Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
DEZEMBRO 2018
Coordenação Editorial:
Vicky Safra
CHANUQUIÁ,
VIENA.
Assistentes de Coordenação:
FINAL DO SÉC. 19 Clairy Dayan
Fortuna Djmal
Assessora Internacional:
Muriel Sutt Seligson
Supervisão Religiosa:
Rabino Y. David Weitman
Rabino Efraim Laniado
Rabino Avraham Cohen
Jornalista Responsável:
Desirée Nacson Suslick
MTb 13603
Colaboradores especiais:
Jaime Spitzcovsky
Nimrod Etsion Koren
Reuven Faingold
Tev Djmal
Zevi Ghivelder
Revisão e tradução de texto:
Lilia Wachsmann
Consultor:
Marcello Augusto Pinto
Coordenação de Marketing:
Ernesto Chayo
Thais Sznajdleder Simeliovich
Produção Gráfica:
Joel Rechtman
JR Graphiks - Tel: 3873 0300
Projeto Gráfico:
LEN - Tel: 3815 7393
Serviços Gráficos:
C&D Editora e Gráfica - Tel: 3862 8417
Tiragem: 28.750 exemplares
Um dos rituais diários mais importantes do Templo Uma das respostas é que a chama do Judaísmo
era o acendimento da Menorá, que simbolizava a constitui uma ameaça a déspotas e ditadores. Na
luz da Torá e do Povo de Israel. A Menorá era acesa história de Chanucá, o Rei Antiochus, que exigia ser
com jarros de azeite de oliva ritualmente puro, que reverenciado como uma divindade, não tolerava uma
traziam o selo do Cohen Gadol. Quando os Macabeus nação cujo propósito de existência é a afirmação de
retomaram o Templo Sagrado, descobriram que os que o mundo tem apenas um D’us – o Rei Eterno
gregos haviam intencionalmente contaminado o azeite e Verdadeiro. A profanação proposital do azeite do
purificado de acordo com o ritual. No entanto, por Templo simboliza a tentativa dos gregos de extinguir
algum milagre inexplicável, um jarro permanecera uma fonte muito poderosa de luz, que ameaçava sua
imaculado. Continha azeite suficiente para acender a ideologia secular, e que, em muitos aspectos, constituía
Menorá por apenas um dia. Não obstante, os Macabeus a antítese do Judaísmo.
acenderam-na com esse único jarro. Um milagre
ocorreu: o azeite, que deveria ter durado apenas um Celebramos a festa de Chanucá mesmo que os milagres
dia, queimou durante oito. tenham ocorrido há mais de dois milênios, porque em
toda geração as trevas se levantam para tentar extinguir
O milagre do azeite é famoso – inspira e encanta as a Luz de Israel. O milagre do óleo – o fato de um
pessoas. Contudo, levanta muitas questões importantes. único jarro de azeite ritualmente puro ter sobrevivido
Uma delas é: por que os gregos propositalmente à profanação dos gregos e ter queimado por oito dias
contaminaram o azeite do Templo Sagrado? Eles – ensina que a Luz do Judaísmo, personificada pelo
não o usaram em benefício próprio; simplesmente o Povo Judeu, jamais será extinta. Todos aqueles que
profanaram. tentaram extingui-la, fracassaram.
Uma das respostas a essa pergunta é que, ao profanar O Zohar, obra fundamental da Cabalá, ensina que
o azeite utilizado para acender a Menorá, os gregos assim como o homem é mortal, todas as suas obras
transmitiam ao Povo de Israel a mensagem de que o também o são: é por esse motivo que mesmo o Templo
principal alvo de sua guerra contra eles era o Judaísmo. de Jerusalém, construído por seres humanos, pôde
ser destruído. Contudo, continua o Zohar, tudo que é
A guerra entre gregos e judeus não constituía apenas Divino é, por definição, imortal. O Judaísmo é Divino
mais um conflito entre nações – não concernia e, portanto, eterno.
território, política, economia ou poder. Constituía
uma guerra espiritual. Havia algo sobre o Judaísmo Na Festa das Luzes, milhões de judeus ao redor do
que muito incomodava aos gregos e, por esse motivo, mundo acenderão as velas de Chanucá, que simbolizam
profanaram o Templo Sagrado e macularam o azeite a eternidade do Fogo Divino e o triunfo da luz sobre
da Menorá. as trevas. As chamas das velas de Chanucá constituem
um vislumbre do dia em que a luz prevalecerá
Os gregos não foram os primeiros nem os últimos a definitivamente sobre a escuridão e o mundo inteiro
declarar guerra contra o Judaísmo. Cabe a pergunta: será iluminado pela Luz Divina.
por que esse poderoso império se incomodava
tanto com as práticas religiosas de uma nação
numericamente inexpressiva, que vivia sob sua
ocupação? Por que, ao longo da história, tantos regimes
poderosos se incomodaram tanto com o Judaísmo e
ÍNDICE
15 22
42 47
50 63
03 carta ao leitor 22 história
Espiões na Terra Santa
por zevi ghivelder
06 nossas festas
Chanucá e a guerra 30 israel
que salvou o Judaísmo Guerra cibernética:
uma ameaça à segurança
34
comunidades
15
nossas festas Os judeus de Livorno na Tunísia
Purim e o Holocausto por NIMROD ETSION KOREN
4
REVISTA MORASHÁ i102
06
34
42
música 57
arqueologia
Tributo a Charles Aznavour A antiga Shiló, morada do Tabernáculo
47
destaque 63 personalidade
Laços entre Israel e Rússia Claude Lanzmann
desafiados por Síria e Irã
por JAIME SPITZCOVSKy 70
shoá
“Shoah”, de Claude Lanzmann:
50
brasil o Holocausto em definitivo
Judaísmo na corte de D. Pedro II
por REUVEN FAINGOLD 75 cartas
5 DEZEMBRO 2018
nossas festas
Chanucá e a Guerra
que salvou o Judaísmo
Chanucá, Festa das Luzes, com a duração de oito dias,
inicia-se na noite do dia 25 do mês de Kislev, no calendário
judaico. A festa celebra eventos ocorridos há mais de
2.200 anos. Celebra o heroísmo do Povo de Israel – quando
os Macabeus, um grupo de rebeldes judeus que fundaram
a dinastia dos Hasmoneus, venceu os greco-sírios, que
ocupavam a Terra de Israel e buscavam impor aos judeus o
helenismo, cultura grega prevalente à época.
A
pós derrotar as forças greco-sírias, os de Chanucá, acendemos uma vela adicional – ou
Macabeus recapturaram o Templo Sagrado outra porção de óleo. Sendo assim, na segunda noite,
de Jerusalém, purificaram-no, reconstruíram acendemos duas velas ou dois recipientes de óleo; na
o Altar e retomaram os serviços religiosos. terceira noite, três velas ou três recipientes de óleo, e
Uma parte fundamental dos serviços diários assim por diante. Por fim, na oitava e última noite da
no Templo era o acender da Menorá com azeite de oliva festa, acendemos todos os oito braços da Chanuquiá.
ritualmente puro. Quando reconquistaram o Templo, os Deve-se acendê-la próximo a uma janela para que
Macabeus se depararam com um único jarro de azeite suas luzes possam ser vistas pelas pessoas do lado de
que não estivesse impuro. Acenderam a Menorá com fora. Assim, estaremos tornando públicos os milagres e
o conteúdo desse único recipiente. Devido à pouca mensagens da festa.
quantidade, sua luz deveria ter durado um único dia, mas,
milagrosamente, ardeu por oito dias. Esse era o tempo Chanucá constitui uma das festas mais populares do
necessário para a produção de mais azeite ritualmente calendário judaico, entre judeus e até muitos não
puro. Os judeus viram nesse fenômeno sobrenatural - judeus. É fácil entender a razão. Os seres humanos são
um suprimento de um dia durar oito dias - um sinal naturalmente atraídos para a luz e tudo o que simboliza.
Divino de que Sua Providência havia intervindo em Ademais, Chanucá é uma data cujos mandamentos são
favor dos Macabeus na luta contra o poderoso exército facilmente cumpridos. Diferentemente dos Yamim Tovim
greco-sírio. Para comemorar tais eventos, nossos Sábios – dias sagrados ordenados pela Torá-, nessa festa não há
instituíram a festa de Chanucá, que dura oito dias. restrições sobre o que podemos fazer nos oito dias de
celebração. As crianças gostam muito de Chanucá devido
O principal mandamento da festa é o acendimento da à tradição em algumas comunidades dos pais darem
Chanuquiá, o candelabro de oito braços. Na primeira presentes aos filhos na ocasião. Há, também, um costume
noite, acendemos uma vela – ou uma porção de azeite de celebrar o milagre do azeite comendo alimentos fritos,
de oliva (além da vela do Shamash, que é acesa em todas como sufganiot (sonhos), latkes (panquequinhas fritas de
as oito noites). A cada uma das noites subsequentes batata) e outras delícias.
6
REVISTA MORASHÁ i 102
Chanucá tem todos os ingredientes de muitas pessoas, mundo afora. como um suprimento de azeite
de uma data comemorativa judaica Acendem-se Chanuquiot na puro para um dia ardeu durante oito.
muito alegre: um mandamento, Casa Branca, no Kremlin e em Contudo, contrariamente ao que
que é o acendimento de velas, fácil vários locais públicos, no Brasil; se pensa, esse milagre não é o foco
e agradável de se cumprir; uma e personalidades públicas, como principal de Chanucá. Essa festa não
emocionante história de heroísmo e presidentes, primeiros ministros se reduz a milagres e luzes e canções
milagres; Chanuquiot que enfeitam e governadores participam da e sufganiot. Chanucá trata, acima de
o lar e locais públicos; comidas cerimônia do acendimento de suas tudo, de auto sacrifício – trata dos
deliciosas e músicas que embalam velas. As luzes da festa encantam judeus que lutaram em uma guerra
gerações de judeus; brincadeiras a todos, bem como a história de longa e difícil contra um exército
com os dreidels – piões especiais da aparentemente invencível. Trata de
festa – e, em algumas comunidades, judeus que arriscaram e sacrificaram
presentes aos filhos. Além disso, os tudo, inclusive sua vida, para
temas de Chanucá são atemporais, assegurar a eternidade do Judaísmo.
universais e inspiradores: a vitória
da luz sobre a escuridão, do bem Chanucá fala de judeus que colocam
contra o mal, do fraco contra o forte D’us, a Torá e a sobrevivência
e, acima de tudo, a lição de que a do Povo Judeu acima de tudo.
Divina Providência é uma força Essa festividade traz mensagens
atuante no mundo, que garante que universais que são relevantes a todos
os justos sempre triunfem sobre os os seres humanos, mas traz, também,
perversos. lições dirigidas particularmente ao
Povo Judeu – algumas das quais são
Certamente Chanucá é uma linda especialmente relevantes para nossa
festividade que toca o coração geração.
7 DEZEMBRO 2018
nossas festas
8
REVISTA MORASHÁ i 102
9 DEZEMBRO 2018
nossas festas
10
REVISTA MORASHÁ i 102
11 DEZEMBRO 2018
nossas festas
Portanto, é isto o que celebramos amonitas e moabitas – que se que se ancora na lealdade a D’us e à
em Chanucá: o auto sacrifício assimilaram, deixando de existir. Sua Torá, e um mundo secular que,
de poucos contra muitos – e aparentemente, tolera tudo, mas
não apenas pelos muitos Chanucá celebra nossa vitória militar, que não tolera aqueles que ousam
daquela geração, mas por todas que conteve a disseminação do ser diferentes e que acreditam
as subsequentes gerações de helenismo que consumia o Povo em valores e crenças sagradas e
judeus. Winston Churchill disse, Judeu, da mesma maneira como imutáveis.
em outro contexto: “Nunca, na a assimilação, hoje, dizima um
história da humanidade, tantos enorme número de comunidades No mundo de hoje, quase tudo é
ficaram devendo tanto a tão judaicas da Diáspora. Anualmente, negociável: em qualquer assunto
poucos”. Isto é verdadeiro e nesta festividade, devemos que seja, pode-se chegar a um
aplicável aos Macabeus. Não fosse recordar não apenas o milagre meio-termo, porque os valores são
por eles, é provável que nenhum do azeite e de tudo que as Luzes relativos e negociáveis, comprados
judeu estivesse vivo, hoje. Não de Chanucá representam, mas, e vendidos e permutados, já que
tivessem eles lutado e vencido, ainda mais importante, nosso quase ninguém os leva a sério. Hoje,
todos os judeus da época teriam empenho constante para manter quase todos os valores se equivalem,
acabado abraçando o helenismo, nossa identidade e singularidade, pois ninguém está disposto a se
assimilando-se. especialmente em nossos dias, sacrificar por eles. Mas, em um
quando enfrentamos problemas nítido contraste, a celebração de
Um ponto merece nossa reflexão: semelhantes de aculturação e Chanucá se baseia na noção de
se o milagre do azeite – que assimilação em massa. Chanucá que há certas coisas na vida e no
muitos acreditam ser a razão marca o encontro entre o Judaísmo, mundo, como o Judaísmo, que não
da festa de Chanucá – não podem ser negociadas. O Primeiro
tivesse ocorrido, quais teriam Ministro Menachem Begin, um
sido as consequências práticas? dos maiores líderes judeus de todos
A resposta é que os judeus os tempos, verdadeiro
teriam acendido a Menorá do Macabeu da geração que
Templo com óleo de azeite fundou o Estado de Israel,
ritualmente impuro – algo escreveu: “Há coisas mais
que, nas circunstâncias, horríveis do que a morte e
a Lei Judaica teria mais preciosas do que
permitido. Obviamente, vida”. Os Macabeus
o milagre do óleo foi um acreditavam nisso
importante sinal da Divina e por isso lutaram.
Providência, mas não foi Inúmeros judeus,
relevante, realmente, pois através dos séculos,
não mudou o curso da sempre acreditaram nisso
História Judaica. Mas, por e por isso escolheram o
outro lado, se os Macabeus martírio, não abrindo mão
não tivessem vencido os de seu D’us, sua fé e sua
greco-sírios, a consequência identidade espiritual.
teria sido o fim do nosso
povo. O que celebramos em O público maior
Chanucá é a sobrevivência do entende Chanucá como
Judaísmo. Se os Macabeus uma data muito festiva,
não tivessem enfrentado a caracterizada por muitas
luta, ou se tivessem perdido delícias culinárias e o
a guerra, o destino do cumprimento de um
Povo Judeu teria sido mandamento – o acender
semelhante ao dos demais das velas – que, aos olhos
povos da região – filisteus, da maioria, parece muito
12
REVISTA MORASHÁ i 102
bonito e interessante. Mas, não de importar o fato de termos empenho de nosso povo – não
esqueçamos que se trata de uma independência política, bandeira por nossa independência, mas por
festa religiosa, que celebra a coragem e hino nacional. Não basta viver nossa própria individualidade e
e o zelo de um pequeno grupo de na Terra de Israel, ter um país identidade espiritual. A vitória dos
judeus que optaram por lutar até a soberano e falar hebraico. Sem Macabeus, há mais de 2 mil anos,
morte em favor do Judaísmo. o Judaísmo, não temos nada. Os significou muito mais do que a
Macabeus o sabiam, assim como liberdade política da tirania greco-
Chanucá não se concentra em torno muitos judeus sempre souberam síria. Legou-nos como herança
do milagre do azeite, mas tampouco que a aculturação e assimilação nossa sobrevivência enquanto
apenas celebra uma milagrosa vitória podem danificar o Povo Judeu nação escolhida por D’us para ser
militar. Nós, judeus, tivemos muitas mais do que qualquer inimigo portadora de Sua Palavra, Suas
vitórias militares milagrosas, tanto estrangeiro. Quando abrimos mão Leis e Seus Mandamentos.
no antigo Israel como em nosso de nosso Judaísmo – quando se
moderno Estado, destacando-se arrefece nossa lealdade a D’us e A Festa das Luzes nos ensina que
a Guerra da Independência e consideramos os mandamentos não somos apenas mais uma nação
a Guerra dos Seis Dias. O que da Torá anacrônicos e simples a sobreviver, mas a personificação
Chanucá celebra é a sobrevivência folclore e costume –, estamos de uma entidade espiritual
do Judaísmo. Perdemos a soberania colocando-nos na posição de chamada Judaísmo, que irradia a
judaica pelo menos duas vezes, e nos transformar em modernos Luz Divina e pulsa, vibrante, com
vivemos na Diáspora durante helênicos. O resultado é, quase vida espiritual.
dois milênios – mas, ainda assim, sempre, a assimilação e a perda de
continuamos vivos enquanto povo. identidade espiritual.
Se, no entanto, a singularidade BIBLIOGRAFIA
de nosso povo se tivesse perdido – Em Chanucá, naquela época Rabi Steinsaltz, Adin (Even Israel),
ainda que uma única vez –, deixaria e hoje, lembramo-nos do Change and Renewal. Koren Publishers
13 DEZEMBRO 2018
nossas festas
acendendo a Chanuquiá
Todas as noites, antes de acender as velas Costuma-se colocar a Chanuquiá sobre
pronunciam-se as seguintes bênçãos: uma mesa no lado esquerdo da porta
de entrada, em frente à mezuzá, ou na
janela que dá para a via pública.
Os seguintes horários são referentes
apenas a São Paulo.
A cada noite, após recitar as bênçãos,
acendem-se as velas da Chanuquiá 1ª noite
com o shamash, que é colocado na 25 de Kislev
Domingo,
Chanuquiá de modo a ficar mais 2 de dezembro,
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu alto do que as demais chamas. Após a partir de 20:00 horas
Mêlech haolam, asher kideshánu acender as velas, recita-se em seguida
bemitsvotav, vetsivánu lehadlic ner
Hanerot halálu: 2ª noite
Chanucá.
26 de Kislev
Segunda-feira,
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei 3 de dezembro,
a partir de
do Universo, que nos santificaste com 20:00 horas
Teus mandamentos, e nos ordenaste
acender a vela de Chanucá. 3ª noite
27 de Kislev
Terça-feira,
4 de dezembro,
a partir de
20:02 horas
4ª noite
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu Hanerot halálu ánu madlikim, 28 de Kislev
Mêlech haolam, sheassá nissim al hanissim veal hapurkan, veal Quarta-feira,
laavotênu, bayamim hahêm, 5 de dezembro,
haguevurot veal hateshuot, veal 20:02 horas
bazeman hazê. haniflaot, sheassita laavotênu,
bayamim hahêm, bazeman hazê, al
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei yedê cohanêcha hakedoshim. Vechol 5ª noite
29 de Kislev
do Universo, que fizeste milagres para shemonat yemê Chanucá, hanerot Quinta-feira,
nossos antepassados, naqueles dias, halálu côdesh hem, veen lánu reshut 6 de dezembro,
nesta época. lehishtamesh bahem êla lir’otam 20:02 horas
bilvad, kedê lehodot lishmêcha,
Apenas na primeira noite, al nissêcha, veal nifleotêcha, veal
6ª noite
depois de recitar as duas yeshuotêcha. 30 de Kislev
bênçãos, recita-se o Sexta-feira,
shehecheyánu: 7 de dezembro,
Acendemos estas luzes em virtude 19:20 horas, antes de
dos milagres, redenções, bravuras, acender as velas de
Shabat
salvações, feitos maravilhosos e
auxílios que realizaste para nossos 7ª noite
antepassados, naqueles dias, nesta 1 de Tevet
Sábado
Baruch Atá A-do-nai, E-lo-hê-nu época, por intermédio de Teus 8 de dezembro, a
Mêlech haolam, shehecheyánu sagrados sacerdotes. Durante todos os partir das 20:23 horas
após a Havdalá
vekiyemánu vehiguiyánu lazeman oito dias de Chanucá, estas luzes são
hazê. sagradas, não nos sendo permitido 8ª noite
fazer qualquer uso delas, apenas mirá- 2 de Tevet
Domingo,
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei las, a fim de que possamos agradecer 9 de dezembro,
do Universo, que nos deste vida, nos e louvar Teu grande nome, por Teus a partir de 20:05 horas
mantiveste e nos fizeste chegar até a milagres, Teus feitos maravilhosos e
presente época. Tuas salvações.
14
nossas festas
Purim e o Holocausto
R
esumindo os principais pontos que têm ambos – e entre a história de Purim e a “Solução Final ao
relevância em nossa discussão: um homem de Problema Judeu” da Alemanha nazista – são espantosas.
nome Haman ascende ao poder como primeiro Obviamente, há uma grande e dolorosa diferença:
ministro do Rei Achashverosh da Pérsia. Haman não conseguiu implementar seu plano satânico,
ao passo que, ainda que Hitler tenha, no fim, falhado,
Ele pede permissão ao monarca para aniquilar todo isso não se deu antes de assassinar sete milhões de
o Povo Judeu – que vivia sob domínio persa -, e o judeus.
Rei aquiesce. A Rainha Esther, judia, esposa do rei,
juntamente com seu tio Mordechai, frustra o plano Uma ressalva importante: décadas atrás, acreditava-se
de genocídio de Haman, conseguindo, ainda, que o que o número de judeus assassinados no Holocausto
Rei Achashverosh se vire contra ele. Haman planejara girava em torno de seis milhões – número aceito em
enforcar Mordechai e exterminar todo o nosso povo, 1946 durante os Julgamentos de Nuremberg. Nos
mas, no final, são ele e seus dez filhos quem cai em últimos anos, novas evidências levaram historiadores e
desgraça e são enforcados. pesquisadores a concluir que o número de judeus mortos
no Holocausto chega a quase sete milhões.
A história de Purim – a ascensão de um inimigo dos
judeus que tentava aniquilá-los – tem sido um tema Nosso propósito, neste artigo, não é tentar explicar o
recorrente na história de nosso povo. Como lemos Holocausto – está além de qualquer um de nós tentar
na Hagadá de Pessach, “Em todas as gerações eles se explicar o inexplicável ou justificar o injustificável.
levantam para aniquilar-nos. E D’us, Abençoado é Seu Tampouco entraremos em discussões filosóficas ou
Nome, salva-nos de suas mãos”. É verdade que ao longo teológicas sobre o Holocausto, pois, quando as pessoas
da história, o Povo Judeu enfrentou muitos Hamans. o fazem, acabam insultando a memória dos sete
Contudo, nenhum deles personificou-o melhor do milhões. Nosso propósito aqui é explorar as assombrosas
que Adolf Hitler. Podemos até conjeturar que ele foi semelhanças entre o plano genocida de Haman e a
a reencarnação de Haman, pois as semelhanças entre campanha nazista para exterminar o Povo Judeu.
15 DEZEMBRO 2018
nossas festas
Os filhos de Amalek perseguido os judeus por diferentes origem de seu ódio obsessivo pelo
razões – políticas, econômicas, Povo Judeu. Um ódio puro e sem
Muitos acreditam, erroneamente, religiosas ou territoriais –, o ódio fundamento aos judeus, cravado no
que Haman e Hitler odiavam os de Amalek pelos Filhos de Israel é DNA espiritual de Amalek e seus
judeus por serem alucinados ou puro, despido de qualquer motivo ou descendentes. Na história de Purim,
porque acreditavam nas mentiras justificativa. Amalek odeia os judeus Haman alega que deseja exterminar
antissemitas que ambos fabricavam. simples e exclusivamente por serem os judeus porque um de seus líderes,
A verdade é que Haman odiava o judeus. Amalek e seus filhos não Mordechai, recusava-se a se curvar
Povo Judeu porque ele pertencia fazem distinção quando se trata de perante ele. Mas qualquer pessoa
ao povo de Amalek. No Livro judeus: adultos e crianças, homens sensata percebe que se tratava de
Deuteronômio, a Torá diz o seguinte e mulheres, religiosos e seculares, um pretexto ridículo. Se o poderoso
sobre Amalek: capitalistas e socialistas, liberais primeiro ministro da Pérsia se
e conservadores, sionistas ou não. sentia insultado por Mordechai,
“Lembra-te do que te Para Amalek, nós todos somos um ele poderia tê-lo prendido – e, se
fez Amalek em teu caminho de saída só – um fenômeno indesejável que fosse especialmente cruel, até podia
do Egito. Quando te encontrou no ele está determinado a extirpar da executá-lo. Mas como justificar a
morte de todo um povo, incluindo
as crianças, porque ele se sentia
insultado por um de seus líderes?
16
REVISTA MORASHÁ i 102
para ele. Ele tinha tudo para ser teorias absurdas nas quais nem ele que venceram e invadiram o país
um homem feliz: viera do nada e acreditava. Como Haman, o ódio que ele conduzira e amara. Mas,
se tornara primeiro ministro de um que Hitler tinham pelos judeus o em vez de amaldiçoar o socialismo,
vasto império. Conseguira, também, consumia. Se não tivesse empregado a União Soviética, os ingleses ou
amealhar uma grande fortuna: a tantos recursos para aniquilar os americanos, ele dirige seu ódio
Meguilá conta que ele ofereceu milhões de judeus, teria tido maior contra os judeus, chamando-os de
grande soma em dinheiro ao rei chance de vencer a guerra. É possível “envenenadores de todos os povos
em troca da permissão de aniquilar que se Hitler tivesse podido escolher do mundo”, ainda que eles jamais o
nosso povo. Além disso, ele tinha entre vencer a guerra ou matar tivessem prejudicado. Ele odiava o
uma família grande – mulher, dez todos os judeus, ele tivesse escolhido Povo Judeu muito mais do que as
filhos e uma filha. Tinha tudo o que a segunda opção. Ele expressou nações que o haviam vencido, bem
representa o sonho de muitos: poder seu ódio pelos judeus mesmo nos como a seu país, sua ideologia e tudo
extraordinário, influência, honra e momentos finais de sua vida. Vejam pelo que vivera, forçando-o a acabar
sucesso, riqueza, mulher e muitos como termina seu testamento: “Mas, com a própria vida. Como Haman,
filhos. Ainda assim, Haman não antes de mais nada, conclamo a Hitler respirava antissemitismo.
desfrutava a vida enquanto houvesse liderança da nação e aqueles que
judeus. Ele diz à mulher que nada a seguem a observar as leis raciais E por que odiava tanto o Povo
lhe importava enquanto Mordechai mais atentamente, a lutar sem Judeu? Porque ele era filho de
estivesse vivo. Seu ódio pelos judeus piedade contra os envenenadores de Amalek. Na verdade, ele era,
estava arraigado no centro de sua todos os povos do mundo, os judeus provavelmente, seu filho mais bem-
vida. internacionais”. Foram essas as suas sucedido, pois, diferentemente de
palavras finais. Poder-se-ia pensar Haman, conseguiu implementar
Assim como Haman, Adolf Hitler que seu testamento concluísse com seu plano genocida contra o Povo
também era obcecado pelos judeus. as palavras “Viva a Alemanha!”, ou Judeu. Felizmente não conseguiu
Como Haman, ele tentou justificar “Viva o nazismo”, ou, ao menos, com exterminar-nos todos, como
seu antissemitismo com mentiras e uma maldição contra os exércitos planejava, mas chegou perto disso.
17 DEZEMBRO 2018
nossas festas
Haman e Hitler também o fizeram Hitler e o povo Mas, se o seu Partido Nazista
alemão. Nem todos os alemães eram não tivesse sido o maior partido
São vários os paralelos espantosos nazistas e alguns se opuseram e até no Parlamento, ele jamais estaria
entre a vida de Haman e a de Hitler. tentaram assassinar Hitler. Contudo, em posição de o fazer. O povo da
Ambos vieram do nada e atingiram é fato histórico inquestionável que Alemanha e seu presidente foram
grande poder, tornando-se os líderes a Alemanha escolheu Hitler como diretamente responsáveis pela
de facto de países poderosos. Hitler seu líder, endossou suas ideias e, subida ao poder de Adolf Hitler
era um artista medíocre, sem um gradualmente, seus feitos. Pode- e pelo Nazismo. Apesar do ódio
lar e um soldado raso de 2a linha se dizer que os alemães lhe deram de Hitler aos judeus e do que ele
na 1a Guerra Mundial. Nem era a mesma mensagem que o Rei prometera fazer a eles, e apesar das
rico nem vinha de família nobre Achashverosh transmitiu a Haman: atrocidades cometidas pelos nazistas,
e nunca demonstrou grandes “Faça com o povo (judeu) o que você o povo da Alemanha estava bastante
habilidades intelectuais. Como ele, achar melhor” (Meguilat Esther, 3:11). satisfeito com seu líder, enquanto
também Haman serviu o exército, as coisas estivessem indo bem no
sem qualquer distinção. Antes disso É verdade que em julho de 1932, país. Assim como Haman não
trabalhara como barbeiro. Faltava nas eleições, Paul von Hindenburg teria tido poderes para ameaçar os
aos dois a maioria das qualidades derrotou Hitler e permaneceu na judeus sem a aquiescência e apoio de
que lançam os homens a posições presidência do país. Contudo, nessas Achashverosh, também Hitler não
de poder, mas ambos eram mestres mesmas eleições democráticas, os poderia ter executado o Holocausto
na manipulação e na mentira, e nazistas obtiveram mais assentos se o povo da Alemanha e seu
demagogos impiedosos e eloquentes. do que qualquer outro partido presidente não lhe tivessem dado
no Reichstag, o parlamento. Além carta branca.
Outra semelhança entre a história disso, assim como havia feito
de vida de ambos foi o seu ódio Achashverosh, dando poder quase É importante observar que os
pelos judeus, compartilhado por ilimitado a Haman, o presidente judeus não são os únicos a ver
aqueles que lhes haviam dado o Paul von Hindenburg nomeou paralelos entre a história de Purim
poder. Ao ler a Meguilat Esther, Hitler chefe do governo, em 30 de e o Holocausto. Os nazistas
podemos perguntar: Como é janeiro de 1933. É claro que Hitler também os viram. A história de
possível que Haman tivesse usou de intimidação, violência Purim perturbava, tremendamente,
convencido, tão facilmente, o Rei e engodo, como o incêndio no Adolf Hitler. É possível que ele se
Achashverosh a lhe dar permissão de Reichstag, para assumir o governo. tenha achado a personificação ou
aniquilar os judeus? De fato, como reencarnação de Haman. Em vez
alguém pode permitir o genocídio, de tentar desacreditar a história de
em seu império, com tamanha Purim, lançando dúvidas sobre sua
leviandade? A resposta é que o rei veracidade, que é a maneira mais
da Pérsia podia ter sido crédulo e eficaz de tornar irrelevantes os fatos
facilmente manipulável, mas no históricos, Hitler baniu e proibiu seu
fundo também queria se livrar dos cumprimento. Na verdade, não foi
judeus. Achashverosh só mudou apenas ele, mas seus “filhos” também
seu pensamento sobre o Povo Judeu ficaram profundamente perturbados
quando se lembrou que Mordechai com a história de Purim.
lhe havia salvo a vida e descobriu
que sua amada Esther era judia. Em uma discurso proferido em 10
Mas, até que isso acontecesse, ele de novembro de 1938, dia seguinte
achou ótimo o plano de Haman de à Kristallnacht, Julius Streicher
criar um mundo judenrein, livre de – editor do jornal antissemita
judeus. O Talmud (Bavli, Meguilá, Der Stürmer, elemento central na
14a) revela que Haman viu no Rei máquina de propaganda nazista –
Achashverosh um parceiro receptivo. fez a seguinte afirmação nefasta e
Assim como os dois juntaram mentirosa: assim como “os judeus
forças para exterminar os judeus, haviam assassinado 75.000 persas
18
REVISTA MORASHÁ i 102
19 DEZEMBRO 2018
nossas festas
20
REVISTA MORASHÁ i 102
21 DEZEMBRO 2018
história
N
a segunda metade do século 19, um dos Leon Pinsker, livro sobre o qual Theodor Herzl escreveu:
mais ilustres viajantes a percorrer a antiga “Se eu tivesse lido Pinsker, talvez não tivesse escrito
Palestina foi o icônico escritor americano O Estado Judeu”.
Mark Twain. Dessa viagem resultou seu
livro Innocents Abroad (sem tradução para Obviamente, os judeus que pretendiam emigrar da
o português), no qual descreve a Terra Santa de 1870 Rússia, da Romênia e da Galícia para a Palestina
como uma terra de paisagem desoladora a par da feiura Otomana não tinham meios para sustentar tal
de seus habitantes. Relata, ainda, a existência de aldeias empreendimento. Foi quando veio o socorro do
miseráveis com gente miserável, que qualifica como Fundo Rothschild, tendo à frente o barão Edmond
“humanidade esquálida”. Rothschild, da célebre família de banqueiros judeus
europeus, que, além de proporcionar o deslocamento
Foi com essa triste paisagem que os judeus da Primeira para homens, mulheres e crianças, também adquiriu
Aliá, que se estendeu de 1883 a 1903, se depararam propriedades para exploração agrícola na Palestina
quando chegaram à Palestina sob domínio turco. Esta Otomana, chegando a somar um total de 350 mil
chamada Primeira Aliá correspondeu a uma corrente metros quadrados de terras. Assim foi dada origem
imigratória que levou de 25 mil a 35 mil judeus da a uma série de novos assentamentos ocupados pelos
Europa Oriental e do Iêmen para Eretz Israel (Terra pioneiros. Esses imigrantes, dotados de uma energia
de Israel). A maioria dos recém-chegados era oriunda fora do comum, não mantinham convicções de caráter
da Rússia, onde, no final do século 19 e princípio do coletivo tal como aconteceria anos mais tarde com a
século 20, os pogroms (massacres contra judeus) se implantação dos kibutzim (colônias agrícolas coletivas).
multiplicavam. Por causa desses ataques sangrentos Eles não eram socialistas e optaram por incrementar
e impiedosos os judeus começaram a fortalecer sua atividades particulares nos moshavim (comunidades
identidade nacional, o que deu origem ao movimento rurais), em sistema de cooperativas. Em dezembro de
Hibat Zion (Amor a Sion), cuja base teórica e aclamada 1882, um grupo de cem judeus da Bessarábia, integrantes
era a obra precursora do sionismo, Autoemancipação, de do movimento Hibat Zion, instalou-se em uma das terras
22
REVISTA MORASHÁ i 102
compradas pelo Fundo Rothschild, filhos, dois revelaram extraordinária Os ocupantes otomanos eram
a 35 quilômetros ao sul de Haifa, inteligência e firmeza de caráter, complacentes com os pioneiros e
nas escarpas do Monte Carmel. Aaron e Sarah. só passaram a se preocupar com os
Muitos dos agricultores foram judeus quando o Sionismo começou
acometidos pela malária e decidiram A eclosão da 1ª Guerra Mundial, a ser um movimento inspirador e
abandonar o projeto de se radicar na em 1914, não chegou a interferir propulsor da Segunda Aliá, de 1904
Palestina. Os que ficaram, deram à na rotina de Zichron Yaakov. a 1914, resultando na fundação
localidade o nome Zichron Yaakov, do primeiro kibutz, Degânia, às
em homenagem ao pai do barão, margens do Mar da Galileia,
de nome Yaakov. As primeiras em 1909. Esses pioneiros eram
atividades agrícolas não deram certo idealistas, nacionalistas e socialistas,
e, três anos mais tarde, Edmond portanto vistos de forma suspeita
Rothschild decidiu ali instalar a pelas autoridades otomanas. Muitos
primeira vinícola da Palestina, uma desses imigrantes passaram a ser
iniciativa bem-sucedida. monitorados, culminando com a
expulsão da Palestina de dois líderes
Efraim Aronsohn, possuidor sionistas, David Ben Gurion e
de razoáveis recursos próprios, Itzhak Ben Zvi. Ambos se exilaram
desembarcou em Jaffa com a mulher, temporariamente nos Estados
Malka, e dois filhos pequenos, Unidos. Os judeus só se mobilizaram
Aaron, seis anos, e Zvi, com quatro. quando lhes chegaram os primeiros
A família se estabeleceu em Zichron relatos sobre a Campanha de
Yaakov, onde nasceram mais dois Galípoli, que durou de 1915 até o
filhos, Shmuel e Alexander, e duas ano seguinte. Essa campanha foi
filhas, Sarah e Rivka. Dos seis Sarah aronsohn um dos mais trágicos momentos da
23 DEZEMBRO 2018
história
Primeira Guerra Mundial. Tropas lhe uma tropa de 10 mil homens, que
inglesas, francesas, australianas combateu os turcos com ações de
e neozelandesas desembarcaram sabotagens e guerrilhas. Mais tarde,
na península de Galípoli com o Lawrence viria a manter importante
propósito de invadir a Turquia, contato com Aaron, filho mais velho
aliada da Alemanha no conflito, e da família Aronsohn.
capturar o estratégico Estreito dos
Dardanelos. Foram assombrosos Aaron Aronsohn, filho de
os milhares de mortos e feridos Efraim, nasceu na Romênia em
nas fileiras das forças invasoras. 1876. Patrocinado por Edmond
Estas contavam com cerca de 80 Rothschild, estudou agronomia e
mil homens que não conseguiram botânica na França. Embora muito
ultrapassar as ferozes defesas turcas. jovem, mas já distinguido como
Fora a resistência na península, o notável especialista nessas matérias,
Estreito dos Dardanelos permaneceu voltou para Zichron Yaakov e de
fechado, impedindo que os países lá partiu para o norte da Palestina
ocidentais, além de combalidos por com a finalidade de pesquisar a
terríveis baixas militares, pudessem estrangeira. Nesse contexto avultou a flora local. Na área de Rosh Piná,
levar auxílio à Rússia com a qual figura de um militar inglês chamado dedicou seus estudos a uma planta
estavam alinhados na guerra. Thomas Edward Lawrence, o mítico que recebeu o nome em latim de
Lawrence da Arábia. Fascinado pelo triticum, o principal componente
O insucesso de Galípoli fez com mundo árabe, ele ganhou a confiança do trigo para alimentação. O jornal
que o império britânico passasse a de Faissal, um dos líderes da rebelião The New York Times, do dia 26 de
dedicar maior atenção à ocupação árabe, que ficou impressionado outubro de 1905, noticiou: “Trigo
otomana na Palestina e a cogitar com os conhecimentos daquele histórico encontrado na Palestina”.
a invasão daquela região. A par do jovem oficial sobre as condições Na verdade, as pesquisas e estudos
fracasso militar na península turca, logísticas e o potencial militar turco, daquele rapaz judeu são até hoje
em 1916 teve início uma revolta conhecimentos adquiridos enquanto uma fonte mundial de referência
árabe contra os turcos e também ele servira durante dois anos no nessa matéria. Depoimentos de
de caráter nacionalista, que passou serviço secreto inglês, sediado no contemporâneos de Aaron apontam-
a agir por conta própria, sem a Cairo, sob o comando do general no como uma verdadeira força da
interferência de qualquer potência Allenby. Faissal acabou confiando- natureza: um homem alto, ombros
largos, musculoso, enfim, uma figura
humana imponente.
24
REVISTA MORASHÁ i 102
25 DEZEMBRO 2018
história
26
REVISTA MORASHÁ i 102
27 DEZEMBRO 2018
história
28
REVISTA MORASHÁ i 102
29 DEZEMBRO 2018
ISRAEL
Guerra cibernética:
uma ameaça à segurança
O combate ao ciberterrorismo está no topo da lista de
prioridades do governo israelense. Hoje, além dos ataques
às suas fronteiras por seus vizinhos inimigos ao Norte e ao Sul,
Israel enfrenta atualmente uma ameaça invisível: ataques de
hackers aos seus sistemas de computação, que podem colocar
em risco a infraestrutura civil e militar do país.
o
s mísseis lançados pelo Hezbollah em ataques podem não apenas obter informações sigilosas
direção ao norte de Israel, a presença e estratégicas para o cenário geopolítico internacional,
iraniana na Síria e as ações do Hamas como chegar a desestabilizar ou paralisar a infraestrutura
na fronteira sul de Israel são manchetes nacional, criando o caos. Hoje, a ameaça cibernética à
constantes na mídia israelense. Mas, hoje, a segurança nacional deixou de ser apenas uma hipótese
proteção das fronteiras contra possíveis ataques inimigos e se tornou uma das prioridades do governo israelense
ou ações que, graças ao desenvolvimento da indústria diante do aumento na incidência de tentativas cada vez
armamentista mundial, atingem o território israelense, mais sofisticadas.
não são as únicas preocupações dos altos comandos
militares. Outra ameaça surgida há mais de 15 anos tem Em abril de 2017, Israel foi vítima de um ataque
ocupado a chamada Inteligência de Israel e tem sido até cibernético de grande escala à rede civil, incluindo
considerada por especialistas do país e do exterior tão empresas e infraestrutura. Na época, funcionários da
ou mais preocupante do que os ataques com mísseis: Autoridade Nacional de Defesa Cibernética de Israel
a guerra cibernética. Em seu livro “O Novo Oriente disseram que a infraestrutura vital do país não fora
Médio”, lançado em 1995, o líder israelense Shimon afetada e que o ataque fora neutralizado – porém, mais
Peres já alertava que, com o avanço da tecnologia, a de 120 organizações israelenses, públicas e privadas,
defesa das fronteiras já não seria suficiente para garantir foram de fato atacadas. O ataque veio sob a forma de
a segurança dos países. e-mails contaminados, enviados através de um servidor
de uma instituição acadêmica confiável com arquivos
As primeiras tentativas de invasão cibernética infectados do programa Microsoft Word. Os sistemas de
registradas nos anos 1990, facilmente controladas antivírus não conseguiram detectar o ataque.
pelos primeiros softwares de segurança lançados por
empresas israelenses, deram lugar à ataques cibernéticos De acordo com uma reportagem publicada pelo
estrategicamente organizados por indivíduos e grupos The Jerusalem Post, à época, o vírus conhecido como
ligados ou não a governos. Se bem-sucedidos, esses CVE-2017-0199 detectou um ponto vulnerável no
30
REVISTA MORASHÁ i 102
31 DEZEMBRO 2018
ISRAEL
sabotar as redes israelenses. Iniciada O diagnóstico apresentado ao a chamada Darknet. “Quem quer
em 2013, a OpIsrael realiza uma término do trabalho foi assustador que esteja por trás desta operação,
grande ação por ano contra os sites e Ophir exigiu que tudo fosse deseja saber tudo sobre nós, para
do país, divulgando mensagens novamente revisto. O resultado foi praticamente nos destruir”, afirmou
contra Israel. A data escolhida para o mesmo: inúmeros computadores o relatório final.
o ataque corresponde a Yom HaShoá, infectados com sofisticados
Dia de Lembrança do Holocausto. malwares (softwares maliciosos), Outra conclusão importante: os
Em resposta, hackers pró-Israel incluindo vários em instituições malwares utilizados não são do Irã,
também organizam ações visando civis como escolas, hospitais, o do Hezbollah ou do Hamas. “Seja
websites governamentais árabes. Ministério do Interior, entre outros. quem for o responsável pelo que
Os especialistas ficaram surpresos definimos como ‘a doença que se
Prioridade nacional ao descobrir malwares instalados espalha por todo lugar – para todos
tão profundamente dentro do os órgãos do cyber-espaço israelense’
O combate ao ciberterrorismo está sistema central dos computadores, – é algo completamente diferente,
no topo da lista de prioridades do e não apenas nos desktops pessoais um jogador muito mais preparado
governo israelense. Prova disso utilizados pelo governo, como se e perigoso do que qualquer outro
foi a iniciativa da Divisão de esperava. conhecido”.
Contraespionagem do Shin Bet de
convidar um experiente ex-agente da Para Ophir e sua equipe, uma Mas o Irã preocupa Israel, ainda mais
Inteligência para, juntamente com operação de tal porte, que consegue após a prisão do ex-ministro Gonen
uma equipe de especialistas, fazer um penetrar em diferentes sistemas Segev, acusado de espionagem
estudo profundo da área de segurança da infraestrutura nacional, não para esse país. O Departamento de
de todo o sistema computacional para é trabalho de uma pessoa só. Contraespionagem do Shin Bet já
avaliar sua vulnerabilidade e eficácia. Uma ação como essa exige altos vinha trabalhando no caso há algum
Segundo os responsáveis pela Divisão investimentos em termos financeiros tempo e, ao que tudo indica, Segev
do Shin Bet, alguém de fora teria mais e em recursos humanos, com é apenas a ponta do iceberg no
condições de identificar possíveis centenas de pessoas envolvidas. empenho iraniano em estabelecer
falhas e problemas que poderiam Não é resultado de um hobby ou uma infraestrutura secreta de
passar desapercebidos pelas equipes de pequenos grupos em trabalho Inteligência em Israel. Segev foi
da Casa. conjunto. Para eles, um ataque como ministro no início da década de
este exige tecnologias extremamente 1990, sendo anos depois preso
Para o ex-agente, identificado apenas sofisticadas e um profundo por tentar contrabandear 32 mil
como Ophir, não há dúvidas de que conhecimento das entranhas do comprimidos de ecstasy para Israel.
Israel está sob constante ameaça que mundo das redes, entre as quais, Condenado a cinco anos de prisão,
não se limita mais às tradicionais cumpriu três anos e meio. Solto,
formas de espionagem, com mudou-se para a Nigéria. Segundo
agentes duplos ou que se vendem uma fonte da Inteligência israelense,
por um bom dinheiro. Com estes, “os iranianos estão atirando para
diz Ophir, Israel está preparado todos os lados, tanto tentando
para lidar. Outras ameaças, menos recrutar informantes de alto nível
óbvias, exigem maior sofisticação e com bons contatos, como Segev,
e informações para serem quanto alvos menores, que pouco
neutralizadas. Segundo ele, o Irã têm a contribuir”.
representa hoje um dos principais
protagonistas da guerra cibernética Rússia e China,
contra Israel, pois conseguiu ameaças maiores
construir uma impressionante rede
própria de instituições e engenheiros Não é apenas o Irã que preocupa
especializados em roubar tecnologia, Israel. Rússia e China são também
hackear bancos de dados e considerados ameaças tão grandes
plantar vírus em sistemas inimigos. Diretor do Shin Bet, Nadav Argaman ou até maiores do que o Irã. Com
32
REVISTA MORASHÁ i 102
33 DEZEMBRO 2018
comunidades
Os judeus de Livorno
na Tunísia
POR NIMROD ETSION KOREN
D
esde o século 16, a população corrida colonial (1871-1914), e seu envolvimento
judaica em Túnis dividia-se entre na atividade secreta do movimento antifascista, às
a originária do local, Touansa, e os vésperas da 2a Guerra Mundial.
judeus livorneses que criaram uma
comunidade minoritária chamada Grana GRANA DURANTE A UNIFICAÇÃO ITALIANA
(Livorno traduz-se como El-Gorna, em árabe). Essa
comunidade judaica, que incluía judeus originários de A imigração da Itália para a Tunísia, nos séculos
Livorno1 e de outros locais da Itália, desenvolveu-se 17 e 18, teve motivação principalmente econômica,
separadamente do grupo majoritário local, a antiga mas, já em 1815, um novo motivo foi adicionado: o
comunidade arabizada de judeus tunisianos. político, principalmente relacionado à supressão do
movimento que levou à unificação da Itália. Tiveram
Uma das explicações para essa divisão única, sem papel central nesse movimento, conhecido como
paralelo no restante do judaísmo do Norte da África, Risorgimento, muitos judeus italianos, especialmente de
foi a constante relação da comunidade Grana com Livorno. Em razão de suas atividades revolucionárias
seu local de origem, a Itália. Exemplos dessas e perseguições sofridas, alguns deles optaram por se
conexões podem ser observados na cultura, educação exilar. Nos primeiros anos do movimento de libertação,
e vida religiosa. No contexto político, podemos a Carbonária, sociedade secreta liberal inspirada na
ressaltar os encontros clandestinos de Giuseppe Revolução Francesa, liderou rebeliões no Sul e Norte
Garibaldi (1807-1882) com seus seguidores judeus da Itália. A proximidade das revoltas na Toscana,
“livorneses”, em 1834; a participação dos “livorneses” no início da década de 1830, trouxe sua primeira
em revoltas contra o protetorado francês durante a onda de refugiados políticos a Túnis, na era pré-
colonial. Entre os proeminentes revolucionários
judeus chegados nessa onda, estava o republicano
1
Livorno é uma cidade na região da Toscana, Itália. Porém, Gaitano Fedriani (1811-1881) que, secretamente,
no texto, o termo “livorneses” refere-se aos judeus de Grana
- de origem italiana, mas que viviam na Tunísia. aporta em La Goulette, em 1834, junto com seu
34
REVISTA MORASHÁ i 102
amigo Joseph Fani, procurado pelas pela liberdade italianos – juntamente contribuiu para organização da
autoridades da Ligúria (Itália). Fani com a identificação da comunidade causa italiana, foi Giuseppe Raffo,
foi, na verdade, o pseudônimo usado judaica “livornesa” com a causa e conselheiro próximo ao Bey de Túnis,
por Garibaldi, um dos principais sua localização estratégica. Uma o governante da Tunísia. Raffo, filho
líderes do Risorgimento, durante sua das figuras centrais, que muito de um escravo italiano capturado
primeira estada em Túnis. Antes por piratas da Berbéria, acabou
de se refugiar nessa cidade, os dois sendo promovido pela corte do
camaradas se haviam filiado ao novo Bey. Simpatizante do nacionalismo
movimento clandestino fundado por italiano, patrocinava os seguidores de
Giuseppe Mazzini, ‘Giovine Italia’ Mazzini, permitindo que Fedriani
(Itália Jovem), com a promessa de e outros patriotas “livorneses”
se dedicar à libertação de sua pátria prosseguissem em suas atividades
da ocupação austríaca. Em 1834, subversivas.
ambos se haviam implicado em uma
revolta encabeçada por Mazzini, no Uma expressão da carte blanche
Piemonte, região no norte da Itália. dada a esses círculos de
Descoberta a conspiração, Garibaldi revolucionários italianos é
é sentenciado à morte in absentia e comprovada por uma furiosa carta
se refugia, com Gaetano Fedriani, anônima dirigida ao cônsul austríaco
em Túnis. às vésperas da 1ª Guerra
de Independência italiana (1848),
A política governamental local sobre as atividades clandestinas de
simpatizante foi uma das razões general gabriel valensi, de origem outro patriota, David Franco. Na
para Túnis ser escolhida como um livornesa, um dos raros judeus carta, dizia-se que Franco dirigia
tunisianos a alçar à função de
porto seguro para os combatentes oficial, no início do séc. 20 um clube político onde “um bando
35 DEZEMBRO 2018
comunidades
Atividade livornesa e
o estabelecimento do
Reino da Itália
36
REVISTA MORASHÁ i 102
37 DEZEMBRO 2018
comunidades
38
REVISTA MORASHÁ i 102
39 DEZEMBRO 2018
comunidades
40
REVISTA MORASHÁ i 102
Os motivos do
a tendência cultural, a tendência
envolvimento político
secular e o separatismo étnico
de Grana
tiveram um impacto significativo
na agenda política italiana dos
Dado o extenso envolvimento dessa
“livorneses”.
pequena comunidade de exilados
no destino político de seu país de
origem, surge a questão sobre seus
motivos e a razão para ser uma arena BIBLIOGRAFIA
tão vibrante para a atividade política. Clancy-Smith, Julia, Mediterraneans:
North Africa and Europe in an age of
A resposta parece envolver vários migration, c. 1800-1900, University of
fatores. A proximidade geográfica California Pres, 2012, Berkeley
entre Itália e Tunísia (apenas 145 km Ganiage, Jean. Les origines du protectorat
no Estreito da Sicília), os tratados franc¸aisen Tunisie (1861-1881), Paris:
Presses Universitaires de France, 1959.
bilaterais que garantiam privilégios Sa’adon, Haim. [Hebrew] Jews and
aos imigrantes toscanos/italianos, Muslims in Tunisia: Between French
o patrocínio dado pelos Beys de Colonialism and Tunisian Nationality,
a grande sinagoga de túnis
2003, Tel Aviv.
Túnis à atividade revolucionária e,
Sebag, Paul. Histoire des Juifs de
especialmente, o poder econômico, Tunisie: des origines à nosjours, Edition
cultural e social da comunidade que sua insistência intransigente L’Harmattan, 1991.
judaica italiana na Tunísia. em uma existência judaica separada
os ajudou a esquecer que eles não
No entanto, acima de tudo, esse mais viviam em sua terra natal. A O artigo é baseado em um trabalho
fenômeno do ativismo político compreensão de sua língua, nomes, apresentado em um seminário
enfocando o judaísmo norte-africano
diaspórico pode estar relacionado comércio, culinária e seus teatros e um estudo publicado no Journal of
à incomum divisão entre as duas permitia que ficassem, como afirmou Education, Society and Behavioural
science.
comunidades judaicas, Grana e o correspondente de Doar Hayom:
Touansa, sem as quais os “livorneses” “...mentalmente mais próximos dos Nimrod Etsion Koren é aluno de
teriam sido destinados à assimilação judeus da Itália do que dos judeus pós graduação no Departamento de
História, Filosofia e Estudos Judaicos
entre seus irmãos tunisianos. Parece da Tunísia”. Em outras palavras, na Universidade Aberta de Israel.
41 DEZEMBRO 2018
música
Tributo a
Charles Aznavour
Morreu, aos 94 anos, em 1º de outubro deste ano de 2018,
o cantor e compositor francês Charles Aznavour, um dos
mais populares artistas de todos os tempos. Era, também,
um dos mais declarados amigos dos judeus e de Israel,
na França.
c
hamado de o “Frank Sinatra da França”, Mas Aznavour não era apenas um artista, engajou-se
Aznavour era uma figura grandiosa na também em diversas causas filantrópicas e políticas.
música francesa. Encantou gerações Permaneceu, a vida toda, fiel à sua herança armênia,
com sua voz magnífica e sensível e as tendo sido uma das vozes mais conhecidas
letras poéticas de suas músicas. Quando nessa diáspora, entre os defensores de sua causa.
estava em seu auge, soltando sua nostálgica voz de Foi incansável militante em prol do reconhecimento,
tenor, arrebatava corações e inspirava sentimentos como genocídio, do assassinato de 1,5 milhão de
acalentadores até mesmo entre os frios parisienses. armênios pelos turcos otomanos durante a 1ª Guerra
Mundial. Em 2009, a Armênia o nomeou seu embaixador
Aznavour esteve muitas vezes em turnê no Brasil, sendo na Suíça, onde o cantor residiu nos últimos anos.
sempre calorosamente recebido pelo público. Sua última Foi, também, embaixador da UNESCO e delegado
visita ao País foi em 2017, a convite do KKL, Keren permanente da Armênia, em 1995.
Kayemet Le-Israel. O valor arrecadado foi destinado à
revitalização das florestas em Israel. A vida e trajetória artística de Aznavour foram narradas
em três livros autobiográficos. Mas, nesses livros, pouco
Desde os nove anos de idade, ele começou a se envolver ou quase nada se mencionou sobre o fato de sua família
no meio artístico, primeiro como ator, depois como ter escondido e salvo judeus e armênios durante a
cantor e, por fim, compositor. Sua grande estreia seria ocupação nazista, na França.
logo após a 2ª Guerra Mundial, quando abriu o show da
grande Edith Piaf, então uma estrela em ascensão. Em Até então, Aznavour nunca se prolongara sobre o assunto
1946, ela o contratou como empresário e compositor para por “não achar que o que sua família tinha feito fosse
acompanhá-la em uma turnê pelos Estados Unidos. tão especial”. Mas o professor Yair Auron, historiador e
A partir de então, sua carreira estava lançada: vendeu mais pesquisador israelense especializado no Holocausto, autor
de 100 milhões de discos em cerca de 80 países e escreveu do livro Matzilim Tzadikim Ve’Lohamim” (Salvadores
mais de 1.000 canções. e Combatentes Justos, em tradução livre), conseguiu
42
REVISTA MORASHÁ i 102
43 DEZEMBRO 2018
música
1. 2. 3.
1. NO CASAMENTO COM ULLA THORSSE 2. Aznavour com a mulher Ulla, e a filha Katia, 1969 3. CHARLES AZNAVOUR (d) COM
O ATOR FRANCÊS MICHEL SERRAULT (C) E O DIRETOR CLAUDE CHABROL NO SET DE FILMAGEM DE “LES FANTOME DU CHAPELIER”, 1982
cantor de ópera e Knar, atriz. Para A principal pergunta do Prof. Charles acrescentou : “Temos tanto
complementar os ganhos do pai Yair Auron, durante as longas em comum, nós armênios e, vocês,
como cantor, o casal manteve, horas em que entrevistou Charles judeus, seja nos infortúnios, na
por algum tempo, um restaurante e a irmã, sobre a vida da família felicidade, no trabalho, na música
armênio. Ao descrever sua relação durante a ocupação alemã, foi o que e nas artes, e na facilidade de
com os judeus do Marais, Aznavour teria levado seus pais a esconder aprender diferentes idiomas e de nos
afirmou: “Crescemos juntos – jovens judeus em casa, apesar de saber o tornarmos importantes nos países
judeus e armênios, no distrito de risco que corriam. Tivessem sido que nos receberam... Crescemos
Les Marais.... A convivência era descobertos pelos nazistas, teriam juntos no bairro do Marais.
tanta que meu pai até falava iídiche sido fuzilados. Infelizmente, foram Tínhamos, praticamente, uma vida
melhor do que muitos deles. Eu poucos os franceses ou cidadãos em comum. Portanto, esconder
mesmo sabia algumas palavras”. de outros países que ajudaram judeus em nossa casa durante a 2ª
os judeus. Aida respondeu: Guerra, para nós era muito natural:
Disse, ainda, em entrevista ao jornal “Vivíamos muito próximo. Logo eles eram nossos vizinhos e amigos.
The New York Times: “Todos os meus compreendemos que os judeus Estávamos prontos para protegê-los,
amigos de infância eram judeus. seriam vítimas da brutalidade alemã. como eles a nós. Tínhamos que tentar
Por isso acabei por adquirir os Sentíamos tristeza e pena deles. ajudá-los, assim como era natural que
mesmos gestos, o jeito de falar e de Tendo escapado da perseguição na tentássemos ajudar os armênios que
contar piadas. Durante a ocupação Armênia, conhecíamos muito bem o desertavam do exército alemão”.
alemã, fui preso várias vezes por genocídio...”.
me confundirem com os judeus. Ele lembra ainda que o box de seu
Uma vez, fui levado à central de pai no mercado municipal ficava
comando nazista e mostrei meu próximo aos de alguns judeus. “E
certificado de batismo. Mas os os vendedores armênios, entre eles
alemães não acreditavam em mim o meu pai, cuidaram dos negócios
e até abaixaram minhas calças... desses judeus após terem sido presos
Eu costumava brincar e dizer aos na trágica deportação em massa dos
amigos que eu era o único ‘goi judeus de Paris, em julho de 1942.”
ashkenazi’ da França”.
O lar dos Aznavourian, o pequeno
A 2ª Guerra na França apartamento da Rue de Navarin,
tornou-se um esconderijo seguro
Durante a 2a Guerra, Charles, com não apenas para judeus como para
16, e a irmã Aida com 17, viviam com desertores armênios, para comunistas
seus pais no pequeno apartamento e para membros da Resistência.
de três quartos localizado no A primeira pessoa que se escondeu
número 22 da Rue de Navarin, no 9e com os Aznavourian foi um judeu
arrondissement de Paris. EDITH PIAF E CHARLES AZNAVOUR, 1951. romeno que fugira da Alemanha
44
REVISTA MORASHÁ i 102
45 DEZEMBRO 2018
música
46
DESTAQUE
n
o dia 17 de setembro, uma aeronave russa, Islâmico e de grupos ligados à Al Qaeda. Diante da
modelo Iliushin-20, com 15 militares numa iminência da queda do aliado, Putin decidiu intervir na
missão de reconhecimento, foi abatida perto Síria, interessado ainda em impedir a consolidação de
do porto sírio de Latakia por míssil dispa- bases do terror numa região relativamente próxima ao
rado pelo sistema de defesa do regime de sul da Rússia. O Kremlin também vislumbrou na ação
Bashar Al Assad. Todos os passageiros morreram. militar a valiosa oportunidade de demonstrar força e
prestígio perdidos desde o fim da Guerra Fria, há cerca
Disparos das forças sírias buscavam atingir quatro caças de 30 anos.
de Israel, que bombardearam um armazém com armas
destinadas ao grupo libanês Hezbolá e a outras milícias A partir de setembro de 2015, aviões russos passaram
financiadas pelo Irã. Nos últimos anos, foram registrados a controlar boa parte do espaço aéreo sírio. O Irã
centenas de bombardeios israelenses contra alvos enviou assessores militares e milicianos, por meio de
iranianos em território controlado pelo ditador Bashar grupos xiitas como o libanês Hezbolá. A combinação
Al Assad. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu russo-iraniana mudou o curso da guerra na Síria, com
já deixou claro a estratégia de impedir que o regime de a derrota dos rebeldes e a sobrevivência do regime de
Teerã enraíze presença militar na Síria. Bashar Al Assad.
Rússia e Irã intervieram na guerra da Síria em 2015, Para Putin, a vitória na Síria não significou apenas a
com o objetivo de impedir a queda de seu aliado, permanência no poder de um tradicional cliente de
Bashar Al Assad. Até aquele momento, o regime sírio armas, relacionamento alimentado desde os tempos de
colecionava sucessivas derrotas nos conflitos iniciados Hafez Al Assad, que morreu em 2000 e pai do atual
em 2011, enfrentando diversos grupos rebeldes sunitas, ditador. O Kremlin, com a força de sua intervenção
alguns deles apoiados pelos EUA e Arábia Saudita. iniciada em 2015, transformou-se no principal
A ditadura de Al Assad, controlada pela minoria alauíta personagem a decidir os contornos da realidade política
(aliada dos xiitas), enfrenta também terroristas do Estado e militar de Damasco.
47 dezembro 2018
DESTAQUE
48
REVISTA MORASHÁ i 102
Israel, argumentando que um dos de defesa antiaéreo S-300, que Em Jerusalém, Netanyahu recebeu,
caças israelenses “se havia escondido” moderniza e eleva condições no começo de outubro, a visita de
atrás da aeronave enviada por militares da ditadura síria. Maxim Akimov, vice premiê russo.
Moscou. Argumentou ainda que As incursões aéreas na Síria vão
seus militares não haviam sido Havia mais de cinco anos que continuar, pois correspondem a
notificados do bombardeio com o regime de Bashar Al Assad “legítima autodefesa, já que o Irã e
suficiente antecedência. reivindicava a entrega do S-300. seus aliados afirmam sua intenção de
Damasco aproveitou o episódio nos destruir”, declarou o primeiro-
O governo Netanyahu rejeitou a de 17 de setembro para intensificar ministro israelense. E, acrescentou
acusação e apresentou evidências a pressão pela obtenção do sistema Netanyahu, as diferenças atuais com
de que seus caças, no momento do responsável por aumentar o alcance Moscou “serão resolvidas”.
disparo da defesa antiaérea síria, já de sua defesa antiaérea. Putin, ao
estavam em espaço aéreo israelense. final, calculou que a entrega seria Especialistas apontam a capacidade
Sobre a operação em Latakia, uma forma de aplacar pressão e israelense de superar o sistema
afirmou ainda ter avisado os russos de manter a política de buscar antiaéreo S-300. As operações,
com 12 minutos de antecedência. equilíbrio entre Israel e Irã. no entanto, deverão ficar mais
complexas. E Israel, certamente,
Putin, para diminuir a temperatura Na segunda quinzena de setembro, manterá a opção de se esforçar
na crise diplomática, descreveu o Netanyahu e Putin conversaram para evitar que o Irã se fortaleça no
episódio como “um encadeamento ao telefone pelo menos três vezes. território da vizinha Síria.
de circunstâncias acidentais e De Washington também veio
trágicas”. No entanto, quando pressão. O secretário de Estado
se imaginava o capítulo como Mike Pompeo descreveu a entrega
encerrado, o Kremlin anunciou a do S-300 como “uma séria Jaime Spitzcovsky foi editor
internacional e correspondente da
entrega, a Damasco, do sistema escalada”. Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim
49 dezembro 2018
brasil
JUDAÍSMO NA CORTE
DE D. PEDRO II
por REUVEN FAINGOLD
f
elizemente, como tais manuscritos documento era parte do acervo, mas até então não
necessitavam nova restauração, a Torá foi havia sido estudado. Lá consegui, também, resgatar
trasladada, do Museu Nacional, na Quinta fontes históricas que me ajudaram a reconstituir
da Boa Vista, para a Seção de Obras a fascinante viagem de peregrinação de 24 dias
Raras da Biblioteca da Universidade, empreendida, em 1876, pelo monarca brasileiro e
situada no Horto Florestal, próximo ao museu. sua comitiva imperial. Sua Majestade percorreu
Esta ação acabou por salvar o precioso manuscrito lugares recônditos, conheceu várias personalidades
do fogo que devastou o museu. A Torá já havia e exercitou sua verdadeira vocação de orientalista
sido restaurada em novembro de 1998, pois os amador.
pergaminhos encontravam-se marcados por fungos e
orifícios decorrentes de ataque de micro-organismos. As cidades da Terra de Israel se agitaram com o
Restaurada, essa Torá permaneceu no 1º pavimento visitante ilustre. Em seu Diário encontramos os
do Museu Nacional, no Museu do Imperador, um três principais elementos da chamada literatura
espaço pouco citado na historiografia. E, ao que tudo de peregrinação: a reconstrução da cena “in loco”,
indica, pertenceu ao Imperador D. Pedro II. fundamental para estabelecer a passagem do profano
ao sagrado; a leitura e meditação de algum trecho
Que relação e que interesse o monarca teria tido bíblico, indispensável para identificar e valorizar o
com o universo judaico? Seguem-se alguns episódios fato histórico; e o poder espiritual da oração que gera
pouco conhecidos de sua relação com esse universo. devoção, envolvendo os sentimentos dos peregrinos.
A VIAGEM DE D. PEDRO À TERRA SANTA D. Pedro d’Alcântara, tido como “rei sábio”, foi criado
para as letras e as artes. Amado e elogiado, criticado
Em 1998, tive o privilégio de ter acesso à “Caderneta e censurado, foi um homem culto e uma figura ímpar
de viagens” de D. Pedro II à Terra Santa, guardada que merece um lugar de destaque na galeria dos
no Museu Imperial de Petrópolis. Há anos, o grandes vultos da Humanidade.
50
REVISTA MORASHÁ i 102
Monumento de D. Pedro II. Museu Imperial, palácio de verão do monarca. Petrópolis, Rio de Janeiro
PERGAMINHO DA TORÁ cada, manuscrito sobre pele de A nota da Veja levantou uma
novilho avermelhado. O texto teria pergunta: poderia o manuscrito
Em 23 de agosto de 1995, a sido copiado por um escriba que guardado no Museu Nacional ser o
revista Veja publicou uma nota habitava o Egito entre os séculos 1 mesmo mencionado pelo Imperador
intitulada “Pergaminho de 24 e 41. Escritos com pigmento vegetal, em seu “Diário de Viagem”, e que
metros”. A matéria falava da os pergaminhos estavam, como lhe teria sido apresentado em 1876,
existência dos três pergaminhos dissemos, no Museu Nacional do na sinagoga dos samaritanos, em sua
mais antigos da Torá: o primeiro, Rio de Janeiro. viagem?
no Museu de Israel, em Jerusalém;
outro, nos Estados Unidos, e um D. Pedro II aos 40 anos, c. 1865
Antes de examinar a questão é
terceiro, no Brasil. Este último necessário abrir um parêntese para
era um rolo de 24 metros de ressaltar que os samaritanos não
comprimento, dividido em 9 fazem parte do Povo Judeu, sendo
peças de 60 centímetros de altura uma seita muito antiga anterior
ao exílio judaico para a Babilônia.
Professam o Samaritanismo, religião
intimamente relacionada com
1
Há pesquisadores que acreditam que o Judaísmo, sendo seu culto
os Pergaminhos Ivriim tenham sido
confeccionados no Iêmen, por volta baseado no Pentateuco Samaritano.
do século 13. Há cerca de 6 mil diferenças entre
2
Texto massorético ou masorético é o
o texto samaritano e o massorético2.
texto hebraico utilizado no Tanach para Em grande parte, são variações na
o judaísmo e também como fonte de grafia de palavras ou construções
tradução para o Antigo Testamento da
Bíblia cristã. Os massoretas eram os gramaticais, mas há também
escribas judeus. importantes mudanças semânticas,
51 DEZEMBRO 2018
brasil
GENEALOGIA E JUDAÍSMO
tais como o mandamento exclusivo Finalmente, a prova mais evidente
dos samaritanos de construir um de que os Pergaminhos guardados Em 2 de dezembro de 1825 nascia,
altar no Monte Guerizim. no Museu Nacional não eram os no Rio de Janeiro, Dom Pedro
mesmos aos quais D. Pedro tivera d´Alcântara. Desde cedo teve vida
Voltando ao Museu Nacional, em acesso na sinagoga samaritana reside calma, comparecendo ao Paço
rápida visita ao seu Departamento no formato dos caracteres hebraicos. Imperial somente nas solenidades.
de Arqueologia, constatei que o As letras dos escribas samaritanos A Quinta da Boa Vista passou
manuscrito samaritano, citado no eram diferentes das letras hebraicas a ser sua residência, e era lá que
“Diário de Viagem”, não é o que se utilizadas pelos judeus. O argumento estudava línguas exóticas, como
encontra tombado, desde 1998, no mais contundente é o fato de que a mandarim, tupi-guarani e sânscrito,
Museu. Esta tese é sustentada por promessa dos samaritanos de levar mergulhando fundo nas culturas
cinco argumentos, que descrevemos uma cópia do Pentateuco Samaritano clássicas e orientais. Mesclava-se em
abaixo. ao Imperador nunca foi cumprida. sua pessoa o bibliógrafo, o astrônomo
e o helenista. Sua enorme curiosidade
Em primeiro lugar, nesse diário Cabe, então, outra pergunta: pelas descobertas científicas
D. Pedro menciona um manuscrito quem teria trazido ao Brasil aproximou-o dos grandes espíritos da
em pele de gazela, enquanto que o os Pergaminhos Ivriim? época.
do Rio de Janeiro é todo em couro
de novilho. Em segundo, as letras D. Pedro II era um Bourbon e
do Pentateuco dificultavam a leitura, também um Bragança. Pertencia à
estando algumas apagadas, como estirpe dos reis de Portugal. Uma
relata o Imperador, enquanto são lenda narra a origem judaica dos
bem legíveis os caracteres dos rolos Bragança. Certa vez, durante o
do Sefer guardado, até há pouco, no governo do Marquês de Pombal,
Museu Nacional. Ademais, ainda apresentou-se um cortesão
segundo o Diário, os pergaminhos perante o rei, propondo-lhe que os
samaritanos supostamente datavam descendentes dos cristãos novos
da época de Avishua, filho de portassem um chapéu amarelo para
Pinchas, Cohen Gadol (Sumo diferenciá-los de outros grupos. O
Sacerdote) no tempo de Yehoshua rei, entusiasmado com a ideia, foi
bin Nun, sucessor de Moshé. Já o dissuadido por outro nobre, que
Pentateuco do Rio de Janeiro seria se apresentou diante dele com três
obra de um sofêr que viveu no Egito chapéus amarelos e disse: “Tomo o
entre os séculos 1 e 4, como vimos D. Pedro II montado num camelo.
primeiro para mim e entrego os outros,
acima. Viagem pelo Egito, 1871 um ao Inquisidor-mor e o terceiro à
52
REVISTA MORASHÁ i 102
Vossa Majestade, em homenagem à Comtadin”3, escritas em 1890, D. Ferdinand Koch foi o segundo
formosa judia de quem precede a Casa Pedro registra o motivo pelo qual professor do Imperador; dominava
de Bragança”. se dedicara a aprender hebraico: grego, latim, hebraico e lecionava
“Quanto ao histórico de meus estudos sânscrito. Depois de anos no Rio,
Quem seria essa formosa judia? Era hebraicos empreendidos com o fito de Koch tornou-se amigo de Pedro II,
Inês Fernandes Esteves, filha do melhor conhecer a história e literatura morrendo em Petrópolis. No dia
judeu espanhol, o sapateiro Mem dos judeus, principalmente a poesia do enterro, seu aluno o perpetuou
ou Pero Esteves, conhecido como e os Prophetas (sic), assim como com uma inscrição em seu jazigo,
“Barbadão de Veiros”. Inês teve dois as origens do Christianismo (sic), tratando-o de “amigo” em latim,
filhos com um bastardo real, que tais estudos remontam aos anos que grego e hebraico.
depois seria rei de Portugal com antecederam à Guerra do Paraguai, em
o nome de D. João I. Um dos 1865. Encetei-os durante as minhas Karl Henning foi seu terceiro
filhos, D. Afonso (1377-1461), foi permanências em Petrópolis com o Sr. professor. Ancorou no Rio de
sagrado 1º Duque de Bragança, e Akerbloom, judeu sueco. Mais tarde, Janeiro em 1874, carregando livros
dele descenderiam os futuros reis de retomei-os com o Sr. Koch, ministro e manuscritos. Dois dias após sua
Portugal e do Brasil. protestante alemão. Após a morte chegada recebe a primeira carta de
súbita deste, prossegui-os com o doutor Pedro II que, entre outras, dizia:
OS ESTUDOS DE HEBRAICO Karl Henning e, desde 1886, com meu “..., há pouco mais de um mês não
sábio colaborador e professor de línguas converso e, desta forma, poderá conhecer
D. Pedro II era disciplinado nos orientais, Christian F. Seybold, com o quanto sei de hebraico pelas traduções
estudos. Seus “Diários” registram quem continuei o estudo sério do árabe”. do Gênesis. Traga sua Bíblia hebraica e
horários rígidos, mestres qualificados algo em sânscrito para leitura. Desculpe
e uma obstinada dedicação à O texto acima destaca o valor a minha pressa em querer demonstrar o
aprendizagem. Apreciava e era atribuído pelo monarca à literatura desejo de estudar. Seu devoto aluno,
versado nos idiomas sânscrito, judaica ao mencionar até os nomes D. Pedro II”.
grego, hebraico, árabe, mandarim de seus quatro mestres de hebraico.
e tupi-guarani. O poeta luso O primeiro, Leonhard Akerbloom O linguista alemão Christian
Ramalho Ortigão (1836-1915), (1830-1896), judeu oriundo dos Fredrich Seybold (1859-1921),
em “As Farpas”, rasga elogios cheios países nórdicos, escolhido para quarto erudito que lecionou hebraico
de ironia à importância atribuída ser o cônsul da Suécia e da Noruega ao Imperador, chegando ao Brasil em
à língua dos hebreus: “Apeteceu-lhe no Brasil entre 1867 e 1871. 1887, atuou como correspondente
o hebraico. Vossa Majestade provou o Ao começar as aulas com ele, da Real Academia de la Historia de
severo idioma bíblico dos Patriarcas, e D. Pedro tinha 42 anos. Madri, do Instituto Histórico e
sentiu-se refrigerado e satisfeito”.
3
Comtat, “condado” em francês. Comtadin,
comtadine é o adjetivo para os objetos
ou pessoas originárias do Condado de
Venaissin, região em torno de Avignon,
na França. Os judeus que lá encontraram
refúgio eram chamados de “os judeus
Contadins”. Família imperial completa. Rio de Janeiro, 1887. Acervo Instituto Moreira Salles
53 DEZEMBRO 2018
brasil
Compositor Louis Moreau Gottschalk atriz Sarah Bernhardt MÚSICO ALEXANDRE LEVY
Geográfico Brasileiro e da Sociedade O professor Berliner, judeu alemão oferta de um manuscrito proveniente
Arqueológica da França. especialista em caligrafia, era o de Jerusalém. Desde Paris, um
responsável pelos livros entregues livreiro dos Rothschilds era também
O acervo do Museu Imperial de ao monarca. Estas obras chegavam cadastrado como fornecedor de Sua
Petrópolis conserva 19 folhas do em grandes quantidades. O judeu Majestade. O dentista judeu, Dr.
“Glossarium Hebraicum Liber Genesis italiano A. Curiel, redator do Samuel Eduard da Costa Mesquita
I-II & Psalmorum”, cadernos de “Corriere Israelitico”, enviou em 1877 (1837-1894), atendia D. Pedro II.
hebraico do monarca. Neles, os um fascículo de sua revista. O rabino Era casado com Mary Roberta
comentários de D. Pedro II não Isidor Halisch enviou-lhe, desde Amzalak, filha mais moça de Isaac e
aparecem em português, mas em os Estados Unidos, um livro em Grazia Amzalak, uma das três graças
inglês ou grego. As notas nas hebraico. Friedrich Israel enviou a eternizadas em “Hebreia”, belo poema
margens das páginas, com caligrafia obra “Conselho de Estado na Prússia” de Castro Alves. O dentista morava
miúda, foram feitas em latim. e os textos de Paul Herzberg (1878), em São Paulo e viajava até Campinas
Julius Gaspary (1883) e Joseph onde oficiava as rezas nas festas
FORNECEDORES E Hollmann (1889), todos lidos pelo judaicas.
SERVIDORES monarca. Em carta, D. Pedro II
agradece a Salomon Hurwitz pela A firma “Gabriel & Segrè” recebeu
Segundo o recenseamento de 1872, o título de “Alfaiate de Sua
apenas 2.309 eram judeus Majestade”, com permissão para
em uma população total de colocar o brasão das armas
10 milhões de habitantes. imperiais no frontispício do
Os fornecedores judeus estabelecimento. Entre os
credenciados pela corte vários membros dessa família
mantinham estreitos contatos judeu-italiana encontramos
com o exterior. escritores, professores e
militares.
A “Wallerstein Masset &
Company” era provedora A participação de famílias
oficial da Casa Imperial. judias na agricultura e na
Seu dono, o judeu Bernard colonização do Brasil foi
Wallerstein, conhecido significativa, principalmente
como “o rei da moda”, imigrantes chegados dos
encomendava em Paris Estados Unidos. Dentre
cristais, porcelanas e outros essas famílias aparecem os
objetos de decoração. Nathan. Em 1870, Charles
54
REVISTA MORASHÁ i 102
Nathan expunha a D. Pedro II A segunda, programada para Paula Buchheim, Ida e Helen
a precária situação da “Fazenda alguns dias depois, não chegou a se Goldschmidt, Robert Kinsman
Funil”, futura cidade de Americana. concretizar, pois o compositor judeu Benjamin, entre outros.
Em consequência das enchentes e americano morreu, poucos dias
da seca, Nathan viu-se obrigado a depois. Alexandre Levy (1864-1892) BANQUEIROS E
sustentar 500 imigrantes sulistas era filho de Henrique Luiz Levy, o EMPREENDEDORES
para que não morressem de fome. fundador da “Casa Levy”,
Após algum tempo, viu-se forçado importante ponto de encontro dos Um dos primeiros financiers do
a solicitar a ajuda do governo artistas da época. Alexandre era Segundo Império foi Dennis Samuel
brasileiro, pois faltavam-lhe os meios um compositor romântico, sendo (1782-1860), judeu britânico,
suficientes para tão nobre fim. responsável por incorporar à música negociador respeitado na corte.
temas típicos do país, convertendo- “Rothschild & Sons” era um banco
LAZER E CULTURA se num verdadeiro precursor do espalhado pelos quatro cantos da
movimento musical brasileiro de Europa. Investidores britânicos
O casal Kahn, judeus originários caráter nacionalista. Entre suas atuavam no Brasil e tinham um
da Alsácia, era responsável pelos composições principais, “Variações portfólio que incluía os maiores
animados saraus do palácio. sobre um tema brasileiro (Vem cá, financiamentos da época. Num
Contratada pela corte, a Sra. Sarah
Kahn encarregava-se de organizar
atividades culturais, palestras,
conversas e encontros abordando
temas de viagens, língua hebraica e
Bíblia.
55 DEZEMBRO 2018
brasil
56
arqueologia
A antiga Shiló,
Morada do Tabernáculo
Mencionada inúmeras vezes na Torá e nos Salmos,
encrustada nas Montanhas da Judeia, a antiga cidade de Shiló,
hoje chamada de Tel Shiló, abrigou por 369 anos o Mishkan,
o Tabernáculo, tornando-se o epicentro da vida religiosa
da antiga Israel durante a era dos Juízes, que precedeu a
formação do Reino de Israel. Em fevereiro de 2012,
Israel declarou Tel Shiló patrimônio arqueológico.
a
17km ao sul de Sh’chem ou Shechem, A Shiló judaica
Tel Shiló1 está situada 714m acima do nível
do mar e a 40m acima da área ao seu redor. Os Bnei Israel, Filhos de Israel, não foram os primeiros
A localização da antiga Shiló é claramente habitantes de Shiló. De acordo com historiadores e
identificada no Livro dos Juízes: “Eis que arqueólogos, o local foi habitado a partir do século 18
há anualmente uma festa do Eterno em Shiló, que está A.E.C. e, antes da chegada do Povo de Israel, o local
ao norte de Bet-El, a leste o caminho que sobe de Bet- ficou sob domínio canaanita e egípcio.
El a Shechem, e ao sul de Levoná” ( Juízes, 21:9). Em
Deuteronômio (Devarim), 12:9, Shiló é apontada como Shiló passou a fazer parte da História Judaica após os
“menuchá” (local de descanso), um precursor da “nechalá” Filhos de Israel, liderados por Yehoshua bin Nun, terem
(herança) que se alcançaria com a construção do Beit conquistado Canaã, a Terra que lhes fora prometida por
Hamikdash em Jerusalém. O nome Shiló vem da palavra D’us. Profeta e guerreiro, legislador e juiz, Yehoshua era
shalá, em hebraico “refúgio da tranquilidade”. o principal discípulo de Moshé, e D’us o escolhera para
suceder nosso maior profeta na liderança da geração de
Nas últimas décadas, milhares de visitantes têm ido a judeus nascida após a saída do Egito, no Deserto do Sinai.
Tel Shiló para admirar os tesouros arqueológicos Nos sete anos seguintes, o povo lutou arduamente pela
descobertos no local e nas redondezas, hoje parte do conquista da Terra Prometida2. No final desse período, o
sítio arqueológico “Ancient Shiloh” (Shiló Antiga), Eterno revelou a Yehoshua que chegara a hora dos “Filhos
localizado na entrada da moderna comunidade de Shiló. de Israel receberem sua herança, na terra de Canaã”.
57 dezembro 2018
arqueologia
Tel Shiló
No Mishkan estavam os bens quão distantes estivessem do local da Palavra, que a partir da Revelação
mais preciosos de Israel: o Aron Revelação, no Monte Sinai, já que lá estariam para sempre com Israel.
Hakodesh - a Arca Sagrada ou não havia santidade intrínseca.
Arca da Aliança, que abrigava as O que conferia santidade ao local era Após a entrada dos Filhos de
Tábuas da Lei, que continha os Dez a Presença Divina e a Sua Torá, Sua Israel em Canaã, o Mishkan ficou
Mandamentos (guardando, inclusive, provisoriamente guardado em
os fragmentos das primeiras Tábuas Guilgal. Mas, após Yehoshua ter
estilhaçadas), e o Sefer Torá original, dividido a Terra entre as Tribos de
que, ditado por D’us, fora transcrito Israel, o Tabernáculo é levado ao
por Moshé. topo do Monte Shiló, no território
da Tribo de Efraim. O Livro
A Torá chama o Mishkan de Ohel de Yehoshua relata que “toda a
Mo’ed, “Tenda da Reunião”, pois era congregação dos Filhos de Israel
o local físico escolhido pelo Eterno reuniu-se em Shiló, ali armando a
para se comungar com o homem, a Tenda da Reunião - Ohel Mo’ed.
Morada de D’us na Terra; o lugar E a Terra estava conquistada diante
no qual o homem finito podia deles”, ( Josué, 18:1 e 2).
testemunhar e vivenciar a Presença
do Infinito. Nos 40 anos em que Ao ser realocada em Shiló, a
vagaram pelo deserto, os Filhos de estrutura do Mishkan deixou de ser
Israel levavam consigo o Mishkan, portátil. Suas paredes não eram de
de um lugar a outro. Para Israel, o madeira de acácia, como no deserto,
Mishkan era um sinal de que sempre mas de pedra, permanecendo
haveria uma via de comunicação RÉPLICA DO ARON HAKODESH, IMAGEM DO
como era apenas o teto, ou seja, em
com D’us, independentemente de LIVRO “LE TABERNACLE”, DE MOCHÉ LEVINE cortinas trançadas.
58
REVISTA MORASHÁ i 102
Segundo Rashi, na Torá, Shiló contra Israel, destruindo tudo em seu estruturas datadas desse período
é mencionada como um “lugar caminho, até o coração da Samaria, foram encontradas durante as
escolhido” por D’us. Pela primeira e arrasaram Shiló. O fim violento da escavações. Mas quando a Assíria
vez, a Presença Divina que permeava cidade também é descrito no Salmo invadiu o Reino de Israel, em
o Tabernáculo foi associada a uma 78: “Ele (o Eterno) abandonou o 722 A.E.C., Shiló foi novamente
localização específica. O lugar Tabernáculo em Shiló, a Tenda que destruída, assim como outras cidades
tornou-se o ponto de reunião do era Sua moradia entre os homens”. na Samaria.
Povo de Israel, um centro político, Escavações arqueológicas
religioso e de peregrinação. Três encontraram uma camada A partir de então a área foi pouco
vezes por ano os judeus se dirigiam estratigráfica3 cuja datação coincide habitada até o período romano, na
ao Santuário para orar e fazer suas com o período em que houve a época do Segundo Templo. Para
oferendas. Lá ouviam as palavras batalha de Eben-Ezer, indicando os romanos, Shiló tinha interesse
de Eli, o Cohen Gadol, na época que no local ocorrera uma grande estratégico. Localizada na espinha
Juiz e líder da nação, cujo túmulo
ali se encontra. Foi enquanto o
Tabernáculo estava em Shiló e
Eli era o Cohen Gadol que Hanna
implorou a D’us que a abençoasse
com um filho. Em resposta àquela
prece, D’us a fez mãe de Shmuel, um
profeta cuja estatura é comparada à
de Moshé e Aaron.
59 DEZEMBRO 2018
arqueologia
dorsal da alta região montanhosa ‘Eu fui a Shiló e senti o cheiro do desenvolvimento. Quatro igrejas
da Samaria, uma estrada principal incenso entre seus muros’”. foram construídas no sul de Tel
passava, na Antiguidade, a 2km Shiló, a primeira no século 4 E.C.
a oeste da cidade. A estrada era Nem após a destruição do Segundo e a última entre os séculos 6 e 7.
utilizada pelos romanos como rota Templo e o início da Diáspora, a As igrejas são uma clara indicação
entre Jerusalém e Sh’chem. localização de Shiló foi esquecida de que a cidade se tornou centro de
pelos judeus. A tradição de ir até peregrinação cristã. Apesar de não
Mas, de acordo com o Talmud a cidade para rezar manteve-se haver evidências que comprovem
(Talmud Bavli, Yoma), traços da através dos séculos. No século 4 da que a cidade era rota de peregrinos
antiga glória ficaram impregnados Era Comum (E.C.), o historiador depois da época dos Cruzados,
em Shiló. Assim relata Rabi romano Eusebius relatou sua fontes muçulmanas contam que os
Yehoshua ben-Korcha, um sábio do localização: a cerca de 30km de cristãos continuaram a passar por lá
Talmud: “Um judeu idoso me disse, Nablus. Sabe-se também que durante o domínio islâmico.
60
REVISTA MORASHÁ i 102
61 DEZEMBRO 2018
arqueologia
62
personalidade
Claude Lanzmann
c
omo Claude Lanzmann se autodefinia? com a família no início do século 20. Em 1934, Paulette
Em sua autobiografia, La Force des Choses abandonou marido e filhos, pondo um fim abrupto a
(Força das Coisas, em português), Simone seu casamento. Claude e seus dois irmãos passaram a
de Beauvoir relata que Lanzmann dizia: viver com o pai em uma fazenda, em Brioude, até ir
“Sou judeu (...) Quando, aos 13 anos de para o ginásio, em Clermont-Ferrand.
idade, descobri o antissemitismo, senti sacudir meu
mundo, não ficando pedra sobre pedra (...)”. Claude vivenciou o antissemitismo, pela primeira vez,
na década de 1930, no colégio. O evento vai marcá-lo
Tendo lutado na La Résistance, a Resistência Francesa, profundamente. Em uma entrevista em 2013 à revista
ainda adolescente, durante a ocupação da França pela The New Yorker, relembrou: “Escondido atrás de uma
Alemanha, ele afirmava que sua experiência durante a coluna no playground do colégio, fiquei olhando,
2ª Guerra Mundial lhe tinha revelado que a imagem dos petrificado. Não tentei intervir, aterrorizado de poder
judeus, como povo resignado, humilhado, perseguido, ser descoberto. Assisti aos meus colegas de classe
não refletia o que eles eram. O judeu, dizia, “(...) é praticamente lincharem um garoto judeu magricela,
um povo combatente”. “Os seis milhões de homens, ruivo, chamado Lévy, que tinha todas as feições das
mulheres e crianças exterminados pelos nazistas caricaturas antissemitas do pré-guerra. Eram 20 contra
pertenciam a um grande povo, não predestinado ao um – e bateram nele até sangrar”.
martírio, mas vítima de barbárie gratuita(...)”.
Em 1939, quando estoura a 2ª Guerra Mundial, Claude
Sua vida tinha 14 anos. Os nazistas ocuparam a França, e seu
pai, preocupado com a segurança dos filhos, cavou um
Nascido numa família de judeus, em Paris, em 27 de buraco, não maior do que um túmulo, no jardim da
novembro de 1925, Claude Lanzmann era o mais casa onde viviam, em Clermont-Ferrand, onde cabiam
velho de três irmãos. Armand, o pai, era já nascido na seus três filhos. Instruiu-os a se esconderem, rápida
França; sua mãe, Paulette, fugira dos pogroms russos e silenciosamente, no buraco, que lhes serviria de
63 dezembro 2018
personalidade
64
REVISTA MORASHÁ i 102
65 DEZEMBRO 2018
personalidade
Ao retornar a Paris, escreveu mais Um de seus grandes projetos encontrar-se com qualquer pessoa
de 100 páginas de reportagens. foi uma edição especial de mil em uniforme militar, levando ao
Após a visita a Israel, pareceu- páginas de Les Temps Modernes que Lanzmann chamou de “uma
lhe que o livro de Sartre, o sobre o conflito árabe-israelense, visão drasticamente reduzida do
“Antissemita e judeu” – em editado e publicado por ele país”. Sartre via Israel como nação
particular a sua tese de que “é o juntamente com Sartre. A imperialista.
antissemita quem cria o judeu”, – edição, porém, concedeu mais
necessitava de uma revisão. de metade das páginas ao lado Em 1967, quando de Gaulle
dos árabes. Aliás, começava anunciou um embargo de armas
com ataques a Israel. Lanzmann a Israel, no início de junho,
1
Anexação da Áustria à Alemanha, em
passou dois anos editando esse Lanzmann pressionou Sartre a
1938. número, que foi publicado assinar uma petição pró-Israel; este
66
REVISTA MORASHÁ i 102
último imediatamente lamentou conhecido, onde ele chega ao restaurante, em Jerusalém, conhece
o fato e o relacionamento entre ponto de justificar o massacre Angelika Schrobsdorff, escritora
ambos nunca voltou ao que era. dos atletas israelenses em e atriz judia que, em 1939, fugira
Munique, nas Olimpíadas de de Berlim, com a mãe e a irmã,
Numa manifestação em Paris, em 1972, pela Frente Popular pela para Israel. Apaixonados, os dois
2 de junho daquele ano, Claude Libertação da Palestina, com se casam em 1974. Era o segundo
declarou que a destruição de Israel o argumento de que prevalecia casamento de Lanzmann; o primeiro
– “uma segunda aniquilação”, em um estado de guerra entre o tinha sido com Judith Magre. O
suas palavras, – seria pior do que “establishment” israelense e os casamento chegou ao fim em 1990.
o Holocausto. “Israel é a minha palestinos. Em sua polêmica em Cinco anos mais tarde, Lanzmann
liberdade. Sem Israel, sinto-me nu defesa dos assassinos, comparava se casa com a médica Dominique
e vulnerável”. Ele não era uma voz as forças revolucionárias que Petithory, especialista em Nutrição e
solitária entre os intelectuais judeus lutaram contra os franceses na Epidemiologia, com quem teve dois
franceses, que faziam coro a suas Argélia com a luta palestina filhos, Angélique e Felix.
preocupações e compartilhavam sua contra Israel. Não se podia apoiar
opinião de que Israel enfrentava os primeiros, dizia, sem apoiar os Ser judeu no mundo
sua iminente destruição. Estes segundos. contemporâneo
Considerado um inovador da
linguagem do cinema, suas três
principais obras “Por que Israel”, de
1973; “Shoah”, de 1985, e “Tzahal”,
de 1994, sobre as Forças de Defesa
de Israel, lidam essencialmente
com a mesma temática: o ser judeu
no mundo contemporâneo. São
diferentes facetas de um mesmo
tema e revelam os fortes vínculos
de Lanzmann com o judaísmo. Sua
trilogia também mudou a estrutura
tradicional dos documentários
em termos de filmagem, estilo e
sistemática.
67 DEZEMBRO 2018
personalidade
Além de atender seus anseios ele fizesse um filme não “sobre a imagens de arquivos, tampouco
pessoais, “Por que Israel” é, também, Shoá, mas que fosse a própria Shoá”. trilha musical. Apenas depoimentos
uma resposta à esquerda francesa e entrevistas – arrepiantes e
e aos que lutaram com ele contra Lanzmann passou 11 anos lendo inesquecíveis. Uma testemunha atrás
o colonialismo francês, na Argélia. sobre o assunto; entrou em contato da outra revive sua parte naquele
Queria deixar patente a diferença com historiadores especializados no horror. Intercaladas nas entrevistas
entre a luta justificada do Estado Holocausto, entrevistou e filmou há paisagens, locais onde os nazistas
Judeu pela sobrevivência e o mais de 350 horas. Dedicou mais haviam erguido os campos de morte
colonialismo europeu, na África e de cinco anos apenas à edição do – e tomadas de trens percorrendo os
na Ásia. O trabalho foi selecionado material bruto. As entrevistas que mesmos trilhos que, outrora, levaram
pelo Festival de Nova York e ele não incluiu no filme, totalizando às câmaras de gás.
exibido no Lincoln Center, em 220 horas, foram adquiridas pelo
outubro de 1973, no primeiro dia da Museu Memorial do Holocausto, de Quando “Shoah” estreou em 1985,
Guerra de Yom Kipur. No circuito Washington, em 1996. Claude Lanzmann tinha 59 anos.
de Paris, o filme estreou com uma Considerado uma obra prima,
crítica triunfal. Em sua autobiografia, “The recebeu muitos prêmios, inclusive
Patagonian Hare” (A Lebre da um Oscar na categoria Melhor
Sobre Israel, Lanzmann costumava Patagônia, em tradução livre), Documentário.
afirmar: “Até hoje, não há soluções de 2009, ele escreveu: “Durante
fáceis. Conheci o antissemitismo 12 anos tentei fixar meu olhar, Em seus demais filmes, ele usou
do pré-guerra, aterrorizante para implacavelmente, no sol negro da o mesmo método de exaustivas
uma criança. Tentem imaginar Shoá”. Falando ao The Arts Fuse, em entrevistas. “Tzahal” (1994) foi feito
o desaparecimento de Israel(...). 2012, declarou: “Se eu tivesse estado em conjunto com as FDI, de quem
Ser judeu é uma condição com a em um dos campos, jamais poderia obteve acesso pleno e irrestrito.
qual se nasce, mas é também uma ter feito esse filme. “Shoah” não trata O filme é constituído por uma série
conquista. E o Estado de Israel foi de sobrevivência. de entrevistas com soldados e civis
fundamental para a conseguirmos”. sobre o exército israelense.
Nem de sobreviventes. Trata da
“Pourquoi Israel” se inicia e termina morte”. O documentário não contém Outros
no Yad Va’shem, memorial ao
Holocausto, em Jerusalém. Ao Lanzmann utilizou várias entrevistas
assisti-lo, alguns de seus amigos que faziam parte do material bruto
israelenses sugeriram que ele fizesse de “Shoah” na produção de outros
também um documentário sobre documentários. “A Visitor from the
os campos de morte. Foi o que Living” (Um Visitante do Mundo
ele fez. “Shoah” seria seu segundo dos Vivos), de 1999, trata de um
documentário. funcionário da Cruz Vermelha que
fez um relatório favorável sobre
Com a duração de mais de 9 o Gueto de Theresienstadt. Em
horas, “Shoah” é um testemunho 2001, é a vez de “Sobibor: October
do Holocausto através de uma 14, 1943, 4 p.m.” – uma entrevista
angustiante seleção de entrevistas. com Yehuda Lerner, participante do
As gravações e filmagens do bem-sucedido levante no campo de
documentário começaram em 1974. extermínio de Sobibor.
Foi inicialmente encomendado
por Aluf Hareven, um de seus Em 2010, ele lançaria “The Karski
amigos no Ministério de Relações Report” (Relatório Karski). Em
Exteriores de Israel, que queria 1978, após um silêncio de mais
um filme de duas horas sobre o de 30 anos, Jan Karski concordou
Holocausto, contado “a partir da com o diretor Daniel Leconte, no
61º festival internacional do cinema
em ser filmado em sua casa
perspectiva judaica” e sugeriu que de cannes, maio 2008 durante dois dias. Mas no filme
68
REVISTA MORASHÁ i 102
69 DEZEMBRO 2018
SHOÁ
L
ongo e angustiante,
o filme se inicia em
Chelmno, onde, em
dezembro de 1941,
os nazistas utilizaram
pela primeira vez gás asfixiante para
executar, de forma mais “rápida e
eficiente”, a “Solução Final para o
Problema Judaico”. Para produzir
sua obra prima, Lanzmann nos
leva, entre outros, a Treblinka,
Belzac, Sobibor, Auschwitz e
cidadezinhas adjacentes. E termina
em Israel, com o testemunho dos
combatentes do Levante do Gueto
de Varsóvia.
70
REVISTA MORASHÁ i 102
71 DEZEMBRO 2018
SHOÁ
72
REVISTA MORASHÁ i 102
obrigado prisioneiros judeus nus, a os testemunhos mais contundentes, A longa entrevista com Jan Karski
caminho do extermínio, a fazer fila estão o de Abraham Bomba, judeu, é intensa e perturbadora, era a
do lado de fora, em temperaturas e de Jan Karski, polonês católico, primeira vez que concordava em
invernais de -20º C. E ainda membro da resistência. falar sobre o Holocausto. Durante
revelou que o campo de Belzec a guerra, seu papel na resistência
era “um estudo” sobre a execução Bomba, prisioneiro em Treblinka, era polonesa era atravessar as linhas
da Solução Final; Treblinka, uma barbeiro por profissão. Lanzmann o inimigas levando informações
linha de montagem da morte ainda levou de Nova York, onde ele vivia para os aliados. Ele conta como os
precária; mas Auschwitz, uma após a Guerra, a uma barbearia líderes da Resistência Judaica de
verdadeira fábrica. Outros nazistas em Tel Aviv, e lhe pediu que cortasse Varsóvia o infiltraram no Gueto
descrevem em detalhes operações o cabelo de um homem, durante a para ele ver com seus próprios olhos
empreendidas contra judeus. entrevista. Bomba praticamente não o que estava acontecendo, e levar
Franz Schalling, por exemplo, levanta a cabeça e narra com uma as informações aos líderes aliados,
descreve a operação em Chełmno. voz monótona como ele e outros pedindo ajuda. O rosto de Karski
Walter Stier, ex-burocrata nazista, barbeiros judeus eram forçados se contorce e os olhos se enchem
descreveu a operação das estradas a cortar o cabelo das mulheres de lágrimas ao relembrar o que ele
de ferro, insistindo que estava minutos antes que elas fossem queria jamais ter testemunhado: os
muito ocupado dirigindo o tráfego asfixiadas nas câmaras de gás. Mas, mortos jogados nas ruas, os uivos
ferroviário para perceber que seus quando ele chega na parte em que de dor, o odor terrível, as crianças
trens carregavam judeus para a relata que teve que cortar o cabelo famintas, judeus tão magros que
morte... das mulheres de seu próprio vilarejo, pareciam esqueletos ambulantes.
sem poder oferecer uma palavra
As testemunhas sequer de conforto, ele não se Sobrevivência
contém, desmonta. Mas Lanzmann
O documentário começa com as insiste: “Você tem que contar! ”. Para Lanzmann, sobrevivência
imagens do Rio Ner, próximo a Ele então revela, soluçando, como era um ato de resistência, e ele
Chelmno, e a história de Simon um amigo foi forçado a cortar o entrevista tanto judeus que haviam
Srebnik. Ele e outra testemunha, cabelo da própria esposa e da irmã. sido Sonderkommandos, como
Mordechai (Michael) Podchlebnik, combatentes da Resistência Judaica
foram os únicos dois a sobreviver. no Gueto de Varsóvia.
Com apenas 13 anos as SS
colocaram Srebnik a trabalhar na Os Sonderkommandos eram
“manutenção do campo”. Com prisioneiros judeus, forçados, sob
tornozelos acorrentados, ele se pena de morte, a “preparar” outros
arrastava diariamente pelo vilarejo judeus para a morte – ajudar os
carregando sacos contendo cinzas nazistas a encaminhá-los às câmaras
e restos dos judeus mortos, que de gás e, em seguida, “livrar-se”
devia despejar no rio. Srebnik dos corpos. Poucos sobreviveram,
que possuía uma voz de soprano, apenas 50, pois mantinham-nos
era ainda forçado a cantar para vivos por pouco tempo, já que
entreter as SS. Todos em Chelmno eram perigosas testemunhas da
o conheciam, e, quando ele voltou enormidade dos crimes nazistas.
com Lanzmann, para a entrevista, Lanzmann rejeitava enfaticamente
os poloneses o “congratularam por a acusação de colaboração feita
ainda estar vivo”. contra esses infelizes e, com as
entrevistas, revela o pesadelo que
Outra entrevista de importância viveram.
histórica foi a de Rudolf Vrba, um
dos poucos que conseguiu fugir Em seu testemunho, Motke Zaidel
de Auschwitz e revelou ao mundo Jan Karski, polonês, herói da relata que se calcula que 90.000
o horror dos campos. Mas, entre Resistência. judeus do gueto de Vilna tenham
73 DEZEMBRO 2018
SHOÁ
sido levados e assassinados a tiros “Shoah”, em Israel vivido o terrível pesadelo e que por
na floresta de Ponary, seus corpos um longo tempo não conseguiam
amontoados em valas comuns. Lançado em Paris em abril de 1985, absorver, aceitar ou pior, eram cruéis
Zaidel foi um dos 84 judeus apenas em junho de 1986 ocorreria em seu julgamento sobre o que
obrigados a cavar com as mãos para sua première nacional, em Jerusalém. acontecera aos judeus da Europa,
retirar os corpos dos judeus das valas O filme tinha sido muito elogiado esses agora entendiam. Tinham
e queimá-los. Teve que incinerar em toda parte, mas o julgamento finalmente compreendido que a Shoá
os restos de seus amigos, vizinhos, do público israelense tinha especial era parte também da alma de Israel.
familiares. Durante as conversas importância para Lanzmann. Nenhum judeu, sobrevivente ou
com Zaidel, o Prof. Yehuda Bauer, O documentário era a apresentação não, israelense ou não, podia escapar
renomado estudioso do Holocausto, de seu relato sobre o evento mais disso. Muitas pessoas, e muitos de
introduziu o conceito de que os terrível da História Judaica no único seus filhos, tinham sido moldados
judeus da Europa foram para a país judeu no mundo – um país cujas – ou quebrados para sempre – pela
sua morte “como carneiros para o principais autoridades o tinham monstruosidade do Holocausto.
matadouro”. Hanna, filha de Zaidel, escolhido para a tarefa, confiando-
conta que seu pai, ao ouvi-lo dizer lhe esse exercício de lembrança. Ao final da exibição, não houve
isso, “levantou-se, deu um soco aplausos. Ao contrário, reinava um
na mesa e disse, ‘queria que você Sentados na recém-inaugurada silêncio absoluto, até que um a um,
estivesse lá’. E saiu da sala”. Cinematheque de Jerusalém, defronte levantaram-se e foram até Lanzmann.
das muralhas da Cidade Velha, Ao deixar a Cinemateca, Motke
O último a falar, em “Shoah”, é estavam o então primeiro-ministro Zaidel disse: “Graças a D’us. Agora
Simcha Rotem, um dos derradeiros Shimon Peres, com o presidente vão saber tudo. Agora vão entender”.
heróis sobreviventes do Levante do do país, o Rabino-chefe e até o Ele carregara o terrível peso por
Gueto de Varsóvia. Ele descreve chefe do Estado Maior. Entre o tanto tempo, ele que fora obrigado a
como, após a liquidação, voltou público presente, estavam vários dos queimar sua família – seu sangue –
ao gueto através dos esgotos, na entrevistados, muitos com filhos em Ponary. Como viver com aquilo?
esperança de encontrar algum pequenos a seu lado. Para o público Mas o filme de Claude Lanzmann
de seus companheiros, algum o filme foi devastador. Durante lhe tinha dado “algum respeito,
sobrevivente. “Não vi nenhuma alma mais de nove horas ficaram quietos, alguma compreensão”...
viva. Lembro-me que, em certo arrebatados. Alguns não aguentaram
momento, senti uma certa paz, uma –desmaiaram ou tiveram parada N.R.: O documentário foi digitalizado
certa serenidade. E pensei, sozinho, cardíaca. em 2012, estando desde então no
em meio àquela total desolação, YouTube, graças ao apoio da Fundação
‘sou o último judeu. Vou esperar Aqueles que tinham estado lá e visto para a Memória da Shoá e o Centro
que amanheça, e que os alemães Nacional do Cinema (França) e a
a morte de perto, entenderam que
cheguem’”. São as últimas palavras participação da IFC Films e Criterion
finalmente conseguiriam falar sobre
do filme. Collection (EUA).
o assunto. Aqueles que não tinham
74
REVISTA MORASHÁ i 93
Agradecemos esta importante Morashá é a melhor revista judaica. Agradecemos o envio da maravilhosa
contribuição para a preservação Principalmente para nós, sefaraditas. revista Morashá, que minha família
e guarda da Coleção “Memória Muitas matérias estudo com minhas tão rapidamente recebeu na cidade de
Nacional’, composta pela produção netas, alunas do Colégio Beith Jacob Raanana, Israel. A família Vinic está
intelectual do País. Aclimação. muito empolgada em poder continuar a
Alessandra Moraes Shaná Tová e continuem com o seu ler suas futuras edições, com seus artigos
Chefe da Divisão de Depósito Legal maravilhoso trabalho. especiais e bem formulados.
Fundação Biblioteca Nacional
Carlos I. Abal Maria Elisa Goldberg de Aronovich
São Paulo - SP Raananá - Israel
Ler e poder contribuir anualmente
para a excelente revista Morashá Morashá é de importância Agradecemos o envio da revista
é motivo de orgulho. Vou doar fundamental para o aprendizado e Morashá à nossa biblioteca.
minha coleção a judeus portugueses cultura de meus cinco netos. Esmeraldo Siqueira
interessados. A edição comemorativa Biblioteca Pública Municipal
Carlos Segre
contemplou-me com um excelente São Paulo - SP
Natal - RN
artigo sobre os Judeus da Argélia
durante o período islâmico, entre Tive a oportunidade de obter várias
Morashá, cada vez mais caprichada e
tantos outros interessantes. Parabéns, edições da revista Morashá através de
ansiosamente esperada. Um ano bom
parabéns, parabéns!! um brasileiro que vive em Boston (EUA),
e doce para todos.
entre as quais, a de setembro de 2017.
Eliene Zlatkin
Rio de Janeiro - RJ
João Matos da Silva Gostaria muito de fazer uma assinatura
Botucatu - SP
desta publicação. Eu vivi em São Paulo,
Recebemos Morashá há muitos anos: no Pacaembu, de 1968 a 1970 com minha
É um privilégio receber a Morashá família e meus dois filhos estudaram em
belíssima revista, conteúdo excelente,
há tantos anos. Edições impecáveis escolas judaicas. Temos mantido algum
fascinante, enriquecedor.
do ponto de vista das informações contato com o Rabino Shabsi Alpern.
Celina Scheinowitz fidedignas e da qualidade do material Ainda lemos e falamos português.
Salvador - BA
impresso. H. Arnold Sherman
Calgary, Alberta - Canadá
Quero agradecer-lhes pelo exemplar Norma Bellini
Porto Alegre - RS
da revista Morashá. Vocês não podem Recebi a revista Morashá, sensacional
mensurar a felicidade em poder artigo de Zevi Ghivelder, “Segredos
lê-la. Enviem a edição de 25 anos Há 12 anos retornamos para Buenos
Guardados da Guerra de Iom Kipur”,
também para o Centro Cultural Aires, após 31 anos em Campinas.
45 anos depois, temos o privilégio de
São Paulo. Tenho indicado a Sempre é uma grande alegria quando
ler novas informações sobre um dos
publicação para amigos, parentes e o correio traz para nosso deleite a
acontecimentos mais importantes da
conhecidos para que visitem o site maravilhosa revista Morashá.
história da luta pela sobrevivência do
www.morasha.com.br. Osvaldo Luis Bejerman
Estado de Israel.
Eva Ventura Marchili
Juka Santos Ricardo Goldenberg
Por e-mail Buenos Aires - Argentina Lima - Peru
75 dezembro 2018
ANO XXV - edição 102
DEZEMBRO 2018