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DOI: 10.18468/estcien.2016v6n3.

p29-39 Artigo de revisão de literatura

A Ditadura Militar e o ensino de História: uma relação conflituosa

Bruno Rafael Machado Nascimento1


1 Mestrando do Mestrado Profissional em Ensino de História (UNIFAP), Especialista em Metodologia do Ensino de História e Geografia
(UNINTER) e Ensino Religioso (FATECH) e Graduado em História (UNIFAP). Bolsista da CAPES, Brasil. E-mail: brunomacha-
do8@outlook.com.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar como o ensino da disciplina história foi trata-
do durante a ditadura militar no Brasil, sobretudo, na década de 1970. Utilizou-se nesta pes-
quisa bibliográfica livros e artigos para se chegar a uma síntese sobre como os governos milita-
res buscaram fragmentar o ensino de História através da criação de uma disciplina que uniu
História e Geografia no primeiro grau. Dessa forma, percebeu-se que a escola foi compreendi-
da pelos militares como espaço de conformação da sociedade aos seus valores e que o conhe-
cimento histórico foi movido para formar cidadãos patriotas, obedientes e subservientes enfo-
cando a perspectiva tecnicista de preparar tão somente para o mercado de trabalho. Estudar
essa temática implica em compreender os caminhos e descaminhos da história da disciplina. É
enfrentar um tema ainda sensível em que memórias estão em disputas na sociedade brasileira.
Palavras-chave: Educação. Escola. Professores.

The Military Dictatorship and the teaching of History: a conflict


ABSTRACT: This article aims to analyze how the teaching of history was treated during the mili-
tary dictatorship in Brazil, especially in the 1970s. In this bibliographical research, books and
articles were used to arrive at a synthesis on how military governments sought to fragment te-
aching Of history through the creation of a discipline that united history and geography in the
first degree. In this way, it was perceived that the school was understood by the military as a
space for conformation of society to its values and that historical knowledge was moved to
form patriots, obedient and subservient citizens focusing on the technicalist perspective of
preparing only for the labor market. Studying this theme implies understanding the ways and
ways of the discipline's history. It is to face a still sensitive subject in which memories are in
disputes in the Brazilian society.
Keywords: Education. School. Teachers.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS de determinados objetivos. É fato que os


governantes acreditam nisso e por isso a
Ao longo da história do ensino de Histó- “história é certamente a única disciplina
ria, os Estados sempre tentaram interferir escolar que recebe intervenções diretas dos
no ensino da disciplina, por exemplo, no fim altos dirigentes e a consideração ativa dos
da Segunda Guerra Mundial foi proibido o parlamentares. Isso mostra quão importan-
ensino de História nos países vencidos te é ela para o poder” (LAVILLE, 1999, p.
(LAVILLE, 1999). A intenção não é entrar no 130).
debate proposto por Laville (1999), levan- Este artigo traz como problemática com-
tando o questionamento se pela manipula- preender como o ensino de História foi tra-
ção dos conteúdos ministrados pela História tado durante a ditadura militar brasileira. O
é possível moldar as consciências em prol recorte temporal situa-se na década de

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1970 quando o Governo criou a Lei nº 5.692 seca, na obra Caminhos da História ensina-
de 1971 que, dentre outras mudanças, in- da (FONSECA, 2003) que, a partir das análi-
corpora as disciplinas História e Geografia à ses dos guias escolares e outros documen-
disciplina Estudos Sociais. Na década de 80 tos, analisa o ensino de História na década
essa realidade perdeu força e em 1986 o de 1970 e 1980 nos Estados de São Paulo e
Conselho Federal de Educação aprovou a Minas Gerais. Outro trabalho é o artigo inti-
separação definitiva das disciplinas História tulado, O Ensino de História no Brasil: traje-
e Geografia (VIANA, 2014). Para tanto, fo- tória e perspectiva, de Nadai (1993), que faz
ram analisadas diversas obras que tratam uma relevante análise histórica da discipli-
da problemática proposta num esforço de na.
sintetizar a apresentação da situação do
ensino de História no período ditatorial. 2 UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DO ENSINO
A relação passado, presente e futuro é DE HISTÓRIA NO BRASIL
primordial na ciência História e, por isso,
pensar “o ensino de História na sua histori- A História enquanto disciplina autônoma
cidade significa buscar, se não soluções de- surge na França no século XIX no contexto
finitivas, ao menos uma compreensão mais de laicização de toda a sociedade e do for-
clara sobre o que significa, hoje, ensinar talecimento das nações modernas (NADAI,
História nas escolas” (FONSECA, 2006, p.7). 1993). Portanto, a disciplina História estava
Espera-se que o professor de História, além a serviço do Estado na tentativa de forjar a
de dominar os aspectos teórico-metodo- identidade nacional. No Brasil, o Colégio
lógicos da disciplina, também saiba a histó- Pedro II localizado no Rio de Janeiro, funda-
ria da disciplina que leciona. A partir da dé- do em dezembro de 1837 no período re-
cada de 1990 assistiu-se a um debate edu- gencial, era a referência no ensino, em que
cacional, mormente sobre os currículos es- em seus currículos, a partir da sexta série,
colares que gerou diversas posições, princi- foram introduzidos os estudos históricos
palmente na disciplina História. Diante da (NADAI, 1993). Neste contexto de pós-
situação educacional no país, o Governo independência, o Brasil buscou como refe-
anunciou mudanças no Ensino Médio que rência o modelo francês de ensino. Os pro-
acirraram os ânimos dos professores da fessores tiveram bastante dificuldade com a
educação básica e de pesquisadores, como falta de material didático adequado, inclu-
por exemplo, a Medida Provisória nº sive, sem tradução, como assevera a pes-
746/2016 que instituiu escolas do Ensino quisadora Nadai (1993, p. 146):
Médio em tempo integral e as polêmicas
sobre as disciplinas Artes, Educação Física, Coerentemente ao modelo proposto,
Filosofia e Sociologia ao tentar facultar es- desde o início, a base do ensino centrou-
sas disciplinas o que gerou reação dos pro- se nas traduções dos compêndios france-
fissionais e educadores. ses – para o ensino de História Universal,
Existe uma vasta produção, sobretudo no o compêndio de Derozoir; para História
Antiga, o de Caiz; e para História Romana,
campo da educação sobre a legislação do
o de Derozoir e Dumont. Reformas poste-
referido período. No que tange à História, riores cuidaram de adequar o programa
tem-se a professora Selva Guimarães Fon-
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de estudos do colégio às últimas modifi- E assim a História escolar constitui-se
cações realizadas nos liceus nacionais da como disciplina no Brasil. Mas que História
França. Na falta de traduções, apelava-se era essa? Sem dúvida uma História essenci-
diretamente para os próprios manuais almente política, nacionalista, eurocêntrica
franceses. que valorizava a monarquia e ação missio-
nária da igreja católica (FONSECA, 2006).
O Brasil também procurava criar sua i- Vale ressaltar que muitos membros do IHGB
dentidade nacional, pois se vivia num país ministravam aulas no Colégio D. Pedro II
bastante diversificado etnicamente, social e que, como dito anteriormente, era referên-
culturalmente. Como elaborar um projeto cia no ensino de História, isto é, servia de
para um país com essas características? As modelo para outros colégios na elaboração
elites perceberam que a educação era um de programas e orientações de conteúdos a
bom caminho para construção da identida- serem ministrados nas escolas públicas.
de. Instituição de destaque neste contexto Interessante que nesse período histórico,
foi o Instituto Histórico Geográfico Brasilei- ou seja, século XIX, os métodos de ensino
ro (IHGB) fundado em 1838. Ele tinha a mis- eram voltados para a memorização. “A-
são de “elaborar uma história nacional e de prender História significava saber de cor
difundi-la por meio da educação, mais pre- nomes e fatos com suas datas, repetindo
cisamente por meio do ensino de História” exatamente o que estava escrito no livro ou
(FONSECA, 2006, p. 46). copiado nos cadernos” (BITTENCOURT,
O instituto acima referido organizou um 2009, p. 67). O sistema de avaliação era a-
concurso sobre qual seria a melhor forma terrorizante, isto é, caso os alunos errassem
de escrever a história do Brasil. O vencedor ou esquecessem alguma palavra ou fato
foi o alemão Von Martius que defendeu a receberiam como punição a famosa palma-
ideia de que se partisse da mistura dos três tória. Infelizmente esta ideia que aprender
grupos étnicos (brancos, negros e índios) é sinônimo de memorizar ainda faz-se pre-
como formadores da nacionalidade brasilei- sente no ensino de História.
ra e, claro, o destaque era dado ao branco Com o advento da República em 1889, o
“sugerindo um progressivo branqueamento ensino de História voltou-se para a exalta-
como caminho seguro para a civilização” ção dos heróis nacionais, ou seja, valorizou-
(FONSECA, 2006, p.46). Não se reconhecia se a construção dos mitos, por exemplo,
outros grupos sociais como sujeitos históri- Tiradentes. O ensino da disciplina foi usado
cos, e deste modo, são os indígenas que nas para legitimar poderes e valores que exal-
narrativas do instituto ficavam confinados tavam a ordem estabelecida, ou seja, uma
no passado. “Nessa História, os índios apa- História moralista e patriótica. Com a as-
reciam na hora do confronto, como inimi- censão de Getúlio Vargas ao poder a partir
gos a serem combatidos ou como heróis de 1930 o Estado ficou mais centralizado,
que auxiliavam os portugueses” (ALMEIDA, ou seja, o poder político ficou nas mãos do
2010, p.17). Os indígenas do século XIX não Governo Federal. “Alegando a necessidade
eram citados, pois o interesse era represen- de substituir as antiquadas instituições polí-
tá-los como pessoas que ficaram no passa- ticas brasileiras, Getúlio Vargas prometia a
do distante. modernização do país mediante a reformu-
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lação do seu modelo econômico e jurídico- transformações. Com a implantação da di-


político” (ABUD, 1993, p.163). tadura em 1964, o que ocorreu com o ensi-
Para Abud (1993), o ensino de História no da História?
adquiriu um sentido utilitário, pois era visto
como instrumento de educação política e 3 O ENSINO DE HISTÓRIA NA DITADURA
de familiarização com os problemas que o MILITAR
desenvolvimento impunha ao Brasil. Neste
sentido este ensino casou-se com a ideolo- O ensino no regime militar brasileiro
gia getulista, isto é, a necessidade de mo- (1964-1985) é objeto de diversas discus-
dernização e superação dos arcaísmos da sões, notadamente sobre o aspecto da le-
sociedade nacional. Um aspecto fundamen- gislação que vigorou neste período. Como é
tal deste período foi a valorização dos he- uma experiência recente na história do país,
róis nacionais com o objetivo de forjar uma permanecem vivas diversas memórias (em
identidade de unidade nacional mascaran- disputas) e traumas, porém se faz necessá-
do as desigualdades étnicas, sociais e eco- rio analisar historicamente este período
nômicas. Neste contexto de busca da uni- para evitar o esquecimento. Não é fácil ca-
dade nacional sobrava pouco espaço para a racterizar a ditadura militar no Brasil, pois
História regional ou para personagens que adquiriu várias faces e fases. Segundo o his-
não representassem a unidade nacional toriador Napolitano (2014), até a criação do
(ABUD, 1993). Portanto, o ensino foi ins- Ato Institucional número 5, em dezembro
trumento de centralização política. de 1968, a censura prévia não era rigorosa e
Neste passeio pela história do ensino de o terror sistemático do Estado contra os
História no Brasil, chamou atenção a refle- seus opositores ainda não era intenso e vi-
xão realizada por Nadai (1993). Segundo goroso como foi a partir de 1969. Cassa-
ela, nas décadas de 1950 e 1960 até o início ções, perseguições, mortes, cerceamento
da ditadura, houve um desenvolvimento da liberdade, censura, mas também resis-
qualitativo no ensino de História. Atribui-se tências foram a tônica desse regime. E a
este avanço à criação dos primeiros cursos educação dentro desse contexto?
em nível universitário para preparar profes- De maneira geral, a educação no regime
sores para o ensino secundário em 1934, militar é criticada, principalmente, pelo seu
bem como, a criação das Universidades, o aspecto tecnicista, além disso, no que diz
que gerou inovação no ensino, mesmo que respeito ao ensino, acrescenta o filósofo
timidamente. Assim, muitos professores Ghiraldelli Junior (2015, p. 146-147):
foram recrutados no seio da licenciatura
favorecendo a qualidade do ensino. A mar- Foi pautado em termos educacionais pela
ca da disciplina História foi a busca da in- repressão, privatização do ensino, exclu-
terdisciplinaridade, “houve uma abertura são de boa parcela dos setores mais po-
para outras Ciências Humanas, com o en- bres de ensino elementar de boa qualida-
tendimento que era necessário superar o de, institucionalização do ensino profis-
sionalizante na rede pública regular sem
isolamento, enfatizando seu caráter pro-
qualquer arranjo prévio para tal, divulga-
blematizador e interpretativo” (NADAI, ção de uma pedagogia calcada mais em
1993, p. 156). Logo, a História passa por
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técnicas do que em propósitos com fins aos princípios educacionais e políticos por
abertos e discutíveis, tentativas variadas ela engendrados. Após o golpe de 1964,
de desmobilização do magistério através este apoio norte-americano ampliou-se.
de abundante e confusa legislação educa- Vários especialistas norte-americanos vie-
cional. ram ao Brasil e técnicos do MEC foram aos
Estados Unidos para serem treinados. O
Os governos militares compreendiam a discurso que fundamentava os acordos foi o
escola como espaço privilegiado de divulga- da modernização da educação na perspec-
ção de sua ideologia, como assevera Filguei- tiva capitalista. Desta forma:
ras (2008, p. 84-85):
Os muitos acordos firmados entre o MEC
A concepção de educação do regime mili- e a USAID no Brasil, assinados dentro
tar estava centrada na formação de capi- desse espírito de ajuda, inseridos numa
tal humano, em atendimento às necessi- política de boa vizinhança, trouxeram
dades do mercado e da produção. A esco- como resultado concreto para educação
la era considerada uma das grandes difu- uma transformação radical, qual seja, a
soras da nova mentalidade a ser inculca- unificação do ensino primário ao ginásio e
da – da formação de um espírito nacional. a profissionalização do colégio (SILVEIRA,
2009, p.64-65).
Esta valorização do tecnicismo pedagógi-
co expressava bem o objetivo central da Na ditadura foi negado à História o esta-
educação neste período, ou seja, fornecer tuto de disciplina autônoma; aliás, ela de-
mão de obra qualificada para o mercado de sapareceu do currículo no primeiro grau,
trabalho, pois se fazia necessário inserir o com a introdução dos Estudos Sociais. E só
país no cenário político e econômico do ca- no segundo grau, numa única série, a Histó-
pitalismo internacional. Assim, a formação ria era obrigatória. Mas, por que com a His-
geral, especialmente a da área de humanas, tória? O que ocorria nas universidades?
foi afetada. Além disso, as escolas não fo- A despeito de toda tentativa de controle,
ram estruturadas para cumprir tal função. perseguições e limitações, a produção his-
Neste contexto houve uma aproximação toriográfica renovou-se sob a influência do
ainda maior com os Estados Unidos que materialismo histórico que trouxe além de
viam nos governos militares latino- métodos de análise, novas temáticas, por
americanos elementos garantidores dos exemplo, escravidão, economia colonial,
interesses da América do Norte para evitar classe trabalhadora, camponeses e mulhe-
a disseminação das ideias comunistas res (NADAI, 1993). Inserida no contexto di-
(SILVEIRA, 2009). Para Silveira (2009), atra- tatorial, essa produção histórica não chegou
vés dos convênios realizados a partir de ao grande público e ficou reservada às uni-
1964 entre o Ministério de Educação e Cul- versidades.
tura (MEC) e a United States Agency for In- Para Nadai (1993), a ideologia implanta-
ternational Development (USAID), agência da à disciplina História tinha uma função
de desenvolvimento norte-americana, a determinada, isto é, formar indivíduos obe-
instituição americana ofertava apoio técni- dientes, subservientes e ordeiros. Cidadãos
co e financeiro aos países que aderissem
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que fossem patriotas e que reproduzissem foi implantada no 1º grau. A partir desse
a moral estabelecida pela ideologia dos mi- ano, os guias curriculares dos Estados de
litares. Contudo, as discussões pelo Estado São Paulo e Minas Gerais, por exemplo, re-
brasileiro sobre a educação, com o objetivo introduziram História e Geografia com a
de uma educação moral e cívica dos cida- permanência dos Estudos Sociais. Somente
dãos é anterior à ditadura de 1964. A ideia em 1986, por meio do parecer 785/ 1986
de proporcionar uma educação cívica e pa- do Conselho Federal de Educação, a História
triótica remonta os debates do início da e Geografia readquiriram suas respectivas
República chegando, inclusive, em alguns autonomias (VIANA, 2014).
momentos ser ministrada como disciplina Este ordenamento jurídico que acabou
própria e, em outros, como orientação para com a autonomia da História e Geografia
as escolas que perpassava todas as discipli- surgiu no contexto de forte repressão, mas
nas numa forma de transversalidade também de crescimento econômico. Ainda
(FILGUEIRAS, 2008). no final de 1968, o Presidente Costa e Silva,
A ideia era formar o cidadão no espírito assinou o Ato Institucional número 5 (AI -
de passividade e obediência em relação à- 5). O qual concentrava ainda mais o poder
queles cuja função social seria fazer política, nas mãos do presidente. Vieira (1994, p. 27)
portanto, os que resolveriam os problemas elenca os poderes:
do Brasil. Forjou-se a ideia de que o Brasil
caminharia para um futuro promissor, mas a) fechar o Congresso Nacional, assem-
que seria necessária a união de todos para a bléias estaduais e câmaras municipais; b)
concretização desta meta, inclusive, o co- cassar mandatos de parlamentares; c)
nhecimento histórico foi mobilizado para suspender por dez anos os direitos políti-
formar os cidadãos de acordo com os prin- cos de qualquer pessoa; d) demitir, remo-
ver, aposentar ou pôr em disponibilidade
cípios do regime militar.
funcionários federais, estaduais e munici-
Com a Lei nº 5.692 de 1971, ocorreram pais; e) demitir ou remover juízes; f) sus-
várias mudanças no âmbito educacional, pensão das garantias do Poder judiciário;
por exemplo, o ensino de 1ª a 8º série pas- g) decretar estado de sítio sem qualquer
sou-se a chamar de 1º grau. Já o ensino de impedimento; h) confiscar bens como
2º grau voltou-se para a formação profis- punição por corrupção; i) suspensão de
sional dos alunos (FONSECA, 2003). Essas habeas – corpus em crimes contra a segu-
transformações expressavam as ideias já rança nacional; j) julgamento de crimes
referidas que norteavam as ações dos go- políticos por tribunais militares; k) legislar
vernos militares, isto é, o ideário de segu- por decreto e expedir outros atos institu-
rança nacional, o aspecto tecnicista do en- cionais ou complementares; l) proibição
sino e a formação cívica. Foi também por de exame, pelo Poder judiciário, de recur-
sos impetrados por pessoas acusadas por
meio dessa lei que a disciplina História jun-
meio do Ato Institucional n.º 5.
tamente com a Geografia perdeu sua auto-
nomia e passou a integrar a disciplina de
Este Ato deixou marcas no Brasil, por e-
Estudos Sociais que englobava os conteúdos
xemplo, prisões sem o devido processo le-
das duas disciplinas. Segundo Fonseca
gal, perseguições e torturas. Os poderes
(2003), até 1977 a disciplina Estudos Sociais
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legislativo e judiciário foram ainda mais fra- Foi nesse contexto que a diluição das dis-
gilizados. O AI-5 vigorou durante os gover- ciplinas História e Geografia ocorreram. Si-
nos de Médici e do Geisel. Médici assumiu a tuação difícil para os professores dessas
presidência em outubro de 1969 e utilizou duas disciplinas que tiveram suas identida-
fartamente os poderes constituídos após o des profissionais fragilizadas. Neste período
referido Ato para aumentar a repressão aos surgiram as licenciaturas curtas e longas em
grupos que lutavam contra o regime. Foi Estudos Sociais. “A duração das licenciatu-
sob a vigência dele que foi criada a Lei nº ras curta e longa deve ser respectivamente
5.692 de 1971, que referimos acima e que de 1200 horas, o que equivale a um ano e
trata sobre as mudanças que afetaram a meio letivo, e 2200 horas, o equivalente a 3
História e toda organização educacional. anos letivos” (FONSECA, 2003, p.27). Fonse-
Período de grande censura em que “jornais ca (2003, p. 63) destaca ainda:
e revistas tinham de registrar-se na Polícia
Federal, além de obedecer a uma série de O governo, como demonstrou o quadro
exigências” (VIEIRA, 1994, p. 36). anterior, detém a função planejadora e os
Iêda Viana (2014) chama atenção para professores vão paulatinamente sendo
um aspecto interessante da Lei nº 5.692 de desapropriados de sua função criadora. O
1971. Como a sociedade reagiu às trans- processo de desqualificação do professor,
estrategicamente colocado pelo Estado,
formações? A despeito do contexto de re-
retira daquele profissional a função de
pressão e autoritarismo, o clima foi de eu- pensar. Para que ensinar; a quem ensinar;
foria devido o crescimento econômico, co- como ensinar e quando ensinar: autorita-
nhecido como milagre econômico e seus riamente, estas questões passam a ser
impactos nos campos de emprego, urbani- respondidas pelos especialistas, alheios
zação e cultura do país o que gerou omis- ao processo de ensino/aprendizagem.
são, adesão e até apoio de uma parte signi-
ficativa da população às diretrizes desen- Para agravar a situação e a promoção da
volvimentistas do Governo (VIANA, 2014). desqualificação do professor de História, o
As camadas médias urbanas foram benefi- Ministério da Educação, no ano de 1976,
ciadas com a facilidade de crédito, o incen- editou uma portaria que permitia somente
tivo ao consumo com o abarrotamento de aos licenciados em Estudos Sociais ministra-
novidades como automóveis, televisores e rem aulas da citada disciplina. Os formados
câmeras. “Para completar a felicidade do em História e Geografia foram praticamente
brasileiro, ainda existia a possibilidade de o excluídos do ensino de 1º grau, pois passa-
assalariado finalmente ‘ dar o salto da casa ram a ministrar as poucas aulas que resta-
própria’ e comprar o imóvel financiado pelo vam no 2º grau (FONSECA, 2003). Segundo
recém-criado Banco Nacional de Habitação Fonseca (2003), o profissional formado na
(BNH)” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. licenciatura curta estava tendencioso a “a-
453). O controle exercido pela ditadura na tender aos objetivos do Estado, aos ideais
sociedade, especialmente no governo de de Segurança Nacional do que um outro
Médici, foi sustentado pelo crescimento profissional oriundo de um curso de licenci-
econômico e pela gigantesca estrutura de atura plena em História, apesar das limita-
propaganda. ções deste” (FONSECA,2003, p.28). Isso in-
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fluenciou no cotidiano escolar, pois profes- periores. Além disso, outras disciplinas fo-
sores malformados não conseguiam dar ram criadas e trabalhavam conteúdos que
conta de um ensino de qualidade. Profissio- eram ministrados na disciplina História, co-
nais que não dominam os fundamentos mí- mo Educação Moral e Cívica (EMC) e o re-
nimos da História não conseguem incenti- forço na disciplina Organização Social e Polí-
var o pensar historicamente e o pensamen- tica Brasileira (OSPB) que foi criada ainda
to autônomo dos alunos. em 1962. Elas tinham o objetivo de incutir
Os conteúdos referentes a História, na valores e conceitos propagados pelo regime
disciplina Estudos Sociais, refletiam uma (ALMEIDA NETO, 2014).
perspectiva substancialmente política da A EMC foi criada por meio do Decreto-Lei
História. Ao dissertar sobre essa disciplina, nº 869/69. Possuía o objetivo de “construir
Martins (2014) afirma que a memorização um ideário patriótico, com uma nação forte,
de datas e fatos marcantes era valorizada. que ressaltava os valores da moral, da famí-
Utilizava-se o conhecimento histórico para lia, da religião/fé e da defesa da Pátria e
exaltar grandes personagens como exem- inculcava valores anticomunistas nos jovens
plos a serem seguidos, bem como, certos e crianças” (FILGUEIRAS, 2008, p.84). Nessa
grupos sociais e étnicos foram deixados de perspectiva de unidade da nação, as dife-
lado. Ao analisar os conteúdos de Estudos renças e desigualdades seriam ocultadas
Sociais, Fonseca (2003) afirma que eram em nome da exaltação da pátria que era
conteúdos generalizantes e sem a especifi- maior que todos. Corrobora-se com a pes-
cidade do conhecimento histórico. Também quisadora Fonseca (2003) quando assevera
Fonseca (2003) destaca que o processo de que não se tratava apenas de uma discipli-
ensino e aprendizagem reforçava apenas a na, mas uma doutrina difundida pelo Estado
dimensão reprodutora. Realidade não mui- ditatorial.
to diferente do que se vinha trabalhando no A disciplina OSPB tinha por função prin-
ensino de História mesmo antes da ditadura cipal apresentar as estruturas administrati-
militar. Ressalta-se que a crítica que se faz vas e os princípios institucionais do Estado.
a este método é contra a memorização me- “A disciplina de OSPB deveria compor a par-
cânica que não traz sentido e significado te complementar do currículo, presente
algum para os alunos, ou seja, a mera repe- apenas em algumas das séries do 1º e 2º
tição e não contra o desenvolvimento inte- graus, e surgir como equivalente a um es-
lectual de memorizar. tudo da realidade social e política brasilei-
Em síntese, o objetivo era dissolver o co- ras” (MARTINS, 2014, p.44). Martins (2014)
nhecimento histórico escolar para evitar a afirma que essa disciplina na ditadura mili-
formação da juventude. A História esteve, tar atuava como legitimadora das estrutu-
como dito anteriormente, a serviço do Es- ras e das ações do Estado. Além disso:
tado para justificar seu projeto. Fonseca
(2003) afirma que a Lei nº 5.692 de 1971 Em sua característica meramente escolar,
descaracterizou o ensino de História no 1º e sem uma disciplina acadêmica que for-
grau. Na ditadura, a escola perdeu autono- necesse suporte para configuração dos
mia, pois cabia aos professores reproduzi- conhecimentos, a OSPB agia, juntamente
rem as diretrizes emanadas dos órgãos su- com a EMC, com uma característica muito

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mais prescritiva que os demais conteúdos de todo o controle e perseguição. Alguns
escolares, uma vez que seus princípios professores buscavam novos métodos e
eram especialmente os de promover o temas, outros usavam outros livros, jornais
entendimento da ordem social e do orga- e revistas em busca de uma nova forma de
nograma estatal. Dentre os seus conteú- ensino e aprendizagem (ALMEIDA NETO,
dos, destacam-se as definições dos três
2014).
Poderes brasileiros – o Executivo, o Legis-
lativo e o Judiciário, a organização admi-
nistrativa do Estado, o conceito de parti- 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
cipação, de comunidade, de sociedade. E,
embora, por vezes, seu conteúdo se con- Da leitura bibliográfica analisada perce-
fundisse com o de EMC, ela pode ser con- beu-se o quanto o ensino de História no
siderada uma disciplina muito mais racio- regime militar foi descaracterizado. Os go-
nal e técnica, bastante pertinente para o vernos ditatoriais tentaram de todas as
modelo curricular que se estabeleceu du- formas controlar a formação da juventude.
rante a ditadura, que abraça o tecnicismo A escola foi entendida como lugar apropri-
como matriz curricular e pedagógica ado para difundir a ideologia defendida pe-
(MARTINS, 2014, p.45). lo Estado, com a lei implementada em 1971
que uniu História e Geografia em uma única
Observa-se o quanto a educação foi ins- disciplina, Estudos Sociais. O conhecimento
trumentalizada para atingir determinados histórico escolar ficou debilitado, pois o
fins durante o período ditatorial, mas ape- despreparo dos professores, formados em
sar da implantação e difusão das ideias mo- licenciaturas curtas, prejudicou o ensino e
ralizadoras e disciplinadoras no sistema e- aprendizagem nas escolas. Soma-se a isso, a
ducacional brasileiro, existiram resistências, ênfase nas disciplinas OSPB e EMC que a-
pois o “controle e a dominação não se fa- tendiam perfeitamente os interesses dos
zem de forma absoluta” (FONSECA, 2003, militares.
p.40). Muitos professores de História tive- Contudo, existiram várias formas de re-
ram que ministrar aulas de EMC e OSPB, sistências. Um aspecto é a legislação, ou
pois as escolas diminuíram a carga horária seja, aquilo que se pretende, e outro é a
de História. Eles criaram várias estratégias prática na sala de aula. Não existe uma
para não reproduzirem a ideologia da dita- transferência pura entre aquilo que se pla-
dura. Almeida Neto (2014) realizou uma neja e aquilo que se executa. Existem pou-
pesquisa interessante sobre o cotidiano cos estudos sobre a prática escolar na sala
escolar, para tanto usou como fontes: rela- de aula no período ditatorial, de fato, en-
tórios de estágios das práticas de ensino de controu-se na bibliografia analisada apenas
História, atas de reuniões, livros de ocor- um estudo. A dificuldade são as fontes, pois
rências disciplinares, livros de termos de no país existe pouca preocupação com a
visitas de supervisão etc., de algumas esco- guarda de documentos em arquivos. A me-
las de São Paulo. Através dessas fontes, ele dida que as pesquisas que entendem a es-
buscou captar a prática na sala de aula. Per- cola como lugar autônomo, ou seja, com
cebeu que os professores criaram formas seus próprios valores, rituais, práticas, nor-
de não seguir as diretrizes estatais, fugindo mas, modelos, objetivos e tradições avan-
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38 Nascimento

cem, serão revelados, além do controle História. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica,
promovidos pelos agentes do Estado, as 2006.
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riências positivas e negativas. É olhar para o e ilusões em torno do ensino de História.
passado e compreender que a despeito de Revista Brasileira de História, São Paulo,
avanços e mudanças, ainda existem perma- v.19, n.38, p. 125-138, 1999.
nências que precisam ser superadas para MARTINS, M. do C. Reflexos reformistas: o
que o professor jamais perca de vista seu ensino das humanidades na ditadura militar
potencial criativo que pode ajudar os alu- brasileira e as formas duvidosas de esque-
nos, que frequentam as aulas de História, a cer. Educar em Revista, Curitiba, n. 51, p.
reconhecerem-se como agentes históricos, 37-50, jan./mar. 2014.
portanto, senhores das suas escolhas. NADAI, E. O Ensino de História no Brasil:
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A Ditadura Militar e o ensino de História: uma relação conflituosa 39

Artigo recebido em 08 de dezembro de 2016.


Avaliado em 26 de janeiro de 2017.
Aceito em 31 de janeiro de 2017.
Publicado em 28 de março de 2017.

Como citar este artigo (ABNT):


NASCIMENTO, Bruno Rafael Machado. A
Ditadura Militar e o ensino de História: uma
relação conflituosa. Estação Científica
(UNIFAP), Macapá, v. 6, n. 3, p. 29-39,
set./dez. 2016.

Estação Científica (UNIFAP) https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao


ISSN 2179-1902 Macapá, v. 6, n. 3, p. 29-39, set./dez. 2016

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