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Em segundo lugar, eu irei investigar por que aconteceu o cisma entre as igrejas
católicas e ortodoxas, focalizando a atenção nos “pontos históricos divergentes” em
que esta divisão se concretizou.
Primeiro, então, por que deveriam os católicos tomar os ortodoxos não só como
um parceiro ecumênico, mas como parceiro ecumênico por excelência? Há três tipos
de razões: histórica, teológica e prática – das quais, na maioria das discussões,
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somente a histórica e teológica são mencionadas. O que eu chamo de “prática” nos
leva a áreas de controvérsia potencial entre os próprios católicos ocidentais.
Embora a Grande Igreja tenha perdido parte da Igreja dos Padres, com a saída
da unidade católica das igrejas assírias (nestorianas) e ortodoxas orientais
(monofisitas), depois dos concílios de Éfeso (431) e Calcedônia (451)
respectivamente, os cristãos que representavam as duas culturas principais da bacia
mediterrânea onde o evangelho teve seu maior florescimento - a cultura grega e a
latina - viveram em paz e unidade entre si, apesar de agitações ocasionais e de
algumas dificuldades locais até o final da época da patrística.
Essa época teve o seu clímax com o sétimo concílio ecumênico, o Niceno II,
em 787, o último concílio que os católicos e os ortodoxos tiveram em comum, concílio
que, em seus ensinamentos sobre a iconografia, e notavelmente sobre os ícones de
Cristo, trouxe um final triunfante à série de definições conciliares acerca da fé
cristológica da Igreja, que havia sido iniciada com o concílio de Nicéia, em 325.
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conseqüente rivalidade e conflito foi a criação de uma invisível linha divisória no meio
da Europa. E as conseqüências históricas disso, nós as conhecemos suficientemente
bem ao olharmos para a situação atual da ex-Iugoslávia.
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porque nós encontramos esta base na oração de nosso Senhor, na Última Ceia, para
“que todos sejam um”.
Estou enfatizando que deveríamos dar uma maior prioridade para as relações
com os ortodoxos, porque eu não acredito nas afirmações otimistas de muitos
especialistas em ecumenismo, de que todos os diálogos bilaterais – cada uma das
negociações com as comunhões separadas –favoreçam uns aos outros de forma
positiva e sem problemas.
Assim, em primeiro lugar, a Igreja ortodoxa é uma Igreja dogmática. Ela vive
da plenitude da verdade impressa pelo Espírito nas mentes dos apóstolos no primeiro
Pentecostes, uma plenitude que transformou a percepção dos apóstolos e que tornou
possível o tipo de pensamento especificamente cristão que chamamos de
pensamento dogmático.
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A Trindade Santa, o Deus-homem, a Mãe de Deus e os santos, a Igreja como
o mistério do Reino expresso em uma vida comum na terra, os sacramentos como
meios para a deificação da humanidade – nossa participação na vida incriada do
próprio Deus – estas são as verdades entre as quais os ortodoxos vivem, se movem
e têm seu ser.
Em segundo lugar, a Igreja ortodoxa é uma Igreja litúrgica. É uma Igreja que
recebe da liturgia toda uma atmosfera expressa em poesia, música e iconografia,
texto e gestualidade, e o traço característico desta vida litúrgica não é a capacidade
de a liturgia expressar as preocupações contemporâneas (por legítimas que sejam
tais preocupações em seu próprio contexto), mas, para ser bem claro, seu traço
característico é a capacidade de a liturgia agir como um veículo do Reino: ela é nossa
entrada antecipada, aqui e agora, na vida divina.
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Igreja ortodoxa é uma Igreja monástica*
Em quarto lugar, a Igreja ortodoxa é uma Igreja monástica, uma Igreja com um
coração monástico onde os monastérios fornecem os padres espirituais de bispos, os
conselheiros dos leigos e o exemplo de radicalidade cristã. Uma Igreja sem um
monaquismo florescente, sem o “martírio vivo” de um asceticismo inspirado pelo
mistério pascal da cruz do Senhor e pela ressurreição, dificilmente seria uma Igreja
de acordo com o pensamento do Cristo dos evangelhos, pois o monaquismo, dentre
todos os modos de vida dos cristãos, é o que mais claramente, e publicamente, tudo
abandona por causa do Reino.
II
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lado, e o mundo germânico no outro, evangelizadas, como foram, respectivamente,
pelas Igrejas mães grega romana.
O segundo fator principal que contribuiu para o cisma foi a rivalidade entre os
imperadores bizantinos e os papas romanos, considerados como dirigentes da
comunidade cristã, responsáveis pela sua direção global e para o ajuste de seus
problemas organizacionais ou conflitos internos. Constantino, o Grande, não somente
herdou a ideologia imperial dos governantes da res publica romana, mas também
permitiu – talvez encorajou – a transformação desta ideologia em uma amadurecida
teologia imperial, por meio de figuras como Eusébio de Cesaréia [3].
Mas, em geral, é claro que os ocidentais vieram a favorecer uma alta teologia
da Igreja e do bispo de Roma, enquanto os orientais olhavam tal doutrina teológica
com um mau pressentimento, vendo-o como um afastamento do ethos da Pentarquia
(a ideia da concórdia necessária dos cinco patriarcados de Roma, Constantinopla,
Alexandria, Antioquia e Jerusalém – que, ao menos, por volta do oitavo século deveria
ser tida como a visão bizantina normal do que comportava especificamente o poder
episcopal).
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na missa ocidental, e a doutrina do purgatório, especialmente a representação de o
estágio intermediário ser um fogo purificador.
Em todos estes pontos (até mesmo o dos ázimos que poderia ser considerado
um assunto singularmente improdutivo ou pelo menos periférico para o pensamento
cristão) ideias teológicas de grande interesse foram levadas à frente por ambos os
lados, embora hoje, provavelmente, só o Filioque e a questão do primado sejam
consideradas como “pontos de divisão”.
III
Passo agora à terceira parte de meu artigo que concerne à situação atual das
relações católico-ortodoxas. Depois de uma fase preparatória de contatos iniciais,
conhecida como o “diálogo da caridade”, o diálogo teológico católico-ortodoxo foi
oficialmente estabelecido em 1979, com a “declaração comum” feita pelo Patriarca
Ecumênico Dimítrio I e pelo Papa João Paulo II na conclusão da visita ao Fanar, a
sede patriarcal em Istambul, em novembro daquele ano.
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Neste contexto, a situação entre ortodoxos e católicos era em certos aspectos
mais otimista do que, por assim dizer, no tempo do concílio de Florença, mas, em
outros aspectos, ela era menos promissora. Era mais promissora por causa da
participação dos ortodoxos no Movimento Ecumênico desde a década 1920, que
levou a que se acostumassem à ideia de trabalhar para unidade cristã – embora uma
minoria forte e barulhenta sempre tenha expressado reservas para com esta política
como que para confirmar o que os católicos chamariam de “indiferentismo”.
Com o colapso da Rússia czarista em 1917, não havia mais o poderoso protetor
das igrejas ortodoxas, e comunidades ortodoxas em estados hostis como a Rússia
bolchevique ou a Turquia kemalista, ou em estados ortodoxos confessionais
relativamente fracos como a Bulgária e Grécia, precisavam do apoio de uma
consciência política cristã que ainda sobrevivia nas grandes potências da primeira
metade deste século como a Inglaterra e os Estados Unidos.
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No mais de quinhentos anos de falência da união florentina, ortodoxos e
católicos tiveram tempo para ensaiar ainda mais polêmicas um contra o outro,
desgastar as imagens um do outro, e também acrescentar (especialmente do lado
ortodoxo) novas questões de controvérsia doutrinal embora em um caso, a definição
em 1870 da jurisdição universal e infalibilidade doutrinal do bispo de Roma, a
consternação dos ortodoxos fosse, é claro, completamente previsível, como fora
indicado por vários bispos católicos orientais no Concílio Vaticano I.
Uma sombra lançada mais recentemente, era em 1979 apenas uma nuvem no
horizonte, uma nuvem, como nos confrontos de Elias com Acab no Primeiro Livro de
Reis, não maior que a mão de um homem. E esta é a ameaça feita ao diálogo pelo
revigoramento das igrejas uniatas então suprimidas pelos comunistas, ou seja, as
igrejas católicas orientais, especialmente as da Ucrânia e da Transilvânia, durante o
final dos anos 80 e da década de 90.
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O que os ortodoxos bastante natural e justamente objetam é o uniatismo como
método de separar dioceses ortodoxas e paróquias de suas igrejas mães com o
princípio de divide et impera. Nem todas as uniões parciais com os ortodoxos
bizantinos podem ser julgadas historicamente sob este título, pois algumas, como
uma união com parte do patriarcado antioqueno que produziu a atual igreja melquita,
é principalmente o resultado da iniciativa oriental, e não ocidental.
É certamente uma das ironias da história da Igreja que o mesmo Papa (João
Paulo II) que conduziu o início do diálogo católico-ortodoxo seja também o Papa que
protagonizou a destruição do comunismo. O fim da hegemonia marxista-leninista, a
desintegração interna da União soviética, as rebeliões emuladas contra a
nomenklatura nacional comunista em países como a Romênia, fez com que fosse
possível o re-aparecimento de igrejas católicas orientais, outrora violentamente re-
unificadas com as ortodoxas pelo Comintern de Stalin nas repercussões do pós-
guerra.
IV
Isto me traz à quarta e última seção de minha “visão de conjunto” onde, como
mencionei no início, irei individuar um aspecto negativo da ortodoxia para fazer um
comentário, assim espero, caridoso e pacífico de como, em minha opinião, os
ortodoxos necessitam da comunhão católica da mesma forma que – por razões
bastante diferentes já esboçadas – os católicos precisam (neste momento histórico,
sobretudo) da igreja ortodoxa.
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difundido e não prontamente defensável sentimento ortodoxo sobre a relação entre a
nação e a Igreja.
Um exemplo extremo é a filo difundida na Igreja de Sérvia que passa pelo nome
de São Sava, rei sérvio da idade média – consequentemente Svetosavlje, “São-Sava-
nismo”. Esta criação do famoso bispo Nikolay Velimirovich, que morreu em 1956,
argumenta que o povo sérvio é, pela sua história de martírio, uma nação eleita, até
mesmo entre os ortodoxos, portadora sem igual de sofrimento salvífico, um povo
incomparavelmente santo, em contraposição especialmente aos seus vizinhos
ocidentais que são apenas pseudocristãos, que creem na humanidade sem
divindade [6].
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peregrinos não-gregos, totalmente contra o espírito da república monástica atonita
que, historicamente, é um testemunho vivo da inter-racialidade ortodoxa,
internacionalismo ortodoxo.
Nem é necessário dizer: este serviço serve para a construção, não para a
destruição, de toda ordem episcopal, fundada em última instância no testamento do
desejo do Redentor, ao estabelecer a missão apostólica, e mais tarde depurada pela
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Tradição na instituição de patriarcados e outros primados nesta ou naquela porção
do todo eclesial. Mas, ao mesmo tempo, se o ministério de um bispo primaz
verdadeiramente é satisfazer as necessidades da Igreja universal, isso o levará, às
vezes, a ter de tomar decisões que são duras ou impopulares em algumas
comunidades locais.
Para que as Igrejas ortodoxas e católicas se tornem uma só, algumas reformas
da estrutura do primado romano seriam não menos necessárias, especialmente no
nível da cúria romana. A congregação para as Igrejas Orientais se tornaria um
secretariado no serviço dos apocrisários permanentes (enviados) dos patriarcas e
outros primazes.
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Os ortodoxos têm que perguntar a si mesmos (como já o fazem!) se tais
instrumentos de comunhão universal (que limitam e libertam) talvez não valham a
pena. Ou os prazeres da particularidade têm que vir primeiro?
NOTAS:
[1] Cf. A. Nichols, O. P., Light from the East. Authors and Themes in Orthodox Theology (London 1995).
[2] Rome and the Eastern Churches. A Study in Schism (Edinburgh 1992).
[4] Convenientemente coligidos em P. McPartlan (ed.), One in 2000? Towards Catholic-Orthodox Unity
(Middlegreen, Slough, 1993).
[6] Cf. T. Bremer, Ekklesiale Struktur and Ekklesiologie in der Serbischen Orthodoxen Kirche im 19. and
20. Jahrhundert (Würzburg 1992).
[7] [Uma causa justificável de ira entre os católicos orientais de hoje: cf. T. E. Bird, 'The Vatican Decree
on the Eastern Catholic Churches Thirty Years Later', Sophia 21, 4 (1994), pp. 23-29.
* (Destaque do editor)
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