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Joel Bogdanski
Alexandre Antonio Tombini
Sérgio Ribeiro da Costa Werlang
Resumo
1. Introdução
O regime de metas para a inflação exige que as autoridades monetárias assumam uma
postura prospectiva e adotem medidas antecipatórias, dada a existência de defasagens
temporais entre as decisões de política e seus efeitos sobre o produto e os preços. Nas
palavras de Alan Greenspan, “Há, implícita em qualquer ação ou inação de política
monetária, uma expectativa de como se desdobrará o futuro, ou seja, uma projeção”. De
fato, na nossa visão, os bancos centrais que têm metas para a inflação trabalham, na
verdade, com metas para a projeção da inflação. Em vez de reagir simplesmente aos
fatos do presente, os responsáveis pela política monetária tomam decisões com base nas
projeções condicionais da inflação futura – condicionais às diferentes trajetórias da taxa
de juros, à melhor estimativa do estado corrente da economia e à provável evolução
futura das variáveis exógenas, sobre as quais não se tem controle.
◊
Agradecemos aos demais membros da equipe de pesquisa do Banco Central, em particular a Fábio
Araújo, Paulo Springer de Freitas e Marcelo Kfoury Muinhos. Os pontos de vista aqui apresentados e
eventuais incorreções permanecem de nossa inteira responsabilidade.
2
assistido à tomada de decisões de política monetária desde a fase inicial do regime de
metas para a inflação no Brasil.
3
Contudo, a despeito de seu relativo sucesso, o processo de estabilização envolveu um
enfoque gradualista de diversos problemas econômicos estruturais ainda não resolvidos.
O tão necessário ajuste fiscal definitivo foi continuamente postergado, em parte porque
a base de apoio ao governo não estava convencida da sua urgência. Desta forma, o
Brasil permaneceu vulnerável a uma crise de confiança, que se tornou realidade quando
a turbulência financeira internacional culminou com a moratória russa, em agosto de
1998. A crise de confiança causou uma grande fuga de capitais dos mercados
emergentes. O Brasil elevou suas taxas de juros de curto prazo e anunciou um forte
aperto fiscal. Ao mesmo tempo, o governo negociou um pacote preventivo de apoio
financeiro com o FMI, no valor de 41,5 bilhões de dólares.
1
A política cambial oficial na época consistia em uma pretendida desvalorização nominal de 7,5% ao
ano, enquanto a inflação anual era próxima de 2%.
2
No Brasil, o Senado Federal precisa aprovar formalmente os indicados para a diretoria do Banco
Central. O processo consiste em duas etapas. A primeira é a sabatina do indicado em audiência pública na
Comissão de Assuntos Econômicos. A segunda é a votação em plenário, na qual os 81 senadores decidem
por maioria simples pela aprovação ou rejeição do indicado. Embora a coalizão do governo detenha
ampla maioria no Senado, o processo pode ser demorado.
4
A nova diretoria tomou posse em 4 de março e imediatamente atuou em duas frentes. A
primeira foi acalmar os nervos dos mercados financeiros. A expectativa de que uma
disparada da inflação pudesse trazer as taxas reais de retorno dos instrumentos da dívida
pública para o terreno negativo foi o primeiro item a ser atacado.
Também pela primeira vez, o Comitê divulgou uma nota explicativa imediatamente
após a reunião (anteriormente, as atas das reuniões do Copom só eram divulgadas
depois de três meses). Suas palavras iniciais eram “o objetivo primeiro do Banco
Central é o de manutenção da estabilidade dos preços”. E continuava: “(1) a
estabilidade dos preços em regime de câmbio flutuante é garantida pela austeridade
fiscal sustentada e por austeridade monetária compatível; (2) como no curto prazo a
política fiscal está dada, o instrumento efetivo para controle das pressões
inflacionárias é de natureza monetária, ou seja, a taxa de juros; (3) a inflação
observada teve como causa básica a desvalorização do real, e as expectativas de
inflação para o mês eram de alta; (4) o nível da taxa de juros tinha que ser
suficientemente alto para fazer frente às pressões inflacionárias existentes, que são de
origem cambial; e (5) dessa forma, optou-se por uma taxa de 45% ao ano, mas com a
introdução de um viés de redução, pois se houver sinais evidentes de retorno sustentado
da taxa de câmbio a níveis mais realistas, não seria mais justificada a manutenção de
taxas de juros nominais tão elevadas”. De fato, o viés foi utilizado duas vezes antes da
3
Por outro lado, se houver necessidade de elevar a taxa de juros enquanto vigora um viés de redução,
deverá ser convocada uma reunião extraordinária do Copom para tomar a decisão.
5
reunião seguinte: a taxa de juros foi reduzida primeiro para 42% e depois para 39,5%,
sucedendo a reversão do overshooting do câmbio e a redução das taxas de inflação,
tanto observadas quanto esperadas.
A segunda frente foi a iniciativa de propor a adoção de metas para a inflação como novo
regime de política monetária. Embora a nota explicativa deixasse claro que a busca da
estabilidade de preços já era aspiração dominante entre os integrantes do Copom, havia
muito trabalho a ser feito na área institucional. Por exemplo, o Banco Central nunca
teve formalmente independência operacional para conduzir a política monetária.
Ademais, mesmo no próprio Banco, poucos funcionários conheciam bem a estrutura de
um regime de metas para a inflação. As habilidades técnicas exigidas para desenvolver
modelos adequados de previsão de inflação estavam distribuídas desigualmente pelos
departamentos do Banco. Em particular, não havia um departamento exclusivo de
pesquisa: cada departamento costumava empreender seus próprios esforços de pesquisa,
normalmente voltados para atender demandas imediatas e não devotados a pensar o
futuro sistematicamente.
Assim que esses problemas foram detectados, a solução foi direta e rápida. O novo
regime de câmbio flutuante claramente exigia uma nova âncora nominal para a política
econômica. A política monetária, em conjunto com um ajuste fiscal vigoroso e uma
política salarial firme no setor público, serviria de instrumento para prevenir a volta da
espiral inflacionária e assegurar uma rápida desaceleração da taxa de inflação. O regime
de metas para a inflação constituía a estrutura mais apropriada para alcançar a
estabilidade econômica no regime de câmbio flutuante, com as metas fazendo elas
mesmas o papel da âncora nominal. Com argumentos sólidos, não foi difícil convencer
o Presidente da República, o Ministro da Fazenda e seus principais conselheiros
econômicos de que o regime de metas poderia funcionar bem no Brasil. O quadro
técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) foi muito receptivo à nova estrutura
proposta para a política monetária, e mostrou interesse em organizar um seminário
internacional sobre o assunto, no qual o debate seria enriquecido com as experiências de
vários bancos centrais e especialistas acadêmicos.
6
Dentro do Banco Central, foi criado o Departamento de Estudos e Pesquisas no final de
março. Inicialmente, três áreas de pesquisa foram abertas: metas para a inflação, riscos
do mercado financeiro e microeconomia bancária. A equipe de metas para a inflação,
composta de quatorze pesquisadores, iniciou uma revisão da literatura existente.
Dois livros foram particularmente úteis: Bernanke et al. (1998), Inflation Targeting:
Lessons from the International Experience, Princeton University Press, e Taylor, John
B. (ed.) (1999), Monetary Policy Rules, University of Chicago Press. Alguns outros
artigos e livros formaram o “kit mínimo”, de leitura obrigatória para os participantes do
grupo. (i) Leitura geral e estudos de caso: King, Mervyn (1997), The Inflation Target
Five Years On; Massad, Carlos (1998), La Política Monetaria en Chile; Masson, P.R. et
al. (1997), The Scope for Inflation Targeting in Developing Countries; Taylor, John
(1999), A Historical Analysis of Monetary Policy Rules. (ii) Modelos de otimização:
Backus, David et al. (1986), The Consistency of Optimal Policy in Stochastic Rational
Expectations Models; Currie, David et al. (1993), Rules, Reputation and
Macroeconomic Policy Coordination; Svensson, Lars (1998), Open-Economy Inflation
Targeting. (iii) Trabalhos aplicados: Taylor, John (1993) Discretion versus Policy Rules
in Practice; Taylor, John (1994), The Inflation/Output Variability Trade-off Revisited.
4
O objetivo do seminário foi o de examinar a experiência de várias economias desenvolvidas e
emergentes na implementação de metas para a inflação, e oferecer aos economistas e formuladores de
política brasileiros a oportunidade de discutir planos para implementar uma estrutura semelhante no
Brasil. Especialistas da Austrália, Canadá, Chile, Israel, México, Nova Zelândia, Suécia, Reino Unido, e
Estados Unidos apresentaram as experiências de seus países. Os pesquisadores do Banco Central do
Brasil apresentaram seu trabalho inicial sobre metas para a inflação, intitulado “Issues in the Adoption of
an IT Framework in Brazil”, maio de 1999.
7
estrutura eficaz para orientar a política monetária. Em particular, o regime de
metas para a inflação foi entendido como capaz de: fornecer uma âncora
nominal tanto para a política monetária quanto para as expectativas de
inflação, tornando essa âncora idêntica ao objetivo de longo prazo da política
monetária; proporcionar maior transparência e responsabilidade ao
planejamento e à execução da política monetária; facilitar sua comunicação,
compreensão e avaliação; prover uma diretriz efetiva de política, concentrando
a atenção dos tomadores de decisão nas conseqüências de longo prazo das
ações de política de curto prazo.” (Brazil – Selected Issues and Statistical
Appendix – Fundo Monetário Internacional, 16 de julho de 1999).
8
2.1 Estrutura geral
• As metas para inflação são representadas por variações anuais de índice de preços de
ampla divulgação;
• As metas e os respectivos intervalos de tolerância serão fixados pelo Conselho Monetário
Nacional – CMN, mediante proposta do Ministro de Estado da Fazenda;
• A fixação das metas para os anos de 1999, 2000 e 2001 deverá ocorrer até 30 de junho de
1999; para os anos de 2002 e seguintes, até 30 de junho de cada segundo ano
imediatamente anterior;
• Ao Banco Central do Brasil compete executar as políticas necessárias para cumprimento
das metas fixadas;
• O índice de preços a ser adotado para a verificação das metas será escolhido pelo CMN,
mediante proposta do Ministro de Estado da Fazenda;
• Considera-se que a meta foi cumprida quando a variação acumulada da inflação – medida
pelo índice de preços adotado, relativa ao período de janeiro a dezembro de cada ano
calendário – situar-se na faixa do seu respectivo intervalo de tolerância;
• Caso a meta não seja cumprida, o Presidente do Banco Central divulgará publicamente,
por meio de carta aberta ao Ministro de Estado da Fazenda, descrição detalhada das
causas do descumprimento, as providências para assegurar o retorno da inflação aos
limites estabelecidos, e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito; e
• O Banco Central do Brasil divulgará, até o último dia de cada trimestre civil, relatório de
inflação abordando o desempenho do regime de metas para a inflação, os resultados das
decisões passadas de política monetária e a avaliação prospectiva da inflação.
5
Resolução nº 2.615.
9
2001 – variações acumuladas no ano. Foram definidos também intervalos de tolerância
de ±2% para cada ano.
O índice de preços escolhido, o IPCA, cobre uma amostra de famílias com renda mensal
entre 1 e 40 salários mínimos e possui grande abrangência geográfica. Inclui nove
regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Recife, Belém, Fortaleza, Salvador e Curitiba), bem como Goiânia e o Distrito Federal.
A razão para a escolha de metas decrescentes entre 1999 e 2001 teve a ver com a
evolução recente da inflação no Brasil. É importante distinguir um processo
inflacionário sistemático de uma alta temporária da inflação causada por um choque. No
primeiro caso, há uma contínua aceleração do nível de preços. No segundo, pode haver
uma única elevação, definitiva, no nível de preços, mas sem pressões altistas adicionais.
O caso brasileiro pertencia claramente à segunda categoria: a desvalorização da moeda
iniciada na metade de janeiro de 1999 foi um choque que colocou em marcha um
realinhamento dos preços relativos. Antes de sua ocorrência, porém, os preços no Brasil
mantinham-se estáveis: na média, a inflação ao consumidor foi de 1,7%6 em 1998.
Uma questão importante que gerou muitas discussões foi a escolha da taxa de inflação
‘cheia’ para servir de referência para as metas, ao invés de uma medida de núcleo da
inflação. Talvez o procedimento técnico mais adequado fosse expurgar alguns itens do
índice cheio, deixando-o imune aos efeitos de choques temporários e de ocorrência
única. Apesar disso, a escolha de um índice cheio tornou-se inevitável por razões de
credibilidade, pelo menos no início da implementação do regime de metas para a
inflação. Infelizmente, a sociedade brasileira havia testemunhado vários episódios de
6
No caso do índice de preços ao consumidor medido apenas na cidade de São Paulo (IPC/FIPE), a
inflação foi negativa (-1,8%) em 1998.
10
manipulação de índices de preços no passado não muito distante, e assim qualquer
mudança relacionada com a supressão de itens do índice-meta despertaria desconfiança.
É importante enfatizar que as decisões de política monetária devem ser tomadas com
base no conjunto de informações mais abrangente que estiver disponível. Da mesma
forma, tanto na busca por uma função de reação adequada quanto na produção de
projeções de inflação e suas respectivas distribuições de probabilidade, devem ser
considerados diversos modelos econômicos. Toda informação que ajude a projetar a
inflação precisa ser levada em conta, incluindo as expectativas do setor privado quanto à
trajetória das variáveis econômicas, informações extramodelo, indicadores antecedentes
e quaisquer outros conhecimentos ou juízos relevantes.
Uma última questão diz respeito à transparência do regime de metas para a inflação.
Como parte da estrutura inicial, foi estabelecido um processo eficaz de comunicação,
para facilitar à sociedade a compreensão e o monitoramento das decisões do Banco
Central, bem como para dar conhecimento dos motivos pelos quais supõe-se que a
inflação observada ou a projetada pode estar-se desviando da meta.
O Copom reúne-se regularmente a cada mês, e as decisões são tomadas por maioria de
votos. As decisões são anunciadas imediatamente após o término das reuniões, sendo às
vezes acompanhadas de um comunicado sucinto das razões pelas quais as decisões
11
foram tomadas. No segundo semestre de 1999, as atas do Copom eram publicadas duas
semanas após as reuniões. No início de 2000, esse intervalo foi reduzido para apenas
uma semana.
7
O Copom já publicou três Relatórios de Inflação – em 30 de junho, 30 de setembro e 30 de dezembro.
Os relatórios estão disponíveis na página do Banco Central na Internet, http://www.bcb.gov.br.
12
produto demora outros 3 meses para ter impacto significativo sobre a inflação. Em
resumo, a transmissão da política monetária através do canal da demanda agregada tarda
6 a 9 meses para completar-se; (ii) através de um canal direto: mudanças na taxa
nominal de juros afetam simultaneamente a taxa nominal de câmbio; esta afeta, também
simultaneamente, a taxa de inflação por meio da inflação ‘importada’; (iii) dada a
alavancagem historicamente baixa do setor empresarial brasileiro, em conjunto com as
políticas creditícia e monetária extremamente restritivas praticadas durante o Plano
Real, o mecanismo de transmissão via crédito não tem operado e sua importância em
termos de canalizar os impactos da taxa de juros para a inflação tem sido desprezível.8
8
Com as recentes medidas voltadas para a redução do spread bancário, o canal do crédito certamente se
tornará importante para a operação da política monetária no regime de metas para a inflação. Vide o
estudo publicado pelo Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco Central do Brasil “Juros e Spread
Bancário no Brasil” Outubro de 1999 (disponível na página http://www.bcb.gov.br).
13
mecanismo de transmissão da política monetária no Brasil, incluindo os principais
canais de transmissão e suas respectivas defasagens.
9
Esse mesmo enfoque de modelagem é vastamente utilizado em análises de política monetária. Ball
(1997) apresenta um modelo ilustrativo com duas equações. Ball (1998) e Battini e Haldane (1999)
mostram extensões compactas para economias pequenas e abertas, destacando os principais canais de
transmissão em operação.
10
A taxa real de câmbio não apresentou significância estatística nas estimações devido a dois motivos:
primeiro, que no período amostral utilizado vigorou um regime de câmbio administrado; segundo, que o
14
Uma forma possível de incorporar essa informação é incluir uma variável fiscal
diretamente na curva IS. Nessa especificação, duas variáveis representam instrumentos
de política: a taxa de juros e o superávit primário. O primeiro é o instrumento do Banco
Central e o segundo, o do Tesouro. O diagrama apresentado na figura 1 resume essas
hipóteses, mostrando as relações básicas envolvidas.
Resultado primário
Prêmio de Risco /PIB
PDTJ IS
IS
Taxa de Câmbio Demanda Agregada
Curva de
Phillips
PDTJ Inflação
Taxa de Juros
Figura 1
Curva IS
A especificação típica de uma curva IS poderia ser, em freqüência trimestral:
(I) ht = β 0 + β1ht −1 + β 2 ht − 2 + β 3rt −1 + ε th
onde:
peso relativo das exportações líquidas é pequeno se comparado aos outros componentes da demanda
15
h → logaritmo (log) do hiato do produto
r → log da taxa real de juros [log(1+R)]
εh → choque de demanda.
Para levar em conta a política fiscal, pode-se incluir um termo pr → log (1+ PR), onde
PR é a necessidade de financiamento do setor público (NFSP) no conceito primário, em
percentagem do PIB:
(II) ht = β 0 + β1ht −1 + β 2 ht − 2 + β 3rt −1 + prt −1 + ε thf
Nesse “regime antigo”, a taxa de câmbio funcionava como âncora nominal para
estabilizar a inflação, enquanto a política monetária era conduzida para manter uma
agregada.
16
posição de balanço de pagamentos compatível com a paridade desejada. Em suma,
independentemente do julgamento que se faça sobre o sucesso do regime antigo em
termos de estabilização inflacionária e sua sustentabilidade no tempo, é razoável
concluir que a taxa de juros real de equilíbrio era necessariamente alta. Este não é
necessariamente o caso em um ambiente de alta liquidez internacional. De qualquer
forma, entre o final de 1994 e o início de 1999, as economias emergentes enfrentaram
vários episódios de piora nas condições de financiamento externo.
No regime de câmbio flutuante (em vigor desde janeiro de 1999), e com metas para a
inflação (desde julho de 1999), é razoável esperar que a taxa de juros real de equilíbrio
seja bem diferente do que era no regime antigo. Em conseqüência do novo nível de
equilíbrio da taxa real de juros, os efeitos da transição de um regime para o outro
exigiram uma calibração de longo prazo para a parte da demanda na forma reduzida do
modelo.
IS “fiscal” com a restrição adicional sobre o par (β0,β3), cuja razão deve ser igual à taxa
de juros real de equilíbrio de longo prazo.
Curva de Phillips
O lado da oferta da economia é costumeiramente modelado com uma especificação de
curva de Phillips, que relaciona diretamente a inflação com uma medida de
desequilíbrio do setor real (tipicamente o hiato do produto), expectativas de inflação e
mudanças no câmbio real. Três variantes são apresentadas abaixo. Impõe-se sobre os
coeficientes α do lado direito de todas as equações, exceto o do hiato do produto, a
condição de que sua soma seja unitária. O objetivo é assegurar a verticalidade da curva
17
de Phillips no longo prazo, ou seja, garantir que a inflação seja neutra com respeito ao
produto real no longo prazo.
18
medidas adequadas de expectativas, especialmente quando não há séries históricas
disponíveis ou confiáveis.
O repasse cambial
O repasse das variações da taxa de câmbio para a inflação doméstica é uma questão
chave na configuração da curva de Philips. Foram testadas várias especificações lineares
19
e não lineares para os coeficientes de repasse, reduzindo a quatro as alternativas
implementadas na ferramenta de simulação selecionada. A primeira alternativa é utilizar
um coeficiente constante de repasse, estimado a partir de uma amostra adequada de
dados passados. A segunda é utilizar uma função quadrática para a transferência das
variações do câmbio para a inflação. A terceira é utilizar um coeficiente de repasse que
dependa também do nível (do logaritmo) da taxa de câmbio nominal. A última é uma
função quadrática do nível da taxa de câmbio nominal, motivada por um modelo
simples de equilíbrio parcial, no qual as desvalorizações da taxa de câmbio deslocam a
curva de oferta dos produtores competitivos de bens comercializáveis com o exterior.11
Todas as variantes não lineares tentam captar de modo mais preciso os efeitos de um
overshooting temporário da taxa de câmbio.12 Para o pequeno número de observações
disponíveis em freqüência trimestral, entretanto, os resultados ficaram muito próximos
da variante linear e foram consistentes com a evidência internacional de que o
coeficiente de repasse é inversamente proporcional ao grau de apreciação real da taxa de
câmbio no momento anterior à desvalorização. As equações abaixo resumem as quatro
especificações mencionadas.
α 4 = constante
α 4 = (α 41 + α 42 ∆( ptF−1 + et −1 ))
α 4 = (α 41 + α 42 et −1 )
Et2−1 − α 42
α 4 = α 41
Et2−1 + α 42
onde:
pF → log do índice de preços ao produtor externo
e → log da taxa de câmbio
E → taxa de câmbio (R$/US$).
11
Vide Goldfajn e Werlang (1999), Apêndice.
12
Dornbusch (1976) apresenta as conseqüências de overshooting em um contexto diferente.
20
mudanças esperadas na taxa de câmbio entre dois países com o respectivo diferencial de
taxas de juros e um prêmio de risco:
(VI) Et et +1 − et = it − itF − xt
onde:
e → log da taxa de câmbio
i → log da taxa de juros doméstica
iF → log da taxa de juros externa
x → log do prêmio de risco.
Tomando primeiras diferenças Et et +1 − Et −1et − ∆et = ∆it − ∆itF − ∆xt e supondo, por
simplicidade, que a mudança de expectativas siga um processo estocástico de ruído
branco13, Et et +1 − Et −1et = ηt , a dinâmica cambial pode ser descrita como:
Há duas variáveis exógenas nessa equação: a taxa de juros externa e o prêmio de risco.
A taxa de juros externa é relativamente estável e pode, portanto, ser projetada com
razoável precisão a partir dos contratos futuros. Já o prêmio de risco – que pode ser
medido pelo spread da dívida soberana sobre a remuneração dos títulos do Tesouro
americano de mesmo prazo − costuma apresentar alta volatilidade, pois está
normalmente associado a fundamentos macroeconômicos e a outros fatores subjetivos
de difícil estimação. Assim, duas abordagens alternativas foram consideradas no tocante
ao prêmio de risco. A primeira é estabelecer hipóteses para sua evolução futura, que
sejam consistentes com o restante do cenário analisado, gerando uma trajetória exógena
para ser usada nas simulações. A segunda é modelar o prêmio de risco em função dos
principais fatores objetivos que o afetam. Nesse caso, seu comportamento será
determinado endogenamente.
13
Isso é equivalente a um passeio aleatório (random walk) com surpresa monetária, onde a surpresa é
caracterizada por mudanças nos diferenciais de taxa de juros e na percepção do risco.
21
conseqüentemente, o prêmio de risco: as condições de liquidez e o nível das taxas de
juros no exterior, o desempenho dos mercados de capitais, os preços de commodities, as
perspectivas do balanço de transações correntes, a classificação de risco do País pelas
agências especializadas etc. O vínculo com a condição de paridade poderia ser:
n
(VIII) ∆X t = γ 1∆X t −1 + γ 2 ∆PRt − 3 + ∑ γ j ∆Z j , t − t j
j =3
onde:
X → prêmio de risco em pontos-base (SoT)
PR → resultado primário do setor público, em porcentagem do PIB
Z → variáveis que afetam o prêmio de risco.
Uma regra específica dessa família pode ser de muita ajuda para a comunicação
institucional. O Relatório de Inflação trimestral tradicionalmente apresenta projeções de
inflação e de crescimento do produto construídas sob a hipótese de que a taxa de juros
de curto prazo permanecerá constante em seu nível corrente durante todo o período da
projeção. Essa projeção é apresentada também por meio de um gráfico em leque da
inflação, que mostra, para cada trimestre, a distribuição de probabilidades em torno da
14
Blanchard and Kahn (1980) traz inúmeras referências sobre como resolver para a frente um sistema de
equações em diferenças finitas com expectativas racionais.
22
projeção central. Por simples inspeção visual, é possível inferir se a política monetária
deve ser alterada, e em que direção.15
Trajetórias ótimas
Uma regra ótima de reação pode ser encontrada utilizando dois métodos básicos de
otimização disponíveis para as simulações. O primeiro é uma otimização determinística,
na qual as expectativas das variáveis do sistema são consideradas como equivalentes às
suas próprias realizações previstas no modelo. O segundo método utiliza simulação
estocástica. No caso determinístico, a função-objetivo (a função perda que se deseja
minimizar) é dada pela equação (X) e, no caso estocástico, pela equação (XI). Note-se
15
Britton, Fischer and Whitley (1998) explicam como interpretar projeções gráficas de inflação
apresentadas na forma de leque. Haldane (1997) mostra de que forma a inclusão explícita de uma
distribuição de probabilidade parcialmente subjetiva pode ajudar a entender a avaliação feita pelos
tomadores de decisão sobre a situação econômica corrente.
23
que, devido ao princípio da equivalência em certeza, as equações (X) e (XI) serão
equivalentes sempre que as restrições forem lineares.
N
L = ∑ [λ1 ( E (π t + r ) − π t*+ r ) 2 + λ 2 [E (ht + r )] + λ 3 (∆it + r ) 2 ]
2
(X)
r =1
N
(XI) L = ∑ [λ1 E[(π t + r − π t*+ r ) 2 ] + λ 2 E (ht2+ r ) + λ 3 (∆i t + r ) 2 ]
r =1
Os dois métodos de otimização podem ser utilizados com uma trajetória de taxa de juros
exógena arbitrária17, ou com uma trajetória definida em função da inflação, do hiato do
produto e da taxa de juros defasada.
O caso determinístico é útil para simular diversos cenários alternativos durante uma
reunião da equipe de projeção, pois o procedimento é rápido. Por outro lado, embora o
caso estocástico seja mais preciso e forneça os intervalos de probabilidades para a
trajetória de taxa de juros calculada, ele requer um tempo de computação substancial, o
que torna o procedimento inviável durante uma reunião do Copom.
Estrutura básica
A estrutura básica para rodar simulações e fazer projeções consistentes com as relações
mostradas na figura 1 consiste nas equações (II), (V), (VII) e (VIII), em conjunto com
a escolha de um mecanismo de formação das expectativas inflacionárias, uma
especificação de repasse e uma regra de política monetária.
16
Vide Svensson (1997).
17
Em ambos os casos, a otimização é sujeita ao modelo em uso.
24
que, dada a natureza simplificada dos modelos macroeconômicos, é necessário extremo
cuidado na identificação da forma, intensidade e cronologia dos choques.
Uma vez que o Copom tenha definido os choques relevantes e a equipe técnica os tenha
preparado adequadamente para serem introduzidos nos modelos macro, restam apenas
algumas definições adicionais para fins de simulação. Por exemplo, é necessário fazer
as seguintes escolhas: (i) a regra de taxa de juros (uma taxa nominal fixa, ou uma regra
do tipo Taylor, ou uma regra baseada nos desvios da inflação esperada em relação à
meta, ou uma trajetória predeterminada para as taxas nominais ou reais); e (ii) um
mecanismo para a formação das expectativas de inflação.
Dadas essas definições, os seguintes resultados podem ser obtidos: (i) projeções de
inflação (trajetória central e intervalos de probabilidade em torno da mediana), com
definições de uma medida de dispersão (variância) e dos riscos associados (assimetrias);
(ii) projeções de crescimento do produto e as distribuições de probabilidades
correspondentes; (iii) trajetória das taxas de juros (nominais e reais) resultantes das
funções de reação; e (iv) simulações dinâmicas de choques exógenos.
25
A simulação dos modelos estruturais é realizada com base em um cenário principal, que
contém as hipóteses tidas como mais prováveis, e um conjunto de cenários alternativos,
que representam os riscos percebidos de afastamento das hipóteses básicas. A avaliação
cuidadosa das várias hipóteses é condição necessária para decisões equilibradas sobre o
instrumento de política monetária.
5. Observações e conclusões
Segundo, a equipe técnica do banco central que presta assessoria de política monetária
deve concentrar sua atenção inicialmente nos seguintes pontos: obter uma visão clara do
mecanismo de transmissão da política monetária e decidir quais os canais mais
apropriados para se explorar com o objetivo de atingir a meta para a inflação;
desenvolver modelos estruturais simples e compactos desses canais de transmissão, que
permitam entender e explicar o comportamento das principais variáveis
26
macroeconômicas; utilizar um modelo básico preferido, que seja de conhecimento
comum e possa servir de referência para as discussões com os tomadores de decisão;
monitorar em tempo real os dados da economia e incorporar a avaliação dos
especialistas em determinadas variáveis às projeções para os trimestres mais próximos.
27
Referências bibliográficas
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Review, 75, no. 3 (June).
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Batini, N., and A.G. Haldane.1999. “Forward-Looking Rules for Monetary Policy”.
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under Rational Expectations”. Econometrica, 48, no. 5 (July).
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Central Bank of Brazil, 1999. “Inflation Report”. June, September, and December
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Paper no. 74.
28