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ABSTRACT: Aspects connected with language from different points of view are dealt
with in this text which aims to highlight the importance of a broad training when the
relationship between theoretical constructs and applications, as well as the existence
of possible mediators, are taken into account. A rigorous look at the above-mentioned
relationship will lead to the evaluation of the weight of each one of its terms and not to
over- or underestimate either of them based or not upon misconceptions. Points used to
exemplify the content of this text are the following: 1) spontaneous and scientific concepts
from an ontogenetic perspective using the definition of sentence and the acquisition of
language structures by pre-school and school-age children; 2) the distinction between
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0 - Nota prévia
O título deste texto não devia deixar dúvidas de que quem o escolheu
possui uma formação em Psicolinguística, ciência que tem em vista realidades
concretas e não meras abstracções, mercê do seu carácter explicativo e
aplicado, e que busca, tanto quanto lhe é possível, soluções para a vida
prática, recorrendo, como bem realça Slama-Cazacu (2007: 81), a métodos
adequados que se coadunem com uma pesquisa em profundidade no
intento de atingir as raízes dos factos.
1
O presente poema foi-me enviado pelo autor por correio electrónico.
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“To use technical words and phrases, language users have the right
but there is an important, coexisting terminological obligation:
to use each term competently, as an appropriate symbolic light
and also globally promote ways of dignifying communication.”
2 - O conceito
A necessidade de se examinar com rigor a presumível ligação entre os
conceitos e os respectivos termos permite-me que inicie este texto com uma
breve abordagem ao que se deve entender por conceito, sensibilizando, dessa
forma, também quem se move na área da Linguística, como pesquisador
ou como docente nos mais diversos níveis, para o que representa a sua
evolução e a sua caracterização de um ponto de vista teórico e também
prático.
Obviamente consciente das implicações advindas da população e do
material estudados, evocaria, desde já, a este propósito, em virtude de
vir em defesa do aduzido, uma posição que nos coloca face à expectável
indispensabilidade da existência de conceitos subjacentes quando está
em causa a recuperação lexical (Damasio, Tranel, Grabowski, Adolphs &
Damasio 2004: 185). A alusão a esta posição vem na sequência de Damasio
et al. (2004) nunca terem encontrado nos seus experimentos nenhum
sujeito que “would produce a correct name, and then fail to recognize the
stimulus that was named” (Damasio et al. 2004: 185). Efectivamente, estes
investigadores procuraram verificar, num subconjunto de sujeitos com
respostas correctas em tarefas de nomeação, se estes tinham recuperado o
conceito relativo a um determinado item antes de recuperarem o respectivo
nome, e, tal como esperavam, isso registou-se (Damasio et al. 2004: 185).
Ontogeneticamente, reveste-se de pertinência, em minha opinião,
acrescentar ao referido, com fundamento em Nelson (1974: 269), que a
criança tende a inventar uma palavra quando possui um significado2 mas
ainda não dispõe da palavra que lhe corresponde. Ademais, como adverte a
autora mencionada, essas produções da criança espelham a sua organização
2
O termo “significado” é aqui usado como sinónimo de conceito (Ginsburg & Opper 1979: 76; Furth 1981: 77)
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do dia-a-dia, ver Ginsburg & Opper 1979: 131). Dito de outra forma e
sempre com base em Vygotsky (1962: 90), à semelhança do que se passa
noutras situações, o controle e a consciência do conceito só se verificarão
depois de este ter sido usado e praticado de um modo não consciente e
espontâneo. Avançaria assim, firmada em Vygotsky, que a criança necessita
de possuir primeiro o conceito para posteriormente poder exercer sobre ele
um controle intelectual e deliberado (Vygotsky 1962: 90).
De novo em consonância com o pensamento de Vygotsky (1962: 108), a
criança só toma consciência relativamente tarde dos seus conceitos, mesmo
dos espontâneos. Quanto à capacidade de os definir por meio de palavras e
de operar com eles, esta só aparece, seguindo a mesma fonte, muito depois
de a criança os ter adquirido. A criança poderá pois possuir o conceito, ou
melhor, conhecer o objecto a que ele se reporta, mas não se pode inferir
daí que já esteja consciente do seu acto de pensamento (ver Vygostky 1962:
108).
Destacaria, neste contexto, o desfasamento cronológico entre o que se
supõe que o aprendente detém em termos de conceitos e a sua capacidade de
os definir verbalmente, de operar com eles e de sobre eles exercer controle
deliberado. Uma tomada de consciência desta visão do conceito impedirá
com certeza aplicações apressadas de aparelhos conceptuais que exijam, na
prática, habilidades de níveis de abstracção e de consciencialização ainda
em construção3.
Na minha leitura de Piaget (1945) e de Vygostky (1962), a noção de
classe e naturalmente o domínio das relações de inclusão – a capacidade
de pensar em simultâneo no todo e nas partes – estão estreitamente ligados
à formação do conceito em geral (espontâneo e científico). O processo de
ordem lógica que a formação do conceito evidencia pode portanto já ser
visível nas várias etapas da passagem do pré-conceito ao conceito, uma vez
que este também pode ser visto em estreita dependência da progressiva
instalação da noção de classe resultante do domínio das relações inerentes
à inclusão que a ela está associada. Nesta abordagem à construção do
conceito, que aponta para o domínio da noção de classe e para o que ela
3
O senso comum estará muito longe disso? Não haverá gradações?
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uma letra”; “Não, porque não é um conjunto de letras”; “Não, porque não diz nada”;
“É, porque está a qualificar uma coisa: o carro”; “Não, não significa nada”.
Aos 9 anos:
“É uma letra”; “É, mas é só uma letra”; “Não, porque não faz sentido”; “Não, é
uma letra, é um artigo definido”; “É, porque é um artigo”; “Não, porque é um artigo”.
Aos 4 anos:
“e, i, o, u, mesa”, “Gato. Tem poucas coisas a dizer”
Aos 5 anos:
“Fósforo, porque é pequeno”
Aos 6 anos:
“Cão. Se o cão for grande, a palavra é grande. Se o cão for pequeno, a palavra
é pequena”
Aos 7 anos:
As respostas dadas remetem, de um modo geral, para a referência ao facto de as
palavras curtas conterem poucas letras.
Aos 8 anos:
“Milho, porque o milho é uma coisa pequena”; “Carro, porque alguns carros
também são pequenos”
Aos 9 anos:
As respostas obtidas foram todas consideradas correctas.
4 Neste momento, prescindiria de evocar a possível associação de cada um dos hemisférios a esses processos
(Goldman-Eisler (1968: 29), reportando-se a Jackson 1878).
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5 Para uma familiarização com os desempenhos das crianças quando devem atribuir funções/casos aos vários
nomes ocorrentes nas tarefas verbais que lhes são propostas, aconselharia a leitura de dois artigos clássicos: o artigo de
Sinclair e Ferreiro (1970) sobre o estudo genético da passiva e o estudo psicolinguístico genético, da autoria de Sinclair
e Bronckart (1972), tendente a responder à pergunta se S.V.O. é um universal linguístico.
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6
A referência à recuperação lexical (e conceptual), para indicar unicamente um dos aspectos do processamento
da linguagem, não contemplando por isso, por exemplo, os processamentos fonológicos e sintácticos (Damasio et al.
2004: 182), faz-nos observar o que cada uma dessas recuperações implica também do ponto de vista psicolinguístico
e mesmo neurológico.
Como ver uma recuperação lexical, uma nomeação correcta de itens únicos referentes a pessoas e de itens não
únicos relativos a animais, frutos, legumes, utensílios, instrumentos musicais, etc., sem o seu reconhecimento prévio,
sem a sua recuperação conceptual (Damasio et al. 2008)?
Que se passará quando não se trata de itens destas categorias, mas de índole mais abstracta?
Não será oportuno questionar o estudo de palavras soltas em tarefas que finalmente se enquadram com dificuldade
no uso natural da língua (Paradis 2007)? (Esta questão será retomada na secção 4 deste texto.)
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7
Os exemplos de erros ortográficos de que se serve Veloso (2010: 22, com base em Pinto 1998) são os seguintes:
levoa; saltole; derrepente.
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8
Os modelos propostos, por exemplo, para o período das operações formais descrevem as capacidades do
adolescente, mas não necessariamente o que cada um faz em qualquer ocasião (ver Ginsburg & Opper 1979: 197). O
modelo das operações formais de Piaget descreve por conseguinte o nível óptimo de funcionamento do adolescente e
não obrigatoriamente o seu desempenho típico (Ginsburg & Opper 1979: 201).
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9
O fenómeno do desfasamento horizontal leva a olhar as diferentes áreas como possíveis causas da não aplicação
generalizada às várias áreas de um tipo de pensamento/raciocínio já utilizado previamente com sucesso numa ou
noutra área pelo sujeito (ver Ginsburg & Opper 1979: 152). Boulinier (1989: 4), por seu turno, adianta que “Les travaux
de Piaget nous apprennent que seulement 20% des adultes fonctionnent dans l’abstraction.”
10
Assim, em certas culturas ocidentais, alguns adolescentes parecem não ser capazes de realizar as operações
formais e, em algumas culturas não ocidentais, as operações formais parecem encontrar-se ausentes, mesmo nos
adultos (ver Ginsburg & Opper 1979: 201).
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capacidade, que poderá estar distribuído por áreas mais extensas de ambos
os hemisférios e envolver vários mecanismos do raciocínio consciente (ver
Paradis 2004: 23-24).
Esta leitura de Paradis e a posição já focada de Geschwind (1984:
35), que se manifestam críticas em relação aos pontos de vista sobre a
organização neurológica do cérebro no que diz respeito à linguagem, por
não considerarem nem ambos os hemisférios, nem as conexões no interior
do sistema, vão ao encontro da ideia que também ressalta do artigo de
Damasio et al. (2004: 180) na altura em que estes autores se pronunciam
acerca da visão anatómica clássica, que não acham que esteja incorrecta,
mas acham sim que se revela bastante incompleta. Não pensam Damasio
et al. (2004: 180) que se mantenha razoável admitir a ideia de que sejam
unicamente as áreas de Broca e Wernicke – as duas áreas tradicionalmente
ligadas à linguagem conectadas de um modo directo e unidireccional – que
possam traduzir pensamentos em palavras e palavras em pensamentos. E,
a este respeito, escrevem: “Any current consideration of the macrosystems
involved in the processing of language requires the involvement of many
other brain regions, connected by bidirectional pathways, forming systems
that can subsequently cross-interact” (Damasio et al. 2004: 180).
Os autores tentam ainda justificar o que referem valendo-se de estudos
sobre problemas de recuperação lexical e conceptual não associados a áreas
ditas clássicas para a linguagem. E anotam: “Observations such as these
[...] as well as work from others [...] indicate that even when just a single
aspect of language processing is considered, for example word retrieval, the
minimally necessary language map goes well beyond the classical language
areas.” (Damasio et al. 2004: 182).
Para estes investigadores (Damasio et al, 2004: 179), as regiões que
identificaram no seu estudo fizeram com que passassem a ver essas
áreas como sendo partes de sistemas flexíveis compostos por múltiplas
componentes que se destinam a efectuar a recuperação de conceitos e de
palavras correspondentes a entidades concretas pertencentes a diferentes
categorias conceptuais.
Relacionado com o que Paradis expõe em termos do que é da
responsabilidade do H.D. no que respeita à linguagem, pode também
avançar-se que Damasio et al. (2004) encontram localizações para o
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REFERÊNCIAS
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Boulinier, M. 1989. Le rythme et l’espace chez l’être humain. Lettre d’Information de
l’Association Langage Lecture Orthographe. 7: 3-4.
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Smith (Eds.). Biological perspectives on language. Cambridge, Massachussets/London,
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http://www.uqam.ca/entrevues/2008/e2008-008.htm, acedido em 09-06-2009.
Damasio, H.; Tranel, D.; Grabowski, T.; Adolphs, R.; Damasio, A. 2004. Neural systems
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122 Pinto, Mª da Graça L. Castro - Dos construtos teóricos para as aplicações (...)
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