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O âmago da discussão: da sociologia do indivíduo à sociologia do sujeito

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O âmago da discussão: da sociologia do indivíduo


à sociologia do sujeito
Vincent de Gaulejac – Université Paris 7, Denis-Diderot
Tradução de Norma Missae Takeuti – PPGCS/UFRN

RESUMO RÉSUMÉ
Análise da noção de identidade e da noção de indiví- Analyse de la notion de l’identité et de la no-
duo, desenvolvidas por outros autores. Discute-se as con- tion de l’individu, devéloppés par d’autres auteurs.
dições para a construção de uma sociologia do sujeito, Discussion des conditions pour la construction
dentro de uma proposta de se retrabalhar as fronteiras
d’une sociologie du sujet, tout en ayant la propo-
disiciplinares, particularmente entre sociologia e psica-
nálise, para se analisar processos socio-psíquicos que fun- sition de retravailler les frontières disciplinaires, en
dam a existência do indivíduo, sua dinâmica subjetiva, particulier entre sociologie et psychanalyse, pour
sua inscrição social, suas maneiras de ser no mundo e sua analyser les processus socio-psychiques qui fondent
identidade. O social e o psíquico obedecem a leis pró- l’existence de l’individu, sa dynamique subjective,
prias, se apóiam e se enlaçam em combinatórias múlti- son inscription sociale, ses manières d’être au monde
plas e complexas. Espera-se de uma sociologia do sujeito et son identité.Le social et le psychique, quand bien
que ela ofereça uma grade de leitura dessa complexidade
même ils obéissent à des lois propres, s’étayent et se
para melhor compreender em quê o indivíduo é um ser
autônomo e determinado, produto e produtor da socie- nouent dans des combinatoires multiples et comple-
dade, irredutivelmente singular e, contudo, semelhante a xes. On attend d’une sociologie de l’individu qu’elle
todos os outros. O artigo encaminha a proposta de uma nous offre une grille de lecture de cette complexité
sociologia clínica que procure apreender a história dos pour mieux comprendre en quoi l’individu est un
homens como momentos de ruptura, de continuidade être autonome et déterminé, produit et producteur
e/ou de escolhas que se elaboram nos espaços incertos e de la société, irréductiblement singulier et pourtant
que não são produto do livre arbítrio, nem conseqüência
semblable à tous les autres. L’article va vers la pro-
lógica de determinações estruturais, mas que são respos-
tas que os indivíduos e os grupos produzem face às situ- position d’une sociologie clinique qui cherche à sai-
ações contraditórias. sir l’histoire des hommes comme des moments de
rupture, de continuité et/ou de choix qui s’élaborent
Palavras-chave: Sociologia do sujeito. Sociologia clínica. dans des espaces incertains et qui ne sont ni le pro-
Subjetividade. Identidade.
duit du libre arbitre, ni la conséquence logique de
déterminations structurelles, mais qui sont des ré-
ponses que les individus et les groupes apportent
face à des situations contradictoires.
Mots-clés: Sociologie du sujet. Sociologie clinique. Sub-
jectivité. Identité.

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O individualismo triunfante conduz sociólogos Desde então, os sociólogos foram constante-


a se interessarem pela questão do sujeito que foi, mente confrontados com questões que tocam as
por um longo tempo, uma “caixa preta” para um fronteiras e as articulações entre a Sociologia e a
bom número dentre eles. Eles constatam, então, que Psicologia. Quer seja a respeito da subjetividade,
o homem não pode ser considerado somente como da implicação pessoal do pesquisador no processo
um agente preso nas determinações sociais, como de produção do conhecimento, das representações
um ator mais ou menos estratégico, como um in- individuais e coletivas, do lugar do imaginário, dos
divíduo apenas reagindo às interações permanentes, sentimentos “sociais”, das paixões individuais e cole-
mas que ele é, também, capaz de intervir naquilo tivas, ou, ainda, do papel do afetivo e da sexualidade
que o determina e de contribuir para a produção de nas relações sociais.
uma sociedade da qual, aliás, ele é produto. O famo- As tentativas para abordar as questões da iden-
so “retorno do sujeito” conduz um certo número de tidade, do indivíduo ou, ainda, da subjetividade,
sociólogos a reconsiderar as relações entre Sociologia obrigam-nos a reconsiderar as fronteiras disciplina-
e Psicologia. Eles sentem necessidade de instrumen- res habituais. Como pensar as relações entre o pes-
tos para apreender a dinâmica do sujeito nos aspec- soal e o social, ou melhor, as relações entre “o ser do
tos do vivido, do pessoal e da subjetividade. Nesse homem e o ser da sociedade”? Quais são as condi-
contexto, as noções de identidade, de indivíduo e ções para construir uma Sociologia do indivíduo? A
de sujeito tornam-se incontornáveis, porém difíceis resposta a essas questões conduz a construir uma so-
de discerni-los para quem não dispõem de instru- ciologia clínica, na articulação entre diferentes con-
mentos conceituais e metodológicos que permitam cepções do sujeito, integrando, particularmente, a
compreender a misteriosa “caixa preta” que consti- abordagem psicanalítica.
tui a existência humana. Partindo de uma análise fraterna e, contudo,
A profunda desconfiança da Sociologia vis-à- crítica das abordagens de Claude Dubar a respeito
vis da Psicologia em geral, particularmente, a Psi- da identidade e de Jean Claude Kaufmann a propó-
canálise, não facilita as coisas. Para E. Durkheim, sito do indivíduo, no artigo que segue, propomos
(1981, p.103)“todas as vezes que um fenômeno so- descrever as condições para a construção de uma So-
cial é diretamente explicado por um fenômeno psí- ciologia do sujeito.
quico, pode-se estar certo que a explicação é falsa”.
O antipsicologismo a ele atribuído seja, talvez, in- A IDENTIDADE
justo na medida em que ele desejava edificar uma Em sua obra, Claude Dubar (2000) opõe duas
verdadeira psicologia coletiva. Na época, ele queria, formas identitárias a partir da distinção de Max We-
sobretudo, impor a Sociologia contra o organicis- ber entre vergemeinschaftung, ou formas comunitárias,
mo e o psicologismo, desprendendo-a da influência e vergesellschaftung, ou formas societárias. As primei-
da Filosofia. Era, portanto, necessário recusar toda ras fundam-se na “crença da existência de grupa-
forma de explicação que visava buscar as causas do mentos chamados ‘comunidades’, consideradas
funcionamento social nas consciências dos indivídu- como sistemas de lugar ou de nome pré-atribuídos
os ou nas características pessoais. aos indivíduos e se reproduzindo ao idêntico através
de gerações” (DUBAR, 2000, p. 5). Cada indivíduo
 Por exemplo, Pierre Bourdieu declarava: “a sociologia era um se define e é definido a partir de uma pertença a
refúgio contra o vivido […]. Precisei de muito tempo para com-
preender que a recusa do existencial era uma armadilha que a
sociologia produziu contra o singular, o pessoal, o existencial e
que ela é uma das maiores causas da incapacidade dos sociólo-  Segundo a feliz expressão de Roger Caillois, no manifesto fun-
gos em compreender o sofrimento social”, cf. Gaulejac e Roy dador do Collège de Sociologie, publicado na Nouvelle Revue
(1992). Française, em 1938. Cf. Hollier (1995).

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uma comunidade e do lugar que ele aí ocupa. O se- acesso à autonomia de um projeto ‘de si’, é o relato
gundo tipo que emerge nas sociedades contempo- de suas rupturas, assim como de suas continuidades,
râneas, “supõem a existência de coletivos múltiplos, de suas ‘crises’ (inevitáveis), tanto quanto de suas
variáveis, efêmeros, aos quais os indivíduos aderem realizações (eventuais)” (DUBAR, 2000, p.79).
por períodos limitados e que lhes fornecem recursos
de identificação que eles administram de maneira DA IDENTIDADE AO SUJEITO
diversa e provisória” (DUBAR, 2000, p. 6). Cada Claude Dubar (2000) retoma as análises de
indivíduo se define, então, por uma multiplicidade Charles Taylor e François de Singly sobre a função
de pertenças os quais podem mudar no curso de sua central da família contemporânea como lugar da
existência. A segunda forma identitária é, segundo construção da identidade pessoal, do “si íntimo” e da
Claude Dubar (2000), a expressão da crença no pri- experiência subjetiva. Porém, no mesmo movimen-
mado do sujeito individual em relação às pertenças to, ele aí faz demarcações. A identidade mais íntima
coletivas. Ela é a conseqüência de uma crise do sis- sendo, inicialmente, instituída pelo nome e preno-
tema simbólico de designação e de classificação, fi- me, “arrisca-se, então, de se recair de uma identida-
xando o conjunto das categorias partilhadas por um de estatutária do tipo societário a uma identidade
maior número, pelos quais cada pessoa se define em cultural de tipo comunitário” (DUBAR, 2000, p.
relação a si próprio e em relação aos outros. 78). Colocando a ênfase na identidade genealógica e
O autor analisa esta crise nas esferas da vida na inscrição a uma linhagem, facilitar-se-ia a repro-
familiar, das relações amorosas, da vida no trabalho dução social contra a emergência dessa identidade
e das crenças religiosas ou políticas. Ele desenvol- narrativa que dá prioridade à existência subjetiva, à
ve a hipótese segundo a qual as formas anteriores mudança pessoal e à autonomia.
de identificação dos indivíduos, em particular as Para Claude Dubar (2000), o indivíduo deve
culturais, genealógicas e estatutárias, perdem sua “se arrancar” da história para ser autônomo. A iden-
legitimidade em benefício de formas emergentes, tidade genealógica e a identidade pessoal estariam
reflexivas e narrativas. A identidade narrativa seria, em oposição radical. Seu distanciamento em relação
definitivamente, a expressão desta crise. Ele a defi- a François de Singly não é da ordem de uma sim-
ne como uma construção autônoma do indivíduo a ples divergência teórica, ele se expressa como uma
partir da colocação em palavras uma história pessoal posição militante fundada nos seus engajamentos
que faça sentido para “si mesmo” (DUBAR, 2000, de classe. “Tanto melhor se fizermos parte de uma
p.88). Ela se opõe a outras formas identitárias, mais grande família bem provida de recursos, de patrimô-
tradicionais, e mesmo conservadoras, se seguirmos nio, de história de família e de capitais. Tanto pior se
o raciocínio do autor, fundadas no nome, na gene- fizermos parte de uma família popular sem história
alogia, na profissão, na pertença a um grupo social, (exceto de pequenas histórias), sem capitais (ou pou-
cultural, étnico ou religioso. Assim, as identificações co)”, argumenta Dubar (2000, p. 78), para contes-
comunitárias seriam do tipo defensivo na medida em tar a tese segundo a qual a transmissão das heranças
que elas bloqueiam a emergência de identificações familiares é um fator determinante da construção
construtivas, entretanto, incertas do tipo “societá- de si (SINGLY, 1996). É isso que o leva a defender a
rias”. Por outro lado, a identidade narrativa, noção idéia de que a identidade societária deveria se subs-
que o autor parece assimilar com a noção de sujeito, tituir à identidade comunitária que impede a pessoa
seria capaz de construir e de inventar o novo para de acessar a liberdade.
escapar das determinações e do peso da história. “A
identidade íntima é a história da sua arrancada em
relação à família de origem, do papel tradicional, é o
 Em francês: enjeux de classes.

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Podemos compreender que um sociólogo de- e de seus ascendentes (OFFROY, 1989) . O desejo
nuncie posições teóricas, que parecem naturalizar de escapar a uma história banal, ou mesmo infeliz,
as desigualdades sociais, ao invés de descrevê-las. não basta para se desprender da herança familiar. Ao
Porém, é interessante constatar que certas posições contrário, é reconhecendo sua inscrição genealógica
são, às vezes, mais baseadas na história pessoal do que o indivíduo pode verdadeiramente se desfazer de
pesquisador do que numa análise rigorosa dos fa- sua marca, se ele o desejar. E a dinâmica de despren-
tos. Se de um ponto de vista político, a herança é dimento se apóia sobre as tensões entre a identidade
condenável como elemento determinante da repro- adquirida e a identidade esperada. É nesse momen-
dução das desigualdades sociais, de um ponto de to que os conceitos psicanalíticos do Eu, do Ideal
vista sociológico, a herança não é boa nem má. Ele do Eu e do Supereu são importantes. Eles permitem
é o que é e é produto dos efeitos independentemen- compreender a dinâmica psíquica confrontada com
te da posição subjetiva do herdeiro, mesmo quando as tensões externas e internas, entre aquilo que leva
esta seja um elemento essencial para se compreen- a se inscrever na reprodução da linhagem familiar e
der a relação que ele entretêm com a sua herança. aquilo que incita a se realizar “como um si mesmo”.
Pode-se analisar em quê esse fato é portador de de- Existem relações estreitas entre os conflitos ligados
sigualdade e deplorá-lo. É mais imprudente afirmar a mudanças de posições sociais e os conflitos entre
que o despreendimento em relação à família de ori- instâncias psíquicas (GAULEJAC, 1987).
gem seria em si um fator de autonomia. Haveria aí A perspectiva diacrônica é pouco desenvolvida
uma tomada de posição individualista e anti-fami- na obra de Claude Dubar. Se ele situa as dinâmi-
liarista que conduz o autor a se esquivar do peso dos cas identitárias na evolução histórica da sociedade,
registros simbólicos, em particular, daqueles que ele não evoca a dimensão da historicidade na relação
são fundamentados no “imperativo genealógico” entre a identidade originária e a identidade constru-
(LEGENDRE, 1985), e dos registros afetivos, par- ída. Donde a dificuldade em mostrar em que medi-
ticularmente das relações edipianas, no apego do da os desígnios humanos são a expressão do trabalho
herdeiro à sua herança na constituição da identidade do sujeito em face de sua história. É reconhecendo
herdada. em quê a história é nele atuante que o indivíduo
A consideração dos processos de identificação pode tentar dominar a trama.
conduz à interrogação sobre a construção da iden- De fato, existe uma dialética permanente en-
tidade genealógica e familiar como base a partir da tre identidade herdada e identidade adquirida, entre
qual o indivíduo vai construir uma identidade pró- diacronia e sincronia, entre identidade objetiva (esta-
pria. Não pode haver substituição entre identida- tutária) e identidade esperada. Claude Dubar defen-
de genealógica e identidade pessoal porque há um de uma concepção dinâmica do processo identitário,
emaranhamento profundo entre esses dois registros. contudo, não chega a apreender essa dialética. Justa-
Podemos vê-la em obra na dinâmica da relação ao mente, é porque há contradições entre o comunitário
nome e aos prenomes. A identidade própria se cons- e o societário, o genealógico e o pessoal, o passado e o
titui a partir de um nome de família, signo de filia- presente, entre heranças plenas e outras vazias, entre
ção, e do prenome, signo da singularidade, mas que histórias pesadas e outras mais leves, que o indivíduo
porta, entretanto, traços das aspirações dos seus pais é levado a fazer escolhas que o solicitam a se tornar
um sujeito (GAULEJAC, 1999).
A noção de identidade narrativa não está,
 A esse propósito, ver registros do Seminário Histoires de vie et
choix théoriques, Cahiers du laboratoire de changement socias, nos sem dúvida, afastada dessa concepção, à condição
números 2, 3, 5 e 6, nos anos de 1996 a 2001.
 Em francês: enjeux œdipiens. Enjeu, enjeux: termo que em di-
ferentes contextos admite traduções distintas.  Artigo do autor neste dossiê da Cronos.

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de compreender em que o “falar de si” pode ser fator Subscrevemos tais aberturas! Sobretudo, quan-
de mudança pessoal. Não basta falar de si para mu- do o autor declara: “efetivamente, não podemos se-
dar o passado, transformar o mundo ou escapar da parar, completamente, a interpretação das formas
ação das determinações sociais, econômicas e cultu- identitárias socialmente identificáveis da análise
rais. Entretanto, a partir de um trabalho sobre si, o compreensiva e clínica dos processos de expressão
indivíduo pode mudar a maneira como esse passado da subjetividade singular” (DUBAR, 2000, p. 226).
nele atua. Nesse sentido, o indivíduo é o produto de De fato, essa separação é uma das maiores razões da
uma história na qual ele procura se tornar o sujeito. dificuldade, aos sociólogos, para levar em conta o
Convém, igualmente, apreender a dimensão existencial e o subjetivo. “É por esta razão que en-
imaginária da narrativa, não somente naquilo em contramos, ainda, tantas denunciações críticas em
que ela expressa uma “história de vida”, mas tam- relação à ‘psicologização da vida social’, por parte de
bém, as fantasias, as aspirações, os sentimentos, sociólogos cuja competência em matéria psicológica,
as emoções, um certo tipo de relação aos desejos, qualquer que seja, não é sempre provada”, acrescen-
conscientes e inconscientes, de relação à infância, ta C. Dubar (2000, p. 210).
à sociedade, às crenças, às esperanças, à família, Não basta, portanto, abrir a Sociologia para
ao presente, ao futuro e, em definitivo, tudo o que questões habitualmente estudadas por psicólogos,
constitui uma existência humana. mas se trata, ainda, de adquirir os conhecimentos
psicológicos necessários para tratá-los. A partir do
A SOCIOLOGIA FACE À SUBJETIVIDADE momento em que consideramos que as questões
Defendendo um ponto de vista fortemente identitárias se apóiam em processos sociais, sim-
sociológico, Claude Dubar (2000) é conduzido, no bólicos e psíquicos, articulados uns aos outros, não
seu trajeto teórico, a colocar em questão as posições podemos apreender esta complexidade somente a
daquilo que ele chama de “sociologia clássica”. Em partir de um ponto de vista disciplinar único.
particular, no que concerne à dificuldade desta últi- A problematização múltipla – isto é, a capa-
ma em dar conta da subjetividade, do funcionamen- cidade de elaborar um objeto de pesquisa, a partir
to psíquico, dos elos entre a crise dos vínculos sociais de teorias complementares e, por vezes, contraditó-
e as crises existenciais, ou ainda, da questão do su- rias – e a escuta complexa são, aqui, instrumentos
jeito e do inconsciente. Ele preconiza “uma maior epistemológicos e metodológicos preciosos para se
abertura do raciocínio sociológico para as problemá- avançar nesse sentido (PAGÈS, 2000). Daí, nossa
ticas de disciplinas próximas, por vezes, melhor mu- decepção em constatar que a profundidade de aná-
nidas do que aquelas para abordar as implicações e lise, demonstrada por Claude Dubar, é, em alguns
o processo da subjetividade (Psicanálise, Lingüística, momentos, emperrada por posições que revelam o
Antropologia, História…)”. Propõe, inclusive, reco- mal-estar de muitos sociólogos em face da Psicaná-
nhecer a interpenetração dos pontos de vista disci- lise e da abordagem clínica.
plinares, particularmente entre “uma sociologia das É assim que ele descarta as dimensões mais in-
trajetórias levando em conta a subjetividade e uma cômodas da subjetividade remetendo-as para uma
psicologia clínica inscrevendo os percursos singula- questão de linguagem (DUBAR, 2000, p. 224).
res nos seus contextos sociais”. Ao defender a emergência da identidade narrativa
como figura central da identidade contemporânea,
ele desloca a interrogação metodológica e teórica do
 Em francês: les enjeux. registro existencial para o registro narrativo. Ele não
 Lembremos aqui a definição de psicologia clínica, dada por se interroga sobre as complexidades das escolhas e
Daniel Lagache (apud D’ALLONNES, 1989): “o estudo do ho- das rupturas da existência, nem sobre a compreen-
mem em situação”.

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são dos processos de construção do sujeito face à sua comenta Dubar (2000, p. 209), acrescentando que
história – pessoal, familiar ou social. Ele não inte- “a relação clínica é, geralmente, da esfera da tera-
gra, nos processos de construção da subjetividade, a pia”. Há uma contradição maior entre a idéia de que
análise dos fatores afetivos, emocionais e psíquicos. a identidade narrativa é um processo de emancipa-
O relato vem suplantar o vivido. A subjetividade e a ção e de autonomia dos indivíduos que aí encon-
identidade tornam-se linguagem. A Sociologia tor- trariam o meio de se construir “por si próprios” e a
na-se lingüística, a Psicanálise torna-se lacaniana e a idéia de que só se conta verdadeiramente a intimi-
história de vida torna-se um discurso sobre o qual a dade no momento do sofrimento. Por que reduzir o
análise estrutural pode produzir seus efeitos objeti- espaço da fala a um espaço terapêutico? Muitos in-
vantes. Há, aí, uma contradição maior entre a afir- divíduos falam de sua vida cotidiana, amorosa, pro-
mação da importância da subjetividade, portanto, fissional, ou ainda, no seu diário íntimo, na internet,
da necessidade de integrar métodos que permitem ou mesmo, na televisão. O “falar de si” é uma prá-
estudá-la, e a defesa de um ponto de vista objetivan- tica social em desenvolvimento, seja na formação,
te que procura seus modelos de referência na análise na arte, na cultura ou na mídia. Os profissionais
estrutural. das histórias de vida constatam empiricamente que
Esta impressão confirma-se na ambivalência sua oferta (de serviços) corresponde a uma demanda
expressa vis-à-vis da abordagem biográfica. “Con- cuja importância eles não tinham idéia. As pessoas
tar sua vida é uma operação de alto risco”, escre- falam à vontade quando encontram uma escuta re-
ve Dubar (2000, p. 206), lembrando uma fórmula ceptiva. Esse fato confirma, aliás, uma hipótese de
de Bourdieu (1993) na Miséria do mundo, segundo a Claude Dubar. O trabalho sobre a história própria é,
qual o sociólogo deveria ter uma “escuta armada” efetivamente, um meio de desenvolver capacidades
quando ele vai ao encontro de pessoas para lhes soli- de historicidade, isto é, a tentativa de ser sujeito de
citar a falar de sua vida. São as próprias resistências sua história (GAULEJAC; LEVY, 2000). Há aí um
do sociólogo que se encontram à prova diante das fenômeno social maior. Contar sua vida, que era do
dificuldades que ele sente quando se vê numa re- domínio reservado da confissão (religiosa, judicial
lação intersubjetiva. Face à implicação, à expressão ou policial), da terapia e da literatura, torna-se uma
emocional, ao compartilhamento de coisas íntimas, prática corrente que adquire múltiplas facetas.
a maior parte deles sente um mal-estar, não somen- Além disso, é muito simplista reduzir a relação
te porque se estimam incompetentes, mas também, clínica à terapia. A abordagem clínica se desenvolveu
porque isso os amendronta. O mundo do encontro é na pesquisa, na formação, na intervenção e em nu-
percebido comoum mundo privado e pessoal, a não merosos campos disciplinares, para além da Psicolo-
ser confundido com o mundo profissional e social, gia, seja na Antropologia, na História, na Etnologia
onde se coloca o outro à distância para melhor se e, mais recentemente, na Sociologia (ENRIQUEZ
resguardar a si mesmo, à distância. et al., 1992) 10. Parece pouco coerente afirmar que
convém edificar passarelas entre Sociologia e Psico-
SOCIOLOGIA E CLÍNICA logia Clínica e não fazer referência aos trabalhos da
Duas outras afirmações vêm confirmar a exis- Psicologia Clínica, da Psicossociologia ou da Socio-
tência desse mal-estar. “Só contamos nossa vida logia Clínica as quais abordam essas questões, desde
quando estamos mal, e só a falamos a terapeutas”, há muito tempo. Um melhor conhecimento desses

 Sobre esse assunto, ver o excelente trabalho de Jean Vincent 10 Cf. Enriquez et al. (1992). Claude Dubar não menciona o con-
(2000). O autor compara a análise estrutural e a análise clí- junto dos trabalhos sobre a abordagem biográfica, particu-
nica a partir do material apresentado por Dubar e Demazière larmente, de Pineau e de Legrand (1996), Legrand (1993) e
(1997). Lainé (1997).

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trabalhos permitiria, particularmente, esclarecer as vantismo metodológico, pressupostos fortemente


distinções entre as noções de pessoa, de identidade, ancorados etc. Mas, a esperança está aí! Muitos so-
de subjetividade, de intimidade e de sujeito11. ciólogos levantam essas questões pertinentes sobre
Muitos pesquisadores apresentam uma contra- a identidade, o sujeito, a subjetividade, que condu-
dição interessante, qual seja, admitem a necessidade zem a recomposições disciplinares. Mas estão eles,
de se abrir para a Psicologia e a Psicanálise, ao mes- em igual medida, prontos a aceitar as conseqüências
mo tempo em que defendem firmemente um ponto teóricas e metodológicas que esta abertura implica?
de vista estritamente sociológico. Devo admitir que
encontro aí mesmo uma atitude, porém invertida, O QUE É UM INDIVÍDUO?
do lado de um bom número de psicanalistas que Em sua obra sobre a Sociologia do indivíduo, Kau-
querem se abrir para o “social”, sob condição de per- fmann (2001) aborda, ele também, essas questões
manecer estritamente na teoria psicanalítica. centrais: como pensar as relações entre indivíduo e
Pode-se, certamente, discutir o valor e a perti- sociedade? Que parte atribuir aosocial na constitui-
nência dos trabalhos de todos aqueles que têm traba- ção do indivíduo? Como pensar a parte respectiva da
lhado sobre as relações entre Sociologia e Psicologia, exterioridade e da interioridade no indivíduo? Que
quer sejam os freudo-marxistas, os psicólogos sociais, lugar atribuir aos fatores pessoais e aos fatores so-
os psicossociólogos, os etno-psiquiatras, ou ainda, os ciais nos processos de individuação?
sociólogos clínicos. Pode-se, com maior dificuldade, Sua reflexão se inspira nos trabalhos de Nor-
ignorar sua existência quando se aborda questões que bert Elias, segundo o qual a ficção de um Eu interior
tocam a relação entre o social e o psíquico. Roger Bas- separado do que lhe é exterior proíbe os progressos
tide tinha, em sua época, levantado essas questões e, da sociologia. Convém desconstruir a ilusão do in-
antes dele, os criadores do Collège de Sociologie, divíduo separado. O homem é um processo, “inti-
quando eles propunham como objeto “estabelecer os mamente definido pela sociedade de sua época. Ele
pontos de coincidência entre as tendências obsessivas não é o centro do universo, mas o artesão do sistema
fundamentais da psicologia individual e as estruturas complexo que é o produto” (KAUFMANN, 2001,
diretrizes que presidem a organização social e coman- p. 87). O objeto do livro é “mostrar que indivíduo
dam suas revoluções”12. e sociedade não são duas entidades separadas […]
É, sem dúvida, um grande empreendimento Eles se constituem nos pontos opostos de uma dupla
de futuro que se anuncia, o de reconsiderar as rela- dialética, isso se explicando que eles podem ser, ao
ções entre Ciências Sociais e Ciências Humanas. Seja mesmo tempo, intimamente religados e antagôni-
em ambientes de pesquisa ou de prática profissio- cos” (KAUFMANN, 2001, p. 129).
nal, podemos testemunhar uma expectativa por um Kaufmann opõe o senso comum em que se re-
desenclausuramento disciplinar, particularmente, presenta indivíduo como uma entidade homogênea,
entre Sociologia e Psicologia. São, ainda, numero- separada da sociedade, dirigida por um centro clari-
sos os obstáculos para um encaminhamento nessa vidente, até mesmo racional, ao olhar científico que
direção: corporativismo disciplinar, narcisismo das considera o indivíduo como “um processo mutante
pequenas diferenças, dogmatismo teórico, conser- preso numa meada de forças contraditórias” (KAUF-
MANN, 2001, p. 223). Ele define, então, um “qua-
11 Podemos nos referir, particularmente, ao Vocabulaire de drilátero dialético” que evidencia quatro pólos dessas
psychosociologia (2002). Ver, ainda, Identification et iden-
tités dans les familles – individu? personne? sujet? (1997). forças contraditórias: a reflexividade individual, a
Nota do tradutor: Acrescentamos à lista acima, a obra tradu- reflexividade social, os quadros de socialização e o
zida no Brasil de Barus-Michel (2004).
12 Declaração da fundação do Collège de Sociologie, cf. Acéphale,
patrimônio individual dos hábitos. A reflexividade
n. 3/4 , Juil. 1937. individual resulta do cruzamento das interiorizações

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que “instalam” no pensamento pessoal uma “arqui- tiforme amplamente determinada e o núcleo ativo
tetura cognitiva” que funciona como um “marcador da mudança (KAUFMANN, 2001, p. 232).
da identidade” (KAUFMANN, 2001, p. 209). A Inscrevendo-se numa perspectiva dialética, ele
reflexividade social corresponde aos quadros sociais enfatiza duas contradições no fundamento do indi-
que nutrem o pensamento: classificações, operações víduo contemporâneo:
lógicas, processo cognitivo, idéias estocadas na me- – Contradição entre, de uma parte, o nasci-
mória objetivada… Uma vez interiorizada, ela “fixa mento do indivíduo democrático, produto do século
os quadros de percepção que fornecem os materiais das luzes e da ciência moderna e, de outra, a crença
elementares do pensamento” (KAUFMANN, 2001, de cada indivíduo em estar no princípio da criação
p. 209). A socialização é a apropriação do mundo do seu próprio mundo. Esta crença no “indivíduo
exterior pela colocação em correspondência da me- autônomo” é uma ficção que produz o real. Ela es-
mória incorporada com a memória social ambiental trutura as mentalidades e as ações do indivíduo, ela
(KAUFMANN, 2001, p. 191). Enfim, o patrimônio reforça o processo de individualização.
individual dos hábitos junta, de um lado, os esque- – Contradição entre os diferentes esquemas
mas operatórios incorporados, podendo se expressar interiorizados que conduzem o indivíduo a operar
sob a forma de gestos concretos, e, de outro, os es- escolhas a partir de elementos que o determinam
quemas juntando a memória social. “Os hábitos nada (KAUFMANN, 2001, p. 159). A rivalidade entre os
mais são que o conjunto de esquemas incorporados esquemas concorrentes “provoca a reflexibilidade e
regulando a ação” (KAUFMANN, 2001, p. 158). a partir disso a iniciativa do sujeito” (KAUFMANN,
O indivíduo interioriza esquemas de pensa- 2001, p. 162). É nessa bricolagem ordinária das de-
mentos e de ações, isto é, “fragmentos de sociedade terminações que a liberdade do indivíduo pode se
interiorizada” que estão no núcleo de sua definição expressar.
mais pessoal (KAUFMANN, 2001, p. 223). O autor De fato, a sociologia dialética que ele preconiza
faz votos que, contra a ilusão substancialista identi- vai de encontro à análise dos rios obscuros da inte-
tária e a crença da existência de um indivíduo como rioridade. Por exemplo, quando ele escreve “a inte-
identidade singular, esse “quadrilátero dialético” se riorização dos esquemas de pensamentos e de ações é
apresente como um primeiro balizamento de reali- intrinsecamente uma exteriorização” (KAUFMANN,
zação da revolução copérnica da Sociologia. Ele de- 2001, p. 271). Ou ainda, quando ele afirma que “os
veria permitir apreender o lugar em que se situa, esquemas integrados não se instalam em nenhuma
hoje, a realidade essencial do indivíduo. Se a identi- interioridade estritamente pessoal.. Ele chega a uma
dade era outrora “um simples reflexo da infra-estru- negação de um dos termos da contradição. A inte-
tura e o indivíduo sendo definido pelos seus lugares rioridade, definitivamente, não é senão o social in-
e seus papéis”, hoje, o indivíduo está na encruzilha- corporado, o que resulta em desmantelar a dialética
da das redes e das inter-dependências múltiplas, das interioridade / exterioridade.
arbitragens cognitivas e dos ajustamentos interati- O autor critica, com justeza, a ilusão substan-
vos. Esta combinatória incerta está no coração do cialista que considera o indivíduo como uma entida-
processo de individualização. “Situados nas interse- de em si. Ele se inscreve numa tradição sociológica
ções, os indivíduos se transformam em centros de dominante segundo a qual não se pode separar a
ajuntamento dos esquemas dando impulso, ao seu análise do indivíduo e a análise da sociedade. Mas,
nível, a uma nova dinâmica de construção da coe- ele insiste exclusivamente sobre os processos sociais
rência” (KAUFMANN, 2001, p. 152). Indivíduo é, de produção dos indivíduos: a autonomia subjetiva
portanto, ao mesmo tempo, uma configuração mul- é institucionalizada (KAUFMANN, 2001, p. 236),
a interioridade é a exterioridade incorporada, indi-

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O âmago da discussão: da sociologia do indivíduo à sociologia do sujeito
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víduo é um homem de hábitos, hábitos feitos de Como pretende elaborar uma teoria geral do indi-
“matéria social”, a reflexibilidade social conduz o in- víduo sem se apoiar sobre uma teoria do psiquis-
divíduo a desenvolver uma reflexibilidade individual mo? Não se pode, efetivamente, pretender construir
(KAUFMANN, 2001, p. 208), a memória é uma uma sociologia do indivíduo sem pensar as relações
memória social… necessariamente complementares e contraditórias
Assim fazendo, ele não apreende a recursividade entre o irredutível psíquico e o irredutível social
das relações entre indivíduo e sociedade: a sociedade (GAULEJAC, 1982/1983, 1987). Mesmo porque
enquanto produto dos indivíduos que a produzem. certas referências teóricas utilizadas pelo autor vão
Insistindo sobre a primeira parte desta proposição, nesse sentido. Para Norbert Elias, “o hábito é uma
o autor esquece a segunda. A análise da produção instância de regulação pulsional fabricada na se-
social dos indivíduos ignora os processos pelos quais creta alquimia dos psiquismos individuais” (KAU-
estes contribuem para a sua produção. Não há, en- FMANN, 2001, p. 122). O psiquismo é colocado
tão, mais contradição, pois, a essência mesma do in- como uma malha essencial da incorporação dos há-
divíduo é reportada ao registro social e o que escapa bitos. Elias prolongava, nesse ponto, o pensamento
ao social é remetido ao registro biológico. Entre os de Marcel Mauss o qual notava o caráter inextricável
dois registros, nada mais resta. Indivíduo torna-se das “montagens físico-psico-sociológicas” na ação
uma larva mamífera, socialmente determinada. A humana (KAUFMANN, 2001, p. 170). Este últi-
análise funciona sobre uma oposição simplista entre mo se inscrevia numa orientação fixada por Emile
corpo biológico e corpo socializado (KAUFMANN, Durkheim que tinha, desde 1885, designado muito
2001, p. 174, 213). “O homem é feito de hábitos, claramente o objeto de uma sociologia do indivíduo:
ele é quase só feito de hábitos”, escreve Kaufmann “visto que na sociedade só há indivíduos, são estes e
(2001, p. 158). Exclusão do desejo, dos afetos, dos tão-somente estes que são os fatores da vida social.
sentimentos, das emoções, da sexualidade, das fan- […] O estudo dos fenômenos sociológico-psíquicos
tasias e da subjetividade; o indivíduo – totalidade não é, portanto, um simples anexo da sociologia, é
bio-psico-social – encontra-se amputado de sua di- a sua própria substância” (DURKHEIM, 1981, p.
mensão psíquica. 351-352; KAUFMANN, 2001, p. 116). A análise
dos processos sócio-psíquicos é, portanto, essencial
O IMPASSE SOBRE A DIMENSÃO PSÍQUICA para se compreender a construção de um indivíduo.
O autor é, sem dúvida, consciente desse pro- A maioria dos sociólogos são renitentes a toda
blema, pois a questão da subjetividade emerge no interrogação sobre os processos psíquicos. Parece-
final do livro: “é necessário engajar um programa me, contudo, que não se pode fazer economia dos
de enquete, escreve ele, nesta via estreita entre dois trabalhos aí aferentes, desde o momento em que
abismos parcialmente nefastos: a negação de toda au- nos interrogamos sobre a construção do indivíduo
tonomia subjetiva ou sua hipostasia”(KAUFMANN, e da identidade. Não se pode ignorar o aporte da
2001, p. 210). Ao cabo das páginas conclusivas, Psicanálise, como decoberta maior que justamente
emergem novas noções como a do imaginário, de provocou uma revolução copérnica nas Ciências Hu-
imagem de si, de “foro íntimo” e uma discussão so- manas. Pode-se, sem dúvida, criticar a Psicanálise,
bre a questão da identidade que poderia reequilibrar contestar seus métodos e suas interpretações. Pode-
o sentimento suscitado no leitor de um pensamento se ser sensível, como muitos sociólogos, ao psica-
unidimensional. nalismo, após a excelente obra de Robert Castel
Malgrado uma boa vontade evidente para abrir (1973). Pode-se mesmo denunciar o papel da Psica-
a sociologia em direção a essa terra incógnita, o au- nálise no desenvolvimento da ideologia da realização
tor não chega a desembraçar-se do sociologismo. de si mesmo. Não se pode, no entanto, ignorar sua

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existência, seu aporte essencial nas Ciências Huma- rizado pela reflexibilidade que, para além do sim-
nas e Sociais, a fortiori quando nos interrogamos so- ples pensamento, permite analisar outros possíveis
bre as questões da identidade, da interiorização dos que estão para se inventar. Mas, também, caracteri-
processos sociais e da construção do indivíduo. zado pelas suas capacidades de ação, de criação, de
Convém, portanto, retrabalhar as fronteiras decisão, de realização, isto é, de transformação do
disciplinares, particularmente entre Sociologia e mundo no qual ele vive e, por isso mesmo, de trans-
Psicologia, para analisar os processos socio-psíquicos formação de sua existência própria.
que fundam a existência do indivíduo, sua dinâmica Indivíduo é um conjunto complexo, bio-psico-
subjetiva, sua inscrição social, suas maneiras de ser social. Ele não pode se reduzir a uma ou a outra de
no mundo e sua identidade. Longe de se opor, o so- suas dimensões. Ele é um ser humano em carne e
cial e o psíquico obedecem a leis próprias, se apóiam osso, que possui um caráter, um físico, uma identi-
e se enlaçam em combinatórias múltiplas e comple- dade, um status social, um estado civil, uma histó-
xas. Espera-se de uma sociologia do indivíduo que ria familiar, modos de ser, de falar e de fazer; bem
ela nos ofereça uma grade de leitura dessa comple- como, alguém que tem projetos explícitos ou implí-
xidade para melhor compreender em quê o indiví- citos, crenças, desejos e fantasias. Convém, portan-
duo é um ser autônomo e determinado, produto e to, estudar o sujeito na sua totalidade, composição
produtor da sociedade, irredutivelmente singular e, complexa e contraditória,“de um corpo biológico, de
contudo, semelhante a todos os outros. um ser social (indivíduo socialmente definido), de
uma ‘pessoa’, mais ou menos, consciente, enfim, de
AS CONDIÇÕES DE UMA SOCIOLOGIA DO um psíquico inconsciente (de uma realidade psíquica
INDIVÍDUO e de um aparelho psíquico), um todo supremamente
Uma sociologia do indivíduo deveria, priorita- heterogêneo e, contudo, definitivamente indissociá-
riamente, analisar a dialética permanente entre os di- vel” (CASTORIADIS, 1990, p. 193) .
ferentes processos de construção do indivíduo, suas A análise desta totalidade resulta de uma mul-
influências recíprocas, suas complementaridades e tiplicidade de níveis: da subjetividade, como núcleo
suas oposições, e a maneira em que o sujeito tenta atuante do vivente; do aparelho psíquico, através
encontrar uma unidade e afirmar uma singularidade das diversas instâncias e diferentes processos incons-
em face desse conjunto desordenado. É nessa perps- cientes; do indivíduo, socialmente e historicamente
pectiva que se pode apreender a diversidade do “ho- construído; da sociedade, como coletivo atuante que
mem plural” e as contradições que o constituem. organiza as condições concretas e simbólicas das tra-
Não se pode contentar em analisar processos jetórias sociais13; mas também, da sociedade, como
sem sujeito, como um sistema imunitário, uma ga- conjunto de condições materiais e objetivas que con-
láxia ou um sistema informático. As relações entre dicionam as existências individuais e as possibilida-
indivíduo e sociedade se inscrevem na historicidade, des de individuação.
isto é, na capacidade de se inscrever num passado e Uma sociologia do indivíduo deve, portanto,
de se projetar num futuro diferente do presente. “O analisar, igualmente, as condições objetivas necessá-
sujeito humano não é simplesmente real, ele não é rias para a existência do indivíduo, enquanto tal, na
um dado, ele está por se fazer e ele se faz por meio sociedade (CASTEL; HAROCHE, 2001). O apor-
de certas condições e em certas circunstâncias. […] te de Robert Castel é, aqui, essencial. O indivíduo
Ele é uma possibilidade abstrata. […] Ele é criação tem necessidade de suportes objetivos para acessar
histórica e criação em que se pode seguir a história”
(CASTORIADIS, 1990, p. 195). O sujeito não se
13 Ou, segundo os termos de Daniel Bertaux (1977), os proces-
reduz às suas capacidades narrativas. Ele é caracte- sos de distribuição antroponômica.

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a autonomia; de um lado, a propriedade privada, de vidade, que não podemos apreender como uma cena
outro, os direitos civis e sociais que fundam a exis- “interior”, separada do contexto social, dos atos que
tência jurídica e o acesso à cidadania. O trabalho, a expressam e a revelam. O indivíduo, como as suas
na sociedade salarial, é um elemento incontornável representações, não pode ser estudado, nem de den-
para que o indivíduo acesse uma existência “posi- tro, como se ele possuísse uma essência própria, nem
tiva”, em oposição a tudo que é definido por uma de fora, como puro condicionamento de fatores ex-
falta, porque ele propicia os meios de subsistência ternos. Há co-produções, influências recíprocas per-
econômicos, a inserção nas redes sociais e o esteio manentes entre a cena psíquica e a cena social. Cada
simbólico indispensável a todo o reconhecimento so- uma contribuindo para nutrir uma subjetividade
cial. Numa sociedade onde a mobilidade tornou-se inscrita na experiência social, na confrontação com
norma, cada indivíduo é remetido a si próprio para a alteridade e na ordem simbólica. Nesse sentido,
“realizar uma situação”. Nesse sentido, a luta des a subjetividade é um elemento irredutível da socie-
places14 tende a substituir a “luta de classes” (GUA- dade.
LEJAC; TABOADA-LÉONETTI, 1997). A luta des O indivíduo se constrói como um sujeito na sua
places é uma luta individual, não para mudar a so- confrontação com as contradições entre a diacronia
ciedade, mas para nela ser admitido. A questão das (interiorização de maneiras de ser, de pensar e de
desigualdades permanece central. Todos os lugares agir ligadas à sua história) e a sincronia (adaptação
não possuem o mesmo valor e os recursos necessá- de suas condutas a um dado contexto). Porém, ele
rios para cobiçá-los a fim de, em seguida, obtê-los não é uma simples “caixa preta” que registra as con-
não são igualmente repartidos. Alguns indivíduos tradições sociais. Ele é, também, um ser do desejo
são mais dotados que outros nessa guerra de posi- confrontado com o desejo de ser, confrontado com
ções que condiciona o acesso a uma verdadeira auto- as exigências conflituosas de sua sexualidade e com
nomia individual. as dissonâncias entre suas fantasias e sua vida con-
Daí, a importância da família e das instituições creta. Ele se desenvolve na necessidade de media-
no processo de produção dos indivíduos. A família é tizar as contradições entre o registro pulsional e a
uma instância de trasmisão que, através das diferen- realidade externa. Entre o sujeito socio-histórico, o
tes facetas da herança, fixa a identidade originária e a sujeito reflexivo e o sujeito do desejo, a figura do in-
posição social inicial. As relações indivíduo-sociedade divíduo emerge em toda sua complexidade.
são, permanentemente, mediatizadas pelas institui-
ções que condicionam a formação, a educação, os ha- ENTRAR NO ÂMAGO DA DISCUSSÃO
bitus, os papéis e os statuts. Como sistema simbólico, A questão do sujeito se inscreve na encruzilha-
elas orientam comportamentos, elas canalizam as re- da de quatro universos teóricos, de quatro “ordens”
presentações, as aspirações, as injunções, as incitações que remetem a diferentes campos disciplinares, nos
para escolher esta ou aquela via, e para se comportar quais convém pensar as conexões, as diferenças, as
de uma certa maneira. oposições:
Enfim, a questão do indivíduo é inseparável da a) O universo cognitivo da reflexividade, lá
questão do sentido. Sentido que os outros atribuem onde o indivíduo se constitui em sujeito de uma pa-
às suas posições, suas condutas e sua existência. Sen- lavra permitindo-o pensar (cogito ergo sum), nomear
tido que o indivíduo, ele próprio, atribui ao seu lu- e acessar um certo domínio na sua relação com o
gar, seu comportamento, seus ideais, seus projetos mundo;
ou sua vida. Questões centrais, em torno da subjeti- b) O universo da lei, das regras, das normas,
lá onde o indivíduo é sujeito do direito confrontado
14 Equivale dizer luta de lugares ou de posições (N. do T.). com a ética do respeito dos códigos e dos valores;

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c) O universo do inconsciente, das pulsões, das parte, o conjunto dos fatores social-históricos que
fantasias e do imaginário, lá onde o indivíduo é “su- intervêm no processo de socialização e, de outra, o
jeito do desejo” e confrontado com o desejo do outro conjunto dos fatores intrapsíquicos que determinam
que contribui a produzir e/ou a sujeitá-lo; sua personnalidade.
d) O universo da sociedade, da cultura, da eco- Contudo, as tentativas de construção de uma
nomia, das instituições, das relações sociais, dos status meta-teoria, englobando num mesmo conjunto o
e das posições sociais, lá onde o indivíduo é “sujeito social e o psíquico, parece-nos em vão. Cada um
social-histórico” confrontado com as determinações desses registros obedece a leis de natureza diferente.
múltiplas ligadas ao contexto no qual ele emerge. São “realidades” heterogêneas as quais convém estu-
É no ponto de intersecção desses diferentes regis- dar enquanto tais, sem as assimilar, construindo mé-
tros que o “sujeito” se constrói. A questão do sujeito todos e conceitos apropriados. Se esses fenômenos
foi, durante muito tempo, considerada pelos sociólo- estão ligados entre eles, se eles se influenciam reci-
gos como uma ilusão. O objeto da sociologia tradi- procamente, eles não são totalmente autônomos.
cional constituiu-se em compreender as regularidades
sociais objetivas que sobredeterminam o comporta- A ARTICULAÇÃO DO SOCIAL E DO PSÍQUICO
mento dos atores. A propósito do lugar do sujeito na A autonomia relativa do social e do psíquico
sociologia clássica, François Dubet (1994) argumenta possui duas conseqüências para o pesquisador:
ser o conhecimento nada mais do que considerar os
atores não como sujeitos, mas apenas como suportes • de uma parte, a de renunciar em submeter
de mecanismos sociais que estão além deles e que eles a compreensão dos processos psíquicos aos
desconhecem. Contra esta sociologia, ele defende a mecanismos que regem os processos sociais
sociologia da experiência, que ele assimila a uma e, inversamente, de integrar a dinâmica do
sociologia do sujeito, que tem por objeto a capacida- psiquismo como elemento para compreen-
de dos atores na construção de sua experência sobre der a realidade social;
a qual eles próprios dão coerência. A atividade do su- • de outra parte, a de construir problemáticas
jeito é produzida a partir de diferentes lógicas de ação complexas que permitam pensar as articula-
que estão em pauta nesse processo. ções, as influências, os pontos de ancoragem,
Mas essa reabilitação do sujeito na sociologia os elos entre esses processos (LEGRAND,
contemporânea não chega, verdadeiramente, a in- 1993; PAGÈS, 1993). Portanto, de posicio-
tegrar nos seus sistemas explicativos a dinâmica nar o sujeito como o lugar de intersecção do
própria do sujeito. Quando François Dubet (1994, conjunto das contradições com as quais ele
p.117) utiliza o termo do desejo (pelo exemplo nes- está confrontado na sua existência. É porque
ta frase: “o sujeito se manifesta no desejo e na ca- ele está submetido a influências múltiplas
pacidade de controlar essa experiência”), esse desejo e a exigências conflituosas que o indivíduo
permanece uma “caixa-preta”. Como é o sujeito en- procura elaborar respostas, traçar estraté-
quanto ser desejante? Se o sujeito se manifesta no gias e projetos.
desejo, como é o desejo de ser sujeito?
Não se pode responder a essas questões sem se Trata-se, portanto, de restabelecer as “cadeias
apoiar nos aportes da psicanálise, sem integrar na ausentes” entre as abordagens sociológicas, que es-
análise a dimensão inconsciente. Não se pode pen- tabelecem as regularidades objetivas, as probabi-
sar a questão do sujeito sem inscrevê-lo numa du- lidades que organizam os desígnios humanos, e as
pla determinação social e psíquica. Se o indivíduo abordagens psicológicas. Portanto, em se analisar as
é produto de uma história, esta condensa, de uma circularidades dialéticas que vão do desejo ao mun-

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do dos objetos, do narcisismo au status social, das pabilidade ligada a condicionantes16 sexuais se apóia
representações às ideologias etc. É o que tentamos no sentimento de inferioridade que está atrelado aos
fazer na nossa obra La névrose de classe (GAULEJAC, condicionantes17 sociais. Aquilo que lhe foi signifi-
1987), na qual caracterizamos o quadro clínico dos cado como indecente, condensa sua culpabilidade
conflitos e das perturbações psicológicas vividos pe- concernente ao prazer sexual e ao que provém da
los indivíduos que, na negação ou na ruptura, estão diferença social que a separa dos outros. A invalida-
confrontados com um deslocamento social. ção da qual ela é objeto, por parte de seus colegas e
Não teremos espaço suficiente, no interior des- professores, devido à pertença a um outro mundo,
te texto, para apresentar um caso clínico. Mas, a li- encontra-se aqui reforçada pela emergência da cul-
teratura nos oferece uma quantidade importante de pabilidade oriunda da estimulação sexual pubertária:
testemunhos autobiográficos de pessoas que procu- “Moi seule je reste avec mon vieux péché inclassable
ram pela escrita um meio para falar de sua neurose […] mélange de sale vicieuse, touche pas à ça, bon-
a fim de se liberar dela. É o caso de Annie Ernaux bons volés, cassoulet gratté dans les gamelles des
que conta em seus dois romances, Les armoires vides e ouvriers du chantier, rêverie molasse pendant l’école
La place, sua trajetória familiar e as dificuldades psi- et surtout mes parents, mon milieu de boutiquier
cológicas encontradas no processo de deslocamento cracra”18. A pertença ao seu meio social, e a idéia de
entre sua posição social herdada e sua posição ad- pecado estão, indissociavelmente, associadas: “quel-
quirida. Filha de camponeses pobres, que se torna- que chose de poisseux et d’impur m’entoure défini-
ram operários, em seguida, pequenos comerciantes tivement lié à mes différences, à mon milieu”19. O
num bairro popular, Annie Ernaux é investida pelos mal é, ao mesmo tempo, o sentimento de impureza
pais por um projeto de busca de uma ascensão social de origem sexual e o sentimento de ser “mal-educa-
conquistada a duras penas. Esse trabalho redunda da” que lhe são remetidos por aqueles que são mais
em um custo psicológico, sob forma de humiliação, “educados” do que ela.
de culpabilidade, de vergonha, enquanto reflexos A partir desses diferentes elementos, tentamos
das dificuldades econômicas, sociais e culturais. É mostrar a importância respectiva e a articulação en-
esse complexo entre conflitos de natureza diferen- tre os fatores psíquicos e os fatores sociais na neu-
tes, ao mesmo tempo, sociais e psíquicos, que está rose de classe. Sabemos que para Freud (1986), a
no núcleo da neurose de classe. neurose é um conflito psíquico que encontra suas
Numa bela passagem do seu romance Armoires raízes na história infantil e que um dos pólos do
vides, Annie Ernaux conta sua chegada na sexta série conflito está sempre na sexualidade. Entre as causas
numa escola particular, o primeiro contato com pes- desencadeadoras de um processo neurótico, Freud
soas “bem educadas” dos bairros chics. Era perciso ir apresenta duas principais, a frustração e a incapa-
confessar-se com um padre que lhe fazia perguntas
sobre sua indecência. “J’en suis sortie sale et seule, ninguém senão eu que ficasse a olhando no espelho […] Se
écrit Annie Ernaux, il n’y avait que moi, personne fosse com os outros, ele não teria feito um tal escândalo. Que
d’autre ne glissait le doigt sans le quat’sous, person- podia fazer? Era rejeitada, apartada dos outros por causa de
uns troços imundos”.
ne ne le regardait dans une glace […] Si les autres 16 Em francês: enjeux.
avaient été comme moi, il n’aurait pas fait un tel 17 Em francês: enjeux.
foin. Rien à faire, j’étais rejetée, coupée des autres, 18 “Somente eu fico com o velho pecado inclassificável […] mis-
par des trucs immondes”15. Vê-se, aqui, como a cul- tura de uma viciada-suja, a da não toque nisso, balas rou-
badas, feijão raspado nas panelas dos peões dos canteiros de
obra, devaneios lânguidos durante as aulas e, sobretudo, os
15 “Saí dali [do confessionário] sentindo-me suja e solitária, es- meus pais, o meu meio social de comerciante imundo”.
creve Annie Ernaux, como se não houvesse outra pessoa, se- 19 “alguma coisa pegajosa e impura me envolve definitivamente,
não tão-somente eu, que esfregasse os dedos na xoxota, mais ligada às minhas diferenças, ao meu meio”.

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cidade de se adaptar a uma realidade, por fixação. sociologia a qual consiste “em tratar os fatos sociais
Sem minimizar a importância da sexualidade como como coisas” (DURKHEIM, 1981).
elemento motor do desenvolvimento psíquico, te- Esta necessidade de não reduzir o sentido do
mos como hipótese que para um certo número de ato à conciência do ator está no fundamento da
indivíduos, a aparição da neurose pode estar asso- postura sociológica. Porém, a explicação sociológi-
ciada, senão provocada, por uma situação social de ca jamais pode fazer abstração de uma retomada de
dominação. Assim, a frustração pode se desenvolver conciência.
a partir do momento em que a criança constata que
A prova do social não pode ser só mental; dito de
seus pais são dominados ou invalidados devido à sua outro modo, jamais podemos estar certos de termos
condição de pobreza, que outras crianças são bem atingido o sentido e a função de uma institução,
melhor providas que ela, que suas maneiras de ser se não estivermos à altura de reviver sua incidên-
ou de falar (seus habitus) são utilizadas por outros cia sobre uma conciência individual. Como esta
incidência é uma parte integrante das instituições,
para lhe remeter uma imagem negativa de si mes-
toda interpretação deve fazer coincidir a objetivida-
ma, provocando uma desvalorização narcísica. Não de da análise histórica ou comparativa com a sub-
se trata, portanto, de opor o social ao sexual na etio- jetividade da experiência vivida (LÉVI-STRAUSS,
logia das neuroses, mas de analisar uma combinação, 1960, p. 17).
uma articulação, uma interação entre elementos de
Trata-se, portanto, em definitivo, de integrar
natureza diferentes que se apóiam reciprocamente
no objeto a subjetividade como um elemento de co-
no desenvolvimento das perturbações psíquicas.
nhecimento e um elemento a conhecer. Esta inte-
POR UMA SOCIOLOGIA CLÍNICA gração não ocorre sem riscos, pois se deve considerar
que a expressão do vivido opera, como no romance,
O paradigma da objetividade nas Ciências uma reelaboração da realidade repleta de riqueza, de
Humanas permanece potente. Quando P. Bourdieu contradições e de ambigüidades, como é bem obser-
considerou uma maldição o fato de termos a ver com vado por D’Allonnes et al. (1989). Ele atenta para
“objetos que falam”, em reação às tentações do em- as duas faces do vivido: de um lado, portador de sen-
pirismo, ele estava indicando que não bastava estar à tido, de saber, de verdade, de persuação e de distân-
escuta dos sujeitos para compreender suas condutas cia e, de outro, portador de ilusão, de dissimulação,
e suas razões próprias (BOURDIEU; CHAMBORE- de deformações, de neutralização e de implicação.
DON, 1969). Porém, ao dizer isso, ele tendia a ex- Entre a ilusão determinista – que vê o homem
cluir da interrogação do sociólogo o fato de termos como um objeto passivo ou uma espécie de produto
a ver com “sujeitos que falam”. Não dá para contor- interiorizado da sociedade – e a ilusão liberal – que o
nar a questão do lugar da subjetividade no campo considera como um electrom livre independente de
social (D’ALLONNES et al., 1989). todo apego e que age por suas próprias escolhas –,
Levar em conta a subjetividade é aceitar a inter- a sociologia clínica procura apreender a história dos
rogação sobre a dimensão existencial como elemen- homems como momentos de ruptura, de continui-
to incontornável para se compreender as condutas, dade e/ou de escolhas que se elaboram nos espaços
os comportamentos, as atitudes e as relações sociais. incertos e que não são produto do livre arbítrio, nem
Muitos sociólogos desconfiam do “vivido”, por rece- conseqüência lógica de determinações estruturais,
arem o empirismo, o subjectivismo, o psicologismo, mas que são respostas que os indivíduos e os grupos
chegando a considerá-lo um resíduo ou um obstácu- produzem face às situações contraditórias.
lo ao conhecimento. Há, efetivamente, um risco em Encontramos aqui uma formulação do objeto
se reduzir o mundo social às representações dos ato- da sociologia clínica: a articulação entre a análise
res e em se fazer pouco caso da regra fundadora da das relações estruturais, das contradições que elas

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produzem, das práticas concretas dos atores sociais do autor. Daí vem a frase “sujeito de uma ciência”,
e das respostas pessoais que cada indivíduo dá para isto é, a matéria que ele trata. Paralelamente, sujei-
tentar se posicionar em sujeito de sua história. to designa um ser vivo submetido a experiências ou
O homem não é somente o produto da história, à observação, por exemplo, alguém que cuidamos.
ele é, igualmente, portador de uma história na qual A partir do fim do século XVI, a palavra designa
ele busca e constrói a significação: há, portanto, um uma pessoa considerada como o motivo, o suporte
sentido da história que é o sentido que os homems, de uma ação ou de um sentimento, por exemplo,
na sua vivência, dão à sua história. É esse movimen- uma mulher amada, uma pessoa digna de interes-
to da historicidade que explica por que, sobre con- se. Evoca-se, então, “bons sujeitos” ou ”maus sujei-
dições concretas de existência similares, tomadas de tos”. Mas, é no século XIX que o termo vai adquirir
consciência variáveis vêm se enxertar. sua consistência filosófica designando o ser pensan-
A sociologia clínica tem por tarefa compreen- te, considerado como a sede do conhecimento, por
der a dialética entre a história e a historicidade, en- oposição ao objeto (ver o subject de Kant). O termo
tre indivíduo que é a história e indivíduo que faz a sujeito implica, num primeiro tempo, uma conciên-
história, entre os fatores sócio-psíquicos que fundam cia racional, depois nas Ciências Humanas, particu-
a sujeição e aqueles que servem de suporte ao indiví- larmente, no campo da Psicanálise, uma busca de
duo para que ele advenha como sujeito. conscientização face à inconsciência.
Para Lacan, o sujeito não é aquele que pensa. É
O SUJEITO FACE À SUJEIÇÃO o inconsciente “estruturado como uma linguagem”
Etimologicamente, segundo o dicionário histó- que pensa em seu lugar. O sujeito nada mais é senão
rico de língua francesa, o termo sujeito vem do latim um suporte, um vetor. Mais do que autor de seus
subjectus que quer dizer submetido, sujeitado, expos- pensamentos, ele é o boneco de sua inconsciência.
to ou, ainda, subgicere que significa colocar por baixo, Os comentários sobre a célebre proposição de Freud
submeter, subordinar. “Sub” marca a posição infe- “Wo es war, soll Ich werden”, traduzida por Lacan
rior e “jacere”, o sentido de jogar fora. Encontramos como “aí onde era, aí devo eu advir como sujeito”,
o termo no antigo francês sugéer: manter na submis- designa un paradoxo radical. Eu, como sujeito, deve
são ou, ainda, sougire que significa submeter pela for- advir aí onde é o id, o mundo das pulsões incons-
ça das armas ou de outro modo. O termo remete, cientes que me determina. Não é da conta do sujeito
portanto, inicialmente à idéia de submissão. Ele se o “isso que sou eu”, mas ele deve assumir o que ele
aplica a uma pessoa submissa à autoridade de uma é para advir como ser falante (o “parlêtre”, na ter-
outra. Daí vem o uso de sujeito do rei, do senhor minologia lacaniana). É, portanto, pela palavra que
que remete au status de vassalo e de justiciável, por- o sujeito procura assumir sua própria causalidade,
tanto, de sujeitado ao poder legal. A sujeição evoca renunciando à fantasia de ser seu próprio criador ou
a ação de “colocar sob, diante, em seguida de”, que à ideologia de autonomia individual. O ser humano
encontramos nos termos vizinhos de submissão e de se realiza como sujeito, numa tentativa jamais rea-
sujeição, isto é, da situação de uma pessoa submeti- lizada, na tentativa de fazer com que o inconsciente
da a uma autoridade coercitiva ou soberana. que o domina acesse à conciência.
É no registro filosófico que uma outra acepção Existe, portanto, uma tensão dialética entre o
do termo emerge. No século XIII, ele tem o sentido sujeito reflexivo (aquele que pensa), na dimensão da
de “coisa que tem uma natureza própria”. No século conciência, o sujeito do desejo (aquele que deve advir
XVI, o termo sujeito é empregado com relação ao face às determinações intrapsíquicas), na dimensão
que, numa obra literária, constitui o conteúdo de do inconsciente, e o sujeito sócio-histórico (aquele
pensamentos sobre o qual se exerce o talento criador

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que busca advir face às determinações sociais), na dominação, do peso dos determinismos, do quadro
dimensão do indivíduo social. que contribui à fabricação dos indivíduos, das leis e
A concepção de um indivíduo que procura se das normas que canalizam seu futuro, da herança da
tornar mestre do seu destino ao se tornar um su- qual ele é o produto, tudo o que contribui a produ-
jeito é confortado pela evolução política do reco- zir um indivíduo conforme as normas do seu meio,
nhecimento do cidadão como “sujeito de direito”, adaptado ao seu meio ambiente, submetido às leis,
portanto, de uma pessoa reconhecida pela socieda- à cultura, às instituições, às autoridades da socieda-
de, igual em direitos e em dignidade. Assistimos, de que o circundam. Segunda, a dos suportes, dos
portanto, a uma inversão de sentido que designa, de meios, das disposições, das capacidades de agir, dos
partida, a submissão, a sujeição, a posição inferior recursos diversos, tudo o que permite ao indivíduo
(estar por baixo), e que designa, hoje, pela conci- de se construir como um sujeito, capaz de reflexão,
ência e pelo direito, a busca da liberdade face aos de afirmação de si mesmo, investido no projeto de
determinismos psíquicos ou sociais, a posição supe- se realizar uma existência própria. Robert Castel
rior da pessoa que se afirma como ser pensante, ser (2004) mostrou muito bem que para ser um indiví-
falante, ser social. duo autônomo na sociedade, é necessário dispor de
Para Judith Butler (2002, p. 23), “a sujeição uma certa quantidade de meios.
designa, ao mesmo tempo, processo pelo qual tor- Se o sujeito se apega apaixonadamente ao que o
namo-nos subordinados a um poder e processo pelo assujeita, é bem porque, nisso, ele encontre meios de
qual nos tornamos sujeitos”. Ela nos convida a dar existir como um “si mesmo”. A criancinha é, antes
conta de como “o sujeito advém a sê-lo”. Convém, de tudo, um ser totalmente dependente que apren-
portanto, romper, diz ela, com a idéia de uma sujei- de a amar esta dependência porque é nela que ela
ção decorrente de poderes, atuando do exterior, que assegura a sua sobrevida física, seu devir social e seu
se exerceriam sobre o sujeito para impedi-lo de se desenvolvimento psíquico. É nesta dependência ori-
realizar, procurando constrangi-lo, desvalorizá-lo ou ginária que ela vai fazer as primeiras aprendizagens
relegá-lo a uma ordem inferior. de sua autonomia. É no amor daqueles dos quais
Podemos nos inspirar no célebre aforisma de ela depende que descobre a capacidade de amar. O
Simone de Beauvoir a propósito das mulheres: não amor é sempre um apego que pode tomar a forma
se nasce sujeito, tornando-o. A criancinha é, de ime- de uma alienação e/ou de uma liberação, de um re-
diato, sujeitada ao desejo do outro, dos seus pais e traimento narcísico sobre si mesmo e/ou de uma
das normas do sistema social no qual ela vive. Dupla abertura à alteridade. Pois, se a dependência produz
dependência, social e psíquica, que opera pela influ- o sujeito, como sair da dependência sem se dissolver
ência de múltiplas determinações. “Nenhum indiví- a si mesmo? Se a dependência é fundante, a autono-
duo torna-se sujeito sem ser, inicialmente, sujeitado mia é um processo – e não um estado – pelo qual
e sem sofrer uma sujeição”, observa Judith Butler o sujeito tenta se construir na duração, como uma
(2002, p.34). exigência para “ser si-mesmo” e uma busca jamais
O processo de sujeição remete a duas signifi- satisfeita em ser um outro.
caçõess que podem parecer opostas, quando são, na Compreende-se bem que, hoje, na sociedade
realidade, complementares. De um lado, a idéia de hiper-moderna (AUBERT, 2004), o sujeito seja soli-
submissão, de subordinação, de enfeudação a um citado de todos os lados para responder às questões
poder. De outro, a idéia de individuação, de auto- sem respostas (como o sentido da vida), aos proble-
nomia, de singularidade e os processos pelos quais o mas sem soluções (como o desemprego ou as doenças
indivíduo torna-se un sujeito. Este duplo movimen- psicosomáticas). Cada indivíduo deve se tornar con-
to corresponde a duas faces do poder. Primeira, a da tabilista de sua existência, gestor de seus conflitos,

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responsável do seu futuro. Cada indivíduo é, portan- nir por si mesmo, de explicitar sua conduta. Onde o
to, “livre” na medida em que ele pode “se realizar” homem e a mulher sofrem, e face à impotência das
como ele espera, aparentemente sem entraves. Mas, instituições e das políticas para trazer respostas, es-
esta liberdade pode colocá-lo numa “armadilha” na pera-se do sujeito que ele encontre “a” solução.
medida em que ela deixa na sombra as condições Parece, portanto, que o sujeito seja o último
objetivas que favorecem ou impedem essa realiza- recurso em face do desencantamento do mundo.
ção. Corremos o risco de esquecer que o sujeito é, de Quando não se pode mais acreditar nas grandes uto-
início, sujeitado a essas condições concretas de exis- pias, que deveriam permitir ao homem de acessar o
tência, à herança que ele recebe no seu nascimento, progresso e construir um mundo melhor, é o sujeito
aos “capitais” (econômicos, sociais, culturais, mas que vem preencher o “vazio social” e a crise do senti-
também, biológicos, simbólicos, afetivos) dos quais do em lugar da verdade das mensagens religiosas ou
ele dispõe. Cada indivíduo não dispõe dos mesmos científicas: cada um é convidado a produzir o senti-
suportes para exercer sua liberdade e afrontar a lutte do de sua vida. Esta questão não é nova. Althusser
des places. Não basta o sujeito querer, no sentido em escrevia, em sua época: “a ideologia interpela o in-
que basta desejar se libertar das sujeições das quais divíduo em sujeito”. Se ela não vem da ideologia, de
ele é objeto para conseguir se libertar. onde vem, então, esta exigência de construção de si?
Não podemos aqui desenvolver esta idéia. Podemos,
O RISCO DA IDEOLOGIA DO SUJEITO unicamente, colocar uma interrogação, em particu-
Constatamos, portanto, hoje, um forte retorno lar, no campo das Ciências Humanas e no dos pro-
do “sujeito” na Sociologia (TOURAINE; KHOS- fissionais dessa área, para os quais a atividade está
ROKHAVAR, 2000), mas também, no campo do baseada no postulado de que o sujeito se constrói
trabalho social, das ciências da Educação, da Psi- por um trabalho sobre si, um trabalho tão necessário
cologia, etc. Esse retorno nos confronta com uma quanto liberador.
contradição. Como clínico, só podemos nos regozijar Como clínico, temos a necessidade de postular
em ver que as teses que defendemos sejam retoma- a existência do sujeito e de nos apoiar nesse postu-
das por outros. Como sociólogo, devemos interrogar lado. Podemos, aliás, constatar que esta necessidade
sobre esse fenômeno, perguntando se não há nisso vai ao encontro de uma demanda social: “isso fun-
uma nova ideologia em face da crise que atraves- ciona!” Vemos, todos os dias, pessoas com sentimento
sa atualmente as sociedades contemporâneas. E se de que podemos contribuir para melhor compre-
o retorno do sujeito vier a ser a ideologia da hiper- ender o que elas estão vivendo. Elas desenvolvem,
modernidade? Face ao desmantelamento do social, assim, suas capacidades de historicidade no sentido
da família, de diferentes instituições, face à evolução em que o trabalho sobre sua história permite de se
do individualismo, do narcisismo, do psicologismo, projetarem no futuro.
face à crise do trabalho, do político, da religião, en- Como sociólogo, somos mais dubitativos, des-
contramos, enfim, um recurso! E esse recurso é o confiados e críticos. A solicitação permanente do su-
sujeito ele próprio que toma o lugar de Deus como jeito gera problemas na medida em que ela participa
criador de sua existência, como produtor da socieda- do desenvolvimento do individualismo que caracte-
de, como empreendedor de sua vida, como revelação riza nossa sociedade. Sennett (1979) observa: “com
do seu “si íntimo”! o desenvolvimento do individualismo, o Eu de cada
O sujeito tornar-se-ia, portanto, a chave expli- indivíduo tornou-se seu principal fardo”. E, pode-
cativa de tudo o que não se pode explicar de outro ríamos acrescentar, que com o desenvolvimento do
jeito, de tudo o que escapa à produção do sentido. capitalismo, o Eu de cada indivíduo se tornou um
Ele emerge como força autônoma, capaz de se defi- capital a ser frutificado.

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