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PATOLOGIZAÇÃO DO DESEJO: O HOMOSSEXUALISMO MASCULINO NOS

MANUAIS DE MEDICINA LEGAL DO BRASIL DAS DÉCADAS DE 1940 E 1950

Leonardo Diogo Cardoso Nogueira Machado


Ana Paula Vosne Martins

Palavras-chave: homossexualidade; Medicina Legal; discursos normativos.

xleonardo401x@hotmail.com

Considerada um elemento a-histórico ou natural, a sexualidade foi desde o fim do


século XIX um objeto negligenciado pela história, sendo mais estudado pelas ciências
naturais e biológicas. No entanto, a partir do fim da década de 1960 e principalmente ao
longo da década de 1970 a sexualidade se torna gradualmente um campo de investigação
das ciências humanas. Sob a influência dos movimentos feministas e daqueles que
militavam pelos direitos lésbicos e gays, começaram a surgir trabalhos que se debruçaram
sobre objetos e temáticas anteriormente ignorados pela produção historiográfica.
Principalmente a partir de estudos nas áreas dos gender studies e dos gay and lesbian
studies, a sexualidade de mulheres, de homossexuais e, posteriormente, de homens
heterossexuais passou a ser objeto do saber histórico.
Neste novo campo de interesse da história surgiram instigantes investigações que
podem ser divididas, por seus objetos e suas interrogações, em dois grandes caminhos de
análise distintos mesmo se nem sempre contraditórios. O primeiro diz respeito aos
trabalhos que se debruçaram sobre as “vivências e (o) cotidiano da sexualidade,
priorizando o estudo dos comportamentos reveladores dos variados usos do corpo”1. O
segundo caminho é tributário das formulações do pensador francês Michel Foucault e
aponta para a história dos discursos sobre o sexo.
O presente trabalho se inscreve neste último caminho de análise, tendo por objeto
os discursos da medicina legal brasileira das décadas de 1940 e 1950 acerca da
homossexualidade masculina.
Recolocando em questão a “hipótese repressiva”, isto é, a idéia de uma contínua e
crescente repressão da sexualidade a partir do século XVII, Michel Foucault2 defende que
a história da sexualidade está marcada por uma explosão ou crescente multiplicação dos
discursos sobre o sexo desde o fim do século XVI.
Desta forma, seria necessário analisar a história da sexualidade não do ponto de
vista da repressão, mas através da idéia da formação, a partir do século XVIII, de um novo
saber sobre o sexo. Indo além, deveríamos seguir, analisar e tentar compreender a
formação deste saber no interior de um processo amplo de instalação, na maior parte do
mundo ocidental, de um novo tipo de poder, de uma nova economia de poder,
reconhecendo assim a relação entre poder e saber estabelecida pelo pensador francês3.
Neste sentido, Foucault articula a emergência de um novo saber sobre o sexo à instauração
do bio-poder nas sociedades ocidentais.
O mundo ocidental a partir do século XVIII viveu um processo de racionalização
da sociedade e de suas instituições. Este processo foi concomitante, investiu e foi investido
por outras importantes transformações sociais vividas no período. A urbanização, os

1
ENGEL, Magali. História e sexualidade. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (org.)
Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Campus. Rio de Janeiro, 1997. pp. 297-311.
2
FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité I. La volonté de savoir. Paris. Gallimard, 1976.
3
Op. Cit.
avanços tecnológicos e das ciências naturais e sociais marcaram o século XVIII e,
principalmente, o século XIX, gerando ansiedade e perturbando os espíritos, ou seja,
inaugurando novas sensibilidades que, mais propensas a serem influenciadas pela razão,
clamavam por uma “ciência da sociedade”. Uma ciência capaz de guiar os indivíduos
pelas trevas da modernidade, de oferecer respostas e acalentar os espíritos.
Desta maneira, a religião enquanto orientadora de um discurso de explicação dos
fenômenos que operava tão bem em um mundo menos ansioso e mais previsível perdeu
espaço a partir do século XVIII. Foi então neste mundo que clamava por explicações
racionais de certos fenômenos cotidianos que a medicina forjou um lugar de enunciação
legítimo.
A partir do século XVIII a cidade começou a ser considerada um espaço
patogênico, no qual a transmissão de doenças e o aparecimento de epidemias colocavam
em questão a qualidade do ar, a circulação da água e a concentração de pessoas e de
coisas4. É então no espaço urbano, compreendido enquanto um organismo que possui uma
saúde a ser vigiada, que os médicos intervieram primeiro.
É neste contexto que o sexo foi colocado em discurso pelo saber médico. Ora, o
sexo com seu poder de produzir a vida preocupou a burguesia do século XIX. Não é por
acaso que o sexo heterossexual reprodutivo foi o primeiro a ser interrogado. Com o
objetivo de se produzir uma descendência saudável, a burguesia vitoriana olhou para seu
sexo, tentando educá-lo e controlá-lo. Preocupando-se com seu bom uso e tentando evitar
o dispêndio desnecessário de suas energias, “a moralidade burguesa, especialmente no
tocante à sexualidade, fazia duras exigências e impunha tensões sem precedentes às
classes médias”5.
É desta maneira que a instituição médica6 enquanto autoridade estabelecida no que
diz respeito a saúde do corpo social forja um espaço de enunciação legítimo sobre o sexo;
um poder discursar ou um poder de discurso. Parte de um projeto político, a “colocada do
sexo em discurso” serviu igualmente para que médicos reafirmassem ou revindicassem sua
legitimidade enquanto instituição de controle social.
Eis a mudança capital situada na virada do século XVIII para o século XIX; o sexo
passa a pertencer ao domínio da medicina. A partir da exigência de normalidade e se
organizando ao redor da temática da vida e da doença – temáticas próprias ao sistema do
bio-poder do qual fala Foucault– a verdade sobre o sexo deveria a partir de então ser
pronunciada pela instituição médica.
Em suma, o sexo teria se tornado um elemento muito importante no processo de
desenvolvimento e implementação do bio-poder nas sociedades disciplinares ocidentais;
elemento pelo qual este poder estende seus efeitos e amplia seu campo de ação. A
exigência de normalidade e o controle sobre a vida passam pela normalização e controle
do sexo. É assim possível perceber como o sexo foi um elemento importante de um jogo
político. Muitos médicos buscavam afirmar sua autoridade e sua legitimidade de discurso
através da enunciação da “verdade sobre o sexo”. No mesmo sentido, a preocupação com
o sexo e com sua capacidade de produzir uma descendência saudável ou conduzir a
civilização ao seu declínio através da transmissão de taras e doenças permitiu que os
médicos interviessem constantemente sobre o corpo dos indivíduos.

4
FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social In: Microfísica do poder. Edições Graal. Rio de
Janeiro, 1979. pp. 79-98.
5
GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. A educação dos sentidos. Companhia das
Letras. São Paulo, 1988, p. 51.
6
Compreendendo esta instituição em um sentido mais amplo; medicina do sexo, psiquiatria, sexologia, entre
outras disciplinas.
A teoria da degenerescência marcou muito os espíritos do século XIX,
extrapolando os limites dos lugares oficiais de produção do discurso científico e se
disseminando pelo tecido social. Primeiramente formulada pelo psiquiatra francês
Benedict Augustin Morel7 esta teoria afirmava que os vícios, taras e anormalidades dos
indivíduos poderiam ser transmitidos hereditariamente e agravados de geração em
geração. A aceitação e reprodução desta teoria articulada a outras transformações sociais
permitiram que os médicos deslocassem seu olhar do casal heterossexual reprodutor em
direção a definição e controle dos indivíduos de sexualidade anormal, desviante ou
perversa. Ora, foi a teoria da degenerescência que possibilitou o estabelecimento de uma
relação entre perversão, hereditariedade e degenerescência dos indivíduos, fazendo das
perversões sexuais uma preocupação para com o devir da civilização.
É assim que na segunda metade do século XIX as perversões sexuais começaram a
ser interrogadas pelos indivíduos capacitados a pronunciar a verdade sobre a saúde da
sociedade. Os médicos buscaram assim cercar, definir, classificar e controlar aqueles
sujeitos que carregavam consigo os vícios que colocariam em risco o futuro da raça. Desta
maneira, o corpo homossexual começa a ser desenhado nos manuais médicos.
Nossas fontes se inscrevem neste movimento de medicalização do sexo e,
particularmente, das perversões sexuais. Em grande parte tributários dos autores europeus
que se preocuparam com a “homossexualidade”, os médicos legistas brasileiros podem
mesmo ser considerados herdeiros desta tradição de medicalização das perversões sexuais.
O objetivo deste trabalho foi o de analisar o discurso médico legal brasileiro das
décadas de 1940 e 1950 acerca da homossexualidade masculina. Buscamos compreender
não somente os termos dos debates estabelecidos entre os autores brasileiros, mas
procuramos igualmente analisar a influência dos autores europeus da segunda metade do
século XIX e início do século XX sobre a produção nacional, inscrevendo assim nossos
autores numa tradição mais ampla e mais antiga de medicalização da homossexualidade.
Para tanto, dividimos nossas fontes em dois conjuntos distintos. O primeiro
conjunto de fontes analisado foi composto pelos autores “clássicos” europeus que muito
influenciaram a produção brasileira.
Primeiramente trabalhamos sobre a obra de 1859 do médico legista francês
Ambroise Tardieu intitulada “Étude médico-légale sur les attentats aux moeurs”. Em
seguida analisamos a influente obra “Psycopathia sexualis” do psiquiatra alemão Richard
Von Krafft-Ebing publicada em 1895. O terceiro autor analisado foi Havelock Ellis
através do seu livro “Sexual Inversion” de 1896. Finalmente, nos debruçamos sobre as
formulações de Sigmund Freud presentes na obra “Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade” de 1909.
Ao analisar este primeiro corpo de fontes buscamos acompanhar os debates entre
estes autores, procurando estabelecer as nuances, discordâncias e singularidades das obras
bem como suas semelhanças. Desta forma, analisamos como estes autores definiram a
homossexualidade (disfunção psíquica, somática, moral, de causas congênitas ou
adquiridas, entre outros fatores...), com quais aspectos desta experiência eles se
preocuparam e quais as imagens do corpo homossexual que puderam ser entrevistas
naquelas produções. Para evitar o anacronismo e a visão teleológica que marcaram muitas
das produções da história das ciências, nos preocupamos em contextualizar nossas fontes

7
Benedict Augustin Morel (1809-1873) foi um psiquiatra franco-austríaco. Membro da Société de Médecine
de Rouen, da Académie des sciences, belles-lettres et arts de Rouen e da Société médico-psychologique de
Paris, Morel foi um dos primeiros a teorizar sobre a degenerescência e a demência precoce.
já que mesmo se as ciências médicas “podem ter ritmos próprios e critérios de produção
8
do saber que são específicos, continuam ligadas a cultura na qual elas evoluem” .
Nosso segundo conjunto de fontes foi composto por autores brasileiros que, ao
terem produzido no interior de um espaço legítimo de enunciação, nos permitiram
acompanhar os debates existentes no interior da medicina legal brasileira.
Estudamos em um primeiro momento a obra “Homossexualismo Masculino” de
autoria de Jorge Jaime. Recorremos à 2ª edição de 1953 que faz parte do acervo da
Biblioteca de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná. Este trabalho foi
apresentado pela primeira vez em 1947 como tese de seminário na cadeira de Medicina
Legal na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.
Analisamos também a obra de Napoleão L. Teixeira, professor catedrático de
Medicina Legal da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. A obra de
Teixeira, “Psicologia Forense e Psiquiatria Médico-Legal” foi publicada em Curitiba no
ano de 1954.
O outro livro que analisamos é da autoria de Afrânio Peixoto, professor de
Medicina Legal da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e grande nome da sexologia
brasileira. Analisamos a 3ª edição de sua obra “Sexologia Forense”, publicada pela
Companhia Editora Nacional em 1934. Esta é a única obra que não foi produzida na
década de 1940 ou na de 1950, contudo ela foi muito lida e comentada nas décadas que se
seguiram ao seu lançamento, o que justifica nossa escolha.
A obra “Psicopatologia Forense” de José Alves Garcia, publicada em 1958,
conclui nosso corpo de fontes. Garcia foi professor entre 1950 e 1954 no curso de
doutorado da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.
Após termos analisado as concepções e representações do corpo homossexual
presentes nas produções européias, buscamos acompanhar o debate brasileiro, tentando
compreender quanto os autores nacionais foram influenciados pelos autores europeus e
quais são os elementos que marcam a originalidade de nossos autores. Assim, nosso
trabalho de análise buscou primeiramente acompanhar os debates existentes entre os
autores brasileiros e os autores europeus, com o objetivo de compreender como se deu a
apropriação, pelos médicos nacionais, das formulações dos médicos europeus. Em
seguida, procuramos traçar quais as semelhanças e discordâncias existentes nas obras
brasileiras analisadas. Isto nos ajudou a compreender como se deu a ativação das
representações do corpo homossexual presentes nas fontes brasileiras, nos possibilitando
entrever a coexistência, nestas obras, de diversos modelos diferentes de explicação da
homossexualidade que por vezes são contraditórios ou pouco compatíveis.
A análise da produção médico-legal brasileira acerca da homossexualidade nos
permitiu compreender como os autores brasileiros se apropriaram das teorias européias,
construindo algo novo e diferente. A preocupação com as maneiras femininas dos
homossexuais, com a natureza passiva de seus modos e de sua personalidade que pode ser
entrevista nas produções analisadas revela a possível influência de sistemas populares de
representação da sexualidade na produção científica brasileira.
Assim, para compreender a influência desses sistemas populares sobre as
representações médicas acerca da homossexualidade recorremos ao trabalho “Para inglês

8
“peuvent avoir des rythmes propres et des critères de production du savoir qui leur sont spécifiques,
demeurent liées à la culture dans laquelle elles évoluent” (tradução livre) COFFIN, Jean-Christophe. Sexe,
hérédité et pathologies. Hypothèses, certitudes et interrogations de La medicine mentale, 1850, 1890. In :
GARDEY, Delphine et LOWY Ilana (dir.) L’invention du naturel. Les sciences et la fabrication du féminin
et du masculin. Editions des archives contemporaines. Paris, 2000.
.
ver: Identidade e Política na cultura brasileira”9 no qual Peter Fry nos expõe um sistema
de representações sobre a sexualidade presente no Brasil da primeira metade do século XX
e em alguns setores da sociedade brasileira da segunda metade do mesmo século.
Neste sistema de representações, a homossexualidade enquanto perversão ou
inversão da orientação sexual não era um conceito tão importante quanto a idéia de
hierarquia, de dominação ou submissão baseada nos papéis de gênero. Isto é, um
“homem” poderia se relacionar com uma “bicha” – indivíduo que adota um papel
feminino, logo submisso, de gênero – sem perder seu status. Neste sentido, um homem
poderia manter relações sexuais com um indivíduo de mesmo sexo e continuar sendo
considerado “homem” contanto que assumisse o papel ativo na relação sexual.
A partir deste sistema em que a orientação sexual não é o elemento classificativo
mais importante, o mundo masculino não seria dividido entre homossexuais e
heterossexuais, mas entre “homens” e “bichas”. Assim, as representações das relações
sexuais e afetivas eram baseadas muito mais no papel de gênero assumido (papel
masculino ou papel feminino) e no comportamento sexual dos indivíduos (atividade ou
passividade sexual) que na orientação sexual (heterossexualidade ou homossexualidade)10.
Fry defende a idéia de que este sistema de representações esteve ativo em toda a
sociedade brasileira e concorreu com outros sistemas durante a primeira metade do século
XX. Ora, a preocupação de muitos médicos brasileiros com a “natureza feminina” dos
homossexuais e a verborragia acerca dos indivíduos de maneiras efeminadas acusa a
possível influência que este sistema de representação teve sobre as produções por nós
analisadas.
Objetivando melhor contextualizar nossas fontes e, desta maneira, analisá-las sob
a luz das transformações históricas da sociedade e das comunidades profissionais no
interior das quais elas foram produzidas, dividimos o presente trabalho em três capítulos
que buscaram dar conta de algumas questões importantes.
O primeiro capítulo intitulado “A emergência do homossexual no e pelo discurso
médico”, se propôs a compreender como se deu a emergência da categoria “homossexual”
nos discursos médicos do século XIX e começo do século XX. Para tanto, dividimos este
capítulo em três tópicos de análise. Apoiando-nos sobre as reflexões de Peter Gay e de
Michel Foucault11, analisamos primeiramente como, a partir do século XVIII, os médicos
passaram a ter autoridade para se pronunciar sobre a saúde da sociedade. Em um segundo
momento, buscamos compreender como o conhecimento médico se constituiu como um
saber legítimo de produção da verdade sobre o sexo e como por sua vez o sexo se tornou
uma das bases de sustentação do saber médico. Finalmente, analisamos como o corpo
homossexual se tornou um objeto privilegiado pelo olhar médico - olhar este que não
apenas se volta ao corpo homossexual, mas o define, materializando-o.
O segundo capítulo de nosso estudo foi intitulado “Os contornos da perversão:
definições e imagens do corpo homossexual nos manuais de medicina e de sexologia do
século XIX e da primeira metade do século XX”.
Neste capítulo buscamos analisar nosso primeiro conjunto de fontes tentando
identificar as imagens nelas presentes dos perversos, invertidos e homossexuais,
procurando compreender os termos do debate que existiu entre os autores analisados e
acompanhando assim a evolução das representações produzidas. No entanto, com o
objetivo de contextualizar nossas fontes, analisamos neste capítulo a emergência, na

9
FRY, Peter. Para Inglês Ver: Identidade e Política na Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
10
Op. Cit.
11
GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. A educação dos sentidos. Companhia das
Letras. São Paulo, 1988 e FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social In: Microfísica do poder.
Edições Graal. Rio de Janeiro, 1979. pp. 79-98.
segunda metade do século XIX, da autoridade da medicina legal em se pronunciar sobre a
sorte de certos indivíduos e as disputas de influência então existentes entre a medicina e a
justiça para se determinar “à qual esfera pertencem os perversos”12. Para tanto, as
formulações de Sylvie Chaperon13 nos foram de grande utilidade. Em seguida, estudamos
brevemente a produção do masculino e do feminino no interior dos discursos médicos, já
que a construção do corpo invertido está relacionada a um processo de produção da
diferença sexual. Finalmente, sob a luz de tais análises, passamos ao exame das nossas
fontes.
“O vício ao sul do Equador: medicalização e institucionalização da
homossexualidade no Brasil da primeira metade do século XX” é o título de nosso terceiro
e último capítulo ao longo do qual pretendemos dar conta da análise de nosso segundo
conjunto de fontes. Buscamos em um primeiro momento observar o contexto brasileiro da
primeira metade do século XX; período no qual médicos legistas e psiquiatras
consolidavam sua autoridade na formulação de pareceres a respeito de problemas de saúde
mental e seus impactos nos comportamentos. Para além, uma vez que o corpo
homossexual foi cercado e definido na fronteira das concepções de crime e loucura,
analisamos igualmente neste capítulo o movimento de superposição das imagens de louco
e criminoso nas práticas médicas e jurídicas, em especial aquelas que pesaram sobre o
corpo homossexual.
Novos dispositivos legais ativados no século XIX permitiram que médicos
começassem a intervir em alguns casos que abalavam a lógica do sistema jurídico. Isto é,
nos casos em que a sanidade mental do criminoso era colocada em questão, o saber
jurídico deveria se auxiliar de um corpo especializado de médicos. Assim, nos casos que
se situavam na fronteira entre crime e loucura, o saber jurídico deveria interrogar o saber
médico.
O corpo homossexual foi, desta maneira, cercado e definido no embate existente
entre os saberes jurídico e médico. Neste sentido, a medicalização da homossexualidade
foi parte de um projeto político de consolidação da medicina e da psiquiatria enquanto
instituições de controle social. Os médicos buscavam, através de suas produções
“científicas” e “objetivas”, afirmar sua autoridade em se pronunciar sobre aqueles
indivíduos de personalidade desviante. Desta forma, os médicos buscaram reafirmar
constantemente o caráter patológico do desejo homossexual com o objetivo de legitimar
seu lugar de enunciação. Objeto de intervenção de múltiplos saberes e poderes, o corpo
homossexual foi desenhado, no Brasil da primeira metade do século XX, na fronteira das
práticas jurídico-punitivas e psiquiátrico-terapêuticas.

12
“de quelle sphère relèvent les pervers” (tradução livre). LHOMOND, Brigitte. Nature et homosexualité:
Du troisième sexe à l’hypothèse biologique . In : GARDEY, Delphine et LOWY Ilana (dir.) L’invention du
naturel. Les sciences et la fabrication du féminin et du masculin. Editions des archives contemporaines.
Paris, 2000. p. 154.
13
CHAPERON, Sylvie. Les origines de la sexologie. 1850-1900. Louis Audibert, 2007.

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