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BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento.

O contexto de
François Rabelais. 3ª edição, Ed. Hucitec/Edunb. São Paulo – Brasília: 1996.

 Ele faz uma análise do que foi publicado sobre o tema até o momento, dando seu argumento
contrário ou favorável.
Introdução: A apresentação do problema

• A principal qualidade de Rabelais é estar ligado as fontes populares e delas retirar sua
concepção artística e seu sistema de imagens, resistindo as regras da arte literária a partir do
XVI.
• Rabelais se diferencia dos outros escritores (de sua época e posterior) e suas fontes
populares são a chave para entender suas imagens: “[…] as imagens de Rabelais estão
perfeitamente posicionadas dentro da evolução milenar da cultura popular.” (p.3 – itálico
do autor). Para Bakhtin entendê-lo requer uma reformulação de concepções artísticas e
ideológicas e uma investigação sobre a literatura cômica popular.
• O problema da cultura cômica popular na IM e no Renascimento, suas dimensões e
características.
 Problema: o riso popular é pouco estudado e por isso permeado de ideias que lhe
foram atribuídas pela estética burguesa da modernidade.
 A importância do riso popular (na IM e Renascimento) é considerável apesar do
certo esquecimento que os estudiosos fazem dele. Suas manifestações se opunham à
cultura oficial da época (religiosa e feudal).
 As manifestações da cultura cômica popular se dividem em três: (1) formas do
riso e espetáculos; (2) obras cômicas verbais; (3) diversas formas e gêneros do
vocabulário familiar e grosseiro.
● (1) festejos de carnaval, obras cômicas representadas nas praças: festa do tolo
e festa do asno, as festas religiosas possuíam também um aspecto cômico
popular e público. Se diferenciavam em princípio dos cultos e atos sérios da
Igreja e do Estado feudal e ofereciam outra visão de mundo não-oficial.
✗ Dualidade do mundo: a visão série e oficial x a visão cômica.
✗ “Ignorar ou subestimar o riso popular na Idade Média deforma
também o quadro evolutivo histórico da cultua europeia nos séculos
seguintes.” (p.5)
✗ A dualidade de mundo (sério e cômico) já existia na antiguidade, nos
mitos e lendas, porém era considerado sagrado e portanto oficial. Isso
se perde com o regime de classes e de Estado.
✗ “Mas quando se estabelece o regime de classes e de Estado, torna-se
impossível outorgar direitos iguais a ambos os aspectos, de modo que
as formas cômicas – algumas mais cedo, outras mais tarde – adquirem
um caráter não-oficial, seu sentido modifica-se, elas complicam-se e
aprofundam-se, para transformarem-se finalmente nas formas
fundamentais de expressão da sensação popular do mundo, da cultura
popular.” (p.5)
✗ Os ritos e espetáculos mostram a vida apresentada com elementos da
representação. No caso do carnaval, por exemplo, os indivíduos não
assistem mas vivem a festa.
✗ Os bufões e os bobos encarnavam uma vida real e ideal ao mesmo
tempo, na fronteira entre a vida e a arte.
✗ “O carnaval é a segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É
a sua vida festiva. A festa é a propriedade fundamental de todas as
formas de ritos e espetáculos cômicos da Idade Média.” (p.7)
✗ Essas formas têm uma ligação com as festas religiosas.
✗ As festividades exprimem uma visão de mundo e têm uma relação
com o tempo (vida, morte e tempos de crise).
✗ Na IM as festas populares e públicas davam essa segunda vida aos
indivíduos, com maior liberdade e igualdade, o que não ocorria com
as festas de caráter oficial que apenas reforçava a ordem vigente.
✗ Formação de uma linguagem carnavalesca típica que só era usada
nesse momento, onde se aboliam as hierarquias e as normas de
etiqueta, e que transmitia a percepção carnavalesca de mundo do
povo.
✗ “A segunda vida, o segundo mundo da cultura popular constrói-se de
certa forma como paródia da vida ordinária, como um “mundo ao
revés”.” (p.10)
✗ O riso carnavalesco é festivo, do povo, universal e ambivalente
(alegre e sarcástico).
✗ “[…]o riso popular ambivalente expressa uma opinião sobre um
mundo em plena evolução no qual estão incluídos os que riem.”
(p.11)
● (2) orais, escritas, parodísticas em latim ou língua vulgar: ligada à concepção
de mundo e linguagem carnavalesca. Literatura festiva e recreativa típica da
IM.
✗ A literatura cômica medieval permanece a expressão da visão de
mundo popular e carnavalesca, empregando suas formas e símbolos.
✗ Os ritos e a ideologia da Igreja são descritos de forma cômica pelos
diferentes níveis eclesiásticos.
✗ A literatura cômica medieval em latim se inicia com duas obras do
período de passagem da antiguidade ao medievo: A Ceia de Ciprião e
Vergilius Maro Grammaticus.
✗ Paródias Sacras: das liturgias, evangelhos, hinos, litanias, etc.
✗ Disputas paródicas feitas por intelectuais letrados, ecos do riso
carnavalesco público nas universidades, mosteiros e colégios.
✗ Literatura cômica em língua vulgar também rica e variada, exemplos
são os fabliaux e as peças líricas dos “vagantes” (goliardos creio eu).
● (3) vocabulário familiar e público: nova forma de comunicação produz novas
formas linguísticas como gêneros inéditos, mudança de sentidos, etc.
✗ Linguagem da praça pública: expressões grosseiras e injuriosas,
blasfêmias criam a sensação de liberdade e o aspecto cômico do
mundo.
✗ “A linguagem familiar converteu-se de uma certa forma, em um
reservatório onde se acumulam as expressões verbais proibidas e
eliminadas da comunicação oficial.” (p.15)
• O autor acredita em uma unidade da cultura cômica popular na IM.
• Princípio da vida material e corporal em Rabelais (é positivo, popular e universal): para o autor
é uma herança da cultura cômica popular e da concepção estética chamada de realismo grotesco
(sistema de imagens da cultura cômica popular).
 Rebaixamento: transfere para o plano material tudo que é espiritual, corporifica, materializa.
Entende o baixo como a terra e o corpo, a eu alto como o céu, o divino. Mas esse princípio é
ambivalente (positivo e negativo), pois o baixo também gera vida e simboliza o começo.
 A diferença do princípio material e corporal na IM e no Renascimento está em que neste
último“[…] o corpo e as coisas são subtraídos à unidade da terra geradora e separados do
corpo universal, que cresce e se renova sem cessar, aos quais estavam unidos na cultura
popular.” (p.21)
 “A visão carnavalesca do mundo é a base profunda da literatura do Renascimento.” (p.21)
 O autor trabalha com a noção de oposição entre a cultura cômica popular e a cultura
burguesa e a alternância delas gera o realismo renascentista.
 A imagem grotesca é caracterizada pela transformação e evolução, além da ambivalência.
 A gravidez, o coito, o parto, a velhice, etc. são elementos do sistema de imagens grotescas
que se opõem as imagens clássicas do corpo humano perfeito.
 “No domínio literário, a paródia medieval baseia-se completamente na concepção grotesca
do corpo.” (p.24)
 “Denominamos convencionalmente “realismo grotesco” ao tipo específico de imagens da
cultura cômica popular em todas as suas manifestações.” (p.27)
 O termo grotesco foi dado em fins do XV quando se descobriu uma série de pinturas
ornamentais em escavações nos subterrâneos de Roma, daí o nome que vem de gruta (grotta
no italiano).
 Segundo Bakhtin o autor Flogel (cujo objeto de estudo é o grotesco medieval) em 1788, em
sua obra História do cômico grotesco, “Qualifica de grotesco tudo o que se aparta
sensivelmente das regras estéticas correntes, tudo que contém um elemento corporal e
material nitidamente marcado e exagerado.” (p.31)
 O autor faz uma cronologia do desenvolvimento do grotesco desde a antiguidade até o XX e
diferencia o grotesco medieval/renascentista do romântico, este último tomando um caráter
mais sombrio.
 O grotesco medieval está relacionado com a cultura popular e têm caráter universal e
público. Representa o terrível como vencido pelo riso, adquire um tom de bobagem alegre.
 “Nas diabruras dos mistérios da Idade Média, nas visões cômicas de além-túmulo, mas
lendas paródicas e nos fabliaux, etc., o diabo é um alegre porta-voz ambivalente de opiniões
não-oficiais, da santidade ao avesso, o representante do inferior material, etc.” (p.36)
 O grotesco popular é primaveril e matinal.
 Cultura cômica popular: os objetivos do autor são teóricos e consistem em revelar seu
sentido e sua natureza ideológica, ou seja, seu valor como concepção de mundo e seu valor
estético.

Capítulo Primeiro: Rabelais e a história do riso

• Baixo material e corporal ambivalente: devorador e procriador.


• Rabelais era apreciado pelos seus contemporâneos, tanto os intelectuais quanto as massas
populares, e também os influenciava (no campo artístico, literário, etc.).
• A diferença de interpretação que se faz de Rabelais pelos seus contemporâneos do XVI e
pelos séculos seguintes está em que: “Em outras palavras, os contemporâneos captavam e
compreendiam a integridade e a lógica do universo artístico e ideológico rabelaisiano, a
unidade de estilo e a consonância de todos os seus elementos, percorridos por uma
concepção unitária do mundo e por um grande e único estilo.” (p.53)
• Para os contemporâneos as imagens eram evidentes enquanto para os posteriores eram
enigmas, e por isso a visão dos primeiros não respondem aos problemas atuais, uma vez que
para eles esses problemas não existiam.
• Desagregação do estilo de Rabelais com os imitadores (as imagens empregadas com fins
satíricos – tendência abstrata que deforma a característica positiva da imagem enfatizando a
negativa, de sentido moralizante – o exagero se torna caricatura): “A natureza positiva da
imagem é, portanto, subordinada ao fim negativo de ridicularizar, através do ponto de vista
distorcido da sátira e da condenação moral.” (p.54-55).
• Hierarquia dos gêneros: como o gênero divertido (alegre) sendo aos poucos desvalorizado e
caracterizado como irrelevante. Passa a servir para explicar apenas os vícios dos indivíduos
das camadas baixas da sociedade.
• “Com Boccaccio e Jean Second, Rabelais é “bom para divertir”, mas não pertence ao
número dos consoladores e conselheiros que ensinam “a bem morrer e bem viver”. No
entanto, para os seus contemporâneos, Rabelais cumpria muito bem o papel de consolador e
conselheiro. Eles sabiam ainda, portanto, encarar jubilosamente, no plano do riso, a maneira
de regular a vida e a morte.” (p.57)
• A atitude do Renascimento em relação ao riso é de que ele carrega uma concepção de
mundo, explica o mundo da mesma forma que o sério, ainda que de maneira diferente. Já no
XVII em diante ele perde essa característica de universalidade, podendo ser encarado apenas
relacionados a fenômenos parciais e de caráter negativo, o que é importante não pode ser
cômico. Sério x cômico.
• Teoria do riso no Renascimento: estudos da filosofia do riso na época de Rabelais
(Demócrito, Aristóteles, Luciano), o definem como princípio universal de concepção de
mundo, cura e renascimento.
• O riso distingue o homem dos animais, é uma atribuição divina, explica o mundo, tem
relação com a cura de doenças, etc. Significado positivo, regenerador e criador (da
Antiguidade até o Renascimento).
• “A prática artística do riso no Renascimento é antes de mais nada determinada pelas
tradições da cultura Cômica popular da Idade Média.” (p.61)
• A cultura popular do riso medieval se desenvolveu nos ambientes extraoficiais, conservando
certa liberdade e lucidez, nas praças públicas, nas festas, na literatura recreativa, etc. No
Renascimento ele penetra no âmbito oficial e superior criando as obras como o Decamerão,
dramas de Shakespeare, etc.
• “[…] o riso na Idade Média estava relegado para fora de todas as esferas oficiais da
ideologia e de todas as formas oficiais, rigorosas, da vida e do comércio humano. O riso
tinha sido expurgado do culto religiosa, do cerimonial feudal e estatal, da etiqueta social e
de todos os gêneros da ideologia elevada. O tom, sério exclusivo caracteriza a cultura
medieval oficial.” (p.63)
• A ideologia dominante e oficial condenava o riso (Igreja), mas ele tinha liberdade nas
camadas populares da sociedade, sendo tolerado nas festas e nos ritos cômicos específicos
(Festa dos Loucos, São João, Ano Novo, etc.).
• O riso popular era também encantador aos olhos das classes superiores e Bakhtin assim o
justifica: cultura religiosa e feudal oficial eram fracas em relação à cultura popular, antigas
tradições romanas legalizadas ainda estavam vivas, datas de festas cristãs coincidindo com
as pagãs (por desejo da Igreja a fim de cristianizar esses ritos) que tinham tradições cômicas.
• O riso medieval foi um riso festivo por excelência. O tempo das festas é importante, pois
traz uma dimensão de esperança popular num futuro melhor (ciclos agrícolas, de estações,
etc.).
• “Os clérigos de baixa e média condição, os escolares, os estudantes, os membros das
corporações e finalmente os diversos e numerosos elementos instáveis, situados fora
dos estratos sociais, eram os que participavam mais ativamente nas festas populares.”
(p.71)
• A literatura paródica medieval está ligada ao riso popular festivo e tinha a mesma lógica do
baixo material e corporal ambivalente.
• “As recreações escolares e universitárias tiveram uma importância muito grande na
história da paródia medieval e, de maneira geral, em toda a literatura medieval.”
(p.72)
• “Durante as recreações, os jovens repousavam do sistema das concepções oficiais, da
sabedoria e do regulamento escolares e além disso faziam deles o alvo dos seus jogos e
das suas brincadeiras jocosas e degradantes.” (p.72)
• “[…] as paródias da Idade Média não eram de maneira alguma pastiches (*pastiche = cópia)
rigorosamente literários e puramente denegridores dos textos sagrados ou dos regulamentos
e leis da sabedoria escolar: elas transpunham tudo isso ao registro cômico e sobre o plano
material e corporal positivo, elas corporificavam, materializavam e ao mesmo tempo
aligeiravam tudo o que não tocavam.” (p.72)
• “Nos séculos seguintes (sobretudo a partir do século XI), as paródias trazem para o jogo
cômico todos os aspectos da doutrina e do culto oficiais e, de maneira geral, todas as
formas de comportamento sério em relação ao mundo.” (p.73)
• “A paródia medieval, principalmente a mais antiga (anterior ao século XII), não estava
preocupada com os aspectos negativos, certas imperfeições do culto, da organização da
Igreja, da ciência escolar, que poderiam ser objetos de derrisão e destruição. Para os
parodistas, tudo, sem a menor exceção, é cômico; o riso é tão universal como a seriedade;
ele abarca a totalidade do universo, a história, toda a sociedade, a concepção do mundo. É
uma verdade que se diz sobre o mundo, verdade que se estende a todas as coisas e à qual
nada escapa. É de alguma maneira o aspecto festivo do mundo inteiro, em todos os seus
níveis, uma espécie de segunda revelação do mundo através do jogo e do riso.” (p.73)
• Importância das analogias e consonâncias para transformar o sério em cômico.
• “Pode-se dizer que toda a linguagem familiar dos clérigos (e de todos os intelectuais da
Idade Média) e do povo estava profundamente impregnada pelos elementos do “baixo”
material e corporal: obscenidades e grosserias, juramentos, textos e sentenças sagradas
correntes travestidas e viradas do avesso; tudo que entrasse nessa linguagem, devia
obrigatoriamente submeter-se à força degradante e renovadora do poderoso “baixo”
ambivalente.” (p.75)
• “O riso da Idade Média visa o mesmo objeto que a seriedade. Não somente não faz nenhuma
exceção ao estrato superior, mas ao contrário, dirige-se principalmente contra ele. Além
disso, ele não é dirigido contra um caso particular ou uma parte, mas contra o todo, o
universal, o total. Constrói seu próprio mundo contra a Igreja oficial, seu Estado contra o
Estado oficial.” (p.76)
• Ligação do riso medieval com o universalismo, a liberdade (alternada entre os dias de
festas) e a verdade popular não-oficial (o riso proporcionava a vitória sobre o medo, que
deixava ver outras verdades). O riso na IM é uma sensação social
• A cultura cômica medieval é quase sempre o drama da vida corporal universal (e não
particular): coito, nascimento, morte alimentação, etc.
• Dois aspectos da vida e do mundo do homem medieval: o sério e o cômico, quimérico.
• Fim da IM: processo de enfraquecimento das fronteiras entre a cultura cômica popular e a
literatura oficial. A primeira se esforça para penetrar nas diferentes esferas da vida
ideológica e esse processo vai se completar no Renascimento (na obra de Rabelais), o
apogeu da história do riso.
• Séc. XVII: degradação do riso, passa a ser visto como particular (ao contrário do universal).
O absolutismo retoma o tom sério da cultura oficial e tradição cômica grotesca passa a
resistir nos gêneros inferiores (comédia, sátira, fábula, romances, etc.).
• Orientação burguesa:
• As tradições do realismo grotesco se empobrecem nos diálogos do XVII, que passam da
praça pública para um ambiente da vida privada.
• “A influência de Rabelais alia-se às tradições diretas, ainda vivas, do riso da festa popular.
Por essa razão, Rabelais não era visto ainda como um autor excepcional, diferente de todos
os demais. Mais tarde, esse contexto vivo no qual Rabelais era apreendido e entendido
desaparece e ele torna-se então um escritor solitário e excêntrico, que é preciso interpretar e
comentar.” (p.92)
• A incompreensão da obra de Rabelais pelo XVII, que o acham ambíguo: “O lado negativo é
constituído antes de mais nada pelas obscenidades sexuais e escatológicas, as grosserias e
imprecações, as palavras de duplo sentido, o cômico verbal de baixo estofo, em outros
termos, a tradição da cultura popular: o riso e o “baixo” material e corporal. Quanto ao lado
positivo, é o lado puramente literário e humanista da obra de Rabelais.” (p.93)
• Esse julgamento da obra a divide em duas partes, rejeita-se o grosseiro e aceita-se a arte da
narrativa, somente no XIX ela será novamente levada em conta em sua totalidade.
• Método histórico-alegórico de interpretação: procuram correlacionar personalidades
históricas aos personagens de Rabelais. Bakhtin a rejeita, pois as alusões são arbitrárias e
inconsistentes.
• “No século XVI, todos riam, lendo o livro de Rabelais, mas ninguém o desprezava porque
fazia rir. No século XVIII, o riso alegre tornou-se desprezível e vil;”. (p.100)
• O Romantismo vê alguns grandes escritores, entre eles Rabelais, como gênios-mães que
deram à luz a todo os grandes escritores de determinado povo, os vê para além do escrito de
seu tempo, mas o que eles vieram a influenciar nos tempos futuros. O ponto positivo é essa
maneira de ver o futuro, já o negativo é o seu idealismo que vê na realidade mais do que ela
contém.
• A diferença entre os iluministas e os românticos é essa forma de ver as obras dos antigos (o
primeiro como se elas fossem supérfluas e inúteis e o segundo como sendo importantes com
o tempo e tendo uma visão ampliada).
• XIX e XX: estudos científicos sobre a obra de Rabelais (1903 – sociedade de estudos
rabelaisianos).
• O livro de Febvre (O problema da descrença no séc. XVI. A religião de Rabelais) como
marco dos estudos rabelaisianos, ele tenta compreender a obra no seu tempo, XVI, e não no
XX, evitando o anacronismo, porém Bakhtin diz que ele não obteve êxito já que não levou
em consideração o riso.
• “Febvre percebe o riso de Rabelais e de sua época como um homem do século XX, e por
essa razão ele não compreende o essencial, isto é, seu caráter universal de concepção do
mundo, não compreende a possibilidade de uma concepção do mundo cômica, de um
aspecto cômico universal do mundo.” (p. 114)
• Na URSS o ensaio de Pinski sobre “o riso de Rabelais” trouxe o riso como organizador
fundamental da obra de Rabelais. “Pinski explica de maneira pertinente que o riso
rabelaisiano visa ao conhecimento, que ele tem uma relação direta com a verdade.” (p.120)
• Para Pinski as fontes principais do riso de Rabelais são o “próprio movimento da vida” e a
alegria de viver.
• Bakhtin afirma que os estudiosos da URSS não separam o artístico do riso em Rabelais, se
esforçando para compreender sua originalidade.

• Capítulo Segundo – O vocabulário da praça pública na obra de Rabelais


• “Vocabulário da praça pública”: termos considerados por leitores do XVIII e XIX como
impróprios e degradantes (ex: projeção de excrementos).
• O autor argumenta em contrário às colocações de Vesselovski sobre o cinismo de Rabelais,
ele diz que “ [...] toda a comparação de Vesselovski é extremamente inadequada. ”.
• “Os rebaixamentos grotescos sempre fizeram alusão ao “baixo” corporal propriamente dito,
à zona dos órgãos genitais. ” (p.126). O autor fala ainda da questão ambivalente desse
rebaixamento, típico do realismo grosseiro, que é característico ainda no tempo de Rabelais
(a questão dos excrementos e de como uma ideia de que o lugar onde Deus urinou é sagrado
e por isso traz fertilidade, por exemplo).
• “Na sua participação nesse todo, cada uma dessas imagens é profundamente ambivalente:
ela tem uma relação substancial com o ciclo vida-morte-nascimento. Por isso, essas figuras
são destituídas de cinismo e grosseria, no sentido que atribuímos a esses termos.” (p.128-
129) Se essa afirmação for entendida num sistema de visão de mundo diferente, que separa
esse ciclo, então as imagens são transformadas em apenas um polo negativo, segundo
Bakhtin.
• “Os especialistas têm o hábito de compreender e julgar o vocabulário da praça pública em
Rabelais em função do sentido que ele adquiriu na época moderna, isoladamente dos atos
carnavalescos e da praça popular que constituem seu veículo. Por isso, não podem captar sua
profunda ambivalência.” (p.129)
• As “obscenidades” não estão isoladas na obra de Rabelais, mas fazem parte do todo de suas
imagens e de seu estilo, elas são inerentes ao realismo grotesco e as festas populares estando
ligadas diretamente à vida da praça pública e sua liberdade, ainda que sejam de caráter não-
oficial. (p.131-132)
• “A praça pública no fim da Idade Média e no Renascimento formava um mundo único e
coeso onde todas as “tomadas de palavra” (desde as interpelações em altos brados até os
espetáculos organizados) possuíam alguma coisa em comum, pois estavam impregnadas do
mesmo ambiente de liberdade, franqueza e familiaridade.” (p.132). A praça é o local de tudo
que não é oficial.
• “Dessa forma, a cultura popular não oficial dispunha na Idade Média e ainda durante o
Renascimento de um território próprio: a praça pública, e de uma data própria: os dias de
festa e de feira. Essa praça entregue à festa, já o dissemos várias vezes, constituía um
segundo mundo especial no interior do mundo oficial da Idade Média. Um tipo especial de
comunicação humana dominava então: o comércio livre e familiar. ” (p.133)
• “Nos dias de festa, sobretudo durante o carnaval, o vocabulário da praça pública se
insinuava por toda parte, em maior ou menor medida, inclusive na igreja (“festa dos loucos”,
do “asno”). ” (p.133)
• Sobre a biografia de Rabelais, sabe-se que ele teve vivência nas feiras onde aprendeu essa
linguagem popular, conheceu os espetáculos de rua (a cultura teatral da França estava ligada
à praça pública), participa da vida boêmia estudantil quando ingressa na universidade.
• “Já assinalamos a imensa importância das festas e recreações escolares na história da cultura
e da literatura medievais. A alegre literatura recreativa dos estudantes alçara-se já, na época
de Rabelais, ao nível da grande literatura, na qual assumia um papel substancial. Ela tinha
igualmente laços com a praça pública. As paródias, travestis e farsas escolares em latim, ou
especialmente em língua vulgar, revelam um parentesco genético e uma semelhança interna
com as formas da praça pública.” (p.134)
• O autor analisa trechos das obras de Rabelais para entender como ele absorveu o
vocabulário da praça pública, correlacionando seu modo de se expressar ao dos camelôs, e
ao reclame das ruas.
• Sobre as injúrias e os louvores que são ambivalentes na obra de Rabelais (emprestada na
cultura popular), Bakhtin afirma que essa fusão dos dois representa a ideia de um mundo em
estado de perpétuo inacabamento, que morre e nasce simultaneamente (p.143).
• Sobre o Prólogo de Pantagruel: “Seus discursos não comportam o menor matiz, por mais
débil que seja, de seriedade lúgubre, de medo, veneração, humildade. Eles são totalmente
alegres, ousados, licenciosos e francos, ressoam com toda a liberdade na praça em festa,
para além das restrições, convenções e interdições verbais. Mas ao mesmo tempo, como já
vimos, o Prólogo no seu conjunto é um disfarce paródico dos métodos eclesiásticos de
persuasão. Por detrás das Crônicas, encontra-se o Evangelho; por detrás dos elogios
ditirâmbicos dirigidos a esse livro, dotado de virtudes salvadoras, o caráter exclusivo da
verdade proferida pela Igreja; por detrás das injúrias e imprecações, a intolerância a
intimidação e as fogueiras da Igreja. É a política da Igreja traduzida na língua do reclame
público alegre e irônico.” (p.144)
• “Sentimos a todo instante que os elogios-injúrias são o motor do conjunto do discurso, que
eles determinam o seu tom, seu estilo, sua dinâmica.” (p.146)
• A linguagem rabelaisiana típica se demonstra nas expressões mais usadas relacionadas à
comida, bebida, virilidade elogios e injúrias.
• “Pregões de Paris”: reclames que os mercadores gritam em tom ritmado (gênero verbal da
praça pública muito usado por Rabelais). Eram muito usados, pois a cultura da língua vulgar
era oral, tem influência e importância para Rabelais e se relaciona com as formas do
pensamento metafórico da época, além de ajudar a explicar sua obra e a literatura daquela
época.
• Juramentos: elemento não oficial da língua, condenados pela Igreja e pelo Estado.
• “Assim, os juramentos, com o despedaçamento profanatório do corpo sagrado, reeviam-nos
ao tema da cozinha, ao dos “pregões de Paris”, e ao tema grotesco e corporal das
imprecações e grosserias (doenças, deformidades, órgãos do “baixo” corporal). Todos os
elementos próprios da praça pública [...] são semelhantes, tanto no plano temático como
formal.” (p.168-169). São todos representativos da alegre matéria do mundo, o nascer, viver,
morrer e renascer, essa ambivalência.
• Os gêneros da praça pública “[...] criam a linguagem absolutamente alegre, ousada,
licenciosa e franca de que necessita Rabelais para atacar as “trevas góticas”. Esses gêneros
preparam a atmosfera das formas e imagens da festa popular propriamente ditas, em cuja
linguagem Rabelais revelou a sua verdade nova e alegre sobre o mundo”. (p. 169)

• Capítulo Terceiro – As formas e imagens da festa popular na obra de Rabelais
• Os golpes e as injúrias são atos simbólicos dirigidos contra a autoridade suprema.
• “[...] as injúrias e os golpes destronam o soberano.” (p. 172)
• Elogios e grosserias como dois polos de um mesmo mundo bicorporal. (p.172)
• Imagens e símbolos (destronamento, disfarce, flagelação).
• A questão da violência, dos golpes terem um sentido simbólico e ambivalente de morte e
renascimento (o tamborim que representa o falo).
• Para Bakhtin o sistema de imagens da festa popular formou-se e vivei durante milênios, se
adaptando, remodelando e modificando. Para ele “É graças a ele que as imagens da festa
popular puderam tornar-se uma arma poderosa na apreensão artística da realidade e puderam
servir de base a um realismo verdadeiramente amplo e profundo. Elas ajudam a captar a
realidade não de uma maneira naturalista, instantânea, oca, desprovida de sentido e
fragmentária, mas no seu processo de devir com o sentido e a orientação que ele adquire.
Daí o universalismo extremamente profundo e o otimismo lúcido do sistema das imagens da
festa popular.” (p.184)
• Inúmeros episódios e cenas dos livros de Rabelais descrevem festas e assuntos relacionados
às festas.
• A acepção do termo “carnaval” para Bakhtin é ampla, algumas características prevaleceram
até a atualidade e já outros ligados as festas populares se degeneraram e se tronaram
irreconhecíveis. “O carnaval revela-nos o elemento mais antigo da festa popular, e pode-se
afirmar sem risco de erro que é o fragmento mais bem conservado desse mundo tão imenso
quanto rico. Isso autoriza-nos a utilizar o adjetivo ”carnavalesco” numa acepção ampliada,
designando não apenas as formas do carnaval no sentido estrito e preciso do termo, mas
ainda toda a vida rica e variada a festa popular no decurso dos séculos e durante a
Renascença, através dos seus caracteres específicos representados pelo carnaval nos séculos
seguintes, quando a maior parte das outras formas ou havia desaparecido, ou degenerado. ”
(p.189-190)
• “Esse processo de reunião, sob o termo de “carnaval”, de fenômenos locais heterogêneos, o
fato de que fossem designados por um mesmo termo, correspondia a um processo real: com
efeito, ao desaparecerem e degenerarem, as diferentes formas da festa popular levavam ao
carnaval alguns dos seus elementos: ritos, atributo, efígies, máscaras. E por causa disso, o
carnaval tornou-se o reservatório onde se guardavam as formas que não tinham mais
existência própria.” (p.190)
• As feiras sempre coincidiam com alguma data religiosa.
• Relação do tempo alegre com as características carnavalescas das festas.
• “O carnaval torna-se então o símbolo e a encarnação da verdadeira festa popular e pública,
totalmente independente da Igreja e do Estado (mas tolerada por estes últimos).” (p.191)
• Rabelais utiliza no livro o travesti paródico para, relatando coisas cômicas e absurdas, dar a
elas veracidade utilizando os conceitos de fé sagrada, referências à autoridades, intimidação
e etc., dessa forma, ele “[...] prepara o destronamento carnavalesco da doutrina da fé, como
um desmentido das coisas que jamais se viram.” (p.197)
• Elementos tradicionais do drama satírico: corpo, vida corporal, monstro, gigantes,
movimento indecentes de dança, etc.
• “Ao seguir Pantagruel o périplo de seu herói nas universidades da França, Rabelais
debruça-se muito especialmente sobre os divertimentos e jogos recreativos dos
estudantes e bacharéis. Os jogos de toda espécie (desde os jogos de baralho até os
esportivos), as predições, adivinhações e augúrios de todo tipo ocupavam um lugar
preponderante na parte popular e pública da festa. Esses fenômenos, estreitamente
ligados à atmosfera da festa popular, têm um papel essencial na obra de Rabelais.”
(p.200-201)
• Concepção carnavalesca do processo histórico visto como um jogo, que para Bakhtin é uma
ideia característica da época de Rabelais.
• No tempo de Rabelais os enigmas em profecia e a profecia paródica estavam muito em
voga, sobre isso Bakhtin afirma que “O gênero das profecias paródicas é puramente
carnavalesco, essencialmente ligado ao tempo, ao novo ano, às predições e à decifração dos
enigmas, ao casamento, ao nascimento, à virilidade. Por esse motivo beber, comer, a vida
material e corporal, as imagens do jogo têm aí um papel tão importante. O jogo está
estritamente ligado ao tempo e ao futuro. Não é à toa que o instrumentos do jogo, cartas e
dados, servem igualmente para predizer a sorte, isto é, para conhecer o futuro.” (p.204)
• “Via-se nas imagens dos jogos uma espécie de fórmula concentrada e universalista da
vida e do processo histórico; felicidade-infelicidade, ascensão-queda, aquisição-perda,
coroamento-destronamento.” (p.204) Será que isso pode ser ligado à Fortuna dos
goliardos?
• “Uma vida em miniatura desenvolvia-se nos jogo (traduzida na linguagem dos símbolos
convencionais), de forma muito direta. Ao mesmo tempo, o jogo fazia o homem sair dos
trilhos da vida comum, liberava-o das suas leis e regras, substituía às convenções correntes
outras convenções mais densas, alegres e ligeiras. Isso vale não apenas para as cartas, dados
e xadrez, mas igualmente para todos os outros jogos, inclusive os esportivos (boliche,
pelota) e infantis. (p.204)
• O jogo com valor de concepção de mundo, Bakhtin diz que Rabelais conhecia as ideias
de jogo da Antiguidade, que eram vistos como muito mais do que um simples
passatempo. Mais uma possível referência que poderia ser usada para CB.
• “O objetivo artístico essencial dos pastiches das predições, profecias e adivinhações é de
destronar o sombrio tempo escatológico das concepções medievais do mundo, de renová-lo
no plano material e corporal, de torná-lo terra-a-terra, materializá-lo e transformá-lo num
tempo bom e alegre.” (p.208)
• “Querela das mulheres” (séc. XVI) sobre a natureza das mulheres e o casamento: vem desde
a Idade Média. Tradição gaulesa: se divide em duas > tradição cômica popular que vê a
mulher como positiva e negativa (ambivalente, representada ligada ao baixo material e
corporal) e tradição ascética do cristianismo medieval (mulher encarna o pecado, negativa)
> muitos pesquisadores misturam as duas tendências; Tradição idealizante: sublima a
mulher, idealistas platônicos.
• Sobre o sentido geral das formas da festa popular Bakhtin usa Goethe e o carnaval de Roma
para exemplificar e afirma: “O povo não tem de forma alguma a sensação de que obtém
alguma coisa que deveria aceitar com veneração e reconhecimento. Não lhe dão
absolutamente nada, deixam-no em paz.” (p. 214)
• “Toda hierarquia é abolida no mundo do carnaval. Todas as camadas sociais, todas as idades
são iguais.” (p.219)
• A imortalidade do povo unida à imortalidade do mundo, o homem sente no seu corpo e na
sua vida a natureza e seus elementos (terra, sol, ar, etc.)
• (p.224) História de Adam de La Halle: Le jeu de la feuillée (1262) traz os conceitos das
festas populares da mesma forma de Rabelais, na história um homem (Adam mesmo) quer
deixar sua cidade e sua mulher para ir à Paris estudar. Estão presentes o banquete, as
relíquias representando o corpo despedaçado, figuras do clero que são a autoridade (e são
zombadas), bebidas, personagens pagãos e a própria festa, todos ligados à cultura popular.
• O tolo, o bufão, o diabo: todos são figuras ambivalentes.
• “[Rabelais] Serve-se do sistema de imagens da festa popular com seus direitos de liberdade
e de licença, reconhecidos e consagrados pelos séculos, para castigar seriamente seu
inimigo: o século gótico. Como se trata apenas de um jogo cômico, ele fica impune. Mas
esse jogo se representa sem palco e, no ambiente de liberdade autorizada, Rabelais entrega-
se a um ataque contra os dogmas e os mistérios, santuários da concepção medieval. ” (p.234)
• No entanto, é preciso não supor que a utilização das formas da festa popular tenha sido
apenas um procedimento exterior e mecânico de defesa contra a censura, um emprego
forçado da “língua de Esopo”. Durante milênios, o povo se beneficiou dos direitos e
familiaridades que concediam as imagens cômicas da festa e nas quais encarnava seu
profundo espírito crítico, sua desconfiança da verdade oficial, as suas melhores esperanças e
aspirações. Pode-se afirmar que a liberdade era menos um direito externo que o conteúdo
mais íntimo dessas imagens, a linguagem do falar ousado que levara milênios a ser
elaborada, um falar que se exprimia sobre o mundo e o poder sem escapatórias nem
silêncios. É perfeitamente compreensível que essa linguagem livre e ousada tenha dado por
sua vez o conteúdo positivo mais rico às novas concepções do mundo. (p. 235)
• “Não deve espantar-nos a punição do velho mundo, apresentada sob forma carnavalesca. As
grandes viradas econômicas, sociais e políticas dessas épocas não podiam deixar de sofrer
uma certa tomada de consciência e apresentação carnavalescas.” (P. 235)
• O tema da demência ou da tolice que atinge o herói constitui uma outra solução do mesmo
problema. Procurava-se a liberdade exterior e interior em relação a todas as formas e a todos
os dogmas da concepção agonizante, mas ainda dominante, a fim de olhar o mundo com
outros olhos, de vê-lo de uma maneira diferente. A demência ou tolice do herói
(evidentemente no sentido ambivalente dos termos) dava o direito de adotar esse ponto de
vista.” (p.238)
• O Renascimento é de alguma maneira a carnavalização direta da consciência, da concepção
do mundo e da literatura.” (p.238)
• A cultura oficial da Idade Média elaborou-se ao longo de séculos, teve seu período criador e
heroico, foi universal, onipenetrante; ela envolveu e atemorizou todo o universo, cada
fragmento da consciência humana, apoiada pela organização única no seu gênero que foi a
Igreja Católica. No Renascimento, a formação feudal chegava ao fim, mas o poder da sua
ideologia sobre a consciência humana tinha ainda excepcional força.” (p.238)
• “O carnaval (repetimos, na sua acepção mais ampla) liberava a consciência do domínio da
concepção oficial, permitia lançar um olhar novo sobre o mundo; [...] Tal era o poderoso
apoio que permitia atacar o século gótico e colocar os fundamentos da nova concepção do
mundo. ” (p.239)
• “É isso que nós entendemos coo carnavalização do mundo, isto é, a libertação total da
seriedade gótica, a fim de abrir o caminho a uma seriedade nova, livre e lúcida”. (p.239)
• Para Bakhtin o que propiciou aos autores do Renascimento suas concepções de mundo foi a
convicção em uma mudança e renovação radical da ordem existente.
• “Por todas as suas formas e imagens, por seu sistema abstrato de pensamento, a cultura
oficial da Idade Média tendia a inculcar a convicção, diametralmente oposta, da
intangibilidade e imobilidade do regime e da verdade estabelecidos, e, de maneira geral, da
perenidade e da imutabilidade de toda a ordem existente”. (p.239)
• “Sob o domínio da cultura burguesa, a noção de festa não fez mais que restringir e
desnaturalizar-se, sem contudo desaparecer. A festa é a categoria primeira e indestrutível da
civilização humana.” (p.240)
• “É a festa que, libertando de todo utilitarismo, de toda finalidade prática, fornece o meio de
entrar temporariamente num universo utópico.” (p. 241)
• Capítulo Quarto – O Banquete em Rabelais
• As imagens do banquete, da comida e da bebida, ligadas às formas da festa popular em
Rabelais, e também ao corpo grotesco.
• O banquete ligado a ideia de abundância e universalidade.
• Relação entre o trabalho e o comer (desde a Antiguidade) que faz parecer que o homem luta
com o mundo (trabalho) e o vence (comer).
• O banquete é coletivo daí seu sentido de acontecimento social.
• “No realismo grotesco, essas imagens tiveram uma vida de uma riqueza toda especial. É
aqui que se devem procurar as fontes principais das imagens rabelaisianas de banquete. A
influência do simpósio antigo teve apenas uma importância secundária. Como dissemos, na
absorção de alimentos, as fronteiras entre o corpo e o mundo são ultrapassadas num sentido
favorável ao corpo, que triunfa sobre o mundo, sobre o inimigo, que celebra a vitória, que
cresce às suas expensas. Essa fase do triunfo vitorioso é obrigatoriamente inerente a todas as
imagens do baquete. Uma refeição não poderia ser triste. Tristeza e comida são
incompatíveis (enquanto que a morte e a comida são perfeitamente compatíveis). O
banquete celebra sempre a vitória, é uma propriedade característica da sua natureza. O
triunfo do banquete é universal, é o triunfo da vida sobre a morte. Nesse aspecto, é o
equivalente da concepção e do nascimento. O corpo vitorioso absorve o corpo vencido e se
renova.” (p.247)
• O banquete tem funções de coroamento assim como a boda (reprodução).
• A morte não serve de coroamento, por isso seguido à ela sempre está um banquete, como na
Ilíada por exemplo (morte e renascimento).
• “O vinho liberta do medo e da piedade. “A verdade no vinho” é uma verdade livre e sem
medo.” (p. 250)
• “O caráter utópico das palavras de baquete, vivo ainda hoje nos discursos e brindes, não está
desligado da terra: o triunfo futuro da humanidade está representado nas imagens materiais e
corporais de abundância e de renovação do homem.” (p.250)
• Obras medievais que desenvolvem a tradição do banquete: Coena Cypriani (Asselin de
Reims), Canção de Cambridge, Tratado de Garcia de Toledo. Essas obras influenciam
Rabelais.
• (p. 256) fala dos goliardos
• Bakhtin engloba os goliardo na categoria que ele chama de literatura recreativa latina.
• “Na literatura recreativa latina dos séculos XII e XIII, as imagens de banquete, assim como
as ligadas à virilidade, estão habitualmente concentradas em volta da figura de um monge
bêbado, glutão e dissoluto.” (p.257) > Para Bakhtin a figura do monge está em contradição
com o ideal ascético cristão e sua glutonaria é reflexo da ociosidade. Mas como as imagens
são ambivalentes ele também representa o princípio “gordo” (comer, beber, alegria), ou seja,
elogiam e censuram ao mesmo tempo.
• “Ouvimos a voz do clérigo de origem popular, que se empenha em ilustrar os valores
materiais e corporais, sem sair contudo dos limites do sistema de concepção do clero.
Naturalmente, essas obras estavam aparentadas às recreações, à alegria das festas, aos dias
gordos durante os quais todas as licenças eram concedidas.” (p.257)
• Muitas obras do séc. XIII tratam de analogias com concílios do clero tratando de assuntos
como o direito dos clérigos de ter mulheres e etc.
• “Na poesia dos vagantes, as imagens do beber, do comer, do jogo e do amor revelam as
suas ligações com as formas da festa popular. Encontra-se ainda a influência da
tradição antiga das canções para beber. Mas, no conjunto, as imagens de banquete
ingressam na nova via do desenvolvimento individual e lírico.” (p.258)
• O elo
• Na tradição
• As imagens

• Capítulo Quinto – A imagem grotesca do corpo em Rabelais e suas fontes
• Exagero
• Três tipos de riso segundo o pesquisador alemão Schneegans em sua obra História da Sátira
Grotesca (1894): O bufo, direto, mais ingênuo e sem malícia; o burlesco, malícia e
rebaixamento das coisas elevadas e não é direto, pressupõe conhecimento do que é
rebaixado; e o grotesco, ridicularização de fenômenos sócias levando os vícios ao extremo,
também não é direto, pois pressupõe o conhecimento dos fenômenos sociais ridicularizados.
Para o autor o grotesco exagera caricaturalmente um fenômeno negativo, é dirigido contra o
que não deveria se e daí ser sempre satírico.
• Para Bakhtin as concepções de Schneegans são errôneas, pois ele desconsidera a
ambiguidade das imagens ao dizer que o exagero é feito apenas com fenômenos negativos.
• O cômico popular é carregado de autenticidade.
• Para Rabelais o nariz (substituto do falo) e a boca desempenham papel importante na
imagem grotesca do corpo. O corpo grotesco está em movimento, em construção.
• “Por isso os principais acontecimentos que afetam o corpo grotesco, os atos do drama
corporal – o comer, o bebe, as necessidades naturais (e outras excreções: transpiração,
humor nasal, etc.), a cópula, a gravidez, o parto, o crescimento, a velhice, as doenças, a
morte, a mutilação, o desmembramento, a absorção por um outro corpo – efetuam-se nos
limites do corpo e do mundo ou nas do corpo antigo e do novo; em todos esses
acontecimentos do drama corporal, o começo e o fim da vida são indissoluvelmente
imbricados.” (p.277)
• Bakhtin fala sobre o “tabu” (novo cânon de boas maneiras da sociedade) que se criou a
partir do século XVI sobre a linguagem para se referir ao corpo, sendo mal visto falar dos
orifícios, características e aspectos que mostrem o corpo como sendo inacabado, imperfeito.
As imagens corporais (boca, ventre, órgãos genitais) perdem seu significado simbólico e
ambíguo.
• “Na imagem do corpo individual visto pelos tempos modernos, a vida sexual, o comer, o
beber, as necessidades naturais mudaram completamente de sentido: emigraram para o plano
da vida corrente privada, da psicologia individual, onde tomaram um sentido estreito,
específico, sem relação alguma com a vida da sociedade ou o todo cósmico. Na sua nova
acepção, eles não podem mais servir para exprimir uma concepção do mundo como faziam
antes.” (p. 280)
• O tema do corpo procriador ligado ao tema da imortalidade histórica do povo.
• Os elementos cósmicos ligados aos elementos corporais e o medo cósmico ligado às
imagens escatológicas.
• As imagens de gigantes, as “maravilhas” da Índia (imagens de seres míticos como sereias,
ciclopes, harpias, etc.), as diabruras, as relíquias e as injúrias são fontes da concepção
grotesca do corpo ressaltadas por Rabelais.

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