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XVI, cita uma das entradas do Diario de sucesos notables, de Antonio de Robles: Ne dia doze (de julho de 1668] morreu Antonio Calderén Benavides, natural do México, um dos mais singulares elérigas que teve esce areebispados além de ser um gal, de bela cara ¢ muito tico, dizia-se muito na época que se conservou viegem.* A Inquisigio queimou muito poucos hereges, mas foram intimeros os clérigos processados e condenados por seduzir suas figis. O relaxamento da moral sexual do povo mexicano segura- mente é heranga da Nova Espanha. Nao seria bom condené-la: seo machismo é uma tirania que ensombrece as relacbes entre 0 homem e a mulher, a liberdade erética as ilumina. 16. Dorothy Schons, “Some ob Doror , “Some obscure points in the life of sor Juana Inés de la Cruz’, Madern Philology, novembro, 1926 14 2. SILABAS AS ESTRELAS COMPONHAM, Tolerincia para com as perdig6es do apetite ¢ intran- sigencia em matéria de opinides e crencas; prodigalidade do cor- _po.esuas paixOes, rigor com a alma e seus clesvarios: nesse mi ‘do nasceu viveu Juana Ings. Mas como era ela ¢ como eram sua casa e gente? Sabemos pouquissimo sobre sua infa pouco ¢ 0 que ela prépria, sempre reticente, nos deixa vislum~ bar em sua Respuesta ao bispo de Puebla e em outros trechos de seus esctitos. Varias vezes alude ao seu génio risonho, vivaz e brincalhao. Castorena y Urstia clogia seu talento répido nas con- versas, sua habilidade dialética e a felicidade e graga de suas im- provisagses. Agudeza e donaire, foram esses 0s tragos que a dis- tinguiram na idade madura e que, na sua infancia, devem se ter ranifestado como fantasia e travessura. A Juana Inés adulta, en- tregue as suas elocubragées intelectuais, nos permite entrever outta, menina, abstraida em seus jogos infantis, ao mesmo tem- po sétia e apaixonada, amante de pular e cantar, mas também de uv as historietas das empregadas e as lendas dos velhos. Ao_ nais sonhadora que contrério de Santa Teresa, deve ter sido. m is reflexiva que sonhadora ‘Menina solitéria, menina que brinca sozinha, menina que se perde em st mesma. Sobretudo menina curiosa. Esse fui seu signo ¢ sua sina: a curiosidade. Curiosa sobre 0 mundo e si pré- pria, sobre o que acontece no mundo e dentro dela. A curiosida- de logo se transformou em paixio intelectual: O que 2 € Como 2 foram perguntas que ela repetiu durante toda a sua vida. Na ‘Respuesta a sor Filotea de la Cruz.ela lembra: 11s stavam em minha presenga duas meninas bincando com um pio, ¢ Togo que vio movimencoe figura, comeci, com esta minhaloucurs, a considrar ofc gra da forma esféia,ecomo durava o impulso jt immpresoc independence de sua causa Desde o principio a curiosidade intelectual foi sua grande paixio. Melhor dizendo, desde o princfpio ela foi a sublimagio da grande paixao. Na mesma Respuesta diz. que aos trés anos de idade conseguiu, néo sem enganos stiplicas, que a professora cde uma de suas irmas mais velhas lhe desse algumas ligdes. Tam- bém nos conta que no comia queijo porque the haviam dito guic isso deixava as pessoas abobadas; nela era maior “o desejo de saber que 0 de comer”. Aos seis ou sete anos jé sabia ler e escre- Foi quando lhe ocorreu pedir & sua mie que a mandasse & ssidade vestida de homem. Diante da previsivel negativa, se consolou estudando ¢ lendo na biblioteca do av6. Para aprender gramatica, cortava cinco ou seis dedos de cabelo e vol- ; | tava a cortéclos se, num prazo que ela mesma se fixava, nio hou- | | vesse aprendido a ligéo: nao lhe parecia que “estivesse vestida de || cabelos uma cabega tio desnuda de noticias” Nao € de estranhar que as lembrangas infantis de séror Juana, apesar de seu caréter fragmentério, tenham sido uma das bases da hipétese de sua ‘masculinidade’. Mas para com- preender cabalmente esses epis6dios ¢ preciso inseri-los no contexto geral de sua infincia, desde a constituicio fisica de Juana Inés até a composigio social e ps(quica de seu mundo. A menina em sua casa, os mais velhos e seus conflitos, as-irmas seus jogos, as babas e suas histérias, as docngas ¢ os trabalhos, os prazeres € 08 feriados, os altos e baixos de uma familia criolla numa fazenda no alto de uma montanha, nos limites da zona fria ¢ da zona quente, entre as fuligens do vulcio Popocatépetl ¢ os canaviais cropicais da planicie. E uma pena que s6ror Juana tenha sido extremamente reservada. Mal fala de sua familia em seu rclato autobiogréfico ¢ nada nos diz do que foi sem diivida a chave de sua situagéo psiquica: a natureza de setis vinculos com o triéngulo composto por sua mie e seus dois amantes. 116 ‘A separacio de seus pais € 0 surgimento de um novo amante, Diego Ruiz Lozano, deve tla afetado profundamence. ‘Assim, a primeira pergunta que devemos fazer é a seguinte: qual foi a natureza de sua relagéo com Pedro Manuel de Asbaje? Se € jimpossivel responder inteiramente essa pergunta, nfio o é dar luma resposta que tena certos tragos de verossimilhanga. nnheceu seu pai? Jé afirmei que a diivida ¢ ficeicia. Nao parece ve~ “Fossimil que Asbaje tenha vivido maritalmente, na mesma casa dos pais de Isabel, com ela e suas filhas. Seja como for, Juana Inés deixou de vé-lo, se & que chegou a conhecé-lo, quando sobreveio separagdo entre Pedro Manuel de Asbaj ¢ Isabel Ramirer. ‘Nao é provavel que o visse depois: € um fato concreto que Asbaje desapareceu inteiramente da vida de Isabel e suas filhas, A separagdo deve ter ocortido quando Juana Inés tinha cinco ou seis ‘anos, se no antes, Justifica minha hipétese este célculo simples Diego, o Jovem, o mais velho dos filhos de Ruiz Lozano, deve ter sido uns oito anos mais jovem que séror Juana, jé que a irma que nascera apés ele, Antonia, tinha dez menos que a pocta.' Dessa forma, provavelmente nasceu em 1656, ou seja, 0 ano em que morreu o avé de Juana Inés e em que foi enviada a Cidade do Mé- xico para viver com os Mata. O fato de quase nunca mencionar 0 pai é mais uma prova do abandono de Pedro Manuel de Asbaje. “Todas essas circunstincias me levam a acreditar que 0 vin- culo entre Juana Inés ¢ seu pai foi inexistente. Melhor dizendo, essa relacdo foi andloga & que nos une aos ausentes: uma relagéo imaginitia. As relagbes com os ausentes esto & mercé da nossa subjetividade: 0 ausente & uma projegio de nossos desejos, édios ¢ temores. Experimentamos a auséncia como vazio, mas é um vazio que preeuchemos com nossa imaginagio. Qual era a ima gem que fazia Juana Inés de seu pai? A projesio infantil da ima- gem paterna, em si mesma complexa, deve ter sido nela singu- larmente complicada e contradit6ria. Trés figuras se misturavarn, sem dtivida, em sua imagem da paternidade: a do pai biolégico, | Ammonia tnha catore anos quando seu pi pdiu, em 15 de detembro de 1672, seu ingreso no convent de San Jeénimo, aos cuidados de sor Juana, que aca- tava de completa vinte equato anos. Gf Enrique A. Cervantes, 2. cit iz Pedro Manuel de Asbaje; a do substituto ¢ rival, Diego Ruiz Lozano; ¢ a do avd, com quem viveu ea quem, quase segura- mente, considerava seu verdadeiro pai, Mas 0 avd morreu em 1656, quando ela tinha oito anos. Por outro lado, justamente por ser provavel que em sua casa se falasse pouco de Asbaje, ela e suas irmis sem duvida tinham uma idéia dessa figura fantéstica, J mulher, Juana Inés nunca falou dele a néo set de forma indi- reta e para se referir & sua estirpe basca, Seja como for, é imposs{- vel que a imagem lendéria do pai nao tenha estado tingida de rancor por set abandono. Rancor ¢, provavelmente, secteta e despeitada admiracio. E dificil que Juana Inés nfo soubesse que Pedro Manuel de Asbaje era um ausente que nunca voltaria. Muito bem, a ausén- cia definitiva, irrevogivel, é a dos mortos. Talvez, antes da morte fisica de Asbaje — ocortida antes de 1669, ou seja, antes de ves- tir o hébito —,? ela o tenha matado ¢ entertado simbolicamen- te, Matar em sonhos a quem queremos ¢ nos tenha deixado é uma compensagio freqiiente entre as criangas ¢ os apaixonados, Com isso quero dizer que o pai nao somente esteve ausente, mas foi um fantasma para Juana Inés. Seus poemas amorosos nunca giram em torno da presenca do amado, mas de uma imagem, forma fantéstica moldada pela meméria ou pelo desejo. A pessoa querida aparece como um ser esfumacado, uma sombra esculpi- da pela mente. As vezes, essa sombra ¢ a de um morto. Um exemplo notivel dessa diltima situacio sio as liras (213), com toda a justiga famosas, nas quais uma mulher chora a auséncia de seu marido defunto. Nesse pocma séror Juana representa papel da vitiva com uma conviccio que vai mais além da retérica barroca. O tema a fascinava: hé outro poema, algumas enclechas (78) néo menos apaixonadas que as liras, em que “expressa em expresses ainda mais vivas 0 sentimento de que padece uma amante de seu marido morto”. E indubitivel a ambigiiidade de seus sentimentos diante do fantasma de seu pai. O ausente era, se no um morto, um 2. Segundo se deduz do testamento de séror Juana (24 de fevereiro de 1669) Mas era verdad que Asbajetinha mortide? Nenhurn documento prova iss. us. desaparecido. Sua falta era motivo de nostalgia ¢ idealizagio: em nossa fantasia os ausentes se agigantam e se tornam heréis ou :monstros. Talvez seus sentimentos nao fossem de orgulho, mas de pena ¢ vergonha: como saber se ele fora um aventureito ou tum pobre diabo, um fidalgo libertino ou um sacerdote indigno? Em qualquer caso, a imagem que teve de seu pai, como eu ja disse, foi uma mistura de ressentimento, nostalgia e — por que iio? — secreta admiracio. Se, como dé a entender sua atitude, la 0 matou imaginariamente ¢ o entertou no siléncio, sta poe- sia 0 desenterrou, transfigurando os dois, ela ¢ ele: ela foi sua vitiva € ele, seu marido morto. Essa fantasia inverte, em seu pri- imcito momento, a situagio arquetipica que, segundo Freud seus seguidores, as criangas adoram diante de seus pais: matar simbolicamente o pai ou a mie para, também simbolicamente, substituf-los. No caso de Juana Inés, se é verdadeira minha su- posi¢do, a menina mata o pai, ndo a mie, e isso indica uma in- versio de sexo e de valores. Dupla transgressio — matar a ima- gem do pai assumir, assim, no a imagem da mie, mas a mas- culina. Essa ‘masculinizagio', porém, por sua ver, é negada num segundo movimento de sua vida psiquica: Juana Inés transforma 6 fantasma paterno no espectro de seu marido e ela se transfor ‘ma em viiva. Assim se realiza a identificacio com a mae — a verdadeira vitiva, embora nio legal, de Asbaje — e a ‘mas- culinizagio’ se transforma em ‘feminizagio’, Juana Inés substitui idealmente sua mac. Nova ambigiiidade: a substituisao se con- suma quando ela se torna freira. O convento nio € tentincia; é a via rumo & transmutagio: a freira é poeta. Pela poesia, ela ressus- cita 0s mortos ¢ os desposa. Como veremos mais adiante, um dos arquétipos da madre Juana, autora de poemas e pesas de te- atro, foi fis, a deusa egipcia que nao s6 é a mae universal das se- mentes, das plantas ¢ dos animais, como inventora da escritura, senhora dos signos. Existe, além disso, outra secreta e impressio- nante analogia entre a ‘vtiva’ Juana Inés e a deusa: Isis ressuscita © irmio-esposo Osiris e com ele se casa. A figura de [sis encarna uma dupla maternidade: a natural e a dos simbolos. A segunda transcende a primeira ¢ séror Juana nela se reconhece. Daf que também se tenha identificado com outras donzelas da Antigii- 119

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