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Ortónimo e Heterónimos
RMatos
1 Fernando Pessoa
Breve nota biográfica
Não há arte sem imaginação (intelectualização), não há arte sem que o real seja imaginado (intelectualizado) de modo
a exprimir-se artisticamente, concretizando-se em Arte.
O verdadeiro poeta transfigura, imagina, trabalha intelectualmente aquilo que vive, aquilo que sente – gozo ou dor,
sensação/sentimento.
Fingir: neste caso não significa mentir, enganar, ludibriar, aldrabar. Fingir, segundo a teoria poética de Fernando
Pessoa, é modelar, mudar, transformar, transfigurar, intelectualizar, criar.
O poeta recria, transfigura, imagina, intelectualiza, modela a dor (o sentimento, a sensação) que efectivamente
experimentou. Depois, dá-se o retorno à dor inicial que, imaginada, parece mais autêntica do que a dor real.
Há uma sobreposição do objecto artístico à realidade objectiva que lhe serviu de base.
A base de toda a arte não é a insinceridade (a mentira, a falsidade), mas sim uma sinceridade traduzida,
transfigurada, artisticamente trabalhada (modelada, transfigurada, intelectualizada).
A arte é a intelectualização da sensação, (do sentimento) através da expressão.
A intelectualização é dada na, pela e mediante, a própria expressão.
«Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois não se dá nela.»
Para que a emoção seja esteticamente verdadeira, tem de dar-se (ou de repetir-se, transformando-se) na inteligência
do poeta.
A emoção do leitor será ainda outra porque as palavras do poema são estímulos que, provocando um estado de alma,
não o determinam na totalidade. No acto de ler, convergem o objectivo e o subjectivo.
«Herdeiro como António Nobre do gosto garrettiano pelo popular, também o seduz [a Fernando Pessoa] o mundo
fantástico da infância (…) Mas [Fernando Pessoa] separa-se de António Nobre, como da tradição lírica portuguesa de
“coração ao pé da boca”, pelo seu estrutural anti-sentimentalismo, a ausência do biográfico na sua poesia, a tendência para
reduzir as circunstâncias concretas a verdades gerais.
O sentimentalismo confessional estava naturalmente fora do seu caminho, porque Pessoa viveu essencialmente pela
inteligência intuitiva ou discursiva, pela sensibilidade que lhe é própria, e pela imaginação.
«Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o coração.»
Professor Doutor Jacinto do Prado Coelho
A composição de um poema lírico deve ser feita não no momento da emoção, mas no momento da recordação dela.
Um poema é um produto intelectual e uma emoção, para ser intelectual, tem, evidentemente, (porque não é de si intelectual)
que existir intelectualmente. Ora a existência intelectual de uma emoção é a sua existência na inteligência, isto é, na
recordação, única parte da inteligência, propriamente tal, que pode conservar uma emoção.
Fingir: construir; imaginar; transfigurar, criar, intelectualizar.
A obra de arte literária é a transfiguração artística operada pela inteligência (=imaginação). O acto de criação poética é
a síntese da sensação com a imaginação (=inteligência).
Em “Isto”, Fernando Pessoa apresenta-se como “eu”, poeta intelectual por excelência. O fingimento do poeta é o
trabalho mental que tudo transfigura por meio da imaginação. O fulcro da grande poesia não está nas sensações (no coração,
na sensibilidade), mas na inteligência (=imaginação).
A arte poética de Fernando Pessoa nasce da abstracção do mundo sensível. Só quando o poeta é „livre do seu
enleio‟, (poema “Isto”), ou seja, só quando o poeta se sente livre do mundo sensível é que pode dar-se o milagre da poesia.
Tensão/Sinceridade/Fingimento, Consciência/Inconsciência,
Sentir/pensar
As Temáticas:
- a intersecção entre o sonho de um tempo em que o
poeta diz ter sido feliz e a realidade (ex.: “Chuva
Oblíqua”);
- a angústia existencial e a nostalgia de um tempo
perdido (do Eu, de um bem perdido, das imagens da
infância…);
A distância entre o idealizado e o realizado – e a
consequente frustração (“Tudo o que faço ou
medito”);
- a máscara e o fingimento como elaboração mental
dos conceitos que exprimem as emoções ou o que
quer comunicar (ex.: “Autopsicografia”);
- a intelectualização das emoções e dos sentimentos
para elaboração da arte;
- o ocultismo como fonte de explicação da realidade e
o hermetismo (ex. : “Eros” e “Psique”);
- tradução dos sentimentos na linguagem do leitor,
pois o que se sente é incomunicável.
Linguagem e estilo:
- linguagem simples, espontânea mas sóbria,
simbólica e esotérica;
- recorrência frequente a adjectivos, comparações,
metáforas e imagens para traduzir constatações ou
reflexões;
- preferência pela métrica curta, tradicional –
redondilha;
- aliterações, onomatopeias (imitação de sons),
utilização de rima
5 Alberto Caeiro
Heterónimo
Vê o mundo sem necessidade de explicações, sem (“Há bastante metafísica - tudo é Deus, as coisas são
princípio nem fim, e confessa que existir é um facto em não pensar em nada.”) divinas (“Deus é as árvores e
maravilhoso; por isso, crê na “eterna novidade do mundo”. - recusa do pensamento as flores/ E os montes e o luar
Para Caeiro o mundo é sempre diferente, sempre múltiplo; (“Pensar é estar doente e o sol...”);
por isso, aproveita cada momento da vida e cada sensação dos olhos”); - paganismo;
na sua originalidade e simplicidade. - recusa do mistério; - desvalorização do tempo
“Alberto Caeiro parece mais um homem culto que - recusa do misticismo. enquanto categoria conceptual
pretende despir-se da farda pesada da cultura acumulada (“Não quero incluir o tempo no
ao longo dos séculos.” meu esquema”);
“Poeta bucólico de espécie complicada.” - contradição entre “teoria” e
“Pastor metáfora.” “prática”.
Para Caeiro fazer poesia é uma atitude
involuntária, espontânea, pois vive no presente, não
querendo saber de outros tempos, e de impressões,
sobretudo visuais, e porque recusa a introspecção, a
subjectividade, sendo o poeta do real objectivo.
Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem
angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser
com o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser
uno, e não fragmentado.
- Discurso poético de características oralizantes (de acordo
com a simplicidade das ideias que apresenta): vocabulário
corrente, simples, frases curtas, repetições, frases
interrogativas, recurso a perguntas e respostas, reticências;
- Apologia da visão como valor essencial (ciência de ver)
- Relação de harmonia com a Natureza (poeta da natureza)
- Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem
porque desvirtuam a realidade (a nostalgia, o anseio, o
receio são emoções que perturbam a nitidez da visão de
que depende a clareza de espírito).
6 Alberto Caeiro
Heterónimo
Na Linguagem:
Predomínio do Presente do Indicativo;
Figuras de estilo muito simples;
Vocabulário simples e reduzido; (pobreza lexical);
Uso da coordenação para a ligação das orações;
Frases incorrectas;
Aproximação à linguagem falada, objectiva, familiar,
simples;
Repetições frequentes;
Uso do paralelismo;
Pouca adjectivação;
Uso dos substantivos concretos;
Ausência da rima;
Irregularidade métrica;
Discurso em verso livre;
Estilo coloquial e espontâneo;
7 Ricardo Reis
Heterónimo
Na Linguagem:
Álvaro de Campos
Fisicamente:
*usa monóculo;
*é alto (1.75 m);
*magro, cabelo liso apartado ao lado; TRAÇOS DA SUA POÉTICA
*cara rapada, tipo judeu português; - poeta modernista
- poeta sensacionista (odes)
- cantor das cidades e do cosmopolitanismo (“Ode Triunfal”)
Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa
- cantor da vida marítima em todas as suas dimensões
sente “um impulso para escrever”. O próprio Pessoa
(“Ode Marítima”)
considera que Campos se encontra no «extremo oposto,
- cultor das sensações sem limite
inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como
- poeta do verso torrencial e livre
este um discípulo de Caeiro.
- poeta em que o tema do cansaço se torna fulcral
Campos é o “filho indisciplinado da sensação e - poeta da condição humana partilhada entre o nada da
para ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da
realidade e o tudo dos sonhos (“Tabacaria”)
sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do
- observador do quotidiano da cidade através do seu
poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve
desencanto
existência ou possibilidade de existir.
- poeta da angústia existencial e da auto-ironia
Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de
sentir, mas não lhe basta a «sensação das coisas como
são»: procura a totalização das sensações e das
percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma
“sentir tudo de todas as maneiras”.
Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é
configurado “biograficamente” por Pessoa como
vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil
particularmente nos poemas em que exalta, em tom
futurista, a civilização moderna e os valores do progresso.
Cantor do mundo moderno, o poeta procura
incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”, seja a
força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o
próprio desejo de partir. “Poeta da modernidade”, Campos
tanto celebra, em poemas de estilo torrencial, amplo,
delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica,
como expressa o desencanto do quotidiano citadino,
adoptando sempre o ponto de vista do homem da cidade.
8 Álvaro de Campos
Heterónimo
TRAÇOS ESTILÍSTICOS