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A saúde sob a ótica da austeridade fiscal: uma reflexão sobre os efeitos das
PEC241/2016
Resumo: Objetivo deste trabalho é abordar como o congelamento de gastos poderá afetar a
saúde pública brasileira nos próximos anos. Para avaliar esses efeitos buscou-se mostrar um
debate que vai além das variáveis de equilíbrio fiscal envolvidas nas políticas de ajuste. Dessa
forma, foram analisadas as justificativas teóricas para o ajuste observadas no documento
referente a PEC 241/2016. Também foram consultados trabalhos de autores de diferentes
orientações ideológicas. Adicionalmente, buscou-se analisar dados relativos a indicadores
fiscais e outros fatores que possam impactar no aumento da demanda por serviços públicos de
saúde nos próximos anos. Ao final do estudo, foi observado que não há consenso de que as
políticas de austeridade relativas à PEC 241/2016 tragam crescimento econômico e confiança
dos investidores. Por outro lado, os custos do subfinanciamento que ela representa para o
sistema público de saúde pode significar a perda da vida de muitos brasileiros que tem no
SUS o único meio de acesso à saúde.
1. Introdução
De maneira recorrente, as crises econômicas no Brasil são atribuídas à crise
financeira no setor público, seja pela alta inflação, baixo crescimento econômico ou até
mesmo dificuldades externas. A partir dessa constatação surge a proposta de ajustes fiscais
que visam equilibrar o orçamento público e promover o aumento da confiança de investidores
em relação à estabilidade econômica. O ajuste fiscal é consolidado como uma orientação
voltada à queda no nível do gasto público, alcançado principalmente por meio da redução da
participação do Estado na economia. Essas ações, embora embasadas mais na retórica do que
em suportes teóricos, são referenciadas como solução para os problemas econômicos do país.
(PAULANI e BRAGA, 2007, p. 241).
A partir dessa perspectiva, surge a proposta da PEC 241/2016, que tem como
objetivo a implementação de políticas de austeridade fiscal voltadas para o equilíbrio das
contas públicas. Nesse sentido, essa proposta visa estabelecer um novo regime fiscal no
âmbito da União por meio do estabelecimento do teto de gastos para as despesas primárias
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pelo período de 20 anos. Dessa maneira, o montante de recursos voltado para as áreas de
saúde, educação e previdência, terá seu reajuste baseado apenas na inflação apresentada no
ano anterior, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo -IPCA (BRASIL, 2016).
Por outro lado, nos países onde as medidas de austeridade fiscal estão em ascensão,
uma grande número seres humanos estão sendo expostos a um experimento cujo os resultados
ainda não podem ser previstos. Além disso, não há nenhum mecanismo capaz de contabilizar
as vidas que poderão ser perdidas no decorrer desse processo. Nesse sentido, qualquer análise
de política de ajuste deve levar em conta que perda de recursos para a saúde não se limita
simplesmente à indicadores financeiros de equilíbrio fiscal, mas envolve a perda de vidas
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humanas que não poderão ser recuperadas com a volta do crescimento econômico(STUCKEL
e BASU, 2013).
2. Metodologia
Quais seriam os efeitos do déficit primário para a economia? Por que eles são tão
indesejáveis? De maneira recorrente são mencionadas nos meios de comunicação, notícias
relacionadas a metas de superávit primário e a preocupação do governo em conseguir ajustar
suas despesas para produzir esse excedente voltado para o pagamento de juros. Para entender
a importância desses indicadores fiscais, é necessário compreender os meios pelos quais o
governo pode-se financiar. Nesse sentido, a cobertura de seus déficits pode ocorrer por meio
da emissão de títulos de dívida ou emissão de moeda. (PAULANI e BRAGA, 2007, p.241).
Dívida
Pública
País / PIB %
Japão 222,20
Grécia 179,40
Líbano 146,60
Itália 132,50
Portugal 130,40
Canada 99,40
Espanha 99,40
França 96,40
Reino Unido 89,30
União Européia 86,80
Áustria 84,60
Estados Unidos 76,50
Brasil 69,90
Alemanha 69,90
Fonte: C.I.A - The World Factbook, 2016
De maneira adicional, as altas taxas de juros pagas por esses títulos são utilizadas
como referência para a comparação do nível de retorno esperado na alocação de recursos da
economia como um todo. Esse mecanismo influência diretamente no processo decisório em
relação à probabilidade de materialização do investimento produtivo. Ou seja, com a alta taxa
de remuneração oferecida, esses ativos financeiros concorrem de forma direta com a decisão
de investimentos em novos empreendimentos, por exemplo, a construção de novas fábricas
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[...] quanto o capitalista, o banco ou a empresa recebem por não fazer investimentos
de nenhum tipo – em equipamentos ou na compra de um ativo financeiro que pode
ser emprestado pelo agente financeiro ou não. Se a taxa de juros aumentada for a
taxa de juros da dívida pública, ela representa a remuneração que o dono do
dinheiro, o banco ou a empresa, recebe para não fazer nada além de comprar um
título público. (SAYAD,2015, p.244)
Dessa maneira, o aumento taxas de juros que remuneram os títulos públicos tende a
afetar negativamente o nível de investimento produtivo e prejudicar o crescimento
econômico. Portanto, o problema do financiamento do Tesouro não está essencialmente
vinculado ao tamanho da dívida em relação ao PIB, mas seu relacionamento com a estratégia
de política econômica e a propensão dos agentes a adquirirem esse tipo de ativo (PAULANI e
BRAGA, 2007, p.245).
3.1 A evolução da dívida pública no Brasil: até que ponto medidas de austeridade fiscal são
justificadas?
A partir da análise das contas públicas federais, Gobetti (2015, p.25) observou que o
nível de despesas do governo apresentou aumento quase contínuo desde 1999, período que
marcou o início dos regimes de metas de superávit primário. A elevação do gasto público se
tornou possível pelo aumento concomitante do nível de arrecadação da União. Não obstante,
nos últimos anos, fatores como o baixo crescimento econômico e políticas de desoneração
fiscal, contribuíram para a estabilização da capacidade de crescimento das receitas. De
maneira paralela, houve a intensificação do crescimento dos gastos públicos, dificultando a
geração de superávits primários, como pode ser observado no Gráfico 1. Nesse sentido, vale
destacar que os gastos públicos em períodos recentes, não se restringiram à dispêndios
correntes, mas se tornaram capazes de mudar estrutura da despesa elevando-a no longo prazo
de maneira que:
[...] as novas universidades e escolas técnicas construídas nos últimos anos exigem
mais gastos com água, luz, telefone, vigilância, limpeza e material de consumo. Ou
seja, existe um novo componente estrutural por trás do crescimento das despesas
correntes do governo central que se soma àquele previamente existente, mais
relacionado aos benefícios previdenciários e assistenciais. E esse efeito estrutural é
amplifcado em meio a uma sequência de anos de baixo crescimento do PIB
(GOBETTI, 2015, p.27).
Essa nova estrutura de despesas que se apresenta no curto prazo impõe desafios para
o cumprimento do objetivo de estabilização da relação dívida pública-PIB. A partir dessa
perspectiva, surgem questionamentos voltados à capacidade do governo em manter o padrão
de crescimento dos gastos sem incorrer na elevação de seu nível de endividamento
(GOBETTI, 2015, p.15).
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Nesse sentido há teorias que argumentam que até mesmo países com economias
desenvolvidas como Reino Unido, Alemanha ou Estados Unidos devem se esforçar para
reduzir o estoque da dívida pública. Ainda que essas economias apresentem baixa
probabilidade de enfrentar uma crise fiscal ou que choques adversos, como a crise de 1929,
não ocorram com tanta frequência, dispor de uma poupança pública pode ser útil para pagar
as dívidas em momentos de baixo crescimento econômico. Além disso, de acordo com essa
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perspectiva (e assim como observado por Gobetti), altos níveis de dívida seriam prejudiciais
para o estabelecimento de um processo de crescimento econômico mais robusto. (OSTRY,
LOUNGANI e FURCERI, 2016, p.40).
No caso brasileiro, o ajuste das contas públicas voltado para a geração de superávits primários
no curto prazo passa, essencialmente, pelo aumento da carga tributária ou corte de
investimentos. Entretanto, como já mencionado, a redução de investimentos pode prejudicar o
crescimento econômico. Com a queda da atividade econômica, existe a redução no nível de
receitas do governo, fator que dificulta o alcance das metas de equilíbrio fiscal. Nesse sentido,
uma alternativa que contribuiria para a geração de superávits primários sem incorrer em
prejuízos para o crescimento econômico, seria a tributação de camadas mais altas da pirâmide
social. Ou seja, “[...] aumentar impostos incidentes sobre a renda de estratos da população que
provavelmente não reduziriam seu consumo em função da maior tributação.” (GOBETTI,
2015, p.15). Como exemplo desse tipo de estratégia está o retorno da tributação dos lucros e
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Ostry , Loungani e Furceri (2016, p.39) citam como exemplo de economistas o professor da Universidade de
Harvard Alberto Alesina e no campo político o ex-presidente do Banco Central Europeu Jean-Claude Trichet.
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dividendos que são direcionados aos acionistas e empresários. Esse tipo de imposto não é
cobrado no Brasil desde 1996, contribuindo também para a regressividade da estrutura
tributária brasileira.
De maneira mais específica, no ano de 1991 foram reservados 25% do orçamento total
da seguridade para o SUS. No entanto, esse valor não chegou a ser integralizado. No ano
seguinte, com a falta de financiamento, o Ministério da Sáude se viu obrigado a solicitar
empréstimos do Fundo de Amparo ao Trabahador. Em 1993, a proporção de recursos
definidos para a saúde pela Lei Orçamentária Anual foi revista, se reduzindo para 15,5% do
orçamento da seguridade. Cumpre notar que, apesar da queda no valor estripulado pela Lei, o
repasse dos recursos para a saúde novamente não foi integralizado. A insuficiência de
financiamento ocorreu porque o Ministério da Previdência, que era orgão responsável pelo
repasse, direcionou parte desses fundos para o pagamento de outras dívidas atrasadas. Essas
situações incentivaram a criação de soluções provisórias que pudessem assegurar o
financiamento do sistema. Nesse sentido foi criado em 1994 o imposto provisório sobre
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anos. Dessa maneira, os valores a serem repassados para as aréas como saúde educação e
previdência terão sua base fixada nas despesas apresentadas no ano de 2016. Assim, o
montante de recursos disponíveis para esses segmentos terão o seu reajuste calculado apenas
pelo nível de inflação (Índice de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA) apresentado no ano
anterior. (VIEIRA e BENEVIDES, 2016, p.4)
Dito de outra maneira, o texto da PEC 241 extinguiu aumento gradual das despesas
para a saúde a partir da RCL estabelecido na EC 85/2015. Nesse sentido, em 2017 o “teto” de
gastos para a saúde foi antecipado em termos percentuais e fixado em 15% da RCL. Como já
observado, essa proporção de recursos seria o limite máximo, alcançado em 2020, para o
aumento gradativo de gastos previstos pela EC85. No entanto, esse aumento se torna
insignificante se for considerado o valor que sera deixado de investir na saúde pelos próximos
20 anos. Dessa maneira, considerando-se um crescimento médio do PIB de 2% a.a. essa
medida mascara um prejuízo acumulado de R$433 bilhões para o financiamento da saúde.
(MENDES, 2016, p.2)
No entanto, uma falha grave observada na PEC é que ela somente considera o aspecto
fiscal do gasto público, ignorando os impactos sociais negativos que o limite das despesas
reais possam gerar nos proximos anos. Nesse sentido, além do ajuste desconsiderar a iminente
transição demográfica pela qual passa o Brasil, ela também não preve modificações
epidemiológicas em curso no país (VIEIRA E BENEVIDES, 2016).
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O aumento da população idosa ao longo dos anos, eleva a demanda pos sáude e
consequentemente a necessidade de gasto com serviços médicos. O Gráfico 2, por exemplo,
evidencia que o maior gasto médio das internações se concentra entre a população de 60 a 69
anos. O fator agravante do congelamento, é que final do período de vinte anos a população
brasileira com mais de 60 anos será aproximadamente o dobro da atual, como pode ser
obsevado no Gráfico 3. Além disso, a evolução tecnológica acelerada, característica desse
setor, implica no aumento de custo dos procedimentos de tratamento e prevenção de doenças
(VIEIRA E BENEVIDES, 2016, p.20). Essa característica faz com que a inflação da saúde
seja superior ao nível apontado pelo IPCA, (índice utilizado como referência para o reajuste
dos recursos direcionados para as despesas primárias definidas pela PEC 241). Por
conseguinte, o que poderá ser observado na prática é a redução em termos reais, do nível de
recursos repassados para a saúde em um momento de significativo aumento da procura por
procedimentos médicos.
Gráfico 2- Composição da população por faixa etária – projeções 2016 e 2036, percentual do
total
Fonte: VIEIRA e BENEVIDES (2016, p. 18)
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Gráfico 3 – Gasto médio por internação, exceto partos, por faixa etária. (em R$)
Brasil, 2015.
Fonte: VIEIRA e BENEVIDES (2016, p. 20)
3.1.2.1 O modelo
(Variável dependente)
Número de pessoas ocupadas
Rendsc = rendimento médio real (em R$) do setor privado sem carteira assinada;
Rendcc = rendimento médio real (em R$) do setor privado com carteira assinada;
Esse fenômeno foi observado nas variáveis rendsc e rendcc. Especificamente a variável
rendcc foi positivamente relacionada ao número de beneficiários dos planos. Nesse sentido, o
aumento no nível de renda média no segmento formal contribui para a elevação de usuários da
rede privada de saúde. De maneira mais específica, o modelo estimou que uma elevação de
1% no nível médio real de rendimento nesse segmento contribuiu para uma elevação de
0,39566% no nível de clientes dos planos privados.
Portanto, os dois últimos testes indicam que há falhas no modelo que ainda precisam
ser corrigidas, pois comprometem a utilidade da regressão em explicar a variação do número
de beneficíarios de planos de saúde.
4. Considerações Finais
Além disso, essa proposta de ajuste não incluiu no seu projeto, a consideração de
mudanças básicas e previstas na estrutura etária da população brasileira nos próximos 20
anos. Tampouco, é capaz de prever em tão longo prazo a dinâmica de doenças ou epidemias,
fator que poderá demandar um volume ainda não calculado de recursos financeiros. Portanto,
sua justificativa se baseia essencialmente no equilibrio fiscal como condição básica para a
retomada do crescimento econômico, assim como o retorno da confiança dos investidores no
país. .
Ao se observar a perda real de recursos prevista para a saúde nos proximos anos, deve
ser considerado que o valor a ser pago pelo ajuste se mostra superior aos níveis expressos na
relação dívida pública/PIB. Nesse sentido, talvez a observação mais sensata em relação aos
reais reflexos de medidas austeras como a PEC241/2016 seja dada por David Stuckler e
Sanjay Basu na afirmação de que: “O preço da austeridade é calculado em vidas humanas e
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essas vidas que que foram perdidas não vão retornar quando o mercado se recuperar
novamente” (STUCKEL e BASU, 2013, tradução nossa)
5. Referências
FARANTOS, Georgios I.; KOUTSOUKIS, Nikitas Spiros. Public Policy Analysis of Health
System in Conditions of the Greek Economic Crisis. European Scientific
Journal, ESJ, v. 13, n. 7, 2017.
FARIAS, Luís Otávio. Estratégias individuais de proteção à saúde: um estudo da adesão ao
sistema de saúde suplementar. Ciência & Saúde Coletiva, v. 6, n. 2, 2001.
GOBETTI, Sérgio Wulff. Ajuste fiscal no Brasil: os limites do possível. Texto para
Discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2015.
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https://www.iess.org.br/cms/rep/Conjuntura_julho2017.pdf. Acesso em: 27 dez. De 2017.
MENDES, Áquilas Nogueira. A saúde pública brasileira num universo" sem mundo": a
austeridade da Proposta de Emenda Constitucional 241/2016. Cadernos de Saúde Pública, v.
32, p. e00188916, 2016.
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PAULANI, Leda Maria; BRAGA, Márcio Bobik. A nova contabilidade social. Saraiva,
2007.
STUCKLER, D.; BASU, S. The body economic: why austerity kills. New York: Basic
Books, 2013.
TAMEZ, Carlos André S.; MORAES JUNIOR, José Jayme. Finanças Públicas. Rio de, 2007.
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Crise econômica, austeridade fiscal e saúde: que lições podem ser
aprendidas?. 2016
VIEIRA, Fabiola Sulpino; BENEVIDES, Rodrigo Pucci de Sá. Os impactos do novo regime
fiscal para o financiamento do Sistema Único de Saúde e para a efetivação do direito à saúde
no Brasil. 2016.