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“(…) Bogle sabía que un facsímil perfecto del anhelado Roger Tichborne era de
imposible obtención. Sabía también que todas las similitudes logradas no harían otra cosa
que destacar ciertas diferencias inevitables. Renunció, pues, a todo parecido. Intuyó que
la enorme ineptitud de la pretensión sería una convincente prueba de que no se trataba de
un fraude, que nunca hubiera descubierto de ese modo flagrante los rasgos más sencillos
de convicción. No hay que olvidar tampoco la colaboración todopoderosa del tiempo:
catorce años de hemisferio austral y de azar pueden cambiar a un hombre”1.
tudo o que é fixo, determinado e arquetípico. Tal necessidade de abertura, sem embargo,
exige tamanho engenho dos escritores para com uma apresentação do que é contingente,
narrativa, mas sobretudo a correr por baixo, de forma mais profunda a tudo o que é
literalmente contado, pois se está mais do que certo que a arte do escritor se engrandece
quando se bem eleva a ambiguidade de sua obra. A questão mesma parece consistir em
conjuga literatura, filosofia e outros saberes, pode ser vista de modo figurada na obra de
autores sulamericanos como Jorge Luis Borges, no caso, o conto “El impostor
A revolução estética dos românticos de fins do século XVIII podia jurar que
estava por decapitar, de uma vez por todas, uma verdade tradicional defendida por
teóricos do lado dos antigos na querela contra os modernos, e ressaltada em certas obras
1
Cf. BORGES, Jorge Luis. El impostor inverossimil Tom Castro. In: Prosa Completa. Barcelona:
Editorial Bruguera, 1980, p.161.
clássicas. Não foi bem isso que seus projetos conquistaram de imediato. Sem embargo,
o que de mais certo se deu foi que acabaram por se opor ao espelho de uma verdade
pressuposta pelos antigos que tinha a necessidade de ser refletida nas obras artísticas.
O meio para tanto era a imitatio, procedimento retórico-poético que subordina as ideias
ao que é verossímil, i.e., ao que se parece com uma certa verdade autorizada,
consensuada e reafirmada nos tratados e obras da tradição antiga. Estudiosos das Letras,
como João Adolfo Hansen2, demonstram que a literatura clássica se caracteriza por
Uma certa recusa a tal procedimento literário parece se esboçar na prosa ficcional
Clarice Lispector e, por sua vez, Borges, romances e contos nos quais essa forma de
fortuna crítica, Jorge Luis Borges, trazendo inicialmente em cena dois aspectos cruciais
2
Hansen, no texto “Categorias epidíticas da ekphrasis”, assim diz sobre verossimilhança e semelhança:
“A ekphrasis relaciona-se diretamente com passagens do ‘Tópicos I’, da Retórica e da Poética, onde
Aristóteles escreve sobre a aatividade do historiador e do poeta, preescrevendo que devem compor
imitando as opiniões tidas por verdadeiras pelos sábios ou pela maioria deles. As opiniões tidas por
verdadeiras fornecem causas e explicações que tornam o discurso verossímil ou semelhante ao verdadeiro
da opinião. A verossimilhança é uma relação de semelhança entre discursos (...)”. In: Revista USP, São
Paulo, nº71, p.85-105, setembro/novembro 2006.
3Cf. SADE, Marquês de. Os crimes do amor. Trad. Magnólia C. Santos. Porto Alegre: L&PM, 2010 p.41.
A citação acima refere-se a um texto de 1800 denominado Notas sobre o
centralidade que este autor, tido como um grande transgressor, confere ao tema da
transformação do ser. As referências mencionadas por ele permitem deduzir sua ciência
dos pressupostos românticos, neste caso, das ideias de autores filiados à estética inglesa,
Curiosamente, neste começo de século XIX surge uma outra perspectiva que
será decisiva à estética literária daí em diante, a saber, a obra O mundo como vontade e
século XX, bem como o poeta, escritor e ensaísta Jorge Luis Borges. Ao mesmo tempo,
é ainda o século XIX uma época na qual autores como Kierkegaard e Dostoiévski
4
(BORGES, 1980, p.159)
na Australia seu mentor, o personagem Bogle, tenta se passar pelo navegante perdido no
mar, “Roger Charles Tichborne, militar inglés criado en Francia, mayorazgo de una de
las principales familias católicas de Inglaterra”. Mais adiante o narrador fala nesta morte
borgeano, conforme nos diz o narrador. “Bogle inventó que el deber de Orton era
embarcar en el primer vapor para Europa (…), declarando ser su hijo”, afirma ele.
“El proyecto era de una insensata ingeniosidad”5. Tal invento, portanto, ressalta, desde a
quando afirma sobre o personagem Bogle, o mentor de Tom Castro, cuja constituição
“[t]enía una segunda condición, que determinados manuales de etnografia han negado a
citações nos contos de Borges não são de maneira nenhuma aleatórias, e esse caso
na existência do filho, aspecto este relevante que, através do projeto de Castro e Bogle,
em ver novamente o filho vivo consigo. “Lady Tichborne”, diz o narrador, “horrorizada
5
(BORGES, 1980, pp.160-1)
6
(BORGES, 1980, p.160)
periódicos de la más amplia circulación” (…) uno de esos avisos cayó en las manos
dissimular-se outra pessoa, sinalizariam, portanto, essas linhas de força que chamamos
algo mais ambíguo dado através de uma narração sutíl, discreta, no entanto minuciosa,
que então se expõe por debaixo das consciências tanto do personagem como do leitor.
O invento de Bogle de fazer Tom Castro se fazer passar por outro, passando a dar
sentido à uma nova necessidade daquilo que era contingente, acaba por se tornar real,
forma casual, em outras palavras, parece haver outras forças ali em jogo.
que é da vida e faz parte de toda grande arte. Estudiosos já ressaltaram a especificidade
do conto em conseguir ao mesmo tempo contar duas ou mais estórias enquanto se narra
correndo por baixo da primeira estória contada, que abrirá a segunda a partir da
conforme ver-se-á, não como sorte senão pelo azar do homem frente ao destino insólito.
7
(BORGES, 1980, p.161)
8 (BORGES, 1980, p.162)
“No hay que olvidar tampoco la colaboración todopoderosa del tiempo:”, diz o narrador.
aquilo que une esses dois escritores sulamericanos é a recusa a ideia de representação do
que é verossímil por conta do poder que uma circunstância pode ter na vida de um ser.
“El Destino (tal es el nombre que aplicamos a la infinita operación incesante de millares
de causas entreveradas)”, diz o narrador, “no lo resolvió así”, i.e., permitindo com que o
Ao fim e ao cabo, o personagem Tom Castro (ou Roger Charles) é descoberto e preso,
e, ao retornar à liberdade, dará palestras nas quais inicia por se nomear um e conclui se
declarando outro: “Cuando esa hospitalidad final lo dejó – la de la prisión – recorrió las
aldeas y los centros del Reino Unido, pronunciando pequeñas conferencias en las que
duraderos que muchas noches comenzó por defensa y acabó por confesión, siempre al
tudo o que expõe àquilo em que se acredita ser semelhante e, sobretudo, verossímil.
A semelhança, é sabido, opera-se por formas como a metáfora, por exemplo, em que se
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(BORGES, 1980, p.161)
10
(BORGES, 1980, p.164)
Estes dispositivos encontrados nas chamadas letras clássicas, a verossimilhança e a
semelhança, são operadores relacionais que parecem estar em cheque na arte moderna,
pelo simples fato de que na modernidade não se pode mais comparar duas ou mais
coisas por suas semelhanças, uma vez que perdeu-se o modelo primordial que as une,
caindo-se numa espécie de caos originário de onde se faz a linguagem de uma maneira
vale dizer, já demostraram também como a metáfora está para a antiguidade em relação
Por outro lado, os paradoxos da modernidade são de tal ordem que arriscamos
é consenso, i.e., ao que parece e é tido como verdade num certo espaço comum. Há
casos, e não só a fala do narrador borgeano que abre esse ensaio, mais ainda a obra
machadiana o provam, em que se pode acreditar como verossímil aquilo que não se
parece com a verdade comum por alguma espécie de estranhamento. “Sabía también
que todas las similitudes logradas no harían otra cosa que destacar ciertas diferencias
inevitables”, ele diz. “Renunció, pues, a todo parecido. Intuyó que la enorme ineptitud
nunca hubiera descubierto de ese modo flagrante los rasgos más sencillos de
convicción”11. De todo modo, o fato parece consistir em tornar claro os riscos de, ao se
11
(BORGES, 1980, p.161)
Escritores como Borges, e ainda Guimarães Rosa, aficcionados por temas como
caos, eternidade, paradoxo e linguagem, sabiam muito bem disso e o tinham na conta
em seus processos de composição literária. São nestes terrenos, portanto, que uma obra
clássica pode se dar a ler e interpretar, na confusão daquilo que é natural com o que é
condição sine qua non para que um conto possa trabalhar, ao mesmo tempo, com duas
ou mais estórias.