mento sobre as visões de mundo e de ciência elaboradas pelos futuros profes- sores, antes mesmo de entrarem para a Universidade. Conhecemos também alguns prin- cípios do ofício do historiador, alguns concei- tos-chave, formas de escrita para as crianças e as diferenças de natureza entre o conhecimento histórico e a História disciplina escolar. Agora é o momento de estudar a configura- ção da disciplina escolar nos currículos dos anos iniciais, suas finalidades, meios e conteúdos. Co- meçarei esta etapa oferecendo um rápido pano- rama dos currículos elaborados no século XX, demarcando o lugar da História e as formas de organização dos saberes produzidos pelos his- toriadores. Mas, quem pensa currículo, seja ele de cur- so, série, ano, disciplina etc., baseia-se sempre em duas questões: o que deve ser ensinado? Que tipo de sujeito deve ser formado? Em outras pa- lavras, quem reflete sobre currículo, como bem afirma Tomas Tadeu da Silva (2003), pensa em construção de identidades. Neste capítulo, veremos que, ao longo do sé- culo XX, em relação à escolarização das crian- ças, várias foram as respostas oferecidas para essas questões e, por isso, muitas foram as pro- postas de organização dos programas da escola primária no Brasil.
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OS CURRÍCULOS DA ESCOLA PRIMÁRIA
De início, é preciso saber que, diferentemen-
te do ensino pós-primário (curso secundário, gi- nasial, 2o grau, científico ou médio), regulado pelo governo da União, a escola primária, ou os anos iniciais do Ensino Fundamental, como hoje são chamados, era normatizada pelos Es- tados. Cada unidade da federação – Sergipe, Currículo A questão central que serve São Paulo, Rio Grande do Norte, Amazonas, de pano de fundo para qualquer teoria do entre outros – elaborava a sua proposta currículo é a de saber qual curricular. Daí, a pluralidade de instituições (en- conhecimento deve ser ensinado. De uma forma sino ministrado por escolas isoladas, reunidas mais sintética, a questão central é: o quê? Para ou em grupos escolares), de nomenclatura e de responder a essa questão, as diferentes teorias podem projetos sobre o tema: curso primário simplifi- recorrer a discussões sobre cado (ler, escrever e contar), curso primário en- a natureza humana, sobre a natureza da ciclopédico (Leitura, Escrita, História do Brasil, aprendizagem ou sobre a natureza do conhecimento, Geografia do Brasil, Aritmética, Ciências, entre da cultura e da sociedade. (Silva, 2003, p. 14-15). outras), ensino elementar e complementar, en- sino de primeiras letras. Série A graduação do ensino em Após regulação federal, os nomes variaram séries subsequentes, correspondendo cada uma ainda mais: ensino fundamental menor, ensino a um ano letivo, permitiu a racionalização curricular, das séries iniciais, primeiro e segundo ciclos do ou seja, a distribuição ensino fundamental e, agora, anos iniciais. metódica e sistemática do conhecimento a ser Apesar da variedade de projetos divulgados transmitido na escola [...]. A série tornou-se a matriz ao longo do século passado, quatro tipos de or- estrutural da organização ganização curricular predominaram. Sob o as- do trabalho escolar. Essa unidade temporal, aliada pecto do desenvolvimento humano – que inter- aos horários escolares e aos sistemas de exames, fere diretamente na forma de organização do emoldurou as rotinas escolares, sedimentando tempo escolar, progressão dos conteúdos e pro- práticas que conformariam moção individual do aluno –, tivemos o ensino uma identidade duradora na escola primária (Souza, regido em séries e em ciclos. p. 43-44). 129
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Sob o ponto de vista das informações ou dos A pesquisa educacional tem dados de ciência a serem manipulados por alu- apontado várias vantagens do sistema de ciclos nos e professores, o ensino foi organizado por dis- sobre o sistema seriado. Em primeiro lugar, a ciplinas ou matérias. constituição de grupos de anos e não apenas um ano A organização do tempo por séries – duas, três, é mais compatível com os quatro ou cinco – representou uma inovação do conteúdos a ensinar e com o desenvolvimento início do século XX, no Brasil. Foi uma tentativa cognitivo do aluno. Depois, o maior espaçamento entre de racionalização escolar baseada na testagem os momentos de progressão permite o sistemática, na construção de turmas homogê- acompanhamento neas e na aquisição linear, repetitiva, gradativa e diferenciado dos alunos e a criação de trajetórias cumulativa do conhecimento. diferenciadas para atingir objetivos educacionais A organização do tempo por sistema de ci- idênticos. Por fim, algumas experiências com a clos é mais recente. Sua implantação experimen- implantação dos ciclos têm tal data dos anos 1950. Diferentemente da série, comprovado que a permanência do mesmo que corresponde a um ano, o ciclo corresponde a mestre numa mesma turma por dois ou mais anos intervalos de dois, três ou quatro anos, onde, em também fortalece e clarifica os objetivos, geral, ocorre a progressão automática do aluno. estratégias do ensino- Na base da organização por ciclos está a incorpo- aprendizagem, tanto para os alunos, quanto para os ração da ideia de inclusão e o respeito aos dife- pais e os próprios mestres componentes da equipe. rentes ritmos de aprendizagem das crianças. Isso ajuda a criar hábitos e O outro tipo de organização, referido aci- facilita o cumprimento e a avaliação das metas e ma, relaciona-se aos conteúdos, ou seja, ao que objetivos. (Cf. Perrenoud, 2004, p. 9-23). se ensina. Eles foram inicialmente organizados por disciplina, que era a forma mais antiga de responder à questão: que conhecimento deve ser ensinado? Os elaboradores de currículo, em sua maioria, estavam convictos de que as disci- plinas escolares – História, Matemática etc. – eram repositórios dos mais úteis e sofisticados sa- beres sistematizados pelo homem numa duração secular. Em outras palavras, elas refletiam o cor- po das ciências e das artes – o patrimônio da hu- 130 manidade.
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A outra justificativa para o currículo organiza- do por disciplinas estava na ideia de que tais sa- beres possuíam o poder de mobilizar determina- das potencialidades humanas. Agindo diretamente no cérebro, por exemplo, a Matemática poderia auxiliar no desenvolvimento da faculdade da ra- zão ou no perfeito encadeamento das ideias (pen- samento lógico). A História, por sua vez, contri- buiria para o fortalecimento da faculdade da memória. A segunda forma predominante de organi- zar os currículos da escolarização das crianças foi a junção/integração dos conteúdos discipli- nares em matérias. Conhecidos exemplos da década de 1930 são os casos do Distrito Fede- ral e do Rio Grande do Sul. Nesse último, a es- Faculdade cola primária prescrevia conteúdos de Estudos As faculdades, poderes ou funções da alma, foram Sociais e de Estudos Naturais. A primeira maté- distinguidas de várias maneiras. Para Aristóteles, ria somava conhecimentos de História e de Geo- faculdade vegetativa, sensitiva e intelectiva; para grafia, e a segunda, tratava de saberes elemen- Santo Agostinho, memória, tares do que hoje conhecemos como Física, Quí- inteligência e vontade, que correspondiam à mica e Biologia. O caso dos Estudos Sociais, Santíssima Trindade: Ser, Verdade e Amor. Para porém, é o mais divulgado. Ele foi introduzido, Descartes, entendimento e vontade. Para Kant, sistematicamente, nos anos 70 do século passa- conhecer, sentir e desejar. do em todo o Brasil. Conservando e transpondo o sentido de poder/função Em relação a essas duas formas de organizar da alma, a palavra faculdade também é os dados de ciência, podemos afirmar o seguin- empregada para nomear as te: enquanto o modelo disciplinar projetava grandes divisões dos conhecimentos humanos e cada disciplina como ativadora de determina- o corpo de professores de uma mesma universidade: da potencialidade humana, o currículo por Faculdades de Teologia, Direito, Medicina e matéria propunha a integração entre os vários Filosofia ou Artes. (Cf. saberes científicos e as capacidades do homem. Abagnano, 1997, p. 518- 520; Lalande, 1999, p. Uma das vantagens propagadas era a possibili- 381). 131
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dade de explorar uma questão social – as mi- Estudos Sociais grações populacionais, por exemplo – com os Para Maria do Carmo Martins, professora da conceitos e estratégias metodológicas de várias Universidade de Campinas e pesquisadora do ensino disciplinas, tais como: História, Geografia e Eco- de História, a lei n. 10.038/ 1968, que institui os nomia. Estudos Sociais, era clara: a Geografia e a História poderão ser integrados em ORGANIZAÇÕES CLÁSSICAS DA Estudos Sociais, área denominada de Ciências HISTÓRIA NOS CURRÍCULOS DA Humanas. A alteração do status da História e da ESCOLA PRIMÁRIA Geografia aparece de forma condicional. O verbo usado é “poderão”, logo, Pode parecer uma incoerência, mas as opções existia a possibilidade de não ocorrerem tais entre um currículo simplificado ou enciclopé- transformações. Essa possibilidade foi suprimida dico, seriado ou cíclico não representam, ne- após 1971, com a Reforma cessariamente, modificações nas formas de or- do Ensino feita pela ditadura militar, que ganização do conhecimento histórico ministrá- efetivou os Estudos Sociais para o currículo nacional vel nas escolas ao longo do século XX. Em do- da escola de 1º grau (8 anos) e incentivou a cumentos produzidos até 1950 – Rio Grande do criação do curso superior Sul, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, de Estudos Sociais, responsável pela formação Sergipe –, encontrei variações sobre o ano/sé- de professores para atuarem nessa nova rie, sobre a época adequada à introdução dos disciplina. Juntamente com estudos históricos – no primeiro ano, segundo os saberes da História e da Geografia, Estudos Sociais ou quarto –, e algumas formas clássicas predo- ganharam a companhia de uma outra disciplina minantes de distribuição da História ao longo dos escolar, a Organização Sociais e Política do Brasil, cursos primários: organização cronológica e a or- que aparecia nos currículos ganização temática, como apresentarei adiante. escolares em separado para algumas séries do ensino Quanto à opção por organizar o currículo em ginasial e secundário desde 1961. (Cf. Martins, 2002, disciplinas ou matérias (campos de conhecimen- p. 104-105). to), ao contrário, há mudanças substantivas na História a ser ensinada. Maior exemplo está na Reforma do Ensino de 1º e 2º graus de 1971 que prescreveu as matérias Comunicação e Expres- são, Ciências e Estudos Sociais como núcleo co- 132 mum dos currículos. Nessa configuração, o co-
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nhecimento histórico transformou-se em um dos conteúdos que compunham os Estudos Soci- ais, a saber: História, Geografia e Organização Social e Política do Brasil (OSPB). Para o geógrafo Carlos Delgado de Carvalho, A Reforma de 1971 é o exemplo mais conhe- parceiro de Anísio Teixeira, cido, mas ela não inaugurou o ensino de Estu- os Estudos Sociais seriam matéria de ensino dos Sociais: em 1934, foi adotado por Anísio compatível com todos os níveis de ensino, Teixeira no Distrito Federal; em 1939, compôs abrangendo a História, o currículo primário no Rio Grande do Sul; e, Economia, Sociologia, Política, Geografia em 1966, foi introduzido em nove grupos esco- Humana e Antropologia Cultural. Em livro lares do Estado de São Paulo. publicado na década de 50 do século passado, o autor Nessas ocasiões, e, principalmente, a partir da lista os cinco objetivos década de 1970, a função e o espaço da História gerais dos Estudos Sociais: 1. conhecer e compreender nos currículos variaram de acordo com a noção os conceitos sociais e o valor das instituições; 2. de Estudos Sociais: integração de disciplinas – desenvolver, no indivíduo, a capacidade de estudar, História, Geografia, OSPB ou História, Geogra- ler e interpretar, com senso fia e Ciências; soma de disciplinas – História + crítico, o que leu, ouviu ou viu; 3. despertar a Geografia; introdução de conceitos das ciências personalidade do educando, desenvolvendo da História e da Geografia; introdução dos con- seus interesses culturais e seu senso de ceitos das Ciências Sociais; estudo do meio – glo- responsabilidade; 4. balização, centros de interesse e aulas integra- integrar o indivíduo na sociedade democrática em das; estudo de conceitos fundamentais do mate- que deve viver, promovendo a sua cooperação como rialismo histórico. bom cidadão; 5. compreender a Assim, os conhecimentos históricos ou ganha- interdependência das ram a forma de História do Brasil em cronologia nações do mundo moderno, respeitando as progressiva, seguindo ou seguida da descrição funções particulares dos diferentes grupos e geográfica do Brasil, ou foram conceitos caros à contribuindo à epistemologia histórica – tempo, causalidade, compreensão internacional. (Carvalho, entre outros – mesclados a conceitos da Geogra- 1957, p. 12, 14, 65).
fia, OSPB , Antropologia, Sociologia, Economia Anísio Teixeira
Reformador e educador e Ciências. baiano (1900/1971), era Como vimos, a organização do currículo pri- leitor de John Dewey e entusiasta dos Estudos mário por matérias provocou mudanças impor- Sociais. 133
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tantes, não só na forma de organizar o conheci- Cronologia mento histórico, mas também na natureza desse progressiva Empregada e difundida conhecimento. É provável que, pela primeira vez, pela obra de Joaquim Maria de Lacerda, a sequência de acontecimentos político-adminis- reeditada no Rio de Janeiro, em 1918. trativos da história nacional tenha sido substitu- Descobrimento do Brasil. ída pelo desenvolvimento de conceitos básicos Povos indígenas do Brasil. Primeiras explorações da da epistemologia histórica e/ou pela experiên- costa do Brasil. A aventura de Diogo cia cotidiana do aluno. Vejamos agora as formas Álvares e de Ramalho. Divisão do Brasil em clássicas de organização do conhecimento his- capitanias (1531). tórico produzido pelos historiadores e emprega- História da fundação das capitanias. do no ensino da História para crianças: a organi- Primeiro governador geral do Brasil (1549/1553). zação cronológica e a organização temática. Serviços prestados pelos jesuítas. Segundo governador geral do Brasil (1553/1558). Terceiro governador geral ORGANIZAÇÃO do Brasil (1558/1572). Fim trágico de D. Luiz de CRONOLÓGICA Vasconcelos (1570). Divisão do Brasil em dois governos (1572/1577). Na organização cronológica, a História ganha- O estado do Brasil em 1580. va a forma de uma lista de temas, classificados Sexto governador geral do Brasil (1583/1591). segundo a sua abrangência ou posição no calen- Sétimo governador geral. dário. Como o próprio título denuncia, o crité- Sucessores de D. Francisco de Souza. rio de organização provém do tempo, ou seja, é Tomada da Bahia pelos holandeses. necessário observar o tempo cronológico como Ocupação de Pernambuco pelos holandeses (1630/ ordenador da experiência humana e como fator 1654). de inteligibilidade dessa mesma experiência para Expulsão dos holandeses do Brasil [...]. os alunos iniciantes. Essa cronologia, entretan- (Lacerda, 1918). to, pode ser apresentada em sentido progressi- vo, regressivo, misto e ampliatório. Uma cronologia progressiva é a que dis- tribui o conhecimento histórico na chamada or- dem natural: do ontem para hoje, do mais anti- go para o mais recente. Assim, foi comum contar 134 a História do Brasil às crianças do primeiro ano
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iniciando pela data de 1500, com o personagem Pedro Álvares Cabral, e encerrá-la no quarto ano com Getúlio Vargas e a Revolução de 1930. Na cronologia regressiva, conta-se a his- tória “de frente para trás”, do contemporâneo para o antigo, do hoje para o ontem. A História Cronologia regressiva Epregada no estado de do Brasil ganha sentido, então, com a narração Minas Gerais em 1950. O ensino da História de fatos da vida do próprio aluno, da sua escola, começa com o presente. No bairro, cidade, estado e país, do presente para o primeiro ano, as crianças aprendem os elementos passado, até chegar ao citado Pedro Álvares históricos mais perceptíveis ao seu entendimento, como Cabral e à aventura do Descobrimento, já nos a escola, nome, fundador, fatos interessantes de sua últimos anos do primário. vida presente e passada, A dominante distribuição cronológica, entre- valor, eficiência da escola. No segundo, suas tanto, não se encerra nos sentidos progressivo e indagações abrangerão o governo da cidade, regressivo. Ela pode também fazer uso dessas autoridades locais, Prefeitura, impostos e duas formas numa mesma proposta curricular. benefícios, o nome da Por isso, não foi incomum iniciar os dois primei- cidade, origem, fundadores, beneméritos, ros anos de forma regressiva e tomar a forma lendas, data local. No terceiro, estudará o progressiva no terceiro e quarto anos, isto é, co- município e sua história, os poetas, sentimento de meçar o ensino da história com o exame da vida família, terra natal e do aluno – nome, data de nascimento, familia- sentimento de pátria. No quarto, tratará da vida res, peculiaridades da escola e do bairro aonde e obra de homens ilustres ligados à região e das mora – e saltar abruptamente para o ano 1500 – grandes invenções influenciadoras do no terceiro ano, por exemplo – examinando, progresso humano: estrada progressivamente, acontecimentos como as ca- de ferro, automóvel, navegação, aviação, luz pitanias hereditárias, a descoberta do ouro nas elétrica, telefone, rádio. Partindo da escola, que Minas Gerais, o movimento de Independência no frequenta e observa Rio de Janeiro e em São Paulo e o regime militar diretamente, o aluno dilatará gradativamente o das décadas de 1960, 1970 e 1980. círculo de suas investigações para Outra forma de distribuição cronológica do considerar a localidade, o município, a região, com conhecimento histórico ganhou o nome de seus homens concêntrica ou ampliatória. Essa modali- representativos. (Correia Filho, 1953, p. 15-16). dade consiste em trabalhar, todos os anos, o mes- 135
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mo conjunto de temas, de forma a torná-los, gra- Programa concêntrico dativamente, mais complexos. Assim, por meio ou ampliatório no ensino primário do Distrito de modificações no método de ensino e nos tex- Federal em 1916 1. classe elementar – Nome tos examinados, o professor ministraria os mes- da nossa pátria. 2. classe média – Pedro mos temas no primeiro, segundo, terceiro e quar- Álvares Cabral, descoberta to anos: Descobrimento, indígenas, Tiradentes, do Brasil. 3. classe complementar – Bandeirantes, Independência e República. Pedro Álvares Cabral, descoberta do Brasil, Um caso hipotético ilustra as singularidades viagem de Pedro Álvares Cabral, descobrimento do dessa abordagem: no primeiro ano, o aluno es- Brasil, estado e condições tudaria o Descobrimento, ou seja, o nome da de vida dos indígenas na época do descobrimento, pátria e do descobridor. No segundo, examina- primeiros estabelecimentos dos portugueses no Brasil, ria as razões da descoberta, a biografia de Cabral, organização da colônia em capitanias. (Cf. Serrano, os problemas das viagens marítimas. No terceiro 1916). ano, trataria dos conflitos econômicos entre Por- tugal, Espanha, França e Inglaterra, e assim por diante, sem fugir, entretanto, ao tema principal do início de cada ano: o Descobrimento do Brasil.
ORGANIZAÇÃO TEMÁTICA
Na organização temática do conhecimento
histórico, obviamente, o critério orientador é o tema e não o tempo cronológico ou seu subpro- duto, a periodização linear. O critério de esco- lha do tema, base para organização dos estudos históricos, pode provir (com maior ou menor ên- fase) da Psicologia, Pedagogia ou História. É fácil observar essas orientações. Num currí- culo onde a orientação principal vem da Psico- logia cognitiva, são enfatizadas a aquisição e/ou 136 a construção de noções como tempo, espaço, di-
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ferença, semelhança, entre outras. Um currículo inspirado pela teoria crítica de Paulo Freire em- Entre os historiadores franceses, a organização prega temas chamados “geradores”, extraídos da temática enfrentou algumas críticas. Jaques Le vivência problematizada dos educandos. O pro- Goff, por exemplo, alertou: é preciso ver qual é o grama não necessariamente freiriano, mas que discurso escolar sobre o visa construir uma sociedade mais justa e iguali- tema, e parece-me que é o velho discurso. Existe um tária (democrática), cidadã, valorizando o coti- certo progresso quando se faz uma História narrativa diano discente, pode priorizar o interesse do pró- desde a carroça ao avião supersônico. Mas se é, em prio aluno. Até a “morte de Airton Sena”, por primeiro lugar, de novo exemplo, pode vir a ser um tema do programa uma História narrativa e, em segundo lugar, uma de História. História que, longe de ser a dos possíveis e da liberdade Com esses poucos exemplos, afirmo que a ideia na História[...] Torna-se ao contrário, uma História de tema, empregada, sobretudo, nas quatro últi- mais determinista que mas décadas do século XX, não abrange apenas nunca, que dá a entender que se devia forçosamente uma unidade de sentido que agrupa vários assun- passar da carroça ao barco a vapor, ao comboio, ao tos “históricos”, por exemplo – o tema Descobri- automóvel e ao avião supersônico, receio que se mento do Brasil, reunindo personagens e episó- tenham tornado as coisas dios, como as sociedades indígenas, os portugue- ainda piores do que estavam, na medida em que ses, os encontros e confrontos na Costa Atlântica. o conteúdo deste ensino tem seduções óbvias e Assim configurada, a ideia de tema não avançaria diminui ainda mais o muito além das “unidades didáticas” importa- espírito crítico dos alunos. Todos os que aqui estão das dos Estados Unidos na primeira metade do saudaram a entrada de novos objetos na História: século passado. Muito mais que unidade didá- a História Nova pode fazer-se através do estudo tica, portanto, um tema pode ganhar os senti- de um objeto a partir do dos de conceito, problema, eixo gerador ou as- qual toda a História de uma sociedade se desmonta sunto significativo, predominantemente, origi- aos nossos olhos. Mas o que eu noto nessa História nados da Psicologia, Pedagogia, Política, Soci- temática, tal como ela se esboça, é uma História que ologia ou da História. se encerra no tema e que Na História, o tema ganha os sentidos de con- não explica por que é que a carroça e o automóvel ceito e de questão porque o ensino de História apareceram, e como isso se inscreve na História geral também é orientado por matrizes conceituais da das sociedades. (Le Goff, 1991, p. 14-15). ciência de referência. Um profissional da Histó- ria de certa orientação marxista, por exemplo, 137
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entende que as categorias “trabalho” e “relações Bloco inicial (Ciclo Básico - sociais” são fundamentais para a interpretação 1a e 2a séries) Eixo temático: (materialista) da experiência humana. trabalho Diferentes formas de vida - Um tema, por outro lado, é também uma ques- Diferentes formas de trabalhar. tão porque essa mesma matriz transpõe para o Com quem vivemos. ensino a ideia de que estudar História não é ape- Quem encontramos na escola. nas receber passivamente informações sobre o Os objetos da casa e da escola. passado conhecido. É também conhecer as fer- Como nos relacionamos em casa e na escola para ramentas e estratégias de elaboração do próprio satisfazer as nossas conhecimento histórico. É interrogá-lo constan- necessidades. Diferentes necessidades, temente a partir dos problemas enfrentados no diferentes atividades. Diferentes formas de presente do aluno. Daí a criação, por exemplo, trabalhar - diferentes formas de viver - diferenças do “eixo temático - trabalho” como sociais. organizador do currículo de História para as sé- Contrução de uma História - expressão e registro. ries iniciais em São Paulo, no ano 1989. Bloco Intermediário (3a, 4a. Mas é importante saber que a História ensi- e 5a séries) Eixo temático; Trabalho nada por eixos temáticos ou temas geradores O lugar em que vivemos - distingue-se da História temática. A pesquisado- formas de vida e trabalho. O lugar em que vivemos ra Circe Bittencourt (2005) afirma que os sempre foi assim? Diferentes formas de viver e eixos temáticos são indicadores de um conjunto trabalhar. de temas, selecionados, inclusive, por critérios Constituição do mercado de trabalho assalariado na pedagógicos, que contemplam faixa etária, nível sociedade brasileira a partir do século XIX. escolar, tempo escolar dedicado à disciplina. A (Reis, 2001). História temática resulta do aprofundamento da Circe Bittencourt investigação sobre determinado tema, a partir Pesquisadora do ensino de História e professora da dos interesses e estratégias estabelecidos pelos Universidade de São Paulo e da Pontifícia próprios historiadores. Universidade Católica de São Paulo. Escreveu Ensino de História: fundamentos e métodos (2005).
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RESUMO
Currículo é o que se ensina com o objetivo de construir sujeitos e forjar identidades.
No Brasil, no século XX, o conhecimento produzido pela historiografia esteve presente na escolarização das crianças, não importando a configuração desse ensino – primário ou primeiro grau, simplificado ou enciclopédico, seriado ou cíclico. As formas com as quais o conhecimento histórico foi organizado – as configurações dos programas –, entretanto, variaram bastante. A organização cronológica em suas versões progressiva, regressiva, mista ou concêntrica-ampliatória e a versão temática/conceitual foram os tipos predominantes neste período.
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