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EDUCAÇÃO E ICONOGRAFIA: A NAVE DOS LOUCOS DE HIERONYMUS

BOSCH

MEIRE APARECIDA LÓDE NUNES (UEM).

Resumo
Neste estudo refletiremos acerca da educação medieval por meio da análise de
imagens. Entendendo a educação enquanto um processo que visa a preparação do
homem para viver em sociedade, assim, requisitando uma educação dos instintos
humanos ou controle das emoções, efetivamos nossas reflexões de acordo com a
fundamentação da leitura de Elias acerca do processo civilizador em consonância
com a leitura de Hegel no que se refere à finalidade da arte. Acreditamos na
pertinência do estudo pelos apontamentos dos autores, pois as leituras de Elias
(1897 – 1990) possibilitam a compreensão de que o processo civilizador pressupõe
uma mudança na conduta dos sentimentos humanos; Hegel traz a arte como
portadora da capacidade de fazer com que o homem experimente sentimentos e
emoções sem que esses sejam vivenciados na realidade, fazendo com que o
homem possa controlar seus desejos. Diante dessas argumentações evidencia–se
que a educação, relacionada ao processo civilizador, pode ser pensada por meio de
obras de arte, assim, concretizamos nossa proposta por meio da análise
iconográfica da obra Nave dos Loucos de Hieronymus Bosch (1450 – 1516). A obra
de Bosch leva–nos a entender que o homem do final da Idade Média tinha, ainda,
uma conduta influenciada pelo caráter moralizador dos pecados, contudo, os atos
pecaminosos estavam presentes em vários segmentos sociais. Assim, sua
representação pode ser entendida como uma forma de refletir o contexto social,
podendo direcionar o homem desse período a um estado de civilidade, já que para
Elias o processo civilizador é constante.

Palavras-chave:
Educação, Iconografia, Bosch.

Introdução

O quadro a Nave dos Loucos do pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), o


qual foi pintado por volta de 1495-1500 , é a expressão da mudança que ocorria no
imaginário do homem naquele momento. O terror da morte espalhado pela Peste
Negra, agora é ocupado por outra vertente, pois "No final do século XV a loucura
emerge e impregna toda a paisagem cultural (FRAYZE-PEREIRA 1984: p. 52). A
loucura é tema que se expressa em ritos populares, literatura e nas artes, as quais
registram a fascinação do homem pela temática.

Portanto, percebe-se uma mudança na característica da arte nesse momento. A ate


medieval configura-se como uma arte cristã, cuja principal justificativa é de ensinar
os preceitos do cristianismo por meio da exposição da vida dos santos e de Cristo.
No entanto, Frayzer-Pereira (1984: p. 54) pontua que no inicio do Renascimento as
imagens ganham outra conotação "Pouco a pouco, a figuração plástica abandona as
funções de lembrar e de ensinar, que eram a sua justificação, e sobrecarrega-se de
um excesso de significações". Essa afirmação de Frayzer-Pereira que se constrói
com o propósito de inserir a temática da loucura na obras de arte traz-nos uma
questão de estrema relevância, pois o autor coloca que a arte deixa de exercer a
função de ensinar, mais adiante ele reforça seu posicionamento com relação a
questão ao mencionar que

[...] a coerção que submetia as imagens à expressão de um único


sentido é rompida. E a figuração plástica abre as portas para o
onirismo: o poder da imagem "não é mais o do ensinamento, mas o
do fascínio". A face silenciosa da imagem é superfície de uma
profundidade inesgotável. Eis por que ela é "uma face enigmática
(FRAYZE-PEREIRA 1984, p. 54).

Partindo dessas indicações de Frayze-Pereira é que nos propomos a discutir a obra


de Bosch dentro do contexto da Educação. Contudo, para tanto precisamos
esclarecer a perspectiva que estamos abordando com relação a Educação, pois se
entendermos a Educação, ao "pé da letra" como a arte de ensinar, estamos nos
distanciando de nossa proposta, uma vez que Frayze-Pereira afirma que no final da
Idade Média a arte deixa de exercer essa função de ‘ensinar'. Visando discutir essa
questão iniciamos nosso texto abordando a relação da Educação com a arte, cuja
fundamentação vem de Hegel e Elias. Na seqüência procuramos desenvolver a
análise da obra Nave dos Loucos de Bosch identificando os símbolos que compõem
a pintura.

Arte: Educação e civilização

O termo civilização, cuja origem se remonta ao final da Idade Média, é usado


corriqueiramente para indicar uma nação. Nesse sentido se relaciona a identidade
de um povo. Contudo, essa visão simplista de seu significado pode ser atribuído a
consciência de superioridade que a Europa propagou de si mesma. Essa afirmação
se fundamenta nos estudos de Norbert Elias (1994: p.23) acerca do processo
civilizador, em suas reflexões o autor pontua que "[...] o conceito resume em uma
única palavra seu orgulho pela importância de suas nações para o progresso do
Ocidente e da humanidade". Porém, o sentido de civilização não é o mesmo em
todas as regiões, para fundamentar seu apontamento, Elias discute o diferente
conceito que os alemães têm em relação aos franceses e ingleses.

[...] no emprego que lhe é dado pelos alemães Zivilisation, significa


algo de fato útil, mas, apesar disso, apenas um valor segunda classe,
compreendendo apenas a aparência externa de seres humanos, a
superfície da existência humana. A palavra pela qual os alemães se
interpretam, que mais do que qualquer outra expressa-lhes o orgulho
em suas próprias realizações e no próprio ser, é Kulter. (ELIAS,
1994: p. 23)

Contudo, mesmo diante dessas várias formas de entender o significado de


civilização, nossa atenção direciona-se à discussão acerca de como se caracteriza e
efetiva o processo de civilização de forma geral, o qual é entendido pelo autor como
um encadeamento de acontecimentos que ocasionam uma mudança no sentido de
um maior controle social. Em suas palavras "[...] dentre os principais critérios para
um processo de civilização estão as transformações do habitus social dos seres
humanos na direção de um modelo de autocontrole mais bem proporcionado,
universal e estável" (ELIAS 2006, p. 23 ).

Essa transformação dos hábitos é o ponto de união que buscamos estabelecer entre
o processo de civilização e a educação, pois Elias (2006) menciona que o ser
humano não é, por natureza, civilizado, mas possui uma potencialidade para atingir
esse estado. Essa afirmação pode ser relacionada com o pensamento de Erasmo de
Rotterdam (1476-1536) o qual afirmar que o homem nasce inacabado e é pela
educação que ele se aperfeiçoa. Tanto Elias, abordando a civilização, como
Erasmos, a educação, mencionam que esses processos são promovidos por um
conjunto de normas e regras voltadas para o controle dos hábitos humanos, os
quais abrangem inclusive o vestir-se, porta-se à mesa, falar em público, etc.

Assim, quando Elias pontua a necessidade de uma regulação dos impulsos


individuais para uma mudança na condição da vida social, podemos entender essa
regulação como uma forma de educar, em suma de formar o homem para viver em
sociedade. Essa regulação dos impulsos se apresenta como uma coação, a qual
pode ser externa ou interna. A coação é o que se mantém nos diferentes empregos
do termo civilização que, muitas vezes, estão bem distantes de sua derivação do
francês civilizer.

A coação social à autocoação e a apreensão de uma auto-regulação individual, no


sentido de modelos sociais e variáveis de civilização, são universais sociais.
Encontramos em todas as sociedades humanas uma conversão das coações
exteriores em autocoações (ELIAS,2006: p.22).

Dessa forma podemos verificar que para a regulação individual do homem é


necessária uma coação externa, mesmo essa assumindo formas variadas de
efetivação. Sobre essa questão Elias (2006, p. 23) comenta que em sociedades em
estágios iniciais de desenvolvimento é necessário coações exteriores constantes, as
quais nem sempre são reais como "[...] as forças da natureza ou os outros
membros do grupo e os grupos humanos inimigos, mas também, muito
especialmente, as coações da imaginação coletiva, na forma de espíritos e dos
respectivos mitos". Nesse momento acrescentamos a discussão os pensamentos de
Hegel com relação a arte, que, a nosso ver, pode ser entendida como uma forma
coação.

Hegel apresenta a arte como uma possibilidade para o homem combater suas
paixões e tornar suas ações mais comedidas, isso devido ao seu conteúdo
moralizador que atingirá a sensibilidade do espírito humano. Sendo esse controle
das ações, primordial para o convívio em sociedade, dessa forma a arte pode ser
entendida como fundamental no processo de educação, ou civilização, dos homens.
Na perspectiva de Hegel (1996, p. 36), a arte pode suavizar a grosseria, disciplinar
os instintos, as tendências e as paixões e assim contribuir para a civilização que é o
antônimo de selvageria, a qual é definida pelo autor "[...] força e poder do homem
dominado pelas paixões. Será ela suavizada pela arte na medida em que esta
represente ao homem as próprias paixões, os instintos e, em geral, ele próprio tal
como é".

É buscando refletir sobre a potencialidade da arte de educar por revelar ao homem


a verdade sobre si, o que ocorre por meio da fruição de quem a recebe, é que
situamos a analise da obra de Bosch que tem como temática central a loucura, pois
de acordo com Frayze-Pereira (1984, p. 56) "as loucas imagens da loucura
fascinam por sua força de revelação".

3 Nave dos Loucos de Bosch

Bosch foi uma artista, considerados por muitos, como um fantástico criador de
monstros. Suas obras são, até hoje, objeto de discussões e controvérsias. Contudo,
não pretendemos adentrar na discussão acerca das particularidades do artista,
apenas gostaríamos de considerá-lo como um homem que viveu no final da Idade
Média e como tal estava envolvido pelas questões de seu tempo.
Os temas desenvolvidos nas pinturas de Bosch são os mesmos que outros artistas
abordaram, portanto não há nenhuma inovação com relação as temáticas, o que
realmente fascina é a forma com que o artista desenvolveu essas questões, como
poderemos verificar na obra Nave dos Loucos.

O significado da nave, ou barca, esta relacionada as viagem realizada pelos vivos


ou mortos. Portanto, a idéia de uma nave de loucos era muito conhecida no período
de Bosch, pois a existência de um barco que tinha a finalidade de transportar os
loucos para fora das cidades é comprovada por muitos historiadores. Esse também
foi o tema de uma publicação em 1492 de Sebastian Brant, a qual ficou muito
popular. O poema de Brant retrata as desordens das condutas dos homens, os
passageiros de sua ‘nau dos loucos' eram "[...] os avaros, os delatores, os bêbados.
São os que se entregam à desordem e à devassidão; os que interpretam mal as
Escrituras, os que praticam o adultério" (FRAYZE-PEREIRA 1984: p. 57).

Bosch, assim como Brant, faz uma critica social, pois conforme as indicações de
Bosing (2006) suas criações tinham um conteúdo moralizador, portanto em um
período no qual ocorriam muitos escândalos religiosos Bosch cria uma obra, cuja
base estrutural é um barco. Existia, ainda, nesse momento uma alegoria que,
segundo a "[...] a tradição cristã, a barca dentro da qual os crentes ocupam seus
lugares a fim de vencer as ciladas deste mundo e as tempestades das paixões é a
Igreja (CHEVALIER 2003, p. 122). Porem, essa transforma-se em uma nave dos
loucos, talvez a escolha por pela organização desse tema deva-se ao fato da "[..]
loucura governa todas as fraquezas humanas. Ocupa o primeiro lugar na hierarquia
dos vícios (FRAYZE-PEREIRA 1984). A neve tem como principais tripulantes dois
religiosos, os quais estão envolvidos pelos vícios pagãos, como podemos verificar
na descrição de Frayze-Pereira (1984, p. 55) dos passageiros de Bosch

[...] vê-se uma religiosa e um sacerdote como personagens centrais,


integrados a uma população embriagada. Eles navegam numa
espécie de Paraíso renovado: tudo se oferece ao desejo. Acima deles
e à frente do barco, empoleirado sobre um galho seco, figura a
personagem do Bufão ou Louco. E mais acima, uma bandeirola
trêmula com o emblema que anuncia "o triunfo diabólico do
Anticristo".

Podemos observar que Bosch dá ao barco uma aparência fora do convencional,


destacamos neste aspecto o fato do pintor trocar o mastro original do barco por
uma arvore. A arvore pode apresentar muitos significados, porém o seu sentido
enquanto um ponto de ligação entre o céu e a terra está presente efetivamente em
sua simbologia. Chevalier (2003, p. 84) atribui esse sentido ao "[...] fato de suas
raízes mergulharem no solo e de seus galhos se elevarem para o céu, a arvore é
universalmente considerada como símbolo das relações que se estabelecem entre a
terra e o céu". O autor ainda afirma que por ela sobem e descem àqueles que são
os mediadores entre o Céu e a Terra. Bosch reforça o sentido de ligação entre o céu
e a terra pela bandeira que está no tronco da árvore, pois de acordo co Chevalier
(2003, p. 118), a bandeira é "Símbolo de proteção, concedida ou implorada. O
portador de uma bandeira ou de um estandarte ergue-o acima de sua cabeça. De
certo modo, lança um apelo ao céu, cria um elo entre o alto e o baixo, o celeste e o
terreno.

Verificamos na imagem de Bosch que existe uma pessoa que esta subindo na
arvore, porém essa pessoa, um camponês, que tem na mão um facão apresenta a
intenção de apanhar um frango que está amarrado no tronco da árvore. Bosing
(2006) atribui a essa representação o sentido da gula, nessa perspectiva
poderíamos entender que as relações entre o céu e a terra estavam sendo
mediadas pelos pecados.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:BoschShipOfFools.jpg

Na arvore, ainda, pode observar uma coruja escondida entre as folhagens. Esse
animal, que conforme a civilização pode simbolizar a feiúra, a morte ou, assim
como a aranha, o deus do inferno, também pode ser relacionada como o
pensamento racional, pois era a ave de Atena, a deusa da sabedoria, como nos
explica Chevalier (2003, p. 293)

Ave noturna, relacionada com a Lua, a coruja não consegue suportar a luz do Sol e,
nesse particular opõe-se portanto à águia, que recebe essa mesma luz com os
olhos abertos. Guénon observou que se podia ver nesse aspecto, assim como a
relação com Atena- Minerva , o símbolo do conhecimento racional - percepção da
luz (lunar) por reflexo - em oposição ao conhecimento intuitivo - percepção direta
da luz (solar) (GUES). Talvez seja também por esse motivo que a coruja é
tradicionalmente atributo dos adivinhos: simboliza seu dom de clarividência, mas
através dos signos por eles interpretados. A coruja, ave de Atena, simboliza a
reflexão que domina as trevas (BAGE, 108).

Portanto, o mastro que tem a função de sustentar as velas que farão a condução da
embarcação, que podemos entender como o destino dos homens, é para Bosch o
símbolo da ligação entre o céu e a terra, cuja relação é permeada pelo pecado e a
sabedoria, portanto, homem faz a sua escolha. A escolha na Nave dos Loucos de
Bosch foi o pecado que se apresenta claramente enquanto que a razão está
escondida.

A escolha pelo pecado feita pelos homens se intensifica ao observarmos as demais


imagens. Do lado direito da pintura encontra-se um homem passando mal, sua
expressão e a posição corporal nos leva a entender que ele esta vomitando, sendo
essa ação relacionada com a gula. A presença do pecado da gula é reforçada por
uma imagem central de um assado pendurado entre uma freira e um sacerdote.
Porém, esses estão envolvidos pela musica que cantam, a qual é acompanhada por
um alaúde tocado pela freira. Sobre esse instrumento Carr-Gomm (160) informa
que "[...] pequenos alaúdes de bojo redondo eram os instrumentos dos menestréis
e acompanhavam danças folclóricas [...]", dessa forma podemos entender que o
alaúde era um instrumento que contribuía para a realização das festas populares,
as quais podemos associar ao que acontece na embarcação dos loucos de Bosch.
Além do instrumento musical podemos perceber que o movimento da boca indicado
pelo pintor dá a intenção que essas pessoas estão cantando, assim é evidente a
presença da musica, a qual é "[...] há muito tempo, associada ao amor [...] Casais
flertando e fazendo musicas juntos pode ser uma alusão a prazer sexual [...]"
(Carr-Gomm , 2004, p.160). Dessa forma, então, evidenciamos um outro pecado: a
luxuria.

Os símbolos da luxuria são vários, comecemos pelo barril, ou tonel que esta dentro
da barca. Para Chevalier o símbolo do tonel, bem como do jarro, associa-se ao do
vinho, da abundancia, da alegria. Podemos observar em outras obras do Bosch,
como a Alegoria da Gula e da Luxúria, esses mesmos símbolos para evidenciar a
luxuria. Provavelmente a presença desses objetos esteja relacionada a simbologia
que envolve Dionísio com relação aos prazeres da carne, pois ele é entendido como
Deus da vegetação, da vinha, do vinho, dos frutos, da renovação sazonal, senhor
da árvore (Plutarco), ele é aquele que distribui a alegria em profusão (Hesíodo).
Gênio da seiva e dos jovens brotos, Dionísio é também o principio e o senhor da
fecundidade animal e humana (CHEVALIER, 2003).

O vinho era a bebida que regava as festas que cultuavam Dionísio, e que provocava
a embriagues e esteria coletiva, esses eventos estão relacionados com a liberação
de todos os instintos e assim se opõe a racionalidade, como podemos verificar nas
palavras de Chevalier (2003, p. 663)

As festas orgíacas, as bacanais, ou até mesmo as meras tendências às orgias


vulgares são, por um lado, uma manifestação regressiva, um retorno ao caos, com
a devassidão na embriaguez, a cantoria, a luxuria, a excentricidade, os travestis
(os monstros do Carnaval), a perda de todo controle racional [...].

A perda da razão é o cerne para entendermos o pecado, pois conforme o


pensamento tomasiano todos os atos realizados de forma comedida não se
caracterizam como pecado, o que o leva a este estado é a extrapolação dos limites,
o qual se dá pela falta de consciência, ou razão. Nessa perspectiva o vinho é um
facilitador do pecado.

Além do vinho, Dionísio também esta relacionado a outros símbolos, como os


frutos, os quais são, para Chevalier (2003, p. 453) "Símbolo de abundancia, que
transborda da cornucópia da deusa da fecundidade ou das taças nos banquetes dos
deuses". Portanto, a fecundidade é o elo que liga o fruto a Dionisio e,
conseqüentemente, a luxúria, pois a fecundidade humana, que é conseqüência do
ato sexual, o qual em abundancia, sem uma condução racional, acarreta no pecado
da luxúria. Na obra Nave dos Loucos não é possível distinguirmos com exatidão
qual fruta Bosch retratou, porem em outras obras do artista podemos verificar
observar muitos morangos e romãs, como em o Jardim das Delicias. Com relação
ao significado do morango Chevalier (2003, p. 629) associa-o a lenda de Perséfone,
para estabelecer essa relação o autor conta a crença de um povo do Sudeste de
Ontário com relação ao morango: "Se a alma do defunto prova esse fruto, ela
esquece o mundo dos vivos, e toda volta ávida e ao reino dos vivos lhe será para
sempre impossível. Se ela se recusa a comê-lo, conserva a possibilidade de
retornar à terra". Já na lenda grega a fruta é a semente da romã que Perséfone, ao
ser raptada por Hades (rei do Mundo Inferior) come sem saber que se provasse de
algum alimento naquele lugar não poderia retornar à terra. Dessa forma para os
gregos a romã é símbolo do pecado, sua semente, como indica Chevalier (2003: p.
788) "[...] condena aos infernos, é símbolo das doçuras maléficas". Assim, sendo a
luxúria provocada pelo prazer, a doçura desse ato torna-se maléfica quando
configura-se em pecado.

Continuando a observação da pintura, percebemos que do lado de fora da barca


tem dois homens nadando, os quais estão nus. A nudez tem, na arte, vários
significados, Carr- Gomm (167) pontua que "[...] pode ser uma representação de
força, deleite, fecundidade ou vergonha". Chevalier (2003: p. 645) também atribui
vários sentidos a essa condição, porém menciona que "É muito natural que a nudez
também designe a pobreza e a fraqueza espiritual e moral". Portanto, nesse
contexto da Nave dos Loucos, entendemos que a nudez esta relacionada a fraqueza
espiritual e moral, como indica Chevalier.

A figura mais curiosa que percebemos na pintura, mas que também, para nós, é o
eixo que articula o sentido moralizador da obra é o menestrel, ou bufão, que está
sentado na corda de sustentação do mastro. Esse personagem representa o outro
lado da realidade, aquela esquecida e que se deseja chamar a atenção. Ele brinca
ironicamente com as questões sérias, importantes, imita as falhas humanas com
uma gentileza cômica. Sua posição na pintura não é por acaso, ele não esta entre
os pecadores, apesar de imitar seus pecados bebendo, ao que tudo indica, vinho, o
bufão esta próximo do meio do mastro. Assim, a coruja que esta no topo da árvore
indica a razão o bufão instiga a reflexão das ações dos homens.

Quando bem compreendido e assumido como um duplo de si mesmo, o bufão é um


fator de progresso e de equilíbrio, sobretudo quando nos desconcerta, pois obriga a
buscar a harmonia interior num nível de integração superior. Ele não é, portanto,
simplesmente um personagem cômico, é a expressão da multiplicidade íntima da
pessoa e de suas discordâncias ocultas.

Contudo, aceita-lo como uma outra parte de si mesmo não é simples. O homem
diante de suas fraquezas e vícios, muitas vezes não os aceita e portanto, atribui
essas caracterizas aos loucos. Em consonância com esse apontamento, Frayze-
Pereira (1984, p. 56) afirma que a loucura é uma possibilidade do homem ver a
"[...] verdade de si mesmo, isto é, ‘suas fraquezas, seus sonhos e suas ilusões'.
Portanto, a loucura existe nos indivíduos humanos, isto é, há diferentes formas
humanas de loucura". Nessa perspectiva, a associação do bufão e da loucura se
afirmam, tanto em seu significado como em seu destino, pois " [...] a história
mostra-nos o bufão associado à vitima nos rituais sacrificiais.[...] A sociedade, ou a
pessoa, não é capaz de assumir-se totalmente: imola na vitima a parte de si
mesma que a incomoda" (CHEVALIER 2003, p. 148). Já os loucos são condenados a
viajarem em uma barca para longe dos muros das cidades onde vive os homens
‘normais'.

É nesse sentido que entendemos a obra de Bosch enquanto uma forma de reflexão,
o artista expõe a dualidade do homem. Ele denuncia seus vícios, sua loucura e nos
leva a pensar acerca da ilusão que se tem de si mesmo, não enxergando a loucura
que habita toda a humanidade.

Considerações Finais

Por meio desse breve estudo pudemos verificar que os conceitos de educação e
civilização se aproximam quando consideramos que ambos têm como finalidade
regular os instintos humanos buscando um bom convívio coletivo. A arte, por sua
vez, participa desse processo pela sua capacidade de regular, ou coagir, as paixões
e sentimentos humanos auxiliando o combate, do que Hegel chama de selvageria.

Nesse sentido, a obra de Bosch Nave dos Loucos traz uma temática que, assim
como a arte de forma geral, proporciona uma visão de si mesmo. A loucura, do
modo em que o artista abordou é compreendida como um outro lado do ser
humano, aquele que abriga a fraqueza, os devaneios, enfim, os vícios humanos.

Percebe-se que Bosch mostra, por meio de todos os símbolos que compõem sua
obra, que todos os homens possuem e estão propensos aos vícios humanos,
inclusive os religiosos, que são os personagens principais da obra. Contudo, os
vícios, dentre os quais a gula e a luxúria são exposto com muita clareza no quadro,
podem ser regulados pela razão que é o elo de ligação entre o céu e a terra.

Referencias bibliográficas
BOSING, W. Hieronymus Bosch: cerca de 1450 a 1516. Entre o céu e o
inferno. Paisagem, 2006.

CARR-GOMM, S. Dicionário de símbolos na arte: guia ilustrado da pintura e


da escultura ocidentais. São Paulo: Edusc, 2004.

CHEVALIER, J. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos,


formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olimpo, 2003.

ELIAS, N. Processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar,1994

ELIAS, Norbert. Escritos e ensaios: 1 - Estado, processo, opinião pública. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar- p. 21-33-, 2006.

FRAYZE-PEREIRA, João A. O que é loucura. São Paulo: Brasiliense, 1984.

HEGEL, G. W. F. Curso de Estética: o belo na arte. São Paulo: Martins Fontes,


1996

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