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Mark Lilla: "Hoje, os jovens

só se interessam pelo que os


afeta pessoalmente"
O cientista político e historiador americano critica o efeito “despolitizador” das políticas
identitárias e afirma que os progressistas devem se concentrar em cidadania

O cientista político americano Mark Lilla Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Ruan de Sousa Gabriel


02/12/2018 - 10:00

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9 perguntas para
Mark Lilla
1. O que é liberalismo
identitário e por que o senhor
argumenta que ele é
despolitizador?

Na história recente dos Estados Unidos, houve dois tipos de política


identitária. A primeira, dos anos 50 a 70, defendia os direitos de afro-
americanos, mulheres e gays. Lutava por igualdade, cidadania e
solidariedade. Exigia reparação histórica, mas era também generosa. Por
isso, conquistou a solidariedade de pessoas que não pertenciam a esses
grupos. Um segundo tipo de política identitária floresceu a partir dos
anos 80, obcecada pela identidade pessoal, com o que diferencia você dos
outros. A primeira dizia “somos todos iguais e queremos ser tratados com
igualdade”. Já essa segunda política identitária se baseia na afirmação da
diferença e na exigência de respeito à singularidade. Ninguém pode falar
em nome de ninguém. Isso jogou as pessoas umas contra as outras.
Quando eu era estudante, nos anos 60, e o marxismo ainda estava por aí,
nós nos interessávamos por um pouco de tudo: política, economia, raça,
classes sociais. Hoje, os jovens só se interessam pelo que os afeta
pessoalmente e não enxergam a necessidade de se engajar numa luta
comum com outras pessoas. São despolitizados no sentido de não saber
como ganhar o poder político.

2. O senhor diz que os progressistas devem oferecer uma visão


ambiciosa dos Estados Unidos, “capaz de inspirar cidadãos de
todas as classes sociais em todas as regiões do país”. Como
construir uma visão diferente dos EUA do passado (branco,
anglo-saxão, protestante e industrial) e adequada a um país
que hoje tem mais diversidade econômica, social, racial e
sexual?

O liberalismo do passado e o do futuro devem compartilhar dois


princípios fundamentais, solidariedade e igualdade, e reinterpretá-los à
luz da situação atual. Imagine um ex-metalúrgico branco de Detroit que
não consegue emprego para sustentar sua família e um negro de classe
média que é com frequência parado pela polícia quando dirige. A
preocupação de um deles é econômica; a do outro é o racismo. No
entanto, uma plataforma política baseada na defesa da solidariedade e da
igualdade pode contemplar ambos. O futuro de todos nós depende do
bem comum, precisamos enfrentar certos problemas coletivamente.

3. Como os progressistas podem articular um discurso que


inclua a defesa das minorias sem abandonar as políticas sociais
e econômicas e alienar o resto do eleitorado?

Burgueses como eu e você pensam que as minorias têm uma voz e


demandas unificadas. Não têm. Se você é um trabalhador negro ou uma
mãe solteira negra, você não está pensando em reparação racial, mas em
escolas seguras para seus filhos e acesso à saúde. Quando falarmos sobre
direito de minorias — e devemos falar sobre isso —, não deve ser em
oposição aos direitos de outras populações. Vence eleição quem é capaz
de conversar com cada grupo sobre seus problemas e de lhes mostrar por
que os princípios de solidariedade e igualdade vão ajudá-los. Hoje, o
Partido Democrata não é capaz de propagar uma mensagem tão
abrangente. Em vez de oferecer uma visão de futuro coerente para todos,
Hillary Clinton (candidata à Presidência em 2016) falava de um jeito
quando a plateia era negra e de outro quando era branca. Ninguém
entendia o que unia esses discursos e ela soava hipócrita. Uma mensagem
somente baseada em identidade não é bem-sucedida.

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4. Os religiosos são firmes opositores das políticas identitárias.


Como os progressistas podem vender uma “visão ambiciosa de
futuro” ao eleitor religioso?

Nos EUA, os evangélicos não falam mais em caridade, tiraram o Sermão


da Montanha da Bíblia . Os católicos estão obcecados com o aborto. Não
podemos confiar nos religiosos para pregar solidariedade social, pois eles
estão preocupados com outros assuntos. Por outro lado, nas democracias,
precisamos do voto daqueles que discordam de nós. A política identitária
da nova esquerda é um tipo de moralismo puritano. Eles não querem
conversar com religiosos porque acham que têm o dever moral de chamar
de monstros misóginos todos aqueles que se opõem ao aborto. Melhor
seria conversar com os religiosos e dizer: “Ok, nisso discordamos, mas
podemos concordar sobre outras políticas do Partido Democrata”.
Podemos ouvi-los com tolerância e simplesmente discordar. Ou
perguntar, sem hostilidade, por que eles acreditam no que acreditam. A
esquerda se preocupa muito em não ofender ninguém, menos os brancos
religiosos, que são demonizados. Se eles nos convidarem para ir à igreja,
podemos ir. Não é difícil.

5. Quem deve ser o candidato do Partido Democrata na eleição


presidencial de 2020?

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Não temos muitas opções, mas eu acredito que seria sábio indicar um
governador pouco conhecido e com aparência responsável. Se não
fizermos nada idiota, Donald Trump vai perder. Não devemos tentar nada
novo ou radical. Devemos nos comportar bem e assistir à explosão
pública de Trump. A esquerda do partido pensa que a próxima eleição é
uma oportunidade para ser mais radical e falar em socialismo, mas isso é
fazer o jogo de Trump. Aliás, os liberais não devem limitar seu foco às
eleições presidenciais. A verdadeira ação acontece em nível estadual. Até
recentemente, o Partido Republicano controlava dois terços das
legislaturas estaduais. Ou seja, eles tinham poder para limitar as leis
federais. Há estados em que o acesso ao aborto é muito difícil, às vezes
impossível. Distritos eleitorais foram redesenhados para impedir a
representação política dos negros. Um Bernie Sanders não conseguiria
fazer nada se fosse eleito. Precisamos vencer eleições locais. Por isso,
precisamos nos organizar para levar nossas mensagens aos municípios.
Mas, nos últimos 30 anos, uma ideologia impediu o Partido Democrata de
fazer isso.

6. Em seu livro O progressista de ontem e o do amanhã, o


senhor diz que a esquerda não sabe falar sobre segurança
pública porque não quer ofender ninguém. O combate à
criminalidade foi o foco do discurso do presidente eleito, Jair
Bolsonaro. De que forma a esquerda pode falar sobre violência
sem ser racista ou classista, como a direita às vezes é?

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A esquerda precisa começar entendendo que as principais vítimas da


criminalidade são as minorias que vivem nas periferias. Nos EUA,
ativistas negros costumam repetir que nossa população carcerária é muito
grande e que nosso sistema penitenciário é racista. Tudo isso é verdade.
Mas o discurso de prefeitos negros é diferente. Temos muitos prefeitos
negros, e eles falam sobre o combate à criminalidade com tanto vigor
quanto qualquer republicano não racista. Quem sofre com a
criminalidade não são os burgueses ativistas sem contato com a realidade,
mas os pobres das favelas no Rio de Janeiro. Precisamos nos aproximar
deles e desenvolver uma linguagem e uma estratégia para ajudá-los. Os
liberais e a esquerda não devem usar as políticas contra o crime como
meios para outros fins. Isso é perigoso, é o que fazem gente como Trump
e Bolsonaro. As propostas deles de combate ao crime são pura demagogia
para animar as massas, deixá-las com medo e persuadi-las de que estão
resolvendo o problema para se perpetuar no poder. São uns cínicos.

SAIBA MAIS

William Ury: "A Bancada Contra a falta de “Bolsonaro


verdadeira Ativista, em SP, espaço na deixou de ser
questão não diz e Juntas, em PE, política, as candidato de
respeito a chegam ao mulheres atuam nicho”, diz
ignorar Legislativo no via movimentos cientista político
primeiro teste sociais
conflitos, mas a dos mandatos
transformá-los" coletivos

7. Vários intelectuais argumentam que a esquerda vem sendo


derrotada em eleições porque perdeu contato com a classe
trabalhadora. No entanto, o senhor argumenta que os
progressistas deveriam falar sobre cidadania, não classes
sociais. Por quê?

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As classes sociais são cruciais, porque a distância entre elas é cada vez
maior. Mas as classes sociais pós-globalização são outras, têm mais a ver
com educação do que com a propriedade dos meios de produção. Temos
uma elite instruída e outra classe, menos instruída e incapaz de participar
da nova economia. Depois de Ronald Reagan (presidente americano de
1981-1989) e da política identitária, os EUA se tonaram muito
individualistas. Se não explicarmos o que é solidariedade cidadã, não
adianta fazer um discurso sobre classes, porque os americanos vão dizer:
“Ok, eles são pobres, o que tenho a ver com isso?”. Por isso precisamos de
uma visão política que vá além das classes sociais e tenha real impacto
nas pessoas. A esquerda não adquiriu um novo vocabulário desde o
colapso do marxismo. O foco na cidadania é mais prático, menos
idealista. Quanto mais diversa a sociedade, mais sei que a única coisa que
compartilho com todos de meu país é a cidadania. Baseados nisso,
podemos restabelecer laços sociais.

8. No livro, o senhor é um pouco irônico quando fala da


resistência dos progressistas ao governo Trump. Por quê? No
Brasil, a esquerda fala muito em resistir ao governo
Bolsonaro...

O problema é achar que resistir é suficiente. A resistência a Trump tem


sido inspiradora. Houve a Marcha das Mulheres logo depois da eleição
dele, e nova-iorquinos foram espontaneamente ao aeroporto protestar
contra deportações ilegais. Muitos esquerdistas estão animados com a
resistência, porque podem brincar de reencenar a Queda da Bastilha. Eles
gostam de resistir, não de governar, porque têm uma visão teatral da
política: nós resistimos, nós falhamos, nós resistimos de novo. É um ciclo
vicioso. Precisamos é de estratégia para governar, para construir pontes
com as pessoas. Imagine que a esquerda brasileira está numa luta contra
Bolsonaro. Agora, Bolsonaro está com as mãos no pescoço da esquerda.
Ela precisa resistir, mas também precisa nocautear Bolsonaro. Só falar de
resistência não é suficiente.

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9. A democracia está ameaçada?

Sim. A democracia está ameaçada pelos demagogos de direita, mas


pessoas também estão perdendo a fé na democracia. Nossos sistemas
políticos são incapazes de lidar com os efeitos da globalização e suas
consequências: imigração, mudanças no mundo do trabalho e novas
tecnologias. Os eleitores votam em governos que prometem controlar
tudo isso. Os governos falham, e os eleitores votam no outro partido. E ele
falha. Depois de um tempo, eles começam a imaginar que deve haver uma
elite secreta que controla tudo. Aí vem o demagogo, que também não
consegue resolver os problemas, mas consegue manipular a raiva da
população e jogar a culpa nessa elite invisível. Minha maior preocupação
é a queda de confiança na democracia.

Mark Lilla é historiador, cientista político e professor da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Autor de O progressista de ontem e o do
amanhã (Companhia das Letras), participou do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre e São Paulo.

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