com Ele sem que isso vos custe algum esforço e alguma
atenção. /131

Não esqueçais que a vossa natureza corrompida pelo pecado repugna com todas
as suas forças ao amor do seu Deus. Pensai que haveis aumentado esta corrupção com
as vossas faltas pessoais e que a vossa natureza se tornou ainda menos disposta à vida
sobrenatural.

O objectivo da caridade é precisamente destruir em vós a obra do pecado, de vos


elevar acima da natureza, e de mudar o homem animal num homem espiritual e divino.
E vós pretendeis não experimentar nenhuma dificuldade na prática deste amor! Sem
dúvida a graça vos ajudará e encontrareis logo uma grande doçura no amor de Nosso
Senhor, mas ainda é preciso, para nele se formar, boa vontade e generosidade.

O Salvador. – Começai e vereis depressa os felizes efeitos deste meio que vos
recomendei: estai unidos a mim como o ramo ao cepo da vinha. Estai habitualmente
atentos à minha graça, ela vos há-de sugerir frequentes actos de amor. A vossa generosa
determinação ganhará o meu coração e apressar-me-ei a ajudar-vos. Encontrareis
depressa tanto gosto e doçura nestes actos que vós mesmos haveis de ter o ardente
desejo de os multiplicar mais. Tornar-se-ão cada dia nos vossos corações mais
fervorosos e mais íntimos. Mudar-se-ão verdadeiramente em hábito. Fá-los-eis como
sem reflectir e quase sem disso vos aperceberdes. Como o observava um santo Doutor,
acabarão por ser tão fáceis, tão naturais, tão contínuos como a respiração.

Então amar-me-eis verdadeiramente de todo o vosso coração, de toda a vossa


alma e de todo o vosso espírito.

Desejaríeis estar lá: começai, continuai e lá haveis de chegar.

134
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Nada podeis por vós mesmos, tal como o ramo da vinha não pode dar frutos se
não receber a seiva do tronco. Mas se estiverdes agarrados a mim, se permanecerdes em
mim e eu em vós, a seiva do meu Coração descerá ao vosso, e sereis animados do meu
espírito, e vivereis facilmente a vida de amor. Praticareis os seus actos habitualmente.
Eu vo-los hei-de sugerir, Eu vos hei-de guiar. Viverei em vós e vós em mim. Deixai-me,
portanto, a condução do vosso coração. Deixai-me fazer em vós o que Eu quiser.
Deixai-me cumprir os meus desígnios sem lhes colocar nenhum obstáculo./132

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Ó Coração sagrado, dou-me e consagro-me todo a vós: o meu coração, o meu


entendimento, a minha vontade, a fim de que tudo o que eu fizer e sofrer seja por vosso
amor e pela vossa glória; que tudo o que eu vir e ouvir me leve a vos amar; que todas as
minhas palavras sejam tantos actos de contrição dos pecados que cometi e do bem que
não fiz. Ó Coração cheio de bondade, do qual dependo e pelo qual vivo, inflamai-me e
transformai-me todo em vós (Margarida Maria).

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Sine me nihil potestis facere (Jo 15).


- Manete in me et ego in vobis (Jo 15).
- Nemo potest dicere «Dominus Jesus», nisi in Spiritu sancto (1Cor 12).
- Deus est qui operatur in vobis et velle et perficere pro bona voluntate (Fil 2).
- Sem mim nada podeis fazer (Jo 15).
- Permanecei em mim e Eu em vós (Jo 15).
- Ninguém pode dizer «Senhor Jesus», se não for no Espírito Santo (1Cor 12).
- É Deus quem opera em vós o querer e o fazer, segundo a sua boa vontade (Fil
2)./133

135
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA SEXTA MEDITAÇÃO

PRÁTICA DO AMOR DE NOSSO SENHOR NAS ACÇÕES


QUOTIDIANAS

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Mc 7

32. Et adducunt ei surdum et mutum, et deprecabantur eum ut imponat illi manum.


33. Et aprehendens eum de turba seorsum, misit digitos suos in auriculas ejus: et expuens tetigit
linguam ejus.
34. Et suspiciens in coelum ingemuit et ait illi: Ephetha, quod est adperire.
35. Et statim apertae sunt aures ejus, et solutum est vinculum linguae ejus, et loquebatur recte.
32. Levaram-lhe um surdo-mudo e pediram-lhe que lhe impusesse as mãos.
33. E tomando-o aparte da multidão, colocou os seus dedos nos seus ouvidos e
tocou a sua língua com a saliva.
34. E erguendo os olhos ao céu suspirou e disse: Ephetha, isto é, abre-te.
35. E imediatamente os seus ouvidos se lhe abriram e a sua língua se soltou e
falava facilmente.
Sumário. – O cuidado material colocado numa acção não basta para a tornar
perfeita.

As nossas acções devem ser oferecidas a Nosso Senhor com amor desde a
manhã e muitas vezes ao longo do dia.

As acções oferecidas devem ser cumpridas com um cuidado delicado para


provar a Nosso Senhor o nosso amor.

As orações jaculatórias e alguns actos especiais de agradecimento alimentam o


fervor dos nossos sentimentos.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

136
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O discípulo. – Bom Mestre, desejo dedicar-me inteiramente ao vosso amor.


Ajudai-me, ensinai-me os meios práticos para viver no vosso amor. /134

I. É preciso oferecer frequentemente as nossas acções a Nosso


Senhor ao longo do dia

Reflexões. – Os livros espirituais insistem, com muita razão, no cuidado com o


qual um fiel piedoso ou um religioso devem desempenhar as suas acções quotidianas. A
ordem dos superiores ou a regra prescrevem um trabalho, é preciso aplicar nele todos os
recursos da própria inteligência.

Nunca seria demais a recomendação deste conselho: Fazei bem o que fazeis.
Mas seria necessário tomar cuidado em não confundir esta perfeição que é da ordem
puramente natural, com a perfeição recomendada pelo Evangelho. Pode correr-se o
perigo de pensar-se perfeito porque se obedeceu pontualmente, porque se respeitou a
castidade. Naturalmente que estas são virtudes, mas podem não ter mais valor que as
dos filósofos ou dos mercenários.

A prática tão necessária do exame particular pode mesmo deixar uma alma nesta
confusão, se for mal entendida.

Neste caso, perde-se de vista a intenção que deve inspirar todas as acções para
lhes dar um valor aos olhos de Deus. Alguém recitou talvez de manhã de uma maneira
mais ou menos distraída uma fórmula geral da oferenda do dia. Considera-se isso
suficiente e repousa nesta oferenda. Esta alma dormita verdadeiramente. Com
dificuldade foi acordada do seu adormecimento habitual para pronunciar esta fórmula.
Isso foi feito sem coração, sem pensar no que se dizia; depois começa-se o dia muito
naturalmente. Seja qual for o cuidado que se ponha depois nas acções realizadas em
vistas puramente humanas, não pode pretender-se ter feito um acto de caridade; não
pode pretender-se ter-se dado ao Sagrado Coração um sinal de amor. Ao cuidado
puramente humano com o qual se cumprem as próprias acções, é preciso acrescentar a
intenção de agradar a Nosso Senhor, o desejo de lhe dar, por este cuidado mesmo com o
qual os próprios deveres são cumpridos, uma garantia de amor. Nestas condições, não
somente a atenção posta no trabalho é sobrenaturalizada, mas todo o acto se torna um

137
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

acto de caridade, um acto de puro amor. Nosso Senhor pede, portanto, que nos
habituemos a renovar frequentemente durante o dia os actos de oferenda.

O Salvador. – Não me contento com a oferenda geral e demasiado


frequentemente rotineira feita de manhã. Para fazer mais, aliás, basta amar-me um
pouco, pensar em mim de tempos a tempos. Aqui está o primeiro grau de afeição que
peço. Recompenso-o imediatamente dando um gosto sobrenatural por estas oferendas.
Ajudo complacentemente o bom coração que quer pertencer-me totalmente. Não peço
esforços para excitar /135 a sensibilidade. Só peço boa vontade. Este bem querer é já um
sinal da afeição à qual sou sensível.

II. As acções oferecidas devem ser cumpridas com um cuidado


delicado para provar a Nosso Senhor o nosso amor

Reflexões. – Os que amam Nosso Senhor verdadeiramente esquecem-se


verdadeiramente de si mesmos. Não se detêm a considerar os seus progressos e a neles
se comprazerem. Aplicam-se a fazer bem todas as suas acções por amor a Nosso
Senhor. Se se entristecem com as suas imperfeições, não é tanto por causa de si mesmos
quanto por causa d’Ele e porque sofrem por não terem ainda feito melhor para lhe
agradarem. Sentem que teriam podido dar-lhe um sinal mais generoso do seu amor.
Não se perguntam qual é o grau de perfeição que puderam alcançar; pedem perdão por
não terem feito melhor, por não terem pensado bastante frequentemente e com muito
coração em oferecer os seus fracos esforços a Nosso Senhor.

Tal é a direcção a dar aos vossos exames particulares. Devem ser um reflexo da
direcção geral dada à vossa vida. Amar o Coração sagrado de Jesus, provar-lhe o
próprio amor por tudo o que se faz, tal deve ser a constante preocupação de quem se
consagrou a este divino coração. Quando alguém O ama verdadeiramente, esta
preocupação é tão grande, que não se pode cair numa negligência sem que o coração
imediatamente a censure. Deve então pedir-se perdão imediatamente, reconhecendo
neste sinal que não se ama ainda Nosso Senhor como se deveria, depois continua-se
sem perturbação a própria vida de oblação. Nós dizemos a vida de oblação: porque o
carácter próprio da vida de amor, é oferecer ao bem-amado do seu coração tudo o que se
faz, e de o oferecer muito prática e seriamente.

138
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O Salvador. – A verdadeira perfeição, é de não ter na própria alma, no próprio


coração, na própria vontade senão um só cuidado, que é de me amar e de mo provar. O
meu amor absorve tudo nestas almas. Elas chegam à perfeição sem terem tido o cuidado
desta mesma perfeição. Quando cometem uma falta, quando faltam à generosidade no
meu serviço, não dizem: «Isto é uma imperfeição», mas «Isto desagrada a Jesus: nisto
não dei a Jesus as provas de amor que Ele tem direito de esperar de mim». Muitas vezes
entristecem-se por isso. As mais ternas vão até ao ponto de chorarem e de gemerem por
me terem sido infiéis. Fazem da sua vida uma questão de coração e não uma questão de
interesse. Amar o meu Coração e/136 prová-lo, é toda a sua vida, e estas almas são
perfeitas, ainda que não tenham o cuidado de controlar a perfeição do que fazem.

III. Meio de obter esta união pela prática das oferendas, das
resoluções e dos exames

Reflexões. – Para que os exames quotidianos vos ajudem a crescer no amor do


Sagrado Coração, é preciso recordar neles as acções feitas sem amor e com negligência;
é preciso pedir perdão a Nosso Senhor pela vossa indiferença e pela vossa tibieza, e
pedir-lhe, com o socorro da sua graça, uma maior atenção a pensar n’Ele e a pensar n’
Ele com afeição.

A vossa resolução principal de cada dia será, na oração como no exame, oferecer
ao menos as vossas principais acções em espírito de amor. Nosso Senhor não vos pede
uma contenção fatigante, mas a boa vontade, com uma simplicidade de criança. A
oração que precede e que segue os exercícios na vida de comunidade será uma ocasião
muito frequente de elevar o vosso coração para Deus. A oblação das vossas acções
comportará sempre o desejo de as fazer bem. Na hora dos exames, e por vezes depois
destas acções principais, haveis de pedir perdão ao Sagrado Coração por tê-lo servido
com pouco amor.

Durante as vossas ocupações, uma curta oração jaculatória erguer-se-á do vosso


coração. Direis: Ó Jesus, como vos amo! Ó Jesus, como gostaria de vos amar! – Estes
dardos dilatarão os vossos corações e ferirão o Coração sagrado de Jesus.

139
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

No momento da recepção dos sacramentos, antes e depois da confissão, antes e


depois da comunhão, dizei bem o vosso reconhecimento a Nosso Senhor. Aí estais em
presença das maravilhas do seu amor.

O Salvador. – Todos estes actos são fáceis, não exigem senão um pouco de boa
vontade. Os que os observam generosamente, com o seu coração, com o desejo sincero
de darem ao meu Coração provas de amor, receberão graças preciosas. Agradar-me-á
aquecer os seus corações. Aí está o mínimo das provas de amor que o meu Coração está
no direito de esperar das almas que se dedicaram e consagraram a Ele. Que significaria
de facto esta consagração? Seria uma palavra vã se, depois de me terem prometido toda
a sua vida e todas as suas obras, me esquecessem inteiramente, se não me dessem
praticamente o que me prometeram, por actos sérios de oblação e fazendo tudo por meu
amor./137

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Bom Mestre, eu quero doravante ser fiel à consagração que vos fiz
completamente de mim mesmo. Quero dar-vos na realidade todas as minhas acções
renovando com amor a minha oblação antes das minhas acções principais, e cumprindo
estas acções de modo que elas possam agradar-vos e consolar-vos da minha indiferença
passada.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Praebe, fili mi, cor tuum mihi (Prov. 23).


- Omnia in gloriam Dei facite (1Cor 10).
- In simplicitate cordis laetus obtuli universa (1Par 29).
- Bene omnia fecit (Mc 8).
- Meu filho, dá-me o teu coração (Prov. 23).
- Fazei tudo para glória de Deus (1Cor 10).
- Ofereci todas as coisas na simplicidade do meu coração (1Par 29).
- Fez bem todas as coisas (Mc 8). /138

140
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA SÉTIMA MEDITAÇÃO

SOBRE A FIDELIDADE NAS PEQUENAS COISAS

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Lc 19

12. Dixit ergo Jesus: Homo quidam nobilis abiit in regionem longinquam accipere sibi regnum, et
reverti.
13. Vocatis autem decem suis servis, dedit eis decem mnas, et ait ad illos: Negotiamini dum venio.
14. Cives autem ejus oderunt eum, et miserunt legationem post illum, dicentes: Nolumus hunc
regnare super nos.
15 Et factum est ut rediret accepto regno: et jussit vocari servos, quibus dedit pecuniam, ut scire
quantum quisque negotiatus esset.
16. Venit autem primus dicens: Domine, mna tua decem mnas acquisivit.
17. Et ait illi: Euge, bone serve, quia in modico fuisti fidelis, eris potestatem habens super decem
civitates.
12. Jesus disse: Havia um homem nobre que partiu para um país muito distante
para aí tomar posse de um reino e voltar.
13. E tando chamado dez dos seus servos, deu-lhes dez moedas de prata e disse-
lhes: Fazei render este dinheito até que eu volte.
14. Mas os habitantes do seu país que o odiavam, enviaram-lhe uma embaixada
para fazer esta declaraão: Não queremos que este seja o nosso rei.
15. Estando então de regresso depois de ter tomado posse do seu reino, mandou
que lhe apresentassem os servos aos quais tinha dado o seu dinheiro para saber quanto
cada um deles tinha ganhado.
16. Chegando o primeiro, disse-lhe: Senhor, o vosso dinheito produziu outros dez.
17. Ele respondeu-lhe: Muito bem, bom servo; porque fostes fiel nestas pequenas
coisas, tereis o governo de dez cidades.
Sumário. – O amor ardente gera um ódio profundo, por aquilo que é um obstáculo
à posse do objecto amado. Por aqui podemos julgar se amamos Nosso Senhor. Temos
um ódio implacável pela nossa natureza corrompida, pela nossa vontade própria, por
tudo aquilo que nos conduziu ao pecado?

O amor é delicado, as mínimas ofensas de um amigo ferem vivamente, /139


atingem directamente o coração. Mas em contrapartida, as atenções delicadas de uma
pessoa cara dão mais prazer do que os dons de uma pessoa indiferente.

141
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Nós havemos, portanto, de testemunhar o nosso amor a Nosso Senhor sendo fiéis
nas pequenas coisas.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, desejo testemunhar-vos o meu amor, dizei-me como


devo servir-vos para alegrar o vosso Coração.

I. O amor por Deus supõe o ódio a tudo o que dele nos afasta

Reflexões. – O amor ardente gera um ódio profundo por tudo o que lhe resiste,
tudo o que constitui obstáculo à posse do que se ama. Mais o amor é apaixonado, mais o
ódio é vivo e ardente. Isto há-de servir-vos para apreciardes o grau do vosso amor por
Nosso Senhor. Sentis um ódio implacável contra a vossa natureza corrompida, contra a
vossa vontade própria? Se sim, amai-lo apaixonadamente; se não, amais outra coisa que
não Ele. Neste momento não amais talvez o pecado, mas amais coisas que a ele
conduzem ou que dele derivam. Jesus disse isso no santo Evangelho: «Quem ama a sua
alma, a sua vida mortal, perde-a e ofende-me; quem a odeia salva-se e prova-me o seu
amor: Qui odit animam suam in hoc mundo, in vitam aeternam custodit eam». Não há
nada de pequeno quando se trata do pecado e daquilo que a ele conduz. Não esqueçais
que o pecado é uma rebelião, um desprezo do vosso Deus, uma ingratidão imperdoável.
O non serviam realiza-se nas pequenas coisas como nas grandes. As pequenas faltas são
também actos de rebelião: «O homo, tu quis es, qui respondeas Deo?». Quem sois vós
para ousardes opor-vos a Deus? (Rom 9, 20). Deus não quer tanto filhos inúteis e
negligentes, como filhos infiéis: «Non enim concupiscit multitudinem filiorum
infidelium et inutilium» (Ecli 15, 22). Portanto, será possível servir-se ao mesmo tempo
a própria natureza corrompida e Deus? «Cui assimilastis me et adequastis, dicit
sanctus?» (Is 40, 25). O filho honra o seu pai e o servo o seu senhor. Podeis, portanto,
ferir a honra do vosso Deus por faltas ou negligências? «Si ergo Pater ego sum, ubi est
honor meus?» (Mal 1, 6).

142
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O Salvador. – Fazendo concessões à natureza, abandonais-me, a mim, a fonte de


águas vivas, e ides às cisternas vazias: «Me dereliquerunt /140 fontem aquae vivae, et
foderunt sibi cisternas dissipatas, quae continere non valent aquas» (Jer 2, 13).
Examinai, portanto, se tendes este ódio da natureza corrompida que se manifesta na
vigilância, na mortificação e na abnegação constante da vosso própria vontade. A
perfeição da obediência é a sua pedra de toque. Se não tendes este ódio a tudo o que
pode conduzir ao pecado, não me amais ainda verdadeiramente.

II. As ofensas de um amigo vão direitas ao coração

Reflexões. – Quanto mais se ama, mais alguém se sente ofendido pelas ofensas
dos seus amigos. Não deveria, porém, esquecer-se que o amor é delicado. O que num
estranho nem se repara, fere num amante e fere tanto mais quanto mais se tiver por este
amante um amor mais terno.

O que David exprime no salmo 54, di-lo em nome de Nosso Senhor: «Se um
inimigo me ofendesse, sofreria com paciência, mas tu, meu amigo, meu companheiro,
meu comensal!»

Nosso Senhor tinha a louvar o anjo da Igreja de Éfeso muitas obras e muitas
virtudes, no entanto mandava-o censurar pelo seu apóstolo ter deixado decair o seu
primeiro fervor e ameaçava-o com a morte eterna, se reincidisse.

Louvava também as obras do bispo de Laodiceia, mas como ele não era fervoroso
e negligenciava as pequenas coisas, Nosso Senhor declarava-lhe pelo seu apóstolo, que
provocava os seus vómitos. «Scio opera tua... sed quia tepidus es, incipio evomere te ex
ore meo».

O Salvador. – O fogo sagrado do Templo, símbolo do fervor dos padres e dos


fiéis, devia arder sempre: «Ignis autem in altari semper ardebit» (Lev 6, 12).

Dei a fidelidade e a diligência no meu serviço como o sinal do amor que têm por
mim: «Aquele que me ama guarda a minha palavra, disse; aquele que não me ama não
guarda os meus mandamentos. Qui non diligit me, sermones meos non servat» (Jo 14,
23).

143
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

«Aquele que teme a Deus, era dito na antiga lei, não negligencia nada. Qui timet
Deum nihil negligit» (Ecli. 7, 19). Isto permanece verdadeiro. Mas o amor será menos
forte e menos firme que o temor? Já não seria então um verdadeiro amor.

Se fordes negligentes no meu serviço, as vossas negligências ferem-me e


entristecem-me. /141

III. Os testemunhos de amor vindos de uma pessoa cara vão


igualmente direitos ao coração

Reflexões. – A mínima atenção delicada vinda de uma pessoa cara dá mais prazer
do que os dons de pessoas indiferentes. Entre amigos, as atenções como as ofensas vão
direitas ao coração. É o que exprime esta palavra do esposo no Cântico dos Cânticos:
«Vós haveis ferido o meu coração, ó minha esposa e minha irmã, havei-lo ferido apenas
por um olhar dos vossos olhos ou pelos cabelos que caem sobre os vossos ombros»
(Cant. 4, 9).

Estas atenções delicadas vão tão longe e são tão frequentes no mundo entre
pessoas que se dedicam a uma afeição natural: não é uma vergonha para os amigos de
Nosso Senhor, serem ultrapassados em generosidade pelas pessoas do mundo?

O Salvador. – Sim, não é uma confusão para mim ser menos amado do que as
criaturas? Aprendei, portanto, a não desdenhar as pequenas coisas. Não há nada que seja
pequeno no amor. As vossas atenções delicadas tocam o meu coração, alegram-no e
preparam graças de eleição.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Senhor Jesus, pudesse eu sempre servir-vos com um coração ardente e uma


fidelidade imperturbável! Vós haveis-me amado tanto. Vós! Vós sois tão generoso, tão
fiel. Vós! Compreendo que não permaneçais num coração com as vossas graças de
união, quando aí não encontrais uma afeição constante, fiel, delicada. Ajudai-me,
Senhor, a dar-vos a minha afeição. Já não posso mais viver sem vós.

144
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Euge, serve bone et fidelis, quia super pauca fuisti fidelis, super multa te constituam, intra in
gaudium Domini tui (Mt 25, 21).

- Habeo adversum te quod charitatem tuam primam reliquisti (Ap 2, 4).

- Quia tepidus es, incipio evomere te ex ore meo (Ap 3, 16).

- Vinde, bom e fiel servo, porque fostes fiel nas pequenas coisas, confiar-vos-ei
grandes; entrai na alegria do /142 Senhor (Mt 25).

- Tenho contra ti que decaíste do teu primeiro fervor (Ap 2).

- Porque és tíbio, dás-me náuseas (Ap 3). /142

145
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA OITAVA MEDITAÇÃO

É PELO AMOR A NOSSO SENHOR QUE UMA ALMA CONSAGRADA


A DEUS DEVE PRATICAR AS VIRTUDES DO SEU ESTADO

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 15

5. Ego sum vitis, vos palmites: qui manet in me et ego in eo, hic fert fructum multum: quia sine
me nihil potestis facere.
6. Si quis in me non manserit, mittetur foras sicut palmes, et arescet, et colligent eum, et in
ignem mittent et ardet.
7. Si manseritis in me, et verba mea in vobis manserint, quodcumque volueritis petetis et fiet
vobis.
8. In hoc clarificatus est Pater meus, ut fructum plurimum afferatis et efficiamini mei discipuli.
5. Eu sou a vinha e vós os sarmentos: quem permanece em mim e eu nele, esse
dá muitos frutos; porque sem mim nada podeis fazer.
6. Se alguém não permanece em mim, será lançado fora como um sarmento;
secará, será recolhido, lançado ao fogo e queimará.

7. Se permanecerdes em mim e guardardes as minhas palavras, pedi tudo o que


quiserdes e ser-vos-á concedido.
8. Nisto será o meu Pai glorificado, que produzais frutos e que sejais meus
discípulos.
Sumário. – Nosso Senhor fazia de todas as suas acções outros tantos actos de
caridade e deseja que nós façamos o mesmo.

Aliás, dando o nosso coração a Nosso Senhor, encontramos uma grande


facilidade em praticar a virtude e em trabalhar na nossa perfeição.

Se, ao contrário, recusarmos o nosso coração a Nosso Senhor, se não lho dermos
desde o princípio da nossa vida religiosa, entristecemo-lo e desconhecemos o nosso
verdadeiro fim.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

146
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

2. Meditação.

O discípulo. – Eu sei, ó meu bom Mestre, que vós pedis os nossos corações e
que tendes sede do nosso amor. Desejo compreendê-lo melhor ainda/144 e responder ao
vosso desejo, ajudai-me, iluminai o meu espírito, aquecei o meu coração. Falai, Senhor,
que o vosso servo escuta.

I. É preciso fazer das virtudes do próprio estado outros tantos actos


de caridade

Reflexões. – O amor que Nosso Senhor pede não dispensa das outras virtudes.
Deve, ao contrário, levá-las à perfeição. Os que O amam verdadeiramente observam
com rigor a pobreza, a castidade e a obediência, se são religiosos. Não procuram aqui
lasso adoçamento. Seguem com uma admirável fidelidade o que a sua regra lhes
prescreve.

As virtudes de que Jesus mesmo nos deu o exemplo não tomaram n’Ele o lugar
do amor pelo seu Pai, mas foram praticadas com amor. O amor fazia delas outros tantos
actos de caridade perfeita. Todos estes actos eram inspirados, sustentados e vivificados
pelo seu amor pelo seu Pai. É isto que nós podemos e devemos imitar.

O Salvador. – Não tomei apenas uma inteligência criada para apreciar o que
devia ao meu Pai, mas também um coração vivente e amante, um coração sensível e
bom para amar o meu Pai servindo-o e expiando as vossas ofensas. Dei a minha vida,
não com a amarga resignação de uma vítima, mas com o amor mais terno, com a
afeição mais profunda. Este grande amor merece bem um pouco de correspondência.
Esta correspondência, haveríeis de ma dar se viésseis até mim como uma vítima vem ao
seu carrasco? Se aceitais a imolação quotidiana dos votos como uma pura condenação?
Não, é pela caridade que podeis e deveis tornar o vosso holocausto perfeito e agradável
ao meu Coração.

II. Dando o nosso Coração a Nosso Senhor encontramos uma grande


facilidade em praticar a virtude e em trabalhar na nossa perfeição

Reflexões. - Os que entram em religião, contraem de algum modo um pacto com


Nosso Senhor. Em troca das graças de salvação e de santificação que lhe pedem, dão-

147
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

lhe a sua vontade e empenham a sua liberdade pelo voto de obediência. Consagram-lhe
a sua carne pelo voto de castidade. Descansam sobre Ele do cuidado de prover aos
cuidados da sua vida pelo voto de pobreza. O fim que se propõem, é do o possuírem. Os
que lhe dão com tudo isso as afeições do seu coração, os que não consideram os três
votos como suficientes enquanto não lhe votaram o seu amor, estes têm sempre maiores
facilidades para praticarem na perfeição as virtudes do seu estado, /145 porque, ao dom
do seu coração, Jesus responde com graças de eleição.

Um religioso cuidadoso da sua perfeição não deve portanto dizer a si mesmo que
os três votos que fez tomam o lugar do amor. Não deve considerar-se como
irrepreensível agindo sem amor.

O Salvador. – Não seria ser generoso dizer: «A observância dos mandamentos


sendo uma marca suficiente de amor, vou bem além disso praticando os conselhos». O
que é verdadeiro, é que os mandamentos mesmos devem ser observados com amor
pelos justos: Lex Dei ejus in corde ejus (Sl 36). E S. Paulo adverte-vos que a fé deve
agir por amor: Fides quae per caritatem operatur (Gal 5).

III. Se recusamos o nosso Coração a Nosso Senhor entristecemo-lo e


desconhecemos o nosso verdadeiro fim

Reflexões. – Se recusamos a Nosso Senhor sinais de afeição é então porque o


consideramos um senhor sem coração! Compreender assim a vida perfeita, é agir como
o poderia fazer um escravo a respeito de um senhor cruel. «E preciso fazer ao meu
senhor, diríeis, isto e aquilo para que ele não me castigue, ou me conceda tal
recompensa. Dou-lhe o que ele exige e a recompensa é-me devida. Imolar-me-ei e
sacrificar-me-ei membro a membro, se for preciso, porque contento-me com a
recompensa e tenho medo do castigo; quanto aos afectos, o meu mestre não tem
necessidade deles. É já um grande sinal de amor fazer por ele todos estes sacrifícios».
Semelhante raciocínio seria um ultraje feito ao Coração do bom Mestre. Jesus não é um
tirano que recompensaria as suas vítimas em proporção das torturas às quais elas se
tivessem resignado. Aliás ninguém ousou formular tal pensamento.

Não há almas cristãs que raciocinem assim de propósito, mas não as há que
actuem de facto como se pensassem assim? Leram que o temor é o princípio da

148
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

sabedoria e ficam aí. Esquecem que o amor de Deus é o fim mesmo do homem. Ser
chamado ao céu, é ser chamado a amar a Deus para sempre. Não está escrito em parte
nenhuma que seja necessário negligenciar este amor sobre a terra e reservá-lo para o
céu. O apóstolo S. Paulo amaldiçoa aqueles que não amam: Si quis non amat Dominum
nostrum Jesum Christum sit anathema (1Cor 16). Amar a Deus desde esta vida, é gozar
antecipadamente o céu.

Sem dúvida, somos agradáveis a Nosso Senhor quando praticamos em espírito


de fé as virtudes cristãs e religiosas; mas querer limitar-se apenas à fé, recusar dar o seu
coração a Nosso Senhor, considerar /146 a vida de afeição para com Ele como uma
novidade, é desconhecer o verdadeiro espírito do Evangelho. Considerar a caridade
como um coroamento da perfeição que não deve vir senão depois da prática de todas as
virtudes, é uma ilusão. A caridade acompanha e sustém toda a vida cristã: Qui non
diligit, manet in morte.

As almas simples compreendem-no facilmente. Não lhes vem à mente que seja
necessário esperar a perfeição antes de serem admitidas a amar o Salvador. Não
consideram estranho nem perigoso ajudarem-se do amor para com a sua santa
humanidade, dos impulsos afectuosos do coração para servirem a Deus com mais
generosidade. Compreendem logo que querer ser santo, é querer amar a Deus e unir-se
a Ele. Dizem no seu coração: Mihi adhaerere Deo bonum est: A minha felicidade é
unir-me a Deus. Para as almas generosas, a união pelo amor faz-se sem esforço.

O Salvador. – Vir a mim com amor, não é omitir a fé, mas torná-la viva, porque
a fé não opera senão pela caridade. Também não é vir a mim com os trejeitos de uma
pieguice sem consistência; porque vir amorosamente a mim, o grande sacrificado, é ir
ao modelo de todos os sacrifícios; é vir colher no meu Coração e nos tesouros do meu
amor uma força a toda a prova, um sustento nos sofrimentos e nas cruzes.

A afeição do coração tal como a peço leva à acção e à generosidade. Os que me


amam escutam a minha palavra e a ela conformam as suas acções: Si quis diligit me,
sermonem meum servabit. A minha palavra é a regra da sua conduta. Ego Dominus,
docens te utilia, gubernans te in via in qua ambulas (Is 48, 17). É preciso, portanto,
precaver-se destas aparências de sentimentos pelos quais os homens se enganem às
vezes a si mesmos. Não é preciso ligar importância a alguns fervores que duram o que

149
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

dura um fogo de palha e que não produzem nada de durável. O sinal pelo qual se
reconhece um sentimento do coração, são as obras que inspira: Operibus credite (Jo 10,
38). Não basta alguém dizer que me ama, é preciso fazer o que Eu digo e fazê-lo de bom
coração. Tal deve ser o carácter dos fiéis e dos religiosos consagrados ao meu coração.
/147

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Bom Mestre, compreendi os vossos desejos, ajudai-me a realizá-los. Renovo


diante de vós a minha resolução de vos oferecer cada uma das minhas acções, ao menos
as principais do dia, neste espírito de amor e de generosidade que de mim pedis.

RAMALHETE ESPIRITUAL

.-Filioli, non diligamus verbo neque lingua, sed opere et veritate (1Jo 3).
- Fides per dilectionem operatur (Gal 5).
- Si quis diligit me sermonem meum servabit (Jo 14, 23).
- Meus filhos, não amemos somente em palavras, mas em obras e em verdade (1Jo
3).
- A fé age pela caridade (Gal 5).
- Se alguém me ama, guardará as minhas palavras (Jo 14, 23). /148

150
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

VIGÉSIMA NONA MEDITAÇÃO

A UNIÃO HABITUAL COM NOSSO SENHOR

I. Preparação para a Vigília

Leitura do santo Evangelho: Jo 14

18. Non derelinquam vos orphanos, veniam ad vos.


19. Adhuc modicum: et mundus me jam non videt. Vos autem videbitis me: quia ego vivo, et vos
vivetis.
20. In illo die vos cognoscetis quia ego sum in Patre meo, et vos in me, et ego in vobis.
21. Qui habet mandata mea et servat ea, ille es qui diligit me. Qui autem diligit me, diligetur a
Patre meo: et ego diligam eum, et manifestabo ei meipsum.
22. Dicit ei Judas, non ille Iscariotes: Domine quid factum est, quia manifestaturus es nobis
teipsum, et non mundo?
23. Respondit Jesus, et dixit ei: Si quis diligit me, sermonem meum servabit et Pater meus diliget
eum, et ad eum veniemus, et mansionem apud eum faciemus.
18.Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós.
19. Ainda um pouco tempo e o mundo não me verá. Mas, vós ver-me-eis, porque
vivo e vós vivereis também.
20. Naquele dia sabereis que estou no meu Pai, e vós em mim e Eu em vós.
21. Quem recebe os meus mandamentos e os guarda, esse ama-me; e quem me
ama será amado pelo meu Pai, e amá-lo-ei também, e me revelarei a ele.
22. Judas, não o Iscariotes, disse-lhe: Senhor, de onde vem que vos haveis de
revelar a nós e não ao mundo?
23. Jesus respondeu: Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai
amá-lo-á, e nós viremos a Ele, e faremos nele a nossa morada.
Sumário. – Amar Jesus é a felicidade dos eleitos. Amá-lo na terra é um antegozo
do céu. Jesus quer amigos, foi por isso que Ele veio estabelecer o reino do seu Coração,
o reino do seu amor. Os padres consagrados ao Coração de Jesus devem ser
propagadores deste reino de amor, devem portanto ser os primeiros a estarem unidos a
Jesus.

Meditemos nos meios de facilitar esta união. Estes meios são: viver
habitualmente numa doce intimidade com Jesus, - pensar n’Ele constantemente como se

151
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

pensa num pai, num amigo, num esposo, - /149 é também recorrer habitualmente a Maria
que quer ajudar a estabelecer este reino de amor.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Senhor, iluminai-me, quero permanecer convosco e não mais vos


deixar. Ligai-me a vós para sempre.

I. A alma que ama Jesus é feliz aqui em baixo e agrada a Jesus

Os eleitos no céu glorificam a Deus Pai amando Nosso Senhor. Amar Nosso
Senhor, gozar amorosamente a sua posse, é a felicidade reservada aos seus santos. Os
que o amam desde a vida de provação, têm já um antegozo do céu. É mais doce servi-lo
por amor do que servi-lo friamente e por temor. Ele também gosta mais de ver amigos
do que servos. – Fazer reinar o seu Coração, é dar ao seu Coração esta satisfação de ter
amigos. Os padres de boa vontade que tiverem a generosidade de consagrar a sua vida a
amá-lo deverão dispensar as suas forças a conquistar-lhe este amor nas almas. O reino
do seu Coração deve ser um reino de amor, é, portanto, no e pelo amor que se há-de
estabelecer. Poderia estabelecê-lo por si mesmo no coração dos fiéis. Mas quis sempre
associar amorosamente às suas obras de graça, amigos cuja cooperação pediu. Para se
comunicar assim a muitas almas generosas quer servir-se dos padres consagrados e
zeladores fervorosos que sejam propagadores do seu reino de amor. Como fundou a sua
Igreja pelo ministério dos seus apóstolos e o sangue dos primeiros mártires, quer fundar
o reino do seu Coração, pelo ministério de novos apóstolos bastante generosos, para não
lhe pouparem o seu coração e a sua vida.

O Salvador. – A Igreja foi fundada no amor, é no amor que deve renovar-se e


regenerar-se como anunciei a Margarida Maria. É por isso que quero fazer reinar o meu
Coração.

152
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. A união com Nosso Senhor é o meio de alimentar o amor por Jesus

Para alimentar nos seus corações o fogo sagrado do amor, os padres consagrados
ao Sagrado Coração devem viver na união com Ele. A sua maneira de lhe dar os seus
corações deve ser de viverem habitualmente numa doce intimidade com Ele. Esta
comunicação coração a coração deve reproduzir o comércio íntimo no qual Jesus vivia
com Maria e José. /150 Basta ao seu amor que a massa dos fiéis lhe vote a afeição que
uma criança amorosa dá ao seu pai. Aos seus padres, pede, ou antes oferece mais, quer
que o amem com uma maior ternura, que venham a Ele com o abandono de um amigo
que vai ao seu amigo, de um irmão que ama o seu irmão. Este abandono cheio de
simplicidade atraí-lo-á a eles e fará que Ele se lhes comunique com ternura.

O Salvador. – No sacramento o meu amor, comunico-me com uma ternura sem


igual, porque venho habitar a alma daquele que me recebe. Habitar uma alma, é uma
grande alegria para o meu coração: «Deliciae mear esse cum filiis hominum». Do
mesmo modo a vida misteriosa que levo nas almas pela contemplação é uma comunhão
íntima com a alma dos meus amigos. Os padres do meu Coração devem dar-me esta
consolação. Quando me tornei o objecto contínuo das afeições de um coração, uno-me a
ele com delícias. Pensar uma vez em mim durante o dia no momento em que a regra
prescreve uma meditação, isso basta para a santificação e a salvação, isso não basta ao
meu amor.

III. A meditação de uma alma unida a Jesus é contínua

A meditação de uma alma unida a Jesus é incessante; prolonga-se mesmo nas


ocupações mais variadas. Jesus é de tal modo o objecto das afeições desta alma, que ela
se compraz em procurá-lo por toda a parte. Encontra-o sempre. Este género de
meditação não exige uma tensão fatigante do espírito. Quem ama verdadeiramente não
se cansa ao pensar no objecto do seu amor.

Não se tem muitas vezes uma semelhante aplicação pelas coisas da ordem
natural? Um sábio persegue a ideia que o preocupa mesmo no meio do barulho; um
poeta contempla o seu sonho favorito mesmo no meio das situações mais absorventes.
Um amigo pensa no seu amigo ausente, um filho no seu pai, uma esposa no seu esposo.
Para os amigos do seu Coração, Jesus quer ser o pai, o amigo, o esposo. As diversas

153
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

circunstâncias da sua vida mortal são quadros que devem contemplar como o poeta
contempla os seus sonhos. Mas esta contemplação deve fazer-se com o coração mais do
que com a imaginação.

O Salvador. – Há alguma coisa de mais fácil do que vir a mim por estes meios
tão simples? O objecto sendo sobrenatural, o acto será sobrenaturalizado. Por estes
meios, será possível passar facilmente a própria vida na do meu coração. Os meus
padres devem empregar estes meios e fazer todos os esforços para serem os amigos do
meu Coração. A minha graça ajudá-los-á, o meu Pai e Eu habitaremos /151 neles para
lhes comunicarmos a graça do nosso Espírito.

Minha Mãe tem pressa de ver triunfar o meu amor. As suas preces apelam a
efusão. Ela envolverá de uma ternura muito especial os que quiserem trabalhar na
realização desta grande obra, tão cara ao seu coração. Os padres consagrados ao meu
Coração terão portanto nela uma Mãe particularmente terna e protectora à qual o meu
Coração de Filho não saberia recusar nada. É por ela que é preciso vir a mim, nas
dificuldades, é a ela que é preciso recorrer. Por ela alcançar-se-ão as graças de
contemplação que tornam fácil a união comigo.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Quero aplicar-me, Senhor, a viver nesta intimidade convosco que vós mesmo me
ofereceis. Que sejais o objecto contínuo das afeições do meu coração. Quero pensar em
vós habitualmente e afectuosamente. Irei a vós por Maria.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Si quis diligit me, sermonem meum servabit et Pater meus diligit eum et ad eum veniemus et
mansionem apud eum faciemus (Jo 14, 23).
- Vivo ego, jam non ego, vivit vero in me Christus (Gal 11, 20).
- Si quis non amat Dominum nostrum Jesum Christum, anathema sit (1Cor 16).
- Se alguém me ama, guardará os meus mandmentos, o meu Pai amá-lo-á, e
viremos a ele e faremos nele a nossa morada.

- Vivo, não porém eu, mas é Cristo quem vive em mim (Gal 2).
- Se alguém não ama Nosso Senhor Jesus Cristo, que seja anátema (1Cor 16)./152

154
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

TRIGÉSIMA MEDITAÇÃO

SOBRE A PAZ DA ALMA

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Mt 11

25. In illo tempore respondens Jesus dixit: Confiteor tibi, Pater, Domine coeli et terrae, quia
abscondisti haec a sapientibus et revelasti ea parvulis.
26. Ita, Pater: quoniam sic fuit placitum ante te.
27. Omnia mihi tradita sunt a Patre meo: Et nemo novit Filium, nisi Pater: neque Patrem quis
novit, nisi Filius, et cui voluerit Filius revelare.
28. Venite ad me, omnis qui laboratis, et onerati estis, et ego reficiam vos.
29. Tollite jugum meum super vos, et discite a me, quia mitis sum et humilis corde: et invenietis
requiem animabus vestris.
30. Jugum enim meum suave est, et onus meum leve.
25. Então Jesus disse estas palavras: Bendigo-vos, Pai, senhor do céu e da terra,
porque escondestes estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelastes aos
pequenos.
26. Sim, Pai, porque é do vosso agrado.
27. Todas as coisas me foram dadas por meu Pai, e ninguém conhece o Filho
senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o
queira revelar.
28. Vinde a mim vós todos que andais cansados, e sobrecarregados, e Eu vos
aliviarei.
29. Tomai o meu jugo sobre vós, e aprendei de mim que sou manso e humilde de
coração; e encontrareis repouso nas vossas almas.
30. Porque o meu jugo é doce, e o meu fardo leve.
Sumário. - A paz da alma não se encontra senão na união com Deus. Sobre a
terra, esta união faz-se pela conformidade à sua santa vontade. Esta vontade é
conhecida, são os mandamentos de Deus para os fiéis, os conselhos e os deveres
especiais para as almas consagradas.

Cumprir a vontade divina em espírito de fé e de obediência, é bom. Mas cumpri-


la pela caridade, por amor, é um meio bem mais poderoso, mais agradável a Deus. A

155
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

caridade supõe a fé e a esperança. Dá uma superabundância de graça tal que pela


conformidade à vontade divina se faz alegremente e sem esforço. /153

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, prometestes-nos a vossa paz, que hei-de fazer para a
adquirir?

I. A paz perfeita da alma só se encontra no céu

Reflexões. – A verdadeira quietude só se encontra no céu. Lá as almas santas


repousam-se em Deus. Ver Deus face a face possuindo-o no amor e na glória, é o vosso
fim, é o vosso repouso. O vosso destino é estardes unidos a Nosso Senhor de um modo
tão íntimo e tão estreito, que, segundo a palavra do seu apóstolo, vos torneis outros
Cristos, sejais deuses. Esta espécie de deificação é um absorção da alma humana por
Jesus, o esposo das almas.

Sobre a terra, a alma será tanto mais próxima desta quietude quanto mais perto
de Nosso Senhor estiver. A quietude sobre a terra não poderia ser completa, porque a
alma, por mais alto que se eleve no amor de Deus, pode sempre cair. A segurança só se
encontra no Céu. Entretanto a alma humana sente de tal modo a necessidade de paz e de
repouso que procura obtê-la por todos os meios. Sobre a terra, só pode existir uma paz
relativa, e esta não merece o nome de paz senão na medida em que é um
encaminhamento para a paz celeste, uma caminhada para o fim do homem que é a posse
de Deus em Nosso Senhor e por Ele.

O Salvador. – Vinde, pois, a mim, vivei em união comigo, vós que desejais esta
paz suave que ultrapassa todo o sentimento. Vinde; entrando nos corações, encho de paz
e de alegria.

156
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. Sobre a terra é possível possuir-se a paz da alma pela união à


vontade de Deus

Reflexões. – Como é que se possui Deus e a paz que resulta da sua amizade?
Pela conformidade a sua santa vontade. Jesus di-lo no Evangelho: «não são aqueles que
dizem: ‘Senhor, Senhor’, que entrarão no céu, mas aqueles que fazem a vontade de meu
Pai».

A graça ajuda as almas a fazer esta vontade santa. Corresponder à graça que leva
as almas a fazerem a vontade de Deus é, portanto, o grande meio de chegar á paz da
alma.

Esta vontade divina é fácil de conhecer. O fiel conhece os mandamentos. Aquele


que tem a consciência de os observar bem goza de uma grande paz mesmo no meio das
provações e das agitações da vida. /154 Espera com confiança a sua última hora. Os
privilegiados de Nosso Senhor, os que ele chama a uma vida mais perfeita conhecem
também os seus deveres e encontram a paz no cumprimento destes deveres.

Mas tanto para uns como para os outros, as intenções directrizes, as


considerações que sustêm a alma, os meios práticos enfim podem ser vistos sob três
aspectos diferentes e apoiar-se sobre três bases sólidas: a fé, a esperança e a caridade. A
fé torna meritórias as acções que inspira, a esperança das recompensas prometidas
sustém nos desfalecimentos da vida. Estas duas bases escolhidas como ponto de apoio
principal, sem excluir um certo grau de caridade, são suficientes para nos ajudar
poderosamente na conformidade à vontade divina. Socorrer-se destes meios, é agradar a
Deus, mas há um outro meio bem mais poderoso, bem mais agradável a Deus. Este
meio é a caridade, é o amor de Deus. A fé e a esperança supõem sempre um certo grau
de caridade, mas pode ser fraco. A caridade encerra em si as duas outras virtudes,
porque não podemos amar a Deus sem acreditar e sem esperar n’ Ele.

O Salvador. – O grande meio de tocar o meu Coração e de obter uma


superabundante graça tal que a conformidade à minha vontade se faça alegremente e
como sem esforço, é amar-me, é tomar o meu amor como base e sustento de tudo o que
se faz. Se este amor se tornar toda a paixão de uma alma, ela experimente uma tal
facilidade para fazer o que eu quero que os sacrifícios se tornam motivos de alegria. A
alegria no sacrifício e no martírio, é a selo da vida dos santos.

157
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. O meio de chegar a uma ardente caridade é a contemplação da


humanidade santa do Salvador

Reflexões. – A consideração das belezas infinitas de Deus é bem difícil sobre a


terra onde só podemos ver a Deus através de um véu. Mas a contemplação do amor de
Deus pelos homens é-nos fácil. Nós vivemos no meio dos benefícios que este amor nos
prodigalizou, porque a maior marca do amor de Deus por nós, é o dom do seu Filho
único. O amor de Deus é facilitado pelo amor da humanidade santa de Jesus. O amor de
Nosso Senhor contemplado sob as formas sensíveis da sua humanidade, é o amor por
um Deus, porque Jesus é Deus. É um acto de caridade, porque as afeições por Nosso
Senhor são sempre elevadas a esta altura pela graça. É fácil excitar o nosso coração a
este género de caridade. As representações das cenas da /155 vida mortal do Salvador,
sobretudo as da sua Paixão, são meios ao alcance de todos. Este exercício não custa
esforço, basta ter um coração para a ele se entregar. Também as almas simples, estas
almas que Jesus ama tanto, porque são almas de filhos, vão direitas a Ele por este meio
que o seu coração lhes inspira.

O Salvador. – Este amor por mim dá uma grande força para o cumprimento da
vontade divina. É já por si mesmo o cumprimento do primeiro mandamento: Amareis o
vosso Deus. Mas há mais, obedecemos facilmente àquele que amamos. Obedecem-me
facilmente quando me amam, quando me seguem e quando me imitam. É o meio mais
fácil para chegar a esta conformidade à vontade divina que dá a paz da alma, a
confiança e uma antegozo do céu.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Não hei-de procurar a paz da alma noutro lugar que não no amor de Jesus. O seu
Coração é o lugar do meu repouso. Se o amo, tudo é bom para mim, a alegria ou o
sofrimento, a honra ou o desprezo.

Alimentarei este amor de Jesus no meu coração pela sua recordação frequente e
pela meditação habitual dos mistérios da sua vida mortal, da sua paixão e da sua vida
eucarística.

158
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Tolllite jugum meum super vos et invenietis requiem animabus vestris (Mt 11, 28).
- Non in commotione Dominus (1Rs 19, 1).
- Pacem relinquo vobis, pacem meam do vobis (Jo 14, 27).
- Et pax Dei quae exsuperat omnem sensum, custodiat corda vestra et intelligentias vestras in
Christo Jesu (Fil 4, 7).
- Tomai sobre vós o meu jugo e encontrareis o repouso das vossas almas (Mt
11).
- Deus não se encontra na confusão (1Rs 19,1).
- Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz (Jo 14).
-Que a paz divina que ultrapassa todo o sentimento guarde os vossos corações e
as vossas inteligências em Cristo Jesus (Fil 4)./156

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

TRIGÉSIMA PRIMEIRA MEDITAÇÃO

O SACRIFÍCIO POR AMOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do santo Evangelho: Lc 9

20. Dixit autem illis: Vos autem quem me esse dicitis? Respondens Simon Petrus dixit: Christum
Dei.

21. At ille increpans illos, praecepit ne cui dicerent hoc.

22. Dicens: quia oportet Filium hominis multa pati, et reprobari a senioribus et principibus
sacerdotum et scribis, et occidi et tertia die resurgere.

23. Dicebat autem ad omnes: si quis vult post me venire, abneget semetipsum et tollat crucem
suam quotidie et sequatur me.

20. Jesus disse-lhes: E vós, quem dizeis que Eu sou? Simão Pedro respondeu: o
Cristo de Deus.

21. Mas Jesus disse-lhes severamente: Não digais a ninguém.

22. Porque é preciso que o Filho do homem passe por grandes sofrimentos, que
seja rejeitado pelos anciãos, os príncipes dos sacerdotes e os escribas, que seja morto e
que ressuscite ao tereiro dia.

23. Depois dizia a todos: Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie a si
mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me.

Sumário. – Há homens que se dão e que se dedicam até à morte por motivos e
por sentimentos puramente humanos, porque não o haveríamos de fazer por amor do
Salvador?

Os que levam a cruz por amor encontram a cruz suave. A contemplação de Jesus
subindo penosamente o calvário dá coragem aos que fraquejam.

160
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Jesus caiu várias vezes, o amor levantava-O. A contemplação de Jesus sofrendo


é uma luz e uma força. Demo-nos generosamente a Jesus, como Ele se deu por nós.
Nada custa ao coração que ama.

II. Meditação

1. Leitura do santo Evangelho.

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, quero seguir-vos; que devo fazer? Falai, eu farei
tudo por vosso amor. /157

I. Nosso Senhor ama os sacrifícios feitos por amor

Reflexões. – Os ministros, os confidentes de reis da terra, não hesitam em


consagrar todos os seus instantes ao senhor mortal aos quais se confiaram. Há mesmo
belos exemplos de fidelidade até no infortúnio. – O soldado numa bela e nobre
dedicação sacrifica o seu repouso, expõe-se a mil perigos, a fadigas, a privações de toda
a espécie, e perde generosamente a sua vida por um senhor que nem conhece ou por
amor de uma pátria que ignora o seu sacrifício e que muitas vezes dele não retirará
nenhum proveito. – Os que seguem Nosso Senhor na via generosa do sacrifício sabem
que Ele os conhece, que os segue com um olhar enternecido, que se compraz a contar os
seus méritos, que lhes prepara com amor uma recompensa incomparável. Esta certeza
sustém a sua coragem, reanima as suas esperanças, aquece a sua dedicação.

O Salvador. – Gosto de encontrar, melhor ainda, gosto de ser servido por


amigos, por amantes, os quais, deixando de lado toda a preocupação de recompensa,
não procuram no meu serviço senão a felicidade de darem satisfação ao meu Coração, à
minha necessidade de amar e de ser amado. Estes levam a sua cruz com amor, nem
pensam sequer que se sacrificam. Unem os seus sofrimentos aos meus e tornam-se para
eles tão doces, que se mudam em alegrias. Com os olhos fixos sobre o seu Jesus,
pregado na cruz por amor deles, arrostam com a energia que só o amor pode dar,
provações que abateriam os mais intrépidos.

161
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. A contemplação de Jesus sofrendo é uma luz e uma força nos


desfalecimentos

Reflexões. – Sigamos, portanto, Nosso Senhor com amor e caminharemos


alegremente na via real da cruz que Ele primeiro percorreu por amor para com os
homens. Se formos tentados a pararmos para olhar para trás, contemplemo-lo subindo
com dificuldade, num esgotamento e num abatimento que nada iguala, a encosta do
Calvário. Encontraremos nesta contemplação uma doce reprovação à nossa fraqueza
momentânea. Ele caiu várias vezes sob o peso da sua cruz. Ele compreende fraquezas
que Ele mesmo quis experimentar. Mas se caiu de esgotamento, o amor restituiu-lhe
forças. Nestes momentos de lassidão e de esgotamento, Ele mesmo ajuda com
complacência os amantes da sua cruz. Compraz-se então a levantar a sua coragem
dando-lhes um maior grau de amor.

O Salvador. – Apraz-me fazer penetrar nestes bons corações um raio da minha


luz. Não deixo caminhar nas trevas aqueles que /158 carregam a sua cruz atrás de mim. É
verdade que me apraz às vezes a retirar estas luzes que dão tantas forças. Não o faço
senão para provar mais e para poder elevar as almas a um grau mais alto. Se alguém
estivesse sempre na luz, a provação desapareceria e o amor seria menos meritório. As
luzes que dou na provação são alumiadas pela chama da fé. O amor faz então uma
fornalha que torna o coração ardente e renova as forças. As minha luz é vivificante. Se
alguém me contemplasse na minha beleza celeste, o amor seria fácil, mas onde então
estaria o mérito? Eu sou tocado pelo amor que excita a compaixão nos meus
sofrimentos.

III. A Paixão de Jesus é um outro motivo de lhe dar o nosso amor

Reflexões. – As provas de amor que Jesus deu na sua dolorosa paixão são um
motivo bem suficiente de o amarmos. Os homens não hesitam em dar a sua afeição a
um dos seus irmãos que lhes tenha prestado algum serviço. E Ele esgotou todos os
sacrifícios que um homem pode fazer. Podendo pela união da sua humanidade à sua
divindade gozar das maiores delícias e operar a salvação dos homens sem sofrer,
voluntariamente sacrificou as alegrias do céu para abraçar uma vida de provações e de
sofrimentos, terminada com uma morte ignominiosa. Só no céu é que havemos de
compreender a extensão do sacrifício que Ele abraçou. Compreenderemos toda a

162
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

profundidade do seu amor. Não são estes motivos suficientes para excitar nos homens
que Ele tanto amou o desejo de lhe oferecerem o seu coração em retorno? Não é
suficiente esta luz para estarmos seguros de não caminharmos nas trevas? Seriam
necessários tantos raciocínios para o amarmos, se meditássemos nestas coisas com o
nosso coração? Ele fez isto para a glória de seu Pai, fê-lo também pelos seus irmãos,
porque os ama, porque queria provar-lhes o seu amor e forçar de algum modo a porta
dos seus corações.

O Salvador. – Seja o que for que vejam nos mistérios da Incarnação e da


Redenção, se aí não virem brilhar o meu amor, estão nas trevas. O amor imenso que
tenho pelos homens é a luz que ilumina estes mistérios, é uma luz vivificante. As frias
clarezas da razão são impotentes para explicar os mistérios do amor. Deixem, portanto,
a fraca chama da razão para se deixarem iluminar na fornalha ardente do meu Coração.
Renúncias, sacrifícios, cruz, sofrimentos de todas as espécies serão conservados nesta
fornalha e o coração seguirá no meu amor uma via pura e luminosa. Nada /159 custa ao
coração que ama. Amar-me é o meio para suportar as provações sem se deixar abater e
de se tornarem suaves todas as amarguras.

É o único meio de caminhar no meu seguimento, porque a minha vida, essa foi e
será sempre uma vida de amor.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Senhor, agarro-me ao vosso amor, ao vosso Coração para não mais dele me
afastar. As renúncias, os trabalhos, as fadigas, os sofrimentos não me custarão na
medida em que os abraçar por vosso amor. Serei feliz por poder sofrer alguma coisa por
vós.

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Oblatus est quia ipse voluit (Is 53, 7).


- Cum gaudio sustinuit crucem (Heb 12, 2).
- Ambulate in dilectione sicut et Christus dilexit nos et tradidit semetipsum pro nobis (Ef 5, 2).
- In tribulatione superamus propter eum qui dilexit nos (Rom 8, 37).
- Ofereceu-se livremente (Is 53).
- Foi com alegria que levou a cruz (Heb 12, 2).

163
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

- Caminhai nas vias da caridade, como Cristo nos amou e se entregou por nós (Ef
5, 2).
- Nas tribulações superamos a falta de coragem pelo amor de Cristo (Rom 8,
37)./160

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

TRIGÉSIMA SEGUNDA MEDITAÇÃO

DA FORÇA NO AMOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do texto sagrado: Cântico dos Cânticos, 8

6. Pone me ut signaculum super cor tuum, ut signaculum super brachium tuum: quia fortis est ut
mors dilectio, dura sicut infernus aemulatio: lampades ejus, lampades ignis atque flammarum.
7. Aquae multae non potuerunt extinguere charitatem, nec flumina obruent illam: si dederit
homo omnem substantiam domus suae pro dilectione, quasi nihil despiciet eam.
6. Coloca-me como um selo sobre o teu coração e como um selo sobre o teu
braço: porque o amor é forte como a morte e a inveja é tenaz como o inferno: as suas
lâmpadas são lâmpadas de fogo e de chamas.
7. Águas caudalosas não puderam extinguir o amor, e os rios não o destruíram:
se um homem desse toda a sua fortuna pelo amor, consideraria isso como nada.
Sumário. – O amor verdadeiro deve ser generoso e invencível. Deve mostrar-se
forte na observância da lei. – Deve permanecer forte nas provações. – Deve ser forte e
corajoso na acção e nas ocupações da vida quotidiana.

II. Meditação

1. Leitura do texto sagrado.

2. Meditação.

O discípulo. – Bom Mestre, mereceis um amor infinito, um amor generoso e sem


limites; porque é então o que o meu é sempre fraco e vacilante? Estou muito confuso.
Ajudai-me, fortificai o meu amor para que ele seja verdadeiramente digno de vós.

I. O amor verdadeiro deve mostrar a sua força na observância da lei

Reflexões. – Quais são os caracteres pelos quais se reconhecem os verdadeiros


amigos de Nosso Senhor? Um destes caracteres é a força e a generosidade no amor. E a
primeira manifestação desta generosidade é a observância de toda a lei.

165
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Amar Nosso Senhor, é preferi-lo a tudo, colocá-lo acima de tudo /161 Não é da
natureza do amor preferir a tudo o mais o objecto ao qual dedicamos as nossas
afeições? Não podemos dizer sem cessar a Nosso Senhor, que o amamos, mas podemos
sempre dar-lhe provas do seu amor em todos os actos da vida orientando-os e
regulando-os para Ele e para o seu Pai celeste. Tratando-se de escolher entre uma coisa
proibida e uma coisa permitida, aquele que ama Nosso Senhor não tem mesmo
necessidade de deliberar: o que é proibido ofende a Nosso Senhor, e um amante não
pode ofender de propósito deliberado o seu bem-amado.

A observância rigorosa, delicada mesmo, de todos os mandamentos será,


portanto, o primeiro fruto do amor. Não é possível hesitar-se sobre a escolha. Impõe-se
à vontade, porque se impõe à razão e ao coração ao mesmo tempo.

A luta contra as paixões, luta incessante, corajosa, heróica mesmo se for preciso,
será a primeira prova de amor, e esta prova será permanente, porque sempre aquele que
ama há-de encontrar no seu coração um socorro poderoso para suster a sua vontade e a
dirigir na via dos mandamentos.

O Salvador. – Sim, a coragem com a qual se observa, por meu amor, os meus
preceitos e os da minha Igreja, é uma medida certa do amor que me dedicaram. A força
na obediência é o primeiro fruto do meu amor.

II. O amor deve permanecer forte nas provações

Reflexões. – É sobretudo quando é preciso sofrer que se revela toda a força que a
alma colhe no amor do divino Coração de Jesus. – Charitas patiens est. – Esta paciência
a suportar tudo o que fere a natureza, encontramo-la sempre quando amamos.

Não temos necessidade de ir longe para encontrarmos ocasiões de sofrer e de dar


pela nosso firmeza e coragem provas sólidas do nosso amor. As condições ordinárias e
as mais comuns da vida levam consigo frequentemente sofrimentos a suportar,
mortificações penosas. É uma fadiga maior, uma incomodidade ou uma doença a
suportar, uma humilhação a aguentar; são ofensas, contrariedades, mágoas de coração
de todo o género. Quem ama suporta tudo isto com paciência, aceita tudo louvando e
bendizendo a Deus. «O amor é forte como a morte, como é dito no Cântico. É uma

166
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

fornalha poderosa que nem as vagas nem as torrentes hão-de extinguir. Quem ama dá
tudo e sofre tudo pelo objecto amado e conta isso como se nada fosse»/162

Se quisermos dar-nos conta do grau de amor que temos por Nosso Senhor, basta
considerarmos o modo como suportamos as provações. – Charitas omnia suffert, omnia
sustinet. – A paciência e a força no sofrimento são, portanto, sinais infalíveis de
caridade, quando esta paciência e esta força estão baseadas no amor que se dedicou a
Nosso Senhor. Os que O amam extremamente não são apenas pacientes e fortes, são
alegres por terem em tal ou tal sofrimento uma ocasião de lhe provarem o seu amor. O
amor pela cruz é o mais precioso de todos os frutos produzidos pelo seu amor.

O Salvador. – Foi o amor pelo meu Pai e por todos vós que me susteve em todas
as minhas tribulações e sofrimentos. Foi o ardente amor dos apóstolos e dos mártires
para comigo que os encorajou e os fortificou nas humilhações e nas provações.
«Voltavam alegres dos interrogatórios, diz o livro dos Actos, porque tinham tido a graça
de sofrer por amor do meu nome: Ibant gaudentes a conspectu concilii, quoniam digni
habiti sunt pro nomine Jesu contumeliam pati».

Algumas provações virão necessariamente. A Sagrada Escritura recorda-o


muitas vezes. Purifico os meus amigos e ofereço-lhes algumas ocasiões de méritos. S.
Paulo adverte-vos a pensardes então nos meus sofrimentos para vos não
desencorajardes: Recogitate eum qui talem sustinuit a peccatoribus contradictionem, ut
ne fatigemini, animis vestris deficientes (Heb 12).

Corrijo os meus filhos e purifico os meus amigos. Portanto, se não vos


corrigisse, é porque não seríeis meus filhos. Os vossos pais na ordem carnal corrigem-
vos e amai-los. Porque é que então não amaríeis o Pai das vossas almas, que vos corrige
para vos preparar uma recompensa eterna?

III. O amor deve ser forte nas ocupações da vida quotidiana

Reflexões. – Assim a prática dos mandamentos e o suportar os sofrimentos são


sinais de amor tanto maior quanto mais generosos formos e mais firmemente nos
propusermos a provar a Nosso Senhor por estes meios a afeição que temos por Ele. Na
vida activa ordinária, este amor encontra ainda um alimento. Os que a obediência chama
a esta vida não podem, como os contemplativos, empregar o seu tempo a dizer o seu

167
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

amor a Nosso Senhor, mas são felizes por o poderem provar através das suas obras
exteriores. Não se lamentam pela parte que lhes é entregue pelos seus superiores,
porque sabem que a vontade divina é que façam o que lhes é ordenado, e não o que mais
lhes poderia agradar /163 à sua imaginação. A pronta e alegre obediência é, portanto, para
eles um meio de proporcionar a Nosso Senhor que O amam, porque sabem bem que esta
obediência mesma é a prova de amor que Ele lhes pede. Vão, portanto, à acção e vão
com zelo. Consagram à obra que lhes é pedida todo o cuidado de que são capazes. São
felizes por pensarem que Nosso Senhor os olha, que segue com atenção benevolente
tudo o que fazem para lhe agradar, e este sentimento, ao reavivar o ardor do seu
coração, dá-lhes novas forças.

O Salvador. – Já disse como amo a delicadeza com a qual se aplicam às


pequenas coisas. Também a obediência e a acção dos verdadeiros amigos do meu
Coração nada têm de moroso nem de triste; elas são solícitas, activas, alegres mesmo,
porque a alegria de me darem um sinal de amor retira ao sacrifício sua amargura. É que
a caridade pode tudo em mim, porque fortifico os corações daqueles que me amam.
Fortis est ut mors dilectio. A força, tal é o dom que segue sempre um amor verdadeiro
dedicado ao meu Coração. Desejo que meditem muitas vezes sobre os efeitos do meu
amor. O meu amor resume tudo, todas as graças dele derivam e o dom da força é o
primeiro que trago trazendo o Espírito Santo.

Também os meus amigos são perfeitamente obedientes a todas as suas regras e a


todas as autoridades às quais estão submetidos. A obediência é o sacrifício do seu
coração ao meu amor.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Sim, bom Mestre, compreendo-o. Devo amar-vos generosamente. Os vossos


sacrifícios por mim foram sem limites. Que é que vos posso recusar?

O meu amor por vós deve testemunhar-se através de uma dedicação incansável e
de uma coragem invencível ao vosso serviço. Mesmo as provações não me devem
desencorajar. É como pai que me castigais e me corrigis e devo abraçar a vossa mão que
me bate para o meu maior bem. Oferecer-vos-ei fielmente todas as minhas acções e as
minhas penas em espírito de amor e de dedicação./164

168
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Fortis est ut mors dilectio (Cant 8).


- Si dederit homo omnem substantiam domus suae pro dilectione, quasi nihil despicit eam (Cant
8).
- O amor é forte como a morte (Cant 8).
- Se alguém der todos os seus bens pelo amor, considera isso como nada (Cant
8)./165

169
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

TRIGÉSIMA TERCEIRA MEDITAÇÃO

DA PERSEVERANÇA NO AMOR

I. Preparação para a vigília

Leitura do texto sagrado: Rom 8

35. Quis ergo nos separabit a charitate Christi? Tribulatio? An angustia? An fames? An
nuditas? An periculum? An persecutio? An gladius?
36. (Sicut scriptum est: quia propter te mortificamur tota die: aestimasti sumus sicut oves
occisionis).
37. Sed in omnibus superamus propter eum qui dilexit nos.
38. Certus sum enim quia neque mors, neque vita, neque angeli, neque principatus, neque
virtutes, neque instantia, neque futura, neque fortitudo.
39. Neque altitudo, neque profundum, neque creatura alia poterit nos separare a charitate Dei
quae est in Cristo Jesu Domino nostro.
35. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A fome? A
nudez? O perigo? A perseguição? A espada?
36. (Como está escrito: Nós estamos expostos à morte por vós todos os dias,
somos vítimas de imolação).
37. Mas seremos vitoriosos sobre tudo isso por aquele que nos amou.
38. Estou seguro de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o futuro, nem a força.
39. Nem as alturas, nem as profundidades, nem nenhuma criatura poderá
separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor.
Sumário . – A força que dá o amor não é passageira, é perseverante como ele
mesmo.

A amizade é um pacto que deve ser indestrutível.

O amor deve perseverar mesmo através das mais rudes provações.

II. Meditação

1. Leitura do texto sagrado.

2. Meditação.

170
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

O discípulo. – Eu vos amo, ó meu bom Mestre, mas o meu amor é ainda fraco.
Queria que fosse mais firme e mais constante, fortalecei-o e tornai-o perseverante e
inabalável.

I. A força do amor deve ser perseverante

Reflexões. – A força que dá o amor de Nosso Senhor não é passageira, é durável


como a amor mesmo. Porque é que o seu /166 amor uma vez entrado numa alma não
haveria de ser durável e perseverante? Sobre que é que se funda o seu amor? Será sobre
um sentimento passageiro e sem consistência? Não, é sobre um sentimento profundo de
que o coração se enche quando foi tocado por aquilo que Nosso Senhor fez para
merecer este amor.

As razões de O amarmos subsistem sempre, e cada dia, cada instante ocasiona


novas, porque cada dia é, para os seus fiéis, assinalado por novos favores. Poderia dar-
se o nome de amor a um capricho da sensibilidade?

Renunciar a amá-lo quando alguém lhe deu uma vez o seu coração seria uma
verdadeira apostasia. Porque é que seria substituído este amor, se alguém o expulsasse
do seu coração? Omni tempore diligit qui amicus est: O verdadeiro amigo ama com
perseverança (Prov. 17). Não deveria corar quem se comportasse com Nosso Senhor
como estes homens de coração mutável e móvel, que passam sem razão de uma afeição
a outra e vão assim de ídolos para ídolos, como as crianças vão de um jogo para outro?

É preciso tomar a sério as promessas que se faz. Um homem perde toda a


consideração quando muda a cada instante a sua linha de conduta.

Que dizer daqueles que, em lugar de perseverarem no dom de si mesmos,


retirassem o seu coração para o aplicar em futilidades, ou, o que é ainda pior, em coisas
que ofendem Nosso Senhor? Ele é o mais difícil de todos os amigos. Ele toma a sério os
dons e as promessas que lhe são feitas.

O salvador. – Quem não vê que há nos caprichos pelos quais alguém se afasta de
mim uma grave injúria feita ao meu Coração? Não tenho porventura o direito de me
sentir ultrajado, quando se comportam para comigo com esta ligeireza inqualificável?
Porque é que o mais das vezes não têm perseverança? Porque lhes falta a coragem.

171
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

Recuam diante de uma provação, diante de um sacrifício, diante de uma humilhação e


então tiram-me o seu coração por cobardia.

Não há outro termo para qualificar o acto do soldado que abandona o seu posto
em presença do perigo. Comportam-se como um soldado de parada, bom quando muito
para se envaidecer de manobras sem perigo nas quais é admirado. Quando assim se
comportam para comigo, há mais do que cobardia. Há um ultraje ao qual sou muito
sensível. O amor é delicado, é preciso não o esquecer. Se as mais pequenas coisas
ferem a sua delicadeza, que dizer das infidelidades vergonhosas e ultrajantes inspiradas
pela cobardia? Peço, pois, acima de tudo, a perseverança. /167 Quem não sabe perseverar
no meu amor não me ama, seja o que for que diga para se enganar a si mesmo.

Todas as desculpas que possa alegar-se não são senão derrotas do amor-próprio.

II. A amizade é um pacto que deve ser indestrutível

Para se precaver contra a falta de perseverança, é preciso compreender que o


amor de Nosso Senhor não é um vão sentimento ou um puro jogo da sensibilidade.
Quem quiser dedicar-se ao amor não deve esperar encontrar sempre no seu coração ou
na sua sensibilidade impressões cheias de encanto. Seria uma perigosa ilusão, e um
amor fundado sobre tais esperanças não poderia ser perseverante.

Para uma alma consagrada ao Sagrado Coração, amá-lo é agarrar-se a Ele tão
profundamente, tão intimamente, tão fortemente, que esteja pronta a com tudo arrostar
ante que consentir dele se separar.

O Salvador. – Amar-me, dar-me o seu coração, é fazer um pacto com o


sacrifício. Amar-me, é estar possuído da loucura da cruz, é dar-se a mim sem reservas,
para sempre, sem espírito de retorno.

Amar-me, é estar pronto a fazer em cada instante, a um sinal do superior que


está no meu lugar, todos os sacrifícios que a obediência pode exigir e estar pronto a
fazê-los prontamente, sem murmurar, com uma alegria tanto maior que se encontrará na
extensão mesma do sacrifício uma maior ocasião para me provar o próprio amor. A
primeira qualidade de um amor como este, é a perseverança. É na sua perseverança
mesma que ele se fortificará, que mais se aproximará do heroísmo.

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. O amor facilita a perseverança no sacrifício

Se alguém hesita em dar-se generosamente numa tão larga medida, se o coração


não experimenta primeiro por Nosso Senhor um sentimento bastante profundo para
consentir em semelhantes sacrifícios, que se apele à razão esclarecida pela fé, e
compreender-se-á bem depressa que aqueles que abraçam esta vida são ainda aqueles
que escolhem a melhor parte.

A meditação das grandes verdades, a necessidade da salvação que é preciso fazer


a todo o preço, são considerações que bastam por si mesmas para levar a abraçar a via
do sacrifício. Quantos santos penitentes fizeram prodígios de mortificação submetendo-
se a eles pelo temor salutar do juízo! A necessária observância dos mandamentos não
exige uma luta/168 contínua, perseverante, e às vezes sacrifícios de primeira ordem?

Quantos mártires deram testemunho da sua fé para não violarem um preceito de


necessidade de salvação! Se a necessidade da salvação exige às vezes sacrifícios
heróicos, perder-se-á em fazer este sacrifício não somente em vista da salvação, mas
antes em vista de testemunhar o próprio amor a Nosso Senhor? O acto heróico sendo o
mesmo em aparência tem um valor bem maior quando é inspirado pela caridade do que
quando é inspirado apenas pelo medo da perdição.

O Salvador. – Sem dúvida os actos heróicos são raramente pedidos, mas quem
quer viver em graça comigo deve, de necessidade de preceito, suportar muitas lutas.
Deve perseverar nestas lutas com uma grande coragem. Esta coragem, esta perseverança
são necessárias a todos os cristãos. Porque é que haveria de hesitar-se em fazer por meu
amor o que é preciso fazer-se por necessidade de salvação? Aqueles que se ajudam do
amor encontram forças desconhecidas aos outros, porque obtêm um socorro
sobreabundante da minha graça, sempre pronta a expandir-se nos corações que me
amam. O amor dá tanta força como o temor e dá uma força doce, cheia de confiança na
bondade daquele ao qual nos demos para o amarmos.

Assim a perseverança no sacrifício, sustida pela perseverança no amor é um


fruto precioso da devoção ao meu Coração. Desejo que perseverem no meu amor depois
de me terem dado o seu coração, como perseveram na penitência quando sentiram na
sua alma o temor dos meus juízos. Tal é o carácter particular dos sentimentos que queria
ver dominar nas almas consagradas ao meu Coração. Que elas façam tudo o que o temor

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

salutar inspirou aos santos penitentes, mas que o façam por meu amor, para me
provarem a sinceridade da sua oblação e da sua doação.

AFECTOS E RESOLUÇÕES

Destes-me a graça de começar a amar-vos, ó meu bom Mestre, dai-me a graça de


perseverar no vosso amor mesmo que me custe. É no espírito de amor que quero
oferecer-vos constantemente as minhas acções de cada dia, os meus trabalhos e as
minhas mágoas. /169

RAMALHETE ESPIRITUAL

- Quis ergo nos separabit a charitate Christi? (Rom 8).


- In omnibus superamus propter eum qui dilexit nos (Rom 8).
- Omni tempore diligit qui amicus est (Prov. 17).
- Quem nos separará do amor de Cristo? (Rom).
- Nós suportamos tudo por Aquele que nos amou primeiro (Rom).
- O verdadeiro amigo persevera na sua amizade (Prov. 17).

174
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

ÍNDICE

PREFÁCIO ........................................................................................ 1

PRIMEIRA MEDITAÇÃO................................................................................ 2

SOBRE AS TRÊS VIAS: DO TEMOR, DA ESPERANÇA E DO AMOR .... 2

I. Preparação para a vigília ......................................................................... 2

II. Meditação.............................................................................................. 2

1. Três vias conduzem à salvação ........................................................... 3

II. Sobre a via do temor.......................................................................... 3

III. A via da esperança ........................................................................... 5

Afectos e resoluções........................................................................... 6

Ramalhete espiritual........................................................................... 6

SEGUNDA MEDITAÇÃO................................................................................ 7

VANTAGENS DA VIA DO AMOR ............................................................. 7

Preparação para a vigília ............................................................................ 7

II. Meditação.............................................................................................. 7

I. A via do amor é a mais perfeita........................................................... 8

II. É a via mais simples .......................................................................... 9

III. É a via mais doce e mais fácil........................................................... 9

Afectos e resoluções......................................................................... 11

Ramalhete espiritual......................................................................... 11

TERCEIRA MEDITAÇÃO ............................................................................. 12

O DESEJO DE NOSSOS SENHOR. VIM ACENDER FOGO À TERRA ... 12

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 12

II. Meditação............................................................................................ 12

I. Deus quer que nós O amemos ........................................................... 13

175
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

II. A nossa resistência .......................................................................... 14

III. A nossa cooperação........................................................................ 14

Afectos e resoluções......................................................................... 15

Ramalhete espiritual......................................................................... 16

QUARTA MEDITAÇÃO................................................................................ 17

O PRECEITO DO AMOR ........................................................................... 17

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 17

II. Meditação............................................................................................ 17

I. O preceito tornou-se necessário no seguimento do pecado ................ 18

II. É um preceito tão doce como justo................................................... 19

III. Como este preceito é vantajoso e premente..................................... 20

Afectos e resoluções......................................................................... 21

Ramalhete espiritual......................................................................... 21

QUINTA MEDITAÇÃO ................................................................................. 22

OS BENEFÍCIOS DE DEUS....................................................................... 22

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 22

II. Meditação............................................................................................ 22

I. A recordação dos benefícios de Deus ................................................ 23

II. A paternidade divina ........................................................................... 24

III. Deus deu-nos o seu próprio Filho para nos salvar ........................... 25

Afectos e resoluções......................................................................... 26

Ramalhete espiritual......................................................................... 26

SEXTA MEDITAÇÃO ................................................................................... 28

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA


TORNANDO-SE NOSSO IRMÃO......................................................................... 28

176
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 28

II. Meditação............................................................................................ 29

I. O mistério da Incarnação é o mistério do amor divino tornado sensível


e palpável ........................................................................................................ 29

II. Ao amarmos Jesus amamos a Deus.................................................. 30

III. Jesus permanece sempre entre os homens....................................... 30

Afectos e resoluções......................................................................... 31

Ramalhete espiritual......................................................................... 32

SÉTIMA MEDITAÇÃO.................................................................................. 33

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA NA


REDENÇÃO, E QUE É SIMBOLIZADO PELA ABERTURA DO SEU CORAÇÃO
............................................................................................................................... 33

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 33

II. Meditação............................................................................................ 34

I. A Paixão é a obra-prima do amor do Coração de Jesus...................... 34

COLÓQUIO .................................................................................... 35

II. A agonia é particularmente a Paixão do Coração de Jesus................ 36

III. O seu amor conduziu-o através de todos os seus sofrimentos até


morrer com alegria por nós.............................................................................. 37

Resoluções ....................................................................................... 37

Ramalhete espiritual......................................................................... 38

OITAVA MEDITAÇÃO ................................................................................. 39

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA NA


EUCARISTIA......................................................................................................... 39

II. Meditação............................................................................................ 40

I. O sacrifício do altar........................................................................... 40

177
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

COLÓQUIO .................................................................................... 40

II. A santa Comunhão .......................................................................... 41

III. A santa presença de Jesus no tabernáculo ....................................... 42

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 43

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 43

NONA MEDITAÇÃO..................................................................................... 45

SOBRE O AMOR QUE NOSSO SENHOR NOS TESTEMUNHA NOS


OUTROS SACRAMENTOS .................................................................................. 45

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 45

II. Meditação............................................................................................ 45

I. Os sacramentos são o dom do Coração de Jesus.................................... 46

II. Que dons preciosos sobretudo são os sacramentos que dão a vida
espiritual! ........................................................................................................ 47

III. Os sacramentos que desenvolvem a vida espiritual são também um


dom precioso................................................................................................... 48

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 49

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 49

DÉCIMA MEDITAÇÃO................................................................................. 50

AMOR DE PREFERÊNCIA, DE COMPLACÊNCIA, DE BENEVOLÊNCIA


............................................................................................................................... 50

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 50

II. Meditação............................................................................................ 51

I. Amor de preferência, de complacência e de benevolência ................. 51

II. Amarás a Deus com todo o coração ..................................................... 52

III. Com toda a tua alma e com todas as tuas forças.............................. 53

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 54

178
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 54

DÉCIMA PRIMEIRA MEDITAÇÃO ............................................................. 56

SOBRE O AMOR DE CONFIANÇA E DE UNIÃO ................................... 56

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 56

II. Meditação............................................................................................ 56

I. Se eu amo a Deus, os meus pensamentos, os meus desejos e as minhas


acções reportar-se-ão a Ele .............................................................................. 57

III. A alma amante repousa em tudo na providência divina e mantém-se


em paz sob a conduta de Nosso Senhor............................................................ 58

III. A alma amante está numa doce segurança quanto à sua perseverança
final................................................................................................................. 59

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 60

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 60

DÉCIMA SEGUNDA MEDITAÇÃO ............................................................. 61

SOBRE O AMOR DE COMPAIXÃO ......................................................... 61

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 61

II. Meditação............................................................................................ 61

I. Nosso Senhor sofreu por nós desde a sua infância ............................. 62

II. As aflições da agonia do Salvador no Gethsémani ........................... 63

III. Os sofrimentos da Paixão ............................................................... 64

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 65

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 65

DÉCIMA TERCEIRA MEDITAÇÃO ............................................................. 66

SOBRE O AMOR PURO E DESINTERESSADO ...................................... 66

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 66

II. Meditação............................................................................................ 67

179
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. Nosso Senhor deseja que O amemos por Ele mesmo e não por nós ... 67

II. Os padres sobretudo devem dar a Nosso Senhor este amor


desinteressado ................................................................................................. 68

III. A verdadeira devoção ao Coração de Jesus renovará o mundo ........ 69

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 70

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 70

DÉCIMA QUARTA MEDITAÇÃO................................................................ 71

AFEIÇÃO PROFUNDA, INCESSANTE E FERVOROSA ......................... 71

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 71

II. Meditação............................................................................................ 71

I. A afeição por Nosso Senhor deve ser profunda e encher o coração ....... 72

II. O religioso ou o fiel que ama verdadeiramente Nosso Senhor coloca a


sua felicidade em pensar n’ Ele e procura os meios de lhe provar a sinceridade
dos seus sentimentos........................................................................................ 74

III. Este hábito de pensar afectuosamente em Nosso Senhor coloca a


alma em estado de fervor e transforma todas as suas acções em actos de caridade
........................................................................................................................ 75

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 75

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 76

DÉCIMA QUINTA MEDITAÇÃO ................................................................. 77

SOBRE O AMOR DE ABANDONO .......................................................... 77

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 77

II. Meditação............................................................................................ 77

I. Quem ama coloca-se alegremente à disposição da pessoa amada....... 78

II. Nosso Senhor pede o abandono amoroso e confiante ....................... 78

III. A meditação da Paixão ensina-nos particularmente o abandono...... 79

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 81

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 81

DÉCIMA SEXTA MEDITAÇÃO ................................................................... 82

SOBRE A PUREZA DE CORAÇÃO .......................................................... 82

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 82

II. Meditação............................................................................................ 83

I. O principal obstáculo ao amor é o pecado ......................................... 83

II. O pecado venial e a tibieza paralisam o amor................................... 84

III. A tibiez e o regresso a Deus ........................................................... 85

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 86

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 87

DÉCIMA SÉTIMA MEDITAÇÃO ................................................................. 88

SOBRE O RECOLHIMENTO E A VIDA INTERIOR ................................ 88

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 88

II. Meditação............................................................................................ 88

I. O Espírito Santo habita em vós ......................................................... 88

II. O mundo não O conhece.................................................................. 90

III. Mas vós, vós conheceis o espírito de amor ..................................... 91

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 92

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 92

DÉCIMA OITAVA MEDITAÇÃO ................................................................. 94

SOBRE A ORAÇÃO................................................................................... 94

I. Preparação para a vigília ....................................................................... 94

II. Meditação............................................................................................ 94

181
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. O conhecimento de Nosso Senhor deve ser o fundo da vida interior,


conduz ao seu amor ......................................................................................... 95

II. O fervor é um dom de Deus que é preciso desejar ardentemente e


pedir com perseverança ................................................................................... 96

III. É preciso alimentar e desenvolver o fervor pela oração, pelo


sacrifício e pela generosidade .......................................................................... 97

AFECTOS E RESOLUÇÕES .......................................................... 98

RAMALHETE ESPIRITUAL.......................................................... 98

DÉCIMA NONA MEDITAÇÃO................................................................... 100

SOBRE AS ORAÇÕES JACULATÓRIAS ............................................... 100

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 100

II. Meditação.......................................................................................... 101

I. Da importância das orações jaculatórias.......................................... 101

II. São gritos de amor, de oração, de reconhecimento ......................... 101

III. Frutos deste hábito: une os corações a Nosso Senhor e aquece-os


cada vez mais ................................................................................................ 103

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 104

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 104

VIGÉSIMA MEDITAÇÃO ........................................................................... 105

FÉ E CONFIANÇA................................................................................... 105

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 105

II. Meditação.......................................................................................... 106

I. A vida de amor é uma vida de fé sob a condução daquele que nós


amamos......................................................................................................... 106

II. A vida de amor exclui os olhares inquietos sobre nós mesmos e sobre
os nossos progressos...................................................................................... 107

182
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. A via do amor pede ainda que se vá ter com Deus com confiança,
mesmo nas tentações e nos abandonos........................................................... 108

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 109

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 109

VIGÉSIMA PRIMEIRA MEDITAÇÃO........................................................ 110

SOBRE A DIRECÇÃO ............................................................................. 110

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 110

II. Meditação.......................................................................................... 110

I. A alma dada a Deus deve entregar-se inteiramente à direcção divina


...................................................................................................................... 110

II. Deus estabeleceu os seus ministros para a condução das almas .......... 111

III. Deus quer que sigamos com confiança e docilidade os conselhos do


director.......................................................................................................... 112

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 114

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 114

VIGÉSIMA SEGUNDA MEDITAÇÃO........................................................ 115

SOBRE O DOM DE SI MESMO A NOSSO SENHOR............................. 115

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 115

II. Meditação.......................................................................................... 115

I. Para amar a Deus de todo o nosso coração, é preciso dar-nos


inteiramente a Ele.......................................................................................... 116

II. Deus é a fonte do amor, dá-o àqueles que se dão a Ele................... 117

III. É preciso ser generosos e fiéis para não nos retomarmos .............. 117

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 119

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 119

VIGÉSIMA TERCEIRA MEDITAÇÃO ....................................................... 120

183
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

DA OBLAÇÃO DE SI MESMO AO CORAÇÃO DE NOSSO SENHOR


POR SEU AMOR ................................................................................................. 120

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 120

II. Meditação.......................................................................................... 120

I. Devemos dar o nosso coração a Nosso Senhor ................................ 121

II. Devemos oferecer-nos a Nosso Senhor por amor como Ele se ofereceu
ao seu Pai ...................................................................................................... 122

III. Valor desta oferenda..................................................................... 123

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 124

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 124

VIGÉSIMA QUARTA MEDITAÇÃO .......................................................... 126

DA VIDA DE OBLAÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS......... 126

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 126

II. Meditação.......................................................................................... 126

I. A vida de oblação, é o cuidado habitual de provar o nosso amor a


Nosso Senhor ................................................................................................ 127

II. Consolidamo-nos nesta vida de oblação pela prática das oferendas e


dos exames .................................................................................................... 127

III. É preciso aplicar o maior cuidado no cumprimento dos actos


oferecidos...................................................................................................... 129

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 130

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 130

VIGÉSIMA QUINTA MEDITAÇÃO ........................................................... 131

SOBRE OS ACTOS DO AMOR ............................................................... 131

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 131

II. Meditação.......................................................................................... 131

184
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. Recebemos no baptismo o hábito de amar a Deus, é preciso exercer os


seus actos ...................................................................................................... 132

II. O cristão está obrigado a desenvolver este hábito por actos frequentes
...................................................................................................................... 133

III. Que meios é preciso tomar para praticar estes actos...................... 133

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 135

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 135

VIGÉSIMA SEXTA MEDITAÇÃO.............................................................. 136

PRÁTICA DO AMOR DE NOSSO SENHOR NAS ACÇÕES


QUOTIDIANAS ................................................................................................... 136

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 136

II. Meditação.......................................................................................... 136

I. É preciso oferecer frequentemente as nossas acções a Nosso Senhor ao


longo do dia................................................................................................... 137

II. As acções oferecidas devem ser cumpridas com um cuidado delicado


para provar a Nosso Senhor o nosso amor...................................................... 138

III. Meio de obter esta união pela prática das oferendas, das resoluções e
dos exames .................................................................................................... 139

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 140

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 140

VIGÉSIMA SÉTIMA MEDITAÇÃO............................................................ 141

SOBRE A FIDELIDADE NAS PEQUENAS COISAS.............................. 141

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 141

II. Meditação.......................................................................................... 142

I. O amor por Deus supõe o ódio a tudo o que dele nos afasta ............ 142

II. As ofensas de um amigo vão direitas ao coração............................ 143

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P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

III. Os testemunhos de amor vindos de uma pessoa cara vão igualmente


direitos ao coração......................................................................................... 144

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 144

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 145

VIGÉSIMA OITAVA MEDITAÇÃO ........................................................... 146

É PELO AMOR A NOSSO SENHOR QUE UMA ALMA CONSAGRADA


A DEUS DEVE PRATICAR AS VIRTUDES DO SEU ESTADO........................ 146

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 146

II. Meditação.......................................................................................... 146

I. É preciso fazer das virtudes do próprio estado outros tantos actos de


caridade......................................................................................................... 147

II. Dando o nosso Coração a Nosso Senhor encontramos uma grande


facilidade em praticar a virtude e em trabalhar na nossa perfeição ................. 147

III. Se recusamos o nosso Coração a Nosso Senhor entristecemo-lo e


desconhecemos o nosso verdadeiro fim ......................................................... 148

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 150

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 150

VIGÉSIMA NONA MEDITAÇÃO ............................................................... 151

A UNIÃO HABITUAL COM NOSSO SENHOR...................................... 151

I. Preparação para a Vigília .................................................................... 151

II. Meditação.......................................................................................... 152

I. A alma que ama Jesus é feliz aqui em baixo e agrada a Jesus .......... 152

II. A união com Nosso Senhor é o meio de alimentar o amor por Jesus
...................................................................................................................... 153

III. A meditação de uma alma unida a Jesus é contínua ...................... 153

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 154

186
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 154

TRIGÉSIMA MEDITAÇÃO ......................................................................... 155

SOBRE A PAZ DA ALMA....................................................................... 155

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 155

II. Meditação.......................................................................................... 156

I. A paz perfeita da alma só se encontra no céu................................... 156

II. Sobre a terra é possível possuir-se a paz da alma pela união à vontade
de Deus ......................................................................................................... 157

III. O meio de chegar a uma ardente caridade é a contemplação da


humanidade santa do Salvador....................................................................... 158

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 158

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 159

TRIGÉSIMA PRIMEIRA MEDITAÇÃO...................................................... 160

O SACRIFÍCIO POR AMOR .................................................................... 160

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 160

II. Meditação.......................................................................................... 161

I. Nosso Senhor ama os sacrifícios feitos por amor............................. 161

II. A contemplação de Jesus sofrendo é uma luz e uma força nos


desfalecimentos ............................................................................................. 162

III. A Paixão de Jesus é um outro motivo de lhe dar o nosso amor...... 162

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 163

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 163

TRIGÉSIMA SEGUNDA MEDITAÇÃO...................................................... 165

DA FORÇA NO AMOR............................................................................ 165

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 165

II. Meditação.......................................................................................... 165

187
P. DEHON - VIDA DE AMOR
Tradução: P. José Jacinto Ferreira de Farias, scj

I. O amor verdadeiro deve mostrar a sua força na observância da lei .. 165

II. O amor deve permanecer forte nas provações ................................ 166

III. O amor deve ser forte nas ocupações da vida quotidiana............... 167

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 168

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 169

TRIGÉSIMA TERCEIRA MEDITAÇÃO ..................................................... 170

DA PERSEVERANÇA NO AMOR .......................................................... 170

I. Preparação para a vigília ..................................................................... 170

II. Meditação.......................................................................................... 170

I. A força do amor deve ser perseverante............................................ 171

II. A amizade é um pacto que deve ser indestrutível ........................... 172

III. O amor facilita a perseverança no sacrifício.................................. 173

AFECTOS E RESOLUÇÕES ........................................................ 174

RAMALHETE ESPIRITUAL........................................................ 174

ÍNDICE.......................................................................................... 175

188

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