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BOSCH
Resumo
Neste estudo refletiremos acerca da educação medieval por meio da análise de
imagens. Entendendo a educação enquanto um processo que visa a preparação do
homem para viver em sociedade, assim, requisitando uma educação dos instintos
humanos ou controle das emoções, efetivamos nossas reflexões de acordo com a
fundamentação da leitura de Elias acerca do processo civilizador em consonância
com a leitura de Hegel no que se refere à finalidade da arte. Acreditamos na
pertinência do estudo pelos apontamentos dos autores, pois as leituras de Elias
(1897 – 1990) possibilitam a compreensão de que o processo civilizador pressupõe
uma mudança na conduta dos sentimentos humanos; Hegel traz a arte como
portadora da capacidade de fazer com que o homem experimente sentimentos e
emoções sem que esses sejam vivenciados na realidade, fazendo com que o
homem possa controlar seus desejos. Diante dessas argumentações evidencia–se
que a educação, relacionada ao processo civilizador, pode ser pensada por meio de
obras de arte, assim, concretizamos nossa proposta por meio da análise
iconográfica da obra Nave dos Loucos de Hieronymus Bosch (1450 – 1516). A obra
de Bosch leva–nos a entender que o homem do final da Idade Média tinha, ainda,
uma conduta influenciada pelo caráter moralizador dos pecados, contudo, os atos
pecaminosos estavam presentes em vários segmentos sociais. Assim, sua
representação pode ser entendida como uma forma de refletir o contexto social,
podendo direcionar o homem desse período a um estado de civilidade, já que para
Elias o processo civilizador é constante.
Palavras-chave:
Educação, Iconografia, Bosch.
Introdução
Essa transformação dos hábitos é o ponto de união que buscamos estabelecer entre
o processo de civilização e a educação, pois Elias (2006) menciona que o ser
humano não é, por natureza, civilizado, mas possui uma potencialidade para atingir
esse estado. Essa afirmação pode ser relacionada com o pensamento de Erasmo de
Rotterdam (1476-1536) o qual afirmar que o homem nasce inacabado e é pela
educação que ele se aperfeiçoa. Tanto Elias, abordando a civilização, como
Erasmos, a educação, mencionam que esses processos são promovidos por um
conjunto de normas e regras voltadas para o controle dos hábitos humanos, os
quais abrangem inclusive o vestir-se, porta-se à mesa, falar em público, etc.
Hegel apresenta a arte como uma possibilidade para o homem combater suas
paixões e tornar suas ações mais comedidas, isso devido ao seu conteúdo
moralizador que atingirá a sensibilidade do espírito humano. Sendo esse controle
das ações, primordial para o convívio em sociedade, dessa forma a arte pode ser
entendida como fundamental no processo de educação, ou civilização, dos homens.
Na perspectiva de Hegel (1996, p. 36), a arte pode suavizar a grosseria, disciplinar
os instintos, as tendências e as paixões e assim contribuir para a civilização que é o
antônimo de selvageria, a qual é definida pelo autor "[...] força e poder do homem
dominado pelas paixões. Será ela suavizada pela arte na medida em que esta
represente ao homem as próprias paixões, os instintos e, em geral, ele próprio tal
como é".
Bosch foi uma artista, considerados por muitos, como um fantástico criador de
monstros. Suas obras são, até hoje, objeto de discussões e controvérsias. Contudo,
não pretendemos adentrar na discussão acerca das particularidades do artista,
apenas gostaríamos de considerá-lo como um homem que viveu no final da Idade
Média e como tal estava envolvido pelas questões de seu tempo.
Os temas desenvolvidos nas pinturas de Bosch são os mesmos que outros artistas
abordaram, portanto não há nenhuma inovação com relação as temáticas, o que
realmente fascina é a forma com que o artista desenvolveu essas questões, como
poderemos verificar na obra Nave dos Loucos.
Bosch, assim como Brant, faz uma critica social, pois conforme as indicações de
Bosing (2006) suas criações tinham um conteúdo moralizador, portanto em um
período no qual ocorriam muitos escândalos religiosos Bosch cria uma obra, cuja
base estrutural é um barco. Existia, ainda, nesse momento uma alegoria que,
segundo a "[...] a tradição cristã, a barca dentro da qual os crentes ocupam seus
lugares a fim de vencer as ciladas deste mundo e as tempestades das paixões é a
Igreja (CHEVALIER 2003, p. 122). Porem, essa transforma-se em uma nave dos
loucos, talvez a escolha por pela organização desse tema deva-se ao fato da "[..]
loucura governa todas as fraquezas humanas. Ocupa o primeiro lugar na hierarquia
dos vícios (FRAYZE-PEREIRA 1984). A neve tem como principais tripulantes dois
religiosos, os quais estão envolvidos pelos vícios pagãos, como podemos verificar
na descrição de Frayze-Pereira (1984, p. 55) dos passageiros de Bosch
Verificamos na imagem de Bosch que existe uma pessoa que esta subindo na
arvore, porém essa pessoa, um camponês, que tem na mão um facão apresenta a
intenção de apanhar um frango que está amarrado no tronco da árvore. Bosing
(2006) atribui a essa representação o sentido da gula, nessa perspectiva
poderíamos entender que as relações entre o céu e a terra estavam sendo
mediadas pelos pecados.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:BoschShipOfFools.jpg
Na arvore, ainda, pode observar uma coruja escondida entre as folhagens. Esse
animal, que conforme a civilização pode simbolizar a feiúra, a morte ou, assim
como a aranha, o deus do inferno, também pode ser relacionada como o
pensamento racional, pois era a ave de Atena, a deusa da sabedoria, como nos
explica Chevalier (2003, p. 293)
Ave noturna, relacionada com a Lua, a coruja não consegue suportar a luz do Sol e,
nesse particular opõe-se portanto à águia, que recebe essa mesma luz com os
olhos abertos. Guénon observou que se podia ver nesse aspecto, assim como a
relação com Atena- Minerva , o símbolo do conhecimento racional - percepção da
luz (lunar) por reflexo - em oposição ao conhecimento intuitivo - percepção direta
da luz (solar) (GUES). Talvez seja também por esse motivo que a coruja é
tradicionalmente atributo dos adivinhos: simboliza seu dom de clarividência, mas
através dos signos por eles interpretados. A coruja, ave de Atena, simboliza a
reflexão que domina as trevas (BAGE, 108).
Portanto, o mastro que tem a função de sustentar as velas que farão a condução da
embarcação, que podemos entender como o destino dos homens, é para Bosch o
símbolo da ligação entre o céu e a terra, cuja relação é permeada pelo pecado e a
sabedoria, portanto, homem faz a sua escolha. A escolha na Nave dos Loucos de
Bosch foi o pecado que se apresenta claramente enquanto que a razão está
escondida.
Os símbolos da luxuria são vários, comecemos pelo barril, ou tonel que esta dentro
da barca. Para Chevalier o símbolo do tonel, bem como do jarro, associa-se ao do
vinho, da abundancia, da alegria. Podemos observar em outras obras do Bosch,
como a Alegoria da Gula e da Luxúria, esses mesmos símbolos para evidenciar a
luxuria. Provavelmente a presença desses objetos esteja relacionada a simbologia
que envolve Dionísio com relação aos prazeres da carne, pois ele é entendido como
Deus da vegetação, da vinha, do vinho, dos frutos, da renovação sazonal, senhor
da árvore (Plutarco), ele é aquele que distribui a alegria em profusão (Hesíodo).
Gênio da seiva e dos jovens brotos, Dionísio é também o principio e o senhor da
fecundidade animal e humana (CHEVALIER, 2003).
O vinho era a bebida que regava as festas que cultuavam Dionísio, e que provocava
a embriagues e esteria coletiva, esses eventos estão relacionados com a liberação
de todos os instintos e assim se opõe a racionalidade, como podemos verificar nas
palavras de Chevalier (2003, p. 663)
A figura mais curiosa que percebemos na pintura, mas que também, para nós, é o
eixo que articula o sentido moralizador da obra é o menestrel, ou bufão, que está
sentado na corda de sustentação do mastro. Esse personagem representa o outro
lado da realidade, aquela esquecida e que se deseja chamar a atenção. Ele brinca
ironicamente com as questões sérias, importantes, imita as falhas humanas com
uma gentileza cômica. Sua posição na pintura não é por acaso, ele não esta entre
os pecadores, apesar de imitar seus pecados bebendo, ao que tudo indica, vinho, o
bufão esta próximo do meio do mastro. Assim, a coruja que esta no topo da árvore
indica a razão o bufão instiga a reflexão das ações dos homens.
Contudo, aceita-lo como uma outra parte de si mesmo não é simples. O homem
diante de suas fraquezas e vícios, muitas vezes não os aceita e portanto, atribui
essas caracterizas aos loucos. Em consonância com esse apontamento, Frayze-
Pereira (1984, p. 56) afirma que a loucura é uma possibilidade do homem ver a
"[...] verdade de si mesmo, isto é, ‘suas fraquezas, seus sonhos e suas ilusões'.
Portanto, a loucura existe nos indivíduos humanos, isto é, há diferentes formas
humanas de loucura". Nessa perspectiva, a associação do bufão e da loucura se
afirmam, tanto em seu significado como em seu destino, pois " [...] a história
mostra-nos o bufão associado à vitima nos rituais sacrificiais.[...] A sociedade, ou a
pessoa, não é capaz de assumir-se totalmente: imola na vitima a parte de si
mesma que a incomoda" (CHEVALIER 2003, p. 148). Já os loucos são condenados a
viajarem em uma barca para longe dos muros das cidades onde vive os homens
‘normais'.
É nesse sentido que entendemos a obra de Bosch enquanto uma forma de reflexão,
o artista expõe a dualidade do homem. Ele denuncia seus vícios, sua loucura e nos
leva a pensar acerca da ilusão que se tem de si mesmo, não enxergando a loucura
que habita toda a humanidade.
Considerações Finais
Por meio desse breve estudo pudemos verificar que os conceitos de educação e
civilização se aproximam quando consideramos que ambos têm como finalidade
regular os instintos humanos buscando um bom convívio coletivo. A arte, por sua
vez, participa desse processo pela sua capacidade de regular, ou coagir, as paixões
e sentimentos humanos auxiliando o combate, do que Hegel chama de selvageria.
Nesse sentido, a obra de Bosch Nave dos Loucos traz uma temática que, assim
como a arte de forma geral, proporciona uma visão de si mesmo. A loucura, do
modo em que o artista abordou é compreendida como um outro lado do ser
humano, aquele que abriga a fraqueza, os devaneios, enfim, os vícios humanos.
Percebe-se que Bosch mostra, por meio de todos os símbolos que compõem sua
obra, que todos os homens possuem e estão propensos aos vícios humanos,
inclusive os religiosos, que são os personagens principais da obra. Contudo, os
vícios, dentre os quais a gula e a luxúria são exposto com muita clareza no quadro,
podem ser regulados pela razão que é o elo de ligação entre o céu e a terra.
Referencias bibliográficas
BOSING, W. Hieronymus Bosch: cerca de 1450 a 1516. Entre o céu e o
inferno. Paisagem, 2006.