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INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
A Cidade Maravilhosa.
NITERÓI
2013
F224 Faria, Gabriel Balardino Bogado
Paisagem-discurso e as Olimpíadas 2016: a Cidade
Maravilhosa / Gabriel Balardino Bogado Faria. – Niterói : [s.n.],
2013.
126 f.
CDD 918.153
GABRIEL BALARDINO BOGADO FARIA
A Cidade Maravilhosa.
BANCA EXAMINADORA
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NITERÓI
2013
A todos que sabem que as aparências enganam.
AGRADECIMENTOS
Meus primeiros agradecimentos vão para a minha família, eles são a base de
sustentação que foi necessária em tantos momentos antes mesmo da aprovação no
Mestrado e quando a única coisa que sabia era que queria fazer “Geografia e depois
Mestrado e Doutorado”, ainda garoto.
Agradeço especialmente à minha mãe, inspiradora de sonhos e uma guerreira
que tanto fez para que eu tivesse condições de chegar até aqui, com o apoio de toda
ordem que foi necessário. Juntam-se a ela minhas irmãs, Mariana e Júlia, Mariana
uma companheira, amiga e uma voz dissonante, capaz de forçar os pensamentos e
argumentos e a Júlia, a fada dos sonhos e a energia que foi capaz de transformar a
vida de todos, irradiando luz e sendo o sopro de esperança e força necessária em
tantos momentos. Ao Márcio, “recém-chegado” e que trouxe a tranquilidade e a
segurança para que fosse confiante em meus voos, dividindo responsabilidades
tomadas até então como exclusivamente minhas.
Agradeço a todos os amigos e amigos que seguiram comigo em diferentes
momentos de minha vida e trajetória durante a dissertação, sendo uma importância
vital para a tranquilidade, desenvolvimento e também a devida descontração,
sempre vital para que não se enlouqueça e não se perca o senso da realidade.
Como seria impossível citar nominalmente sem cometer injustiças, destaco os
amigos do “Onibus Universitário”, companheiros de faculdade na graduação e no
Mestrado, o grupo “Salve Vedita”. Agradeço ainda aos irmãos Biancardini que
juntam um grupo bom e de prosa fácil e divertida, ao grande amigo Eryck com o qual
sempre posso contar e é um irmão, ao velho amigo Ramon e nossa amizade acima
de idas e vindas e ao D’angelo que sempre surpreende, como nas recentes
mobilizações e está sempre pronto para ajudar um amigo.
Agradeço a todos os professores que passaram pela minha vida e que,
através de exemplos, práticas e conhecimentos, permitiram que eu chegasse até
aqui. Desde a professora Denise, que na sexta série despertou em mim a vontade
de estudar profundamente a Geografia, até o professor Sérgio, tutor no PET e que
sempre mostrou com exemplos o papel de um professor-pesquisador em Geografia.
Agradeço também o valioso e precioso tempo de bolsa sob a coordenação da doce,
encantadora e poderosa professora Maria Lúcia, um doce de pessoa e uma firmeza
político-ideológica capaz e se refletir em TODOS os atos e que é uma inspiração
para a prática e procedimentos didáticos que revela que não é possível uma atuação
parcial na transformação da realidade, mas a ação sempre pensando o todo e
buscando a coerência.
Agradeço aos professores do mestrado, com suas colocações, ensinamentos
e colaborações com leituras, falas indicações e apontamentos que colaboraram para
o desenvolvimento desta pesquisa em particular e para a minha evolução como
pesquisador de forma mais plena. A quantidade de professores envolvidos não
permite que uma citação seja justa, devido a minha má memória, portanto agradeço
aos professores do departamento de Geografia da UFF e os professores do
departamento do Programa de Pós-graduação de Arquitetura e Urbanismo, também
da UFF pelos sempre profícuos diálogos em suas aulas.
Um agradecimento ao meu orientador, Jorge Barbosa, que com paciência e
bons conselhos, além de toda sabedoria, colaborou com o andamento da
dissertação e com os lapsos deste orientando um tanto quanto instável.
Agradeço ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade
Federal Fluminense, com seus técnicos-administrativos sempre solícitos e
competentes na resolução dos problemas e demandas, com uma presteza que
sempre nos permite a tranquilidade de nos dedicar à pesquisa sem maiores
preocupações com aspectos burocráticos alheios e sempre ajudando a esclarecer
as dúvidas a respeito de trâmites e procedimentos.
Agradeço a “Força Maior que nos guia”, que trouxe todas essas pessoas
citadas a minha vida e sempre é capaz de iluminar os caminhos que segui até hoje,
que serve como um bastião de esperança e permite que sigua mesmo quando não
sei ao certo o que fazer ou o que me espera.
Por fim, posso afirmar que a dissertação é parte de uma história longa e,
como toda história, cheia de parceiros, companheiros de jornada e experiências,
sendo assim, há muitas pessoas para se agradecer que por ventura podem não ser
nominalmente lembrados, mas que fazem parte do coração e da história do autor.
Um MUITO OBRIGADO encarecido e que essa dissertação compreenda uma etapa
nas conquistas que, longe de ser individual, é fruto de uma conjunção de muitas
histórias e percursos.
Um Trem Para As Estrelas
The landscape is one of the oldest geographic concepts. However, while image
became a central aspect of communication in our society, the landscape also starts
changing and various authors already inserted it in the political game. In this context,
this dissertation place the "landscape-discourse” to demonstrate that landscape is
built in a meanings game seeking to convince a “enunciatary subject” of the
discourse reality that transmits. Accordingly this work speak of “Cidade Maravilhosa”
(Marvelous City), nickname of Rio de Janeiro city, we have conscious transformation
and actualization of the sense of nickname over time in the city history. We
emphasize the Olympic s moment where the ideia of “Marvelous” joins an urban
project transformation related to the neoliberal interests of the city management and
the city marketing.
Figuras
Figura 1 - Imagem de propaganda do maior banco privado do brasil que esteve presente em
outdoors pela cidade. Fonte: Estudio Salazart .............................................................................. 14
Figura 8 - Puerto Madero antes (1989) e depois (2000) da renovação urbana. Fonte:
http://lucianegiacomet.com.br/.......................................................................................................... 48
Figura 14 - A praia de Copacabana: Cartão Postal do Rio de Janeiro (vídeo no instante 0:04)
............................................................................................................................................................... 93
Figura 15 - O mapa olímpico: Ocultação pela escala e cores (vídeo no instante 0:19).......... 94
Figura 16 - O mapa do Rio de Janeiro: A cidade é maior do que o mostrado. Fonte:
portalgeo.rio......................................................................................................................................... 94
Figura 17 - Imagens exibindo a Zona Sul do Rio de Janeiro: Pão de Açucar (vídeo no
instante 3:39) e Praia de Copacabana (vídeo no instante 4:00). ............................................... 95
Figura 18 - Maracanã (antes da reforma de 2010): A direita da imagem a Radial Oeste (via
de grande circulação) as vias férreas do sistema de trens suburbanos e do metrô carioca.
Fonte: aninkmarink.blogger.com. ..................................................................................................... 96
Figura 20 - “Deodoro”: O tecido urbano fica ao fundo e destaca-se a área militar (vídeo no
instante 2:26). ..................................................................................................................................... 99
Figura 26 - Imagem que circula nas redes sociais contestando a informação da mídia. ..... 108
Tabela
Tabela 1 – Variação populacional e de domicílios da RA XXIV - Barra da Tijuca ..... 86
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................................ 10
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13
CAPITULO I – PAISAGEM-DISCURSO: CONSTRUÇÃO DE CONSENSOS PARA
CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS? ............................................................................... 19
1.1 – O sujeito na paisagem e a paisagem além do objeto ..................................................... 20
INTRODUÇÃO
júri internacional que avaliará se a cidade é ou não a mais apta a receber os Jogos.
A “venda”, portanto, destina-se a públicos diferentes, que precisam ser seduzidos
pelo mesmo “produto”: a cidade.
Essa venda se realiza por meio de operações de marketing destinadas a
reconfigurar a cidade para o mercado. São nessas atuações que pode-se perceber a
preponderância da paisagem como o signo da cidade, seja em painéis publicitários
do governo ou de empresas que atuam no Rio de Janeiro, a associação entre as
paisagens consagradas (Cristo Redentor, Praia de Copacabana e Pão de Açúcar),
constroem um discurso que se pretende único. A imagem da Figura 1, nesse
sentido, demonstra exatamente o tipo de apropriação realizado entre a imagem e a
mensagem, na qual a cidade é entendida pela paisagem.
Figura 1 - Imagem de propaganda do maior banco privado do brasil que esteve presente em outdoors
pela cidade. Fonte: Estudio Salazart
desenvolvido pretende demonstrar como esse símbolo opera, bem como a relação
que se tem entre a política de olimpismo e o city marketing.
A dissertação se estrutura em três capítulos, dispostos de forma que o
raciocínio caminha da concepção mais ampla das Olimpíadas e do empresariamento
urbano no primeiro capítulo, para uma reflexão sobre a paisagem e seu uso como
discurso no segundo capítulo e, no terceiro, discute-se a Cidade Maravilhosa e o
vídeo de candidatura olímpica, sem esquecer, porém, a cidade “real”, espaço de
conflitos e de resistências.
No Capítulo I, busca-se um enfoque na discussão sobre paisagem buscando
formas de apropriação do conceito que permitissem a sua compreensão dentro das
estratégias de convencimento usadas na cidade. Não se considerou válido, portanto,
apenas “ler” a história do conceito, pois se é possível compreender a Geografia
através de diferentes perspectivas, como o romantismo, o racionalismo e o
marxismo, o mesmo pode ser dito do conceito de paisagem, o que implicaria um
percurso, no mínimo truncado e, possivelmente, contraditório. A busca por tentar
compreender a paisagem dessa maneira, revelou um conceito ainda mais rico e
dotado de muitas potencialidades, ao ser lida através da relação sujeito-objeto que
ela estabelece, a paisagem começa a se demonstrar um conceito múltiplo e
complexo, capaz de imbuir relações e formar um sistema de significados. O
desenvolvimento pretende mostrar como, ao se perceber a paisagem como uma
mediação de uma relação sujeito-objeto-sujeito, torna-se possível compreender a
paisagem como uma linguagem e, portanto, passível de codificação e decodificação
e portadora de significado. Sendo, portanto, um veículo capaz de transmitir
discursos.
O Capítulo seguinte procura recuperar o debate sobre megaeventos e city
marketing, trazendo autores importantes no Brasil sobre o tema e propondo-se a
discutir a importância de entender as Olimpíadas dentro do contexto de
transformação urbana. Esse foi um capítulo cuja confecção e produção resultou
numa imersão no universo do planejamento urbano através da história, enfocando-
se especialmente na crítica aos planejamentos neoliberais que passaram a vigorar a
partir dos anos de 1970.
A possibilidade de escrever sobre esses fenômenos, buscando a relação
entre a publicidade e a gestão da cidade levou a uma reflexão rica e valiosa sobre o
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papel exercido pela imagem dentro de um projeto de cidade. Tal reflexão permitiu
entender que tipo de relações são traçadas entre a venda da cidade e a sociedade
do espetáculo, na qual tudo se torna mercadoria e a mercadoria se torna o centro da
existência. O estudo conduz ao pensamento sobre a própria sociedade e as
estratégias em curso que geram o esvaziamento da política e o enfraquecimento das
resistências sociais e mesmo a percepção da gestão da cidade. Pode-se, nesse
capítulo, estruturar e demonstrar os mecanismos que permitem um marketing
urbano capaz de mistificar e obscurecer a política que impregna a sociedade e,
portanto, a cidade.
Por fim, o capítulo III se dedica a analisar como a paisagem-discurso se
articula como uma estratégia de city marketing da cidade do Rio de Janeiro. Tendo
como enfoque a análise da imagem “Cidade Maravilhosa”, analisa-se o
desenvolvimento histórico do Rio de Janeiro a partir da década de 1970 e busca-se
compreender como esse desenvolvimento está articulado a construção de uma
imagem-símbolo da cidade, que busca ao mesmo tempo resgatar o sentimento de
pertencimento à cidade pelo carioca e fortalecer um marco distintivo que diferencie o
Rio de Janeiro de outras cidades no mercado global de cidades. Na análise do vídeo
olímpico, busca-se destacar os pontos onde o discurso se revela a partir da
paisagem e também é onde se encontram os limites do discurso, ao se refletir em
operações materiais sobre o espaço, momentos esses em que a ordem hegemônica
encontra maiores resistências e o mero discurso perde a eficiência frente a
visibilidade do ato em si. Tal sentido reflete a necessidade sentida de demonstrar
que o discurso não é inexorável e que há sim possibilidades de resistência e
pressão.
Longe de ser definitiva, a dissertação aqui escrita compreende uma etapa da
pesquisa e do aprimoramento metodológico, especialmente no que diz respeito ao
trato com os conceitos de city marketing e paisagem-discurso. Enfim, que a
dissertação sirva para o avanço acadêmico e para uma compreensão dos diferentes
agentes e atores que vêm atuando sobre a Cidade Maravilhosa e o papel exercido
pela paisagem-discurso em sua conformação e validação.
.
19
Para fins de uma ordenação lógica, orienta-se o texto desde uma perspectiva da
paisagem como um objeto apartado do sujeito, passando então a ser vista como
uma relação interdependente de sujeito-objeto, até a concepção norteadora desse
trabalho, que busca entender a paisagem dentro de uma relação sujeito-sujeito.
Simultaneamente considera-se que cada uma dessas abordagens diz respeito a
espaços específicos, sendo a primeira relação mais ligada ao campo e ao distante, a
segunda mais relacionada à cidade, à indústria e a reprodutibilidade e a terceira
ligada à imagem, à virtualidade e ao global.
1
A pesquisa não pretende abordar mais profundamente essas temáticas, mas em Geologia e
Ecologia, paisagem é o sítio onde um fenômeno pode ser observado, estando fortemente ligada ao
espaço observado e relacionada a uma escala de análise. (MAXIMIANO, 2004)
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exigindo que haja o duplo sujeito-objeto para que se realize, sendo o sujeito quem
define a paisagem (ZIMMER, 2008:30). Nessa perspectiva, não se trata mais de
uma paisagem como um objeto em si, independente do sujeito, mas de uma relação
de dependência e pertencimento da paisagem em uma relação sujeito-objeto, na
qual a paisagem só se configura como objeto a partir de sua apreensão pelo sujeito.
Sua existência só se dá, dessa maneira, pela formulação do sujeito que a apreende.
Essa constatação da paisagem como contemplação não se trata mais
daquela mesma contemplação presente em Humboldt, na qual o homem procura a
si mesmo na paisagem numa ideia de unidade entre homem e natureza, mas sim na
ideia de representação, aqui a paisagem é contemplada como construção do
homem e expressão de sua força sobre o mundo. O espaço privilegiado não é mais
o espaço “real” e “natural”, mas sim a fotografia e a cidade. A paisagem torna-se
mais do que apenas expressão da natureza, mas sim expressão do homem. E com
esse desafio, o sujeito vai aos poucos aparecendo na paisagem.
O caminho que leva ao sujeito na paisagem é também aquele que leva ao
estudo do espaço e do urbano, isto porque, ao se assentar sobre a cidade e refletir
sobre a sua transformação através da industrialização, o homem não pode
considerar mais o objeto sem considerar a si mesmo e a sua intervenção. A cidade é
fruto da própria ação do homem e é impossível não encontrar ou abordar essa
perspectiva, partir ao encontro da paisagem urbana é, inevitavelmente, partir ao
encontro do homem.
É nesse sentido que autores como Milton Santos (2006), com o conceito de
rugosidade, e Maurice Ronai (1977), com o conceito de paisagedade, não podem
ser desconsiderados em análises que buscam compreender a intricada relação
sujeito-objeto que constitui a paisagem. Isto porque esses autores permitirão
abordar a paisagem a partir do sujeito, num processo de mútua constituição e
densamente relacionada ao processo histórico.
Segundo Milton Santos (2006), as rugosidades seria a impressão do homem,
em seu processo histórico sobre o espaço, o próprio desenrolar da história contada
através das formas geradas. Como o autor mesmo define:
Chamemos rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço
construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação,
superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os
lugares. As rugosidades se apresentam como formas isoladas ou como
arranjos. É dessa forma que elas são uma parte desse espaço-fator. Ainda
que sem tradução imediata, as rugosidades nos trazem os restos de
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Figura 2 - Imagem de divulgação do Museu de Arte do Rio, uma das estruturas refuncionalizadas no
projeto do Porto Maravilha. Fonte: rio.gov
Percebe-se nessa análise que a paisagem não pode ser entendida como um
objeto em si, mas apenas através de sua relação com o sujeito que a constrói, visto
que, esta só se consolida como objeto a partir do sujeito que a constitui. Todavia,
será em Maurice Ronai (1977) na qual se encontra uma definição rica e fértil para a
análise da paisagem. E essa se dará pelo conceito de “paisagedade”.
Será através da paisagedade que o autor construirá uma importante
colaboração com o pensamento que relaciona sujeito-objeto na constituição das
paisagens. Fazendo uma interessante relação entre paisagem e poder, Maurice
Ronai (1977) considera que a paisagem é não apenas a observação do espaço, mas
a apropriação desse espaço através da visão. A paisagem não é só o que se vê,
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mas o que eu vejo e que por ver posso controlar. O sujeito é o senhor, é o dono e
soberano sobre o espaço. Para o autor, com a ascensão do Estado Moderno e as
novas redes comerciais, o poder deixa de ser o domínio da visão, fazendo que a
paisagem “não seja mais operacional” (RONAI, 1977). É nesse momento que surge
a paisagedade.
A paisagedade é aquela que surge quando a paisagem real já não é mais
possível, quando não é mais possível abarcar todo o território sobre controle do
Estado através da paisagem, a paisagedade então codifica a realidade da nação (ou
da cidade), tornando-a “real”. É assim que o autor afirme que:
É através da paisagem que o território se torna visível aos cidadãos, o
território como rede de belas paisagens que dão crédito a bondade da
nação, conforme a ideia platoniana do acordo entre a perfeição da forma
(paisagem) e excelência da coisa (nação). (RONAI, 1977).
sobretudo, aquilo que está atrás de mim quando olho para a paisagem” (Ronai,
1977).
A paisagedade já denuncia sua relação explicita com os meios de reprodução
e de divulgação. Pela exigência de densidade de informação, seu espaço parece já
apontar para o urbano e o sujeito que a constitui já se percebe como autor do
mundo, numa relação que em muito se aproxima da dimensão de obra e produto
que Henry Lefebvre nos apresenta em seu texto “A produção do espaço” (2000).
Porém, compreender a paisagem como um objeto feito pelo sujeito é negar que a
percepção do mundo, como já apresentada em Humboldt, é capaz de construir o
sujeito como tal. Nesse sentido, trata-se então de entender que sujeito e objeto
estão em mútua imbricação.
Temos então a paisagem que se realiza apenas como movimento, isto é, ela
é construída pela sociedade, porém, ao mesmo tempo em que é construída pela
sociedade, constrói e molda essa. A paisagem atua como um duplo e a dinâmica
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Essa noção remete a utilização da paisagem como uma mediação entre dois
sujeitos, nos quais um pretende ser o portador da verdade e convencer o
destinatário da racionalidade e da certeza de suas afirmações. A paisagem afirma-
se então como um discurso.
tempos e busca reproduzir a cidade ao mesmo tempo que produz uma nova cidade,
afirmada não mais por sua materialidade, mas sim por sua representabilidade.
Pensar a paisagem como linguagem envolve compreender que a sua
representação é capaz de portar significados e significantes numa relação entre
sujeitos. A linguagem estabelece a necessidade de pensar a existência de múltiplos
sujeitos que se constroem em relação. Para fins desse estudo, longe de alongar
discussões acerca da linguagem, se considera que
a linguagem é uma ordem simbólica, na qual as representações, os valores
e as práticas sociais encontram seus fundamentos. Ela é entendida como
efeito de sentidos entre sujeitos historicamente situados, imbricando
conflitos, reconhecimentos, relações de poder e constituição de identidades.
(STÜBE NETTO, 2007)
O autor destaca o valor histórico da paisagem, bem como seu valor de matriz
que influencia a própria maneira do sujeito se conceber como tal. Avançando,
consegue-se perceber que o autor sugere que a construção da paisagem como
marca se dá como um processo de disputa de significados que acaba por gerar uma
matriz incontestável. Citando o Rio de Janeiro, o autor desenvolverá como a ideia de
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Figura 4 - Cristo Redentor e a “paisagem natural”: O projeto do civilizatório do Rio de Janeiro envolve
a apropriação da Natureza como estética e a negação da favela (ausente no discurso olímpico).
Fonte: site rio2016 (mar./2013)
O cotidiano, escreve Blanchot, já não pode ser alcançado, pois não é mais
aquilo que se vive, mas aquilo que se olha, que se mostra, simulacro e
descrição sem nenhuma relação ativa. O mundo inteiro nos é oferecido sob
a forma do olhar. E nada nos pode inquietar. (CHAUÍ, 2006: 34)
Esse mundo oferecido pelo olhar, pela imagem e que podemos captar, será a
base sobre a qual a paisagem se estabelecerá como um discurso.
Ao falar de paisagem-discurso, o que se faz é afirmar a paisagem como
construção intencional e que envolve a vontade de um sujeito de afirmar
determinadas ideias perante outros. É essa a paisagem que surge quando se fala da
articulação entre publicidade e gestão do espaço. Em termos de estratégia urbana,
os discursos sobre a paisagem e sobre as interpretações possíveis para ela são tão
importantes para a efetiva realização do mesmo, quanto os projetos técnicos que
visam torna-lo operacional. Isto porque é através da paisagem que se afirmam tanto
a necessidade de transformação quanto a de preservação de espaços e através se
constrói a “essência” dos lugares, que os diferenciam e os tornam únicos.
Porém, ao mesmo tempo em que a paisagem permite a construção dessa
“essência”, a seleção efetuada nessa operação acaba por criar um ideal de cidade
que se enquadra no imaginário como a matriz perfeita, como o Éden perdido. Tal
poder decorre de um discurso que não se afirma ou se efetua pela fala, mas de um
discurso que se realiza através da imagem e a imagem, como argumentado na
Análise do Discurso, possui uma interpretação que depende fundamentalmente do
olhar (SOUZA, 2001).
Como imagem, a paisagem torna-se reprodutível e, por isso, capaz de atingir
um grande número de pessoas, porém, não se pode dizer que é uma paisagem já
que ela é reduzida a apenas um fragmento de um de seus aspectos sensíveis, isto
é, a imagem é apenas um recorte incompleto que remete ao aspecto visível da
paisagem e ao ser considerado como tal envolve necessariamente uma limitação e
uma simplificação. Porém, se envolve uma simplificação, ao mesmo tempo, porém
permite a inserção de elementos e seleção de significados.
A interpretação do texto não-verbal se efetiva, então, por um efeito de
sentidos que se institui entre o olhar, a imagem e a possibilidade do recorte
(e não exclusivamente do segmento), a partir das formações sociais em que
se inscrevem tanto o sujeito-autor do texto não-verbal, quanto o sujeito-
espectador. Do ponto de vista ideológico, a interpretação da forma material
da imagem pode se dar a partir da ausência (silenciamento) de elementos
próprios da imagem dando lugar aos apagamentos de natureza ideológica.
Pode se dar também a partir do simbólico, da iconicidade. Ler uma imagem,
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Figura 5 – Batalhão de Operações Especiais - BOPE da Polícia Militar do Rio de Janeiro finca
bandeira no Morro dos Macacos, marco na paisagem que simboliza a ocupação policial da área e a
mudança na representação das favelas “pacificadas”. Fonte: blogdapacificacao.
e necessita-se de apoio popular para tais medidas. Hoje, os Jogos Olímpicos são a
mais nova face dessa política de imagens carioca no qual o ícone da paisagem se
afirma como o principal recurso. A paisagem-discurso não é, entretanto, uma
novidade e exclusividade do Rio de Janeiro, os construtos gerados por essa
estratégia de poder podem ser percebidos em outras cidades que também
mobilizaram discursos, por vezes similares ao Rio de Janeiro, para sua
consolidação.
Figura 7 - Fotoárea com a situação atual da praça XV e a presença do Elevado da Perimetral. Fonte:
Ilhados.com.
Figura 8 - Puerto Madero antes (1989) e depois (2000) da renovação urbana. Fonte:
http://lucianegiacomet.com.br/
a cidade passou a ser tomada como uma máquina de produzir riquezas cujo
papel do planejamento era azeitar essa máquina. Os mais liberais passaram
a criticar o planejamento urbano no âmbito das políticas keynesianas,
responsabilizando-o pelos entraves em se alcançar localizações
empresariais ótimas, fator que terminaria por promover a degradação das
áreas urbanas centrais. (RAEDER, 2010:32)
Por essas definições pode-se perceber que há uma associação imediata entre
o estímulo ao desenvolvimento empresarial e ao crescimento econômico como
formas de se levar a cidade a um novo patamar de social, livre de carências e
déficits urbanos e com redução da desigualdade. Obviamente esse interesse é o
que está no plano discursivo, pois na prática o que se percebe é que com tais
medidas, que reduzem a seguridade social e que aumentam o valor da terra e do
custo de reprodução da vida, levam à ampliação da desigualdade junto com uma
segregação urbana cada vez maior, enquadrando-se fortemente no cenário de
gestão neoliberal da cidade e cuja lógica da paisagem-discurso se enquadra muito
bem, como no caso do Porto Maravilha, na qual a materialização da paisagem se faz
acompanhar de uma destituição do conteúdo social anterior (GIANELLA, 2012).
A cidade é capturada cada vez mais e de forma mais ostensiva pelo circuito
internacional da economia, acentuando-se como um espaço destinado a produção e
reprodução do capital nacional e internacional. Tal processo transforma-a em
mercadoria e como mercadoria ela participa de um mercado específico que, por
necessariamente envolver uma disputa com outras cidades também na busca por
migalhas desse capital, se realiza no plano global. Fernanda Sanchés (2001) nos diz
que:
A transformação das cidades em mercadorias vem indicar que o processo
de mercantilização do espaço atinge outro patamar, produto do
desenvolvimento do mundo da mercadoria, da realização do capitalismo e
do processo de globalização em sua fase atual. (SANCHÉS, 2001: 3)
Como a autora nos mostra, a cidade é um produto especial, pois o que está à
venda é o próprio espaço, que pode ter diferentes apropriações dependendo dos
agentes que o controlam. Fernanda Sanchés (2001) aponta alguns mercados nos
quais a mercadoria e é o espaço e seu ordenamento, nos revelando a pluralidade de
apropriações possíveis, tão distintas quanto os atores que as constituem
(SANCHÉS, 2001:33-34). como uma mercadoria especial,
(...) envolve estratégias especiais de promoção: são produzidas
representações que obedecem a uma determinada visão de mundo, são
construídas imagens-síntese sobre a cidade e são criados discursos
referentes à cidade, encontrando na mídia e nas políticas de city marketing
importantes instrumentos de difusão e afirmação. As representações do
espaço e, baseadas nelas, as imagens síntese e os discursos sobre as
cidades, fazem parte, pela mediação do político, dos processos de
intervenção espacial para renovação urbana. (SANCHÉS, 2001:33)
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Quais são os efeitos dessa política de city marketing? Para responder essa
pergunta é preciso considerar que as cidades não competem entre si de fato – até
porque considerar uma disputa de cidades seria considera-las como sujeitos, num
processo de reificação que David Harvey denuncia como uma das falhas do
planejamento urbano (HARVEY, 2005: 169). O que se coloca como uma disputa
entre cidades nada mais é que uma disputa do capital por lugares privilegiados para
a sua reprodução. A chamada da cidade para esse embate permite que as
empresas e instituições mobilizem estratégias que levem a flexibilização de normas
e leis que regem o uso do solo, a taxação tributária e mesmo leis trabalhistas e
ambientais de forma a levar tais investimentos a auferirem maiores lucros com
menores riscos, o que vemos nada mais é do que a transferência da disputa do
domínio empresarial para o domínio político, aprofundando as características
neoliberais da gestão urbana. Dentro dessa lógica, Sávio Raeder (2010) nos
apresenta como pontos da gestão neoliberal, os seguintes pontos:
- o estabelecimento de parcerias entre os setores públicos e privado;
- a criação de ambientes favoráveis aos negócios privados;
- a adoção de posturas negociadoras e flexíveis pelo poder púbico;
- a incorporação de uma racionalidade empresarial na administração
urbana;
- a venda de projetos públicos a investidores privados;
- a competitividade interurbana. (RAEDER, 2010, p.28)
que leva a construção da marca da cidade, neutra e que conduz a essa “ilusão de
participação”.
Aqui se trabalhará indistintamente as ideias de publicidade e propaganda, por
reconhecer que quando se trata da cidade esses pares se confundem – e, como
veremos, por vezes de forma intencional – e é praticamente impossível reconhecer
quando se trata de um objetivo mercadológico (publicidade) ou de difusão de ideias
(propaganda) (GOMES, 2001). Apoiando a nossa perspectiva de considerar
indistintamente ambos os conceitos, já que aqui abordamos em relação aos seus
efeitos. Encontramos a conceituação de Marilena Chauí (2006) que, ainda que não
as considere a mesma coisa, apresenta uma definição diferente de propaganda e
publicidade ao afirmar que
A propaganda é a difusão e uma divulgação de ideias, valores, opiniões,
informações para o maior número de pessoas no mais amplo território
possível. É com este sentido que falamos em propaganda religiosa e em
propaganda política. Ambas, porque se dirigem publicamente ao maior
número possível de pessoas, são formas de publicidade. (CHAUÍ, 2006, p.
37)
Falar de Olimpíadas hoje é falar de seu papel como projeto político envolve
pensar no seu crescimento como megaevento, sua abrangência cada vez maior
corresponde exatamente ao processo de midiatização que o evento começou a
passar a partir dos anos 30, através do rádio e placas publicitárias, nos Jogos de
Los Angeles em 1932, acentuando-se nos anos 50, com a atuação da televisão, que
forneceram os ingredientes necessários para tornar os Jogos Olímpicos um evento
extremamente atrativo ao mercado publicitário, desta maneira, não tardaria para que
o evento passasse a angariar fundos através da estratégia publicitária. O que se
verificou já a partir dos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960 (PRONI, 2008; RUBIO,
2005).
Não obstante a implantação da estratégia publicitária realizada nos anos de
1960, ainda levaria muitos anos até a consolidação efetiva do modelo olímpico
moderno. Que só viria a ocorrer com o início da era neoliberal nos Estados Unidos e
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seria emblematicamente lançado na mesma cidade que nos anos 30 havia lançado
mão pela primeira vez de estratégias publicitárias nos Jogos Olímpicos. Assim, a
cidade de Los Angeles no ano de 1984, superando o fracasso econômico de
Montreal em 1976 e o boicote estadunidense aos Jogos de Moscou em 1980,
lançaria as bases do sucesso comercial das Olimpíadas inaugurando de fato a sua
consolidação como um megaevento, tornando os Jogos Olímpicos – pela sua
magnitude, abrangência e números de participantes –, o maior megaevento
esportivo do mundo e com cifras e impactos socioeconômicos e urbanos
significativos.
É a partir da década de 1980 também que o caráter Olímpico sofre as
maiores mudanças desde a sua constituição. Na mesma década cai a proibição de
atletas profissionais competirem nas Olimpíadas e também passa a ser permitida a
exploração comercial dos símbolos olímpicos (a bandeira, o símbolo, o lema, o hino
etc.). As Olimpíadas de Seul, realizada na capital de um dos Tigres Asiáticos, a
Coréia do Sul, em 1988, marcaram a transformação na gestão dos patrocínios para
os Jogos olímpicos
Em vez de os patrocínios serem negociados de forma descentralizada pelos
comitês olímpicos nacionais, o COI passou a centralizar as negociações e
adotou uma estratégia globalizada. Para Seul-1988 foi criado um novo
programa de marketing (The Olympic Partner Programme – TOP), com nove
categorias de produtos e serviços. (PRONI,2008)
instalações e uma organização que primava pelo esmero. Mas foi nos Jogos
Olímpicos de 1992, realizados em Barcelona que o mundo viu se consolidar uma
nova forma de fazer e se pensar as Olimpíadas.
O novo modelo olímpico alcançaria sua consolidação em 1992, em Barcelona,
cujo planejamento urbano para os Jogos tornaram-se paradigmáticos,
estabelecendo um “novo modelo” que se torna inclusive uma mercadoria para os
Jogos seguintes. Barcelona foi realmente um marco, após os Jogos tornou-se
indiscutivelmente um modelo a ser exportado, cujos métodos foram elogiados e a
reestruturação urbana inseriu a cidade no centro cultural europeu (CAPEL, 2007).
Antes da realização dos Jogos, a cidade de Barcelona se encontrava às
margens da economia europeia, cidade de um país periférico no contexto europeu e
que buscava se reconstruir depois da longa Guerra Civil e do forte conflito por
autonomia na região da Catalunha, da qual Barcelona é a cidade mais importante.
Realizar os Jogos Olímpicos era também reconstruir a cidade perante o mundo.
Porém, Barcelona não era uma cidade qualquer, a sua própria condição de capital
de uma nação não reconhecida a insere de forma diferenciada no contexto político
com uma sociedade civil bastante atuante e governos tradicionalmente de esquerda.
Tal situação política “obrigou” a negociação com os movimentos sociais e, num
momento em que o otimismo quanto empresariamento urbano era a marca do
cenário neoliberal nascente resultou numa grande injeção de capital internacional,
especialmente europeu, que colaboraram para a reconstrução da cidade (CAPEL,
2007).
Com os Jogos Olímpicos de Barcelona, desfilam-se as vantagens da
realização desse evento e a possibilidade de reestruturação da cidade e sua
adaptação a competição internacional bem como a revitalização de áreas
deterioradas, se as Olimpíadas serviram para reconstruir a cidade de Barcelona e
promovê-la no cenário global de cidades, podemos dizer também que graças aos
Jogos de 1992 que as Olimpíadas consolidaram-se como megaevento capaz de
transformar a cidade. Segundo Kátia Rubio (2005),
Um megaevento se caracteriza por seu caráter temporal, sua capacidade de
atrair um grande número de participantes de diversas nacionalidades e
também por chamar a atenção dos meios de comunicação com um
ressonância global. (RUBIO, 2005)
63
cosmopolita, voltada para o futuro. Foi esta a fórmula que Sydney-2000 consagrou.”
(PRONI, 2008: 24).
Os Jogos Olímpicos de Sidney abriu espaço nas Olimpíadas para a questão
ambiental, demonstrando em sua carta de interesses a preocupação com a proteção
ao meio ambiente e ao fato de ter sido a primeira cidade-sede a buscar colaboração
de órgãos ambientais e ter tido relatório positivo do GreenPeace (LEME, 2008: 214),
o meio ambiente começava já lá a ganhar importância no contexto político dos jogos.
Esses Jogos já apresentaram a “cara do modelo Barcelona”, isto é, um modelo
descentralizado, pensado ao longo de vários anos antes da realização dos Jogos e
que envolve profundas alterações urbanas, destinado a atuar especialmente em
cidades ainda não dotadas de estruturas urbanas densas e funcionais:
Várias obras (melhoria dos níveis de poluição, criação de novas estradas e
nova ligação ferroviária, instalação de serviços de telecomunicações e
eletricidade) tiveram de ser realizadas para preparar a cidade, assim como
diversos serviços tiveram de ser ampliados para garantir o apoio essencial
para o funcionamento das instalações e para propiciar conforto aos turistas
durante os Jogos. (PRONI, 2008: 27)
muito avançado das obras, já em 2004, provocando um inédito pedido do COI para
retardar as obras (Esportes Terra, 2004).
Por fim, com o término das Olimpíadas percebeu-se que estas ficaram muito
abaixo das expectativas e o endividamento público para a realização dos Jogos
trouxe mazelas ao Estado grego maiores do que os benefícios gerados pelos Jogos.
A monumentalidade dos estádios e o direcionamento ao mar e aos turistas na Baía
de Falero, logo encontraram seu limite de exploração e a crise de 2008 mostraria
que apostar num modelo econômico pautado no turismo internacional implica em
maior vulnerabilidade às crises econômicas. Assim, em 2004, os Jogos Olímpicos
representaram para Atenas, ironicamente, um presente de grego.
As Olímpiadas seguintes seriam os Jogos de Pequim de 2008, realizado
poucos meses antes de estourar a crise imobiliária que atingiria os EUA e logo se
espalharia como crise econômica pelo mundo e que reforçariam ainda mais a
posição da China no mercado global. Essas Olimpíadas tiveram como principal
objetivo mostrar o poderio econômico da China e sua capacidade de se afirmar
como potência mundial, que se revela pela conclusão antecipada das obras dos
Jogos, a organização esmerada e o sucesso esportivo de seus atletas, rompendo
uma hegemonia estadunidense e colocando-se em primeiro lugar no quadro de
medalhas.
A organização dos Jogos de Pequim elevou o custo dos Jogos a patamares
incomparáveis, numa demonstração da força econômica da China e ao mesmo
tempo, a sua capacidade mobilizadora e de transformação, Ricardo Ricci Uvinha nos
indica que
Ao todo, estima-se que foram gastos em torno de US$ 42 bilhões de dólares
para essa edição dos Jogos, sendo US$ 40 bilhões para melhorar a
infraestrutura da cidade sede e US$ 2 bilhões para a construção dos
equipamentos diretamente relacionados ao evento (ginásios, estádios,
arenas), um recorde de investimento que antes era da edição de Sydney em
2000, com US$ 8 bilhões (UVINHA, 2009: 114)
Portanto, que a Cidade Maravilhosa têm seu conteúdo político embutido, isto
é, a busca de uma civilidade a partir da intervenção urbana direcionada
especialmente na retirada dos pobres de áreas estratégicas da cidade. Desta
maneira, fica impossível não perceber que a Cidade Maravilhosa encontra-se em
total sintonia com a ideia apresentada de city marketing, proporcionando a venda da
cidade através da paisagem, a Cidade Maravilhosa permite também a construção de
um consenso fácil e que apela para a emotividade, para o “patriotismo de cidade”
(Vainer, 2009; Sanchés, 2001).
negação do presente, longe de ser neutra, faz parte do processo que a constrói
como um estereótipo e como uma estratégia do espetáculo. É só no presente que os
sujeitos agem e percebem suas ações, ao ser “retirada” do presente, a “Cidade
Maravilhosa” paira como um ente fora do alcance e místico. Influenciando
decisivamente o cotidiano, mas não permitindo uma contestação real, seria um
destino manifesto.
Seu limite geográfico é bem expresso pelos mapas das figuras nove e dez, o
primeiro mapa, referente ao “mapa olímpico”, revela a extensão e os limites da
“Cidade Maravilhosa”, em um recorte que cobre apenas uma pequena parte da
cidade e da metrópole, por outro lado, compreende a totalidade dos
empreendimentos para as Olimpíadas e também onde se localizam os marcos que
produzem o “Patrimônio Mundial” presente na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de
uma pequena porção da metrópole do Rio de Janeiro, consagrada ao turismo
internacional e que se torna marca distintiva da cidade, ocultando todas as
dinâmicas envolvidas entre a cidade e toda a sua região metropolitana.
Consideravelmente maior e mais complexa e as quais não se pode ignorar como
afetadas pelas transformações efetuadas na cidade.
75
Figura 9 - O mapa Olímpico: Reflete o mapa do Patrimônio Histórico (A Cidade Maravilhosa). Fonte:
rio2016.org
Figura 10 - A Região Metropolitana do Rio de Janeiro: A Cidade Maravilhosa se dilui numa grande
metrópole. Fonte: www.rio.rj.gov.br/web/ipp.
76
vista, torna indisfarçável a presença das favelas no seu entorno, presença essa que
busca ser ocultada nas representações do estádio.
Figura 11 - O Cristo Redentor sobre a Baia de Guanabara: Imagem consagrada representando o Rio
de Janeiro. Fonte: rio2016.org
Figura 12 - O Maracanã visto do Corcovado, um ângulo poucas vezes colocado, pois a presença da
favela é indisfarçável.
78
Tal recorte da cidade vai corresponder no mapa olímpico (figura 15) às áreas
destacadas como “Região Maracanã” e “Região Copacabana”, áreas da cidade
valorizadas a muito tempo e que tem suas políticas voltadas para o usufruto das
classes médias e altas da cidade, numa política que vai empurrando o pobre para
cada vez mais longe da cidade e na qual a favela é um incômodo problema a se
assentar no meio dessas áreas de valorização.
É sobre essa paisagem que se desenvolve a própria ideia de Rio de Janeiro.
A utopia que ainda não propõe uma integração, mas que reforça o processo
colonizador, colocando agora a favela como a área que precisa ser controlada,
civilizada ou exterminada. A favela é o contraponto da maravilha, que ao mesmo
tempo em que deve ser escondida, deve ser atacada e é através de seu
ocultamento enquanto parte da cidade que permitirá que o ataque se legitime e se
opere como forma de extração daquilo que “não é” a cidade, aquilo que é outra coisa
e que nega a maravilha que “é”. Se não é escondida, precisa ser “civilizada” e é
nesse sentido que as Unidades de Polícia Pacificadora são levadas a cidade e
ocupa as favelas mais “visíveis” no trajeto olímpico, ocupando as favelas da área da
Tijuca e da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.
Como elemento do discurso sobre a cidade, uma paisagem-discurso, a
Cidade Maravilhosa foi se construindo como um discurso da elite, destinado ao
ocultamento e a condenação da pobreza, já de início é construída como uma
imagem da elite para a sua visão sobre a cidade. Com a extirpação da mazela e da
marca do pobre sobre ela e de sua expressão sobre ela. É a negação da favela e do
espaço do pobre na cidade. O discurso gerado por ela não é oculto, mas ao mesmo
tempo é naturalizado, pois a beleza ainda é considerada como um atributo alheio a
politica. Ao defender a beleza da cidade, gera-se uma aura de consenso e forma-se
a base do que será entendido como a representação da cidade. Como
representação, a Cidade Maravilhosa excluirá do pobre a condição de fabricante da
paisagem do Rio de Janeiro, eliminando-o de sua condição de sujeito de sua própria
paisagem (BARBOSA, 2010).
É uma paisagem cujo discurso não inclui os sujeitos, mas sim que transforma
a cidade num “sujeito ensimesmado”. A paisagem é retirada da vivência e
transferida ao espetáculo e a representação, tal operação é feita com a veiculação
de imagens e publicidade, seja governamental ou de empresas que recriam o Rio de
80
Janeiro para seus interesses. Como espetáculo, ela está longe da possibilidade de
crítica e de construção. Não é mais um objeto palpável, mas uma paisagem que se
justifica por si mesma. É dessa maneira que de marca, a Cidade Maravilhosa é
usada também como a representação e passa a substituir a cidade no imaginário
coletivo. Substituída, a cidade não tem mais sujeitos formadores e nem um debate
que a institua, ela é o reino do consenso e palco dos especialistas. Sob o véu da
Cidade Maravilhosa, a cidade do Rio de Janeiro pode ser administrada para além
dos interesses sociais, a paisagem-discurso camufla as intenções e as tensões, ao
ocultar as contradições da cidade e revelar apenas a beleza consensual e admirável.
A paisagem que oculta e revela, permite aqueles que a articulam e veiculam a
inserção de seus próprios ideais e valores, funcionando efetivamente como um
discurso, discurso esse que, se já foi de uma legitimação da remoção do pobre do
tecido urbano, hoje ganha uma vestimenta mais complexa, ainda que as estratégias
sejam as mesmas. A Cidade Maravilhosa afirma o Rio de Janeiro como uma cidade
consumível, que necessita ser preparada para o mercado internacional de cidades,
da qual ela “perde” por não estar devidamente sintonizada com tudo aquilo que
significa. Dessa maneira, ao ser a representação a cidade é absolutamente inserida
na sociedade do espetáculo, e como já foi dito, tudo é mercadoria na sociedade do
espetáculo. (DEBORD, 1997). Não poderia ser diferente com a Cidade Maravilhosa.
Se o Plano Agache é um exemplo dos anos trinta da seleção de paisagens
para a classe social dominante, será a partir dos anos de 1990 que se passará a
associar a paisagem com um sistema simbólico econômico na cidade, visando a
revalorização urbana e um projeto político com o objetivo de obter os Jogos
Olímpicos de Verão. Destacam-se nesse sentido os projetos RioCidade (1993), que
mais tarde se enquadraria no Plano Estratégico do Rio de Janeiro (1995) e a
realização dos Jogos Panamericanos de 2007.
assolava o país desde os anos de 1980, a qual se refletia na cidade e que afetava
profundamente o sentido de pertencimento do carioca (PIÑON, 2006: 185). A
operação realizada pelo Rio Cidade visava então, através de ações pontuais e
específicas, destinadas a melhoramentos urbanos e a reconstruir a imagem do Rio
de Janeiro.
O projeto Rio Cidade é considerado um projeto estratégico para a cidade
porque contribui para mudar a sua imagem através da valorização do
estético; a recuperação do funcional; a inclusão da vertente ética, pelo
respeito ao direito de cada um – e de todos – de participar e decidir
(IPLANRIO apud DOMINGUES, 1999: 68).
2001. Será nesse ano, com a confirmação da candidatura, que pode-se considerar
que há uma “virada” nos objetivos do planejamento urbano do Rio de Janeiro. Se até
então tratava-se da busca da inserção da cidade no panorama dos megaeventos
globais e, consequentemente, no mercado global das cidades, os Jogos pan-
americanos representam o degrau que eleva a cidade ao patamar de cidade global,
ao menos na visão que passa a gerir a cidade e suas modificações.
Com a conquista dos Jogos Panamericanos de 2007, o Rio de Janeiro
consolida seu projeto olímpico. Conforme dito pelo próprio prefeito à época, César
Maia, o objetivo principal dos Jogos pan-americanos era “trazer as olimpíadas para o
Rio de Janeiro” (entrevista para a Academia Brasileira de letras disponível em
www.acadbrasil.com.br/artigos/artigos_assunt_pol.htm). Tanto pode se perceber
assim que os custos gerados para o Panamericano foram muito superiores aos que
vinham sendo praticados. Conforme as pesquisadoras Tamara Tânia Cohen Egler e
Fabiana Mabel de Oliveira (2010) mostram:
A realização dos jogos pan-americanos teve um custo extremamente
elevado: a previsão inicial foi de R$ 691.013.912,00[2]; hoje, esse valor
subiu para cerca de R$ 4 bilhões. O custo médio das quatro edições
anteriores (Santo Domingo, Winnipeg, Mar Del Plata e Havana) ficou muito
abaixo disso: cerca de R$ 280 milhões cada. (EGLER E OLIVEIRA, 2010:
91)
que se observou foram apenas muitos projetos para a construção de novas vias e
com diversidade de modalidades,
Entre eles, estava previsto a construção de duas novas linhas de metrô, a
Linha 6, ligando a Barra ao aeroporto internacional, e a Linha 4, da Gávea
até a Barra. Além disso, havia a promessa do Transpan, linha de trem que
ligaria a Barra até o aeroporto seguindo o traçado da Linha Amarela
(ARAUJO apud ALMEIDA, 2010).
Os anos 2000 também marcaram o fim da “Era César Maia”, com a eleição de
Eduardo Paes para a prefeitura em 2008 e a conquista dos Jogos Olímpicos em
2009, o “fruto” das políticas do novo milênio passariam por reformulações e
reorientações decorrentes das leves, mas significativas mudanças que a alteração
do prefeito causou. A mais impactante talvez seja a propalada aliança entre as
instâncias municipais, estaduais e federais, considerada uma das principais forças
da candidatura da cidade. Em relação ao projeto, outra mudança significativa foi a
transferência da Vila de Mídia da Barra da Tijuca para a Zona Portuária, num projeto
que se casa com a proposta do prefeito eleito Eduardo Paes que se baseia na
renovação da área portuária dentro do chamado “Porto Maravilha”, também
fortemente apoiado na paisagem e que reforça o papel da Cidade Maravilhosa como
paisagem-discurso do Rio de Janeiro.
Mais do que uma simples troca de lugar, o Porto Maravilha é um símbolo da
apropriação capitalista da cidade a partir da venda da paisagem. Com um modelo
pensado para ser pautado numa gestão privada de serviços, o projeto pretende
construir uma verdadeira zona de exceção na Área Central da cidade, contando para
isso com toda a estrutura e investimento do capital público justificado como
necessário para “revitalizar” uma área degradada (GIANELLA, 2011). E, claro, um
projeto dessa envergadura que pretende destinar uma parte da cidade ao capital
financeiro internacional (e para tanto excluindo as dinâmicas atuais da área), recebe
a alcunha que caracteriza a cidade: “Maravilha”.
85
O Rio de Janeiro disputou ser a sede das Olimpíadas de 2016 num processo
que contou com as cidades de Baku (Azerbaijão), Doha (Qatar), Praga (República
Tcheca), Chicago (Estados Unidos), Madri (Espanha), Tóquio (Japão) e Rio de
Janeiro (Brasil) e foi classificado na primeira fase eliminatória, juntamente com as
cidades de Madri, Tóquio e Chicago, sendo que dessas, o Rio de Janeiro foi aquela
que apresentou a menor nota nos quesitos de classificação determinados pelo COI
(GONÇALVES & VIANA, 2010: 58). Entre esses critérios, encontrava-se a
adequação e estrutura urbana da cidade para as olimpíadas, mecanismos de
financiamento, experiência em megaeventos e, dois pontos que tem crescido em
importância: legado e meio ambiente.
Os desafios a serem cumpridos pela cidade proponente passam pelo
julgamento e concorrência com outras cidades que tratam esses pontos através de
um dossiê de candidatura e de um vídeo de candidatura olímpico. Como forma de
reforçar a avaliação das cidades postulantes, o processo de candidatura é cercado
por uma série de avaliações e visitas dos membros do COI além do aspecto técnico,
90
2000. As falas tiveram por intuito sensibilizar as opiniões, além de conseguir marcar
uma posição firme no sentido de destacar uma posição do Rio de Janeiro de
desafiante de uma lógica colonial, que exige para o mundo subdesenvolvido a
mesma prerrogativa que o mundo desenvolvido de realizar as Olimpíadas e suas
benesses. Como porta voz de tal discurso, está a maior figura pública brasileira do
século XXI, o presidente Lula (LIRA, 2010: 120).
Como suporte a apresentação foram apresentados dois vídeos, um ligado a
fala do prefeito do Rio de Janeiro, e que será analisado aqui, no qual se destaca as
construções a serem feitas na cidade e se compromete a ser um vídeo técnico –
ainda que, conforme vai ser demonstrado, a Cidade Maravilhosa se confunda com a
própria cidade. O segundo vídeo, esse elaborado pelo cineasta Fernando Meirelles,
possui então um caráter marcadamente de propaganda e de divulgação, cujo intuito
é realmente valorizar a receptividade do carioca. Sendo assim, a opção ficou por
fazer a análise do primeiro vídeo, já que no segundo, devido ao caráter explícito, não
permitiria uma análise acurada de seu mecanismo de discurso da paisagem.
O vídeo escolhido para o estudo é o primeiro vídeo a ser divulgado no site do
rio 2016, ainda no ano de 2010 e que foi exposto como o vídeo de candidatura
apresentado ao COI (Comitê Olímpico Internacional) na ocasião da disputa para
sediar as Olimpíadas de 2016, trata-se na realidade do vídeo que foi apresentado
após a fala do prefeito Eduardo Paes. Tal vídeo não se encontra mais no portal
citado, tendo sido substituído por um vídeo de lançamento da marca da cidade, pois
se trata de outro momento onde já se divulga mais como cidade candidata e sim
como cidade sede. Porém, considera-se que este vídeo cumpriu um importante
papel e expressa os aspectos considerados negociáveis na cidade e que são
capazes de agregar características que, ao mesmo tempo, alçam a cidade do Rio de
Janeiro ao patamar de capacidade técnica das demais cidades candidatas e que
também seja capaz de dotá-la de exclusividade que a justifiquem como uma melhor
opção.
Dois outros problemas também foram enfrentados para a elaboração deste
trabalho: O primeiro diz respeito à metodologia de análise do vídeo, ainda crua e que
se valeu especialmente de uma análise “segundo a segundo”, analisando
detalhadamente tanto as imagens quanto as narrações de cada momento, num
método ainda experimental e cuja execução se deu de forma orgânica. O segundo
92
dizem aos nossos olhos, pelas obras dos estetas, que o Rio de Janeiro é
bonito por natureza (BARBOSA, 2010).
Figura 14 - A praia de Copacabana: Cartão Postal do Rio de Janeiro (vídeo no instante 0:04)
Figura 15 - O mapa olímpico: Ocultação pela escala e cores (vídeo no instante 0:19)
Figura 16 - O mapa do Rio de Janeiro: A cidade é maior do que o mostrado. Fonte: portalgeo.rio
estabelecido uma das maiores sedes militares do município (uma área do Exército
de grande importância na estruturação daquele espaço), torna-se inadequado
denominá-lo de bucólico, já que este termo seria próprio a uma região pastoril.
Porém, o termo carrega claramente uma referência de passado, de atraso e de
reminiscência. Ao turista cabe interpretar aquele espaço de uma forma simpática e
saudosista de um tempo “remoto” que deixou marcas. Um espaço da cidade que
agora ressuscita com as intervenções olímpicas e que as possíveis incompletudes
devem-se as rugosidades do passado e não a uma política seletiva do espaço.
Deodoro estaria assim em exato contraponto com a Barra da Tijuca: o bairro
vibrante que respira modernidade e onde os processos e as formas são
constantemente reformulados, no qualque a vida do bairro pode ser medida pela
intensidade das construções e a constante expansão do bairro, sempre de alto
padrão econômico e possuidor de uma aura cosmopolita, a Barra da Tijuca
representa o Rio de Janeiro moderno, capaz de competir com qualquer cidade do
mundo e que dialoga a relação cidade-natureza a partir da construção de paisagens
sem igual. Ela é o Rio de Janeiro do século XXI, “vibrante”, e ainda que suas ruas
sem pedestres transmitam uma sensação de vazio, é o bairro da capacidade e das
oportunidades.
Já o “velho casal” Zona Norte e Zona Sul percebem-se outra relação. O velho
cartaz postal do Rio de Janeiro perde uma importância de centralidade de ações,
mas ainda é a principal referência simbólica do Rio de Janeiro. As imagens de
abertura e encerramento do Vídeo Olímpico destacam isso. O papel para ela é
reduzido no panorama geral de Olimpíadas e apenas às praias é conferido o
estatuto de espaço protagonista de sociabilidade. Ao destacar as belas praias e a
sua fama, o vídeo indica que nada tem a dizer sobre a Zona Sul que não seja de
conhecimento mundial.
Figura 17 - Imagens exibindo a Zona Sul do Rio de Janeiro: Pão de Açucar (vídeo no instante 3:39) e
Praia de Copacabana (vídeo no instante 4:00).
96
A Zona Norte por outro lado “some”, mesmo sendo onde se localiza o
aeroporto internacional e os dois maiores estádios de futebol da cidade, vê-se
reduzida e denominada como Região Maracanã, que abrange desde o Engenho de
Dentro à Área Central do Rio de Janeiro, ao incluir o sambódromo em seu escopo. O
Maracanã é tratado como um ícone “lendário” que não se relaciona com o todo da
Zona Norte, ou mesmo com seu entorno imediato que inclui uma das favelas mais
famosas do Rio de Janeiro, a Favela da Mangueira, além da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. O estádio parece estar sobre lugar nenhum, cabe destacar que a
escolha feita para a sua construção se deu exatamente pela sua posição, pois é
uma das áreas mais articuladas ao todo da cidade, possuindo grande fluxo de
diversas áreas da cidade. Em momento algum estes aspectos são lembrados e toda
sua ligação com a cidade torna-se invisível. O vídeo condena a Zona Norte à
invisibilidade durante as Olimpíadas, o que justifica a quase total ausência de planos
de intervenção na região para a realização das Olimpíadas, enquanto o Maracanã
receberá obras vultosas, que ultrapassam a marca do um bilhão, toda essa área da
cidade, carente de diversos equipamentos públicos e infraestrutura, não é uma
região prioritária de investimentos.
Figura 18 - Maracanã (antes da reforma de 2010): A direita da imagem a Radial Oeste (via de grande
circulação) as vias férreas do sistema de trens suburbanos e do metrô carioca. Fonte:
aninkmarink.blogger.com.
97
Logo após esse panorama geral o vídeo nos transporta para o “detalhamento”
do projeto em cada região, ainda que superficial, fornece um bom panorama das
mudanças previstas. Obviamente esse panorama de regiões, como não podia deixar
de ser, inicia-se pela chamada “Região Barra”, onde nos apresenta o projeto de Vila
Olímpica, enfatizando que os recursos serão provenientes do “plano de
Desenvolvimento do Rio” o que torna ainda mais estranho, já que é em uma região
tão vibrante e efervescente imobiliariamente como a Barra da Tijuca, porque o
Estado destina tamanhos recursos para seu “desenvolvimento”? Ainda mais se
considerarmos que tal empreendimento é uma Vila Olímpica de alto luxo, com direito
a um “espaço de entretenimento” e uma praia particular(!). O que será feito com
essa Vila Olímpica após as Olimpíadas? A Vila do Pan o que foi feita dela? O que a
cidade ganhará em desenvolvimento com isso?
Da Vila Olímpica parte-se para o Rio-Centro, onde se detêm por pouco tempo
informando sobre as competições a serem realizadas ali e partindo para o Centro de
Mídia e o Parque Olímpico, este sim uma das “pedras preciosas” da Olimpíada.
Trata-se de uma obra propalada como legado do Pan e que se destinaria a
formação de atletas. Nessa estrutura se concentraram o maior número de
competições em um único lugar. No total serão 10 modalidades olímpicas e 11
paraolímpicas, podendo-se perceber a centralidade que tal estrutura apresenta no
contexto olímpico. Além disso, neste mesmo complexo se localizam o Centro de
Imprensa e bem próximo a Vila de Mídia, o que denota que seja o principal local
olímpico da cidade (apesar destas informações do vídeo, o Centro de Imprensa e a
Vila de Mídia, foram transferidos para a Área Portuária). Além dessa centralidade
funcional, o Parque Olímpico representa, como foi dito antes, a “cereja do bolo”, é
propalado como um símbolo de sucesso do Pan a ser reestruturado e que “oferecerá
atendimento de primeira linha”, sendo o “primeiro na América Latina”. Por esses
discursos conseguimos perceber a vontade de ser desenvolvido e a busca
incessante de ser como o Primeiro Mundo e diferente de nossos vizinhos
“atrasados”. No parque também é destacado a existência de um palco para a
“celebração do esporte” com telões e atrações musicais.
98
Figura 20 - “Deodoro”: O tecido urbano fica ao fundo e destaca-se a área militar (vídeo no instante
2:26).
Figura 22 - Foto do Maracanã (após as reformas) mostrando seu entorno e a proximidade de áreas
favelizadas. Foto: Marcos Tristão.
Figura 24 - Encerra-se como começou: As praias da Cidade Maravilhosa (vídeo no instante 4:00).
Com base nessa descrição é importante perceber que o vídeo apresenta tais
discursos de uma forma simplificada e veloz, percebemos uma presença da ideia de
Cidade Maravilhosa que circula todo o vídeo, mas que não se afirma com tais
palavras durante a exibição. A análise é feita sobre um vídeo de pouquíssimos
minutos que se vale da força das imagens para a demonstração mais “complexa”
das situações que pretende gerar. A cidade é construída digitalmente, dando a
ilusão de que a cidade do presente é a imagem do futuro. Elementos que nada
significam ao espetáculo são simplesmente ignorados através de uma escolha de
cores que os neutralize (o verde domina o vídeo), ou de uma velocidade que não
permita distingui-los. O vídeo de apresentação da cidade é apenas uma
representação limitada da cidade, porém é oficial e opera a partir de diversas
imagens-síntese e deve ser pensada a partir de suas contradições.
Pode-se notar pela descrição e pela análise do vídeo que há uma clara
estratégia de utilização da paisagem-discurso que permeia em todo momento,
compreendendo a própria lógica de organização e estrutura da apresentação. Com
uma mistura de argumentos mais técnicos e outros mais emocionais, a mensagem
transporta o tempo todo à articulação entre o projeto delimitado para a cidade e a
exibição do belo como um reforço ao discurso.
103
city como venda da cidade, nesse caso, a paisagem-discurso como uma estratégia
central para tal mecanismo de promoção e divulgação da cidade. O grande
diferencial é, e continua a ser, a “Maravilha”. Porém, mesmo a maravilha precisa
passar pelo filtro da concretude e é nela que as contradições se manifestam. É
tentando entender os limites da paisagem-discurso que se precisa pautar pelo que
de fato é feito e estabelecido na cidade, e é nesses momentos que abre a
possibilidade do contra-discurso e da insurreição que se baseia em outras
estratégias para mostrar a sua presença e sua força no espaço. No caso das
resistências aos grandes eventos a serem realizados no Rio de Janeiro, tem-se
vários movimentos, porém, destaca-se a resistência da Vila Autódromo, em
Jacarepaguá, e ao processo de remoção e a resistência social à demolição do
Museu do Índio, no Maracanã. Enquanto o primeiro se relaciona apenas com os
Jogos Olímpicos, o segundo está mais relacionado à Copa do Mundo de 2014, ainda
que o Maracanã também seja um dos locais das Olimpíadas. É importante, portanto,
entender como esses projetos se apresentam para a cidade e o quanto a sua
concretização impõe limites internos às estratégias de discurso e marketing
efetuados pela cidade.
repercussão a partir da segunda metade de 2013 e que polariza uma tensão entre
os interesses do governo estadual e um amplo movimento de solidariedade aos
indígenas lotados no imóvel.
O Museu do Índio reflete um conflito entre o uso social e a necessidade de
capitalização do espaço. Tal qual a Vila Autódromo, a presença de tal instituição
impede a plena circulação do capital e por isso é compreendida como um entrave ao
desenvolvimento pleno do empreendedorismo urbano. A situação do Museu do Índio
é tal que beira o absurdo, assim como no caso da Vila Autódromo, ainda que os
argumentos utilizados sejam consecutivamente derrubados, novos argumentos são
criados na tentativa de legitimar a demolição do Museu para a construção de um
estacionamento (!).
A história do Museu do Índio não pode ser dissociada de outras lutas anexas,
como a demolição da Escola Municipal Friedenreich, cuja luta envolve reviravoltas
importantes e uma garantia da Prefeitura de que a escola não será demolida, com
um tombamento do imóvel expedido pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.
Quanto ao Museu do Índio, o cenário é muito mais delicado e pouco sensível ao
diálogo. O processo de resistência e pressão envolve muitos boatos e por vezes
ações que tangem o limite da legalidade, aqui se recupera rapidamente esse
histórico, que ainda não está encerrado, mas demonstra a força da resistência
através das mídias sociais.
O Museu do Índio é uma edificação ao lado do Maracanã, construída em 1862
e que, em realidade, funcionou como tal durante o período de 1953 até 1978,
quando teve seu acervo transferido para novas instalações em Botafogo. Tal
situação perdurou até que em 2006, um grupo indígena ali se instalou e fundou a
“Aldeia Maracanã”, pregando a valorização dos indígenas do Rio de Janeiro e
fazendo dali um ponto de venda de artesanato cultural e moradia, com a instalação
de ocas e casas. Porém, com as obras do Maracanã, acentuaram-se as tensões
sobre as ocupações naquele espaço.
O início do processo se deu com a afirmação de que a demolição do Museu
do Índio seria uma exigência da FIFA para a estruturação do entorno do Maracanã,
fato desmentido pela própria instituição que afirmou que não pediu a demolição do
prédio. Junto com essa informação, foi dito que a demolição do prédio
corresponderia à necessidade para a execução de um projeto de melhoria de
107
acesso à torcedores, numa obra de caráter municipal, tal informação também foi
desmentida com a informação da prefeitura de que as obras que ocorriam seguiam
em área independente ao Museu do Índio. Em algumas declarações o governador
Sérgio Cabral buscou desqualificar a resistência, negando o direito dos indígenas ao
espaço e desprestigiando o valor histórico do prédio. Como estratégia de resistência,
o que se percebe é uma articulação social muito intensa a partir das redes sociais da
internet, na qual se organiza campanhas de defesa, abaixo-assinados e até mesmo
manifestações de resistência e enfrentamento.
Diferentemente da situação da Vila Autódromo o Museu do Índio apresenta
uma resistência ruidosa e por vezes um impacto social ainda maior que o da Vila
Autódromo, a forma desafiadora que o governo se posiciona demonstra que a falta
de uma presença física dessas pessoas, as quais de fato só se veem os indígenas e
alguns grupos em momentos de mobilização e manifestações. A ausência de
estruturas formais permanentes pode ser um dos motivos que explica o pouco
diálogo e a forma impositiva como as medidas são tomadas. Dois exemplos
demonstram bem o caráter impositivo das atuações governamentais, a mobilização
das tropas do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), para cercar o prédio no dia
12 de janeiro de 2013, a qual houve uma manifestação para impedir sua entrada, já
que os policiais não possuíam ordem judicial para tal, e uma notificação judicial que
determinava a saída dos indígenas num prazo de 10 dias, recebido por esses no dia
18 de janeiro de 2013, porém no dia 26 de janeiro de 2013 uma liminar foi expedida
visando impedir a demolição e a desapropriação dos indígenas gerou novos
contornos e enfim, no dia 28 de janeiro de 2013 o Governo do Estado decretou que
não iria mais demolir, apesar de ter mantido o interesse na desapropriação dos
indígenas e sua realocação em um lugar próximo dali, é importante ressaltar que, no
linguajar oficial, os indígenas são tratados como “invasores”. Os indígenas foram
despostos do Museu do Índio no dia 22 de março de 2013 em uma atuação
fortemente repressiva da polícia militar para a desocupação da área.
A tensão gerada e a necessidade de luta para gerar uma negociação, abre
espaço para se refletir sobre o papel das mídias sociais e seus limites, como
enfrentamentos aos discursos hegemônicos, o último caso analisado aqui e ainda
em curso no fim da escrita desta dissertação, revela ainda mais os poderes, as
possibilidades e as novas contradições das redes sociais para manifestações
108
Figura 26 - Imagem que circula nas redes sociais contestando a informação da mídia.
109
2
http://comunidadevilaautodromo.blogspot.com.br/
3
Tratam-se das leis SOPA e PIPA, que previam censura para internet e geraram um forte tensionamento entre
as corporações de mídia tradicionais e as gigantes da internet.
http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/01/entenda-o-projeto-de-lei-dos-eua-que-motiva-protestos-de-
sites.html
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
importante desse processo e deve ser “pacificada” para o bem viver e usufruto da
maravilha que a cidade oferece.
Sabe-se também que o discurso oficial não se prende apenas ao
planejamento urbano, mas se estende a diversas outras áreas da administração
pública. Desta maneira, se há um discurso oficial que louva as Olimpíadas, há
também discursos na educação, na saúde e, no caso do Rio de Janeiro com
bastante ênfase, na área de segurança pública. Todos estes discursos, em maior ou
menor escala, apoiam-se também em paisagens, como, por exemplo, a imagem da
bandeira do Brasil e do estado do Rio de Janeiro fincada no Complexo do Alemão. O
simbolismo expresso não deixa dúvida de sua natureza.
Como estratégia de convencimento, pode-se perceber que a paisagem-
discurso busca legitimar um determinado posicionamento político, enquanto rejeita
aqueles posicionamentos que tencionam o estabelecido como verdade em suas
afirmativas. Por lidar diretamente com estratégias de imagem, aquele que detém o
poder de difusão e de produção, acaba empoderado no processo de produção da
paisagem-discurso. De outra maneira, a paisagem-discurso oferece um espectro de
atuação do sujeito que rompe sua neutralidade frente a imagem. Como discurso, é
eminentemente uma relação entre um sujeito-enunciador e um sujeito-enunciatário,
sendo ambos portadores de cognição e capazes de intencionalidades distintas.
Enquanto o sujeito-enunciador se vale de sua capacidade de transmissão, valendo-
se dela para transmitir o discurso, com maior abrangência o enunciatário se vale de
seu código pré-estabelecido e de suas experiências para ler o que é proposto pelo
enunciador. Compreender a paisagem a partir da relação entre sujeitos rompe,
portanto, a naturalidade da paisagem e insere a discussão de quem são os autores
da paisagem e para que(m) a construíram. A paisagem-discurso, indo mais além,
coloca como essa paisagem é mobilizada na conformação de narrativas e
construções de sentidos espaciais, compreender sua conformação política e não-
neutra, permite o empoderamento e a possibilidade de paisagens-discursos que
veiculem outras informações além daquelas mobilizadas pelos atores hegemônicos.
Foi nesse sentido que se fez a abordagem especificamente sobre o Rio de
Janeiro, mostrando em especial o peso da Cidade Maravilhosa na conformação da
paisagem-discurso, atuando ela como a legitimadora dos projetos hegemônicos
sobre a cidade. Ao longo da história, muito mais que uma recorrência, o que ocorre
115
ANEXO
BIBLIOGRAFIA
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