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Gian Mario Giuliani Raízes,

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Ano XVII,
Nº 16,
Doutor em Sociologia pela Université março/98
de Paris X/Nanterre, Professor
Adjunto do Departamento de
Sociologia e do Programa de Pós-
graduação em Sociologia do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais –
IFCS da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ

Sociologia e Ecologia:
Um Diálogo Reconstruído

Esta reflexão inicia da premis- or integração entre Sociologia e conceitos fundamentais muito pa-
sa de que duas crises, atualmente Ecologia. Ao final, nada de mais recidos, como por exemplo: co-
muito discutidas, estão intima- justo, já que as duas ciências, munidade, associação, evolução.
mente conjugadas: de um lado, a mesmo mantendo seus próprios Ambas também, o que é mais im-
crise nos paradigmas das ciências campos científicos e seus própri- portante, são filhas das mesmas
e, em particular, das ciências hu- os objetos, apresentam afinidades revoluções, no pensamento e na
manas, decorrente de processos surpreendentes. A desejada inte- organização social, e ambas estão,
de mudanças profundas e rápidas gração, no entanto, não parece re- mais que as outras ciências, expos-
da atual sociedade industrial–ca- alizável de forma imediata e ain- tas e muito ligadas às dimensões
pitalista; de outro, a crise nas re- da persistem impasses que não a culturais, às avaliações subjetivas e
lações entre as formas de organi- tornam simples. É necessário a julgamentos de valor na própria
zação social da produção e do construir um diálogo entre as construção de seus objetos de es-
consumo com os ambientes físi- duas ciências, um diálogo que às tudo.
co-naturais da vida societária ou, vezes pode se tornar contraditó-
dito de maneira mais geral, da rio e que obriga a estabelecer
crise nas relações homem–natu- compromissos nos quais cada
reza. Tais crises não são separá- uma é chamada a fazer conces- I – O Ponto de Vista da Soci-
veis, porque o relacionamento do sões à outra. ologia
homem com a natureza é, ao
mesmo tempo, o relacionamento Para melhor compreender suas A Sociologia fundava sua con-
entre os homens; é o próprio afinidades e para melhor refletir vicção de que era possível estudar
modo de viver e de pensar dos ho- sobre os impasses que dificultam cientificamente a sociedade no
mens. Assim, ao se tornarem uma frutífera integração, é útil pressuposto de que esta só podia
mais agudas e mais imbricadas, resgatar o surgimento e a consoli- resultar das ações dos indivíduos,
parecem indicar como caminho dação destas duas ciências, já que ao mesmo tempo em que tais
capaz de nos conduzir a soluções Sociologia e Ecologia nasceram ações eram orientadas por estru-
eficazes, simplesmente uma mai- no mesmo período e adotaram turas, ou por valores, que se apre-
Gian Mario Giuliani

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sentavam mais estáveis e dura- xão recíproca entre os fatores in- Montesquieu encontrou razões
douros que os próprios atores. A ternos (as instituições e os valo- objetivas, um espírito das leis,
Sociologia buscava identificar as res) de uma determinada socie- também para o despotismo que
alterações que ocorriam na socie- dade e os fatores externos (as ele abominava. Este sistema re-
dade bem como definir a ordem condições climáticas e geográfi- sultava da combinação de uma
que regula as ações dos homens e cas) da vida social1. O autor par- série de fatores internos e exter-
dá forma a suas relações. Podia tia do pressuposto de que, sob a nos à sociedade, como a grande
ser a ordem dos positivistas, im- diversidade caprichosa dos even- extensão do reino, um clima mal-
posta pelas estruturas, ou a or- tos, a história tinha uma ordem são, o terreno árido, o caráter ser-
dem kantiana, reconstruída pelos que se manifestava em leis cons- vil do povo e a falta de tradições
instrumentos analíticos de quem tantes. No substrato da história capazes de limitar a vontade do
a estuda, ou até a finalista ordem estava a natureza humana, que senhor. No entanto, mesmo que
da história, porém sempre uma consistia na tendência à auto- considerasse as influências do cli-
ordem que permitisse estabelecer conservação, à paz, à reprodução ma sobre o temperamento, os
as leis de funcionamento da soci- e à sociabilidade. Considerava as costumes, a vida política e as leis
edade e as leis de sua mudança. leis como uma necessidade que dos povos, Montesquieu não a-
Podemos dizer que Karl Marx, derivava da natureza das coisas, creditava que os homens perma-
Emile Durkheim e Max Weber, pois, se todas as coisas tinham neciam passivos face a essas con-
hoje considerados os fundadores leis, os homens também tinham dições. Quanto mais o clima
da Sociologia, por vias diferentes as suas. As leis às quais os ho- afastava os homens do trabalho e
têm perseguido esse mesmo obje- mens obedeciam, porém, não ti- da moral, tanto mais a religião e
tivo. nham nada de necessário. Dife- as leis os empurravam para estes.
rentemente do “ser físico”, gover- Para o autor, a compreensão cien-
Dois aspectos importantes de- nado por leis imutáveis, o ho- tífica era a compreensão da hete-
vem ser ressaltados: (1) os três mem, como ser inteligente, viola- rogeneidade das sociedades, era a
autores formularam suas propos- va em continuação as leis de compreensão das diversas possi-
tas científicas a partir da (e para Deus e as que ele próprio estabe- bilidades de ordenamentos soci-
a) sociedade industrial e capita- lecia. Assim, as leis da convivên- ais que não nasciam nem da mera
lista; (2) os três, e seus seguido- cia humana não podiam ser en- vontade dos homens, nem de al-
res, buscavam explicar os fenô- tendidas como fatos naturais, guma natureza dada a priori.
menos sociais recorrendo exclusi- mas tinham que ser compreendi- Montesquieu é considerado o
vamente à sociedade, isto é, a par- das a partir das condições em que precursor da sociologia, seja por-
tir do pressuposto de que as cau- se realizava a convivência. O “es- que alertou acerca dos perigos de
sas dos fenômenos sociais devem pírito das leis”, entendido como se confiar cegamente em princí-
ser buscadas exclusivamente nas uma espécie de caráter de um pios universais, às custas da reali-
relações entre fenômenos sociais. povo, não se determinava segun- dade com suas especificidades,
do um ideal, mas segundo uma seja porque talvez tenha sido o
Nesse sentido, estavam defini- série de fatores dos quais havia primeiro a argumentar “cientifi-
tivamente superadas as proposi- que tomar nota sem preconceito e camente” que os povos primiti-
ções de Montesquieu, considera- era o resultado do equilíbrio en- vos também tinham sua ordem e
do o precursor da Sociologia, pois tre os fatores internos e os exter- que esta devia ser compreendida
foi o primeiro a procurar a cone- nos. Coerente em seus princípios, por ela mesma2.
PARTE I
ENTENDENDO A ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

SUSTENTABILI-
1
DADE NA TEO- MONTESQUIEU (1978).

RIA: ASPECTOS

2
CONCEITUAIS ABBAGNANO (1992).

Sociologia e Ecologia: Um Diálogo Reconstruído

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nômica Geral, como tais fatores
Os fundadores da sociologia não eram determinantes univer- tralismo despótico oriental era a
consideraram os aspectos físicos sais, mesmo que pudessem assu- disposição físico-geográfica de
do ambiente como elementos re- mir relevância causal em conjun- pequenas aldeias auto-suficien-
lacionados às características da turas específicas. tes que o Estado indiano gover-
sociedade, porém de sociedades nava com três ministros: das Fi-
anteriores à moderna, industrial e MARX também se referiu a nanças (saque interno), da Guer-
capitalista. DURKHEIM se refe- elementos geo-ecológicos, quan- ra (saque externo) e das Obras
riu a fatos sociais da ordem ana- do tratou das formações sociais Públicas (sobretudo de irriga-
tômica ou morfológica, tais como pré-capitalistas e relacionou, de ção). Quando os ingleses ocupa-
a distribuição da população no forma bastante similar a Montes- ram a região, regularam o pri-
território, o número e a natureza quieu, uma específica conforma- meiro e o segundo, mas ignora-
das vias de comunicação, a forma ção geográfica com o sistema so- ram o terceiro e inundaram o país
das habitações. Estes fatos sociais cial despótico das formações soci- de manufaturados. Esta política
deviam ser vistos como “modo de ais asiáticas4. Em uma carta escri- levou à ruína a agricultura india-
ser” das sociedades, porém não ta a Engels, em 1853, assim se ex- na e o sistema de aldeia que inte-
podiam ser relacionados às ma- pressava: grava a produção agrícola e a pro-
neiras de agir, sentir ou pensar, dução de tecidos. Marx, segundo
aos fatos sociais da ordem fisioló- Sofri, teria manifestado um pou-
gica, os quais representavam, es- “A ausência da propriedade privada co de pena dos indianos, mas não
tes sim, o objeto da sociologia3. é a chave para entender todo o Orien- muita, já que considerava que o
te... Mas por quais motivos os orien- sistema de aldeia fosse a verda-
Para WEBER, os determinan- tais não chegaram a ter uma proprie- deira base de sustentação do sis-
tes sociais eram tão numerosos e dade fundiária, nem mesmo feudal? tema despótico. Somente depois
complexos que se tornava impos- Acredito que as razões residam so- de 1860, quando estudou os etnó-
sível para o sociólogo não só pen- bretudo no clima, somado às más logos e a Rússia, Marx se conven-
sar em explicá-los na sua totali- condições do solo, especialmente das ceu de que a comunidade agríco-
dade, mas também supor que pu- grandes zonas desérticas que esten- la foi a forma primitiva da socie-
desse haver algum determinante dem-se desde o Sahara, passando dade6. O que resulta bastante cla-
universal. Os fenômenos sociais pela Ásia, Persia, India, até os mais ro é que também em Marx preva-
5
resultavam de uma combinação altos altiplanos da Ásia.” lece a convicção de que a nature-
de fatores, cuja ordem e impor- za condiciona o homem somente
tância não estava ligada a leis já Em um artigo para o New York até o capitalismo.
dadas. Pelo que se refere aos fato- Daily Tribune (1853), intitulado
res ambientais, o autor mostrou “O Domínio Britânico na Índia”, É verdade portanto que os
em sua História agrária romana, continuava usando os termos fundadores da Sociologia não ig-
em sua sociologia comparada das “acredito” e “me parece”. Para noraram os fenômenos ambien-
religiões e em sua História Eco- Marx, o que caracterizava o cen- tais e a questão dos recursos na-

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3
DURKHEIM (1978)
4
MARX, K., no final dos GRUNDRISSE: DER KRITIK DER POLITISCHEN OKONOMIE, na parte chamada As PARTE I
formações econômicas pré-capitalistas. ENTENDENDO A
SUSTENTABILI-
5
SOFFRI (1977), pag 27. DADE NA TEO-
6 RIA: ASPECTOS
SOFRI (1977) CONCEITUAIS
Gian Mario Giuliani

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turais7. Entretanto, para a Socio- bretudo a do egoísmo natural e O que, para MARX, é específi-
logia enquanto ciência nascida da conseqüente naturalidade das co do homem enquanto ser que é
da sociedade industrial, moder- lutas entre os homens. Para “parte da natureza”? Ele é, em
na, ou capitalista, e que faz desta MARX, se o homem é egoísta o é primeiro lugar, um “ser natural”:
sociedade seu objeto privilegiado de fato nesta sociedade, na socie- tem corpo, é limitado, tem força
de estudo, a relação do homem dade capitalista. (b) A segunda viva, é ativo, tem capacidade de
com a natureza permanece um visão, ligada à teologia e ao idea- interagir. Ser um ser natural sig-
pressuposto da explicação, porém lismo, é a espiritualista, na qual nifica: (a) que existe uma nature-
não tem mais valor analítico, se estabelece que a natureza hu- za fora dele mesmo; (b) que
muito menos valor explicativo mana se realiza na abstração es- qualquer ser natural é objeto
dos fenômenos. A este respeito, o piritual, isto é, no respeito a para outro ser natural; (c) e que,
pensamento de MARX demons- Deus, entidade à qual o homem portanto, é parte de um conjunto.
tra uma maior riqueza e, por isso, deve sua existência. Segundo essa Tais características próprias do
merece que nos detenhamos um visão, como o homem, de fato, “ser natural” não são exclusivas
pouco. não pode separar-se da natureza, do homem: toda espécie de seres
esta se torna o principal obstácu- naturais, sejam animais ou vege-
O autor se refere à relação do lo à própria realização do ho- tais, as possuem. Como o ho-
homem com a natureza em par- mem. A Natureza é aqui entendi- mem, além de “natural”, é tam-
tes fundamentais de sua constru- da como “animalidade” e, por- bém um “ser genérico”, o autor
ção teórica: (1) quando se refere, tanto, deve-se concluir que a li- atribui ao “ser natural” a deter-
em várias obras diferentes8, ao berdade humana se encontra na minação de “humano”. Assim, o
“trabalho” como sendo a prática dissociação do homem da natu- homem visto como “ser natural
que distingue o homem dos ou- reza; a dignidade humana se ex- humano” significa: (a1) que tem
tros seres vivos e que se funda- prime na capacidade do homem uma “natureza genérica” fora de
menta na atividade de troca entre de controlar a natureza; a nature- si mesmo; (b1) que é objeto para
o homem e a natureza. (2) Quan- za humana se realiza na espiritu- outro ser natural humano; (c1) e
do se refere, nos Manuscritos de alidade. MARX refuta ambas as que faz parte de um conjunto que
Paris9, à própria “natureza huma- visões, porque considera uma ilu- pode se fazer por si mesmo a cada
na”. Em sua teorização a respeito são se preocupar com o “homem momento dado. Faz parte de sua
da natureza humana, Marx des- em geral”, com a idéia abstrata do natureza humana a tendência à
carta, ao mesmo tempo, duas vi- homem; seus interesses são pelo associação consciente; e a socie-
sões: (a) a mais atual, iluminista, “homem real” que, para ele, não dade, a formação social, é a se-
segundo a qual o homem seria é nem bom nem mau, nem egoís- gunda natureza do homem. Nes-
naturalmente egoísta (na versão ta nem altruísta, nem espiritual se sentido, nada do que é propria-
inglesa de Hobbes ou da Econo- nem bestial. O homem é um ser mente humano (idéias, paixões,
mia Política), ou naturalmente que é “parte da natureza”, porém respostas aos instintos) é implan-
bom (na versão francesa inspira- é também um “ser genérico” e tado no homem pela natureza;
da em Rousseau). Para ele ambas por isso tem características que nada disso é universal ou natural;
são uma falácias ideológicas, so- correspondem a sua espécie. tudo é conquista do homem. As-

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7
PARTE I

Ver BUTTEL, 1986.


ENTENDENDO A

8
SUSTENTABILI- Mais especificamente em: M ANUSCRITOS: ECONOMIA Y FILOSOFIA, IDEOLOGIA ALEMÃ, O CAPITAL, C RITI-

DADE NA TEO- CA AO PROGRAMA DE GOTHA.


RIA: ASPECTOS

9
CONCEITUAIS MARX (1968).

Sociologia e Ecologia: Um Diálogo Reconstruído

29
sim, para MARX, a sociedade é a II – O Ponto de Vista da
unidade essencial do homem
com a natureza e, por isso, ele romper com a concepção da na-
Ecologia
fala em “naturalização do ho- tureza como exclusivo campo de Se este é o ponto de vista da
mem” e “humanização da natu- aproveitamento utilitário. Nas Sociologia, vejamos agora o pon-
reza”10. partes em que se refere à futura to de vista da Ecologia, entendida
sociedade comunista12, a socieda- como ciência que estuda a rela-
Sendo “a liberdade dos ho- de sem classe é também a socie- ção entre os seres vivos e seu am-
mens” o tema central marxiano, dade da reconciliação do homem biente, e que tem como seu obje-
o autor busca a dimensão onde com a natureza. to fundamental o ecossistema.
esse valor possa ser encontrado e
procura compreender quais seri- A Sociologia nasceu, portanto, A Ecologia também nasceu na
am os obstáculos postos ao seu com a marca de um pensamento segunda metade do Século XIX.
alcance; conclui que a liberdade que tornou independente a socie- Com relação à maioria das outras
se encontra na sociedade e os ho- dade da natureza, ou até, no qual ciências naturais, a ecologia nas-
mens são conduzidos a ela pelas a natureza era simplesmente um ceu bastante tarde, e este atraso
suas necessidades (condições) e derivado da sociedade. É impor- deve-se substancialmente a duas
pelas suas capacidades (ações, tante ressaltar que esta concepção razões: no plano do pensamento,
praxis), ambas em contínua mu- foi uma conquista da modernida- havia a necessidade de que ocor-
dança, em evolução, ambas histó- de, já que a grande revolução no resse uma verdadeira revolução
ricas e não naturais. E o que se pensamento, da qual a Sociologia nos paradigmas das Ciências Na-
interpõe como obstáculo à liber- foi partícipe, consistiu justamen- turais e, em particular, das ciênci-
dade dos homens? Os próprios te em ter eliminado qualquer in- as da vida; no plano histórico-so-
homens, e, por isso, as lutas entre fluência de forças externas à soci- cial, havia a necessidade de que
eles também são históricas e não edade (tanto a “vontade divina”, se desse o desenvolvimento da so-
naturais. Se tudo em MARX vol- como as leis da natureza), capa- ciedade industrial, com os entusi-
ta para a sociedade, se para ele a zes de determinar a ordem e as asmos e euforia de domínio sobre
natureza que vale é a humaniza- leis de funcionamento da própria a natureza, e também com os
da e se a natureza é vista como sociedade. Com a Sociologia, os problemas já evidentemente cau-
um “limite” à expansão das po- homens se tornavam finalmente sados pela expansão das indústri-
tencialidades do homem, mais de responsáveis por seus atos e eram as. Vejamos primeiro a questão
que o reino da realização de sua livres de construir sua Sociedade, dos paradigmas da ciências.
própria natureza 11, por outro conservando, ao mesmo tempo, o
lado, é presente em MARX um antigo sentimento de serem os As grandes filosofias sempre
projeto de sociedade capaz de dominadores da natureza. tiveram princípios de interpreta-

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10

idem.

11
Esta perspectiva está bastante clara em O CAPITAL, Vol. I, Cap. XIII. Ao tratar do “segredo” da

Revolução Industrial, o autor mostra como a invenção da máquina-ferramenta permite superar


todos as limitações físico-biológicas dos trabalhadores e abrir para a sociedade uma perspectiva de

desenvolvimento das forças produtivas praticamente ilimitada. Portanto o conceito de limite em


MARX é algo cuja superação representa uma conquista, um progresso, a possibilidade da liberda- PARTE I

de, e não uma barreira que, ao ser transposta, coloca a possibilidade da catástrofe geral. Esta segun- ENTENDENDO A

da concepção de limite é mais implicitamente presente na idéia de Engels (1976) acerca da possibi- SUSTENTABILI-

lidade da natureza “se vingar” das agressões sofridas pelos homens. DADE NA TEO-

RIA: ASPECTOS
○ ○

12
Na IDEOLOGIA ALEMÃ, na CRÍTICA AO PROGRAMA DE GOTHA, em MANUSCRITOS: ECONOMIA Y FILOSOFIA. CONCEITUAIS
Gian Mario Giuliani

30
ção da natureza e, desde os Gre- beleza, e esta era a maneira de in- loucos, os mendigos e os escra-
gos e os Romanos, são escritas as dicar a separação entre cultura e vos14.
histórias dos animais e das plan- natureza13.
tas. Porém, tais histórias perma- Entre os fatores que têm con-
neceram até o Século XVII como A comparação dos homens tribuído para subverter estas vi-
visões objetivadas da natureza, com os animais, feita em busca sões da natureza, grande influên-
fundadas em cosmologias religi- do que constitui a natureza do cia teve a descoberta e o crescente
osas. Ainda no período da Idade homem, não tinha como objeti- conhecimento e interesse dirigi-
Média, conhecer a natureza sig- vo principal definir as diferenças dos ao Novo Mundo, até que o
nificava, no fundo, conhecer entre os dois, mas visava, sobre- Século das Luzes explicitou de
Deus, que a havia criado. Nos sé- tudo, propor um ideal de com- forma clara a ambivalência do in-
culos XVI e XVII, os homens portamento para os homens, im- teresse científico combinado com
pensavam estar sempre em luta por uma moral. Pouco importa- a utilização prática do conheci-
com a natureza. As montanhas, va se o homem diferia do animal mento. As primeiras obras de
as florestas, a natureza selvagem, por ter consciência e instinto re- História Natural apareceram na
provocavam imagens pavorosas; ligioso, ou por ser racional e sa- segunda metade do Século
seus habitantes eram vistos como ber aprender, enquanto os ani- XVIII, e, entre as mais importan-
perigosos e bárbaros. Faziam-se mais eram só máquinas ou autô- tes, estão as obras de Carl von
leis para combater os pássaros matos. O mais importante é que Linné (Linneo), publicadas na
predadores, os lobos e todos os a linha que separava os dois era Holanda e, as de Buffon, na
animais que competiam com os vista como eterna e imutável, e França. Antes delas, só havia his-
homens pelos recursos da terra. que tudo que era reprovável era tória de elementos singulares da
Até o Século XVIII, o campo era considerado animalesco: a fero- natureza. Nas obras de Linneo e
sinônimo de rudeza e rusticida- cidade, a gula, a sexualidade, a de Buffon, os seres vivos são per-
de, enquanto a cidade era o lugar falta de higiene. As característi- cebidos em suas especificidades e
das boas maneiras e da civiliza- cas que distinguiam os homens em suas relações recíprocas, mes-
ção, embora fosse também o lu- dos animais serviam mais para mo que ainda estejam organiza-
gar da libertinagem e da corrup- distinguir os homens dos semi- dos em uma hierarquia imutável
ção. Terras não cultivadas signifi- homens ou dos semi-animais, que, para os autores, era a carac-
cavam desperdíçio e presença de que rapidamente se tornavam terística fundamental do grande
homens incultos; as ervas não identificáveis: em primeiro lugar sistema da natureza. Minerais,
cultivadas eram daninhas, as flo- os povos primitivos, mais próxi- plantas, animais e homens existi-
res silvestres contaminavam os mos dos animais por não terem am e viviam em equilíbrio, como
jardins. Ao contrário, uma paisa- tecnologia, linguagem compre- queria o Criador; equilíbrio que
gem habitada, cultivada, domes- ensível e religião cristã; em se- era imutável e se mantinha auto-
ticada, era bonita. Os cultivos ti- guida vinham as crianças e os jo- regulado graças ao princípio da
nham que ter formas regulares e vens que tinham que ser aman- proporção entre os herbívoros, os
geométricas, seja para aproveitar sados como os cavalos; e depois carnívoros, os pássaros, os peixes,
o espaço, seja para mostrar o con- as mulheres, dominadas pelas os insetos, as plantas, etc.. O ho-
trole do homem sobre a natureza. paixões e os instintos; finalmen- mem era posto como dono da na-
Na ordem estava a essência da te, os analfabetos, os pobres, os tureza, mesmo sem ter a certeza
PARTE I
ENTENDENDO A ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

SUSTENTABILI-
13
DADE NA TEO- Ver THOMAS (1988).

RIA: ASPECTOS

14
CONCEITUAIS idem.

Sociologia e Ecologia: Um Diálogo Reconstruído

31
de poder dominar a sua própria montanhas passaram a funcionar logia, botânica e zoologia) do ou-
natureza animal; a civilização como lugares de regeneração es- tro; 3) no plano filosófico-episte-
permitia o domínio do homem piritual dos habitantes da cidade, mólogico, mudou radicalmente a
sobre a natureza e sobre si mes- como verdadeiras catedrais do concepção do tempo. Para a mu-
mo, sendo isso a humanização da mundo moderno. THOMAS dança na concepção do tempo e a
natureza15. (1988) mostra como, à medida aproximação das ciências físico-
que diminuía a ameaça de ani- químicas com as ciências da vida,
No Século XIX, ainda predo- mais silvestres, tornava-se sem- a contribuição de DARWIN foi
minava a idéia de que o homem pre mais questionado o direito do determinante16. Vejamos rapida-
não podia renunciar a exercer seu homem de eliminá-los. Em 1830, mente esses aspectos porque são
domínio sobre o mundo natural, houve exposições de animais que, importantes.
porém esse objetivo já começava naturalmente em luta, eram mos-
a ser contestado. Não somente os trados convivendo “reconcilia- A questão da evolução das es-
estudos mais cuidadosos da his- dos” na mesma jaula. Era o mito pécies ocupava um lugar central
tória natural minavam seriamen- do Éden, possibilitado pela ação já desde o início do século. Tam-
te o antropocentrismo, mas a pró- do homem civilizador. Chegou- bém já antes de Darwin, reco-
pria cultura mudava seus valores se a questionar até a natureza car- nhecia-se a luta pela existência e
com relação à natureza e aos am- nívora do homem e seu direito de o controle natural como sendo os
bientes mais próximos dela. O matar animais para comer, ques- mecanismos do funcionamento
campo começava a ser visto como tionando-se, no fundo, a autori- do grande sistema da natureza,
mais bonito que a cidade, a qual dade humana sobre a natureza. É porém de uma maneira muito di-
estava aparecendo insalubre e po- interessante ressaltar que essas ferente da perspectiva baseada
luída pelas indústrias e pelos sis- duas dimensões, a capacidade do nas teorias do autor. Um dos ele-
temas de aquecimento das resi- homem de dominar a natureza e mentos fundamentais dessa dife-
dências. Os habitantes do campo as restrições éticas postas a tal rença está justamente na concep-
eram considerados mais saudá- comportamento, estiveram pre- ção do tempo. Antes de Darwin,
veis e também moralmente mais sentes já a partir do Século XVIII predominava uma “concepção
apreciáveis. A vida no campo e ainda hoje permanecem no cer- dual” do tempo: de um lado ha-
aparecia idílica, porque estava ne da questão ecológica. via o tempo “histórico”, que sem-
em contato com a natureza e pre corria para frente e no qual o
afastada das tensões sociais. Já Foi no século XIX que se pro- homem evoluía e progredia inin-
surgia clara a questão de como duziu uma ruptura fundamental, terruptamente; nesse tempo a
conseguir combinar as vantagens ligada a diversos fatores: 1) no luta pela existência era o meca-
sociais e econômicas da cidade plano social, deu-se uma revolu- nismo que levava ao progresso
com o ambiente físico mais hu- ção no espaço geo-político pelo contínuo. De outro, havia o tem-
mano e agradável do campo. desenvolvimento das vias de co- po “da terra”, que era cíclico e re-
Muitos já pensavam que a natu- municação, do comércio e pela petitivo; nesse tempo todas as
reza devia ser domesticada, po- expansão colonial; 2) no plano coisas passavam e voltavam a si
rém não dominada, nem muito científico, intensificaram-se as mesmas; nesse tempo, a luta pela
menos suprimida. No final do sé- relações entre física e química, de vida era o mecanismo de um
culo, a natureza selvagem e as um lado, e ciências da vida (bio- equilíbrio dinâmico e o instru-
PARTE I
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ENTENDENDO A

SUSTENTABILI-
15
DELEAGE (1991). DADE NA TEO-

RIA: ASPECTOS

16
Idem. CONCEITUAIS

Gian Mario Giuliani

32
o homem se tornava igual aos ou-
tros seres naturais, filho do acaso,
mento do controle e do governo e sua evolução não estava mais li-
da natureza, da sua auto-regula- gada a nenhum plano racional17. Mesmo que entre os seguido-
ção. O tempo histórico opunha- res da teoria darwiniana a maio-
se ao tempo cíclico da terra, por- No nível da cultura, antes de ria tenha-se concentrado quase
que a natureza permanecia o que Darwin, havia-se estabelecido exclusivamente sobre as dimen-
era, enquanto o homem progre- uma forte ligação entre a filosofia sões da luta entre as partes, houve
dia continuamente. Nessa visão evolucionista setecentista (a do alguns que não esqueceram os
dualista do tempo, a natureza e tempo dual e a da auto-regula- aspectos da associação e da coo-
homem acabavam se distancian- ção) e a Antropologia, que na- peração entre os elementos da
do sempre mais. DARWIN (e os quela época pretendia afirmar-se natureza. Nesse caso, deve-se ci-
cientistas depois dele) rompeu como ciência. Em suas analogias tar o biólogo alemão, republicano
com esta concepção e estabeleceu biológicas, a Antropologia reafir- e ateu convicto, Ernst Heackel,
a unicidade do tempo, tornando- mava a hierarquia nas diversas ci- que em sua obra Morfologia geral
o um fluxo contínuo que estava vilizações e culturas, além de dos organismos, publicada em
sempre correndo para frente. uma escala evolutiva (dos ani- 1866, criou ao mesmo tempo o
Tudo estava submetido à histori- mais, aos meio-homens primiti- termo “ecologia” e a própria dis-
cidade, e o mundo era um emer- vos, aos homens civilizados) cujo ciplina. Heackel, que foi titular
gir contínuo de novidades, não só topo estava reservado ao homem da cátedra de Zoologia na Uni-
para os homens, mas também ocidental. Com Darwin, não há versidade de Jena entre 1862 e
para a natureza. Com Darwin, a mais nenhuma escala evolutiva, 1908 e um apaixonado divulga-
natureza passava a ter uma ver- mas somente “caminhos evoluti- dor das teorias de DARWIN, pro-
dadeira história e, talvez, este te- vos” independentes, e isso passou pôs a definição de Ecologia,
nha sido um dos elementos mais a valer também para as socieda- como sendo a ciência que estuda
criativos da teoria do autor. Dessa des. Cada civilização passava a os seres vivos em seu meio ambi-
concepção foi possível deduzir ter sua história e todas estas não ente, em uma época na qual a fé
que não havia um governo natu- nasciam necessariamente da no progresso havia ganhado uma
ral pré-ordenado e que, nas lutas mesma fonte, nem acabavam fa- força extraordinária. Já há bas-
na natureza, os seres vivos apare- talmente no mesmo mar. Assim, tante tempo prevalecia a convic-
ciam e desapareciam, expandi- o principal legado deixado por ção de que o caráter especulativo
am-se e se contraíam às custas DARWIN é o de que a vida não da ciência não era separável de
uns dos outros. Assim, o tempo tem nenhuma direção predeter- seu interesse prático, ou até utili-
não era mais a dimensão da auto- minada, mas é infinitamente cri- tário, e os conhecimentos cientí-
regulação, mas aparecia como ativa; a vida sempre insere algu- ficos apareciam como os instru-
um grande rio que arrastava con- ma indeterminação na matéria, e mentos mais apropriados para re-
sigo tudo que estava nele. Ao cair o homem é o maior reservatório gular positivamente as contradi-
a concepção da teoria da evolução de indeterminação18. Estes prin- ções consideradas passageiras.
como uma “teoria do progresso”, cípios guiaram, e guiam ainda Também Karl Möbius comparti-
desaparecia também o caráter hoje, as modernas reflexões sobre lhava dessas convicções: criador
predeterminado da vida humana: a natureza. do conceito muito importante de
PARTE I
ENTENDENDO A ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

SUSTENTABILI-
17
DADE NA TEO- EISELEY (1961).

RIA: ASPECTOS

18
CONCEITUAIS Idem

Sociologia e Ecologia: Um Diálogo Reconstruído

33
“biocenose” , em sua obra As os-
19
uma mera casualidade o fato de de que a Revolução Industrial fez
tras e sua economia (1877), insiste que as condições de conservação do homem o predador mais efici-
na proposta de elaboração de um e reprodução de tais fatores sejam ente de todos os predadores, tam-
programa governamental de pes- hoje apontadas como as mais bém deve-se entender que, do
quisa sobre a pesca, com o objeti- preocupantes da crise ecológica ponto de vista da ecologia, ne-
vo, então bastante ambicioso, de no nível global: a exaustão das nhuma civilização foi inocente,
manter inalterada e constante a águas subterrâneas e enxuga- nem mesmo aquelas que tinham
produtividade do oceano20. mento dos grandes lagos, a deser- na natureza a fonte principal de
tificação e salinização dos terre- sua cosmologia religiosa. O ho-
Entretanto, foram os botâni- nos, o efeito estufa, o buraco na mem, como outros animais, sem-
cos que começaram a se referir à camada do ozônio. pre se comportou como predador,
ecologia, e foi o Novo Mundo e, entre os ecossistemas que so-
americano que, no final do século Também na origem da ecolo- freram as maiores agressões por
XIX, se tornou o lugar mais pro- gia estava a vontade de descobrir parte da civilizações pré-industri-
pício ao desenvolvimento de uma a “razão” da natureza e de afir- ais, estão sem dúvida as flores-
Ecologia Dinâmica baseada no mar uma ordem lógica do mun- tas24.
estudo das “sucessões vegetais”21. do, as leis que o ordenam. Esta
Com efeito, o habitat primitivo ciência nasceu do projeto de in- Há, porém, a este respeito,
podia servir como um grande la- ventariar o mundo natural e a uma profunda diferença qualita-
boratório de tamanho natural distribuição dos diferentes habi- tiva que deve ser registrada: as
para o estudo do desenvolvimen- tats do globo, nos quais, deve-se antigas civilizações extinguiam-
to a longo prazo das vegetações. sublinhar, o homem sempre esta- se, ou transformavam-se, sem
Os conceitos de “comunidade”, va incluído. Por isso, a Ecologia que a espécie fosse ameaçada, en-
“sucessão”, “comunidade clí- tornou-se uma ciência com iden- quanto a nossa geração é a pri-
max”, são essencialmente botâni- tidade própria e consciência de meira que vive sob a ameaça da
cos 22. A visão ecológica desses ci- conseguir responder às deman- catástrofe nuclear e da catástrofe
entistas ensinava como as plantas das dos homens, já no fim do sé- ecológica global. Face a esses pe-
e as comunidades vegetais regu- culo passado, quando se manifes- rigos, os apelos à Ecologia se tor-
lavam suas formas e seus com- tavam muitas inquietações sobre nam sempre mais difusos e insis-
portamentos na base dos fatores: os efeitos perversos e destruido- tentes, tanto pelos diversos seto-
água, luz, temperatura, solo. res da industrialização23. É im- res sociais como pelas diversas
Nesse sentido, talvez, não seja portante observar que se é verda- disciplinas científicas. O que es-

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

19
De bios, vida e koinoein, ter algo em comum; indica uma comunidade de seres vivos em seu meio
ambiente.
20
DELEAGE, J.P., op. cit.
21
Por “sucessão” os ecólogos entendem o processo de substituição de uma comunidade por outra,
em conseqüência da modificação do ambiente e do desequilíbrio que pode ocorrer, uma vez atingi-
do o nível de saturação, isto é, quando a comunidade atinge o estado em que se esgotam os recursos
para sua sobrevivência. Ver: FORATTINI (1992).
22
Por “comunidade” os ecólogos entendem um conjunto de populações que, adquirindo certa uni-
dade e características, vivem em uma determinada área ou localidade. Por “comunidade clímax” PARTE I
entendem uma comunidade no seu ponto máximo de equilíbrio e estabilidade. FORATTINI ENTENDENDO A
(1992). SUSTENTABILI-
23 DADE NA TEO-
A primeira sociedade de ecologia foi a British Ecological Society, fundada em 1913 em Londres RIA: ASPECTOS
por cerca de cinqüenta naturalistas, na sua maioria britânicos. DELEAGE, op. cit. CONCEITUAIS
Gian Mario Giuliani

34
taria justificando o fato de a Eco- modernos, os ecólogos têm podi- disciplinares: a primeira, e mais
logia se tornar uma espécie de do demonstrar a produção de fe- geral, é a necessidade de enfren-
centro das atenções e das espe- nômenos desequilibradores mui- tar, de forma similar à Sociologia,
ranças é seu caráter de disciplina, to importantes, tais como: as rup- a questão da relação de seus co-
que sempre se manteve aberta, turas de processos bioquímicos e nhecimentos com os valores mo-
tanto às ciências naturais, quanto ecológicos antigos, causadas pela rais e as culturas; a segunda se re-
às sociedades humanas, e nunca, agricultura e pela indústria; as fere às tensões entre a globaliza-
em sua história, pôde ser reduzi- grandes perturbações climáticas; ção e a especialização, ou regio-
da a um simples ramo da botâni- os desequilíbrios produzidos nalização do conhecimento.
ca ou da biologia. É bastante cu- pelo ritmo do incremento demo-
rioso observar que no começo de gráfico. Sobretudo puderam de- Pelo que se refere a sua relação
nosso século, por exemplo, a monstrar que as crises causadas com os valores, já observamos
Ecologia pôde se apresentar por esses fenômenos são “crises como a dominação dos homens
como uma “sociologia das plan- ecológicas cumulativas” e expo- sobre as plantas e os animais,
tas” ou como uma “economia da nencialmente progressivas. desde sempre, tem-se estendido à
natureza”25. Não só está aberta às dominação sobre os próprios ho-
sociedades humanas, mas tem mens: dos civilizados sobre os
fortes “afinidades” com a Socio- primitivos, dos homens sobre as
logia. Assim como a Sociologia III – A Ecologia e a Questão mulheres, dos donos sobre os não
faz com as sociedades, a Ecologia dos Valores donos. Desde sempre também, os
estuda os elementos que perma- homens se relacionam com a na-
necem e os que mudam na natu- A Ecologia, na sua abertura tureza e, em particular, com seus
reza; estuda as formas associati- para as ciências humanas, nos dá ecossistemas, na base de suas cul-
vas e as condições de existência e a consciência dos perigos da des- turas e de suas crenças religiosas.
reprodução das espécies, os ecos- truição e, ao mesmo tempo, a es- Mesmo na nossa era da ciência,
sistemas; e também, como a Soci- perança de que as soluções para ainda é possível remeter certas te-
ologia, parte do princípio de que enfrentá-los e resolvê-los são orias ditas da “ecologia global” a
todas as formas de vida modifi- possíveis. Por outro lado, como a mitos de cosmologias religiosas
cam seu próprio ambiente. Utili- maioria das outras ciências, ela antigas26. Na história da ecologia,
zando-se da visão sistêmica e dos está exposta a duas condições que portanto, não é fácil separar a ci-
instrumentos científicos mais produzem tensões inter e intra- ência da ideologia. Mesmo em

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

24

Hoje ganha terreno a ECOHISTÓRIA, isto é, a história que estuda as correlações entre os condi-

cionantes ecológicos e os destinos das civilizações e também busca identificar as principais pertur-

bações que enfraquecem a estabilidade dos ecossistemas. É a única capaz de articular temporalida-

de social e temporalidade ecológica. Nessa perspectiva, pode-se chegar a hipóteses bastante surpre-

endentes, como, por exemplo, a que sustenta que a mais importante revolução energética, a substi-

tuição dos combustíveis vegetais pelos fósseis, teria acontecido na Inglaterra, porque as florestas
acabaram naquele país antes que em outro lugar. DELEAGE, op. cit.

25
idem.

26
Sem a necessidade de nos referirmos às várias filosofias naturalistas de origem oriental, citamos a

bastante discutida hipótese de Gaia, formulada já no início dos anos de 1970 por James Lovelock.

PARTE I Gaia é um conceito mais extenso que o de “biosfera” e liga-se a um dos mitos mais antigos da

ENTENDENDO A humanidade, o da mãe-terra. Nessa hipótese a evolução da vida se deve à combinação de fenôme-
○ ○ ○ ○ ○

SUSTENTABILI- nos físico-químicos com a atividade dos seres vivos. Tal combinação faz da terra um sistema que
DADE NA TEO- tem a faculdade de manter a superfície terrestre como um espaço favorável à vida. Assim, a Terra é
RIA: ASPECTOS vista como um organismo vivo em homeostase, no qual a vida contribui para a manutenção das
CONCEITUAIS condições necessárias à vida. (LOVELOCK, 1991)
Sociologia e Ecologia: Um Diálogo Reconstruído

35
suas representações científicas Assim, se de fato podemos
mais elaboradas, os ecólogos aca- da especialização que a leva a considerar a Ecologia como a ci-
bam influenciados, em suas des- aprofundar os conhecimentos es- ência mais humana das ciências
crições da natureza, por analogi- pecíficos e regionais da realidade. naturais, não podemos esquecer
as com a organização de sua pró- Nesse sentido, talvez, a Ecologia que para ela o homem permane-
pria sociedade. Assim, tais cien- esteja vivendo o seguinte impas- ce o fator mais traumático da bio-
tistas poderiam reproduzir a ten- se: quanto mais gerais (globais) sfera. É nesse aspecto que as rela-
dência, sempre presente em todas são suas teorias, tanto mais estas ções dessa ciência com a Sociolo-
as sociedades, de se servir de uma aparecem como sendo influenci- gia se tornam problemáticas. É
concepção “natural-sociológica”, adas pelas cosmologias religio- possível ter uma idéia mais clara
na qual uma determinada ordem sas; quanto mais suas teorias per- da influência dos valores, da cul-
natural legitima a ordem social, manecem específicas, maior será tura e da política sobre essas rela-
ou vice-versa, de uma concepção sua necessidade de diálogo (no ções, projetando dois cenários es-
“sócio-naturalista”, na qual uma sentido de confronto e de defesa tilizados e extremos.
determinada ordem social inspira dos respectivos objetos) com ou-
o modelo de ordem na natureza. tras ciências, para enfrentar os (1) Quando prevalece a pers-
As lutas sociais, políticas e cientí- problemas teóricos e práticos glo- pectiva “humanista”, a Ecologia
ficas travadas pelas forças do ca- bais da sociedade atual. Mas, será pode se tornar uma simples (no
pitalismo moderno contra as for- que é possível para a Ecologia eli- sentido de simplificada e pobre)
ças da sociedade feudal talvez re- minar o julgamento de valor so- “gerência ecológica da natureza”.
presentem, na história social, os bre o objeto estudado e, portanto, Baseada na doutrina utilitarista,
acontecimentos mais claros e ex- a subjetividade do observador? tal perspectiva indica quais os
plícitos deste perverso processo Parece muito difícil. Os processos elementos da natureza que de-
de humanização da natureza. da biosfera e os da sociedade se vem ser preservados por terem
entrelaçam e se contradizem, e o uma utilidade e um valor, seja
Quanto à segunda condição, mundo da natureza nunca esteve este um valor estético-recreativo,
reconhecemos que a Ecologia separado do mundo da política. A um valor pela raridade, um valor
tem no holismo dialético seu pa- Ecologia convive com as idiossin- para a pesquisa científica, ou até
radigma fundamental e se utiliza crasias contraditórias decorrentes valores potenciais ainda não de-
da abordagem sistêmica, porque do fato de ser não somente ciên- senvolvidos28. Esta visão apresen-
é orientada a produzir uma visão cia “da natureza na natureza”, ta sérios problemas. Em primeiro
global dos fenômenos que estu- mas também, e ao mesmo tempo, lugar, ao estabelecer valores para
da, visão que é indispensável à ciência “do homem na natureza”, características naturais na socie-
compreensão do conjunto e que, ciência “do homem contra a na- dade capitalista, onde todo valor
no fundo, constitui a sua própria tureza”, ciência “do homem para acaba monetarizado e disputado,
prerrogativa. Entretanto, ela tam- a natureza” e ciência “da nature- poder-se-iam produzir efeitos
bém não pode evitar o caminho za para o homem”27. perversos que aceleram a destrui-

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

27
Interessante observar que seria possível estabelecer uma perfeita correspondência com a sociolo-

gia se nessas proposições, em lugar da natureza e do homem, colocássemos a sociedade e o indiví-


duo.

28 PARTE I
Ver HERENFILD (1992) O autor aponta outros valores que a perspectiva humanista poderia ENTENDENDO A

encontrar para justificar a conservação dos elementos da natureza: valor para a estabilização do SUSTENTABILI-

ecossistema, valor como exemplo de sobrevivência, valor para a monitoração do equilíbrio ambien- DADE NA TEO-

tal, valor para a pesquisa científica, valor para a reconstrução do habitat e um valor puramente RIA: ASPECTOS

conservador, daquilo que evita mudanças irreversíveis. CONCEITUAIS



Gian Mario Giuliani

36
ção daquilo que se quer conser- “naturalista” da Ecologia, o ho- nomia e das Ciências Políticas,
var. Em segundo lugar, pensar na mem passaria a ser tão-somente por outro lado, uma perspectiva
possibilidade de regular o uso uma das partes que compõem e rigidamente naturalista da Eco-
econômico da natureza sem mu- participam do mundo natural, e lógica poderia levar com facilida-
dar as relações produtivas e polí- todas suas atividades seriam ava- de a uma organização autoritária
ticas entre os homens, pode acar- liadas a partir dos efeitos e das in- da sociedade32.
retar o sério risco de que nada fluências sobre a estabilidade dos
acabe sendo mudado de fato. ecossistemas. Nesse caso, uma
Sem mudar tais relações entre os racionalidade ecológica tentando
países, as próprias soluções apa- determinar as decisões políticas e IV – O Diálogo entre Ecolo-
rentemente técnicas se tornam o cálculo econômico, pode se tor- gia e Sociologia
campos de disputa muitas vezes nar o “alibi científico”31 de novos
inconciliáveis 29. Finalmente, a centros mundiais de poder, sub- Entre as décadas de 1960 e 70,
ecologia, entendida como sim- traídos a qualquer controle de- emergiu a “ciência do ambiente”,
ples gerência ecológica da natu- mocrático, assim como pode le- uma disciplina científica que
reza, acaba reduzindo seu campo var a propostas de controle dos buscava uma síntese interdisci-
de conhecimento extremamente problemas ambientais fortemen- plinar de todas as ciências que de
rico, proveitoso e necessário, a te discriminadoras e injustas. Por alguma maneira poderiam con-
uma esterilizante busca de uma exemplo, já foi alertado sobre os tribuir para a compreensão e a so-
espécie de mágica: aumentar a efeitos que poderia causar uma lução dos problemas ambientais.
eficiência do trabalho preservan- política que pretenda proteger a Entretanto, a síntese entre as ci-
do os recursos naturais. Tal pers- biodiversidade através da insti- ências naturais e as ciências soci-
pectiva é decididamente frustran- tuição de “reser vas naturais”, ais demostrou-se muito mais di-
te, porque a natureza observada como ambientes mantidos no es- fícil de se realizar do que se pen-
simplesmente sob a ótica de sua tado selvagem, porque justifica- sava. Os textos mais importantes
capacidade produtiva empobrece, ria a entrega das outras regiões à da moderna cultura ecológico-
entristece e achata o ambiente destruição total. ambiental estão hoje muito dis-
humano, tornando-o mais pare- tantes da tradição sociológica33.
cido a uma fábrica do que a um Assim, se, por um lado, uma Trata-se em grande parte de tex-
lugar para viver 30. perspectiva predominantemente tos de biólogos, demógrafos, geó-
humanista tornaria a Ecologia logos, geógrafos, filósofos, jorna-
(2) No segundo cenário, uma mera especialização técnica listas, e de alguns economistas
quando prevalece a perspectiva a serviço da Sociologia, da Eco- “heréticos”, como Nicolas Geor-

29
Por exemplo, as propostas dos Norte Americanos para reduzir o efeito estufa global vão no sentido
de que todos os países deveriam reduzir uma dada percentagem de sua emissão total de carbono;
em quanto as propostas dos Indianos, como interpretando os países não desenvolvidos, vão no sen-
tido de que cada habitante do planeta seja responsável por uma quota média por ano de emissão de
carbono; os países que a ultrapassarem, pagariam os danos provocados. DELEAGE, op. cit. É evi-
dente como as duas propostas expressam sobretudo interesses diferentes ligados às diversas condi-
ções de inserção nos mercados produtivo e de consumo. Também explicitam o fato de que impor-
tantes questões políticas e éticas estão envolvidas na problemática ecológica.
30
HERENFILD, op. cit.
PARTE I 31
ENTENDENDO A DELEAGE, op. cit.
SUSTENTABILI- 32
DADE NA TEO- Ver: DELEAGE, op. cit. ; CERI, (1989) e também em GOLDEMBERG, (1992) : HERCULA-
RIA: ASPECTOS NO, S.C., Do desenvolvimento (in)suportável à sociedade feliz; VIOLA, E., O movimento ambienta-
CONCEITUAIS lista no Brasil (1971-1991).
Sociologia e Ecologia: Um Diálogo Reconstruído

37
gescu–Roegen e Herman Daly, processos energéticos: o dos vege- uso dos bosques, dos parques re-
exponentes da chamada “econo- tais que acumulam energia solar creativos, dos desertos e também
mia ecológica”, uma disciplina e dos animais que a consomem. acerca da distinção entre uso des-
contestada pelos economistas de Se prevalecer o primeiro, teremos trutivo e não destrutivo dos re-
qualquer corrente mais canôni- uma reserva de energia; prevale- cursos naturais, dando forma a
ca34. A respeito desta última, é cendo o segundo, teremos penú- uma “sociologia ambiental” 36. A
preciso observar que não é uma ria. Podolinskij estava convenci- evolução do interesse nos proble-
disciplina tão nova quanto pare- do de que o trabalho útil do ho- mas do meio ambiente levou à
ce. Em sua obra, Deleage nos fala mem e dos animais poderia des- identificação dos dois já muito
do socialista e populista ucrania- locar esse equilíbrio a favor dos conhecidos paradigmas formula-
no Sergej Podolinskij, que, em consumidores, aumentando a dos por W.R. Catton e R.E. Dun-
1882, escrevia a Marx e a Engels a energia solar fixada nas plantas e lap: o da “excepcionalidade hu-
respeito de um curto artigo que atrasando sua dispersão. Deleage mana” e o “paradigma ecológi-
ele próprio tinha publicado em reproduz uma frase fulminante co”37, cuja adesão por parte dos
LA REVUE SOCIALISTE, com o título da resposta de Engels, a qual dis- sociólogos, mesmo parecendo al-
O Socialismo e a unidade das forças pensa qualquer comentário: ternativa e sem possibilidade de
físicas. Nesse artigo, Podolinskij conciliação, indicava o surgimen-
preocupava-se com o equilíbrio to de uma sociologia do meio
entre a acumulação e a dispersão “Podolinskij acabou saindo do ca- ambiente.
de energia solar face ao cresci- minho, porque quis encontrar uma
mento populacional e considera- confirmação científica da justeza do Para Strassoldo, esta sociolo-
va necessário melhorar a agricul- socialismo e tem misturado, assim, a gia, como todas as ciências jo-
35
tura e a produtividade biológica física com a economia”. vens, caracteriza-se pela grandio-
da natureza. O autor elaborou o sidade de suas aspirações e pro-
primeiro balanço energético da Com a ciência do ambiente, gramas e pelas suas pesquisas
história, partindo da idéia de que surgiram estudos de problemas empíricas bastante triviais, já que
no mundo se contrapõem dois ambientais ligados à definição e reivindica uma mudança de para-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

33
Não estamos aqui considerando a chamada Escola Ecológica de Chicago, fundada por Robert E.
Park e Ernest W. Burgues nos anos de 1920, cujas grandes monografias urbanas são verdadeiros
estudos sócio-antropológicos que recorrem ao termo “ecológico” porque consideram a cidade, ou
seus bairros, como “ambientes” dos grupos sociais estudados.
34
Ver DALY, (1989).
35
DELEAGE, op. cit. pag. 67. Para um aprofundamento do trabalho de Podolinskji ver também os
capítulos II e III de ALIER, e SCHLUPMANN,(1991).
36
Entre os cientistas sociais “convertidos” à ecologia, são lembrados, nos EUA, os politólogos
L.Caldwell e S. Klausner e o sociólogo L. Milbrath. Ver: STRASSOLDO, R., : Sistemi sociali e
ambiente: le analisi sociologiche in sociologia, em MARTINELLI (1992). Na Europa, o caso mais
famoso é Edgar Morin, que, desde 1969, dedicou-se a um ambicioso programa de reconstrução das
ciências do homem nos fundamentos das ciências naturais, em parte tratada na sua interessantíssi-
ma obra em quatro livros “O MÉTODO”.
37
CATTON e DUNLAP, (1983). Os autores entendem como próprios do “excepcionalist paradigm”
o seguintes pressupostos: que o homem, por ter uma cultura, é diferente de todos os outro seres
vivos; que essa cultura é a principal causa dos fenômenos sociais e que o ambiente físico é irrelevan- PARTE I
te; que a cultura e o progresso tecnológico podem continuar sem limites, tornando resolvíveis todos ENTENDENDO A
os problemas. Por outro lado, são do “ecological paradigm” os seguintes pressupostos: que os ho- SUSTENTABILI-
mens, mesmo com características especiais, são só uma das espécies vivas; que as ações dos homens DADE NA TEO-
têm conseqüências imprevisíveis sobre a natureza; que o ambiente biofísico do qual depende a vida RIA: ASPECTOS
dos homens é finito; que a cultura e a tecnologia não podem resolver todos os problemas. CONCEITUAIS
Gian Mario Giuliani

38
Com certeza o tema mais am- tanto, de fato, não há mais do que
digma, mas lança mão de análi- plo e complexo, sobre o qual ecó- isso de comum entre os vários
ses, temas, instrumentos teóricos logos e cientistas sociais estão conteúdos que a esse termo são
e técnicos tradicionais. Por isso o buscando construir o diálogo, é o atribuídos, dependendo das di-
autor aponta para duas tendênci- clássico tema da sociologia, o versas concepções de sociedade e
as: uma, mais ambiciosa, repre- tema do “desenvolvimento” hu- do que se entende por desenvol-
sentada por CATTON, que bus- mano e da sociedade, que nos vimento. Mesmo assim, é possí-
ca uma espécie de síntese inter- tempos atuais tende a ser defini- vel indicar algumas dimensões
disciplinar, na qual dados e con- do como “desenvolvimento sus- gerais que o caracterizam e ou-
ceitos alertam para a gravidade tentável”. Este conceito, proposto tras que decididamente não lhes
das relações entre sociedade e na- sobretudo para os países em via são próprias.
tureza. Outra, mais modesta, que de desenvolvimento, na verdade é
usa o instrumental dos sociólo- o resultado de um compromisso Para o desenvolvimento sus-
gos para a análise e a solução dos político entre os países ricos e os tentável, são importantes a análi-
problemas ambientais específi- pobres. Como todos os compro- se racional, o pensamento sistê-
cos. Nesse sentido, suas áreas de missos políticos, expressa uma mico, a acumulação e a elabora-
estudo mais importantes se diri- série de princípios orientadores ção de dados, já que resulta das
gem a temas muito diferentes, di- baseados em uma plataforma relações entre o sistema sócio-
ficilmente reduzíveis a uma espe- consensual de intenções, mas econômico geral e seus sub-siste-
cialização sociológica38. Assim, o apresenta sérios problemas de de- mas locais. Porém, tudo isso não
principal elemento unificador da finição teórica e operacional. é o bastante, porque uma de suas
sociologia do meio ambiente não fundamentais prerrogativas é a
é tanto a adesão a um paradigma O termo – desenvolvimento necessidade de compatibilizar di-
teórico, mas a adesão aos valores sustentável – tem um entendi- mensões potencialmente antinô-
de uma nova cultura ambientalis- mento geral no sentido de indicar micas. Vejamos algumas: a) o de-
ta e o desejo de contribuir para a um processo de desenvolvimento senvolvimento sustentável deve
solução dos problemas ecológi- concebido como melhorias quali- ser ao mesmo tempo dinâmico e
cos, assim como de facilitar uma tativas que não necessariamente conservador, já que tem que de-
melhor relação entre sociedade e dependem de crescimentos senvolver a sociedade e conservar
phisis, entre homem e natureza. quantitativos. Tal processo deve- os recursos naturais cujo uso so-
Nesse sentido, a importância ria poder se sustentar por tempos cial é cultural; b) não pode ser
atribuída aos fatores ambientais muito longos, devido a sua capa- implementado por um simples
pode corresponder a passos con- cidade de conservar os elementos conjunto de reformas técnicas e
cretos que levam à superação do naturais não renováveis e renovar econômicas, mas comporta quase
tabu dos fundadores da Sociolo- os que forem gastos na produção uma “revolução”, já que se fun-
gia, para os quais homem e socie- e consumidos pela população, damenta não somente em inicia-
dade já estariam desvinculados cujo crescimento (da população) tivas políticas, mas, e sobretudo,
do condicionamento das forças deveria permanecer sob constan- em novas regras de convivência,
naturais e físicas. te observação e controle. Entre- novas normas e novos valores.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

38
Tais temas são, grosso modo, os seguintes: o perigo nuclear; atitudes e comportamentos com rela-

PARTE I
ção ao meio ambiente; a natureza e a difusão dos valores; a organização dos movimentos ambienta-

ENTENDENDO A
listas e partidos verdes; o impacto social nas transformações do meio ambiente; o consenso e o con-

SUSTENTABILI-
DADE NA TEO- flito social nos processos de planejamento e organização do território; o eco-desenvolvimento, como

RIA: ASPECTOS atitudes e comportamentos com relação ao problema energético; os riscos de desastres naturais e

CONCEITUAIS tecnológicos.

Sociologia e Ecologia: Um Diálogo Reconstruído

39
que sejam “todos os homens”, CATTON, W.R., e DUNLAP, R.E.,
Entretanto, é uma “revolução em seus respectivos países, com What environmental and enfor-
longa”, mais próxima de um pro- suas especificidades históricas e cement sociologists have in
cesso evolutivo, já que normas e culturais, com suas visões das ge- common, Sociological Inquiry,
valores novos devem ser interna- rações futuras, reconhecendo, 53, 2/3, 1983.
lizados pelos atores; c) nesse pro- portanto, na “sociodiversidade” CERI, P., (organizador), Ecologia
cesso de internalização da nova um valor tão alto quanto é atribu- politica: testi di Anthony Gid-
moral, os atores têm que apren- ído à biodiversidade; finalmente, dens, Clauss Offe, Alain Tourai-
der a pensar no global e a agir no que a Sociologia, mesmo não ne, Feltrinelli, Milano, 1989.
local e, por isso, necessitam de aceitando o ponto de vista da eco- DALY, H.E., (compilador) Econo-
conhecimentos sobre a cultura de logia, esteja aberta às suas men- mía, ecolgía y ética: ensayos ha-
sua sociedade e de noções cientí- sagens fundamentais, as quais, cia una economía en estado esta-
ficas a respeito da natureza; d) é talvez, possam ser assim sinteti- cionario. Fundo de Cultura Eco-
um projeto que requer muita cri- zadas: o questionamento do gi- nómica, México, 1989.
atividade, porém se alimenta de gantismo e da uniformização, a DELÉAGE, J.P. Histoire de
conhecimentos reais, científicos, afirmação da diversidade e do l’Ecologie. La Decouverte, Pa-
e não da fantasmagoria dos dese- pluralismo, a modéstia de uma ris, 1991
jos. Em suma, o desenvolvimento consciência de que os homens DURKHEIM, E., As regras do mé-
sustentável impõe escolhas sobre “estão” na natureza e de que nos- todo sociológico.In, Os Pensado-
o que tem de mudar e o que deve sos conhecimentos a respeito dela res, Ed. Abril, São Paulo,1978.
ser mantido e, por isso, não pode ainda são muito limitados. EHRENFELD, D. A Arrogância do
ser resultado de fórmulas prede- Humanismo. Ed. Campus, Rio
terminadas bem como não pode de Janeiro, 1992.
ser decretado, mas só pode resul- EISELEY, L., Darwin’s century: evo-
tar da mobilização e da participa- V – Bibliografia lution and the man who discove-
ção. Este seria o plano sobre o red it. Anchor Books, 1961.
qual Sociologia e Ecologia po- ABBAGNANO, N. Filosofi e filoso- ENGELS, F., A dialética da nature-
dem e devem reconstruir seu diá- fie nella Storia. Paravia, Torino, za. Ed. Paz e Terra, Rio de Ja-
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ALIER, M .J. e SCHLUPMANN, K. FORATTINI, O.P. Ecologia, epidemi-
Este diálogo, para ser frutífe- La ecologia y la economia. Fun- ologia e sociedade. Editora Uni-
ro, deve apoiar-se necessariamen- do de Cultura Económica, Mé- versidade de São Paulo, 1992.
te em alguns pressupostos inici- xico, 1991. FORUM DE CIÊNCIA E CULTU-
ais que, mesmo permanecendo BUFFON, J. L. De la manière RA DA UFRJ, Dialogo sobre
em um plano geral, devem ser d´étudier et de traiter l’histoire Ecologia e Política. Ed. Novas
consensuais: em primeiro lugar, naturelle. Paris, 1749. Fronteiras, Rio de Janeiro, 1993.
no reconhecimento de que esta- BUTTEL, H.F. A sociologia e o GOLDEMBERG, M., (coordenado-
mos necessitando urgentemente meio ambiente: um caminho ra), Ecologia, Ciência e Política.
de novas relações entre homem e tortuoso rumo à ecologia huma- Ed. Revan, 1992.
natureza e, portanto, de novas re- na, Perspectivas, UNESP, São HEACKEL, ERNST. Morfologia ge-
lações entre os homens; também Paulo, Vol. 15, 1992. publicado ral dos organismos.
PARTE I
é preciso que a ecologia possa originalmente In International JONAS, F. Storia della Sociologia. ENTENDENDO A
voltar a ter, no foco de suas preo- Social Science Journal Environ- Laterza, Bari, 1975. SUSTENTABILI-
DADE NA TEO-
cupações, as necessidades dos ho- mental Awarenesse 109 – Brasil LINNÉ, C. Von. (Linneo). Systema RIA: ASPECTOS
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Gian Mario Giuliani

40
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PARTE I
ENTENDENDO A
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DADE NA TEO-
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CONCEITUAIS

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