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DIÁRIOS DE
LADY CHARLOTTE
VANESSA R. R. HART
Copyright © 2018 by Vanessa Hart
Correu até a cabana que ficava do outro lado do bosque, nos limites da
propriedade, ignorando o calor do verão de Kent. Entrou sem se preocupar em
anunciar-se antes. Decerto, a gravidade de sua carta exigia medidas extremas,
como desconsiderar por completo as boas maneiras.
A cabana não era grande; era dividida em apenas três espaços. A parte da
frente era um cômodo que acomodava a sala de estar, a minúscula cozinha e uma
pequena mesa para as refeições, onde mal cabiam quatro pessoas. Na parte de
trás da construção, havia uma sala de banho do lado esquerdo e, do lado direito,
um quarto simples com uma cama de casal.
Charlotte não precisava de muito esforço para adivinhar em que cômodo seu
irmão estaria com sua nova esposa, Tessa. Ela apenas não entendia por que eles
insistiam em fugir para a cabana quando queriam compartilhar intimidades de
marido e mulher. Ninguém os incomodava na casa principal; no máximo, os
ouviam do outro lado da porta.
— Vim ver vocês, claro — ela fez questão de revirar os olhos depois de
anunciar, irritadíssima com a questão estúpida do irmão.
Oh, céus! Cá estava ela, prestes a desmaiar por conta da péssima notícia que
recebera, e seu irmão estava preocupado com os detalhes mais tolos e as
informações mais óbvias!
Ela inspirou fundo, lembrando que viera para pedir um favor ao irmão e,
portanto, não poderia simplesmente jogar uma cadeira contra sua cabeça, ou ele
ficaria de mau humor. E Frederick não cooperava muito quando estava com um
de seus humores.
— Todos sabem que vocês vêm para a cabana quando precisam de distância
de mamãe — ela revirou os olhos novamente.
Tessa, que ficara com uma expressão de choque que espelhava a do marido
quando a cunhada adentrou o cômodo, agora juntava todas as suas forças para
não gargalhar. Charlotte não entendeu o que ela poderia achar de tão engraçado,
porém, a moça sempre foi um pouco excêntrica.
Céus, como ele poderia ser tão grosseiro, quando ela estava sendo o mais
delicada possível a respeito da situação? Ela simplesmente não entendia o que
uma mulher tão adorável como Tessa poderia ver num grosseirão que vivia de
mau-humor. Ele sempre parecia irritado quando estava perto de Charlotte.
— Sabe muito bem quem! — ela bateu o pé no chão uma vez, como fazia
quando era criança e não lhe davam o brinquedo que ela queria. — Ele me
ameaçou, Fred!
— O que ele quer que você faça? — ele apertou a ponte do nariz, tentando
espantar uma dor de cabeça que começava a assentar-se.
Já era ruim o bastante que Frederick soubesse de seu segredo; nenhuma outra
pessoa poderia descobri-lo. Infelizmente, desde que se casaram no ano anterior,
Frederick e Tessa eram praticamente inseparáveis. Ainda assim, Charlotte
evitaria ao máximo que a nova cunhada soubesse da verdade.
Ela confiava em Tessa, e aprendera a amá-la com uma irmã. Entretanto, não
queria que ela também carregasse aquele fardo, já que era uma atividade
bastante complexa a de enganar Lady Morgan.
E ele preferia lidar com as reclamações da irmã por não poder se juntar a eles
do que com as bengaladas de Lady Morgan se Charlotte retornasse à Inglaterra
solteira outra vez.
Seu irmão era muito inteligente (para um homem), mas fazia os comentários
mais estúpidos às vezes.
— Quando?
— Vejo você sem roupa desde que seu negocinho era desse tamaninho.
Se Charlotte fosse um homem, mesmo que seu irmão, ele a chamaria para
um duelo. Seu rosto adquiriu um tom avermelhado, um misto de raiva e
humilhação.
— Ele tinha a mania de correr pelado pelo jardim para fugir do banho.
— Nossa, você está tão estressado, Fred... Acho que precisa de mais tempo
na cabana com a sua esposa. Boa sorte, Tessa — ela disse, e retirou-se.
***
UM ANO E MEIO ANTES
Janeiro, 1815
Capítulo 1
CHARLOTTE
Eu sabia que não ficaríamos ali muito mais tempo, talvez em uma semana ou
duas deixaríamos Crawford Hall para retornarmos à Inglaterra. Até lá, era
melhor que ele tivesse resolvido as coisas. Senão eu as resolveria para ele. Às
vezes, um empurrãozinho não bastava para as pessoas fazerem a coisa certa.
Nesses casos, elas precisavam ser atropeladas mesmo.
Meus diários, lembrei-me. Sempre viajava com pelo menos dois ou três
deles, pois adorava registrar diariamente todos os passeios que fazia. Ao invés de
escrever sobre minhas aventuras em Bath, contudo, eu preenchi as páginas com a
bela história que havia imaginado para o broche.
Foi assim que, em menos de uma semana, eu escrevi meu primeiro romance.
Quando eu o finalizei, veio a dúvida: o que fazer agora? Mamãe jamais
permitiria que eu publicasse um livro, e eu sabia que, mesmo que conseguisse
publicá-lo, não poderia usar o meu nome. Para piorar, não conhecia ninguém do
ramo literário.
No fim das contas, Frederick tinha razão. Meu livro não vendera muito de
início, porém, ao longo dos anos, meus romances foram ficando mais
conhecidos, a ponto de eu juntar um montante considerável com suas vendas.
Na realidade, ser uma autora anônima era emocionante; nada me dava mais
prazer do que ouvir damas falando do meu livro nos salões de baile ou nas salas
íntimas, sem imaginarem que a criadora daqueles títulos estava ali mesmo, ao
seu lado.
Mal sabia eu que conhecer Lorde Devon não seria exatamente uma situação
de sorte...
***
Usei a estrada que Frederick havia me indicado uma vez como aquela que
daria acesso a Rosebery Hill. Segundo meu irmão, o trajeto até a casa principal
levava por volta de meia hora. Imaginei que eu precisaria de pelo menos um
quarto de hora a mais que o normal, pois cavalgava bem devagar, evitando
trechos lamacentos ou com poças.
Estava em uma ladeira que, apesar de ter um abismo de um lado, era tão
larga que não me deixava nem um pouco temerosa em subi-la sozinha. Na
metade do declive, notei algo brilhando no solo. Desci do cavalo, a fim de
verificar o que era, quando identifiquei um velho medalhão de ouro.
O amarelo da joia estava gasto, escurecido, como se estivesse ali havia muito
tempo. Considerei a hipótese da chuva ter tirado a terra que se acumulara sobre a
joia. Estava bem na beira da estrada, perto do abismo. Juntei minha coragem e a
peguei.
Queria passar algum tempo explorando-a, porém, fui interrompida pelo som
de cascos de cavalo se aproximando, e a guardei no bolso do vestido.
Montei o cavalo o mais rápido que pude; ainda assim, não consegui fugir
antes de ser notada.
— O que faz aqui? — Uma voz disse atrás de mim. Uma voz profunda e
bastante fria. — A senhorita está em Rosebery Hill.
— Ah, sim? Não sabia... Estou um pouco perdida — disse no meu melhor
tom de inocência.
Virei o cavalo para poder encará-lo, mas o rosto do homem estava escondido
pela sombra de seu chapéu. Eu usava a capa vermelha de Tessa, porém, havia
retirado o capuz, e meu rosto estava exposto. Se não tivesse sido tão estúpida,
talvez o estranho sequer me questionasse, acreditando que se tratava de sua
vizinha.
Já que não podia ver seu rosto, analisei o que me restava; seu corpo. O
homem, apesar de grosseiro, tinha roupas bastante elegantes, que vestiam muito
bem seus ombros largos e longas pernas. Estranhei o fato de seus calcanhares
estarem presos à sela; contudo, foram suas grandes mãos que mais prenderam a
minha atenção.
— Está dizendo que uma dama seria capaz de invadir propriedade privada de
má-fé, senhor? — usei uma tática que o deixaria embaraçado.
Agora ele teria mais uma chance de simplesmente deixar o assunto para lá
para que eu pudesse retornar a Crawford Hall em paz.
Se bem que ela sempre afirmava que uma dama deveria defender sua honra.
E era isso que eu estava fazendo.
Ele tirou o chapéu, e finalmente pude ver seu rosto. Ele era bem...
Masculino. Não sei que outra palavra poderia usar. Apesar de usar roupas de
cavalheiro, seu rosto era de um homem grosseirão, daqueles que passam o dia
caçando, atirando, e gritando com seus criados.
Olhos castanhos me encaravam sem qualquer pingo de gentileza. Seu queixo
quadrado estava erguido, seus lábios, formando uma linha, com as pontas
levemente inclinadas para baixo. Havia também uma cicatriz na sua bochecha
direita, uma linha que a cortava no canto, da altura do olho até a jugular.
Apesar disso, ele era um homem bem atraente. Atraente até demais para o
meu bom senso. Senti uma vontade inexplicável e bastante irritante de passar os
dedos por seus cabelos louros desarrumados.
Sempre que o imaginava, Lorde Devon aparecia para mim como um homem
rechonchudo e ranzinza cercado de livros, que passava o dia reclamando de seus
serventes e jamais deixava o conforto da poltrona em sua biblioteca.
A linha nos lábios dele foi substituída por um meio sorriso irônico ao notar
minha surpresa.
— Ah, vejo que viu meu nome e meu título na placa de entrada, no fim das
contas.
O sorriso dele alargou-se. Meus olhos foram para seus lábios. Os dele foram
para o meu colo. Fechei melhor a capa para esconder o decote do vestido.
Ele era um péssimo cavalheiro. Talvez, ficara tempo demais isolado em sua
propriedade, porque claramente não sabia como lidar com damas de bom
nascimento e ótima etiqueta.
— Sou filha de Lady Morgan, que virá à Escócia apenas para lhe dar
bengaladas se souber como está se dirigindo a mim!
Aquilo pareceu atingi-lo. Ele ficou sério de novo, uma linha formando-se
entre seus olhos castanhos.
O quê?
Tinha tantas palavras para chamá-lo, pena que não podia usá-las. Eu sabia
que, se o fizesse, ele venceria aquela batalha. E eu preferia perder uma perna do
que perder uma discussão.
— Vamos lá; prove-me que é uma verdadeira dama — ele esfregou na minha
cara.
Com um sorriso doce, aproximei meu cavalo do dele, deixando-os lado a
lado, virados em direções opostas. Nossos joelhos quase se tocaram, e vi
curiosidade nos olhos dele. Levantei o chicote e o bati contra sua coxa. Apesar
de não ter refreado minha força, Lorde Devon sequer se moveu.
Ele enfiou a mão dentro da capa e agarrou meu braço, forçando-me ainda
para mais perto dele, quase me arrancando da minha montaria. Senti seu bafo
contra a minha face; ele estava no limite de sua paciência. Seus olhos
escureceram, e sua voz ficou ainda mais profunda.
Maldito! Virei novamente o rosto para frente, evitando que ele notasse a cor
subindo às minhas bochechas. Vesti o capuz e acelerei o passo. Ele me seguiu.
Joguei o chicote na cara dele. Ele o pegou com a mão antes que pudesse
machucá-lo. Imaginei aquela mão gigante segurando a minha cintura com a
firmeza com a qual segurava o chicote.
Puxei-o de volta.
— Sem autorização, espero que não mesmo — ele tomou as rédeas do meu
cavalo, forçando-nos a parar. — No entanto, se me disser seu primeiro nome e
onde está hospedada, posso convidá-la para uma visita oficial. Aí não precisará
cometer um crime para conhecer a minha propriedade.
— É casado?
— Grosso!
— Linda.
***
Capítulo 2
RICHARD
Quase explodi de raiva ao vê-la. Ela estava no lugar onde a maior tragédia da
minha vida ocorrera, maldição! Um local sagrado para mim, onde eu vinha todo
mês para me lembrar do que havia perdido. Em uma mesma noite de inverno, eu
perdera meus pais, minha irmã mais velha e o movimento das minhas pernas.
Apenas não perdera a vida porque Patrick, meu grande amigo e primo de
consideração, me encontrou antes que eu congelasse sob a neve.
Ao contrário das pessoas ao meu redor, Lady Morgan (seja qual for seu
primeiro nome) não aceitava ordens, e muito menos admitia que alguém dissesse
que ela agira errado. Ela praticamente cuspira fogo quando eu a acusara de ser
uma criminosa, e me atacou com um chicote!
Céus, ela tinha mais espírito que toda uma igreja em missa de domingo. Ela
era irônica, independente e mais inteligente que os cavalheiros considerariam
apropriado. Certamente, não devia ser casada. Afinal de contas, que homem
seria macho o bastante para aceitar uma mulher que não se submeteria a seus
desejos?
Eu.
Claro que não, uma voz irritante respondeu em minha mente. Ela era linda,
com a pele de porcelana contrastando com os cabelos negros e os olhos verdes,
os cachos voando com a brisa, os seios redondos e volumosos subindo e
descendo rapidamente, como se sua respiração estivesse acelerada.
Seu irmão havia me visitado três vezes nesse inverno, depois de muitos anos
sem vir à Escócia. No entanto, ele não tinha mencionado que trouxera a irmã
consigo. Talvez, o segredo fosse para a minha própria segurança. A dama
certamente não era o tipo de mulher que alguém conhecia de forma sutil. Nada
nela era sutil.
Cheguei aos estábulos mais rápido do que presumira, ou poderia ser o fato de
que estava distraído, divagando sobre um par de olhos verdes sobre lábios
perfeitos.
John e Patrick haviam levado meses construindo uma cadeira com rodas
laterais que me oferecessem mais conforto que a famosa cadeira de Bath, que
tinha três rodas menores. Alguns novos modelos de cadeiras de rodas
começavam a aparecer na Inglaterra, então eles usaram os protótipos mais
modernos para construir a minha.
Usei a rampa lateral de madeira para entrar na sala de inverno, onde Patrick
lia o jornal confortavelmente. Ele me deu boa tarde e, quando eu o respondi,
algo o fez olhar para cima.
Ah. Não havia como disfarçar agora. Eu raramente sorria, tanto que meu
rosto já começava a doer.
Perfeita, quis dizer, e não era exagero. Tampouco estava exacerbando suas
qualidades por não ter muito contato com damas. Ao longo dos anos, recebi
muitas visitas femininas belíssimas em minha casa, tanto filhas de amigos
quanto acompanhantes que me ofereciam algum alivio em noites solitárias.
Lady Caroline Hamilton, por exemplo, filha dos meus vizinhos, tinha uma
beleza clássica, elegante. Sua irmã, Tessa, era como uma pequena fada, que
encantava todos aqueles que conhecia com seu jeito inocente e seus modos
simples e sinceros.
A beleza da irmã de Sir Frederick, todavia, era bem diferente. Ela era como a
erupção de um vulcão; forte, bruta, e podia derrubar o mais poderoso dos
homens antes mesmo que ele se desse conta do que havia acontecido, com um
comentário azedo e um olhar tão cálido que era capaz de criar fogo no meio de
uma nevasca escocesa.
Ela tirou o terço do bolso de sua veste e passou a rezar com sussurros,
ignorando completamente a bagunça que fizera. Duas camareiras, atraídas pela
comoção, adentraram no cômodo e começaram a limpar em volta da Sra. Jones,
sem ousar interromper suas preces.
— Não precisa enfiar a mão em ninho de vespa para saber que é uma
péssima ideia.
Será que a Sra. Jones realmente achava que a dama era o Anticristo?
***
Queria descobrir mais sobre ela. Precisava descobrir mais sobre ela. Seu
irmão sempre falava com enorme carinho de todas as irmãs, mas eu tinha a
sensação de que a mais velha era a sua favorita. Eu não tinha dúvida de que ele
se referia a Charlotte. Jamais me dissera seu nome, contudo, falara do seu
espírito.
Frederick era um pouco mais velho que eu; ele tinha dezoito quando nos
conhecemos pela primeira vez. Estava bêbado e perdido nas minhas terras (no
caso dele, sua desorientação era verdadeira, não uma desculpa esfarrapada de
uma dama mais curiosa que racional).
Sempre quis saber qual era a identidade de uma de minhas autoras mais bem-
sucedidas. Decerto, ela não vendia tão bem quanto Jane Austen, mas seus
números, ainda assim, eram surpreendentes. Eu suspeitava que Lady M fosse a
mãe de Frederick, Lady Morgan, havia alguns anos. Poderia ser alguma amante
de Frederick também.
Olhei para o papel que estava à minha frente. Era uma carta para um
advogado do vilarejo. Durante os invernos escoceses, era o máximo de
comunicação que tínhamos. Esperava que, ainda naquele mês, as estradas
fossem liberadas para que eu pudesse enviar correspondências a Londres e
Edimburgo. Tinha muitos assuntos a tratar.
Em menos de uma hora, eu já estava em Crawford Hall. John era rápido para
preparar minhas cavalgadas, e eu conhecia tão bem as estradas entre as
propriedades quanto os corredores de Rosebery Hill.
— Bom dia, Lorde Devon — ela desejou, com um largo sorriso nos lábios.
May não poderia ser mais diferente de sua irmã. — Está tudo bem com o
senhor?
Eu geralmente não me arriscava a vir até Crawford Hall no inverno. Havia
muitas ravinas, muita neve, muita lama e partes escorregadias. No entanto, eu
estava bastante motivado.
— Bom dia, Mary. Estou muito bem, apenas decidi convidar seu patrão para
um jantar.
Assim que chegou à Escócia, ele veio me fazer uma visita em Rosebery Hill.
E eu estava certo de que ele comentara que estava noivo da filha mais velha de
Lorde Henry Hamilton.
Aquilo não soava nada como o novo Frederick, o herdeiro de Sir James e o
irmão mais velho dos Morgan. Por algum motivo, senti que havia a participação
de Charlotte naquela história. Ela me parecia o tipo de dama que gostava de
entreter-se com a vida romântica alheia.
Eu bem sabia.
— Tenho certeza que sim — e uma cabeça tão dura quanto pedra, mas aquela
parte eu mantive para mim. — Bem, Lorde Hamilton está em casa? Gostaria de
convidar a família e seus convidados para um jantar o quanto antes.
— O patrão não está muito bem, Lorde Devon. Com a história do noivado
e... Outras coisas. De qualquer modo, Sir Frederick e a irmã deixaram Crawford
Hall ontem. Tessa foi com eles para a Inglaterra.
Quis vir ontem, e no dia anterior, e no dia antes dele. Entretanto, achei
melhor esperar, para que Charlotte não ficasse arrogante, acreditando que eu
estava desesperado para revê-la.
— Achei que Sir Frederick e Tessa ainda não estivessem noivos — mais uma
vez, ela confirmou com um aceno. — Ainda assim, Tessa aceitou ir à Inglaterra?
— Eu não disse isso. Disse apenas que Tessa foi com eles.
— Mas...
Então não era apenas um plano diabólico. Decerto, para Mary se comportar
de tal maneira, era um crime. Pelo menos, eu tinha certeza de que Mary não faria
nada que pudesse machucar Tessa. Porém, eu era prova viva de que Charlotte era
capaz de violar a lei, se o precisasse para conseguir o que desejava.
Ela inspirou profundamente, e seus olhos ficaram marejados. Era a dica para
eu ir embora. Não sabia lidar com mulheres chorando. Creio que nenhum
homem saiba.
Maldição. Uma lágrima rolou por seu rosto rosado e ela a secou com um
dedo. O que diabos eu deveria fazer? Nossos pais nos educavam para sabermos
lidar com nossos títulos, nossas propriedades, nossos investimentos. Mas sobre o
maior mistério de nossas vidas – mulheres –, eles não ensinavam nada de útil.
Decidi fingir que não havia notado. Seria a coisa certa para um cavalheiro
fazer.
— Vou deixar que ele fique de bom humor.
— Vivo nesta casa há quinze anos e jamais vi meu patrão de bom humor,
Lorde Devon. Se bem que... Conheço o senhor há muito tempo, e tampouco o
havia visto tão animado antes.
E era isso o que Charlotte tinha sido para mim, considerei, enquanto
retornava a Rosebery Hill: um presente de Natal maravilhoso. Inesperado,
surpreendente, arrebatador. Algo de que eu precisava, mas não sabia.
Ela me ofereceu algo que ninguém conseguira em longos anos; fez com que
eu me sentisse vivo de novo.
***
Capítulo 3
CHARLOTTE
Coloquei meu plano em ação assim que fizemos uma parada pré-acordada com
o cocheiro que nos levaria à Inglaterra, em uma agradável estalagem próxima à
fronteira com a Escócia.
Deixei Tessa com Frederick no aposento mais confortável e fui para o quarto
que alugara ao lado, de onde o proprietário da pousada me havia garantido que
eu escutaria tudo que eles dissessem. Felizmente, eu não tinha sido enganada.
Ouvi meu irmão, enfim, fazer a proposta de casamento (apesar de não ter sido
das melhores) e Tessa, depois de algum tempo discutindo com ele, o aceitou.
Fiquei imensamente feliz! Até me dar conta de que eu não escutaria apenas à
romântica proposta de casamento, como também ao que viria depois dela.
Acabei ouvindo infinitamente mais do que eu desejava.
Procurei algo para fazer, a fim de me distrair dos sons libidinosos que
vinham do outro quarto. Fui rearrumar minhas roupas no baú, quando ouvi um
barulho de algo metálico caindo no chão ao mexer em meu vestido de
cavalgadas.
Sei que não deveria tê-lo escondido, poderia ser uma herança de família, algo
importante para ele, porém, algo me atraiu ao objeto. Eu tinha uma relação
especial com alguns objetos, como tivera com o broche que encontrara em Bath.
Em seguida, eu o vi. O foco todo dele era nela, seus olhos castanhos a
encaravam com tamanha admiração que senti uma lágrima descendo pelo meu
olho. Ele a tocou no rosto, um toque inocente, mas repleto de paixão.
Precisei trocar a pena duas vezes, minhas costas estavam rígidas, minhas
mãos, doloridas, porém, quando os primeiros raios de sol surgiram no horizonte,
eu havia terminado. Retornei para a primeira página e coloquei o título e meu
pseudônimo. Segredos de Sangue, de Lady M.
***
Soube que era Frederick quem estava acordado, pois ele fez questão de
ignorar as batidas. Continuei insistindo, sempre fazendo pouco barulho, para não
despertar Tessa. Ele também permaneceu fingindo que não escutava nada. Fui
batendo mais forte, e mais forte, até que, por irritação ou medo de despertar a
noiva, ele finalmente abriu a porta.
Mal-agradecido. Se não fosse pelo meu plano, ele sequer teria uma noiva
agora.
Fiz questão de não lhe dar os parabéns pelo noivado. Apenas o faria depois
de receber um agradecimento por tudo o que eu fizera por ele. Ingrato.
— Com o quê?
Revirei os olhos. Sempre gostava de fazê-lo quando mamãe não estava por
perto para me dar bengaladas.
Mal sabia ele que eu ainda não havia terminado. Oh, como era bom provocá-
lo! Mamãe sempre dizia que cavalheiros simplesmente não sabiam lidar com
mulheres que não agiam como perfeitas bonecas de porcelana, e era assim que
conseguíamos deixá-los nas palmas de nossas pequenas – e aparentemente
frágeis – mãos.
— Ah.
Apenas havia escrito alguns contos bem curtinhos em Crawford Hall. Não
tivera muita criatividade até tocar no medalhão.
— Sim.
Um meio sorriso surgiu em seus lábios. Ele ficou animado com a notícia;
meus melhores romances eram aqueles que eu escrevia depois de uma onda de
criatividade repentina, que geralmente surgia com a ajudinha dos meus objetos
especiais.
— Vou lê-lo agora mesmo — ele movimentou-se para fechar a porta, mas eu
o interrompi com o pé.
Apesar de confiar nela, ainda não estava pronta para revelar aquela parte de
mim a Tessa. Um livro era como a essência de sua alma, e já era difícil o
bastante saber que meu irmão tinha acesso aos meus escritos.
— Ai, e eu achando que você não estaria tão irritado depois de tudo o que se
passou ontem.
***
Algumas horas mais tarde, uma camareira bateu à porta, informando que
meu irmão havia me convidado para o desjejum em seu quarto com a noiva. Ele
era um leitor ávido, porém, jamais tinha lido nada tão rápido assim. Aquilo podia
ser um ótimo sinal ou um péssimo.
Senti o estômago embrulhando.
— O que achou?
— É o seu melhor, Lotty — ele enfim disse, e achei que o meu coração fosse
explodir.
— Hã... — Tinha que inventar algo. Algo factível. — Fiz bolo de laranja
para Frederick e trouxe esta manhã — Não sabia sequer ferver água. Além disso,
estávamos em uma estalagem. Onde eu poderia ter cozinhado um bolo durante a
madrugada? — É o favorito dele. — Frederick não era chegado a doces. — Ele
amou.
Felizmente, Tessa era ingênua. A única dúvida dela era facilmente explicável
naquela teia de mentiras sem pé nem cabeça.
— É, Lotty, deveria fazer um bolo para a minha noiva. E mamãe ficará muito
satisfeita ao descobrir que, enfim, aprendeu a fazer bolo.
Maldito!
Pelo menos, Tessa nos deixou a sós novamente, sem notar qualquer
desavença entre nós. Se eu tivesse a bengala de mamãe comigo, era capaz de
quebrá-la na cabeça dura de Frederick. Mulheres podiam contar mentiras, pois
fazia parte da sobrevivência de nosso status como verdadeiras damas.
Cavalheiros, jamais!
— Não vai — o tom dele era arrogante. — Precisa de mim para enviar o
manuscrito a Lorde Devon.
— SHHH.
E, com aquela frase, Frederick pôs um fim à nossa discussão, e meu corpo
inteiro estremeceu com um misto de alegria e ansiedade.
***
Julho, 1816
Capítulo 4
CHARLOTTE
Era uma tradição dos Morgan passar algumas semanas em Bath no verão,
para, em seguida, retornarmos a Gregory House, nossa casa em Kent. Este ano,
entretanto, mamãe estava particularmente insuportável; na realidade, as coisas
entre nós pioraram bastante desde o ano anterior, quando eu retornara da minha
estada na Escócia sem um noivo, conforme eu estupidamente havia prometido.
Jurara, desde então, que nunca mais faria promessas a Lady Morgan.
Decidi, assim, voltar direto para Kent. Pelo menos, Tessa e Frederick
estariam lá, assim como o capitão Andrew Winchester e sua esposa, Amélie.
Tirando o meu irmão mais velho, que podia ser sisudo e chato, os demais eram
ótimas companhias, infinitamente superiores àquelas de Londres.
Eu havia recebido mais de quinhentas libras por ele até o momento, o que era
uma fortuna, considerando que mulheres geralmente sequer tinham direito à
herança dos pais. E, quando cometiam a loucura de se casarem, praticamente
viravam propriedade do marido.
— Conte-me logo!
Aquilo era excelente! O livro tinha sido publicado há pouco mais de um ano
e estava indo muitíssimo bem. Sozinho, ele já havia vendido o triplo dos meus
outros seis romances juntos. E o melhor: a fama dele havia alavancado as vendas
dos demais.
— O seu editor enviou uma mensagem a você. Digo, a Lady M.
Lorde Devon? O que ele ia querer comigo? Eu publicava com ele há anos, e
ele jamais havia me enviado qualquer correspondência. Até mesmo suspeitava
que ele nunca lera meus romances.
Ele colocou um papel dobrado dentro da minha mão, fechado com o selo dos
Devon. Notei, naquele instante, que minha mão estava trêmula. Dirigi-me ao
escritório, praticamente correndo, ansiosa para saber o que meu editor havia
escrito.
Parti o selo e abri a carta com a respiração acelerada, como se tivesse corrido
quilômetros e mais quilômetros. Suas letras eram elegantes e muito bonitas; suas
palavras, porém, eram tão grosseiras quanto o homem que as havia escrito.
Seu bilhete era ofensivo e arrogante, acabando com meu bom humor de
imediato.
Lady M,
Exijo sua presença em Rosebery Hill dentro das próximas semanas, sob pena
de não mais publicar seus livros.
Ele exigia a minha presença? Ou não iria mais me publicar? Ele estava me
dando ordens e me ameaçando? Ele sequer era o meu marido! Eu não havia
aceitado a meia dúzia de proposta que recebera de pretendentes ao longo dos
anos exatamente para não passar por uma situação daquelas!
Uma ideia me veio logo em seguida. A cólera tinha esse efeito nas pessoas,
transformava-nos em seres vingativos, e bastante criativos também. Peguei uma
folha, uma pena e o tinteiro e escrevi uma carta. Minha carta, todavia, não era
para o meu editor tirânico, e sim para outra editora.
Ora, eu não era mais aquela autora desconhecida implorando que alguém
acreditasse em mim. Era uma escritora de sucesso e, como tal, desejada por
todas as editoras.
Assinei como Lady M e pedi ao nosso mordomo, o Sr. Morlon, que enviasse
a correspondência da maneira mais discreta possível, para que ninguém soubesse
a quem eu escrevia, nem mesmo Frederick. Apenas contaria a ele sobre o que eu
fizera quando estivesse tudo acertado com a minha nova editora.
Se Lorde Devon achava que ele poderia me controlar, ele teria uma
surpresinha.
***
Três semanas mais tarde, eu estava saltitando de ansiedade toda vez que a
correspondência chegava, esperando a resposta da minha nova editora. Quando
escrevi a carta, sequer passara pela minha cabeça a hipótese de não ser aceita,
porém, com o passar dos dias e, depois, das semanas, eu começava a questionar
se eles teriam interesse em publicar um romance de uma autora cuja identidade
era um mistério.
Talvez eles achassem que eu não era a verdadeira Lady M, e eles de fato não
teriam como verificar minha identidade apenas pela minha grafia. Poderia pedir
a Frederick que passasse uma semana em Londres para falar com eles.
Para piorar, mamãe havia retornado de Bath, e não parava de falar em como
nenhuma de suas três filhas estavam casadas, apesar de seus dois filhos homens
já terem esposas.
— Com licença, há um mensageiro esperando na porta. Ele diz que tem uma
correspondência urgente. Pediu por seu irmão, mas eu não consigo encontrá-lo.
Claro que não. Àquela hora, Frederick deveria estar com Tessa na cabana
atrás do bosque. Ele se refugiava lá com ela diversas vezes por semana desde
que mamãe retornara de Bath. Digamos que mamãe não era fã de bater em
portas antes de adentrar um cômodo, e ela já os tinha pego em situações um
tanto quanto íntimas.
— Vou falar com o mensageiro, Sr. Morlon. Meu irmão está ocupado.
Fui até a entrada e reparei que a carta devia ser urgente mesmo. O pobre
rapaz que viera estava empoleirado e com marcas roxas sob os olhos. Estava
claramente cansado, devia ter cavalgado por dias, o coitado.
— Sim, senhorita.
Meu coração quase parou quando vi a carta. Estava dirigida a meu irmão, e
era da Escócia. Mais precisamente, de Lorde Devon. Estranhei toda a urgência;
mesmo que ele escrevesse para reclamar da falta de resposta de minha parte, não
precisava ter feito o mensageiro vir como se corria por sua vida.
Maldito mimado! Tudo tinha que ser feito do jeito dele, no tempo dele.
Irritei-me ainda mais com Lorde Devon por mais aquele gesto insensível.
E a solução era bem simples: Frederick não retornaria a Gregory House nas
próximas horas, oferecendo-me tempo suficiente para ler a carta de Lorde Devon
e responder em seu lugar. Eu era muito boa em imitar a letra de Frederick, já o
havia feito algumas vezes, quando precisava de sua assinatura ou resolver um
assunto cujos responsáveis tolos não lidavam com mulheres.
Lady M,
Exijo sua presença em Rosebery Hill em agosto. Não tente mudar de editora
novamente; não será bem-sucedida. Se quiser publicar algum livro de novo em
sua vida, fará exatamente o que eu ordeno.
***
Capítulo 5
CHARLOTTE
Frederick não ajudou em nada. Se uma mulher precisava de uma solução, ela
precisaria encontrá-la sozinha.
Oh, céus, aquela seria uma tarefa praticamente impossível. Ainda assim, eu
precisava tentar.
Desde que Amélie anunciara sua gravidez oficialmente, dias antes, mamãe
vivia repetindo o quanto queria também seus próprios netos. Pelo menos, a
presença deles poderia suavizar o espírito Lady Morgan. Mel e Andrew
geralmente me apoiavam nas inúmeras discussões com mamãe.
Teria que usar outra estratégia; talvez, elogios a deixassem um pouco mais
receptiva.
— Bom dia a todos. Mamãe, está tão bonita.
— Está bebendo de manhã, Charlotte? — seu tom era tão receptivo quanto
sua bengala, apontada ameaçadoramente em minha direção.
Ela bateu a bengala contra o chão algumas vezes, e juro que senti uma dor no
traseiro, a lembrança de quantas vezes ela havia me batido ali. Alguns amigos
meus riam de meu temor em relação a Lady Morgan, até conhecê-la.
— Apenas me tece elogios quando quer alguma coisa, ou quando bebeu mais
vinho do que deveria. Se não bebeu, o que quer?
Oh, céus. Ela me conhecia bem demais. Qual era o problema das mães?
Pareciam ter bússolas internas que as guiavam até as mentiras dos filhos, por
menores e mais inocentes que fossem, como era o meu caso.
Agora que enfim notei o que ela vestia, tinha de admitir que era, de fato, um
vestido adorável.
A única coisa incômoda sobre a gravidez de Mel era que Andrew a olhava de
um jeito lascivo e nada cavalheiresco. Ele poderia ao menos disfarçar!
— Amélie, querida, conheço minha filha desde que ela me rasgou entre as
pernas. — Mamãe tinha mesmo acabado de dizer aquilo? Pelo tom rosado das
bochechas de Amélie, eu acreditava que sim. — Essa aí é briguenta desde que
nasceu.
— Mamãe! Sabe que detesto brigas — defendi minha honra.
Cruzei os braços em frente ao peito. Minha vontade era berrar com ela; se eu
o fizesse, no entanto, ela venceria a discussão. E Lady Morgan já era acostumada
demais a vencer.
— Lady Morgan — Andrew interveio. —, talvez Lotty apenas quis ser gentil
com a senhora.
— Todos! Exceto a sua querida esposa, que fará de mim uma madrinha
muito feliz.
— Lady Morgan, ainda não havíamos decidido a respeito dos padrinhos e...
— Eu sei que queriam fazer uma surpresa, mas vamos logo acabar com esse
mistério desnecessário. Serei a madrinha e, se for menina, sei também que a
batizarão com meu nome.
Não! Traíra! Mamãe deve ter descoberto que uma de suas filhas seria a
madrinha e decidiu agir por conta própria. Logo agora, que eu já tinha planejado
como falsificaria o sorteio para que eu fosse a escolhida!
— Claro que não sabe! Por que eu me daria ao trabalho de lhe contar meu
primeiro nome, capitão? Homens são as mais inúteis das criaturas, ainda piores
que cavalos e cachorros!
Homens eram um bando de inúteis mesmo, tinha que concordar com Lady
Morgan.
— Pior ainda. Precisa ver o pedido de casamento que fez para Lady Caroline
Hamilton. Ridículo. E, se não fosse pela minha Lotty, ele sequer estaria casado
com Tessa!
Bem, nesse ponto eu tinha de concordar com ela. Frederick era bastante
inútil em relação à sua vida amorosa.
— Claro que sim. Para aguentar o capitão Winchester, a dama precisa ser
verdadeiramente gentil.
Eu não acreditava que eles faziam o que faziam com o intuito de satisfazer o
desejo de mamãe de ter um bebê em Gregory House, mas consegui me manter
milagrosamente calada.
— Sua irmã me fez um elogio. O que significa que quer me pedir algo.
— Ah, então sabe o que ela quer, Frederick? Exijo que me digam, agora!
Que bom que mamãe ainda não lia nossos pensamentos. Se soubesse o
quanto xingávamos em nossas próprias mentes, ela nos bateria até quebrar a
bengala.
— Claro.
— Está preso?
Bem, na verdade, meu noivo nem existia, então ele podia ser até um pirata.
— Não.
***
Agosto, 1816
Capítulo 6
CHARLOTTE
Queria falar com Caroline, a irmã mais velha de Tessa, e a noiva original do
meu irmão. Caroline era uma mulher muito bonita e inteligente, que tinha
perdido o noivo no ano anterior de forma trágica, pouco tempo antes do
casamento.
Desde então, ela estava em um luto profundo, e, apesar das cartas que eu e
Tessa enviávamos a ela todos os meses, suas respostas eram raras e curtas.
— Você é tão famosa! Nem acredito que eu li Lady M durante todos esses
anos e não me dei conta de que era você.
Claro que ela iria gostar dos meus livros. Tessa acreditava em
relacionamentos equilibrados, em que a mulher não era simplesmente uma
propriedade do marido, e sim parte atuante da família, em todas as instâncias.
Já era ruim o bastante mamãe achar que eu estava comprometida com Lorde
Devon, não poderia contar a mesma mentira aos Hamilton. Tessa e Frederick
concordaram que seria melhor dizermos que eu o visitaria por outro motivo,
talvez para visitar uma amiga que estaria hospedada na propriedade ou algo
assim.
— Pode pedir a Lorde Devon ajuda para arranjar alguma desculpa que
justifique sua presença em Rosebery Hill.
— Ou com noivados que não existem — Frederick esfregou, mais uma vez,
a minha mentira ridícula na minha cara.
— Combinado, então. Ninguém pode saber que Lady Morgan acredita que
Charlotte e Lorde Devon estão noivos — Tessa encerrou o assunto quando o
cocheiro abriu a porta da carruagem.
Ah, não.
***
Por outro lado, fora ele quem me obrigara a retornar à Escócia, deixando-me
sem outra saída a não ser mentir para mamãe. Ou seja, no fim das contas, toda
essa bagunça era culpa de Lorde Devon.
— Ah. Obrigada.
Ah. Onde havia gentileza em Lady Hamilton, havia sinceridade crua em seu
marido. Apesar de suas palavras ofensivas, eu me divertia com seus comentários
ácidos.
— Ele é insuportável.
Achei que tinha pensado aquilo, porém, as caras de choque do lorde e sua
esposa indicaram que eu havia dito em voz alta.
— Como?
Oh, céus. Aquilo era uma péssima ideia. Eu conhecia Lorde Devon – meu
falso noivo – muito pouco, mas o suficiente para saber que ele detestava festas
ou qualquer evento que pudesse ser minimamente divertido. Ele tinha aquele
jeito sisudo de viver a vida; precisava de motivos para reclamar.
Para todo o sempre, na realidade. Vendo agora o meu copo meio cheio,
aquele noivado de mentirinha poderia me ajudar com mamãe; eu não precisaria
mais participar das temporadas londrinas. Aí, poderia terminar o noivado com
ele em uns cinco ou seis anos, quando já não teria mais idade para casar.
— Como?
— Eu... Eu...
Eu deveria saber que não seria possível enganar mamãe! Agora, ela me
obrigaria a casar com Lorde Devon, nem que tivesse que nos arrastar até a igreja.
— Foi Lady Morgan quem nos avisou que viria para ajudar na organização
— Lorde Hamilton anunciou.
— Lorde Hamilton! — ela deu uma bronca no esposo. — O melhor é que ela
pode retornar à Inglaterra junto com vocês.
Ele queria me provocar, mas acabou me salvando, pois os dois voltaram sua
atenção a Frederick e Tessa, e eu pude voltar a respirar.
Nem precisei pôr em prática meu plano. Lorde Hamilton, com aquele
comentário seco, o fez para mim. De repente, meu querido e inocente irmão deu-
se conta do que estava prestes a acontecer. Ele realmente não havia percebido
que, mesmo estando falsamente noivos, não haveria qualquer possibilidade de eu
me hospedar sozinha em Rosebery Hill.
— Claro que não, Lorde Hamilton. Meu irmão também vai. Ficará comigo
essas semanas...
***
Ao invés disso, o que eu vi foi uma mansão muito bem mantida, com largas
janelas e jardins coloridos enfeitando seus arredores, e uma elegante fonte no
meio do lago. Com uma propriedade daquelas, até eu consideraria a
possibilidade de viver nos invernos congelantes da Escócia.
Por isso a minha surpresa em não ver Lorde Devon dentre as pessoas que nos
aguardavam em frente a Rosebery Hill.
— Como sabe que ele não é nenhum dos cavalheiros que nos aguarda?
Ah, claro. Frederick não sabia que eu tivera a infelicidade de conhecer Lorde
Devon anteriormente.
Cruzei os braços como uma criança mimada e olhei para fora de novo. Lorde
Devon ainda estava ausente.
— Isso é um ultraje!
— Fala de mamãe, dos portões ou de homens inúteis?
— Se eu pude vir do sul da Inglaterra para vê-lo, ele pode dar alguns passos
até a porta principal de sua casa!
***
Capítulo 7
RICHARD
Em alguns minutos, eu conheceria Lady M. Exceto pelo fato de que ela era uma
das minhas autoras com maior número de vendas, sua existência não tinha
grande relevância para mim até dois meses antes, quando li seu livro de maior
sucesso, Segredo de Sangue.
Eu precisava saber como ela conhecia aquela história; tinha que ter sido
algum dos empregados de Rosebery Hill. Precisava saber quem havia me traído.
Para piorar, a história não tinha fim; falava de traição, sem revelar os
traidores, mencionava mentiras, sem explicar quais eram as verdades. Segundo
Patrick, estava prevista uma continuação para o livro; eu, porém, não poderia
permitir que publicassem a história de como meus pais haviam morrido, e
precisava saber qual era a versão que a autora conhecia, qual era a verdade que
ela havia claramente descoberto.
Estava preparado para odiá-lo. Entretanto, sua escrita era tão apaixonante,
seus diálogos, tão realistas, que me vi admirando-o antes mesmo de terminar o
livro. Tentei me convencer de que Lady M poderia ter ouvido aquela história
sem saber a que família o casal pertencia. Ela usara os verdadeiros nomes dos
meus pais, mas seus sobrenomes e títulos eram diferentes.
Patrick já saíra com o mordomo para esperar por Lady M e Frederick, mas
eu permanecera no meu escritório. Enquanto que os caminhos da casa até os
estábulos e hortas haviam sido adaptados para a minha cadeira de rodas, não
conseguimos fazer o mesmo na parte de frente da propriedade, senão
estragaríamos parte dos jardins.
Estava terminando de ler o jornal quando escutei sua voz. Eu não a ouvia
havia mais de um ano, mas jamais esqueceria seu tom irritado. Imediatamente,
minhas entranhas despertaram.
Ela estava irritada. Muito irritada. E eu não poderia ter ficado mais excitado.
***
Alguém a informou sobre meu paradeiro (não o julgaria, pois nem mesmo eu
teria o espírito de negar qualquer exigência sua) e, alguns segundos mais tarde,
ela entrou no meu escritório. Sem bater.
John ficou boquiaberto. Talvez, pela ousadia da dama. Mais provável que
fosse também por sua beleza. Não estávamos acostumados a receber muitas
jovens, e nenhuma tão deslumbrante. O mordomo, que veio correndo atrás dela,
estava paralisado do pescoço para cima. E eu estava bem acordado entre as
pernas. Por sorte, a mesa escondia a minha situação.
Lady Charlotte Morgan era ainda mais bonita do que eu recordava. Seus
olhos eram mais brilhantes, seus lábios, mais cheios, seu rosto, mais vivo, seus
seios, mais arredondados. E ela me encarava como se estivesse prestes a me
matar; como se eu houvesse invadido sua casa, não o contrário.
Agora, mais do que nunca, suspeitava que era a mãe dela a mulher por trás
de Lady M. Aquilo explicaria por que ela estava fuçando a minha propriedade no
ano anterior, e por que viera a Rosebery Hill agora. Provavelmente,
acompanhava Lady Morgan.
Como?
Não, não era possível. Pelos meus cálculos, ela devia escrever desde muito
jovem.
— A senhorita é Lady M?
— Sim, sou eu, seu tolo! Deve ser um verdadeiro inútil para não ter
percebido antes!
— A senhorita queria ver onde morava o seu editor. Por isso invadiu as
minhas terras.
Aquele foi o pior comentário que eu poderia ter feito. Ela ficou ainda mais
corada, aproximou-se da escrivaninha e inclinou-se sobre a mesa, deixando seu
rosto a centímetros do meu. Precisei forçar-me a manter os olhos em seu rosto, a
não baixá-los para encarar o discreto decote que ela usava.
O que não consegui, no entanto, foi manter os olhos longe de seus lábios.
— Sim, sim...
Mal escutei suas palavras, tamanha minha concentração para não encarar
seus seios. Ela me encarava como se esperava uma resposta, mas eu não tinha
ideia de qual era a pergunta, se é que havia alguma. Decidi mudar para um tema
mais banal.
— Entendo.
Usei todo o meu autocontrole para não rir de sua clara irritação, para não
acabar com a camada de ar entre nossos lábios e calar suas reclamações com
beijos fervorosos.
Infelizmente, eu precisaria agora revelar meu terrível segredo; aquele que ela
não desvendara quando me vira montado. Afastei-me um pouco da escrivaninha,
de maneira que ela pudesse ver a cadeira de rodas.
— Como pode ver, tenho minhas razões para não poder ir recebê-la, milady.
Ela fez beicinho. Uma dama adulta fez beicinho, e eu estava seguro de que
não era para fazer charme ou me seduzir. Ela simplesmente não se importava
com o que pensariam dela, e, muito menos, dava atenção especial à etiqueta.
— Ah. — ela olhou para baixo, enfim percebendo o quanto fora grosseira. —
Sinto muito, Lorde Devon.
— Sim, claro.
— Eu vou sair, e vou dar uma volta com o coche — ela comentou, já se
retirando do escritório.
— Mas...
Ela bateu a porta atrás de si. John levou longos segundos para mover-se,
inclinando a cabeça em minha direção, esperando a minha ordem.
***
Capítulo 8
RICHARD
Àquela altura, a casa inteira já sabia o que havia se passado, e notei alguns
olhares curiosos vindos das janelas. Aparentemente, Frederick ficou tão
horrorizado com o comportamento da irmã que apenas pediu desculpas a Patrick
enquanto Charlotte o puxava pelo braço de volta à carruagem.
Ela sorriu. Não um sorriso forçado que damas são treinadas a usar desde
pequenas para demonstrar uma falsa cortesia. Ou sorrisos sedutores que
cavalheiros aprendem a aplicar em mulheres vulneráveis. Não; seu sorriso era
honesto e despido de falsidades ou regras de etiqueta, como tudo nela.
Antes que começássemos uma nova batalha de palavras, seu irmão interveio.
Seria perigoso deixar que ela ficasse aqui muito tempo, eu logo soube. Em
breve, todos na casa estariam encantados com ela. Em breve, seria impossível
resisti-la.
— A irmã está aqui, Lorde Devon — a irritação tocou levemente seu tom,
avisando-me que eu não deveria ignorá-la. Mal sabia ela que tal feito era
impossível. — De qualquer maneira, todos temos nossas prioridades, Lorde
Devon. Infelizmente, as nossas não são correspondentes.
— Ah, não?
Ela me dirigiu um sorriso travesso que, juro por tudo que é mais sagrado,
poderia ter feito que minhas calças explodissem naquele instante, na frente de
todos.
Todos me olhavam de maneira curiosa, e foi quando lembrei-me que
Charlotte fizera uma pergunta.
— Hã... O Sr. Clayton vai levá-la até seu quarto — Patrick avisou,
quebrando o feitiço entre nós.
Em geral, era ela quem fazia tais arranjos, especialmente considerando que a
convidada era uma dama.
— Hã... Ela teve que sair. Tinha assuntos urgentes para resolver no vilarejo.
Assuntos... Sei. Ela deve ter avistado Charlotte quando ela entrou na casa aos
berros, e decidiu escapar. Já imaginava a expressão de seu rosto quando ela
descobrisse que sua autora favorita era o Anticristo.
Charlotte seguiu o Sr. Clayton enquanto que seu irmão ficou para trás,
ajudando John e Patrick a carregarem a cadeira de volta para dentro.
— Ela não vai ceder, sabia? — ele comentou, suando, quando estávamos no
hall de entrada.
***
Usei o tempo longe dela para reestabelecer meu autocontrole. Ela não ficaria
muito tempo. Eu não sabia se podia confiar nela, considerando que ela sabia da
história dos meus pais sem qualquer explicação. Ela claramente me detestava.
Tolerava-me, na melhor das hipóteses. Seu irmão era um homem honrado. Ela
era uma das minhas autoras de maior sucesso. Eu não faria bem a ela.
Eu queria ter usado as malditas pernas para me levantar, dar a volta na mesa,
puxar a cadeira para Lady Charlotte Morgan e lhe dizer como ela estava bonita.
Era melhor que não o fizesse. Alguns males eram para o bem. Eu já havia
condenado Patrick e tia Julia àquela prisão comigo. Era uma bela prisão, ainda
assim, limitava nossa liberdade. Não queria arrastar uma mulher para aquela
situação, muito menos uma com tanta energia como Charlotte.
Ainda assim, doía-me vê-la divertindo-se com Patrick. Queria que ela
gargalhasse de meus comentários, que seu sorriso fosse dirigido a mim.
Minha lógica dizia que eu deveria estar feliz por Patrick, enquanto que o
resto do meu corpo queria arrancá-lo de seu assento e jogá-lo para longe dela.
Estava tão entretido com meus pensamentos macabros que mal notei quando
Charlotte virou-se para mim. Ela precisou fingir tossir para minha atenção
retornar a ela.
***
Capítulo 9
RICHARD
— Como?
— Poderia explicar melhor como estamos noivos, tendo em vista que jamais
a pedi em casamento, de verdade ou de mentira?
Achava aquela questão bastante óbvia, porém, aparentemente não o era para
a dama em questão. Nada com relação a Charlotte era óbvio ou mundano.
— E não havia nenhum outro motivo que convenceria Lady Morgan a deixá-
la vir? — disse entredentes, forçando-me a permanecer polido.
— Além disso, sabe que já tenho idade para ser uma solteirona, não?
Agora entendia por que Lorde Hamilton sempre repetia como mulheres eram
o verdadeiro mistério do universo. Céus, eu falava o mesmo idioma que a dama
e mal compreendia uma frase inteira do que ela dizia.
— O quê? Se Lorde Devon fosse uma pessoa sem rendas ou serviçais à sua
disposição, seria uma coisa. No entanto, ele tem tudo de que precisa bem aqui.
— Exceto uma esposa — Patrick comentou e, se eu tivesse uso dos pés,
chutaria suas malditas canelas.
— O que quis dizer, Lorde Devon? Com o fato de não ter uma esposa por
causa de Lotty? — Frederick perguntou.
— Sua irmã me disse que, se eu tivesse uma esposa, seria obrigada a rezar
todas as noites pela pobre alma dela.
— Ele me disse coisa muito pior, Fred! Acusou-me de não ser uma dama!
Acusei mesmo. E ela tinha ficado tão irritada quanto estava agora.
Simplesmente irresistível. Sem conseguir controlar o desejo, imaginei se toda a
pele dela ficaria corada como seu rosto estava naquele momento.
— E o que você fez para Lorde Devon acusá-la? — seu irmão questionou em
tom de acusação.
— Se ele fosse um cavalheiro de verdade, não diria algo tão ofensivo sob
nenhuma hipótese! — De repente, ela pareceu lembrar-se de algo e tornou a falar
comigo, em um tom de voz gentil, como se não tivesse dizendo as coisas mais
ofensivas sobre a minha pessoa momentos antes. — Ah, antes que eu me
esqueça, haverá também uma festa de noivado.
— Como?
— Festa. De. Noivado. — Ela repetiu lentamente, levantando a taça para que
uma criada a enchesse. — No final de setembro ou começo de outubro, creio.
Será em Crawford Hall.
— Agora é tudo culpa de Lady Morgan — comentei, mais uma vez sem
acreditar no que ouvia.
— Claro que não! Mamãe apenas ficou feliz que sua filha finalmente aceitou
se casar. Porém, não sei se ela achará o mesmo quando o conhecer. O senhor é
um tanto sisudo.
— Charlotte! — seu irmão reclamou mais uma vez, não que fosse fazer
qualquer diferença.
— Perdão?
— Fico contente que saiba que errou e tenha pedido desculpas. Vou pensar se
devo aceitá-las. Não foi nada gentil me obrigar a vir, Lorde Devon.
Fiquei tão estarrecido que não sabia o que dizer. Honestamente, não tinha
mais argumentos. Olhei para Frederick e Patrick. Eles pareciam tão tontos com
os rumos daquela conversa quanto eu.
— Reze para que não perca — ele disse. — Ela fica muito pior quando isso
acontece.
***
O tema da nossa conversa já seria frio e mórbido o bastante; não queria que a
temperatura também lhe desse desconforto. Indiquei que ela sentasse na poltrona
em frente à minha cadeira de rodas, deixando a escrivaninha entre nós, e ela o
fez sem dizer qualquer palavra.
Não era nada ortodoxo ficar a sós com uma dama daquele jeito, porém,
depois de explicar brevemente ao seu irmão que o assunto se referia à morte dos
meus pais, ele aceitou nos dar privacidade, desde que eu deixasse a porta de
acesso à sala de jogos entreaberta, onde ele estaria fumando um charuto com
Patrick.
— Tem alguma ideia por que eu pedi que viesse a Rosebery Hill? —
questionei, depois dela me garantir que estava confortável.
— Gostaria de ouvi-las.
— Talvez, já soubesse que eu era Lady M, apenas fingiu não ter ideia.
E ela estava certa; não apenas eu mesmo admitira aquilo no nosso primeiro
encontro como também me via pensando nela nas situações mais
inconvenientes.
— Se fosse apenas isso, não precisava tê-la obrigada a vir. Se meu interesse
fosse genuíno, eu teria ido visitá-la em Crawford Hall quando esteve lá no ano
passado, milady — ela poderia ter razão, mas eu não lhe daria mais fogo para me
queimar na fogueira.
— Eu passei em Crawford Hall antes de vir para cá. Mary comentou que o
senhor foi visitar os Hamilton poucos dias depois de me conhecer.
— Verdade. Mas os motivos para eu lhe enviar a carta não têm nada a ver
com a senhorita.
Ela ficou imediatamente pálida. Bem, ela poderia mascarar sua expressão,
entretanto, não poderia fingir a palidez. Estaria nervosa por que enfim percebera
que fora pega no flagra ou por outro motivo?
Ela não se afastou, então envolvi suas duas pequenas mãos dentro da minha,
enquanto enxugava as lágrimas que escorriam pelo seu rosto com a mão livre.
Não queria continuar, mas era preciso.
Por mais que eu quisesse acreditar que Charlotte não havia conseguido
descobrir a história dos meus pais de forma ilícita, pela forma que havia reagido,
tampouco poderia acreditar que ela não soubesse de nada. Precisava entender
como aquela história havia chegado até ela e, principalmente, o que mais ela
poderia saber a respeito deles.
— Lady Morgan — ela olhou para mim, seus olhos avermelhados do choro,
seus lábios partidos, seus soluços contínuos e incontroláveis —, eles se
conheceram precisamente da forma que descreveu no seu livro.
— Mentira!
— E se apaixonaram como a senhorita contou.
E, por bem ou por mal, eu arrancaria sua fonte dela. Puxei-a para mim, e ela
caiu sentada sobre as minhas pernas, o tronco inclinado em minha direção. Seu
rosto parou a milímetros do meu, e consegui sentir sua respiração acelerada
contra a minha pele.
— Acha que, por ser a mulher mais linda em que pus os olhos, vou acreditar
que não tem ideia do que estou falando?
Não deveria fazer isso; não estávamos no escritório para isso, porém, ela era
irresistível. Meus lábios quase roçaram nos dela enquanto eu murmurei:
Ela afastou o rosto, mas apenas um pouco, apenas para impedir que aquilo se
tornasse um momento sem retorno para a reputação dela. Aparentemente, ela era
muito mais racional do que eu considerara, mais do que eu, inclusive.
Lentamente, ela levantou-se do meu colo e retornou à cadeira. Dirigiu-me
um sorriso tímido ao responder:
***
Capítulo 10
CHARLOTTE
Não queria falar sobre aquele meu segredo; eu o guardara a sete chaves. Nem
mesmo Frederick sabia daquilo. Ninguém. Além de mim. Agora, Lorde Devon
também saberia; ele conheceria aquele canto escuro da minha alma.
Ele merecia saber; eu havia escrito a história privada dos pais dele, por céus!
Nem imaginava como eu me sentiria se alguém escrevesse, em detalhes, um
romance sobre os meus pais.
— Sempre achei que essas visões fossem apenas como uma onda de
criatividade, que me atingia repentinamente.
— Qual foi o objeto que tocou que a fez ter visões dos meus pais?
Tirei a joia do bolso e abri minha mão para que ele pudesse vê-la.
— Desculpe-me. Se eu soubesse...
— Não.
Minhas visões terminavam quando eles se casaram. Não vi nada além disso.
Ainda assim, havia várias questões sem respostas, inúmeros segredos que não
tinham sido revelados. Eu tinha pensado que, talvez, a inspiração ressurgiria com
o tempo, entretanto, desde aquela noite que passei acordada escrevendo o livro
alucinadamente, nenhuma nova ideia me ocorrera a respeito de Elias e Margaret.
Não imaginava o que poderia ter acontecido, mas eu pressentia que havia
algo de muito errado no casamento deles, pela forma que Lorde Devon fizera
aquelas questões sobre seus pais.
Estiquei o braço na direção dele, a fim de lhe devolver o medalhão. Ele tocou
a joia e, em seguida, fechou a minha mão em volta dela.
***
Ele se recordava de ter saído de Rosebery Hill para visitar Crawford Hall.
Lembrava-se também de neve caindo. E do sorriso de Claire. De repente,
sentiram um solavanco, como se tivessem parado de uma vez. Em seguida,
sentiu um puxão; a carruagem estava caindo, e caindo, e aí, a escuridão.
Ele não sabia quanto tempo havia se passado quando ouviu os gritos do Sr.
Patrick Duncan. Apenas se recordava de sentir braços ao seu redor, uma voz lhe
dizendo que ficaria bem, um grito implorando que pedissem ajuda.
Lorde Richard Devon tinha apenas doze anos quando o acidente ocorreu. O
Sr. Duncan tinha dezoito. Ele estava prometido a Claire desde que eram infantes.
Jamais se casou depois que a perdeu.
***
O casamento foi lindo. Nem acreditava que eu era agora Lady Margaret
Devon. Não mais a Srta. Lindsay, e sim a dama de Rosebery Hill, esposa de um
dos homens mais importantes da região.
E ele era tão romântico. Apesar das regras rígidas de papai, ele não desistiu
de mim. A despeito de sermos acompanhados sempre que estávamos juntos,
mesmo depois do anúncio de nosso noivado, ele não teve dúvidas de que
desejava me desposar.
Levei algum tempo para acreditar que os boatos terríveis sobre ele na
cidade eram apenas mentiras de pessoas invejosas. Ele era um homem bom e
íntegro, e provara isso nos seis meses em que ficamos noivos.
Assim que entramos no coche que nos levaria à sua propriedade (mal podia
acreditar que viveria ali!) ele começou a me beijar. Mamãe conversara comigo
sobre as intimidades entre marido e mulher, sempre ressaltando que deveríamos
deixar os homens nos guiarem, que nossa falta de experiência era uma virtude,
não um problema.
Seus beijos eram um pouco agressivos, mas talvez fosse a paixão que ele
precisara inibir durante tanto tempo. Suas mãos agarravam meu corpo, e
comecei a sentir vergonha. Estava rápido demais. Não conseguia acompanhá-
lo.
De repente, ele se afastou um pouco, apenas para puxar meu vestido para
baixo, com o corpete, revelando meus seios. Quis escondê-los, mas ele tornou a
prender meus braços de cada lado do meu corpo.
Esperei que ele me olhasse de novo, para que pudesse ver o temor em meus
olhos e, quem sabe, diminuir um pouco o ritmo de seus avanços. Sabia que ele
não fazia por mal; estava apenas muito excitado por estarmos, enfim, juntos
perante Deus e a sociedade.
Ele não me olhou, entretanto. Seus olhos ficaram fixados em meus seios e,
em seguida, sua boca se fechou em volta de um dos meus mamilos. Ele me
mordeu levemente, e senti uma mistura de prazer e dor, de vergonha e desejo.
Ele começou a puxar meu mamilo dentro de sua boca, ao ponto de deixá-lo
tão sensível que estava dolorido. Em pouco tempo, eu não suportava mais. Aí ele
foi para o outro seio, e repetiu o procedimento. Será que deveria ser tão violento
assim? O desejo já me abandonara, assim como o prazer.
Mamãe havia recomendado que eu relaxasse, que ficar tensa pioraria a dor.
Tentei fazê-lo, até sentir suas mãos procurando a barra da minha saia, e
subindo entre as minhas pernas.
Oh, céus. O que ele iria fazer?
— Cale a sua boca e faça seu papel de esposa — ele replicou, baixando as
calças, encostando algo duro e pulsante na minha entrada.
— Pare!
— Não me ama?
— Eu amo o que tem entre as suas pernas; o que nenhum outro homem
tocou. O que será apenas meu.
***
Capítulo 11
RICHARD
Sonhava com olhos verdes e brilhantes, lábios vermelhos e fartos, e uma voz de
veludo que clamava por mim.
Eu queria tocá-la, mas ela não estava ao meu alcance; tão perto e tão distante
ao mesmo tempo...
Senti mãos sacudindo meus ombros. Mãos pequenas e firmes que pertenciam
a uma dama que não desistia.
Seus pequenos pés estavam descalços; não devia ser nada demais, porém, foi
uma das visões mais eróticas da minha vida. Imaginei-me beijando-os, subindo
os lábios pelos seus calcanhares, suas pernas, chegando ao ponto intocado entre
as suas coxas.
Ela acenou uma vez, sua postura rígida. Sentou-se ao meu lado na cama, sua
proximidade começando a despertar meu corpo.
Uma pergunta íntima demais para o meu gosto; entretanto, sabia que ela
desejava me ajudar, e que ela era a chave para eu descobrir o que se passara de
verdade naquele acidente.
— Às vezes, mamãe olhava para o meu pai com uma expressão estranha.
— Medo.
Ela não parecia surpresa com a minha resposta; na realidade, parece ter
confirmado seus temores, o que me deixou ainda mais curioso.
— Foi tão ruim assim? — questionei, acariciando seus cabelos, que estavam
presos em uma trança frouxa.
— Eu sinto muito.
Ela não precisava explicar mais nada. Alguns homens consideravam que
suas esposas eram apenas mercadorias, meros objetos que serviam para três
propósitos: status social, dote considerável, e sexo.
Eu era jovem quando meus pais faleceram, e mal conhecera meu pai, que
passava mais tempo longe de Rosebery Hill do que na propriedade; entretanto,
tinha diversas memórias felizes de mamãe e da minha irmã mais velha. E eu as
definia em uma palavra: adoráveis.
Não, não poderia pensar assim. Minha vida não era feita de “e se”. Precisava
lidar com a minha realidade. E com o fato de que não poderia fazer Charlotte
feliz, prendendo-a a um paralítico que mal podia deixar sua casa.
Os soluços de Charlotte foram diminuindo, até pararem por completo. Eu me
mantive quieto; pelo que ela havia descrito, sonhara com algo extremamente
traumático para uma dama, especialmente se viu pela perspectiva de mamãe.
Quando, enfim, ela parecia estar mais calma, eu a afastei o suficiente para poder
encará-la.
— Não posso permitir que tenha pesadelos assim, Charlotte! Quem sabe o
que mamãe sofreu?
— Preciso fazer isso, Lorde Devon. Pela sua mãe. Pela garota apaixonada
que foi enganada pelo homem que amava.
— Tudo bem.
Eu sabia exatamente o que ela queria dizer. A verdade seria dura, cruel. Em
sua primeira noite usando o medalhão, fora revelado a Charlotte que o
casamento de meus pais começara repleto de violência e agressividade. O que
mais ela descobriria? Ainda assim, para mim, havia apenas uma resposta àquela
pergunta.
— Eu preciso da verdade.
E que não fossem muitas; estava ficando bem difícil manter uma postura
adequada perto dela.
***
Seria possível morrer de ansiedade por causa de uma dama? Ou pior, por
causa de uma questão de uma dama? Se eu fingisse que tinha desmaiado, ela iria
embora? Não, provavelmente jogaria água na minha cabeça para me acordar e
despertaria a casa inteira.
— Claro...
Limpei a garganta para lhe desejar boa noite, entretanto, as palavras que
saíram de minha boca foram outras.
— Eu jamais a machucaria.
Maldição! Devia ter dito que o homem certo jamais a machucaria. Porém, a
ideia de que outro cavalheiro sequer a tocasse, sequer a visse como eu a via
agora, fazia meu sangue ferver.
— Se me acha a mulher mais bela que já conheceu, por que não tentou nada
comigo?
— Já tentaram — ela disse, fazendo um som de escárnio que faria seu irmão
explodir de vergonha.
Eu achei adorável.
Ela havia dito mesmo aquilo? Não somente o fizera como agora encarava
meus lábios descaradamente. Maldição! Por que eu não havia lhe dado boa noite
e deixado que ela fosse embora? E agora, o que eu faria? Não poderia seguir
meu coração, ou o meu desejo, ou o meu corpo, senão estaríamos ambos nus
entre lençóis em poucos segundos.
Abri os olhos por causa do susto. Maldição! Havia apenas olhos verdes, e
lábios carnudos, e seios redondos, e cabelos sedosos.
— Quer ficar presa nesta casa para sempre? Quer ficar presa a um homem
que não pode sequer dançar com a senhorita pelo resto de sua vida? Que não
pode arrastar a cadeira para a senhorita? Que não pode acompanhá-la em uma
caminhada pelos jardins?
Apesar de tudo que eu havia dito, queria que a resposta dela fosse sim. Era
egoísmo da minha parte, mas eu almejava, com todo o meu ser, que ela me
desejasse a ponto de relevar aqueles obstáculos.
Para mim, a questão era óbvia. Porém, nada era óbvio quando se tratava de
Lady Charlotte Morgan. Ela olhou por cima do ombro, a mão na maçaneta.
— Seria, se não fosse também o primeiro homem que eu gostaria que não se
comportasse como cavalheiro.
***
Capítulo 12
RICHARD
Estava tão focado em Charlotte na noite passada que não me dei conta de que
John poderia ter escutado nossa conversa. Por conta das minhas limitações, ele
dormia em um quarto adjacente ao meu, conectado por uma porta. Caso eu
tivesse alguma urgência, ele chegava rapidamente.
— Sim, John.
Ele começara a trabalhar como meu criado particular há seis anos. Antes
disso, tinha brincado com ele diversas vezes quando éramos crianças; ele era o
filho de um dos cocheiros do meu pai, que ainda trabalhava conosco.
— Aparentemente.
Ele riu.
Porém, poderia eu julgá-la por ter dúvidas a esse respeito? Ela não parecia
ter qualquer insegurança no que concernia à sua atração por mim.
Ainda assim... Ela não tinha ideia do efeito que a minha limitação teria sobre
o casamento. Atração era uma coisa, amor, outra bem diferente, e casamento,
ainda mais complexo.
Seria cruel condená-la àquela vida, e, por mais que a conhecesse pouco, a
última coisa que eu queria era ser o responsável por tirar a vivacidade de seu
olhar, ou o sorriso de seus lábios.
***
Para a minha surpresa, Charlotte chegou logo em seguida. Pelas manchas sob
seus olhos, cheguei à conclusão de que, assim como eu, ela não dormira muito.
E, pelo sorriso que John tentava suprimir, ele também notara seu cansaço.
— John — ela chamou pelo meu criado, provavelmente adivinhando que ele
estaria escutando atrás da porta.
— Lorde Devon parece estar com frio. Poderia trazer cobertores para ele, por
favor?
Seu tom era doce, mas sua intenção era diabólica. Aquela mulher perversa;
ela sabia que eu não iria dar para trás.
O rosto dela ficou corado. Ela abriu a boca para responder, mas foi impedida
pela entrada de uma ajudante de cozinha. John retornou logo depois, trazendo
um cobertor para cobrir minhas pernas. Santo John; sabendo o que Charlotte
aprontava, ele trouxe o mais fino de que dispunha.
Sabia que Charlotte estava se segurando para me dizer algo quando
estivéssemos a sós. Porém, não parecia que aquilo aconteceria tão cedo. Patrick
chegou enquanto a criada servia-nos chá.
— Bom dia, Lady... — ele recebeu um olhar ameaçador da dama que o fez
engolir a formalidade. — Digo... Bom dia, Charlotte.
— Por quem?
— Ah, alguém que não se deu por satisfeita até que eu estivesse acordado.
Alguém que invadiu meu quarto no meio da noite.
— Uma coruja.
— Coruja? — Charlotte e o irmão questionaram em uníssono, um com
curiosidade no tom, a outra com desconfiança.
— Olhos verdes? Nunca soube que corujas tinham olhos verdes. Não são
amarelos, Lorde Devon? — Charlotte questionou ironicamente, e eu não segurei
um sorriso maroto.
— Pois o senhor deveria dar graças aos céus que uma coruja fez o favor de
visitar seu quarto para animá-lo um pouco.
— Charlotte, não diga uma coisa dessas nem de brincadeira! — ele exaltou-
se, levantando-se da mesa.
— Pois eu não brinco com tais assuntos — ela replicou calmamente, sem
tirar os olhos de mim.
— Lotty, estava pensando que, agora que já teve sua conversa com Lorde
Devon, podemos ficar hospedados em Crawford Hall.
Imediatamente, as ondas de raiva que emanavam de Charlotte, as quais
estavam dirigidas a mim, passaram para o seu irmão. Tive pena do coitado.
***
Capítulo 13
RICHARD
— Por céus, Frederick, não pode ficar longe de sua esposa uma noite sequer?
— Lotty!
— Charlotte!
— De qualquer forma, terá que apagar esse seu fogo, porque ainda não estou
pronta para ir.
A criada fingiu ter algum motivo para deixar a sala. John foi servir o chá frio
a todos, buscando algo para fazer. Patrick estava com uma uva entre os dedos, no
caminho entre seu prato e sua boca, parada no ar. Eu estava boquiaberto.
Estava elaborando um plano para fugir dali, porque eu sabia o que eles
fariam, mais cedo ou mais tarde. Eles me envolveriam na discussão. E,
independentemente do que eu dissesse, alguém acabaria chateado comigo. Não
queria perder a confiança de Frederick, e muito menos ousaria irritar Charlotte
novamente. Já havia a provocado o bastante naquela manhã.
Infelizmente, antes que eu pudesse tomar alguma atitude, Frederick me
puxou para dentro da discussão acalorada.
— Não é você quem precisa estar pronta para ir embora, Charlotte. A casa é
de Lorde Devon.
— Eu...
O olhar dela indicava que ela me daria um de seus famosos chutes entre as
pernas se eu fosse louco de contrariá-la.
— Bem...
Quatro pares de olhos voltaram-se para mim, pesando mais do que toneladas
de ferro. Um par de olhos em particular me preocupava. Charlotte. Ela não
desejava ir, contudo, eu não sabia quanto tempo mais conseguiria manter a
postura de cavalheiro se ela insistisse em invadir meus aposentos à noite.
— Entendo, Sir Frederick — respondi sem olhar para ela, apesar de sentir
seus olhos verdes me pinicando como pequenas agulhas.
— Agradeço a gentileza.
***
— Charlotte, não desejo que brigue com seu irmão por minha causa.
Ela nos deixou embasbacados. Aparentemente, era algo que ela fazia com
frequência.
— Não faço ideia. Juro que não entendo metade das coisas que ela diz.
— O que John quer dizer é que não haverá briga entre irmãos, Rick. E sim
entre marido e mulher.
— Para quem acha que ela vai contar o seu segredo? — Patrick questionou,
uma das sobrancelhas arqueada.
A resposta me acertou como um raio.
***
Não precisei de muito tempo para identificar a dona dos belos cabelos
negros. Charlotte. A outra vestia a famosa capa vermelha de Tessa, e segurava as
rédeas de um garanhão branco.
— Creio que Lady Charlotte Morgan enviou uma mensagem esta manhã à
sua esposa, Sir Frederick — John comentou ao adentrar o cômodo,
comprovando que as minhas suspeitas estavam corretas.
— Meu amor, o que faz aqui? — seu marido disse com um sorriso, mas sua
voz estava trêmula, e seus ombros, tensos.
Quem disse que eram os homens os donos das suas esposas? Naquele
casamento, parecia ser exatamente o contrário.
Indiquei para John e Patrick que deveríamos deixá-los a sós, até um deles
apontar para a única porta por onde poderíamos sair. Tessa estava em frente a
ela, obstruindo a nossa fuga.
— Quando eu decidi me casar com você, não sabia que tinha um coração de
pedra!
— Como?
Não, não, não. Eu definitivamente não queria fazer parte daquela discussão.
Quatro pares de olhos viraram-se para mim. Patrick e John estavam à beira da
risada, Frederick implorava por ajuda, enquanto que Tessa me encarava com
uma determinação de deixar qualquer homem inseguro.
— Eu... — comecei.
— Mas...
— Um momento...
— Não entendo...
— Meu amor, Lotty entendeu errado — ele sussurrou, passando os dedos por
seus cabelos de um loiro que se aproximava do branco.
— O que quer dizer? — o olhar de Tessa suavizou, assim como suas linhas
de expressão.
Ela podia ser impetuosa, mas era, no fim das conta, uma jovem apaixonada.
Era uma força impressionante de se ver, como o amor mudava as pessoas. Meus
olhos foram automaticamente para Charlotte quando pensei naquela maldita
palavra. Os dela brilhavam com uma inteligência que pertencia apenas a ela.
Charlotte havia feito tudo aquilo por mim. Não por mim, eu me repreendi;
pela minha mãe. Ela não tinha qualquer interesse próprio naquela situação; já
havia me dito anteriormente que, independentemente do que descobríssemos, o
livro que terminaria a história que ela iniciou em Segredos de Sangue seria
completamente criado, sem qualquer relação com a história verdadeira.
— Eu não quis dizer que deixaria a casa de Lorde Devon hoje — Frederick
disse, e Charlotte precisou colocar a mão sobre a boca para disfarçar o sorriso.
Em seguida, ela olhou para mim, a felicidade estampada em seu rosto. Não
queria que ela brigasse com irmão por minha causa, e muito menos que causasse
distúrbios ao jovem casal. Porém, de seu jeito nada convencional e bastante
manipulador, ela encontrara uma maneira de me ajudar.
Ou será que ela também queria ficar perto de mim? Tentei expulsar aquele
pensamento; ideias assim eram perigosas.
— Jura?
Ela virou-se com Tessa e elas deixaram a casa com os braços interligados.
Todos os homens voltaram a respirar ao mesmo tempo. Depois de alguns
momentos, Frederick dirigiu-se a mim:
— Eu lhe disse que ela era muito pior quando perdia uma discussão.
***
Setembro, 1816
Capítulo 14
RICHARD
Rosebery Hill contava com a presença de Lady Charlotte Morgan havia duas
semanas. Parecia que uma vida inteira havia se passado. Em apenas quinze dias,
ela conseguiu deixar a casa mais leve; exceto pela Sra. Jones, que continua a
evitá-la sempre que podia.
Notei que os criados sorriam mais, que Patrick sempre estava gargalhando
perto dela, que John a encarava admirado. Até mesmo Frederick parecia muito
confortável com a nossa situação. Desde, claro, que ele fizesse suas visitas
diárias à esposa. Charlotte sussurrou um dia que esperava a notícia de um
sobrinho a qualquer momento.
O problema dela ter revirado meu mundo era o que aconteceria a ele quando
ela se fosse. A cada novo dia, a possibilidade dela nos deixar me atormentava
mais.
— Acho que tenho dor de cabeça — ela inclinou a cabeça para trás,
fechando os olhos teatralmente, como se sequer conseguisse manter-se acordada.
— Interessante.
— Acho bom — ela retornou para a sua poltrona, sua dor de cabeça
aparentemente esquecida. — Ainda não o perdoei por ter me acusado de não ser
uma dama. Acho melhor não me acusar de ser uma má cristã.
— Jamais faria isso. Também percebi que sempre está com as mãos
manchadas de tinta quando retornamos da igreja.
— Sabe Tessa?
Ela abriu a boca para falar. Fechou-a novamente. Olhou em volta, tentando
descobrir no escritório alguma coisa para me distrair. Era divertido vê-la sem
fala. Charlotte sem resposta era algo tão raro quanto um aristocrata inglês
humilde.
Enquanto ela se desdobrava para encontrar uma saída para a nossa discussão
infrutífera, seu irmão entrou no cômodo.
— Lotty, Tessa me disse que está com dor de cabeça e não poderá ir conosco
hoje. Vá se trocar, por favor.
— Traíra!
— Preciso ir mesmo?
Girei as rodas da cadeira para ficar próximo a ela. Coloquei a minha mão
sobre a sua em um gesto de compreensão.
— Notei que o senhor nunca vai à igreja acompanhado do meu irmão — ela
comentou enquanto saíamos juntos do meu escritório.
— Sou católico.
Não entendi por que razão, mas Charlotte ficou impressionada com a
resposta.
— Não creio que rezar o Pai Nosso todos os dias seja revolucionário.
— Eu bem o sei, Charlotte — alguns dos meus ancestrais tinham sido mortos
apenas por conta de sua crença.
— Esse comentário não foi muito cristão de sua parte. Ademais, os sermões
do padre Newman também são longos.
Quando chegamos à porta principal, Patrick estava lá, nos aguardando. Pela
sua expressão, ele estava escutando a conversa havia algum tempo.
— Ouvi dizer.
Essa era outra nova mania que surgiu com a minha convidada. As discussões
na casa tornaram-se, por conta dela, interessantes, e seus desfechos eram sempre
imprevisíveis, motivo pelo qual os criados passaram a ouvi-las descaradamente.
John estava tão focado nas palavras seguintes de Charlotte que nem piscava.
Assim como eu, ele estava fascinado pela dama; afinal de contas, nenhum de nós
jamais conhecera alguém como ela.
— Esqueceu por acaso que hoje é domingo, Fred? — Ela questionou como
se o irmão fosse um tolo por tê-la feito tal pergunta. — Vou à igreja com Lorde
Devon e Sr. Duncan.
— Sim, eu sei.
— Não foi você quem disse que eu deveria praticar mais o meu latim, Fred?
— ela replicou e deixou a casa como se fosse a rainha da Inglaterra.
***
O vilarejo mais próximo de Rosebery Hill era Geal, que significava branco
em gaélico, uma vez que, durante os invernos escoceses, a cidade inteira ficava
desta cor.
Durante o trajeto entre a propriedade e a igreja, Charlotte encheu-nos de
perguntas sobre o catolicismo e o histórico de perseguição contra católicos desde
que o Rei Henrique VIII rompeu com Roma.
Quanto mais tempo eu passava com ela, mais admirava sua compaixão pelos
outros, sua curiosidade ilimitada, sua completa falta de discrição ao perguntar as
coisas mais inapropriadas.
— Oh, os jardins dessa igreja são muito mais agradáveis que aqueles do Sr.
Jackson. Até os jardins do homem são entediantes.
— Sim. Oh, céus! — Ela pareceu lembrar-se de quem estava falando. — Não
deveria falar dele assim! Ele quase virou família.
— Juro que não contarei a ninguém, Charlotte.
— Melhor que não, Lorde Devon — ela sussurrou no meu ouvido, fazendo
os pelos da minha nuca ficarem eriçados. Diabinha; deveria ter imaginado que
ela aproveitaria a oportunidade para me provocar. — Afinal de contas, não seria
bom para sua reputação se descobrissem as blasfêmias que sua convidada de
honra diz.
— Penso que seja muito mais que minha convidada de honra, não? A cidade
toda deve achar que estamos noivos.
Ela olhou para os meus lábios. Meus olhos instintivamente baixaram para os
dela também. Senti seu sangue pulsando mais forte sob meus dedos, vi seu rosto
ruborizando, seus seios redondos subindo e descendo com maior frequência. E,
claro, senti o incômodo que estava ficando cada vez mais comum entre as
minhas pernas.
Uma coisa era observá-la dando sermão nos outros. Outra completamente
diferente era ser objeto de seu escrutínio. Eu bem o sabia.
— Ali.
Ela apontou para a última fileira dos bancos de madeira. Sempre havia
alguns lugares vagos na parte de trás, e o corredor era amplo o suficiente para eu
deixar minha cadeira nele. Ainda assim, se alguém precisasse passar pelo meio,
como o padre Newman, ficaria apertado.
Eu não era, nem de longe, um dos membros mais devotos. E não desejava ter
qualquer privilégio por conta do montante que eu doava anualmente à igreja,
para ajudar com suas reformas e com a comida que eles distribuíam aos
moradores de rua e às pessoas humildes que muitas vezes abrigavam.
Por um lado, jamais exigi, ou sequer pedi, um lugar mais confortável. Por
outro, essa era a primeira vez que alguém me defendia perante a minha paróquia.
Irônico como vinha de uma protestante.
— Não deveria deixar que o isolem, Lorde Devon — ela disse de repente.
De repente, entendi sua preocupação. Charlotte era uma das damas mais
diferentes que já conheci. Ela devia sofrer com os constantes preconceitos da
sociedade inglesa, especialmente com o passar dos anos, quando se recusava a
aceitar um marido que não amasse. Ainda assim, não deixara de ser quem ela
era, de expor suas opiniões ou de agir conforme suas crenças e valores, mesmo
sabendo que poderia ser julgada por isso.
***
Capítulo 15
RICHARD
Seu chapéu era igualmente simples, com uma fita verde combinando com as
vestes, e, discretamente, ela o afastou um pouco do rosto a fim de sentir o sol
sobre a pele imaculada. Imaginei tudo o que desejava fazer se pudesse ter acesso
àquela pele, e ela parecia ter lido meus pensamentos quando me acusou:
— Pagão! — seus olhos estavam fechados e sua cabeça, inclinada para cima.
Como ela sabia que eu havia despertado?
— Como?
Olhei em volta; não havia mais ninguém, nem mesmo as carruagens estavam
mais lá. O que significava que ela havia deixado todos irem embora antes de me
trazer para cá. Dois podiam jogar aquele jogo.
— O quê?
— Bruxa!
Ajeitei minha cadeira para que meus joelhos tocassem os dela, e inclinei o
corpo para a frente, como se fosse lhe contar um segredo.
— Por que enfeitiçou todos os homens do recinto. Eles não paravam de olhar
para a senhorita. Creio que alguns ficaram com torcicolo.
Tentei afastar a cadeira, mas ela não permitiu, segurando as minhas mãos.
Nós nos provocávamos às vezes, mas não falávamos abertamente daquele tema
desde que ela invadiu meu quarto no meio da noite. Achei melhor não dizer
nada, por temor de acabar revelando meus sentimentos.
— Charlotte, eu...
— É um terrível devasso.
Eu ri tanto que senti uma lágrima descendo pelo rosto. Ela a secou com a
pequena mão enluvada, seus dedos roçando contra a minha pele por longos
segundos que pareceram durar uma eternidade. Mesmo através do tecido,
consegui sentir sua calidez. Eu ansiava por seu toque.
— Claro que é! Prometi ao senhor que não lhe daria um pisão no pé nem o
chutaria entre as pernas e, mesmo assim, nada fez.
Maldição! Nem mesmo quando ela me disse aquilo, meus olhos conseguiram
deixar sua boca.
— Como?
— Seu... Seu...
Seu foco imediatamente passou para o papel dobrado em sua mão. Era
interessante observar como Charlotte focava toda a sua atenção a uma atividade
de cada vez. Se, alguns segundos atrás, sua missão de vida era achar um jeito de
me ofender sem perder sua pose de dama, agora ela precisava descobrir por que
Lady Hamilton lhe enviara uma correspondência.
— O que é?
— Eles realmente vão fazer isso... Achei que era apenas animação do
momento...
Por último, devo admitir que ainda não sabia quais eram meus sentimentos a
respeito do noivado de mentira. Se, por um lado, eu não tive qualquer voz
naquela enrascada, por outro, havia algo dentro de mim que sentia verdadeiro
prazer quando alguém chamava Charlotte de minha noiva.
Sim, era doentio. Porém, se a única forma de tê-la era com base em uma
mentira, eu ia aproveitar cada segundo daquilo.
Ela continuou lendo, e sua expressão foi se fechando, como se algo sombrio
estivesse para acontecer. As palavras devem ter sido duras, pois ela levantou-se,
e gritou:
— NÃOOOOOOOOOO!
***
Movi-a até que ela ficasse deitada na transversal sobre a minha cadeira,
posição que seria mais confortável para ela e menos embaraçosa se fôssemos
vistos juntos. Olhei em volta, pela primeira vez percebendo que a minha
carruagem não estava em qualquer lugar que eu pudesse ver.
Patrick e John tampouco estavam nas redondezas. Eles haviam nos deixado
ali? Decerto, fora um pedido de Charlotte. Quando verifiquei o caminho que
precisaria fazer até a igreja, cheguei à conclusão de que seria impossível; minha
cadeira de rodas não passaria pelo gramado. Isso indicava que ao menos dois
homens haviam me carregado até ali, provavelmente meu melhor amigo e meu
criado.
— Não, a dama passou mal. Poderia encontrar meu cocheiro, por favor?
Maldição! Não tinha ideia do que Charlotte combinara com eles, era
impossível saber se ele retornaria direto para me buscar.
Ela olhou para cima, ainda um pouco atordoada, mas, apesar de acordada,
não saiu do meu colo. Ao invés disso, começou a remexer-se, o que não ajudou
em nada a situação crescente em minha calça.
— O quê?
— Que carta? — fingi não ter ideia do que ela estava falando.
— Não sou uma dessas damas que colapsam pelos ambientes em busca de
cavalheiros para salvá-las!
— Não desmaiei, Lorde Devon! — Pelo menos, a raiva dela voltou-se para
mim, e o rapaz pôde respirar aliviado. — Eu apenas precisava de um rápido
cochilo.
— Entendo.
Infelizmente, meu plano não foi bem-sucedido por muito tempo. Enquanto
buscava um buraco onde poderia se enfiar, o noviço encontrou a maldita carta.
— Charlotte, vejo que nossa carona está chegando. Por que não lê a carta
quando estivermos em Rosebery Hill?
— NÃOOOOOOOOOO!
Ela desmaiou novamente. Desta vez, seu rosto enterrou-se na minha virilha.
***
Capítulo 16
RICHARD
O alvoroço que noviço fez ao ver a dama com a cara enterrada nas minhas
partes íntimas em nada se comparou com a confusão criada quando chegamos
em Rosebery Hill. Charlotte havia acordado, mas ainda estava se sentindo tonta,
e sua palidez indiciava que desmaiaria novamente se a deixássemos levantar-se.
Não gostei nada dos arranjos, porém, tive que aceitar que Patrick a
carregasse até o quarto de visitas. Eu não tinha qualquer compromisso com ela e,
mesmo que tivesse, não teria condições de carregá-la.
— Esta carta?
— Isso mesmo.
Ele a examinou por alguns momentos, sem ousar tocá-la. Patrick entrou logo
em seguida e, assim como Frederick, passou a examinar a carta que havia
derrubado uma mulher corajosa e sem frescuras não apenas uma, mas duas
vezes.
— Não a li.
E o que eu mais temia era quebrar seu voto de confiança em mim, depois de
ter conquistado sua amizade ao longo das últimas semanas. Não foi fácil; ela
passou diversos dias de mau humor, lembrando-me constantemente que era a
minha prisioneira, apesar de ter tido a chance de ficar em Crawford Hall e ter
insistido para continuar conosco.
Toda a cor se esvaiu da face de Frederick. Ele jogou a carta de volta na mesa
e foi até o aparador servir-se de conhaque. Decidi não repreendê-lo pelo horário;
eram onze da manhã. Ele devia ter uma boa razão.
Aquilo era, de fato, uma surpresa. Porém, seria o suficiente para fazer
Charlotte desmaiar duas vezes e seu irmão beber álcool em plena manhã de
domingo? Eles estavam exagerando.
— O senhor não comentou no outro dia que ela não vinha à Escócia desde a
morte de seu pai? — Patrick lembrou.
— Então terá de contar isso a ela, porque nem morto serei eu a fazê-lo.
***
Eu.
Tanto Patrick quanto tia Julia visitavam sua casa quase que diariamente;
ainda assim, não era o mesmo que desfrutá-la como se fossem seus habitantes.
Eles tinham muita sorte de ter como mordomo e governanta um casal de grande
confiança, e que cuidavam da propriedade como se fosse deles.
Porém, abdicar de sua casa para cuidar de um inválido não foi suficiente para
a tia Julia e seu filho. Eles também me ajudavam a cuidar das minhas outras
propriedades, quando nossa presença se fazia necessária.
Nos últimos meses, tia Julia estava nas Ilhas Shetland, bem ao norte da
Escócia, onde eu herdara a maior propriedade do meu pai em tamanho. Por mais
que Rosebery Hill fosse a mais valiosa, Eilean House era a propriedade mais
impressionante, cercada de um lado por mares revoltos e, do outro, por colinas
rochosas.
Havia um pequeno vilarejo nas adjacências das terras dos Devon, e a maior
parte de seus moradores dependia de Eilean House. Tia Julia estava lá
supervisionando algumas reformas de estrutura necessárias.
Infelizmente, eu não visitava o local desde meu acidente, uma vez que era
ermo e longínquo demais. Era uma das coisas de que eu mais sentia falta da
época em que minhas pernas funcionavam. Sempre amei Eilean House, assim
como as pessoas do vilarejo.
Era raro vê-la sorrindo daquele jeito. Tia Julia era sempre doce e carinhosa,
porém, havia uma tristeza em seus olhos, especialmente quando olhava para
mim. Agora, entretanto, ela parecia estranhamente animada com algo.
— Perdão?
— Tudo bem, Sra. Duncan? — Ele disfarçou. — Sou Sir Frederick Morgan,
lembra-se de mim?
— Obrigado.
Não apenas me dei conta de que meus sentimentos por Charlotte eram mais
fortes do que uma simples atração avassaladora, como também que eu devia ser
o maior tolo da Terra por me permitir sentir tudo aquilo por alguém que eu
jamais poderia ter ao meu lado.
— É... — eu gaguejei.
— E a noiva? Como ela é? — Ela decidiu perguntar algo que acreditava ser
mais fácil.
— É...
— Bem...
— Sabe...
— Titia, temo dizer que Lady Charlotte Morgan desmaiou esta manhã. Ela
acordou agora há pouco. Poderia verificar como ela está? — Se tinha algo que
distraía tia Julia era ajudar pessoas.
— Ela acabou de saber que sua mãe virá para a festa de noivado.
— Como?
— Tão doce quanto mamãe — a ironia não passou despercebida por mim.
Tia Julia não poderia ter ficado mais satisfeita com a resposta, mas eu dirigi
um olhar gélido para ele, que respondeu com um levantar de ombros.
Eu não poderia permitir que ele falasse da minha noiva daquela forma!
Quando tia Julia saiu, Frederick retornou ao aparador e encheu uma nova
taça de conhaque.
— Pelo menos faremos companhia uns aos outros, meu amigo — Patrick
disse.
***
Capítulo 17
CHARLOTTE
A tia de Lorde Devon não poderia ser mais gentil. Logo depois de se
apresentar, ela começou a falar como estava animada com o nosso casamento,
feliz por seu sobrinho ter encontrado uma noiva tão compreensiva, aliviada que
ele não passaria o resto da vida sozinho.
Apesar de suas palavras doces, o gosto delas em minha boca era amargo.
Quanto mais ela falava, pior eu me sentia por criar toda aquela confusão. Não
desejava dar falsas esperanças a ninguém, e meu peito doía só de imaginar como
mamãe e a doce Sra. Duncan ficariam arrasadas quando puséssemos um fim
naquele noivado falso.
Contudo, havia mais entre nós. E eu tinha certeza de que não estava sozinha.
Ele sempre me olhava com tanta intensidade, prestava atenção em cada palavra
minha, sorria genuinamente das minhas tiradas irônicas, apreciava o que eu tinha
a dizer. Sem contar como eu enxergava o desejo em seus olhos sempre que
entrava no cômodo em que ele estava.
No entanto, ele fazia de tudo para manter-se distante, como se tivesse se cercado
de flechas afiadas, e as atirasse contra quem tentasse chegar perto demais. Pois
eu queria chegar perto. Eu iria me aproximar, ele querendo ou não.
Estava tão perdida nos meus próprios pensamentos que mal notei que a Sra.
Duncan ainda falava.
— Perdão?
— Sim.
Oh, céus. Oh, meu senhor amado. Eu estava prestes a chorar. A mulher mal
me conhecia, mas já sabia que eu havia desmaiado de forma indigna duas vezes
em um mesmo dia, e agora me veria chorando?
O que ela pensaria de mim? Não que eu me importasse muito com a opinião
alheia, mas ela era diferente. Porque ela era importante para Lorde Devon, o que
significava que também o era para mim.
— Sinto muito, Sra. Duncan, não sei qual é o meu problema hoje...
Ela não me conhecia, não tinha ideia do que falava. Amor? Pfff. Eu estava
atraída por Lorde Devon, gostava da sua companhia, não imaginava como
conseguiria me despedir dele, nem tinha ideia de como contaria a verdade à
mamãe, sonhava com ele todas as noites, imaginava-o me abraçando enquanto
estávamos juntos, mas amor? Pfff.
Agora, ela o conhecia desde sempre. O que significava que, se ela dizia que
ele estava apaixonado, era porque devia estar mesmo. Pobrezinho... Sofreria
tanto quando eu partisse... Não que eu me importasse de ficar algumas
semanas... Ou anos, em Rosebery Hill. Por ele, claro.
Ela tirou a luva e me tocou. E foi aquele toque que a gerou: a visão mais
realista que eu já tive na vida. E a mais traumática também.
***
Crawford Hall era ainda mais linda por dentro que por fora. Nem acreditava
que tinha sido convidada para o primeiro baile realizado pelo novo Lorde
Hamilton. Ele e Sarah haviam noivado há algumas semanas, e não se falava em
mais nada além daquele casal impensável.
Sarah, que em breve seria Lady Hamilton, tinha apenas dezesseis anos, um a
menos que eu, e mesmo Lorde Henry Hamilton era bastante jovem, acabara de
fazer dezenove. Aparentemente, o romance deles fora como um conto de fadas; o
lorde grosseiro de família rica, que se achava dono do mundo, apaixonara-se
enlouquecidamente pela doce Sara, filha de padeiro.
Meus pais não haviam sido convidados para o baile, nem a minha melhor
amiga, Margaret, então foi uma conhecida de longa data dos meus pais, Simone,
quem me acompanhou. No trajeto até Crawford Hall, ela repetiu diversas vezes
que eu não deveria ficar a sós com nenhum cavalheiro, especialmente com
Lorde Elias Devon.
Felizmente, não fiquei em sua companhia por muito tempo, pois logo Elias
me encontrou e me levou para o centro do amplo salão. Eu havia praticado
aquelas danças durante uma semana inteira; pedi a Sarah que me contasse
quais músicas tocariam ao longo do baile, e ela havia me ajudado a praticar.
Seus olhos não desgrudaram de mim, e havia preocupação neles. Por que
ele estaria preocupado comigo? Nós mal nos conhecíamos.
Depois muitas danças, decidi tomar algo para me refrescar. Foi quando senti
uma mão se fechando em volta do meu pulso.
Fiquei na dúvida. Ele pedia que eu fizesse precisamente o que papai havia
proibido, o que Simone sugerira que eu evitasse; ficar a sós com ele. Elias deve
ter visto a hesitação em meus olhos, pois comentou:
Ele me ofereceu o braço, que eu tomei com alegria. Saímos juntos do salão,
e não consegui desgrudar os olhos dele. Passamos pela cozinha e vi, pela
janela, muitas pessoas do lado de fora, exatamente como ele havia mencionado.
— Ninguém vai escutá-la lá fora, Julia. Somos apenas nós dois aqui dentro.
Senti meu sangue gelando quando, enfim, compreendi suas intenções. Ele
havia me enganado. Havia mentido para me trazer aqui. Agora, eu estava nas
mãos dele.
Como se conhecesse aquele porão tão bem como a palma de sua mão, Elias
me encontrou com facilidade, e puxou-me pelos cabelos. Tentei me desvencilhar
dele, porém, quanto mais eu me mexia, mais ele me machucava. Achei que fosse
arrancar meu couro cabeludo.
Ele deitou-se sobre mim, colocando seu peso sobre meu corpo, separando
minhas coxas coma as dele. Apesar de suas ameaças, tentei lutar, arranhei seu
rosto, mas ele prendeu meus pulsos sobre a minha cabeça com apenas uma mão.
Tentei chutá-lo, porém, ele apenas pressionou ainda mais meu corpo contra os
sacos de batatas.
Com a outra mão, ele rasgou meu vestido e levantou minhas saias,
revelando minha intimidade. Com o corpo bruto, ele me violou. Gritei até ficar
sem voz, chorei até ficar sem lágrimas.
Parecia que ele gostava do meu sofrimento, pois, quanto mais eu dizia que
estava doendo, com mais força ele me violava. De repente, parei de lutar; meu
corpo cansou-se de reagir. Foi quando ele chegou ao ápice e me deixou ali,
sozinha, como uma boneca usada e sem valor.
Não sei quanto tempo se passou, mas escutei alguém entrando novamente no
porão. Não poderia ser ele; o que mais ele poderia querer de mim? O que mais
ele tomaria?
— Srta. Wallace? — escutei uma voz gentil me chamar. Porém, como era
masculina, desconfiei, e nada respondi.
Uma luz fraca acompanhou a voz e, momentos mais tarde, o rosto de Will
Duncan surgiu à minha frente. Eu não disse nada. Tampouco ele falou. Apenas
tirou sua casaca, enrolou-me nela e, em seu colo, tirou-me dali.
Salvou-me do inferno.
***
Senti as lágrimas quentes rolando pelo meu rosto quando, finalmente, a visão
se evaporou. Olhos gentis me encaravam com preocupação. Para mim, aquela
visão tinha sido apenas um pesadelo; entretanto, para a mulher doce que me
contemplava, tinha sido real.
Senti algo queimando a minha pele, sobre o meu peito. Era o medalhão. De
repente, dei-me conta de algo.
— Disso aqui, Sra. Duncan. — Puxei o cordão de ouro, expondo a joia que
deixava escondida sob as vestes.
— Onde o encontrou?
O Sr. Duncan era o único que sabia o que ela sofrera, mas a terrível
lembrança ficara alojada em outro lugar: na joia que ela ofereceria de presente a
Margaret pouco tempo depois.
Ela explicou que Margaret e ela faziam aniversário na mesma data. Naquele
ano, ela ofereceu o medalhão de sua família à amiga, enquanto que Charlotte lhe
deu um anel adorável que pertencera à avó.
A Sra. Duncan não entrou em detalhes, mas deu a entender que se afastou um
pouco de Margaret após seu casamento com Elias.
— Sobre o quê?
— Sobre o que posso ver. Sobre o que vi Lorde Elias Devon fazer com a
senhora.
***
Capítulo 18
RICHARD
Avisei a John que não precisaria mais dos serviços dele naquela noite. A
conversa no jantar poderia rapidamente se transformar em algo pesado. O
noivado era falso, mas eu não queria que todos os criados soubessem disso.
— Não pode contar amanhã? Ele já não teve surpresas o bastante por hoje?
— Ela pediu para avisar que vai dormir mais cedo esta noite.
Não me surpreendia aquela notícia: o trajeto das Ilhas Shetland até Rosebery
Hill era longo e árduo, especialmente para damas e cavalheiros a partir de certa
idade.
— Uma bengala.
O olhar que ela me dirigiu foi sóbrio, sério. Fiquei preocupado, até ouvir
qual era o seu objetivo.
***
— É muito querido de sua parte dizer isso, Lorde Devon, mas o que mamãe
tem não é personalidade. Ela é possuída.
— Não sabia que conhecia a minha irmã Alice, Sra. Jones. Ela é impossível,
não é mesmo?
— Com o quê?
— Ai!
Olhei para o lado e vi o pedaço de madeira que ela trouxera para o jantar. Ela
havia acabado de me bater com ele?
Daquela vez, Patrick cuspiu seu vinho. Frederick olhou para o seu próprio
prato e a Sra. Jones soltou um gritinho horrorizado.
— C-como?
***
Naquele dia, tivemos mais ação do que Rosebery Hill tivera durante o ano
inteiro. Três desmaios, uma festa de noivado e um casamento que eu não tinha
ideia de como cancelar depois, e eu enfim estava no conforto de minha cama.
— Lorde Devon.
Céus, essa mulher não sabia quando parar? Por algum motivo misterioso,
apesar de estar muito irritado, também senti uma atração irresistível por ela;
parecia que nossos debates eram capazes de fazer meu sangue ferver em vários
sentidos.
Antes que eu pudesse usar o cérebro, meu corpo tomou conta de seus
movimentos e, sem resisti-la, um de meus braços traiçoeiros segurou-a pela
cintura, puxando-a até que seu torso estivesse junto ao meu.
A outra mão, ainda mais diabólica, segurou sua nuca, aproximando seu rosto
até que seus lábios estivessem roçando os meus. Suas pupilas dilataram, de uma
forma que o verde de seus olhos praticamente desapareceu. Sua pele estava
brilhando com a luz da lareira, fazendo-a parecer um anjo.
— Deixe-me então fazer logo a pergunta para poder sair, Lorde Devon!
Parece até que está me enrolando de propósito!
— Sim.
— Sim.
— Eu não acredito.
— Pode ou não?
— Ótimo! Vou avisar a John que deve preparar nossos cavalos bem cedo.
— Claro que não vou invadir o quarto dele no meio da noite! Sou uma dama,
Lorde Devon!
***
Capítulo 19
RICHARD
John estava me observando quando acordei. Olhei para a janela e notei que o sol
mal despontava no horizonte. Era ao menos quinze minutos mais cedo do que
meu horário habitual de despertar.
Claro. Ela não o havia acordado no meio da noite, graças aos céus, mas havia
garantido que ele estivesse nos meus aposentos no horário que considerava
adequado.
Não se dirigiu a mim como um criado, mas como um amigo. Eu sabia que
tinha razão, e meu peito doeu com a realização de que, em poucas semanas,
voltaríamos a ser um canto esquecido do mundo, sem o som inebriante das
gargalhadas de Charlotte, sem o brilho de seus olhos verdes travessos, sem seus
comentários honestos e inapropriados.
— Sabe que é uma intrometida? — Quis soar sério, mas não consegui tirar a
risada da voz.
— Sabe que é um lerdo? E nem venha me dizer que tem limitações, ouvi
como vocês dois, inúteis, estavam rindo ao invés de se prepararem logo!
Sua bronca absurda apenas fez com que nos descontrolássemos; eu ri até
lágrimas deixarem meus olhos, e John se dobrou de tanto gargalhar. Eu a
adorava mais a cada dia, especialmente porque, ao contrário de todos ao meu
redor, ela não tinha pena, não me deixava dar desculpas por não poder andar.
Ela exigia de mim o mesmo que exigia de seu irmão, de Patrick, de John.
Pela primeira vez desde que perdi o movimento das pernas, eu me sentia uma
pessoa normal. Era tratado como alguém normal, não um pedaço de carne sem
utilidade.
Sempre cuidei do meu corpo da melhor forma que podia; apesar de não
poder correr, eu me exercitava, seja em cima de um cavalo, seja fazendo flexões
com uma barra de madeira que pedi a John que pregasse no alto de uma das
portas dos meus aposentos.
Sabia que isso era doentio, uma vez que eu já decidira que não poderíamos
nos casar, porém, era extremamente prazeroso saber que era desejado. Não por
uma mulher que queria a minha fortuna, ou os meus títulos, mas alguém que me
apreciava como homem.
John esperou até que ela saísse de vista e me perguntou, com um olhar
malicioso que quase me fez rir novamente:
— Não estou certo de que essas visitas noturnas seriam agradáveis, John.
***
Ela não reclamou enquanto John me ajudava a montar meu garanhão, mas
seu pequeno pezinho batendo no chão indicava que sua pouca paciência estava
no limite. Ela ajudou John a ajeitar algumas das fivelas da sela, e eu sabia que
não era para ser gentil; apenas queria terminar o processo mais rápido.
Sem aceitar a ajuda de John ou dos cavalariços, ela montou seu animal com
uma elegância e agilidade impressionantes. Tentei segurar a vontade de usar meu
chicote para bater nos rapazes, que a encaravam com admiração, como se ela já
fosse a dona da casa.
George havia nascido em Rosebery Hill e, desde que era um potro, foi
treinado para entender meus comandos específicos, já que eu não podia apertar
meus calcanhares contra seu estômago. Ele fora criado para mim, porém, tinha
uma personalidade própria Sem que eu o tivesse ordenado, ele seguiu Charlotte,
até alcançá-la.
— Então, o que era tão urgente? — questionei quando estávamos lado a lado.
Aquilo fez meu humor mudar cento e oitenta graus; de animado, fiquei
extremamente preocupado. Tia Julia teve sua parcela de sofrimento na vida. No
mesmo dia em que meus pais morreram, seu marido, o Sr. Duncan, sofreu um
acidente bizarro, e acabou morrendo também.
— Não — ela engoliu em seco e, de repente, dei-me conta de que tinha algo
a ver com o medalhão. — Ela também foi vítima do seu pai.
***
À medida que ela foi descrevendo sua visão mais recente, senti-me
diminuindo, mais e mais, até ser apenas aquele garoto inocente que achava seu
pai um herói, e sua mãe a mulher mais maravilhosa do mundo. Como eu não
havia notado isso? Quando eles morreram, eu tinha doze anos, já era grandinho o
suficiente para notar que havia algo de errado!
Aí, lembrei-me de algo. Eu era tão apegado às minhas lembranças felizes que
evitava pensar que nem tudo era um mar de rosas. A tarde do acidente, por
exemplo. Eu os ouvi brigando. Não me recordo a quem pertenciam as vozes,
mas havia gritos, e ofensas, e ameaças.
Havia sentido mãos sobre meus ombros; era a minha irmã Claire, com um
sorriso gentil, e tristeza nos olhos. Patrick estava ao seu lado, pálido e
preocupado. Eles me dirigiram até a parte de fora da casa. Os Duncan estavam
em nossa casa. Sim, foi o Sr. Duncan quem chegara primeiro, seguido da esposa
e do filho. Tínhamos um jantar naquela noite em Crawford Hall, porém, por
alguma razão, eles haviam nos visitado.
— Arrasada — ela admitiu. Parou seu cavalo, e puxou as rédeas do meu para
que eu fizesse o mesmo. Tirou o chapéu, revelando olhos marejados. — Por
outro lado, senti que ela ficou aliviada por alguém ter escutado sua história. Sem
julgamentos.
Segundo ela própria relatou, aquela foi sua visão mais traumática, mais
violenta, e minha tia tinha sido uma grande heroína. Como poderia agora falar
do terrível crime que ela havia sofrido como se ela própria fosse a culpada de tê-
lo causado?
— Eu sei que é cruel, Lorde Devon — ela enfim disse, sua voz tão trêmula
quanto suas pequenas mãos. — E fico muito satisfeita que também o saiba. Mas
essa é a realidade dos nossos tempos. Mesmo quando somos as vítimas, os
homens acham um jeito de nos culpar.
Ah. Agora eu entendia. Ela queria se certificar de que eu era o que ela
considerava exceção, não regra. Com que tipo de cavalheiro ela havia lidado, se
achava que crápulas como meu pai eram a regra?
— Não exagero. Como eu disse antes, é cruel, Lorde Devon. Porém, é isso
que é ser mulher. É precisar se calar quando teríamos o direito de berrar. É ser
humano, mas ser tratada como propriedade. É ser inteligente, mas precisar se
fingir de tola para conquistar cavalheiros. É brutal, injusto e, muitas vezes,
violento.
Calei-me. O que dizer depois daquilo tudo? Charlotte não apenas havia
mudado a forma como eu me sentia, os motivos que me levavam a sair da cama
todos os dias; ela havia alterado a maneira como eu enxergava o mundo,
virando-o do avesso. Eu jamais pensei como era a sociedade para uma dama.
Jamais me dei ao trabalho.
Uma mulher que precisava dar pisões em pés e chutar virilhas para manter
sua reputação intacta. Que era julgada e ridicularizada como solteirona por se
recusar a casar com alguém que não amava. Que era ignorada quando
demonstrava mais inteligência e perspicácia que os cavalheiros à sua volta.
— Por que ela não disse nada à mamãe? Era a melhor amiga dela! Como
pôde deixá-la se casar com um monstro?
— Ela me contou que tentou alertar sua mãe várias vezes. Porém, sua mãe
estava muito apaixonada.
— O sangue de sua mãe também corre em suas veias, Richard. E ela era
adorável.
Coloquei a minha mão sobre a dela. Ela não a tirou, apenas me encarou com
aqueles belos olhos que pareciam perfurar a minha alma com tanta intensidade.
— É a segunda vez que me chama pelo primeiro nome. Acho que gosto.
Quando ele entrou em galope, senti a sela movendo sob mim. Isso não era
nada bom. Continuei escorregando, e caí de uma vez. Apenas consegui gritar
uma palavra antes do meu corpo chocar-se contra o gramado.
— Charlotte!
***
Capítulo 20
CHARLOTTE
Corri até ele, repetindo seu nome, mas ele não se moveu.
Não sabia muito bem o que fazer. Balancei seus ombros, mas ele não
acordou; pelo menos, estava respirando, e senti seu coração batendo forte sob a
minha palma. Toquei em alguns pontos de seu corpo, aqueles que tinham
recebido o maior impacto. Não era uma especialista, porém, com três irmãos
mais novos, havia aprendido a verificar fraturas sérias e ossos quebrados. Não
parecia ser o caso de Lorde Devon, felizmente.
Passei os dedos pelo seu couro cabeludo, tentando ignorar como seus cabelos
eram sedosos. Senti um galo se formando acima de sua nuca. Poderia ser o
ferimento responsável por ele estar desacordado. Seu casaco tinha um furo no
cotovelo direito, que ele provavelmente usara para diminuir os danos do
impacto, e a palma de sua mão direita tinha arranhaduras superficiais.
— Oh, não! Mamãe vai me matar se souber o que fiz ao meu noivo!
— Seu tolo! Por que não falou nada antes? — acusei-o. Não era certo deixar
uma dama no estado em que eu estava.
Maldito homem! Ele era feito de rocha? Tentei fingir que não sentira os
músculos de seus ombros e de seus braços enquanto tentava achar uma maneira
de segurá-lo, porém, minhas mãos sensíveis sentiram tudo – e tiraram bom
proveito, já que o cavalheiro em questão era incapaz de tomar qualquer atitude
minimamente devassa.
Oh, não. Oh, céus. Não queria chorar – de novo – na frente dele, porém,
minhas lágrimas surgiram em meus olhos como pequenas rebeldes decididas a
fugir de sua prisão. Senti-as descendo pelas minhas bochechas e, ao tentar
esconder a minha face, ele a segurou com suas mãos.
Inclinei de forma que meu rosto estivesse sobre o dele, que permanecia
deitado sobre a grama.
— Como não? A culpa foi minha! Eu não afivelei sua sela direito.
— Ai!
***
Não que eu tivesse do que reclamar sobre conforto: ele havia me acolhido
em seu ombro esquerdo, e seu braço intacto estava em volta da minha cintura.
Era uma posição bem íntima para estar com ele, porém, já pensava em meu
próximo passo.
— Meu cavalo é treinado para esse tipo de situação. Ele vai até Rosebery
Hill e vão saber que preciso de ajuda.
Céus, como ele era lento para entender questões de cavalheiros e damas?
Não entendia nada de sedução?
— Charlotte...
Já que ele simplesmente não agia, comecei a fazê-lo. A mão que estava sobre
seu coração subiu, tocando sua clavícula, seu pescoço, seu queixo e, finalmente,
alcançando seus lábios. Tracei os contornos de sua boca com as pontas dos
dedos.
Toda dama tinha seu limite, e cheguei ao meu naquele momento. Saí de seu
abraço, plantando as mãos no chão, de cada lado de sua cabeça, e meus joelhos
nas laterais do seu quadril, deixando meu corpo alinhado ao dele, sentada sobre
ele e inclinada para a frente.
— Não está fazendo seu melhor trabalho. Ofender-me vai produzir o efeito
oposto.
***
Capítulo 21
RICHARD
— Não está fazendo seu melhor trabalho. Ofender-me vai produzir o efeito
oposto.
Senti a calidez que emanava dela, senti sua necessidade, que refletia a minha,
ainda assim, não consegui reagir quando ela eliminou a distância entre nossos
lábios.
Ela vinha me ameaçando com um beijo, seja com palavras diretas, com
sorrisos travessos ou com olhares repletos de desejo. Ainda assim, não acreditei
que fosse de fato fazê-lo. E, agora que ela o havia iniciado, eu sabia que não
teria forças de me separar dela.
Apenas de imaginar que outro cavalheiro poderia beijá-la daquele jeito, achei
que fosse enlouquecer. Havia uma necessidade irracional e primitiva de estragá-
la para todos os homens, de fazê-la desejar apenas a mim e o nosso beijo.
O que não fazia qualquer sentido, já que eu sabia que não poderia ficar com
ela. O que posso dizer? Nem sempre as boas intenções ficam firmes em um
momento daqueles, em que o sangue esvai-se da nossa cabeça e viaja para outras
partes do corpo...
Quando espalmei uma das mãos por cima do seu seio, sua resposta foi
inclinar-se ainda mais para perto de mim, colocando-o firmemente em minha
mão felizarda. Rocei seu mamilo através do vestido, sentindo-o retesar sob meus
dedos.
Assim como eu, Charlotte precisava de mais. Assim como eu, ela queria
tudo.
Enquanto meus lábios baixavam para sua clavícula, tracei espirais com meu
dedo em volta de seu mamilo, que se tornara uma pontinha dura que eu mal
podia esperar para explorar com os lábios.
As coxas dela pressionaram meu quadril, e a minha outra mão foi para suas
costas, que estavam tensas. Com a mão livre, baixei seu corpete, até revelar um
dos seios, e precisei afastar meu rosto de sua pele para admirá-la.
Céus, como ela era linda, sentada sobre mim, os olhos observando tudo o que
eu fazia, o rosto corado de paixão. Ela não estava embaraçada, e senti uma
sensação de posse tomando conta de mim ao ver a confiança plena em seus
olhos.
O que não fez, entretanto, foi sair do meu colo, então ainda estávamos em
uma posição bastante comprometedora quando Patrick entrou no meu campo de
visão.
***
— Agora sou Lorde Devon novamente? — sabia que não era hora de
provocá-la, mas não consegui resistir.
Era com isso que ela estava preocupada, depois da cena que ele
testemunhara?
— Damas não gritam, Sr. Duncan, apenas falam firme! — Ela o repreendeu.
Aos berros, que fique de registro.
Com isso, ela nos deixou teatralmente, batendo os pequenos pés no gramado,
a boca praticamente espumando de raiva.
***
Patrick recuperou-se da discussão absurda antes que eu. Porém, não era ele
que estava beijando a mulher mais linda do Reino Unido momentos antes. Eu
ainda lutava para disfarçar a ereção que continuava pulsante entre minhas
pernas.
— Richard...
Eu conhecia aquele tom. Era o tom que Patrick usava quando queria me dar
um conselho, quando não concordava com algo que eu fazia. E eu sabia
exatamente o que ele estava prestes a dizer. Era exatamente o que eu desejava
ouvir; exatamente por esse motivo, decidi cortá-lo.
— Vou dizer sim! Sabe que uma mulher dessas não aparece duas vezes na
nossa vida, não? Já tem sorte dela sequer ter aparecido!
Eu sabia, maldição! Queria nunca tê-la conhecido! Queria não saber que uma
mulher como ela existia. Era cruel saber que alguém que me fazia tão feliz, me
deixava tão vivo (em vários sentidos), não poderia ser minha. Era como se o
destino quisesse me pregar mais uma peça, exibindo para mim o que eu jamais
poderia ter ao meu lado.
— Talvez, ela não considere ficar ao seu lado um infortúnio, Rick — ele
comentou, como se pudesse escutar meus pensamentos.
Ela não sabia como ficávamos isolados no inverno, ou como eu era difícil
viajar além dos limites do vilarejo, ou como eu podia ser difícil depois de meses
preso em casa pelas nevascas.
— Chega!
Eu estava tentando agir da forma certa! Queria que ela tivesse mais! Ela
merecia mais.
— Você a ama?
Ele fez a questão que eu temia. A questão que meu coração já havia
respondido, mas eu não tivera ainda coragem de anunciar em voz alta. Não
adiantava mentir. Não para Patrick.
— Por que acha que não posso deixar que ela fique? Não desejo sua
infelicidade, muito menos que fique presa a mim, a esta casa.
Respirei fundo. Eu estava fazendo a coisa certa, disse a mim mesmo. Ela
sofreria agora, mas encontraria alguém melhor.
— É muito arrogante se acha que sabe mais do que a dama o que é melhor
para ela.
***
Outubro, 1816
Capítulo 22
CHARLOTTE
Era o primeiro dia de um novo mês. E o que havia acontecido desde que tomei
a iniciativa de beijar Lorde Devon?
Pensei que, pelo menos, ele admitiria seus claros sentimentos por mim!
Quando eu o encarava, ele desviava o olhar. Quando sorria para ele, ele
mantinha-se sério. E o maldito teve até mesmo a audácia de trancar-se no quarto
à noite! Lorde Richard Devon deveria ser eleito o pior devasso de todos os
tempos!
Para piorar, a data de chegada de mamãe estava cada vez mais próxima. Eu
esperava já ter transformado meu noivado de mentirinha em um noivado de
verdade a essa altura. Mas nada. Meu suposto noivo era mais lerdo que uma
tartaruga, e não tinha nada a ver com a sua inabilidade de mover as pernas.
Apesar dele ter estupidamente estragado a minha melhor chance com Lorde
Devon, nos últimos dias ele estava tentando compensar seu erro. Buscava formas
de nos deixar a sós o tempo inteiro; todavia, Lorde Devon se provou mais
esperto com ele, sempre prevendo seus movimentos.
Ele sentou-se ao meu lado, tentando ler o papel por cima do meu ombro.
Gostava muito de Patrick, mas, por vezes, ele era um tanto quanto indiscreto.
Eu jamais me meteria em questões pessoais dos outros assim. Se havia algo que
eu respeitava, era a privacidade alheia.
— Ah.
— Sei.
— Posso perguntar por que a senhorita vai enviar cartas para eles?
— Claro que não! Todos eles mereceram ser maltratados! Porém, tenho que
acabar com essa maldição.
— Perdão?
— Não é óbvio?
— Não.
Céus, como sentia falta das minhas irmãs. Elas me entenderiam de primeira.
E, se não tivessem ideia do que eu estava falando, pelo menos fariam o favor de
fingir que me compreendiam, ao invés de me encherem de perguntas tolas.
— Charlotte, na realidade...
Ele tocou meu braço, e não usava luva. Foi a primeira vez que a pele dele
tocou a minha. Senti algo perpassando meu corpo, como se eu tivesse viajando
pelo tempo, pelo espaço, para o infinito. Quando dei por mim, ele me encarava,
o olhar preocupado.
E, atrás dele, vi alguém se movendo. Não sabia por que razão, ou sequer
quem era o rapaz que corria desesperadamente, mas tinha certeza de que deveria
segui-lo.
***
O rapaz.
Ele corria tão rápido, mas não era como se fugisse de algo, e sim como se
estivesse buscando alguma coisa desesperadamente, como se soubesse que
alguém precisava de sua ajuda.
Corri pelos bosques, sem destino, sem saber para me dirigia, sendo guiada
por um rapaz que jamais havia visto, mas que era, ao mesmo tempo,
estranhamente familiar. Cabelos cacheados e castanho-claros voavam atrás dele.
Quando ele olhou para trás, notei que seus olhos eram castanhos, do mesmo
tom que aqueles de Lorde Devon e Patrick. Porém, o que quase fez meu coração
parar foi o fato de que, apesar de olhar diretamente na minha direção, o rapaz
não havia me visto. Foi naquele instante que percebi: ele era uma visão.
Até o rapaz fazer a pergunta, nem havia reparado na mulher que estava
parada à beira da estrada, lágrimas rolando pelo seu rosto, seu vestido com as
barras molhadas.
Sem querer ver para o que ela apontava, contudo, sem conseguir conter a
curiosidade, aproximei-me da beirada, e olhei.
— Eu... Eu...
O que deveria dizer a ele? Como poderia explicar? Poderia confiar nele?
Afinal de contas, ele e a mãe estavam presentes durante o acidente.
***
Capítulo 23
CHARLOTTE
Fui ensinada a sempre tentar ver o copo meio cheio. Naquele momento,
contudo, era impossível fazê-lo. Mamãe havia chegado antes de eu conseguir
terminar a minha missão com Lorde Devon, enquanto que Patrick me encarava
como se mal pudesse esperar para me encurralar sozinha e fazer um verdadeiro
interrogatório sobre o que se passara na estrada em que perdeu os tios de
consideração e a moça a quem estava prometido.
Seu comentário implicava que ela acreditava que ele não estava fazendo um
bom trabalho.
— Não sou... — Patrick tentou falar, mas claro que Lady Morgan não
permitiu que ele se explicasse.
Pobre Patrick! Sequer era ele quem estava falsamente noivo de mim! E ainda
tinha que ouvir desaforos desmerecidamente! Eu jamais trataria alguém de forma
tão mal-educada! A menos que a pessoa justificasse a minha fúria com alguma
tolice, claro.
— É solteiro?
Quanta humilhação!
— Que foi? Ainda tenho duas filhas solteiras — ela falou para mim, em
seguida, voltou seu olhar para Patrick. — E muito atraentes.
— Tem que casar esta aqui antes — apontei para a minha própria pessoa.
Eu amava mamãe profundamente, mas como era difícil ser filha de Lady
Morgan!
— Você está encaminhada, querida. Já virei a página — mais uma vez, assim
que terminou seu pequeno discurso, ela retornou o foco para Patrick. — Então,
Sr. Duncan, está comprometido com alguma dama?
Que tolo! Não percebia que, quanto mais ele sorrisse e fosse gentil, pior ela
ficaria? Mamãe era uma força da natureza, como um rio bravo, que passava
pelos caminhos mais tortuosos, furava a mais dura das rochas, vencia a maior
das barreiras.
— Que ótima notícia! Posso lhe garantir que Rose e Alice são excelentes
partidos!
— Mamãe!
— Porém, se procura alguém mais discreta, devo sugerir Rose. Que menina
maravilhosa. E muito bonita também.
Ótimo. Eu ainda teria tempo para explicar a ela sobre a condição de Lorde
Devon.
— Mamãe, preciso lhe falar algo sobre Lorde Devon — segurei sua mão,
mas ela se liberou de mim e desceu da carruagem com a ajuda do Sr. Clayton,
que veio correndo auxiliá-la ao notar nossa aproximação.
O pobre Sr. Clayton foi praticamente arrastado enquanto ela o guiava para
dentro da propriedade, como se fosse Lady Devon, a proprietária de Rosebery
Hill. Onde estavam seus modos, para invadir a casa dos outros de maneira tão
abrupta?
— Céus, é tão difícil falar com ela... — comentei baixinho, enquanto Patrick
me ajudava a descer do coche.
***
— Ficarei onde meus filhos ficarem — ela replicou, encarando Lorde Devon
em seguida, esperando que ele se levantasse para cumprimentá-la, ficando
claramente irritada com sua demora.
Ele deu a volta na escrivaninha e mamãe enfim percebeu que ele não
cometera qualquer gafe.
— Sim, senhora.
— Obrigado.
— Agradeço a gentileza.
— E essa beldade deve ser a sua tia! — Mamãe quebrou o clima estranho.
— Será um prazer tê-la conosco, Lady Morgan. Pelo tempo que desejar.
Três pares de olhos encaravam mamãe com admiração. Oh, céus, ela os tinha
na palma de sua mão. Eu e Frederick estávamos sozinhos naquela. Dei uma
cotovelada na costela dele, incentivando-o a consertar aquela confusão de
proporções napoleônicas.
— Mamãe, talvez fosse melhor ficarmos hospedados em Crawford Hall.
— Que excelente ideia, Fred! Lady Hamilton adora a sua companhia, mamãe
— corroborei com o comentário do meu irmão.
Mamãe bateu sua bengala três vezes no chão, o suficiente para nos calar e
fazer-nos encolher de temor. Notei que os demais ocupantes do cômodo estavam
achando a situação cômica.
— Mamãe, eu...
***
Capítulo 24
CHARLOTTE
Eu precisava dizer tanto a Lorde Devon: sobre mamãe, sobre nosso falso
noivado, e, acima de tudo, sobre Patrick e sua tia.
— Por que eu faria isso com a minha futura sogra, Charlotte? — ele
comentou entredentes, e notei como enfatizou a palavra sogra, já que, apesar
daquele circo ser uma farsa, seus criados não tinham conhecimento da mentira.
— Posso ajudá-la com alguma coisa, Charlotte? Além de planos para apagar
Lady Morgan?
— Charlotte, o que...
— Ele não estava sozinho, Lorde Devon. Sua tia estava com ele.
— Tia Julia?
E fora isso que havia levantado minhas suspeitas. Desde sempre, Lorde
Devon sabia da presença de seu melhor amigo no acidente. Ele não se recordava
precisamente do primo o salvando, apenas se lembrava de ter gritado por ajuda e
alguém tê-lo tirado dos escombros. Posteriormente, soube que seu salvador havia
sido Patrick, o rapaz prometido à sua irmã.
— Eu tenho certeza de que há uma explicação para tia Julia estar lá,
Charlotte.
— Não sei. Porém, ela deve ter suas razões — ele reforçou o argumento.
— A senhorita não vai fazer nada. Esta é uma questão de família, Charlotte
— apesar das palavras rudes, o tom dele ficou ligeiramente mais gentil. — Sei
que deseja ajudar, mas esse é um tema bastante sensível para todos nós.
— Eu entendo.
E, de uma certa forma, entendia mesmo. Eu não estava aqui mais de uma
década antes, quando tudo ocorreu. Muito menos conhecia com profundidade a
relação entre Lorde Devon e sua tia de consideração. Talvez, ele soubesse mais
do que desejava me contar sobre o acidente. Eu não o julgaria por isso.
Por outro lado, sabia que Lorde Devon tinha razão. Aquilo estava fora de
controle. Era uma questão extremamente sensível. Ainda assim, será que ele
havia desistido de descobrir o que acontecera?
Foi naquele momento que eu decidi: ele precisava da verdade. Talvez ele não
tivesse se dado conta daquilo, mas era o que ele merecia, era o que Lady
Margaret Devon desejaria para ele: que fosse revelado ao seu filho os segredos
que rodeavam sua morte.
***
Pela primeira vez em muitos dias, a Sra. Duncan desceu para jantar conosco.
E eu tinha certeza de que era graças à presença de mamãe. Ela estava até um
pouco mais relaxada comigo, fazendo algumas perguntas e rindo dos meus
comentários.
Frederick já havia sido enxotado para Crawford Hall: não que ele tivesse
ficado sentido de ter que voltar a dormir ao lado da esposa. Mamãe também
fizera questão de ser apresentada a todos os criados da propriedade, e havia
conseguido tal proeza em apenas uma tarde.
Pelo menos, a tensão em que estivemos desde sua chegada havia se dissipado
àquela altura. Claro que o clima ameno não duraria muito. Era impossível falar
apenas sobre amenidades quando Lady Morgan estava no recinto.
Estava na metade de minha sopa de cenoura, no entanto, sabia que não iria
terminá-la agora. Conhecia o tom de Lady Morgan: ela queria comunicar algo
que considerava importante, e provavelmente não era uma questão tão simples
quanto uma mudança de quartos.
Céus, como pude ter sido tão estúpida? Eu jamais deveria ter permitido que
ela fizesse os arranjos do quarto com a Sra. Duncan. Eu deveria estar presente
enquanto ela escolhia os aposentos onde ficaria.
Ele precisava se impor: se desse uma gota sequer de poder à mamãe, não
mandaria mais em sua própria casa. Enquanto estivesse ali, todos obedeceriam
às exigências de Lady Morgan se ele assim o permitisse. Ele tinha que ser forte;
precisava ser firme.
Devo comentar que sua tia estava com a expressão pacífica, como se já
considerasse a nova amiga a dona da casa, enquanto que Patrick estava usando o
guardanapo para esconder o sorriso.
— Sei...
— Acho que rezar não adiantará muito, Lotty. Precisa praticar com seu noivo
para gerar filhos.
Até a Sra. Duncan estava rindo agora, e juro que senti ondas do mais puro
ódio vindos da Sra. Jones. A mulher me adorava, óbvio, sempre rezava quando
estava próxima a mim, provavelmente torcendo para que eu e seu patrão nos
casássemos logo. Porém, temia que ela agora deixasse de me admirar, depois de
ouvir os absurdos que mamãe dizia.
***
Capítulo 25
RICHARD
Usava o mesmo roupão da primeira vez que aparecera nos meus aposentos
no meio da noite. Pelo menos, ele estava bem fechado agora, impedindo que eu
visse a chemise quase transparente que provavelmente usava por baixo. Senti um
misto de alívio e decepção.
Caminhou cabisbaixa até a cama, e eu bati de leve no colchão, para que ela
se sentasse em seu lugar de costume.
— Eu sinto muito pela minha mãe, Lorde Devon — ela enfim disse, em um
tom tão baixo que era praticamente um sussurro.
Havia tanta tristeza em sua voz que eu senti meu peito me sufocando. Não
queria vê-la assim, parecendo derrotada. Decidi provocá-la para tentar puxar um
pouco daquela energia que eu tanto admirava.
— Eu poderia dizer que não é culpa sua, mas seria uma mentira, não?
Era melhor uma Charlotte impaciente que uma Charlotte sem ânimo.
— A mentir para damas a fim de deixá-las satisfeitas, Lorde Devon!
Segurei sua mão, tentando consolá-la com aquele toque. Não poderia chegar
um milímetro sequer mais perto, senão meu fraco controle ruiria de vez.
— Acho que nem mesmo o rei da Inglaterra seria capaz de negar qualquer
pedido de Lady Morgan, Charlotte.
Era engraçado como a irritação fazia Charlotte brilhar tanto quanto a alegria.
Ela havia entrado em meu quarto murcha, desanimada, e agora já parecia uma
flor no meio da primavera.
— O que faremos agora, Lorde Devon? Mamãe acha que vamos nos casar
em outubro, e eu já desisti de conquistá-lo!
Fingi uma expressão de neutralidade, mas, por dentro, uma parte de mim
morreu quando ela disse que havia desistido de mim. Não era isso que eu queria,
no fim das contas? Que ela ficasse com alguém que pudesse fazê-la feliz?
Você pode fazê-la feliz, Richard, uma voz incômoda sussurrou nas
profundezas da minha mente e do meu coração.
— Esta é a nossa realidade: ou o senhor enfim aceita que há algo entre nós,
ou precisaremos acabar com essa farsa.
— Não nego que haja... Muito entre nós, Charlotte. Mas sabe por que não
posso.
— Mas...
— Para um cavalheiro tão inteligente, o senhor pode ser o maior tolo da face
da Terra, às vezes...
Ela tinha razão. Maldição, ela tinha razão. Eu a desejava. Ela me desejava.
Nós tínhamos sido feitos para aquele momento, para estarmos juntos, para
compartilharmos sentimentos que jamais conseguimos dividir com outras
pessoas.
Segurei seu pulso e ela, no susto, voltou a me encarar. Seus olhos devem ter
visto o que eu estava prestes a fazer, pois seus lábios macios se repuxaram em
um sorriso travesso.
— Finalmente, Richard.
***
Ela ainda sorria quando os meus lábios encontraram os dela. Não lhe dei
tempo de continuar a falar. Não me dei tempo para pensar. Decidi seguir o meu
coração e o desejo que via nos olhos dela sempre que suas esmeraldas estavam
dirigidas a mim.
Podia não sentir minhas pernas, mas minhas entranhas estava pegando fogo.
Era como se lava estivesse correndo pelas minhas veias no lugar de sangue,
como se meu coração estivesse sendo alimentado por fogo e ardor. Entre um
beijo e outro, surpreendi-me ao ouvir minha voz ecoando meus pensamentos:
— O que fez, Lotty? — Minha voz estava profunda e rouca e meu tom mal
passava de um murmúrio.
— Apertei minhas coxas na sela. O pobre cavalo deve ter ficado com dores
por dias! — Ela gargalhou com a lembrança, e a visão dela sorrindo apenas me
deixou mais excitado.
Passei os dedos por suas clavículas, agora descobertas, e retornei minha boca
no instante em que ela parou de rir.
Ela partiu os lábios, abrindo-se para a minha invasão. Explorei sua boca, ao
mesmo tempo em que deixava todo o meu peso sobre ela, afundando-a ainda
mais no colchão. Precisava dos meus braços livres para explorar seu corpo como
fazia com seus lábios.
Ouvir ela pronunciando meu nome foi como o segundo anterior à erupção de
um vulcão: nós estávamos envolvidos em um torpor de desejo e paixão, e agora
eu libertaria meus últimos pedaços de autocontrole.
Uma das minhas mãos foi até seu calcanhar, enquanto meus lábios libertaram
os dela, baixando para o seu queixo, mordiscando sua orelha, lambendo sua
clavícula. À medida que minha mão subia por sua perna, meus lábios desciam
em direção aos seus seios.
Ela ainda usava a chemise, mas era fina, e não havia nada por baixo. Eu
usava uma peça parecida, que tampouco restringia meus movimentos ou meus
sentidos. Ao mesmo tempo em que meus lábios abocanharam um mamilo, meus
dedos alcançaram sua intimidade.
Ela estava úmida. Céus, como ela estava úmida quando meus dedos
deslizaram para dentro dela.
— Rick, por favor, Rick... — como eu desejara ouvi-la se dirigindo a mim
daquela forma.
Passei minha atenção para o outro seio, fazendo círculos em seu ponto
sensível com um dedo, enquanto o outro enterrava-se nela e saía, em um ritmo
frenético.
***
Capítulo 26
CHARLOTTE
Aquilo foi sonho ou realidade? Apenas sei que senti meu corpo inteiro
formigando, ficando tenso e, quando achei que meu coração iria explodir, veio o
alívio. Foi como ir do desespero absoluto à satisfação plena.
***
Não tinha ideia de que horas eram quando despertei novamente. Richard
dormia profundamente, virado para mim, um braço em volta da minha cintura, o
outro sob sua cabeça, apoiando-a, como se ele estivesse me observando antes de
ser levado pelo sono.
Não era inverno ainda, mas eu, acostumada ao clima de Kent, considerava o
outono escocês demasiado frio. Bem devagar, para não acordá-lo, saí de seu
abraço, e fui alimentar a lareira.
Seu rosto parecia angelical, mesmo com a cicatriz, e eu podia jurar que havia
uma curvatura nos lábios dele, indicando que sorria. Esperava que ele estivesse
sonhando comigo.
O medalhão.
***
Ele não esperou pela minha resposta ou a do Sr. Clayton. Foi em busca de
papai, que provavelmente se encontrava em seu escritório. Momentos depois,
ouvi-o gritar com meu pai, que deve ter fechado a porta do escritório, pois os
sons ficaram abafados.
O som de passos fez que eu me virasse. Patrick, o filho do Sr. Duncan, estava
atrás de mim, e sua mãe corria escadaria acima atrás dele.
— Depois explico. — Ele comentou com ela, olhando de esguelha para mim.
O que quer que fosse, ele não desejava discutir o assunto na minha frente. O
que significava que era algo bastante grave, pois Patrick costumava me contar
tudo.
— Precisamos falar com ele! O que ele vai fazer? — Mamãe gritou, e desceu
as escadas seguida pela Sra. Duncan. As duas choravam.
Quando meus pais entraram na cabine, meu coração estava mais leve, e
havia um sorriso em meu rosto bem parecido com o de minha irmã. Ela
continuou me distraindo enquanto a carruagem se dirigia a Crawford Hall.
Achei que estávamos indo rápido demais. Em geral, o cocheiro era bastante
cuidadoso durante o inverno, já que as estradas ficavam cobertas de gelo e
escorregadias. Porém, meu pai exigira que ele se apressasse, alegando que não
queria se atrasar para o jantar na casa dos Hamilton.
— Não!
***
Capítulo 27
RICHARD
Senti-me péssimo por não poder me levantar da cama sozinho para acudi-la,
confortá-la em meus braços, e garantir que ficaria tudo bem. Como se não me
reconhecesse, ela se arrastou até a porta que dava acesso ao quarto de John.
— Charlotte, sou eu, Richard — tentei deixar a voz mais calma, mais gentil.
— Está tudo bem. Foi só um pesadelo.
— Foi ela, Richard! — Ela apontou para tia Julia, no mesmo instante em que
John e Patrick entraram. — Foi ela quem causou o acidente!
— Do que está falando, Lotty? — Lady Morgan perguntou, mas minha tia e
seu filho entenderam imediatamente a sua acusação.
Senti a raiva subindo à minha cabeça, viajando pelas minhas veias,
atravessando o meu coração. Eu tinha pedido para ela não se meter mais naquele
assunto. E ela havia me traído.
— Minha tia não precisa explicar nada à senhorita — sem que pudesse me
controlar, meu tom ficou duro como aço. A raiva cálida fora substituída por um
ódio gélido, que me congelou por dentro. — Como já disse anteriormente, esta é
uma questão de família.
— Mas, Richard...
Charlotte saiu correndo do quarto, suas mãos cobrindo seu rosto. John e
Patrick foram atrás dela, ambos me dirigindo olhares de decepção. Até parecia
que eu era o mentiroso da história! Que eu era quem prometia coisas que não
cumpria! Que era eu o responsável por gerar todo aquele desconforto na minha
família.
— O senhor fica repetindo que este noivado não é verdadeiro, Lorde Devon
— ela comentou quando parei de falar.
— Então o senhor é ainda mais idiota que supus — ela disse, e retirou-se do
aposento.
Maldição! Não acreditava que havia sido ofendido em minha própria casa
por duas Morgan! Não havia um pingo sequer de etiqueta naquelas mulheres.
***
— Charlotte deve ter lhe contado sobre o que seu pai fez a mim.
Como Charlotte previra, tia Julia considerava-se culpada até mesmo por ser a
vítima do monstro que meu pai era. Ela disse aquelas palavras cabisbaixa, como
se fora ela quem havia cometido um terrível crime.
— Sim, tia.
— Porém, o que ela não sabe é que eu fiquei grávida naquela noite.
— Céus!
Com apenas uma frase, ela mudou meu mundo: as injustiça que aquela
mulher sofreu foram muito maiores do que eu imaginara. O que ela acabara de
me dizer, o que ela acabara de revelar era que Patrick era o filho mais velho de
Lorde Elias Devon, não eu!
Era ele quem deveria ter herdade seu título e posses, não eu! Patrick perdera
todos os direitos que deveria ter adquirido com o nascimento por causa de um
detalhe tolo: sua mãe não era casada com Lorde Elias Devon.
Agora entendia por que Patrick cuidava de mim como se eu fosse seu irmão
caçula. Eu era.
— Por isso não quis lhe contar nada, Rick. Jamais desejei que odiasse seu
pai.
Não me lembrava do que havia acontecido, com quem ele havia falado, mas
Charlotte parecia saber o suficiente para acreditar que a morte dele estava
relacionada ao acidente da carruagem.
— Foi isso que o Sr. Duncan descobriu naquele dia, tia? Quem era o
verdadeiro pai de Patrick?
— Exato. Porém, tive que admitir a verdade sobre o parentesco dele para
convencê-lo a não se casar com Claire.
— E foi assim que o Sr. Duncan descobriu que foi meu pai o monstro que a
atacou.
Foi naquele momento que eu percebi: sempre considerei que a minha perda
naquele dia havia sido maior que a dos Duncan. Porém, eles haviam perdido
tanto quanto eu. Ou até mais.
Tia Julia perdera seu marido, o amor de sua vida, e sua melhor amiga, que
ela se culpava por não ter conseguido persuadir a não se casar com o monstro do
meu pai.
Patrick perdeu tudo dobrado. Perdeu Claire duas vezes em um mesmo dia: a
primeira quando descobriu que não poderia se casar com a mulher por quem era
apaixonado. A segunda quando sua melhor amiga faleceu.
Ele perdeu também o pai que o criou, aquele que o amou como se fosse seu
filho de sangue, aquele que brigou por ele, e ficou com sua mãe apesar de viver
em uma sociedade que deixava uma mulher na situação dela à sua margem. E,
por mais que meu pai fosse um crápula, Patrick acabara de descobrir que ele era
seu verdadeiro pai, e o havia perdido horas depois.
—Durante a discussão com o seu pai, Will teve uma dor no peito e caiu no
chão. Ele ficou tão nervoso que teve um ataque cardíaco.
— E meu pai o deixou lá?
Céus, não havia limites para sua falta de escrúpulos? Ele não podia fazer a
coisa certa nem quando o Sr. Duncan morreu? Apenas o abandonou, para que a
esposa e o filho recolhessem os pedaços?
Eu não podia odiar mais o meu pai do que já odiava, isso era certo. E estava
convicto de que, independentemente da participação de tia Julia na morte da
minha família, eu não iria julgá-la. Eu queria saber de todos os detalhes, para ela
ficar segura de que eu a perdoava com todo o meu coração.
— Eu estava com tanta raiva do seu pai... Apenas saí correndo pelos
bosques. Queria parar o coche, queria lhe dizer tudo que jamais dissera, todas as
acusações que estavam presas em minha garganta.
— Sim.
— Tia, tudo isso é culpa do meu pai. Não se culpe, por favor.
Senti um alívio se apoderar de mim por ter acabado com aqueles mistérios
do passado, por ter deixado tudo às claras.
De certa forma, Charlotte tomara a decisão correta. O que eu não aceitava era
a sua traição para fazê-lo. Poderia ter me convencido a deixá-la usar o medalhão
mais uma vez. Ao invés disso, ela o fez pelas minhas costas.
— Eu sinto tanto, Rick — sua voz estava trêmula e fraca, e lágrimas desciam
descontroladamente pelo seu rosto adorável.
— O quê?
O que quer que fosse, eu faria de tudo para acabar com aquela dor. Tia Julia
já sofrera o bastante.
— Imaginar que você pode perder a mulher da sua vida por minha causa
também. Vá atrás dela, Rick. Por favor.
Respirei fundo. Não concordava com o que Charlotte fizera, mas todos
cometiam erros. Se eu não soubesse lidar com eles, faria o que sempre fiz:
empurraria as pessoas para longe e, em algum momento, mesmo Patrick e tia
Julia desistiriam de mim.
— Claro que tenho! E Lady Morgan também! Se não for atrás dela, é um
tolo.
— John! John! — gritei pelo meu criado, ao mesmo tempo em que notei,
pela janela do meu quarto, que estava amanhecendo. — Onde está Lady Morgan
e sua filha?
***
Capítulo 28
RICHARD
Se ainda não se deu conta de que ela o ama, sua inteligência é bastante
limitada. Porém, se finalmente percebeu o que deixou escapar por um orgulho
estúpido, envio-lhe, em anexo, as localizações e nomes de todos os
estabelecimentos em que pretendo parar durante a nossa viagem para lhe dar
tempo hábil de vir atrás dela.
Lady Morgan
***
Não resisti e sorri enquanto lia as palavras verdadeiras – mesmo que bastante
ofensivas – de Lady Morgan. Assim como ela, eu desejava que ela se tornasse a
minha futura sogra.
Aquela era uma família nada convencional, e era disso que eu precisava: ser
cercado de pessoas que enxergavam além do nosso tempo, além das minhas
limitações físicas, além dos pecados do meu pai.
Todos eles estavam reunidos com expectativa: era emocionante perceber que
todos nós em Rosebery Hill havíamos nos tornado uma família e, ao contrário do
que eu dissera a Charlotte, ela agora também fazia parte dela.
***
— Ah, a pobrezinha! Mal falou uma palavra, e passou o dia inteiro trancada
em seu quarto!
Se o senhor chegou até aqui é porque ainda tem alguma chance. Vá mais
depressa, seu inútil!
Lady Morgan.
— Ela não escreveu. Ela pediu para informar que o senhor, além de um tolo,
é o homem mais lerdo da Escócia — algumas pessoas que passavam pela
estalagem viraram-se para ver quem era o tolo da carruagem.
— Entendo.
Dei uma gorjeta ao senhor, que fez questão de gritar que a dama lhe dera
mais dinheiro, e saímos em disparada. Chegamos na última estalagem na
madrugada do dia seguinte, quando o sol começava a despontar no horizonte. Eu
não dormira um instante sequer; ainda assim, nunca me sentira tão acordado.
— Não precisaríamos passar por isso se não tivesse sido um completo tolo.
— Claro — o que fazer além de concordar? Não era hora de brigar com a
minha futura sogra, muito menos depois do que ela fizera por mim.
Não tinha ideia para o que ela estaria atrasada, porém, naquele momento,
minha prioridade era a filha dela. Ela indicou em que quarto a filha estava (por
sorte, ela escolhera aposentos no térreo) e eu juntei toda a minha coragem para
encarar a mulher que eu esperava ser a futura Lady Devon.
***
— Como sabia que nos encontraria aqui? — Ela questionou, tentando deixar
a voz firme. — Ah, mamãe.
— Sim.
Balancei a cabeça.
— Fui um tolo.
Não era hora para orgulho. Muito menos de dizer que ela também havia
errado, por mais que desejasse me ajudar. Era hora de baixar a minha guarda,
deixá-la confortável em minha presença, garantir que eu não a perderia para
sempre.
— Exato.
— Fique à vontade para me acusar, Lotty — ofereci, sabendo que ela estava
pronta para falar.
— Eu sei.
Temia que fosse tarde demais. Porém, eu estava decidido. Mesmo que ela me
negasse, eu continuaria pedindo, ainda que tivesse que seguir viagem até Kent.
— Juro que, se me perdoar desta vez, e aceitar ser Lady Devon, passarei o
resto dos meus dias compensando pelas tolices que fiz, Lotty.
— Vai me escutar?
— Sempre.
— Sim.
Puxei-a para o meu colo, meu braço rodeando sua cintura, a outra mão em
sua nuca, aproximando seu rosto do meu até que nossos lábios estivessem
roçando.
— Perfeito!
***
Capítulo 29
RICHARD
Qual era essa preocupação dela com atrasos? Eu pretendia passar a noite na
estalagem com a minha noiva. A sós!
— Mas...
— Quer ter netos ou não? — Ela perguntou para a mãe, mas seus olhos
travessos estavam focados em mim.
Puxei-a de volta para meu colo, e ela veio sem resistência. Ataquei seu
pescoço: precisava sentir seu cheiro, mordiscar sua pele, sentir sua veia pulsando
sob minha língua: ainda não estava acreditando que Charlotte seria minha.
Uma das minhas mãos procurou os botões de seu vestido em suas costas,
enquanto a outra viajava pelas curvas de seu traseiro.
Maldição, ela era perfeita. Usava agora apenas a chemise, meias de seda, e seus
sapatos. Minhas mãos estavam formigando para tocar suas coxas, seu traseiro
redondo, sua intimidade. Mas havia mais a tirar antes.
Minhas mãos foram aos seus quadris, levantando-se contra os meus. Quando
ela deu a entender que iríamos fazer amor no coche, temi frustrar suas
expectativas pela falta do movimento das pernas. Entretanto, meu corpo a
desejava tanto que ele próprio compensava o peso e, naquele instante, minha
limitação física não teve qualquer importância.
Enterrei meu rosto entre suas pernas, e ela fechou as coxas na minha cabeça
instintivamente, virando a cabeça para trás e gritando:
— Rick!
Levantei a cabeça quando percebi que ela estava chegando ao ápice, e recebi
um tapa na cabeça em reação.
— O que pensa que está fazendo? Volte! — Ela ordenou, deixando-me ainda
mais rijo com suas exigências sensuais.
Céus, seria difícil me controlar quando eu estivesse dentro dela: estava quase
explodindo de antecipação. Encarei-a e lhe dirigi um olhar devasso, ao mesmo
tempo em que introduzi um dedo dentro dela. Ela estava tão apertada, mas tão
pronta ao mesmo tempo.
Daquela vez, entretanto, eu não permitiria que ela caísse no sono. Usei os
braços para posicionar meu corpo novamente sobre ela, encaixando meu quadril
sobre o dela. Seus olhos esbugalharam-se quando ela sentiu minha rigidez
pulsante em sua abertura, e começou a tremer levemente.
Ela ainda tinha medo. Que eu a machucasse como meu maldito pai fez com
mamãe.
— Tem muito mais, meu amor — comentei, e, como se para provar meu
ponto, a carruagem voltou a mexer-se, ajudando-me a me mover dentro dela.
— Está doendo?
— Sim, mas... — ela fechou os olhos quando o veículo passou por mais um
buraco. — É tão bom também!
Gargalhei, tomando seus lábios nos meus. Não me mexi: nem precisei, a
carruagem o fez por mim. Apenas fiquei enterrado dentro dela, no meu paraíso,
esperando que ela se habituasse à minha presença.
Ela não precisou de muito tempo. Em alguns minutos, senti seu quadril
movendo-se, levantando-se, aproveitando o balançar da carruagem para me
encaixar melhor dentro dela. Em pouco tempo, estávamos os dois arfando,
gemendo juntos, gritando pelo nome um do outro.
***
Epílogo
Crawford Hall
Naquela tarde, Lady Hamilton não desejava nada além de tomar um chá com
biscoitos em sua sala íntima. O casamento de Charlotte e Lorde Devon fora
naquela mesma manhã, e os dias anteriores tinham sido bastante atarefados. Sua
amiga, no entanto, ainda estava agitada, então acabaram passeando pelos
bosques de Crawford Hall como ela havia solicitado.
— Tantas novidades nos últimos dois anos, não? — Lady Hamilton tentou
puxar assunto. Sua parceira estava estranhamente calada durante a caminhada.
— Minha Tessa e seu Frederick se casando, e seus filhos John e Charlotte
também! Está contente?
— Como não?
— Eu ainda tenho duas filhas para casar, e Lady Hamilton ainda tem
Caroline.
— Oh, é verdade. Mas será que Caroline está pronta para noivar de novo?
Desde que perdera o noivo, Caroline nunca mais fora a mesma. Não que ela
ainda estivesse de luto: já voltara a usar suas roupas e cores de costume nos
últimos meses. Entretanto, ainda havia uma tristeza profunda em seu olhar, que
parecia segui-la como uma sombra.
— Pfff. Claro que Caroline está pronta! Já faz mais de um ano! E eles sequer
eram casados!
Seu marido sempre criticava os planos de Lady Morgan, apenas para ter que
morder sua língua azeda quando eles acabavam funcionando. Talvez, nem
sempre tinham os resultados previstos, mas os objetivos eram alcançados de todo
modo. Ou seja, alguém acabava casado.
— O que há em Wales?
***
LANÇAMENTO EM BREVE:
O HERDEIRO DE WALES
SÉRIE HERDEIROS
LIVRO 2
Lady Caroline Hamilton não estava pronta para o amor. Não sabia se jamais
estaria. Ela escondia um terrível segredo e mal conseguia viver com ele. Como
poderia dividi-lo com outra pessoa? No entanto, sua mãe e a temível Lady
Morgan não queriam mais esperar: elas estavam determinadas a casá-la, e logo.
SÉRIE HERDEIROS 1
Desde pequeno, Sir Frederick Morgan tinha consciência de que, um dia, ele
se casaria com uma das filhas de Lorde Henry Hamilton, o melhor amigo de seu
pai. E ninguém melhor para o papel de sua esposa que Lady Caroline Hamilton.
Ela era respeitável e educada, com prestígio na sociedade inglesa, aprovada até
mesmo pela temida Lady Morgan.
Após ser aceito pela dama, Frederick descobre que precisará ser aprovado
também pela irmã de sua noiva, a impetuosa Tessa. Ao visitá-la na Escócia,
porém, ele se vê em uma encruzilhada. Conseguirá Frederick casar-se com a
mulher adequada para ele, mesmo que isso vá contra os desejos de seu coração?
LANÇAMENTO DA EDITORA PEDRAZUL EM 2019:
A ÚLTIMA CONDESSA
LIVRO 1
Ele está em um baile em Londres quando uma carta de seu vice-almirante lhe
ordena que retorne ao navio sob seu comando, o King George. Há rumores de
que Napoleão Bonaparte fugiu da Ilha de Elba, e a Marinha Real Britânica
precisa tomar as devidas precauções.
Após algumas noites em alto mar, Andrew e sua tripulação deparam com
uma forte tempestade, que afunda sua embarcação. Sem outra alternativa,
Andrew sobrevive ao flutuar sobre um pedaço de madeira até chegar ao litoral
de um lugar desconhecido.
Logo ele descobre que está em território francês, em uma ilha habitada
apenas por mulheres. Aos poucos, Andrew e seus companheiros vão percebendo
que há um grande segredo guardado ali, que aquelas damas são muito mais do
que aparentam.
Sem qualquer notícia de seus superiores, isolado naquele local ermo, Andrew
precisará escolher entre a lealdade a seu país e a paixão avassaladora pela bela e
misteriosa Amélie, o anjo que salvou sua vida.
TRECHO DE
Prólogo
Maio, 1814
A moça ao lado do herdeiro de Sir James Morgan era tão adorável quando as
flores que eles admiravam. Ela tinha olhos acinzentados e brilhantes, cabelos
castanho-claros e sedosos, que ficavam quase dourados sob o raro sol de
Londres. Seus lábios eram rosados, assim como as maçãs de seu rosto.
Não poderia ter achado uma pretendente melhor: Caroline era uma dama
exemplar, sem frescuras, prática e inteligente. Não precisaria de muitos rodeios
para completar a missão que ele se impusera naquela manhã, quando a convidou
para conversarem a sós no jardim.
— Desde que meu pai faleceu — ele começou, olhando intensamente para
ela —, tenho me dedicado ao máximo para merecer meu lugar como seu
sucessor.
— Tenho certeza de que seu pai teria muito orgulho do senhor— a moça
respondeu educadamente.
Agradava-lhe o fato de Caroline não ser afetada; seu elogio soava sincero, e
suas palavras pareciam desprovidas de exageros. O que ela dizia era o que de
fato sentia. Não queria meramente agradá-lo.
— Sim, papai sempre desejou que uma de nós se casasse com o senhor
também.
— Obrigada, Sir Frederick. — Ela lhe ofereceu um sorriso tímido, que ele
retribuiu.
— Creio que será uma esposa adequada e uma mãe dedicada. — Ele inspirou
profundamente, e continuou: — Considerando o exposto, gostaria de saber se
aceitaria casar-se comigo?
Ele engoliu em seco, mas recuperou-se rápido daquela vez. Como a mãe
acabara de dizer, aquele era um dos momentos mais significativos de sua vida, e
ele não permitiria que nem mesmo Lady Morgan o estragasse.
— Mamãe, por favor, Lady Caroline Hamilton ainda não respondeu à minha
questão — ele sabia que não seria eficaz usar um tom rude contra a mãe; apenas
a deixaria mais exaltada e menos propensa a retornar à casa. — Poderia nos
deixar a sós, por favor?
— Se eu prometer que vou refazer minha proposta à dama, vai nos deixar a
sós? — ele usou seu tom mais gentil.
Não funcionou.
— Se eu não escutasse, como saberia como a proposta foi feita, para contar a
respeito dela no baile de Mr. Jones esta noite? — Charlotte colocou as mãos na
cintura, desafiando-o.
— Não farei uma nova proposta se não nos deixarem a sós! — ele ameaçou
de volta, temendo que Caroline o rejeitasse pela loucura que era a sua família.
Céus, ele deveria ter feito aquela proposta na Escócia, longe dos Morgan. Era
possível que até seu irmão, John, estivesse assistindo à cena de algum lugar da
propriedade. Aquela tinha sido uma péssima ideia.
Ela tinha o grande defeito de ser uma daquelas damas que se pronunciava
sem ser questionada.
E foi assim que Sir Frederick Morgan, o herdeiro de Sir James Morgan, e
Lady Caroline Hamilton, a filha mais velha de Lorde Henry Hamilton, noivaram.