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Wilson Gomes
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Wilson Gomes
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Publicação original: GOMES, W. S. Apontamentos sobre o conceito de esfera pública política. In: Maia,
R. C. M.; Castro, M.C.P. (Org.). Mídia, esfera pública e identidades coletivas. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2006, p. 49-62.
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Soneto “À Cidade da Bahia”. O negrito é meu.
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Mesmo que a fala pública constantemente se mova da arte à vida privada dos
artistas e do governo à alcova de quem governa.
Eis que divisamos, então, a primeira acepção incluída na noção que estamos
analisando e que consiste na idéia de publicação, de exposição nos espaços
de sociabilidade, de conversa em público, de abertura. A expressão
Öffentlichkeit é desses substantivos derivados de adjetivos que se apresentam
como representando a propriedade comum a todos os entes que um específico
adjetivo distingue. Em português temos uma porção dessas expressões, como
a «publicidade» mesma, que pode ser entendida, dentre outros modos, como a
propriedade comum entre todas as coisas que são públicas. No caso, a
«Öffentlichkeit» vem do adjetivo öffentlich, que se traduz como “público” e
mantêm mais ou menos as mesmas acepções do termo em português: o que é
“comum a todos”, o “estatal” e o “notório”. Nesta perspectiva, a Öffentlichkeit é
basicamente a publicidade, entendida no sentido indicado pouco antes. Mas
«öffentlich», por sua vez, deriva obviamente de outro adjetivo mais elementar
que é offen (em inglês open), que significa “aberto”, enquanto o adjetivo
“público” se deriva do substantivo “povo”. Assim, há aqui uma espécie de
separação entre os dois termos que nos autoriza a imaginar que o território da
Öffentlichkeit seja mais metafórico do que a tradução por “publicidade” nos
permite distinguir. De fato, ao repousar, por fim, na idéia de populus, a noção
de publicidade revela as suas raízes republicanas, enquanto ao remeter, por
último, à idéia de Öffnen ou Öffnung, abertura, a Öffentlichkeit destaca o campo
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sempre do mesmo velho e bom enxerimento, pelo menos do ponto de vista dos
aristocratas aos quais de jeito algum agrada o fato de que a patuléia e uns
comerciantezinhos sem pedigree se metam a fuçar nos negócios políticos.
conhecida entre nós3. Na Alemanha mesma o tema não parece ter prosperado
de maneira decisiva e mesmo na Europa continental nos anos oitenta o debate
parecia ter-se esgotado. Até que em 1989 veio a tradução em língua inglesa do
livro dos anos 1960 e o debate reacendeu completamente (Calhoun 1992),
tornando-se então uma temática anglo-saxônica que surpreendeu até mesmo o
próprio Habermas (1990: 11).
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São bem conhecidos do público brasileiro dois dossiês franceses dos anos 90. Primeiro, o dossiê do
volume 4 da revista Hermes, de 1991, intitulado Le Nouvel Espace Public, com artigos importantes de
Jean-Marc Ferry (1991) e Dominique Wolton (1991), dentre outros. Depois, o vol. 18 da revista
Quaderni, em 1992, onde encontramos, entre outras coisas, a primeira tradução do famoso novo prefácio
de Habermas (1992) para a nova edição de 1990 de Strukturwandel der Öffentlichkeit.
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Não há dúvida quanto ao fato de o termo “esfera pública” ser bem apropriado
para traduzir a velha Öffentlichkeit iluminista e burguesa. Desde que ela venha
a ser entendida como a esfera ou o âmbito ou o domínio daquilo que é público.
Desconfio, entretanto, que a ela se tenha acrescentado uma dimensão
substantiva que desloca numa direção precisa – e nem sempre adequada - o
sentido do termo. Ainda é melhor falar de esfera pública do que de espaço
público, que é a expressão concorrente entre nós e a preferida dos franceses,
que é ainda mais substantiva, mas a esfera pública desliza da clássica (e, hoje
em dia, ambígua) “publicidade” na direção de uma materialidade determinada.
Assim, a Öffentlichkeit é a propriedade comum à aquilo que é disponível,
acessível, sem reservas, é a condição das coisas e fatos naquilo que neles é
aberto, visível, exposto. A esfera pública, entretanto, antes que o domínio a que
é pertinente tudo aquilo que é público, acaba sendo entendida como a arena
pública, o locus onde se processa a conversa aberta sobre os temas de
interesse comum, o espaço público. Em outros termos, a velha Öffentlichkeit é
a condição a que se submetem as coisas tratadas na praça e no terreiro, a
propriedade de abertura, de publicidade que caracteriza tais coisas nesta
circunstância, enquanto a esfera pública tende a ser compreendida como a
própria praça e o próprio terreiro onde as coisas são tratadas abertamente.
1. A idéia de esfera pública tem sido importante para se pensar uma dimensão
crucial da relação entre sociedade civil e sociedade política, a saber, a luta
conduzida pela cidadania para controlar cognitivamente a esfera onde se
produz a decisão política. Historicamente, primeiro os burgueses reivindicaram,
contra o modo aristocrático de condução da decisão política que se servia da
reserva e do segredo, a publicidade das coisas de concernência comum, ou
seja, o direito e a obrigação de se falar abertamente sobre os negócios do
Estado. Depois, quando os burgueses conquistam o Estado, estabelecem o
princípio de publicidade como norma de funcionamento do modo de produção
da decisão política no interior da sociedade política, através do modo
parlamentar, mas as constituições democráticas liberais não introduziram uma
exigência de publicidade para os negócios do Estado na esfera civil. Isso não
obstante, ao formar-se uma sociedade civil forte ao redor da sociedade política,
esta exigência de publicidade ainda que não formatada como norma jurídica
ganhou uma dimensão moral que foi conquistando adesões crescentes. A
publicidade dos negócios do Estado na sociedade civil, a esfera pública, torna-
se princípio importante, por exemplo, para a recente retomada da idéia de
democracia deliberativa. Vamos chamar essa dimensão, que é essencial ao
ethos democrático, de controle cognitivo e argumentativo da decisão
política pela sociedade civil.
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