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A história social da criança e do adolescente

Mayra Silveira
SILVEIRA, Mayra. História dos direitos da criança e do adolescente. Revista Jus Navigandi,
Teresina, ano 19, n. 3999, 13 jun. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/28271>. Acesso em: 2
dez. 2016.
A história social da criança revela que, apenas muito recentemente, ela é alvo de
preocupação dos adultos. As grandes civilizações, de uma maneira geral, a compreendiam
enquanto propriedade do pai, objeto e serva exclusiva de sua vontade (Tavares, 1999, p.46).
Na Grécia Antiga era explícito o tratamento de inferioridade aplicado às crianças.
Aristóteles descreveu a criança como um ser irracional, portador de uma avidez próxima da
loucura, com capacidade natural para adquirir razão do pai ou do educador (Lima, 2001, p. 11-
12).
No sistema social grego, apenas os meninos poderiam alcançar o título de “cidadão”.
As mulheres, independentemente da idade, deveriam, sob o comando do chefe da família,
ocupar-se apenas das atividades domésticas, do culto ao lar.
Em razão das guerras e conquistas militares que marcaram a civilização grega, os
meninos quando atingiam a puberdade eram separados de suas famílias para ingressar em
um rígido sistema de educação. Eram-lhes ministradas atividades que cultuavam o corpo e a
mente, quase sempre com intenções militares. Os jovens tinham uma relação de submissão
ao seu mestre (este, um cidadão grego, muito mais velho), com quem mantinham relações
íntimas (Veronese e Rodrigues, 2001, p. 11).
No império romano, o “pátrio poder” era absoluto. O filho não emancipado poderia,
pela simples vontade de seu pai, ser vendido, ou mesmo morto, vez que era sua propriedade.
A Idade Média observou o sistema de produção feudalista, no qual a família era,
igualmente, comandada pelo pai – o chefe da família. Observa-se, num primeiro momento,
que a figura da criança e do adolescente não está presente na estrutura social medieval, ou
seja, não há distinção clara das peculiaridades da criança e do adulto, reservando-lhes a
posição de “adultos em miniatura”.
Esta ausência do “sentimento da infância” reflete-se em vários aspectos sociais.
Phillip Ariès (1978, p. 50-51) nos explica que
[...] a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer
que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que
não houvesse lugar para a infância nesse mundo.
[...]
No mundo das fórmulas românticas, e até o fim do século XIII, não existem crianças
caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido. Essa
recusa em aceitar na arte a morfologia infantil é encontrada, aliás, na maioria das civilizações
arcaicas.
O destino das crianças estava traçado de acordo com a sua casta social. Aos filhos
dos servos era certa a função de dar continuidade dos serviços dos pais, em atendimento aos
mesmos senhores feudais. Os filhos dos senhores, por sua vez, deveriam passar por um
austero sistema religioso e educacional, para, em seguida, concretizarem o casamento
comercializado pelos pais. Os jovens que não observassem os costumes eram recriminados
socialmente e tidos como infiéis cristãos (Veronese e Rodrigues, 2001, p. 13-14).

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João Batista Costa Saraiva conta que em alguns países da Europa medieval,
crianças eram submetidas à “prova da maçã de Lubecca”, método utilizado para verificar se a
criança já possuía a malícia do adulto. O procedimento consistia no oferecimento de uma
maçã e uma moeda à criança, se esta escolhesse a moeda estaria comprovada sua má
índole, podendo ser submetida, inclusive, a pena de morte a partir dos 10 anos de idade
(Saraiva, 2002, p. 14).
A Idade Moderna ficou marcada pelo fim do sistema feudalista e o início do
mercantilismo. As mudanças sociais deste período permitiram maior espaço para a infância
dentro da sociedade.
Enquanto durante toda a Idade Média apenas o filho primogênito herdava nomes e
títulos, carregando sozinho a responsabilidade de perpetuação da família, e as filhas meninas
eram destinadas aos conventos ou ao casamento, ao longo da Idade Moderna a situação dos
demais filhos foi, aos poucos, sendo equilibrada.
Os pais não se contentavam mais em por filhos no mundo, em estabelecer apenas
alguns deles, desinteressando-se os outros. A moral da época lhes impunha proporcionar a
todos os filhos, e não apenas aos mais velhos – e, no fim do séc. XVII, até mesmo às meninas
– uma preparação para a vida (Veronese e Rodrigues, 2001, p. 17).
Nessa sociedade, a educação torna-se um dos pontos importantes na vida da
criança, à medida que ela prorroga a duração da infância. Todavia, até o século XVII a
escolarização foi monopólio do sexo masculino. Às meninas eram destinados os
ensinamentos domésticos, e até mesmo as de famílias nobres eram semi-analfabetas (Ariès,
1978, p. 189-190).
Assim, sendo certo o destino das meninas – o do casamento - a infância feminina
era mais curta em relação à masculina. Philippe Ariès (1978, p. 190) relata o caso de Anne
Arnauld, noiva aos seis anos de idade e predestinada a se casar quando completos doze
anos:
Desde os 10 anos de idade essa pequena tinha o espírito tão avançado que governava
toda a casa de Mme Arnauld, a qual fazia agir assim deliberadamente, para formá-la nos
exercícios de uma mãe de família, já que este deveria ser seu futuro.
[...]
Aos treze anos era bastante dona de sua casa para dar uma bofetada em sua
primeira camareira, uma moça de 20 anos, porque esta não havia resistido a uma carícia de
alguém que lhe fizera.
A Idade Contemporânea se instala a partir de 1789 com a Tomada da Bastilha e
segue até os dias atuais. A partir de então, a criança e o adolescente estão em posição de
destaque dentro da sociedade, ocupando, de um lado, a posição de mão de obra barata e, de
outro, o de impulsionadores da economia, na medida em que compreendem importante
público de consumo.
O sistema educacional obtém significativo destaque dentro da sociedade
contemporânea. No entanto, enquanto hoje o processo pedagógico é compreendido como
fonte de emancipação do indivíduo, no início da Idade Contemporânea a escola assemelhava-
se muito mais a um centro de correção de caráter.
A família e a escola retiraram juntas a criança da sociedade dos adultos. A escola
confinou uma infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos
séculos XVIII e XIX resultou no enclausuramento total no internato. A solicitude da família, da
igreja, dos moralistas e dos administradores privou a criança da liberdade que ela gozava
entre os adultos. Infligiu-lhe o chicote, a prisão, em suma, as correções reservadas aos
condenados das condições mais baixas (Ariès, 1978, p. 277-278).
De outro lado, a divisão e a organização do trabalho, típicas do sistema capitalista,
implicaram em novas atribuições a crianças e adolescentes, tornando-as fontes de exploração
e consumo (Veronese e Rodrigues, 2001, p. 19).
A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra após a segunda metade do século

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XVIII, teve como grande reflexo social a exploração do trabalho operário, em especial o
trabalho infantil. Crianças muito novas eram submetidas a extensas jornadas de trabalho.
Felipe Rissato e Ingo Muniz Sabage (2006) comentam que, em 1816, uma
tecelagem de algodão em Backbarrow, tinha como aprendizes exclusivamente órfãos com
idades entre 7 e 15 anos, cuja jornada de trabalho tinha início às cinco horas da manhã e se
estendia até as oito horas da noite, totalizando, no mínimo, 15 horas diárias de trabalho.
Ocorriam muitos acidentes nas máquinas devido ao estado de sonolência e ao
cansaço dessas crianças. Foram incontáveis os dedos arrancados, os membros esmagados
pelas engrenagens (Antoux, 1988, p. 491).
Robert Heilbroner traz em sua obra vários depoimentos, entre eles o do menino
Thomas Clarke, com apenas 11 anos de idade. O garoto afirmava que iniciava suas atividades
na indústria às 5 horas e terminava apenas após as 21 horas, no entanto, para chegar à
fábrica aprontava-se às 3 horas da manhã. Ainda, segundo o menino, as crianças que
dormissem durante o trabalho eram agredidas com golpes de cordas com nós (Heilbroner,
1972, p.108-109).
Hoje, ao contrário da Inglaterra pós-Revolução Industrial, existem normas que vetam
o trabalho infantil e regulam o trabalho do adolescente. Todavia a letra da lei está longe de ser
uma realidade.
São inúmeras as denúncias de trabalho infantil, inclusive de trabalho escravo. A
Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 250 milhões de crianças entre cinco e
catorze anos trabalham em todo o mundo, sendo 120 milhões em período integral.
Infelizmente o Brasil é responsável por significativa parte destes números, na medida em que
se encontra entre os países com altos índices de trabalho infantil (DIEESE, 2006).
Segundo dados do Ministério da Saúde (2006), em 2002, 12,7% da população
brasileira composta por crianças e adolescentes com idade compreendida entre 10 e 14 anos
de idade já trabalhavam. O Estado do Piauí apresentava o quadro mais grave, com 21,8% das
crianças nesta faixa etária trabalhando.
Em 2003, o Ministério da Saúde (2006) estimou que, no Brasil cerca de 5,1 milhões
de crianças e adolescentes com idades entre 5 a 17 anos se encontravam em situação de
trabalho ilegal, dentre estes, 1,3 milhão com idade entre 5 e 13 anos, um contingente igual ao
da população do Estado de Tocantins.
Não bastasse isto, as pesquisas ainda revelam que o trabalho infantil tem por forte
característica a ínfima remuneração. De acordo com dados apresentados por André Viana
Custódio (2006, p.88), em 2001, 76,39% das crianças e adolescentes trabalhadores
remunerados recebiam valores inferiores a um salário-mínimo e, destes, 41,19% recebiam
menos de meio salário-mínimo.
No entanto, paradoxalmente, ainda que comprovada os efeitos nocivos do trabalho
imposto à criança, grande parcela da população parece legitimar tal prática, indo, inclusive, em
sua defesa. Alicia Hernández Walcher (2004), expõe em seu trabalho uma pesquisa realizada
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em maio de 2002, onde 97% dos entrevistados
demonstraram apoiar o trabalho infantil, e, entre os entrevistados pais, 88% acreditam que o
trabalho ajuda na educação.
De outro lado, é na Idade Contemporânea que a infância passa a ser atraente para a
elite dominante, na medida em que crianças e adolescentes constituem um importante
mercado consumidor. As corporações internacionais estimam que a faixa dos 5 aos 13 anos
representa um mercado consumidor de US$ 85 bilhões anuais (Hoffmann, 2006).
Com o forte auxílio dos meios de comunicação, a cadeia de consumo voltada para o
público infantojuvenil é capaz de condicionar os padrões estéticos e comportamentais, os
relacionamentos familiares e sociais e, principalmente as relações de consumo –
estabelecendo o que se deve vestir, comer e beber. Os ícones da publicidade infantil são
construídos com fins na “conquista comercial do público infantil”, e exercem suas atividades
por meio de mecanismos de condicionamento psicológico. Agradam e conquistam a amizade

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de crianças e adolescentes, faturando em cima do bolso dos pais.
Os efeitos são ainda mais danosos quando a questão se reflete junto às camadas
mais pobres da sociedade, há um forte vínculo entre o consumo e violência. O ex-Deputado
Federal Marcos Rolim (2002) preceitua:
Alijadas do consumo, mas convencidas de que a posse daquelas bugigangas todas
equivale à inclusão social, as crianças das nossas periferias experimentam, radical e
precocemente, alguns dos nomes da tristeza. Melancolia, depressão, sentimento de
inferioridade estão entre eles.
[...] um olhar mais atento sobre alguns dos fenômenos aparentemente incompreensíveis
da violência contemporânea permitiria identificar nessa infelicidade original de tantas crianças
o começo de um processo de subjetivação que, em alguns casos pelo menos, será bastante
funcional à produção de adolescentes capazes de matar alguém por um tênis da Nike.
Assim, dentro desta dicotomia proteção-exploração estão as crianças e os adolescentes
contemporâneos. Sujeitos em fase de formação e desenvolvimento, ao mesmo tempo
protegidos por leis especiais e tratados internacionais, e objetos de exploração da mídia e da
exclusão social.A REALIDADE DA INFÂNCIA E JUVENTUDE BRASILEIRA: BREVE
HISTÓRICO
As primeiras crianças alvo dos interesses de uma elite dominante em solo brasileiro
foram as crianças indígenas. Os padres jesuítas observaram que a educação e a
catequização dos pequenos índios era a forma mais eficiente de afastar a cultura indígena e
introduzir os costumes cristãos (Veronese e Rodrigues, 2001, p. 19-20).
Essa imagem cristã investida nos pequenos e jovens índios, na verdade tencionava
alcançar duas finalidades:
1) servir como instrumento repressivo à sua cultura;
2) justificar as práticas culturais estranhas ao universo europeu.
As pregações cristãs eram obrigatórias, ainda que quase sempre não
compreendidas pelos índios, sob pena de rigorosos castigos. Mary Del Priore apud Veronese
e Rodrigues (2001, p. 21) nos relata que
[...] aqueles que se negavam a participar do processo doutrinal sofriam corretivos e
castigos físicos. O ‘tronco’ funcionava como um aide-mémoire para os que quisessem falta à
escola e as ‘palmatórias’ eram comumente distribuídas ‘porque sem castigo não se fará vida
sentenciava o padre Luiz de Grã em 1553. As punições se faziam presentes a despeito de
reação dos índios que a estas, preferiam ir embora: ‘a nenhuma coisa sentem mais do que
bater ou falar alto’. [...] Qualquer resistência física e cultural aparecia sempre aos olhos dos
jesuítas como tentação demoníaca, como assombração ou visão terrível.
As atividades produzidas no solo da nova Colônia utilizavam-se da mão de obra
escrava. A posição de escravo, ocupada em um primeiro momento pelo índio, foi logo
substituída pela do africano, em razão dos elevados lucros que o tráfico negreiro conferia à
Metrópole, ao contrário do que ocorria com a escravidão indígena.
Desta forma, foi introduzida a criança negra no Brasil, como membro de um ciclo de
exploração. Sem direito a infância, quando ultrapassava a primeira idade - fato que era
bastante incomum, vez que lhe era privada a presença da mãe logo após o nascimento - eram
entregues à tirania dos seus senhores, para quem trabalhavam arduamente.
Algumas crianças que trabalhavam descascando e lavando mandiocas, tinham os
dedos duros, mutilados, tortos e calejados: como as mãos dos escravos, pareciam haver
perdido as características humanas (Xangô Sol, 2006).
A Lei do Ventre Livre (Lei Visconde do Rio Branco), de 28 de setembro de 1871,
declarava ser livre os filhos da mulher escrava que nascessem a partir da data de sua
promulgação. O senhor da escrava deveria criar e tratar a criança até os oito anos de idade,
quando poderia entregá-la ao governo brasileiro, recebendo uma indenização pecuniária, ou
mantê-la sob sua posse, aproveitando-se de seus préstimos até os 21 anos completos.

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Primeiramente, vale destacar que em razão do desinteresse do Império e
conseqüente falta de fiscalização, a lei não foi plenamente executada. Ademais, mesmo sendo
certa a indenização, não era econômico aos senhores de escravos manter sob sua guarda os
filhos de suas escravas, de modo que muitos deles eram mortos ao nascer ou entregues junto
à roda dos expostos.
De outro lado, ainda dentro do contexto social do Brasil-Colônia, estavam as
crianças lusitanas, que constituíam a elite socioeconômica da época. Estas acompanharam a
redefinição dos conceitos sobre a infância, que se deu em razão da mudança de costumes e
valores trazidos, primeiramente, com a chegada da família real ao Brasil, e sem seguida com
os imigrantes europeus (Veronese e Rodrigues, 2001, pp. 24-25).
O Império teve sua queda em 1889, com a proclamação da República. Desde então,
a infância e a juventude brasileira seguem os caminhos traçados pelas mudanças sociais,
políticas, econômicas e culturais que surgem ao longo dos anos. Entretanto, conforme
destacam Josiane Rose Petry Veronese e Walkíria Machado Rodrigues (2001, p. 27),
[...] a minoria pobre, com o transcorrer do tempo, passou a ser maioria, e a abrigar uma
nova classe: a dos miseráveis. Foi sem dúvida o resultado lastimoso do almejado capitalismo,
e da exacerbação desenfreada do consumo.
Ocorre que os maiores alvos desta situação degradante foram os infanto-juvenis,
que além de serem vítimas do poder autoritário do pai, que ditava as regras e padrões a
serem seguidos, estabelecendo seus limites, passaram a sofrer intervenção do poder estatal.
A questão é que se essa interferência, por um lado obrigou o Estado a reconhecer
juridicamente como cidadãos as crianças e os adolescentes, prevendo legalmente alguns de
seus direitos, desvendou por outro o aspecto explorador da máquina estatal, que em nome de
uma falsa harmonia propaga a violência, propiciando sua legitimação.
Assim, após cinco séculos de história, as crianças brasileiras em sua grande maioria
ainda se encontram às margens da exclusão social. Em 2001 dados apontavam que 6,47%
das crianças brasileiras não chegavam a completar um ano com vida, estima-se que 4,39%
das mortes de crianças antes dos 5 anos de idade seja ocasionada por quadros de diarréia
aguda.
A positivação de direitos não foi suficiente para garantir a dignidade desejada às
crianças e aos adolescentes, mas representou um primeiro passo em nome da proteção de
seus direitos. Resta a toda sociedade erguer sua voz e lutar pela concretização de uma nova
realidade social, onde a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente
representem mais do que letras em um documento legal, e seja dada condições para a
formação de cidadãos conscientes de suas capacidades.
A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO: A PROTEÇÃO JURÍDICA DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE
A legislação brasileira da proteção, ou da “desproteção”, da infância e juventude
brasileira, até a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, era bastante incoerente, na
medida em que não reconhecia a criança e o adolescente enquanto sujeitos de direito, mas
sim meros objetos de tutela.
A primeira Constituição brasileira - a Constituição Imperialista de 1824, assim como a
primeira Constituição Republicana de 1891 foram totalmente omissas quanto a posição e a
proteção da criança e do adolescente.
A imputabilidade penal, hoje estabelecida até os 18 anos como cláusula pétrea da
atual Constituição Federal, em 1830, de acordo coma leitura do Código Penal do Império
estava estabelecida ao limite de 14 anos de idade, limite que foi reduzido para 9 anos de idade
com o primeiro Código Penal da República.
Na realidade, as primeiras leis nacionais que fazem referência à tutela da criança e
do adolescente estão intimamente ligadas ao sistema escravista do Brasil Imperial. José
Bonifácio, na Constituinte de 1883, apresentou um projeto com vistas na proteção da criança

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escrava, no entanto, não obstante o seu verdadeiro escopo – o de preservação da mão-de-
obra, foi vetado pelo Imperador Dom Pedro I (Veronese, 1999, p. 11)
Em 1860 os movimentos abolicionistas junto ao Senado conseguem aprovar lei que
vetava a venda de escravos que acarretasse na separação do filho e seu pai, bem como o
marido da mulher (Veronese, 1999, p. 11). Mas é apenas em 1871, com a Lei do Ventre Livre
(Lei nº 2.040/1871), que conferia liberdade às crianças nascidas de mãe escrava a partir
daquela data, que podemos destacar o marco histórico de primeira lei nacional de proteção à
infância.
É certo que a Lei do Ventre Livre não significava a liberdade de imediato aos
meninos escravos, vez que se facultava ao senhor de sua mãe a utilização de sua mão-de-
obra até completos 21 anos de idade a caráter de indenização. De outro lado, também não se
observou a aplicação almejada, pois a fiscalização não alcançava aos grandes senhores de
escravos.
No entanto, ainda assim, esta lei representou significativo avanço legislativo, seja na
proteção do negro, vez que foi o estopim do processo que exterminou a escravidão, seja na
proteção da infância, na medida em que, ainda que apenas formalmente, conferia às crianças
negras um dos direitos fundamentais que até então lhe era negado – o da liberdade.
Em 05 de janeiro de 1921, com a edição da Lei Orçamentária nº 4.242, o Brasil
vislumbra o primeiro documento legal que regulamenta a relação entre o Poder Público e a
infância ao autorizar o “serviço de assistência e proteção à infância abandonada e aos
delinqüentes”, regulamentado posteriormente pelo Decreto nº 16.272/1923, que também criou
a figura do Juizado Privativo de Menores (Costa, 2006).
Em 1927 é aprovado o 1º Código de Menores (Decreto nº 17.943), também
conhecido como Código Melo Matos, em razão do juiz José Candido Albuquerque Mello de
Matos, autor do projeto de lei e grande atuante do “direito do menor”.
Esta lei institui a “doutrina do direito penal do menor” à lei brasileira, tendo por foco
não a proteção propriamente, mas a incidência de atos estabelecidos como crime ou infração
cometidos por crianças e adolescentes. Tanto que, logo em seu artigo 1º do Código declarava
que o “menor abandonado” ou “delinquente”, menor de 18 anos de idade estaria submetido às
medidas de assistência determinadas pelas autoridades competentes.
O Código Melo de Matos era reflexo da elite moralista da época. Os “menores”
objetos da lei encontravam-se à margem do sistema econômico-social, e, em consequência,
eram alvo de discriminação e condenação moral da mesma forma como ocorria com outros
excluídos sociais.
A vadiagem e a falta de coação moral os tornava ‘presas dos maus instintos’, inúteis
ao trabalho, à comunhão social e candidatos a tomarem o atalho da perdição e do vício. [...]
era desta ‘legião’ que circulava perto da estação da estrada de ferro, na porta dos cinemas e
ruas centrais, que emergiam os aventureiros e criminosos, os proscritos e os hóspedes das
penitenciárias (Monteiro, 2006).
Apenas em 1934, com a promulgação da nova Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil, é que a criança e o adolescente são referenciados em texto
constitucional. Em seu artigo 121, § 1º, alínea “d”, a Carta vetava qualquer trabalho ao menor
de 14 anos, o trabalho noturno ao menor de 16, e o realizado em indústrias insalubres aos
menores de 18 anos de idade.
A Constituição de 1937, por sua vez, além de confirmar as disposições de sua
antecessora, de maneira inédita, declarou junto ao seu artigo 127 que crianças e adolescentes
eram merecedores de garantias especiais, in verbis:
Art. 127. A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias especiais
por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a assegurar-lhes condições
físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das suas faculdades.
O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará falta
grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o dever de provê-las do

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conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação física e moral.
Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a
subsistência e educação da sua prole.
Assim, a partir da Carta Magna de 1937, o Estado estava constitucionalmente
obrigado a atender e proteger crianças e adolescentes desamparados. Todavia, a proteção e
o “conforto indispensável à preservação física e moral” não passaram de letra morta, tendo em
vista o triste desenrolar histórico das instituições criadas com fins no atendimento deste artigo
127.
O Código Penal de 1940, aprovado por meio do Decreto-lei nº 2.848 e que
permanece até hoje em vigor, de maneira inédita no Brasil, fixou a imputabilidade penal nos
dezoito anos de idade, permanecendo esta idade até os dias atuais, fixada inclusive, como
cláusula pétrea, não obstante aos constantes e intensos movimentos populares, em sua maior
parte organizados por segmentos da mídia e da classe média brasileira, em defesa de sua
redução para até 14 anos.
Em 1964, por meio da Lei nº 4.513, foi instituída a FUNABEM (Fundação Nacional
de Bem Estar do Menor) na esfera nacional, e, mais tarde, as FEBEM’s (Fundação Estadual
de Bem Estar do Menor) nos âmbitos estaduais.
As duas instituições, na realidade, se valiam quase que exclusivamente à reclusão
de adolescentes autores de ato infracional, sujeitando estes a tratamento igual ou pior ao dado
aos adultos presos em instituições carcerárias. Nas palavras de Lia Junqueira apud Josiane
Rose Petry Veronese (1999, p. 33),
[...] para proteger a Segurança Nacional muitas vidas foram prejudicadas e, na realidade,
os controlados deste País não participaram de nenhum projeto que resultou no Brasil de hoje,
com seus desempregados, com seu salário-mínimo, com sua falta de escola, com sua falta de
assistência à saúde, com suas dívidas, quer externa como interna. Para garantir a Segurança
Nacional, acredito que outras pessoas deveriam ter sido institucionalizadas, não nossas
crianças, filhos da pobreza.
Este instrumento de controle da sociedade não se demonstrou eficiente, tendo em
vista o crescente número de crianças marginalizadas, além da incapacidade de proporcionar a
reeducação. Isto ocorreu porque, apesar dos princípios tuteladores que fundamentavam a
doutrina da “situação irregular”, as instituições destinadas à proteção destas crianças e
adolescentes não cumpriam o papel a elas destinado.
A metodologia aplicada pelas instituições de educação e reclusão, em vez de
socializar a criança e o adolescente, massificava-os e, desta forma, em vez de criar estruturas
sólidas, nos planos psicológico, biológico e social, afastava este chamado “menor em situação
irregular”, definitivamente, da vida comunitária (Veronese, 1997, p. 96).
Apenas em 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, é que
este sistema de “abrigo de menores” foi tacitamente revogado, todavia, as Fundações
estaduais permanecem em pleno funcionamento em muitos Estados, onde permanecem
envoltas de muita irregulariedade.
Em uma entrevista à revista eletrônica Carta Maior a respeito dos 30 anos de
instituição da FEBEM de São Paulo, Roberto da Silva, ex-interno da FEBEM e hoje Professor
Doutor da Faculdade de Educação da USP, expôs que
[...] a Febem não tem nada a comemorar, e a única solução é a sua extinção.
[...]
De fato, quase 50% dos primeiros filhos da ‘geração Febem’ viraram criminosos ou
ajudaram a engrossar o número de presos do sistema carcerário. O destino de Roberto, hoje
doutor, é exceção comparado à trajetória de seus colegas.
Durante 1997, ele levantou os casos de meninos internados na Febem de São
Paulo, órfãos ou abandonados, que lá permaneceram por, pelo menos, dez anos
consecutivos. Os internos não deveriam ter qualquer antecedente de atos infracionais e
deveriam ter iniciado seu período de internação na primeira infância. Encontrou 370 meninos

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com os requisitos em mais de dez mil casos analisados. Do total desta amostra, 35,9% (135)
transformaram-se em delinqüentes na vida adulta (Salvo, 2004).
A situação da infância e juventude brasileira, assim como toda a sociedade
brasileira, não foi em nada melhorada com o golpe Militar de 1964. A Constituição da
República Federativa outorgada em 1967, não trouxe novas colaborações para a proteção de
crianças e adolescentes.
Em 1973, a Convenção Internacional do Trabalho (OIT) nº 138, da qual o Brasil foi
País-Membro, propôs um tratado internacional com vistas na “efetiva abolição do trabalho
infantil e elevação progressiva da idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um
nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do adolescente”.
Neste contexto de estado não-democrático, em 1979, é aprovado o novo Código de
Menores por meio da Lei nº 6.697. A nova lei revoga a doutrina do “direito penal juvenil”, até
então imposta pelo Código Melo de Matos, e institui a doutrina do “menor em situação
irregular”.
A nova lei conferia proteção e vigilância aos “menores em situação irregular”,
descrevendo tal situação em seu artigo 2º, conforme se observa:
Art 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória,
ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou
responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;
VI - autor de infração penal.
Dessa forma, ainda que representasse um avanço legislativo, o Código de Menores, por
partir do pressuposto de que todas as crianças se encontravam na mesma situação
socioeconômica, não alcançava uma efetiva proteção. Conforme leciona Wilson Donizete
Liberati (1993, p.13),
[...] o Código revogado não passava de um Código Penal do ‘Menor’, disfarçado em
sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras sanções, ou seja, penas,
disfarçadas em medidas de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre
a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação
irregular da criança e do jovem, que na realidade, eram seres privados de seus direitos.
Felizmente o Código de 1979 não vigorou por muito tempo. A redemocratização do
país e, em especial, a promulgação da nova Constituição da República Federativa do Brasil,
substituíram a doutrina da situação irregular pela doutrina da proteção integral, afirmada junto
ao art. 227:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Em seguida, passados dois anos da constituinte, o legislador, frente à necessidade
de instrumentalizar a nova Carta Política, regulamentou o preceito constitucional com a
aprovação da inovadora Lei nº 8.069/1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente.O
Estatuto, nascido em 13 de julho de 1990, trouxe consigo uma inédita compreensão a respeito
de crianças e adolescentes, concebendo-os como sujeitos de direito e lhes ‘atribuindo mais

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direitos que os conferidos aos demais cidadãos – “direitos específicos que lhes assegurem o
desenvolvimento, o crescimento, o cumprimento de suas potencialidades, o tornarem-se
cidadãos adultos livres e dignos” (Vercelone, 1992, p.18).
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