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Verossimilhança e determinação em cheque?

a insólita transformação no conto


“El impostor inverossímil Tom Castro” de Jorge Luis Borges

“(…) Bogle sabía que un facsímil perfecto del anhelado Roger Tichborne era de
imposible obtención. Sabía también que todas las similitudes logradas no harían otra cosa
que destacar ciertas diferencias inevitables. Renunció, pues, a todo parecido. Intuyó que
la enorme ineptitud de la pretensión sería una convincente prueba de que no se trataba de
un fraude, que nunca hubiera descubierto de ese modo flagrante los rasgos más sencillos
de convicción. No hay que olvidar tampoco la colaboración todopoderosa del tiempo:
catorce años de hemisferio austral y de azar pueden cambiar a un hombre”1.

Não é novidade o fato de a literatura moderna caracterizar-se pelo embate contra

tudo o que é fixo, determinado e arquetípico. Tal necessidade de abertura, sem embargo,

exige tamanho engenho dos escritores para com uma apresentação do que é contingente,

movente e cambiável. Mesmo porque pode-se encontrar em certos contos um processo

de transformação discreto, confuso e incerto, que se faz não só no nível superficial da

narrativa, mas sobretudo a correr por baixo, de forma mais profunda a tudo o que é

literalmente contado, pois se está mais do que certo que a arte do escritor se engrandece

quando se bem eleva a ambiguidade de sua obra. A questão mesma parece consistir em

saber qual o lugar da verossimilhança na modernidade. Esta discussão conceitual, que

conjuga literatura, filosofia e outros saberes, pode ser vista de modo figurada na obra de

autores sulamericanos como Jorge Luis Borges, no caso, o conto “El impostor

inverossímil Tom Castro”, publicado em 1935 na obra Historia universal de la infamia.

A revolução estética dos românticos de fins do século XVIII podia jurar que

estava por decapitar, de uma vez por todas, uma verdade tradicional defendida por

teóricos do lado dos antigos na querela contra os modernos, e ressaltada em certas obras
1
Cf. BORGES, Jorge Luis. El impostor inverossimil Tom Castro. In: Prosa Completa. Barcelona:
Editorial Bruguera, 1980, p.161.
clássicas. Não foi bem isso que seus projetos conquistaram de imediato. Sem embargo,

o que de mais certo se deu foi que acabaram por se opor ao espelho de uma verdade

pressuposta pelos antigos que tinha a necessidade de ser refletida nas obras artísticas.

O meio para tanto era a imitatio, procedimento retórico-poético que subordina as ideias

ao que é verossímil, i.e., ao que se parece com uma certa verdade autorizada,

consensuada e reafirmada nos tratados e obras da tradição antiga. Estudiosos das Letras,

como João Adolfo Hansen2, demonstram que a literatura clássica se caracteriza por

estabelecer processos de verossimilhança capazes de tecerem relações com as autoritas.

Uma certa recusa a tal procedimento literário parece se esboçar na prosa ficcional

moderna de escritores como Dostoiévski, Kafka, Machado de Assis, Guimarães Rosa,

Clarice Lispector e, por sua vez, Borges, romances e contos nos quais essa forma de

constituição narrativa alcançou cumes na literatura do século XX.

Propondo um possível caminho a se indagar sobre o lugar da verossimilhança na

modernidade, convocar-se-á um conto da obra de um escritor tido como clássico pela

fortuna crítica, Jorge Luis Borges, trazendo inicialmente em cena dois aspectos cruciais

em constante tensão no pensamento e na arte moderna: determinação e transformação.

“Richardson e Fielding nos ensinaram que só o estudo profundo do


coração humano, verdadeiro labirinto da natureza, pode inspirar o
romancista, cuja obra deve fazer com que vejamos no homem, não só
o que ele é ou o que demonstra - esse é o dever do historiador -, mas o
que ele pode ser, ou no que pode ser transformado pelo vício e
agitações das paixões.”3 – Marquês de Sade.

2
Hansen, no texto “Categorias epidíticas da ekphrasis”, assim diz sobre verossimilhança e semelhança:
“A ekphrasis relaciona-se diretamente com passagens do ‘Tópicos I’, da Retórica e da Poética, onde
Aristóteles escreve sobre a aatividade do historiador e do poeta, preescrevendo que devem compor
imitando as opiniões tidas por verdadeiras pelos sábios ou pela maioria deles. As opiniões tidas por
verdadeiras fornecem causas e explicações que tornam o discurso verossímil ou semelhante ao verdadeiro
da opinião. A verossimilhança é uma relação de semelhança entre discursos (...)”. In: Revista USP, São
Paulo, nº71, p.85-105, setembro/novembro 2006.

3Cf. SADE, Marquês de. Os crimes do amor. Trad. Magnólia C. Santos. Porto Alegre: L&PM, 2010 p.41.
A citação acima refere-se a um texto de 1800 denominado Notas sobre o

romance – A arte de Escrever ao Gosto do Público, do escritor francês Donatien

François de Sade, conhecido como Marquês de Sade. Nele, é possível já percebemos a

centralidade que este autor, tido como um grande transgressor, confere ao tema da

transformação do ser. As referências mencionadas por ele permitem deduzir sua ciência

dos pressupostos românticos, neste caso, das ideias de autores filiados à estética inglesa,

e dos postulados acerca da “verdade do coração humano”, também presente na estética

francesa, notadamente, na obra de J.- J. Rousseau.

Curiosamente, neste começo de século XIX surge uma outra perspectiva que

será decisiva à estética literária daí em diante, a saber, a obra O mundo como vontade e

como representação, publicada em 1818, do pensador alemão Arthur Schopenhauer.

Ligada à filosofia da imanência sobre o irracional, influenciada pelo pessimismo e a

determinação herdada do pensamento spinosista, por exemplo, a obra de Schopenhauer

influenciara muitos autores, vide o escritor Machado de Assis, os simbolistas durante o

século XX, bem como o poeta, escritor e ensaísta Jorge Luis Borges. Ao mesmo tempo,

é ainda o século XIX uma época na qual autores como Kierkegaard e Dostoiévski

abririam um caminho fundamental para uma filosofia fenomenológica e existencialista

que postulasse a possibilidade de transformação do ser, a partir da obra de pensadores

como Unamuno, Heidegger, Merleau-Ponty e Sartre, já no século XX.

São estas linhas de força, determinação e transformação, que estão, portanto,

relacionadas, conforme ver-se-á adiante, à questão da verossimilhança em literatura na

modernidade. Em “El impostor inverossímil Tom Castro”, vemos várias figurações

deste axioma moderno, já de início a maneira como o narrador se refere a “confusa

jovialidad”4 do personagem Tom Castro, um rapaz de origem inglesa que, ao conhecer

4
(BORGES, 1980, p.159)
na Australia seu mentor, o personagem Bogle, tenta se passar pelo navegante perdido no

mar, “Roger Charles Tichborne, militar inglés criado en Francia, mayorazgo de una de

las principales familias católicas de Inglaterra”. Mais adiante o narrador fala nesta morte

como um “acontecimiento transcendental” que, somando a estranheza da religião

católica desta família inglesa oriunda de um país majoritariamente protestante, bem

como a identidade ambígua de Tom Castro, dão um tom inverossímil ao conto

borgeano, conforme nos diz o narrador. “Bogle inventó que el deber de Orton era

embarcar en el primer vapor para Europa (…), declarando ser su hijo”, afirma ele.

“El proyecto era de una insensata ingeniosidad”5. Tal invento, portanto, ressalta, desde a

própria constituição do protagonista, toda esta atmosfera ambígua apontada acima,

o que permitiria, assim, a possibilidade de transformação do protagonista.

Do mesmo modo, o narrador questiona certo caráter determinante do ser humano

quando afirma sobre o personagem Bogle, o mentor de Tom Castro, cuja constituição

“[t]enía una segunda condición, que determinados manuales de etnografia han negado a

su raza: la ocurrencia genial”6. Muito já disse entre os estudiosos que as referências e

citações nos contos de Borges não são de maneira nenhuma aleatórias, e esse caso

confirma isso ao demonstrar certa discussão com o determinismo positivista científico,

cuja influencia, é sabido, se deu enormemente na literatura naturalista do século XIX.

A personagem Lady Tichborne, sem embargo, acredita, enquanto mãe católica,

na existência do filho, aspecto este relevante que, através do projeto de Castro e Bogle,

permite “satisfacer la esperanza de Lady Tichborne”, ou seja, sua vontade determinada

em ver novamente o filho vivo consigo. “Lady Tichborne”, diz o narrador, “horrorizada

madre de Roger, rehusó creer en su muerte y publicó desconsolados avisos en los

5
(BORGES, 1980, pp.160-1)
6
(BORGES, 1980, p.160)
periódicos de la más amplia circulación” (…) uno de esos avisos cayó en las manos

funerarias del negro Bogle, que concibió un proyecto genial”7.

Conforme se percebe, há a ideia de se passar por outra pessoa através de um

projeto consciente, simultânea, permitida e oportuna desta vontade de representação da

qual “[l]os repetidos y insensatos avisos de Lady Tichborne demostraban su plena

seguridad de que Roger Charles no había muerto, su voluntad de reconocerlo”8. Assim,

de um lado, a vontade irracional de reconhecer o filho, e, de outro, o projeto racional de

dissimular-se outra pessoa, sinalizariam, portanto, essas linhas de força que chamamos

de determinação e transformação. Sem embargo, a transformação que, enfim, ocorre é

algo mais ambíguo dado através de uma narração sutíl, discreta, no entanto minuciosa,

que então se expõe por debaixo das consciências tanto do personagem como do leitor.

O invento de Bogle de fazer Tom Castro se fazer passar por outro, passando a dar

sentido à uma nova necessidade daquilo que era contingente, acaba por se tornar real,

Castro acaba por acreditar ser o filho de Lady Tichborne. A transformação se dá de

forma casual, em outras palavras, parece haver outras forças ali em jogo.

Vemos que a sutileza e a complexidade da obra de um escritor como Borges

permite (con)fundir ideias contrárias, e criar desta fusão a contingência, o inesperado

que é da vida e faz parte de toda grande arte. Estudiosos já ressaltaram a especificidade

do conto em conseguir ao mesmo tempo contar duas ou mais estórias enquanto se narra

um fato, acontecimento ou evento. O que há neste conto é uma espécie de acaso,

correndo por baixo da primeira estória contada, que abrirá a segunda a partir da

transformação “real” do protagonista Tom Castro. No entanto, essa situação contingente

que notamos na literatura de Borges, ao contrário da de Guimarães Rosa, apresenta-se,

conforme ver-se-á, não como sorte senão pelo azar do homem frente ao destino insólito.

7
(BORGES, 1980, p.161)
8 (BORGES, 1980, p.162)
“No hay que olvidar tampoco la colaboración todopoderosa del tiempo:”, diz o narrador.

“catorce años de hemisferio austral y de azar pueden cambiar a un hombre”9.

(Des)contando as possíveis influencias mais otimistas que a obra de Kierkegaard

e Unamuno pudessem exercer na obra do escritor brasileiro, e as ideias mais pessimistas

de Spinosa e Schopenhauer na literatura do escritor argentino, diría-se que, no entanto,

aquilo que une esses dois escritores sulamericanos é a recusa a ideia de representação do

que é verossímil por conta do poder que uma circunstância pode ter na vida de um ser.

“El Destino (tal es el nombre que aplicamos a la infinita operación incesante de millares

de causas entreveradas)”, diz o narrador, “no lo resolvió así”, i.e., permitindo com que o

protagonista simplesmente se passasse pelo marinheiro inglês e tudo se acabasse ai.

Ao fim e ao cabo, o personagem Tom Castro (ou Roger Charles) é descoberto e preso,

e, ao retornar à liberdade, dará palestras nas quais inicia por se nomear um e conclui se

declarando outro: “Cuando esa hospitalidad final lo dejó – la de la prisión – recorrió las

aldeas y los centros del Reino Unido, pronunciando pequeñas conferencias en las que

declaraba su inocencia o afirmaba su culpa. Su modestia y su anhelo de agradar eran tan

duraderos que muchas noches comenzó por defensa y acabó por confesión, siempre al

servicio de las inclinaciones del público. El 2 de abril de 1898 murió”10.

Há uma ideia muito recorrente nas práticas letradas influenciadas e determinadas

pelas poéticas e retóricas antigas. Trata-se de um método de representação que subjuga

tudo o que expõe àquilo em que se acredita ser semelhante e, sobretudo, verossímil.

A semelhança, é sabido, opera-se por formas como a metáfora, por exemplo, em que se

revelam as similitudes entre as coisas do mundo própria do pensamento e letras antigos.

9
(BORGES, 1980, p.161)
10
(BORGES, 1980, p.164)
Estes dispositivos encontrados nas chamadas letras clássicas, a verossimilhança e a

semelhança, são operadores relacionais que parecem estar em cheque na arte moderna,

pelo simples fato de que na modernidade não se pode mais comparar duas ou mais

coisas por suas semelhanças, uma vez que perdeu-se o modelo primordial que as une,

caindo-se numa espécie de caos originário de onde se faz a linguagem de uma maneira

mais frutírfera e produtiva. Em outras palavras, a ideia de substância (essência)

aristotélica encontra-se em discussão através da perspectiva relativista, destacando,

justamente, o caráter circunstancial do ser no mundo. De todo modo, alguns estudiosos,

vale dizer, já demostraram também como a metáfora está para a antiguidade em relação

à semelhança, assim como a metonímia à modernidade pela relação de contiguidade.

Por outro lado, os paradoxos da modernidade são de tal ordem que arriscamos

em sinalizar o engano de se acreditar que a verossimilhança seja sempre a alusão ao que

é consenso, i.e., ao que parece e é tido como verdade num certo espaço comum. Há

casos, e não só a fala do narrador borgeano que abre esse ensaio, mais ainda a obra

machadiana o provam, em que se pode acreditar como verossímil aquilo que não se

parece com a verdade comum por alguma espécie de estranhamento. “Sabía también

que todas las similitudes logradas no harían otra cosa que destacar ciertas diferencias

inevitables”, ele diz. “Renunció, pues, a todo parecido. Intuyó que la enorme ineptitud

de la pretensión sería una convincente prueba de que no se trataba de un fraude, que

nunca hubiera descubierto de ese modo flagrante los rasgos más sencillos de

convicción”11. De todo modo, o fato parece consistir em tornar claro os riscos de, ao se

tentar parecer com o que é esperado (verossímil, consensual), se ressaltar inevitáveis

distinções entre as matérias que se buscam a aproximação.

11
(BORGES, 1980, p.161)
Escritores como Borges, e ainda Guimarães Rosa, aficcionados por temas como

caos, eternidade, paradoxo e linguagem, sabiam muito bem disso e o tinham na conta

em seus processos de composição literária. São nestes terrenos, portanto, que uma obra

clássica pode se dar a ler e interpretar, na confusão daquilo que é natural com o que é

cultural nos níveis sintático e semântico, literal e subentendido da narrativa, enfim

condição sine qua non para que um conto possa trabalhar, ao mesmo tempo, com duas

ou mais estórias.

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