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literatura

O CÓDIGO DA VINCI: UMA LEITURA


DA PERSPECTIVA PÓS-MODERNA

sABRINA rOSTIROLA, Graduada em Letras pelo Unasp - Campus Enge-


nheiro Coelho

Resumo: O objetivo deste artigo é realizar uma leitura da obra O Código Da Vinci
na perspectiva de questões relacionadas à pós-modernidade e ao pós-modernismo,
em busca de indícios ideológicos que confirmem sua ligação com o pensamento pós-
moderno. Descreveremos alguns dos principais aspectos sociais e filosóficos que en-
volvem a pós-modernidade, bem como o movimento pós-modernista que acompanha
esse período, centralizando nossa atenção em sua manifestação na literatura ficcional,
gênero em que está inserida a obra em questão.
Palavras-chave: pós-modernidade, pós-modernismo, O Código Da Vinci.

DA VINCI’S CODE: A POSTMODERN  PERSPECTIVE OUTLOOK


Abstract: The purpose of this article is to analyze the book titled Da Vinci
Code in the perspective of questions related to postmodernism and postmodernity,
in search for ideological indications that confirm its linking with the postmodern
thought. We will describe some of the main social and philosophical aspects that
involve postmodernism, as well as the postmodernist movement that follows this
era, focusing our attention in its manifestation in fictional literature, category where
this work is inserted.
Key-words: postmodernism, postmodernity, Da Vinci Code.

Introdução
Por que O Código Da Vinci, um romance policial mundial, chamando atenção por idéias polêmicas e uma
aparentemente sem grandes novidades estilísticas e trama intrigante. Segundo depoimentos de seu autor,
literárias, tornou-se um fenômeno de vendas em todo Dan Brown, o livro procura dialogar com instituições,
o mundo? Por que há tanta preocupação por parte de decifrar mistérios e desvendar segredos que poderão
entidades cristãs em que esse livro não seja divulgado levar seu leitor à reflexão e ao fim da apatia com relação
e lido? Poderia ser esta obra classificada como uma a sistemas vigentes (Stefano, 2005. p. 50).
produção literária de características pós-modernas ou A análise a que se propõe este artigo é feita, antes
pós-modernistas? de tudo, à luz do momento em que a obra foi escrita: a
Lançado recentemente, escrito e narrado em tem- pós-modernidade. Um período de grandes mudanças,
pos atuais com alusões ao passado da época de Cristo, de muitas teorias e poucas verdades, em nada totalitárias
O Código Da Vinci, tornou-se rapidamente um best-seller ou esclarecedoras. Nosso objetivo principal é oferecer,

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àqueles leitores curiosos ou estudiosos da obra em doenças) que têm atingido a humanidade através de seu
questão, uma visão abrangente do contexto histórico registro histórico” (Knight, 2001, p. 91).
em que está inserido, e de sua ligação com este momen- Porém, esse projeto modernista mostrou-se
to de relativização e questionamentos de valores antes utópico e inatingível à medida que o avanço tecnoló-
fortemente instaurados na sociedade ocidental. gico, as descobertas científicas e as inúmeras fontes de
conhecimento não garantiram estabilidade nenhuma à
Modernidade e pós-moderniidade humanidade. Quanto mais ciência e mais conhecimen-
Não é possível falar de pós-modernidade sem to, menos seguro o homem sente-se diante do que vê.
relacioná-la ao conceito de modernidade, já que o pre- O progresso não eliminou as guerras, mas possibilitou
fixo “pós” sugere algum tipo de ligação entre ambos, armas de destruição mais poderosas, nem diminuiu as
seja de seqüência, negação ou reação. Para buscar as diferenças sociais, mas parece ter alargado as distâncias
respostas que unem estes conceitos, é necessário es- entre detentores de poder e desprovidos dele. Esse
tabelecer o contexto histórico e social em que surge a processo de desilusão com relação à ciência instaura-se
modernidade, assim como a pós-modernidade. mais efetivamente nos últimos decênios do século 19,
A chamada Era Moderna, ou Era da Razão, teve dando abertura ao surgimento do movimento enten-
início nos movimentos renascentistas e humanistas dido como pós-modernidade.
dos séculos 15 e 16, quando o ocidente rompe com os
paradigmas estabelecidos pela Igreja, e busca tirar de A Pós-modernidade
Deus (teocentrismo) a fonte de explicação para todos O projeto moderno começa a ser questionado
os fenômenos naturais e sociais à sua volta. Começa metodicamente a partir da segunda metade do século
a haver um maior interesse pelos aspectos seculares 20, depois do horror causado pelas grandes Guerras.
da vida humana e o homem passa a ser o centro da O momento é de revolta e incertezas. Inicia-se, então, a
preocupação e da procura por explicações e condições pós-modernidade. Guellfi (1994, p. 62), citando Calis-
melhores de vida terrena. nescu, afirma: “A selvageria experimentada no período
A ciência desenvolve-se de modo mais sistema- das guerras mundiais era o indício claro de que algo de
tizado, independente da religião. Coloca-se como uma irracional permanecia no interior da modernidade. Algo
maneira de obter o conhecimento através de meios que não havia sido dominado pela lógica do projeto
confiáveis e neutros, independentes de interpretações iluminista. O prefixo ‘pós’ era uma espécie de protesto,
tendenciosas ou escravizadoras, tais como eram as res- de recusa à malignidade trazida no bojo moderno”.
postas fornecidas por fontes teológicas. Essa valorização Embora essa reação de descontentamento seja
da ciência e seus métodos de estudo, a razão e a lógica, comprovada e aceita pelos teóricos da pós-modernidade,
atinge seu clímax no Iluminismo do século 18. não há entre eles um consenso quanto à definição exata
Entretanto, a idéia da existência de conceitos to- do que seja a pós-modernidade, nem mesmo de seu con-
talizantes e universais, difundida ainda na Idade Média, ceito. Perrone-Moises (1998, p. 179) afirma que esse
foi mantida. Agora, porém, eram a ciência e a lógica ainda “é um conceito frágil, impreciso, paradoxal”. Ten-
que seriam capazes de descobrir e desvendar verdades. tando estabelecer os principais traços pós-modernos,
“A teoria iluminista rejeitou o meio de descoberta da a ensaísta afirma que é mais fácil encontrá-los quando
verdade e de construção da realidade, mantido pela se contrasta com a modernidade.
Igreja, a saber, a Revelação, mas não rejeitou a natureza Segundo ela, a pós-modernidade caracteriza-se
e a estrutura do conhecimento como concebidas na pela “heterogeneidade, diferença, fragmentação, inde-
mentalidade cristã, que há conhecimento universal e terminação, relativismo, desconfiança dos discursos
objetivo. Os iluministas, no entanto, afirmaram que o universais, dos metarrelatos totalizantes (identificados
conhecimento é descoberto pela pesquisa e pela refle- como ‘totalitários’), abandono das utopias artísticas
xão” (Dorneles, 2001, p. 40). e políticas”. Essas características procuram se opor
Fundamentada em princípios racionais, a Era diretamente ao perfil da modernidade: “racionalismo,
Moderna trouxe à sociedade ocidental a esperança de positivismo, tecnocentrismo, logocentrismo, crença no
que o conhecimento científico adquirido pela huma- progresso linear, nas verdades absolutas, nas institui-
nidade pudesse transformar a realidade e a sociedade ções” (idem, p. 183).
positivamente – a chamada Utopia Secular. “Descobrir A pós-modernidade assume a postura de que
as verdades da natureza capacitaria as pessoas a contro- não se pode ignorar ou derribar toda a visão de mundo
larem seu mundo, eventualmente sobrepor limitações imposta e arraigada pela modernidade. Assim, procura
humanas e até mesmo radicar males destrutivos (como mostrar as incoerências, “abrir fendas e ampliar espaço

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entre os discursos hegemônicos”, tão importantes para ignorância; a utopia marxista de libertação do homem
a construção do mundo como o quer a modernidade da exploração, através da luta revolucionaria do pro-
(Guellfi, 1994, p. 03). Para isso, vai à busca das falhas letariado; [...] as doutrinas capitalistas de emancipação
teóricas, da história dos grupos marginalizados, dos da humanidade e de eliminação da pobreza, através do
discursos das minorias, e valoriza a emoção, a sensação, crescimento do mercado, como propunha a teoria de
e outros meios de descoberta de sentido que não sejam Adam Smith” (Guellfi, 1994: 42). Em novas obras,
tão categóricos como os instituídos pela razão moder- segundo Anderson (apud Dorneles, 2004, p. 08),
na. Ao contestar os sistemas totalitários de legitimação Lyotard acrescenta ainda a redenção cristã como uma
modernos, a pós-modernidade emerge o pensamento dessas metanarrativas falidas, e sugere que “o mundo
ocidental na descentralização e no relativismo. O do pensamento já estava imerso na fragmentação, na
conceito de verdade absoluta cai por terra, e, em seu diversidade, no relativismo”. Estas características des-
lugar, são validados pontos de vista divergentes. Não tacadas por Lyotard são percebidas nos movimentos
há busca por homogeneidade. de expressão artística pós-modernos, entendidos como
De acordo com Guellfi (1994: 07): “Uma das pós-modernismo.
características [da pós-modernidade] é justamente o
fato de não superar as contradições por meio de qual- A arte literária e o pós-modernismo
quer espécie de síntese, mas manter as contradições, O pós-modernismo é o movimento intelectual
explorando as tensões e os paradoxos”. Os próprios que reflete a postura de subversão aos ideais moder-
conceituadores da pós-modernidade não pretendem nistas, expresso em diversas áreas da sociedade, como
atribuir a ela significado totalizador. Dentre os princi- as artes, a filosofia, a política e a moral.
pais pensadores a respeito deste período, entretanto, o No campo artístico, revelou-se primeira e mais
trabalho pioneiro de Lyotard é de grande relevância. claramente na arquitetura (Perrone-Moises, 1998, p.
181), influenciando posteriormente outras formas de
Lyotard e as metanarrativas representação cultural, como a literatura. O próprio
Ao lançar, em 1979, sua obra A condição pós- termo “pós-moderno”, antes de ser utilizado para defi-
moderna, Lyotard pretendia fazer uma descrição e nir um momento histórico, foi cunhado pela literatura,
constatação dos fenômenos que vinham ocorrendo no quando Frederico de Onis, em 1934, se utiliza dele
cenário mundial, que foram entendidos como reação à para nomear uma antologia de poesia latina (Rouanet,
modernidade. Ao descrever sua leitura, Lyotard propõe 1987, p. 254).
que a principal característica da condição pós-moderna Especificamente na literatura, “o pós-modernismo
é “a incredulidade em relação às metanarrativas” não é um novo período ou estilo literário que pretende
(Dorneles, 2004, p. 08). Segundo ele, a condição pós- substituir o modernismo”. Não há entre ambos essa
moderna põe em xeque todas as narrativas, os discursos relação tão forte de antagonismo, mas há sim um questio-
totalizantes em que se embasou a sociedade moderna, namento intelectual com relação ao projeto modernista e
e que são responsáveis pela configuração social tal seus principais pressupostos, como “o imperialismo de
qual a conhecemos hoje. Knight (2001, p. 95) expõe certas formas de racionalidade, [...] que fundamentou os
a definição de Lyotard de metanarrativas: principais modelos de ciência, de tecnologia e os grandes
sistemas geradores de significados homogêneos, para
Por metanarrativas ele quer dizer aquelas grandes
todas as atividades políticas e culturais do Ocidente”
compreensões filosóficas/históricas do molde da
(Guellfi, 1994: 01).
realidade que legitimam a maneira como as coisas
O pós-modernismo entende que os conceitos e a
são, fornecendo razões para a correção do status
visão de realidade difundidos pelo projeto modernista
quo. Estas metanarrativas não são realidade, reivin-
nada mais são que simulacros, frutos da linguagem que
dica Lyotard, apenas sistemas de mitos usados para
se fazem passar por verdade. Essas construções tidas
sustentar relacionamentos sociais em dada sociedade.
como realidade são validadas por centros geradores de
Filosofias religiosas acabam sendo consideradas me-
conhecimento, que acabam por representar de forma
tanarrativas seculares. Metanarrativas, obviamente,
totalizante a sociedade, favorecendo certos grupos e
se baseiam no uso da linguagem e são usadas para
ignorando outras percepções de mundo que não se
controlar pessoas.
encaixam às suas.
Dentre as metanarrativas falidas listadas por Lyo- O movimento pós-moderno despreza esta
tard estão “o projeto iluminista do progresso através do organização e vai em busca dos discursos e grupos
conhecimento, pelo qual a humanidade ficaria livre da marginalizados dentro do sistema dominante, a fim

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de “abrir fendas e ampliar o espaço entre os discur- tradições e história de sociedades pré-modernas, também
sos hegemônicos” que fundamentaram a sociedade como uma forma de protesto contra a arbitrariedade
moderna. Guellfi esclarece como isto se faz: “Valori- do projeto modernista, que desprezava toda e qualquer
zando grupos minoritários e excêntricos, pensadores e influência anterior a ele mesmo.
artistas pós-modernos tendem a questionar os sistemas O pós-modernismo procura dialogar com o
totalizadores, determinados por centros de poder, cujo passado, problematizando e até mesmo questionando
objetivo é homogeneizar, para aumentar o poder e o a história. (Guellfi, 1994, p. 15). Esse historicismo não
controle de grupos privilegiados – os brancos, os euro- é feito inocentemente, nem é uma mera transcrição de
peus, os indivíduos do sexo masculino – sobre outros, fatos antigos, mas tem o objetivo de quebrar o silêncio
marginalizados na história das sociedades ocidentais” imposto por grupos dominantes, e reinterpretar critica-
(idem: 03). mente a história, esta também uma metanarrativa tota-
Assim, o artista pós-moderno, chega a descons- lizante. Afirma Guellfi (idem, p. 135): “Freqüentemente
truir as representações de realidade (entendidas por essas alusões históricas, misturadas com elementos da
Lyotard como metanarrativas), minando as forças dos cultura de massa e com outros do alto modernismo,
grupos dominantes, e favorecendo uma abertura maior estão na base das produções mais elaboradas e interes-
ao relativismo, ao perspectivismo e a tolerância entre santes da arte pós-moderna”.
grupos diferentes. “Descanonizar a cultura, fazer ruir
a autoridade, revisar todos os programas, desmistificar
o conhecimento, desconstruindo as linguagens do O papel da ficção na literatura pós-
poder, do desejo, do engano, são objetivos presentes modernista
nas principais atividades intelectuais e artísticas do pós- Seguindo a argumentação dos filósofos pós-
modernismo” (Guellfi, 1994, p. 169). modernos de que a realidade é uma construção de lin-
A obra pós-moderna, porém, não constrói sua guagem, ou seja, um tipo de ficção, a literatura ficcional
crítica a partir de um lugar privilegiado, fora do sistema, pós-modernista entende que a realidade é criação da
porque acredita não existir este espaço neutro de onde mente humana tanto quanto a arte ficcional. Afirma
se possa analisar a sociedade. Antes, procura mostrar Veith (1994, p. 122, tradução nossa) que “os artistas
as contradições existentes situando-se dentro desses pós-modernistas tentam obscurecer a distinção entre
sistemas hegemônicos. Entende que o lugar de crítica arte e realidade”, e acabam por unir fatos reais com
e contestação não é outro senão a linguagem, de onde acontecimentos fictícios, criando assim histórias mais
surgem e se perpetuam os discursos, através dos quais interessantes, e dando ao público a impressão de se-
se tenta unificar e explicar a sociedade. É na própria rem completamente verdadeiras. “Críticos têm notado
linguagem que se subverte o discurso, a história e a como uma obra de ficção pode criar e sustentar um
concepção de mundo criada por ela. mundo próprio, uma sensação ilusória de realidade
Os pós-modernistas acreditam que a proposta que é quase palpável à imaginação à medida que nós a
da arte modernista não é mais pertinente para representar lemos”, continua Veith (idem, p. 127, tradução nossa).
e explicar a existência humana e suas indagações, mas Apesar disso, não há preocupação por parte dos escri-
reconhecem que não é possível rejeitar sua contribuição, tores pós-modernistas em validar estas impressões que
e romper totalmente com sua tradição. A literatura pós- deixam em seus leitores:
modernista, tampouco, rompe com todos os modelos Os pós-modernistas exultam no fato de que a ficção
estéticos de sua antecessora modernista, criando um não é real e não deve ser, proporcionando possibilida-
estilo novo e original. “Não se trata de apontar um es- des sem limites para o escritor. O mundo real também,
tilo, mas de falar no papel diferente que ganham certas eles acreditam, é organizado por “ficções”, paradigmas
características estilísticas” (idem: 76). John Barth, crítico e “metanarrativas” que são igualmente o produto da
e autor pós-moderno, sugere que a literatura pós- imaginação humana. Pós-modernistas empregam téc-
modernista incorpora todas as principais características nicas de critica literária para analisar leis, instituições,
modernistas, mas com “um espírito de subversão e de e tradições morais como se estivessem analisando as
anarquia cultural” (Rouanet, 1987, p. 255). estruturas e convenções de um romance. Eles podem
Dentre as principais características estilísticas ditas valorizar estas instituições, assim como valorizam um
pós-modernas que diferenciam o pós-modernismo do bom livro, mas qualquer ilusão de realidade objetiva
modernismo destaca-se o historicismo. Não que já não que estas podem projetar é basicamente ficcional.
existisse, mas passa agora a ser muito mais utilizado e (idem: 130, tradução nossa).
valorizado. Surge uma tendência de buscar o passado,

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Essa literatura não é elitista, feita essencialmen- por outras formas de linguagem, inclusive o que se
te para classes altas, nem somente para as massas, mas imagina ser o mundo “real”. A abolição das fronteiras
utiliza formas tanto populares quanto cultas, unindo entre a realidade narrada pela obra e a realidade exte-
também mais de um gênero literário na mesma obra, rior não repousa apenas na crença de uma interação
sem, contudo, perder sua validade. Numa sociedade entre elas: decorre também do questionamento da
capitalista onde tudo é mercadoria para consumo – a própria natureza do que chamamos de mundo real,
informação é a maior delas – a arte também passa a vista na pós-modernidade como uma espécie de
ser comercializada. Guellfi afirma que “a obra literá- ficção, sempre construída a partir de interesses de
ria transformou-se em objeto de consumo” (1994, p. grupos dominantes, por meio de códigos impostos à
155) e Rouanet assevera que “podemos admitir que a sociedade. Códigos que regulam toda a produção de
distância entre a arte e o mundo das mercadorias está significados, organizando a comunicação, a produção
se reduzindo” (1987, p. 265). do saber, o comportamento.
Daí vem também o interesse de produzir É através da linguagem que o autor pós-mo-
obras que atinjam todos os tipos de leitores – do mais dernista propõe-se a contestar as pretensões ideológicas
culto ao mais popular. Dentre as literaturas de gênero modernistas. As utopias, as narrativas mestras, as teorias
ficcional mais produzidas no pós-modernismo estão totalizantes, até mesmo a História, todas validadas pela
o mistério, a ficção científica e o romance, cada qual linguagem, são agora postas em descrédito. “O objetivo
com suas variantes. Essas formas populares de litera- [do pós-modernismo] passa a ser então desconstruir
tura atraem o interesse do público leitor por tratarem os códigos que distinguem, separam, discriminam,
de temas concernentes ao cotidiano da humanidade, opondo-se àquilo que está estruturado e hierarquiza-
como o conflito entre o bem e o mal, e por serem do”. Todos os códigos sociais (discursos) responsáveis
feitas sob medida para uma sociedade consumista. pela opressão de grupos marginalizados são agora
“Esta maneira de escrever, de acordo com a teoria alvejados. E esses grupos – “negros, mulheres, velhos,
pós-modernista, é também centrada no público. Seguir homossexuais” – antes postos de lado, agora encontram
fórmulas populares é uma maneira de dar a audiência um lugar dentro do discurso heterogêneo e pluralista
o que ela quer. (...) Hoje o artista pode fazer pesquisa pós-moderno (Guellfi, 1994, p. 184). Utilizando a lin-
de mercado para descobrir o que o mundo quer ouvir guagem, através da ficção – uma literatura ao alcance de
e então criar uma obra de arte de acordo com essa todos – o pós-modernismo contribui para “transformar
pesquisa” (idem, p. 135, tradução nossa). São arte para sensibilidades, alterar imagens e mudar a percepção do
o consumo, e feitas para tornarem-se campeãs em real” (idem, p. 05).
vendas.
Como já mencionamos, consciente de que a O olhar pós-moderno em o Códico Da Vinci
vida e seus sentidos são, antes de tudo, construções Depois de expor os principais aspectos cultu-
de linguagem, a ficção pós-modernista busca ques- rais e filosóficos relacionados à pós-modernidade
tionar a relação da linguagem com o real, levando o e ao pós-modernismo que possam embasar uma
leitor a repensar criticamente o que ele conhece por visão orientadora destes movimentos, é nosso ob-
realidade. Assim produz-se uma literatura que cria jetivo analisar a obra O Código da Vinci em busca de
uma “problematização das fronteiras entre o real e indícios de influência dos conceitos entendidos como
o imaginário, entre ficção e realidade, entre falso e pós-modernos.
verdadeiro, entre mítico e autêntico” (Guellfi, 1994, Como toda obra literária, não é possível fechar
p. 155). Ao unir esses elementos, a obra não assume ou limitar as possibilidades de interpretação e leitura
nenhum caráter de referencialização no universo, es- de O Código Da Vinci, já que, sem dúvida, existem nele
timulando uma visão de mundo pluralista, relativista, muitas ideologias e discursos a serem identificados e
e subjetiva. Não se pode definitivamente procurar na explorados. Adicione-se a isso o fato de ser uma obra
obra algo de absoluto. Aliás, “a única realidade que o contemporânea, em que o próprio autor ainda pode
leitor pode ver através dela [literatura pós-modernista] intervir quanto às interpretações dadas a ela.
é a realidade da obra em si” (idem, p. 160). Aprofunda Embasando estas reflexões na teoria anterior-
Guellfi (idem, p. 195): mente demonstrada, buscamos evidências do histori-
Escritores pós-modernistas, em consonância com cismo e de outras características pós-modernas, como
teóricos de outras áreas, questionam as fronteiras entre a crise das metanarrativas e a valorização de grupos
os “mundos” criados pela arte e os mundos criados marginalizados, na narrativa do Código.

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Pretensões pós-modernistas: a tecnologia tura do romance (através do recurso de fade out), mas
e o historicismo também é bastante citada na obra, em que um segredo
Diante de toda a novidade estética da literatura guardado por anos é descoberto basicamente pelo
pós-modernista, em que narrador, personagens e en- seu uso. Sir Teabing, ao explicar ao padre Aringarosa
redo não são exatamente lineares e fechados, O Código como conseguiu informar-se a respeito dos guardiões
Da Vinci não parece ser exatamente inovador. Não se do Santo Graal, diz: “– Tenho escutas em toda parte,
pode dizer que ele siga um padrão caótico de estrutura, bispo – sussurrou o Mestre –, e com elas obtive certo
e que necessariamente rompa com a tradição moder- conhecimento”. (CDV, 388). Teabing possuía um ver-
nista, ou alguma mais antiga a ela, do aspecto formal dadeiro aparato para espionagem de última geração.
de romance policial. “Uma grande parte desse material aqui é tão sofisticado
O enredo é colocado cronologicamente, e não quanto nossos equipamentos da polícia. Microfones
causa ao leitor grandes dificuldades de situar-se no miniaturizados, células fotoelétricas de recarga, chip
tempo do romance, já que ele é linear, com voltas ao de memória volátil de alta capacidade. Ele até tem uns
passado bem demarcadas pelo narrador. Este narrador desses nanodrivers” (CDV, 342).
é onisciente, e coloca diante do leitor tanto atos como Esta descrição do amplo uso de tecnologia avan-
pensamentos dos personagens, dentro da proposta, é çada, utilizado pela ficção como maneira de conhecer
claro, de que a obra deve causar suspense e dúvidas a informações anteriormente veladas, não é nada incomum
serem respondidas ao leitor ao final da narrativa. para o homem pós-moderno. Em uma sociedade tomada
No prólogo, onde é proposto todo o mistério pelos mais variados aparatos tecnológicos, a segurança
a ser desvendado pelos protagonistas da ficção, o e a validade de uma informação é garantida por fontes
narrador já mescla acontecimentos exteriores com o ligadas à tecnologia, mais especificamente aos meios de
pensamento dos personagens, demarcando em itálico a comunicação a serviço da mídia.
ocorrência da expressão de impressões ou pensamen- Apesar de toda a narrativa possuir grande envol-
tos destes. Por ocasião da perseguição e assassinato vimento com a tecnologia e a atualidade, o verdadeiro
de Jacques Saunière, o curador do Museu do Louvre encanto de O Código Da Vinci está em um mistério do
e responsável pelo mistério a ser desvendado, é narra- passado. Um passado histórico, mais especificamente
do: “A verdade. Em um instante, o curador percebeu o dos tempos de Jesus para frente. Para compor a trama,
verdadeiro horror da situação. Se eu morrer, a verdade se o autor se vale de fatos históricos bastante conhecidos.
perderá para sempre. Instintivamente, procurou se prote- Assim, o historicismo tem forte presença na obra.
ger, desajeitado”. (CDV, 12)1 . Na verdade, a obra está recheada de personagens
A narrativa do romance é disposta em dois importantes da História ocidental, como Victor Hugo,
núcleos que ocorrem paralelamente, a do herói e a do Isaac Newton, o próprio Leonardo Da Vinci, e também
vilão, e, à medida em que vão sendo feitas descobertas de registro de eventos passados como o início da Igreja
e a obra avança rumo ao desfecho, essas histórias Cristã e sua legalização por Constantino (CDV, 220),
encontram-se em lugares ou personagens comuns as Cruzadas (CDV, 240) e a fundação de Paris pelos
aos dois universos. O narrador está presente tanto merovíngios (CDV, 243). Mas toda essa recorrência à
em um quanto no outro, e conhece pensamentos e História não é de forma alguma feita inocentemente.
motivações de ambos, mas não se propõe a revelá-los Antes, ela é uma revisão em busca de brechas e do
nem um pouco a mais que o necessário para favorecer “não dito”.
o suspense.
A crise das metanarrativas – a História e a
Durante o desenrolar do romance, porém, ao tran-
sitar de um núcleo de personagens para outro, o narrador Religião Cristã
parece utilizar-se de uma técnica cinematográfica, o fade De acordo com Guellfi (1994, p. 15), o pós-
out2 . Esta técnica na estrutura da obra permite que o modernismo não é anistórico ou desistorizado. Isso sig-
narrador inicie a descrição das ações de um persona- nifica que a história é tanto espaço quanto instrumento
gem sem necessariamente encerrar ou finalizar a dos de contestação pós-moderno que “pode promover uma
personagens do outro núcleo descrito. Tal recurso problematização da história, questionando os pres-
cinematográfico, adotado pela ficção, é responsável por supostos sobre aquilo que constitui o conhecimento
prender a atenção do leitor, e manter sua curiosidade histórico”. Em O Código Da Vinci, fatos históricos
para a continuação ou desfecho da trama. servem de base para refutar tanto a própria História
A tecnologia avançada, uma das fortes marcas da como a religião cristã.
pós-modernidade, não está presente somente na estru- Na trama, o historiador Teabing poderia ser en-

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tendido como um tipo do pensamento pós-moderno os manuscritos coptas, em 1945, em Nag Hammadi.
com relação à História. Ele é bastante convincente Além de contarem a verdadeira história do Graal, esses
ao afirmar que a História, tal qual a concebe a socie- documentos falam do ministério de Cristo em termos
dade ilustrada, nada mais é que uma metanarrativa muito humanos (CDV, 223).
tendenciosa e cheia de falhas, usada pelos grupos Segundo a teoria implícita no enredo, e elu-
dominantes para manter o poder. Ao ser questionado cidada pelos personagens paulatinamente devido a
sobre o casamento de Jesus com Maria Madalena e evidências nas artes e em documentos negligenciados
sobre a autenticidade da Bíblia, afirma que a história pela história, Jesus Cristo foi simplesmente um homem
não é uma base confiável para negá-los ou afirmá-los, excepcional, talvez um grande profeta, que obteve
já que inúmeros fatos são excluídos por quem escreve grande número de seguidores. Mas não havia nele nada
a história, os vencedores: de divino. Porém, como após a sua morte, o número
Deduzindo-se que a história sempre é escrita pelos de cristãos não parava de crescer, o império romano
vencedores. Quando duas culturas entram em con- estava tornando-se dividido entre seguidores de Cristo
flito, o perdedor é obliterado, e o vencedor escreve e pagãos. Então, em um golpe político para unificar
a história – livros que glorificam sua própria causa e Roma, o imperador Constantino declarou a divindade
menosprezam a do inimigo perdedor. Como Napoleão de Cristo, no Concílio de Nicéia, em 325 d.C., insti-
disse certa vez: “O que é história, senão uma fábula tuindo a Igreja Cristã Apostólica (CDV, 220).
sobre a qual todos concordam?” – Ele sorriu. – Por De acordo com a obra, assim nascia a religião
sua própria natureza, a história sempre é um relato cristã como uma metanarrativa de unificação e homo-
tendencioso (CDV, 242). geneização da sociedade, com o objetivo principal de
acumular o poder na mão dos dominadores da época:
Ainda que diante dessa convicção, Teabing não
“Tudo não passou de uma disputa de poder – continuou
possui nenhum outro argumento para refutar ou inva-
Teabing. – Cristo, como o Messias, era fundamental para
lidar a história do que ela mesma. Ele se vale de fatos
o funcionamento da Igreja e do Estado. Muitos estudio-
menos conhecidos, escritos segundo grupos marginaliza-
sos alegam que a Igreja Católica Romana literalmente
dos, para problematizar o saber histórico comum. Mas,
roubou Jesus de seus seguidores originais, sufocando
mesmo os que estão à margem, situam-se dentro de um
sua mensagem humana ao envolvê-la em um manto
sistema, e só podem criticá-lo dentro de seu contexto
impenetrável de divindade e usando-a para expandir seu
específico, neste caso, a história.
próprio poder” (CDV, 222).
Essa postura reflete o pensamento pós-moderno
Uma vez que a crença em Cristo como Filho
sobre o lugar de onde se pode criticar um sistema ou
de Deus é baseada nas Escrituras Sagradas, O Código Da
um discurso, já que não existe um espaço neutro de
Vinci também sentencia a Bíblia como desmerecida de
onde se possa fazê-lo. Guellfi (1994, p. 14) explica:
crédito, produto da imaginação humana. Sophie recebe
“Contestando a possibilidade de uma posição neutra,
para isto a explicação de Teabing: “A Bíblia é produto
exterior, a perspectiva pós-moderna exige a contextu-
do homem, minha querida. Não de Deus. A Bíblia
alização. Qualquer atuação deverá operar dentro das
não caiu magicamente das nuvens. O homem a criou
próprias instituições, único espaço de questionamento
como um relato histórico de uma época conturbada,
e contestação possível”.
e ela se desenvolveu através de incontáveis traduções,
Ao revisar criticamente a história, a ficção
acréscimos e revisões. A história jamais teve uma versão
de O Código Da Vinci procura brechas e espaços para
definitiva do livro” (CDV, 220).
contestação de uma das mais sólidas bases da sociedade
No decorrer da trama, e através de descobertas
ocidental: a religião cristã. A obra narra que, embora
mirabolantes, a divindade de Cristo é finalmente der-
a grande verdade sobre Cristo tenha sido escondida
rubada. Ao descobrir onde se encontra o Santo Graal,
por muito tempo, ela veio à tona graças a descobertas
que, na verdade, seriam os ossos de Maria Madalena,
recentes, que por assim dizer, redimem as falhas de
esposa de Jesus, e os documentos que comprovam essa
uma história tendenciosa:
união, há uma expectativa de que Robert Landgdon, o
Felizmente para os historiadores – disse Teabing –, descobridor, mais que depressa desvende essa verdade
conseguiram-se preservar alguns evangelhos que diante do mundo.
Constantino tentou erradicar. Os manuscritos do mar A reação do professor, porém, deixa o leitor
Morto foram encontrados na década de 50, escondi- frustrado: “Landgdon ouviu as palavras de Marie
dos em uma caverna perto de Qumran, no deserto Chauvel. Um dia você vai descobrir. [...] Com um súbito
da Judéia. E, naturalmente, haviam sido encontrados transbordamento de reverência, Robert Langdon caiu

12 ACTA Científica - Ciências Humanas vol. 2, n. 9


de joelhos”. (CDV, 423). Ao encontrar a prova desse presente no livro resulta da leitura que o narrador faz
segredo, que destruiria a Igreja Cristã, a atitude do de documentos de evangelhos apócrifos, que não estão
protagonista é passiva. Não há rebeldia, ou desejo de no cânone das Escrituras Sagradas. Segundo Teabing,
“mudar o mundo”. É como se somente o fato de haver ao tentar explicar a Sophie o porquê da desvalorização
desvendado o mistério de tal teoria subversiva já fosse da mulher, esta prática justifica-se no desejo de poder
o suficiente para instaurar dúvidas e minar as bases do dos apóstolos de Jesus:
Cristianismo.
O que estava em jogo era muito mais do que afeição.
Nada mais pós-moderno. Hutcheon (apud
A essa altura dos evangelhos, Jesus já desconfia que
Guellfi, 1994, p. 15), defende que “no pós-moder-
vai ser logo preso e crucificado. Então dá a Maria
nismo, de modo geral, a problematização prevalece à
Madalena instruções sobre como conduzir sua Igreja
demolição”. Ou seja, o objetivo do pós-modernismo
depois que Ele morrer. Em conseqüência disso, Pedro
é muito mais questionar, inquirir, problematizar as
expressa seu descontentamento em ficar em segundo
bases da sociedade, que necessariamente destruí-las e
plano em relação a uma mulher. Até me arrisco a dizer
invalidá-las, propondo alguma nova organização que
que Pedro era um tanto machista (CDV, 235).
responda de maneira mais eficientemente às necessi-
dades do homem pós-moderno. De forma clara, Langdon afirma que a imagem
da mulher como ser inferior e responsável pelo peca-
Em busca dos marginalizados: as mulheres do original foi um plano da Igreja Católica primitiva
Além de tentar desacreditar na pureza da me- para deter o poder religioso nas mãos dos homens, e
tanarrativa da religião cristã, O Código Da Vinci também desestimular a adoração à deusa, feita pelos pagãos.
segue outra tendência pós-moderna: a de resgatar e va- Além de difamar a mulher, estes cristãos haviam sido
lorizar grupos deixados de lado no decorrer da história os responsáveis por séculos de perseguição e caça às
das sociedades modernas. mulheres.
Lyotard (apud Guellfi, 1994, p. 03), em seu
A Inquisição católica publicou o livro que se pode con-
conceito de metanarrativas, afirma que estas são as
siderar o mais sangrento da história da humanidade.
responsáveis por tentar “unificar e organizar a realidade
O Malleus Maleficarum – ou o Martelo das Feiticeiras
política e social, atenuando as contradições”. Para que
– doutrinava o mundo contra os “perigos das mulheres
haja homogeneização, é preciso que os grupos domi-
de pensamento liberal” e instruía o clero sobre a forma
nantes excluam outros, “minoritários e excêntricos”, e
de localizar, torturar e destruir essas mulheres. As pes-
façam calar sua voz no discurso social.
soas consideradas “bruxas” pela Igreja incluíam todas
O personagem Robert Langdon, um professor
as professoras, sacerdotisas, ciganas, místicas, amantes
de História especializado em simbologia religiosa, pode
da natureza, coletoras de ervas e qualquer mulher “que
ser visto como aquele que tenta resgatar a imagem da
fosse suspeita de sintonizar-se com o mundo natu-
mulher, um grupo excluído em uma sociedade essen-
ral”. [...] Durante 300 anos de caça às bruxas, a Igreja
cialmente machista e conservadora. Ele afirma que
queimou na fogueira a quantidade impressionante de
as religiões pagãs que vieram antes de Cristo sempre
cinco milhões de mulheres (CDV, 122).
tiveram a mulher – a deusa, o sagrado feminino, como
objeto de adoração, e o mundo está cheio de símbolos Ainda segundo Langdon, o personagem defen-
originários dessa adoração, embora tenham tido seus sor da igualdade feminina, a Igreja havia feito tão bem
significados mudados no decorrer da história. O pen- seu papel de denegrir a imagem da mulher que, até os
tagrama é um exemplo deles (CDV, 45), antigamente dias atuais, apesar de toda a campanha feminista, ela
visto como uma simbologia da fertilidade da deusa ainda é vista como inferior ao homem. “As mulheres,
Vênus. Portanto, a mulher era tão valorizada senão antes veneradas como parte essencial da iluminação
mais que o próprio homem, principalmente por ser espiritual, foram banidas dos templos do mundo. [...] A
a reprodutora da vida. O próprio Jesus, sendo um ser Mãe Terra tornou-se um mundo de seres masculinos. O
mortal, era casado e, ao morrer, deixara o comando de ego masculino passou dois milênios espalhando terror
seus seguidores a cargo de Maria Madalena, com quem sem ser detido pela contrapartida feminina” (CDV, 122,
tivera uma filha. 123).
Os apóstolos, principalmente Pedro, sentiram-se Esclarecendo o motivo histórico e religioso
enciumados de Maria, e quando Cristo morreu, tiraram pelo qual a mulher é marginalizada, Langdon parece
dela o poder. Mais que isso, criaram a história de que que redime as mulheres da injustiça cometida contra
ela era uma prostituta, uma mulher indigna. Esta teoria o sexo feminino, e tenta resgatar o verdadeiro valor

ACTA Científica - Ciências Humanas 2º Semestre - 2005 13


de equilíbrio inicialmente proposto por Deus na cria- britânico Sir Isaac Newton” (CDV, 368). Com esse
ção da mulher (os personagens de O Código Da Vinci jogo entre realidade e ficção, todo O Código é regido
não são ateus!). Buscando as brechas na história dos pela especificidade ficcional.
vencedores, e desconcertando as verdades distribuídas Os filósofos pós-modernos argumentam que a
pela Igreja, esse discurso pós-moderno busca tanto realidade nada mais é que uma espécie de ficção, uma
“ampliar espaço entre discursos hegemônicos” quanto construção social, em que os grupos dominantes de-
“transformar sensibilidades, alterar imagens e mudar a terminam o que é verdade ou não (Veith, 1994). Como
percepção do real” (Guelffi, 1994, p. 03). conseqüência, a literatura ficcional pode ser tão real
quanto o mundo que ela retrata. Já que a realidade é
Ficção e realidade: onde estão os limites? construída pela linguagem, assim como a literatura, o
A trama de O Código Da Vinci inicia-se no Museu autor pós-modernista passeia entre realidade e ficção,
do Louvre, o maior e mais completo museu de arte do passado e presente, sem preocupar-se em esclarecer ao
mundo. A partir daí, as cenas são locadas em outros leitor o que é verdade ou não.
lugares famosos dentro da França, Suíça, e Inglaterra, Esta construção é subsidiada ainda pela idéia
como a famosa Abadia de Westminster. pós-moderna de relativização, de fragmentação. Como
Um dos motivos para o sucesso polêmico da rui a idéia de verdade espelhada na realidade no mun-
obra de Dan Brown é a credibilidade que conseguiu do pós-moderno, “o conceito de verdade relativa, daí
diante dos leitores ao ambientar uma história de cará- resultante, elimina os absolutos, sepultando as me-
ter ficcional em lugares conhecidos mundialmente, e tanarrativas e as ideologias decorrentes” (Dorneles,
citando nomes de artistas, pensadores e expoentes do 2004, p. 10). É nesse sentido que O Código Da Vinci,
passado ilustre da humanidade. Tal senso de realidade é como obra ficcional, torna-se uma obra pós-moderna,
assegurado no início da obra, quando Brown insere uma já que relativiza a realidade e as verdades que embasam
página intitulada “Fatos”, em que afirma que “todas as a sociedade, levando-as ao descrédito.
descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e Além de problematizar a realidade e questio-
rituais secretos neste romance correspondem rigoro- nar importantes ideologias da sociedade ocidental, O
samente à realidade” (CDV, 09). Código Da Vinci possui ainda outra característica pós-
Essa união de ficção – o romance policial – com moderna que pode ser determinante para a causa de
fatos, lugares e personalidades reais, criam a ilusão de re- seu sucesso em vendas: é literatura feita para as massas.
alidade na obra. Não há preocupação nenhuma do autor Com uma linguagem fácil, um enredo atrativo e dia-
em esclarecer e separar ficção e realidade, mas envolve logando com informações e curiosidades culturais, O
de tal forma o leitor que o convence, ou o confunde, da Código atrai leitores de todos os gostos. Apesar de toda
falta de limites entre arte e realidade. a trama ser cheia de referências a um tema erudito – a
A descrição de uma das cenas do clímax do arte através de pinturas famosas, geralmente interesse
romance, que se passa em Londres, é um fiel retrato da elite intelectual – a estrutura de romance policial da
da Abadia de Westminster: “Mais de três mil pessoas obra confere à mesma alguma facilidade na leitura.
estão sepultadas ou colocadas em relicários dentro da Como a literatura pós-modernista não se propõe
Abadia de Westminster. Em seu colossal interior de a uma missão emancipadora (Guellfi, 1994), nem a
pedra abundam restos de reis, estadistas, cientistas, pós-modernidade tem um projeto revolucionário para
poetas e músicos”. E a descrição da catedral conti- substituir o projeto moderno, não há expectativa para
nua, mencionando personagens históricos antigos e apresentar soluções ao homem que vive nesta época,
contemporâneos. “Desde que foi o palco da coroação cheia de incertezas e dúvidas. O Código Da Vinci pode
de Guilherme o Conquistador, no dia de Natal de ser considerado um exemplo deste impasse: demons-
1066, esse santuário deslumbrante vem testemunhan- trando as falhas, questionando ideologias e despertando
do uma procissão interminável de cerimônias reais e a sensibilidade do leitor para questões ignoradas pelo
eventos políticos – desde a canonização de Eduardo mesmo, em nenhum momento leva-o a uma saída, ou
o Confessor até o casamento do príncipe Andrew apresenta um desfecho realmente esclarecedor para
com Sarah Ferguson, os funerais de Henrique V, da toda a confusão que sua narrativa cria.
rainha Elizabeth I e da princesa Diana”. Até aí, tudo Por fim, o destino dos principais personagens, ao
é retrato fiel da realidade histórica. Insere-se, então, final da trama, parece representar o status das ideologias
a ficção: “Mesmo assim, Robert Langdon não sentia que eles tipificam na sociedade pós-moderna: Teabing,
mais nenhum interesse na história antiga da Abadia, o historiador disposto a revolucionar o mundo, é pre-
exceto por um evento – o sepultamento do cavaleiro so e tem seu projeto frustrado pela polícia. O bispo

14 ACTA Científica - Ciências Humanas vol. 2, n. 9


Aringarosa, chefe da Opus Dei, não é capaz de defender mundo pós-moderno, não se julga absoluta, mas já é
a Igreja dos ataques contra sua honestidade, mas so- suficientemente forte para promover em seus leitores
brevive pela fé. Sophie, a única mulher participante da uma sensação de estar descobrindo algo escondido da
trama, e a razão de busca pela verdade sobre o Graal, humanidade por muito tempo.
descobre ser de uma linhagem real, confirmando seu Ao concluirmos este artigo, sugerimos que a
valor e importância. Mas a glória final é de Robert leitura de O Código seja feita sempre tendo-se em conta
Langdon, o professor e pesquisador disposto a procu- o período pós-moderno em que foi escrita, com todas
rar, pensar, refletir para encontrar a verdade por trás as implicações que isto traz à validade e idoneidade da
de todas os mitos. obra.

Considerações Finais notas


É bem verdade que O Código Da Vinci intenta  1 A Obra BROWN, Dan. O Código Da Vinci. [Rio de
eliminar as fronteiras entre popular e erudito, real e Janeiro:Sextante, 2004], será indicada por CDV, seguida do número
da página.
irreal, verdade e mentira, realidade e fantasia. O leitor
 2 Fade out - transição relativamente lenta e suave entre uma
experiente e informado não ganha nenhuma renova- imagem qualquer e o preto. O ‘out’ pode ser associado a ‘saída’,
ção com O Código e o leitor comum ilude-se com uma ‘fim’: este tipo de transição é utilizado no fim do vídeo / filme como
suposta grande descoberta. Em todo o caso, o que não um todo (geralmente antes dos créditos finais). Fonte: www.fazen-
se pode esquecer é que essa obra de Dan Brown tem dovideo.com.br, consultado em 24/10/05. Pode significar também
como moldura a ficção; todo o seu conteúdo, ou sua o esmaecimento da imagem para introdução de outra cena.
temática, deve ser lido dentro dessa perspectiva, ainda REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
que veicule dados da realidade. BORGES, Michelson. O Código da Vinci e a nova onda de
Embora não se revele uma obra grandemente apócrifos. Revista Adventista, Tatuí. V.100, nº
inovadora em sentido literário, nem possua a aprovação 06, p. 12-13, junho/ 2005.
de muitos críticos acadêmicos por ser fabricada com
BROWN, Dan. O Código Da Vinci. Rio de Janeiro:
objetivo essencial de consumo, o fenômeno de vendas
Sextante, 2004.
de O Código Da Vinci deve sugerir alguma reflexão so-
bre o papel da literatura em descrever o mundo ao seu BURSTEIN. Os segredos do Código. Disponível em
redor. O sucesso de O Código deixa clara a fragilidade www.esextante.com.br, acesso em 18/10/2005
que envolve a sociedade pós-moderna, em que insti-
tuições antes tidas como absolutas agora são ampla- GRAIEB, Carlos. O rei dos Ouriços. Veja, São Paulo. Volume
37, nº41, p. 118-119. 13 de outubro/2004.
mente desacreditadas, levando o homem a continuar
sua procura por algo coerente em que possa acreditar GUELLFI, Maria Lúcia Fernandes. Narciso na sala de
e fundamentar suas esperanças. espelhos. Tese de doutorado. Rio de Janeiro:
Concluindo nossas considerações sobre a obra PUC/Rio, 1994. 393 pp.
em questão, e reconhecendo que, como literatura, há
KNIGHT, George. Filosofia e Educação – Uma Intro
ainda muito o que ser discutido em O Código, nossa
dução da Perspectiva Cristã. Engenheiro Co-
sugestão é que a leitura da obra seja feita tendo em elho: Imprensa Universitária Adventista, 2001.
vista seu caráter de arte para consumo, em uma so-
ciedade onde o lucro é fim primário. Assim, o autor, LIMA, Neumar de. “Os movimentos literários vistos de uma pers
não inocentemente, parece aproveitar-se do momento pectiva cristã: uma abordagem no contexto do grande
questionador vivido pela cultura ocidental, para lançar conflito”. Revista da Escola Adventista. Volu-
me 06, n°09, Iº semestre/2002. p. 32-36.
mais dúvidas em torno de instituições grandemente res-
peitadas e de forte tradição social. Atingi-las é certeza LIMA, Paulo Gomes de (coord.). Introdução à metodologia
de alarde, e portanto, de vendas. científica: normas básicas para confecção
Ao lançarmos um olhar pós-moderno sobre de monografias, dissertações e teses. Enge-
O Código Da Vinci, entendemos que sua trama possui nheiro Coelho: Centro Universitário Advensita
de São Paulo, 2002.
muitas das características do movimento de questio-
namento social que envolve a pós-modernidade. En- LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 6ª
tendemos também, que, ao unir fatos, lugares e perso- edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.
nagens históricos bastante conhecidos à uma narrativa
ficcional interessante, o autor conseguiu dar a obra um OLIVEIRA, Roberto Carlos (et al.). Pós-modernidade. 5ª
status de realidade e de verdade. Verdade esta, que num edição. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995.

ACTA Científica - Ciências Humanas 2º Semestre - 2005 15


OLIVER, Anita. “O Pensamento Pós-moderno e a Educação Metodista de São Paulo, 2004. 124p.
Adventista”. Revista da Escola Adventista.
Volume 05, Nº 07, p. 8-13, Iº Sem/2001. STEFANO, Marcos. “Efeito Cascata”. Eclésia, São Paulo.
Edição nº105, ano 06, p. 44-52, janeiro/ 2005.
OPUS DEI. Disponível em www.opusdei.org.br. Acessado
no dia 04/10/2005. TEIXEIRA, Jerônimo. “Leonardo Da Vinci, o herege com cau
sa”. Veja, São Paulo. Volume 37, Nº14, p.112-
PERRONE-MOISES, Leila. Altas literaturas. São Paulo: 113, 7 de abril/2004.
Companhia das Letras, 1998.
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RIBEIRO, José Augusto. “O Código Da Vinci” em questão”. Veja, São Paulo. Volume 37, Nº 44, p. 144-145, 3
Disponível em http://p.php.uol.com.br/tropico/ de novembro/2004.
html/textos/2606,1.shl, acesso em 18/10/2005
VEITH, Gene Edward, Jr.. Postmodern Times: a Christian
ROUANET, Sérgio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Guide to Contemporary Though and
Paulo: Companhia das Letras, 1987. Culture. USA: Crossway Books, 1994.

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Companhia das Letras, 1989.

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Sorocaba, 2001.59p.

___________________. Do verbal para o visual: o status


da imagem nas revistas semanais de infor-
mação. Dissertação (Mestrado em Jornalismo).
São Bernardo do Campo: Curso de Pós Gradua
ção em Comunicação Social, Universidade

16 ACTA Científica - Ciências Humanas vol. 2, n. 9

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