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INTRODUÇÃO
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modernos da economia e da burocracia, enfatiza-se que, na fase inicial da
industrialização, a possibilidade de utilização do Welfare State como instrumento
de controle da demanda agregada era reduzida devido a, pelo menos, dois
motivos. Primeiro, porque problemas de superprodução estavam muito mais
relacionados ao comportamento do setor externo do que a flutuações na demanda
nacional, e, segundo, porque o número restrito de beneficiários do sistema limitava
a efetividade das políticas como mecanismo de expansão do consumo.
O caráter redistributivo limitado do Welfare State brasileiro ao longo de seu
desenvolvimento é tratado a partir de dois ângulos a autonomia da burocracia e
o poder político dos movimentos de trabalhadores. Por um lado, a falta de
autonomia da burocracia foi um dos elementos que reduziram a capacidade
redistributiva do Welfare State no Brasil, visto que os funcionários públicos
constituíam um grupo comprometido com o governo, que, por sua vez, era
resistente à promoção de gastos sociais progressivos em detrimento de seus
interesses corporativos. Por outro lado, a combinação de autoritarismo com forte
segmentação no mercado de trabalho, presente em boa parte da história recente
do país, limitou a capacidade de os movimentos de trabalhadores influenciarem
positivamente a sistematização de programas sociais generalizados a toda a
população e sem caráter populista.
Argumenta-se que, após a fase de consolidação inaugurada pelos governos
militares de 1964, o modelo de Welfare State perdeu o caráter populista e assumiu
duas linhas definidas, uma de caráter compensatório e outra de caráter
produtivista.
A primeira buscava minorar os impactos de um modelo de desenvolvimento
baseado na concentração da riqueza e a segunda visava contribuir com as
condições necessárias para o crescimento econômico como, por exemplo, a
qualificação de mão-de-obra. Entretanto, ambas apresentavam como
características a centralização política e financeira no governo federal, a forte
fragmentação institucional e o caráter regressivo nos gastos sociais.
A partir da comparação entre as diversas mudanças ocorridas nas décadas de
1980 e 1990 no Welfare State brasileiro e as mudanças no modelo de
desenvolvimento econômico, conclui-se que é ainda difícil avaliar em que medida
as melhorias organizacionais realizadas serão, em um prazo relativamente curto,
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capazes de promover a eqüidade, visto que existe a possibilidade de os custos de
transição institucional serem maiores que os benefícios imediatos.
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negociação coletiva dos níveis salariais e das condições de trabalho se generaliza
na sociedade, o processo de barganha entre capitalistas e trabalhadores passa a
ser tratado como assunto público. Assim, o crescimento da organização política
dos trabalhadores faz que o Estado passe a incluir na agenda política nacional os
interesses dos trabalhadores organizados. Vacca (1991), por exemplo, aponta que
o Welfare State surgiu como mecanismo de controle político das classes
trabalhadoras pelas classes capitalistas: a intervenção no processo de barganha
limita institucionalmente a capacidade de organização extra-estatal dos
trabalhadores.
Há indicações de que o controle político não ocorre somente sobre os
trabalhadores, mas também sobre os capitalistas. O Estado regula
simultaneamente o poder de capitalistas e trabalhadores ao administrar o que se
convencionou chamar “compromisso de classe”, “compromisso keynesiano” ou
“compromisso fordista”. Esses “compromissos” referem-se, respectivamente, à
legitimação da propriedade privada dos meios de produção em troca de instituições
políticas que permitem aos representantes dos trabalhadores a administração de
parte da economia [Esping-Andersen, 1990], à mediação de relações privadas por
instituições políticas democráticas com objetivos macroeconômicos [Przeworksy e
Wallerstein, 1988] e à redução do controle da organização do processo de trabalho
e da inovação tecnológica pelos trabalhadores em troca da redistribuição de
ganhos de produtividade e pleno emprego [Lipietz, 1992].
Claus Offe e Gero Lenhardt (1990) destacam que as políticas sociais constituem
instrumento importante na mercantilização da força de trabalho. Fatores
relacionados à economia capitalista, como a busca por maior produtividade e
controle do processo de produção pela introdução de tecnologias poupadoras de
trabalho, a destruição de formas de produção pré-capitalistas e o impacto de crises
cíclicas, destroem as condições para o uso não-assalariado da força de trabalho. A
desorganização das formas não capitalistas de produção, no entanto, não se
traduz automaticamente em mercantilização da força de trabalho, visto que os
indivíduos afetados podem adotar outras estratégias de subsistência que não o
assalariamento, tais como migração, pilhagem, mendicância, resistência política e
militar, etc. A garantia de controle dos riscos da relação de trabalho assalariada
pelo Welfare State age para promover a aceitação do assalariamento e evitar a
opção por formas alternativas de subsistência. Além dos aspectos relacionados à
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industrialização (ou modernização) e ao poder de barganha dos trabalhadores,
aspectos relacionados à cultura política e à organização da máquina do Estado são
destacados como relevantes para explicar o desenvolvimento do Welfare State em
países da América do Norte e da Europa Ocidental.
Esping-Andersen (1990), por exemplo, ressalta a influência de valores culturais das
sociedades na configuração das políticas sociais a partir da adesão a idéias liberais
ou social-democratas. Rueschenmeyer e Evans (1985), Weir e Skocpol (1985) e
King (1988) enfatizam o papel da burocracia nessa configuração. Os burocratas
têm interesses na consolidação do Welfare State por vários motivos. Em primeiro
lugar, são beneficiários diretos das políticas sociais, pois as garantias de
seguridade criadas para os assalariados industriais se estendem a eles. Em
segundo lugar, o Welfare State depende da expansão da máquina do Estado para
a administração e prestação dos serviços das políticas sociais, tornando-se, não
apenas a razão do emprego de grandes contingentes de funcionários públicos,
mas também a razão de seu poder político, visto que a organização da produção
baseada na existência de um Estado securitário faz dos funcionários públicos peça
fundamental para a produção capitalista.
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restrito de trabalhadores beneficiados limitava a efetividade das políticas como
mecanismo de expansão do consumo. No Brasil, o Welfare State surge a partir de
decisões autárquicas e com caráter predominantemente político: regular aspectos
relativos à organização dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da
economia e da burocracia.
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As políticas surgidas no Brasil, no início dos anos 1920, já constituíam um esboço
da formação do Welfare State brasileiro, cuja função era atuar como instrumento
de controle dos movimentos de trabalhadores no país. Sua estratégia era antecipar
algumas demandas, o que favorecia os grupos profissionais de maior influência
política para, com isso, restringir a legitimidade das lideranças trabalhadoras nas
reivindicações sociais e limitar a capacidade de mobilização dos trabalhadores em
geral. Malloy (1979, p. 45), por exemplo, argumenta que as políticas de seguridade
social da época tinham caráter reformista e buscavam satisfazer às demandas das
alas defensivas do movimento trabalhador a fim de enfraquecer as organizações
de cunho mais radical.
É a partir de 1930 que se torna nítida a constituição de um Welfare State no Brasil,
com políticas sociais de profundo caráter conservador. De acordo com a
perspectiva corporativista dos grupos no poder, nesse período predominava um
ideal de sociedade harmônica em que os antagonismos entre classes eram
encarados como nocivos ao bem comum representado pelo Estado. Assim, uma
marca do surgimento do Welfare State brasileiro é o autoritarismo, evidente na
repressão aos movimentos de trabalhadores, como mostra Barcellos: “Até 1937,
embora vigorasse no Brasil o Estado de Direito, já começavam a se delinear os
traços autoritários que estariam presentes, com uma intensidade variável, no
decorrer do período que se estende até 1964. Nesse primeiro momento, o
autoritarismo expressava-se fundamentalmente na estrutura corporativista da
organização sindical, que começou a ser montada em 1930. O corporativismo,
deslocando os conflitos entre capital e trabalho para a esfera do Estado,
descaracterizou e obstaculizou a livre manifestação das reivindicações dos
trabalhadores” [Barcellos, 1983, p. 11]. A ausência de organizações de
trabalhadores politicamente fortes ao longo de um processo de industrialização
relativamente lento, como seria o caso de alguns países europeus analisados por
Esping-Andersen (1990) e Flora e Heidenheimer (1982), criou uma lacuna de poder
que foi rapidamente apropriada pelo Estado. Assim, diferentemente de uma história
na qual o Welfare State surge como resultado das barganhas políticas dos
trabalhadores, o Brasil tem, na generalização e coordenação de suas políticas, um
mecanismo de constituição da força de trabalho assalariada por intermédio do
Estado. Esse papel foi extremamente importante para o processo de
modernização. Como a maior parte dos bens de capital e tecnologia era importada
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e a mão-de-obra encontrava-se no setor agro-exportador da economia, criou-se um
descompasso entre meios de produção e força de trabalho. O Welfare State
brasileiro atuou sobre esse descompasso, o que facilitou a migração dos
trabalhadores dos setores tradicionais para os setores modernos e a constituição
de uma força de trabalho industrial urbana no país.
Partindo-se da concepção de que a edificação no Ocidente dos Welfare State
corresponde, basicamente, à demanda por maior igualdade e segurança nas
economias capitalistas, Sônia Miriam Draibe (1989) analisa a formação do Welfare
State brasileiro, tomando como ponto de partida a década de 1930. A toda essa
década e ao início da seguinte corresponde um movimento de criação da base
institucional-legal para as políticas sociais:
“A produção legislativa a que se refere o período 1930/43 é fundamentalmente a
que diz respeito à criação dos institutos de aposentadorias e pensões, de um lado,
e de outro, a relativa à legislação trabalhista, consolidada em 1943. Se essa é, de
fato, a inovação mais importante, o período é também fértil em alterações nas
áreas de política de saúde e de educação, onde se manifestam elevados graus de
“nacionalização” das políticas sob a forma de centralização no Executivo Federal,
de recursos e de instrumentos institucionais e administrativos e resguardos de
algumas competências típicas da organização federativa do país” [Draibe, 1989, p.
8].
Nesse período, o Brasil definiu e implementou as bases modernas de seu sistema
de seguridade social, as quais permaneceram relativamente intactas até 1966.
Diversas reformas no aparelho de Estado consolidaram um Welfare State baseado
em políticas predominantemente voltadas para trabalhadores urbanos, a fim de não
ferir os interesses das oligarquias rurais que detinham forte poder político à época.
Foi criado o Ministério do Trabalho e promulgada uma nova legislação trabalhista, o
que formou as novas bases de uma política de regulamentação do trabalho e
organização política dos trabalhadores. Com orientação a comerciários e
industriários, são regulamentados o trabalho feminino, o de menores, a jornada de
trabalho, férias, demissões e assuntos relevantes a acidentes de trabalho. É
consagrada a intervenção do Estado nos conflitos trabalhistas com a criação da
Justiça do Trabalho e a regulamentação explícita das formas de negociação
salarial e organização sindical. As políticas de saúde e educação foram
centralizadas no Ministério dos Negócios de Educação e Saúde Pública, a
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previdência social foi estatizada, deixou de ser organizada por empresas e sim por
categorias profissionais, e as contribuições previdenciárias passaram a ter
participação paritária da União, o que simultaneamente desonerou o capital no que
diz respeito a gastos com seguros sociais, garantiu níveis mínimos de manutenção
da força de trabalho e legitimou politicamente o Estado [Barcellos, 1983, p. 31].
Sob o governo Vargas, a década de 1930 é caracterizada pela estratégia
deliberada de aumentar o papel do Estado na regulação da economia e da política
nacionais como estratégia de desenvolvimento. Do ponto de vista das relações de
trabalho, o regime populista do período perseguiu três objetivos básicos: (i) evitar
que os movimentos de trabalhadores se tornassem base de apoio para grupos de
oposição que reivindicavam mudanças mais profundas na organização da
sociedade; (ii) despolitizar as relações de trabalho, impedindo que as organizações
de trabalhadores se legitimassem como instrumento de reivindicação; e (iii) fazer
dos trabalhadores um ponto de apoio, ainda que passivo, do regime. Tais objetivos
foram alcançados por meio de uma combinação de repressão à oposição e
concessão aos movimentos de trabalhadores que apoiavam o regime. Em vez de
mobilizar, o regime populista buscou cooptar seletivamente segmentos de
trabalhadores em um processo de “inclusão controlada”. Trabalhadores rurais e
trabalhadores urbanos não organizados foram sistematicamente ignorados nesse
processo [Malloy, 1979, p. 56].
Na relação estruturada entre o Estado e a classe trabalhadora, convergem os
fenômenos do patrimonialismo, cooptação e corporativismo. Um dos elementos
fundamentais para essa implantação foi o esquema de proteção social criado para
atender aos setores organizados da classe trabalhadora urbana fundamentado no
sistema de previdência social. De acordo com Malloy (1979, p. 17), o sistema da
previdência social reforçou, por um lado, o padrão geral do poder do Executivo
federal e, por outro lado, para a transformação do Estado em um Estado
patrimonial moderno. O sistema de previdência social promoveu a rápida expansão
do estamento burocrático, tornando-se, logo, uma das fontes mais importantes de
emprego público no país.
Ao favorecer o fenômeno do corporativismo, a estrutura de seguridade criada teve
o papel de minar a possibilidade de a classe trabalhadora organizar um movimento
de oposição autônomo ao regime de capitalismo regulado pelo Estado. A
previdência social contribuiu para a criação de divisões na classe trabalhadora e
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incentivou entre os trabalhadores uma mentalidade particularista e essencialmente
depende do clientelismo do Estado. O sistema contribuiu para a incorporação de
importantes segmentos da classe trabalhadora no conjunto de estruturas
corporativistas, o que aumentou, em princípio, o poder regulatório do Estado
patrimonialista. [Malloy, 1979, p. 71].
O caráter redistributivo do Welfare State depende, em parte, das características
organizacionais da burocracia que o suporta. Nos casos em que a burocracia
dispõe de autonomia em relação ao governo, há maior possibilidade de que
programas redistributivos que vão de encontro aos interesses das classes
dominantes sejam implementados.
No Brasil, todavia, os funcionários públicos constituíam um grupo comprometido
com o governo e, portanto, resistente à idéia de realizar coalizões políticas com
determinados setores do movimento de trabalhadores e promover gastos sociais
progressivos em detrimento de seus interesses corporativos.
O período do Estado Novo (1937/1945) representa a passagem definitiva de uma
sociedade de base agrária para uma sociedade urbano-industrial. O caráter
fortemente autoritário do Estado, exemplificado pela promulgação da Lei de
Segurança Nacional em 1935, reprimiu a ascensão de movimentos tanto de
esquerda quanto de direita e diminuiu a autonomia das unidades estaduais ao
concentrar no governo federal praticamente todo o poder decisório e administrativo
referente às políticas sociais. Uma das conseqüências dessa concentração foi o
aumento do poder da burocracia nas decisões sobre políticas sociais, enquanto os
movimentos de trabalhadores tinham sua organização limitada. Para Malloy (1979,
p. 81), essa característica veio criar uma corporação no interior da máquina
burocrática voltada para a defesa de seus interesses particulares que,
posteriormente, veio a se tornar um dos traços marcantes do Welfare State
brasileiro.
Com características particularistas das políticas e sob regime autoritário, a
celebração de um “compromisso” no Brasil não teve as mesmas características do
observado nas democracias capitalistas analisadas por Vacca (1991), Przerworksy
e Wallerstein (1988), Lipietz (1992), Flora e Heidenheimer (1982) e Esping-
Andersen (1990). Como a institucionalização do Welfare State no Brasil teve como
meta a regulação da força de trabalho em uma indústria de dimensões limitadas,
apenas os grupos pertencentes ao núcleo capitalista da economia fizeram parte do
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compromisso. A base da exclusão dos demais grupos é a satisfação da demanda
por força de trabalho (mercadoria do sistema).
À medida que a indústria se expande e demanda maior volume de trabalho,
aumenta a inclusão de grupos sociais na história do Welfare State brasileiro,
independentemente do regime político, como se observa nas décadas
subseqüentes à de 1930.
No período compreendido entre 1945 e 1964, o Brasil viveu a fase de democracia
populista de sua política. De acordo com Malloy, isso representou uma mudança
formal no sistema representativo, mas, no que diz respeito à construção do Welfare
State , não foram observadas mudanças significativas. Embora o Brasil tenha
adotado um regime democrático após 1945, muitas das estruturas corporativas
construídas nos anos precedentes permaneceram intactas, especialmente no
campo das relações de trabalho, como foi o caso da Previdência Social [Malloy,
1979, p. 83].
Do ponto de vista dos marcos institucionais, o período 1946/1964 é marcado pela
criação de instrumentos legais voltados para o funcionamento de um governo
democrático.
Nele, o autoritarismo perde espaço, porém o populismo continua sendo o traço
fundamental da relação Estado-Sociedade. Para Barcellos (1983), as mudanças na
economia e na política nesse período exigiram do Estado a ampliação e a
rearticulação de suas funções para suprir as necessidades advindas do
aprofundamento da concentração urbana e da modernização do país. Esses
requisitos gravitaram em torno de alguns temas básicos: “Em relação à Previdência
Social, os problemas da unificação administrativa, da universalização e da
uniformização de benefícios e serviços constituíram-se na tônica do período; na
área da saúde, estiveram em evidência as questões ligadas ao combate às
doenças de massa e à ampliação da assistência médica; no setor trabalho, as lutas
sindicais e a política salarial mobilizaram as atenções dos poderes públicos; no que
diz respeito à educação, foram a democratização do ensino e a qualificação
profissional os aspectos que assumiram maior relevância; finalmente, a
constatação
da existência de um expressivo déficit habitacional fez com que a habitação
passasse a ser encarada também como uma questão social” [Barcellos, 1983, p.
89].
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O incentivo dos governos populistas à mobilização das massas urbanas em torno
dos projetos da burguesia industrial permitiu uma organização e participação
política do movimento sindical sem precedentes na história brasileira. Como
conseqüência, foram introduzidas diversas modificações na legislação trabalhista
que envolviam questões de organização sindical, direito a greve e tutela do
trabalho, além de buscarem atender a algumas reivindicações sociais. A extensão
dos benefícios criados por essa legislação, no entanto, era limitada. A previdência,
por exemplo, limitava-se a uma fração pequena da população. ”Draibe (1989)
caracteriza o período por avanços nos processos de centralização institucional e
extensão dos esquemas de proteção social a novos grupos sociais, no entanto, no
que diz respeito a beneficiários, benefícios e instituições, há um padrão seletivo,
heterogêneo e fragmentado. É possível afirmar, em consonância, que o caráter
redistributivo do Welfare State brasileiro foi reduzido. Além da limitação em termos
dos grupos atendidos, a seguridade social baseava-se mais em um sistema de
redistribuição horizontal (entre indivíduos de um mesmo grupo) do que de
redistribuição vertical (entre diferentes grupos). Uma das razões para isso eram os
critérios de elegibilidade e provisão de benefícios. Uma parte significativa dos
programas (em especial os que não possuíam caráter assistencialista)
pressupunha a concessão de benefícios na medida da contribuição prévia para o
sistema, tratando-se, obviamente, de um mecanismo incapaz de romper a inércia
das desigualdades”(Malloy, 1979, p. 108).
Os governos militares iniciados em 1964 inauguram a fase de consolidação do
sistema, acompanhada por profundas alterações na estrutura institucional e
financeira das políticas sociais, que vai de meados da década de 1960 a meados
da década seguinte.
Nesse período, são implementadas políticas de massa de cobertura relativamente
ampla, mediante a organização de sistemas nacionais públicos ou estatalmente
regulados de provisão de serviços sociais básicos. Baseados em um regime
fortemente repressivo, os governos militares restauram muitas das tradições
corporativistas do Estado Novo [Barcellos, 1983]. Para Malloy (1979, p. 144), isso
representou uma retração do papel dos movimentos organizados de trabalhadores
em função de um modelo de desenvolvimento baseado na idéia de que a
concentração de renda e poder no núcleo capitalista da economia era um pré-
requisito para o crescimento.
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A relação entre o padrão de Welfare State e o modelo de desenvolvimento adotado
no Brasil nos governos militares foi objeto de análise por George Martine (1989).
Segundo Martine, somente após a tecnocracia ter registrado os êxitos do
planejamento no “milagre econômico” o modelo de política social do regime militar
começou a ser delineado. Nele, o progresso social seria derivado do crescimento
econômico.
O modelo de crescimento adotado pressupunha a necessidade de se acumular
renda para garantir as bases do crescimento. A redistribuição dessa renda
ocorreria posteriormente, por efeito de trickle down. Assim, a repressão a
movimentos sociais revindicatórios tornou-se um dos elementos da estratégia de
desenvolvimento nacional.
A concentração de renda, no entanto, tem custos sociais pesados. Para compensá-
los e garantir a estabilidade política necessária ao crescimento econômico, o
governo implementou uma série de políticas sociais de natureza assistencialista.
O modelo de Welfare State dos governos militares perdeu o caráter populista que
mantinha desde o período getulista e assumiu duas linhas definidas. A primeira, de
caráter compensatório, era constituída de políticas assistencialistas que buscavam
minorar os impactos das desigualdades crescentes provocadas pela aceleração do
desenvolvimento capitalista. A segunda, de caráter produtivista, formulava políticas
sociais visando contribuir com o processo de crescimento econômico. Nesse
sentido, foram elaboradas, por exemplo, as políticas de educação, que buscavam
atender às demandas por trabalhadores qualificados e aumentar a produtividade
da mão-de-obra semi-qualificada. Outros tipos de política, que tinham a função de
“modernizar” a vida social dos trabalhadores do núcleo dinâmico da economia
(funcionários do Estado, do setor financeiro, trabalhadores da indústria e de
setores a ela relacionados), tomando como referência o Welfare State de países
desenvolvidos, também foram implementadas conforme uma ótica produtivista:
deveriam ser auto-financiadas e, se possível, capazes de gerar excedentes
aplicáveis no setor produtivo ou em outras políticas sociais.
A base financeira e administrativa de um aparato estatal centralizado permitiu
ações mais abrangentes e complexas no campo social do que as observadas no
período getulista. Isso implicou um grande volume de recursos aplicados em
políticas sociais, o que estimulou a participação da iniciativa privada: “Os recursos
que circulavam pela área social passaram a ser estreitamente articulados com a
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política econômica, sendo subordinados, em várias áreas, ao critério da
racionalidade econômica. A iniciativa privada foi, assim, estimulada a assumir
importantes fatias dos setores de habitação, educação, saúde, previdência e
alimentação. Com essas inovações, a política social passou, inclusive, a ser um
dinamizador importante da iniciativa privada” [Martine, 1989, p. 100].
A privatização da política social criou uma tensão entre os objetivos
redistributivistas e as necessidades do processo de acumulação. Se, por um lado,
favoreceu sua expansão, por outro, tornou-a regressiva, transferindo recursos para
estratos de maior renda. Em razão de sua maior capacidade de mobilização
política e, portanto, de influenciar as decisões do poder público, esses estratos
conseguiram orientar as políticas sociais de modo a atender a seus interesses
políticos e particulares, produzindo ações ineficazes, ineficientes e regressivas
[Martine, 1989, p. 107].
Com o uso de uma variante da tipologia de Titmus, o Welfare State brasileiro é
classificado por Draibe (1989, p. 10) como meritocrático-particularista-clientelista
no período entre o início da década de 1970 e fins da década de 1980. Tipos
meritocráticos agem como mecanismos de estratificação social à medida que
definem políticas específicas para grupos sociais diferentes. Neles, um dos critérios
de elegibilidade é a participação do indivíduo na construção do sistema.
Diferentemente de um tipo residual puro, no qual a incapacidade de satisfazer às
necessidades por meio dos recursos oferecidos pelo mercado coloca o indivíduo
em uma situação “emergencial” e, portanto, merecedor dos serviços sociais; o tipo
meritocrático exige para elegibilidade, além da condição (relativa) de “resíduo”, o
pertencimento a determinado grupo (como a uma corporação, associação ou forma
de inserção no mercado de trabalho) que contribui diretamente para a sustentação
das políticas. Logo, como a seguridade não é estendida indiscriminadamente a
todos os indivíduos de uma sociedade, os tipos meritocráticos são também
particularistas. Tipos meritocráticos-particularistas tendem, no limite, a reforçar as
desigualdades preexistentes, tendo-se em vista que indivíduos com maior
dificuldade para satisfazer a suas necessidades são também indivíduos com menor
capacidade para contribuir para o sistema de seguridade.
No período marcado pela criação da base institucional e legal do Welfare State
brasileiro, o particularismo se expressava na forma de corporativismo. Da fase de
consolidação do sistema em diante, o caráter clientelista foi o que mais afetou a
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dinâmica das políticas sociais no país, manifesto por uma tendência a “feudalizar”,
sob o domínio de grupos, personalidades e cúpulas partidárias, áreas do
organismo previdenciário e, principalmente, pela distribuição de benefícios em
períodos eleitorais. A ampliação das políticas assistencialistas favoreceu esse
caráter do modelo, mas o clientelismo afetou também a educação e as políticas de
habitação e saúde [Draibe, 1989, p. 11].
As diversas modificações ocorridas após a década de 1970 para a universalização
do sistema reforçaram seu caráter meritocrático-particularista. O caráter
redistributivo do sistema foi reduzido a um conjunto de programas assistenciais,
com patamares mínimos muito reduzidos:
“Do ponto de vista da ampliação de direitos sociais e da definição de critérios de
acesso e elegibilidade, é certo que tendências universalizantes foram sendo
introduzidas no sistema. (...) Entretanto, tais tendências universalizantes que,
de fato, disseram respeito principalmente à ampliação das possibilidades de
acesso aos subsistemas sociais assim como a expansão massiva do sistema e
a oferta de serviços sociais publicamente organizados longe estão ainda de
conferir ao sistema brasileiro características do tipo “institucional-redistributivo”,
tendo antes reforçado seu caráter meritocrático-particularista” [Draibe, 1989, p. 12-
13].
Até as reformas ocorridas na década de 1980, o Welfare State brasileiro era
caracterizado por centralização política e financeira em nível federal, fragmentação
institucional, tecnocratismo, autofinanciamento, privatização e uso clientelístico das
políticas sociais [Draibe, 1989, p. 15; 1998a, p. 302]. Essas são características de
um sistema de proteção social que não tem pretensões de funcionar como
mecanismo redistributivo do produto da economia. Assim como na fase de
surgimento, sua constituição é direcionada à legitimação da ordem política e à
defesa dos objetivos estabelecidos pela cúpula do governo e expressa tanto a falta
de poder político dos movimentos de trabalhadores em geral quanto a falta de
autonomia da máquina burocrática.
Nesse período, no entanto, o Welfare State apresenta algum poder de regulação
sobre a demanda agregada, pois o modelo de desenvolvimento adotado baseia-se
explicitamente em uma segmentação da sociedade em que o mercado dos
produtos nacionais coincide com a elite dos beneficiários das políticas.
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Limitado pelos objetivos políticos de sucessivos governos, o Estado brasileiro
mostrou-se incapaz de distribuir competências e utilizar recursos de maneira
impessoal e eqüitativa. Disso resultaram várias deficiências do sistema, como
ineficiência e ineficácia dos programas sociais; superposições de competências,
objetivos e clientelasalvo; regressividade dos gastos sociais; altos custos de
implementação e administração; distanciamento entre formuladores e executores e
os beneficiários das políticas; quase total ausência de avaliação dos programas;
instabilidade e descontinuidade das políticas; e peso desproporcional dos
interesses burocráticos, corporativos e privados nas definições e na dinâmica de
funcionamento da máquina social do Estado [Draibe, 1989, p.15; Draibe,1998a, p.
302].
O início da Nova República, que marca o fim dos regimes militares, foi
acompanhado por avanços na área política, como o crescimento da atividade
partidária e sindical e o próprio aumento da participação popular no processo
eleitoral. Paradoxalmente, seguiu-se também de retração e desmantelamento das
políticas sociais.
Nenhum programa social de maior impacto foi lançado e alguns foram até mesmo
desativados. Martine (1989, p.108) atribui isso a vários fatores:
(a) a crise econômica causou retração dos recursos para a área social;
(b) a transição para a democracia em uma estrutura legislativa e executiva
montada no período autoritário favoreceu o uso eleitoreiro das políticas sociais;
(c) a falta de apoio político impediu a geração de programas de grande impacto
social;
(d) o excesso de expectativas acerca da nova constituição afetaram o rendimento
da tecnocracia e sua motivação para trabalhar na área social.
As mudanças promovidas no período entre 1985 e 1988 são denominadas por
Fagnani (1997, p.214) de “estratégia reformista”, que se caracteriza pela crítica à
centralização institucional e financeira do sistema. Para Fagnani, os diversos
planos de ação governamental instituídos nesse período priorizam o resgate da
“dívida social”, rejeitando a sujeição das políticas sociais às medidas de ajuste
macroeconômico. Os principais impulsos reformistas do Executivo Federal,
sobretudo no biênio 1985/1986, foram o reforço dos programas emergenciais no
campo da suplementação alimentar, a incorporação da reforma agrária e do
seguro-desemprego na agenda governamental e a instituição de grupos de
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trabalho e comissões setoriais (Draibe op.cit., p. 216). No Legislativo, a principal
medida foi a conclusão de parte do processo constituinte com a promulgação da
nova Constituição em outubro de 1988, “que
introduziu avanços formais, corrigindo iniqüidades e ampliando direitos,
especialmente
no campo trabalhista e na seguridade social” (Draibe op. cit., p. 218). Entretanto,
afirma Fagnani (1997, p. 220), esses impulsos foram seguidos por um
esvaziamento da estratégia reformista no período compreendido aproximadamente
entre 1987 e 1992. A “contra-reforma” conservadora é caracterizada por ampliação
do assistencialismo e do clientelismo, paralisação da “estratégia reformista”,
desmonte orçamentário e burocrático no campo social e oposição sistemática das
forças conservadoras do Executivo à agenda reformista, tanto em sua fase
constituinte quanto na regulamentação complementar.
A estratégia governamental de política social no período 1990/1992 é caracterizada
por um “vigoroso processo de desaparelhamento e fragmentação burocrática”
resultante de ataques à presença do Estado na vida social [Fagnani, 1997, p. 225].
A descentralização passa a ocorrer de maneira acelerada e caótica, o que provoca
vazios institucionais em determinados setores de política social e superposições
em outros. Até meados de 1990, o Executivo passou a privilegiar ações
assistenciais fragmentadas que favoreciam o fisiologismo e o clientelismo. Além da
superposição institucional e de programas, as políticas sociais nesse período foram
caracterizadas por cortes drásticos de orçamento sob a justificativa de necessidade
de descentralização administrativa. Segundo Fagnani (1997, p. 223), “(...) o
governo federal subitamente “lavou as mãos” quanto a sua responsabilidade em
uma série de programas que vinha gerindo centralizadamente há mais de três
décadas”.
A partir de 1993, no entanto, surgem inovações nas políticas sociais brasileiras que
são consideradas positivas por Draibe (1998a, 1998b, 2000). A descentralização
das políticas, a articulação de fato entre os diversos programas e a parceria entre
governo e movimentos sociais foram inovações que permitiram redução das
práticas clientelistas, distanciamento das políticas assistenciais e continuidade dos
programas. A introdução de critérios de delimitação territorial do público-alvo,
aliados aos de renda, permitiram melhor focalização dos beneficiários. Essas
17
transformações constituiriam, para Draibe, uma mudança radical, para melhor, no
perfil das políticas sociais brasileiras:
Esse perfil é marcado pela visão da assistência social como direito social,
universalização do acesso e gratuidade dos serviços estatais. A nova fase das
políticas sociais brasileiras seria marcada pela focalização baseada em critérios
mais amplos que o da renda individual, o reforço da seletividade e da focalização
sem perda do universalismo (com distribuição de benefícios na proporção inversa
das carências), redução do estatismo com preservação do caráter público e
gratuito dos serviços mediante parcerias com movimentos sociais e o setor privado
e a maior aceitação e apoio no meio político a programas de transferência
monetária direta, como os de renda mínima [Draibe, 1998a, p. 310]. A execução
dos diversos programas sociais, porém, ainda é afetada por problemas
relacionados à incompatibilidade da máquina estatal com os
novos desenhos de política:
“Entretanto, principalmente nos planos de organização e capacidades
administrativas, são grandes os obstáculos ainda enfrentados pelas políticas: a
duplicidade de redes, que reduz potencial de integração local da descentralização;
18
a ausência de políticas e de recursos de capacitação para as funções
descentralizadas; a ausência de sistemas de monitoramento, supervisão e
controles visando garantir padrões de qualidade dos serviços” [Draibe, 1998b, p. 7].
Há alguma controvérsia quanto aos resultados dos programas sociais brasileiros
na década de 1990. Peliano, Resende e Beghin (1995) veêm a articulação entre os
diversos programas sociais e a sociedade civil como uma conquista real de alguns
programas governamentais, mas essa posição foi alvo de contestações como a de
Suplicy e Neto (1995). Fagnani (1999) destaca que, apesar de possuir um discurso
distributivista, o governo federal conduz, na segunda metade da década, as
políticas sociais de forma incompatível com medidas de ajuste macroeconômico,
fazendo que avanços na área social fossem minados por políticas econômicas.
Cohn (2000, p. 2), por sua vez, é cética em relação a mudanças no padrão de
proteção social brasileiro. Sua tese é de que aquilo que o governo brasileiro
concebe como inovações e reformas setoriais ocorridas na segunda metade da
década de 1990 “(...) se configuram como um simples (porém grave) desmonte do
modelo getulista da era desenvolvimentista, sem no entanto superar na sua
essência o padrão tradicional de ação do poder instituído frente à questão da
pobreza, ou mais precisamente, dos pobres”.
Essa controvérsia também atinge assuntos relacionados à organização da
prestação de serviços sociais. Como a capacidade de prestação de serviços
sociais dos governos subnacionais é muito diversificada, a descentralização das
políticas sociais pode diminuir a chance de atuação sobre desigualdades regionais,
pois reduz a capacidade de transferências federais para as regiões mais pobres.
Souza (2000, p. 18) indica que, nos casos da saúde e da educação, que depois da
previdência são as principais áreas de gasto social, a descentralização foi feita sem
uma avaliação adequada da capacidade administrativa e financeira dos municípios
para a prestação desses serviços.
É ainda difícil avaliar em que medida incrementos organizacionais têm impacto
efetivo nas políticas sociais no Brasil. Mudanças no processo de produção de bens
e serviços sociais, como, por exemplo, os de descentralização ou articulação
institucional, podem ter pouco ou nenhum efeito real sobre as condições de vida da
população.
19
Tudo indica, porém, que melhores processos de produção têm maiores chances de
gerar produtos melhores e, portanto, que essas melhorias têm boas possibilidades
de se converterem em benefícios reais para a população.
Do ponto de vista da relação com as macroestruturas econômicas, a evolução das
políticas sociais no Brasil, assim como em outros países da América Latina, pode
ser relacionada a dois modelos de desenvolvimento: o modelo de substituição de
importações se inicia por volta da década de 1930 e persiste até a década de 1980,
quando o desenvolvimento da região passa a se dar conforme o modelo pós-
ajuste. Na fase de substituição de importações, o Estado assumiu papéis de
regulação, intervenção, planejamento, empreendimento e assistência social para
sustentar um modelo de desenvolvimento voltado para dentro cujo motor era o
mercado interno. Nesse período, as políticas sociais ajudaram a criar e a
consolidar uma classe média com poder de compra suficiente para garantir
demanda aos produtos manufaturados internos, muitas vezes agravando
desigualdades preexistentes na distribuição da renda.
No período pós-ajuste, os objetivos de equilíbrio e manutenção da economia,
redução da inflação, desestatização, orientação aos mercados externos (aumentos
de exportação), aumento da competitividade industrial, redução das barreiras
comerciais e modernização do aparelho de Estado e do sistema financeiro
norteiam as políticas públicas. Essa nova fase de desenvolvimento requer a
incorporação de novas tecnologias e, portanto, força de trabalho qualificada e
flexível. Com isso, os trabalhadores devem enfrentar maior rotatividade nos
empregos e um Estado mais austero, o que exige novos paradigmas de política
social para o grupo de países da América Latina no qual se inclui o Brasil [Franco,
1998, p.10].
Grande parte das mudanças organizacionais ocorridas no Welfare State brasileiro
é compatível à descrição da nova fase de desenvolvimento feita por Franco. É
possível, no entanto, que uma ênfase excessiva na descentralização e na
focalização das políticas acabe criando vazios institucionais em alguns casos e
superposição de políticas em outros. Pinheiro (1995, p. 88) aponta também para a
possibilidade de a focalização das políticas ser usada com fins eleitoreiros.
Mudanças institucionais normalmente implicam custos diversos e o preço do ajuste
da máquina do Estado à nova configuração de políticas sociais sob pressões de
cortes nos gastos do governo vem se traduzindo em impactos negativos na
20
provisão de benefícios sociais aos grupos mais vulneráveis da sociedade a curto
prazo, como sugere Fagnani (1999). Não existe uma indicação clara, portanto, de
que as mudanças na estrutura institucional das políticas sociais brasileiras
ocorridas ao longo da década de 1990 estejam representando uma ruptura de
tendência na trajetória do Welfare State brasileiro na direção de um modelo mais
distributivo.
CONCLUSÕES
21
não apenas limita o universo de beneficiários como também torna os gastos sociais
extremamente regressivos.
A partir da década de 1990, o Welfare State brasileiro passa por diversas
mudanças de caráter organizacional. Não é possível ainda avaliar se essas
mudanças têm impacto positivo sobre os produtos das políticas sociais. Mudanças
institucionais implicam custos e é possível que, em um contexto de pressões para
cortes nos gastos do governo, o preço do ajuste da máquina do Estado à nova
configuração das políticas sociais seja, a curto prazo, maior do que os benefícios
auferidos. Até o momento, não é possível afirmar que as mudanças na estrutura
institucional das políticas sociaisno Brasil ocorridas ao longo da década de 1990
resultarão, necessariamente, em um modelo de Welfare State efetivamente mais
distributivo.
22
respeito à educação, saúde, habitação, serviços sociais, defesa do consumidor etc.
Essas políticas são consideradas sociais por questões históricas e ideológicas. O
fato de se apresentar como social faz com que pareça boa à população
23
Assistência Social
• Em certos países desenvolvidos entre os quais o Canadá, a assistência
social é um direito consagrado em lei. Nos países latino-americanos a
assistência é prestada por órgãos governamentais ligados ao poder e
executivo e, com base numa distribuição limitada de recursos, que são
vinculados a objetivos eleitoreiros (tempo de eleição).
• No Brasil a assistência social esteve vinculada à Legião Brasileira de
Assistência – LBA, desde os primórdios de sua existência no Pós-Segunda
Guerra. Historicamente a assistência social brasileira implicou numa
transferência de dinheiro, bônus ou bens de consumo com base num
pedido, e de acordo com critérios de seleção. O indivíduo deveria provar que
se encontrava em estado de privação e impossibilitado de prover
imediatamente a sua subsistência.
• Foi a partir da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, lei 8.742 de
7/12/93, que a assistência social assumiu status de política pública.
• A LOAS trouxe mudanças na concepção, gestão e forma de financiamento
dos serviços, programas, projetos e benefícios na área de assistência social,
definindo em seu artigo 30 a criação e funcionamento efetivo de Conselhos,
Fundos e Planos.
• Esta redefinição da política pública de assistência social, apoiada no
fortalecimento do processo de descentralização democrática e participativa,
abre a perspectiva de gestão intergovernamental, destacando o
protagonismo dos municípios na proposição, coordenação e execução das
ações.
• Este cenário da assistência social exige novas competências e
qualificações, tanto dos governos quanto das entidades e organizações
responsáveis pela prestação de serviços assistenciais. No campo das novas
competências exige-se um profissional de Serviço Social com competência
crítica, informado e propositivo que contribua fortemente no protagonismo
dos sujeitos sociais.
24
Novo Conceito de Assistência Social
25
• 2) A segurança de rendimentos não é uma compensação do salário mínimo
inadequado. É a garantia do direito de sobrevivência independente das
limitações humanas para o trabalho ou do desemprego. Ex: pessoas
portadoras de deficiências, idosos, desempregados, famílias numerosas,
famílias desprovidas das condições básicas para a sua reprodução social
em padrão digno e cidadã.
• 3) A segurança da acolhida está relacionada à provisão de necessidades
humanas do direito à alimentação, ao vestuário e ao abrigo, próprios à vida
humana em sociedade. Ex: criança, idoso com problema de saúde física ou
mental; separação da família em decorrência de violência familiar,
drogadição, alcoolismo, desemprego prolongado e criminalidade.
• 4) A segurança de convívio diz respeito à não aceitação de situações de
reclusão, e de perda das relações. A dimensão multicultural, integeracional,
interterritoriais, intersubjetivas devem ser ressaltadas na perspectiva do
direito ao convívio. Esta lacuna deve ser preenchida pela assistência social.
26
• Destina-se a atender famílias com filhos na faixa etária de 7 a 15 anos, que
se encontram inseridos no trabalho infantil, principalmente em atividades
consideradas perigosas, penosas, insalubres e degradantes.
27
• Apoio técnico e financeiro a serviços de proteção social básico e especial, a
programas e projetos executados por estados, municípios, Distrito Federal e
entidades sociais, destinados ao atendimento da pessoa idosa em situação
de pobreza ou outras necessidades.
28
Sistema Único de Assistência Social – SUAS
29
A POLITICA DE SEGURIDADE SOCIAL
30
os trabalhadores de transporte (principalmente ferroviários e marítimos) e
contra os acidentes de trabalho.
• Essas medidas são conhecidas como Lei Eloy Chaves, de 1923, que criou
as Caixas de Aposentadorias e Pensões aos ferroviários. Esta Lei foi
estendida aos trabalhadores marítimos, em 1926. Nesse mesmo ano os
trabalhadores das Companhias Telegráficas e radiotelegráficas obtiveram o
mesmo direito.
• A década de 30 é marcada por fortes conflitos políticos e sociais. O poder
oligárquico foi se deslocando para a hegemonia burguesa. O país se
industrializa e depois da 2ª guerra vai-se ampliando, de forma concentradora
e excludente. Cria-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio, em
1931, e começa a era dos Institutos de Aposentadoria e Pensões – IAP’S,
por setor e por fábrica.
• Em 1934 a Constituição Federal consagrou o direito à Previdência. Em 1935
– 1937 passou-se a conceder benefícios aos segurados
• Note-se que só a partir de 1930 que o Estado interveio na Previdência
Social, para controlar as reivindicações das massas trabalhadoras.
• Em 1966 todos os IAP’S foram integrados no INPS (Instituto Nacional de
Previdência Social), transformando-se em Ministério em 1974. Em 1974 foi
criado o Funrural pela Lei 6.195 estendendo certos benefícios aos
trabalhadores rurais que representavam 44,3% da população ativa do país.
Em 1972 – 73 já tinham ocorrido à inclusão dos autônomos e domésticos
• Na Constituição de 1988 a Previdência Social e definida como direito social
no âmbito da seguridade social. Esta conceituação passa ao largo da
cidadania regulada, ou seja, contraria esse tipo de cidadania presente no
país até então. Segundo Evaldo Vieira (1997), em nenhum momento a
política social encontrou tamanho acolhimento em Constituição brasileira
como acontece na de 1988.
• Esta Constituição unificou os planos de previdência entre trabalhadores
urbanos e rurais, estendendo aos rurais benefícios antes concedidos
somente a trabalhadores urbanos (aposentadoria especial, aposentadoria
por tempo de serviço, auxílio-reclusão, auxílio-acidente, auxílio-natalidade,
salário-maternidade e pecúlio.
• E mais:
31
• - piso de um salário mínimo para todos os benefícios;
• - redução da idade em 5 anos para as aposentadorias rurais; a mínima para
os homens aos 60 anos e para as mulheres aos 55 anos;
• - garantia da irredutibilidade do valor dos benefícios.
32
tempo de contribuição (35 anos de contribuição para homens e 30 anos
para mulheres);
• Fim da aposentadoria especial dos professores universitários; abertura para
o mercado privado do seguro acidente de trabalho; limite máximo de R$
1.200,00 para o valor dos benefícios do regime geral de Previdência;
E ainda:
• Previsão de gestão quadripartite da Previdência Social, por meio da
formação de conselhos, com a participação dos trabalhadores ativos e
inativos, empresários e governo, sem, no entanto, prever que esses
conselhos seriam deliberativos;
• Restrição do salário-família e do auxilio-reclusão aos dependentes dos
trabalhadores de baixa renda (quem recebe menos de R$ 360,00);
• Alteração do cálculo dos benefícios, retirando do texto constitucional a
referência de que esse cálculo seja feito com base nas 36 últimas
contribuições.
• A reforma da Previdência reduziu as despesas do INSS em 1,7 bilhões em
1999. Começou a ser implementado um outro padrão de regulação social
havendo, pois, um redimensionamento dos mecanismos de prestação
social.
• Ao desvincular o acesso a aposentadoria do tempo de trabalho existente e
instituir o acesso pelo tempo de contribuição, transformam-se um direito
social básico, a aposentadoria conquistada pelo trabalho, em um seguro
individual, adquirido de acordo com a capacidade contributiva de cada
indivíduo.
• O trabalho deixa de ser a porta de entrada para o acesso, como ocorreu
historicamente. Há uma mudança no padrão de regulação social porque o
trabalho formal era a via de acesso do trabalhador à proteção social,
mecanismo que determinou a cidadania regulada, elaborada por
Wanderley Guilherme dos Santos.
• No processo de reforma da Previdência estava embutida a
institucionalização do trabalho informal e desregulamentado, à medida que
se desvincula o acesso dos trabalhadores a determinados benefícios a sua
33
inserção no mercado formal de trabalho e vincula esse acesso à sua
capacidade individual de contribuição.
• Busca-se vender a idéia de que o trabalho perdeu a sua capacidade de
integrar os indivíduos na sociedade; enfatiza-se o processo de
mercantilização dos serviços sociais e de individualização das relações
sociais e quebra-se a dimensão coletiva dos trabalhadores.
• Opera-se uma redução do cidadão em consumidor e definem-se os critérios
de integração dos indivíduos na sociedade pela participação na esfera do
mercado.
34
seletividade. Direciona-se aos estritamente pobres por meio de uma ação
humanitária coletiva, e não como uma política dirigida à justiça social e a
igualdade.
• A assistência social passa a ser pensada de modo residual, apenas para
complementar o que não se conseguiu via mercado ou ainda por intermédio
de recursos familiares e/ou comunidade.
• Em relação à Previdência Social
• Redução nos gastos do Estado;
• Privatização (com suas diferentes formas)
• Seletividade (recurso para os mais pobres dos pobres)
• Tributação de bem-estar (cortes nos impostos para facilitar a
filantropia particular)
• Sônia Draibe aponta algumas perspectivas para a assistência que apontam
três estratégias de ajustamento econômico:
• Fiscalização – garantia para que os recursos cheguem ao cliente-alvo
(seletividade)
• Privatização – atividade estatal e substituída, menos pelo setor privado
lucrativo do que pelas entidades associativas, pelas ONG’s e outras.
• Descentralização – para aumentar a eficiência e a eficácia dos gastos e uma
maior integração com o nível local.
35
• Estado mínimo: propõe a redução do papel do Estado-Providente,
enquanto gestor das políticas públicas para conter e redimensionar os
gastos públicos. A área social passa a ser de responsabilidade da própria
sociedade sob a égide da caridade privada;
• Auto-regulação do mercado: criam-se mercados, segregados tais como:
União Européia, Nafta, Tigres Asiáticos e Mercosul. Nesses mercados estão
estabelecidas leis protecionistas dentro de cada bloco econômico.
• Essas mudanças vêm sendo gestadas desde o Pós-Segunda Guerra,
sobretudo a partir da publicação da obra Caminho para a Servidão, escrita
por Frederico Hayek em 1943. Ronald Reagan, nos Estados Unidos e
Margareth Thatcher na Inglaterra, foram os maiores divulgadores e adeptos
ferrenhos da nova tendência ideológica que se desenhava a partir das
fissuras e desgastes econômico-sociais do período recessivo do pós-
Guerra.
• Nos países de economia periférica a crise do Estado se materializa a partir
do Consenso de Washington de 1989. Os países do G-7: Inglaterra, França,
Alemanha, Itália, Canadá, EUA e Japão se reuniram em Washington para
encontrar saídas para a crise do capital. As principais diretrizes aprovadas
foram:
• Setor Público
• redução do Estado
• privatização das estatais
• liberdade de mercado
• Setor Privado
• reestruturação produtiva: racionalização do trabalho com
mudanças de método (toyotismo e não mais o taylorismo e o
fordismo)
• redução da classe operária (redução da jornada de trabalho,
redução dos salários, férias coletivas, exigência de qualificação
profissional, multifuncionalidade, escolaridade e critérios de
jovialidade).
• Exigência de qualidade total às empresas
36
• Em termos gerais o modelo político centrado no neoliberalismo reduz o
Estado ao mínimo, cabendo a ele intervir na ordem econômica e social sob
três parâmetros:
• Defesa contra possíveis agressões externas
• Administração da Justiça
• Reorganização do mercado (só se ele apresentar equívocos na esfera do
consumo ou que apresente diferenças nocivas entre poupança e
investimento).
• O sistema político deve ser institucionalmente autônomo do sistema
econômico. Deve haver uma nítida distinção entre as esferas do público e
do privado.
A partir desse modelo geral é possível afirmar que para o argumento
neoliberal o critério de justiça social está embutido no próprio mercado. Se a
proposição de que a ordem capitalista é natural, no sentido de que está inscrita na
própria natureza humana, é fácil perceber que a desigualdade é plenamente
compatível com as trocas eqüitativas que se desenvolvem no mercado.
As desigualdades são produto da utilização diferente que os indivíduos
desenvolvem a partir de sua liberdade natural. Essas desigualdades são justas
porque foram “desejadas” pelos próprios indivíduos, não sendo produto de
injustiças impostas. Seriam injustas as ações do Estado se este procurasse
amenizar essas desigualdades.
37
• Público, neste contexto, tem um sentido restrito – é sinônimo de estatal:
refere-se ao funcionamento de um aparato que detém o monopólio legítimo
da ordem social
• A esfera pública burguesa desenvolve-se no contexto do mercantilismo:
começam a prevalecer os interesses do capital comercial. O velho modelo
de produção capitalista transforma-se com a introdução do intercâmbio de
matérias-primas e produtos acabados ou semi-acabados.
• A esfera privada começa a se destacar como esfera distinta, e a privatização
do processo de reprodução social desenvolve-se no interior da constituição
do mercado, submetido a diretrizes estatais.
• É esta esfera privada da sociedade que adquiriu relevância pública, o que
caracterizou, segundo Arendt (1991), a moderna relação da esfera pública
com a esfera privada, engendrando o nascimento do social. A sociedade
agora é a instância de dependência entre os homens.
• Surge, assim, uma esfera social repolitizada, que não pode mais ser
classificada sob a denominação de público ou privado. Neste espaço,
misturam-se os âmbitos estatizados da sociedade e os setores socializados
do Estado (Habermas, 1981).
38
do Estado (e também no interior do Estado) é a esfera pública burguesa
segundo Habermas.
• O público composto de pessoas privadas politicamente reacionárias
(burguesia) vai sendo substituído por um conjunto de instituições (partidos,
organizações sindicais, associações corporativas, entidades patronais,
movimentos sociais, ONG’S, etc), que passam a assumir a tarefa de
mediação entre a sociedade civil e o Estado.
• Neste sentido, a esfera pública, constitui-se na arena da grande
política, onde todos se expressam como sujeitos de direitos e deveres
no âmbito da cidadania.
• O não estatal está circunscrito ao âmbito das empresas e do grande
capital, que não estabelecem relações claras com o Estado e com a
sociedade civil.
• A natureza do Estado mínimo e as metamorfoses da agenda pública
nos anos 90.
• Para além das questões teórico-filosóficas o neoliberalismo opera com
conceitos, tais como: “gastar é ruim. É bom ter prioridades. É ruim exigir
programas. Precisamos de parcerias, não de governo forte. Falem de
necessidades nacionais, não de demandas de interesses especiais. Exijam
crescimento, não distribuição. Acima de tudo tratem do futuro. Repudiem o
passado”. (Draibe, 1993). As palavras soam como combinações aleatórias
de palavras mágicas.
• Natureza do Estado Mínimo: o mercado constitui o melhor e mais eficiente
mecanismo de alocação de recursos. A redução do Estado (do seu tamanho,
do seu papel e de suas funções) é o mote e o móvel dessa ideologia,
repetida já suficientemente para que não necessitemos pensar.
• O neoliberalismo é um simulacro do liberalismo americano em que se
inspira. Está mais próximo de conservadores como Gilder (1981); Charles
Murray (1984) integrantes da Nova Direita americana. Também no domínio
das políticas sociais, o fôlego teórico neoliberal é bastante reduzido.
• No Amazonas, o governo estadual comanda 90,5% da estrutura hospitalar
pública e 40,1% das unidades ambulatoriais públicas.
39
ASSISTÊNCIA SOCIAL E CIDADANIA
40
da ordem, da liberdade, da historia e da democracia. Trata-se da existência de uma
realidade social e política.
41
Esta predisposição crítica e de indignação frente a ordem estabelecida e as
graves conseqüências da questão social, refletem na ação dos profissionais
como um engajamento ético no dorso da cidadania e no reino da política.
42
Mudou o lugar do Estado. Agora não é mais a reforma agrária, é o
desenvolvimento agrário. Não é mais a empregabilidade é a geração de renda,
fazendo aparecer o trabalho como direito e não mais o emprego contratual.
Mudou o lugar do empresariado. A FIESP é uma falsa representatividade. Já
não representa os interesses mais amplos da elite brasileira. Votorantin é um
conglomerado econômico de 95 empresas que não está afinado com a FIESP, está
mais próximo da CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).
Agora existe a Secretaria da Mulher com status de Ministério, Secretaria de
Economia Solidária, Secretaria de Políticas Raciais, Secretaria de Políticas
Indígenas, Ministério das Cidades.
Houve um deslocamento no tabuleiro da sociedade civil. Agora é a hora do
protagonismo dialógico, propositivo e construtor de um novo demiurgo brasileiro.
Passou o tempo histórico da radicalidade dos conflitos, do enfrentamento
abrupto com os patrões e com o Estado. Agora trabalhadores e patrões assentam-
se à mesa para discutir e encaminhar políticas públicas em conjunto. Vide o
exemplo das Comissões Estaduais e Municipais de emprego e renda; os conselhos
de assistência social, saúde e os fóruns de políticas públicas existentes.
Trata-se de um protagonismo sócio-educativo que busca resgatar os ideais
republicanos do respeito às diferenças e da construção de uma nação equânime e
sem apartheid social.
A política pública é racional, ética e cívica. Reposicionar o protagonismo
histórico dos profissionais das áreas de intervenção no social significa sair da
epiderme da assistência social que marcou o cenário brasileiro no nível residual e
descontínuo. Temos que criar padrão de qualidade que sai do paradigma
humanitário. Ex: incubadora social, economia solidária, construção de rede de
saberes para fazer rodar o conhecimento produzido no campo das políticas e dos
serviços sociais.
Precisamos nos unir para fortalecer o conjunto de categorias e, assim, forçar
o município e o Estado a abraçarem o SUAS como um desafio ético de
universalização dos direitos sociais. É preciso lutar pela implementação deste
sistema, potencializando o protagonismo popular para a construção de uma
democracia de massa, soberana e com acesso ao fundo público.
Não significa fazer apaziguação dos conflitos. Trata-se de vozes
emancipatórias que querem um outro Brasil possível, uma outra Amazônia é
43
possível sem coronelismo e mandonismo. O espaço do trabalho profissional
constitui-se em territórios de resistência em favor da eqüidade e da universalização
de direitos no âmbito da justiça social.
A atuação profissional mudou de eixo. Não é mais sobre o indivíduo e seu
comportamento que se atua, mas sobre suas relações, sobre seus vínculos, suas
necessidades, seus espaços e seus nexos problemáticos.
O trabalho social funda-se na práxis social que remete para o horizonte da
transformação social. Todo trabalho social possui um cunho político, significando
compromisso com o projeto transformador (Carvalho, 1983). Trata-se de uma
prática política desenvolvida no interior das instituições.
O campo das políticas sociais, embora carecendo de um maior rigor conceitual, recebe
sua melhor definição quando tratado sob a égide do conceito de cidadania. Assim, as
políticas sociais tratariam dos planos, programas e medidas necessários ao
reconhecimento, implementação, exercício e gozo dos direitos sociais reconhecidos em
uma dada sociedade como incluídos na condição de cidadania, gerando uma pauta de
direitos e deveres entre aqueles aos quais se atribui a condição de cidadãos e seu
Estado. Esta relação jurídica de reciprocidade inclui, além dos direitos sociais, os
direitos civis e políticos, sendo que, embora cada um destes elementos tenha tido um
curso histórico distinto no seu desenvolvimento, atualmente estão entrelaçados e
indissociavelmente vinculados à noção de cidadania.
Com relação às medidas de proteção social que o Estado implementa através das
políticas sociais, há que se reconhecer sua heterogeneidade, já que elas não têm
necessariamente o mesmo significado político e jurídico no que diz respeito ao
exercício dos direitos sociais. As diferentes formas assumidas pela proteção podem ser
separadas a partir do contexto social e político no qual historicamente tiveram origem,
44
desde o surgimento do Estado Moderno. Assim, poderíamos distinguir três
modalidades principais: Assistência Social, Seguro Social e o Estado do Bem-Estar
Social. Para além de sua origem em momentos distintos, trata-se de assinalar que tais
modalidades foram marcadas por estes contextos, diferenciando-se também ao nível
das relações políticas, jurídicas e institucionais.
As políticas sociais que tiveram origem neste contexto são conhecidas sob a
designação de Assistência Social e incluíam o reconhecimento de uma necessidade, e
alguma proposta de aliviá-la. Caracterizam-se por assumir que esta situação de
necessidade decorre de um problema de caráter do necessitado, razão pela qual a
assistência é provida em condições que tentam parcialmente compensar falhas
passadas e prevenir contra falhas futuras.
A segunda forma assumida pela proteção social já é fruto de um contexto social no qual
a classe operária é reconhecida como ator qualificado na ordem política e econômica.
45
O Seguro Social tem como característica destinar-se à cobertura da população
assalariada com a qual se estabelece uma relação jurídica do tipo contratual: os
benefícios são, em regra, proporcionais à contribuição efetuada, não guardando
relação imediata com as necessidades do beneficiário. A participação tende a ser
compulsória e, embora restrita a uma parcela da população, é uma relação de direito
social estabelecida com base em um contrato. Trata-se, neste caso, da cidadania
regulada pela condição de exercício de uma ocupação oficialmente reconhecida, o que
lhe garante a assinatura da carteira de trabalho.
46
formas descritas de política social, embora a convivência nem sempre se dê sem
conflitos e contradições.
Estudiosos afirmam que a assistência aos pobres do século XIX permanece até hoje
para o exército industrial de reserva, enquanto o Seguro Social cobre os trabalhadores
engajados no mercado formal de trabalho, e este anacronismo é uma função de classe.
Outro ponto que parece ser crucial para a compreensão da relação entre as
modalidades de política social é o predomínio do seguro social como estrutura medular
de toda a política de proteção, de tal forma que se possa afirmar que as outras
modalidades a ele se acoplam contraditória ou complementarmente. A comprovação
desta nossa hipótese pode ser encontrada em distintas evidências em face de
contextos sócio-econômicos diferentes: seja pela tendência histórica de manutenção de
altos índices de emprego apresentada até recentemente pelos países desenvolvidos,
fazendo com que a estrutura do seguro coincidisse com a do estado do bem-estar,
seja, ainda, no caso inverso, relativo aos países de desenvolvimento dependente e
retardatário, onde a única política social efetiva é a do seguro, colocando todos os que
estão fora do mercado formal na condição de pré-cidadãos.
47
preservando o caráter político inerente a cada modalidade assinalada. Se, é correto
tomarmos a análise das políticas sociais a partir do eixo central da estrutura
previdenciária, esta abordagem coloca duas ordens de questões que merecem ser
tratadas integralmente, sem que a urgência de solucionar uma delas implique
abandonar a outra a sua própria sorte.
Está cada vez mais claro, tanto para a população brasileira quanto para seus
dirigentes, que a estabilidade da transição política será dada na medida em que o novo
sistema democrático incorpore efetivamente as demandas sociais.
Embora estes últimos problemas sejam bastante dramáticos neste momento, não se
deve negligenciar a necessidade de repensar a política social em geral, com vistas a
oferecer proposições à Assembléia Constituinte, limitando-nos a solucionar as falhas do
sistema atual sem que este próprio sistema venha a ser objeto de transformações. Por
outro lado, não se pode cair no erro oposto que consistiria em definir princípios
doutrinários compatíveis com a redemocratização da sociedade, sem pesquisar os
mecanismos de operacionalização desta política.
48
DOIS MODELOS CLÁSSICOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
O primeiro sistema de seguro social foi criado por Bismarck na Alemanha, compondo-
se de três seguros compulsórios: o seguro saúde (1883), o seguro de acidentes (1884)
e o seguro de velhice e invalidez (1889).
Neste sentido, a concepção feudal na qual prepondera o binômio que troca proteção
por dependência foi de certa forma preservado, só que agora a proteção social
passava a ser fornecida pelo Estado.
Fica assim explicado por que o projeto do seguro social não se originou no seio da
classe operária alemã, altamente politizada, mas sim na burocracia estatal, recebendo
a oposição veemente do movimento operário e o apoio dos partidos conservadores. O
seguro social foi assim criado como um instrumento de cooptação de setores da classe
operária, de forma a diminuir o seu potencial revolucionário.
Este contexto vai imprimir uma marca fundamental no sistema do seguro social alemão
que se revela na sua estrutura interna e na sua doutrina. Com relação à doutrina,
assume-se como filosofia central do sistema a manutenção do status econômico do
indivíduo durante sua vida laboral ativa, preservando através do seguro esta mesma
condição em um momento de necessidade. A operacionalização deste princípio
doutrinário encontrou no modelo do seguro privado a sua melhor inspiração, já que os
49
benefícios a serem auferidos pelo segurado são proporcionais à sua contribuição
pretérita para o sistema. Além disso, os direitos sociais assim adquiridos são restritos
àqueles cidadãos que, por sua inserção no mercado de trabalho, são
compulsoriamente vinculados ao sistema de seguro.
O modelo do Seguro Social apresenta alguns problemas que devem ser aqui
apontados:
— Os direitos sociais são garantidos apenas para uma parcela da classe trabalhadora
que quase sempre não é a mais necessitada.
50
— Não geram um compromisso do Estado de garantir o gozo dos direitos sociais, mas
sim de administrar o sistema.
51
sistema, já que as contribuições individuais mínimas não dariam para cobrir encargos
tais como saúde e o cuidado infantil.
O Welfare State é até hoje o modelo mais avançado de Previdência Social nos países
capitalistas ocidentais, e sua origem encontra explicações no fato de ser, ao contrário
do caso alemão, uma conquista de uma classe operária reformista, em dois séculos de
luta contra o pensamento hegemônico da burguesia liberal. Assim, quando o Partido
dos Trabalhadores chegou ao governo, tratou de consolidar a cidadania como uma
conquista social. Por outro lado, este momento coincidiu com uma nova etapa da
produção, em bases monopolizadas, que requeria um trabalhador em condições mais
hígidas. Outro fator importante foi a reformulação do estado capitalista em busca de
novas estratégias legitimadoras no pós-guerra, já que tanto a proposta comunista
quanto a fascista minaram as bases da solidariedade da classe trabalhadora à
democracia liberal.
Fica cada dia mais claro a complexa relação entre a Previdência Social e
desenvolvimento, entendido não apenas como crescimento econômico, mas também
pela sua orientação por uma melhor distribuição e redistribuição da riqueza social. A
crise atual não se alterará enquanto as velhas indústrias européias continuarem em
declínio e o desenvolvimento econômico for regredindo dia-a-dia. No entanto, os
governos europeus buscam através de diversas medidas paliativas enfrentar a crise do
estado-providência. Na Alemanha, o governo tem subsidiado a repatriação dos
52
emigrantes com o objetivo de diminuir o número de dependentes do sistema
previdenciário. Já o governo conservador inglês tem propalado sua intenção de cortar
benefícios para diminuir os custos do sistema, sendo que, na prática, tem ocorrido o
contrário, ou seja, o aumento anual do gasto público com o sistema previdenciário, que
hoje representa cerca de 30% de todos os gastos públicos. Recentemente, o governo
britânico divulgou um documento intitulado Green Paper, onde consolida sua proposta
de reversão do Welfare State para o modelo de seguro social, em um prazo previsto de
15 anos, a ser iniciado em 1987, caso conseguisse demover a ferrenha oposição que
se generalizou contra a reforma proposta.
53
beneficiário (caso alemão), seja por um sistema misto, com a definição de um mínimo
geral ao qual se sobreponha um adicional, calculado em proporções decrescentes,
quanto maior for o correspondente ingresso ativo (método adotado na Costa Rica)
DESIGUALDADE NA COBERTURA
O esforço feito por alguns países no período mais recente, no sentido de estender a
cobertura a grupos de trabalhadores anteriormente excluídos do sistema, não alcançou
resultados expressivos, na medida em que os custos da filiação à previdência são tão
altos relativamente à renda dos. trabalhadores inseridos na economia informal que se
torna proibitivo o exercício deste direito.
54
como, por exemplo, no caso do Brasil, onde, em 1976, 61,27% dos empregados
possuíam carteira de trabalho assinada — condição para o recebimento de vários
benefícios — enquanto que, em 1983, este percentual caiu drasticamente para
52,78%.
REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Além disso, a iniqüidade para com os que estão excluídos do sistema é aumentada
pelo fato de que, indiretamente, todos os cidadãos contribuem para o financiamento do
sistema, já que pagam impostos ao Estado e consomem produtos para cujos preços foi
repassado o ônus do empregador com a previdência. Internamente ao sistema, a
55
concessão dos benefícios tende a aumentar a iniqüidade, já que, por exemplo, as
aposentadorias por tempo de serviço e por velhice só atingem a parcela mais bem
aquinhoada dos trabalhadores. Perversamente, o sistema brasileiro tem como seu
benefício mais democrático a aposentadoria por invalidez, que atinge amplamente os
trabalhadores mais pobres e suscetíveis aos azares de um processo de
desenvolvimento de cunho selvagem.
56
reconhecimento dos direitos sociais a partir de uma definição social da cidadania
universal.
Os dois períodos mais marcantes na história das políticas previdenciárias nos países
latino-americanos do cone sul estão determinados pela vigência de governos
populistas e sua posterior substituição pelas ditaduras militares. No caso dos regimes
populistas, houve uma crescente politização das relações sociais, sendo que o
mecanismo institucional previdenciário foi fundamental na cooptação de setores
trabalhistas ao projeto estatal, ao mesmo tempo em que funcionaram como canal
eficiente de escoamento da demanda política e social de tais grupos.
57
incorporação de novos setores ao sistema ou mesmo da melhoria dos benefícios.
Assim como o desenvolvimento político latino-americano, ao afastar-se do modelo
social-democrata, imprimiu características próprias aos nossos sistemas
previdenciários, também a modalidade de desenvolvimento econômico dependente,
associado e retardatário, incide diretamente sobre a problemática, agravando-a, por um
lado, e limitando sua possibilidade de expansão, por outro lado. O crescimento
econômico na América Latina tem-se caracterizado pelo fenômeno da urbanização
rápida e concentrada, acompanhada da transformação dos padrões de consumo
citadinos, sob a influência dos setores de mais alta renda, e pela incapacidade dos
setores dinâmicos da economia oferecerem empregos que absorvam a população
urbana, levando à formação e crescimento de camadas da população situadas de
forma dita marginal, seja em relação à inserção no mercado de trabalho, seja em
relação à moradia, consumo e participação política.
Neste sentido, também a nossa política social terá necessariamente que diferir dos
modelos desenvolvidos nos países centrais, cujo pressuposto inicial é o
desenvolvimento econômico com tendência ao pleno emprego, baixo nível inflacionário,
etc.
Por outro lado, o processo de industrialização levado a cabo entre nós caracterizou-se
por seu caráter excludente em relação às necessidades dos trabalhadores, de tal forma
que se fala do capitalismo selvagem, para indicar o desrespeito às condições mínimas
de segurança do trabalho e garantia de manutenção e reprodução da força de trabalho.
Este problema incide diretamente no sistema previdenciário, ao provocar um
envelhecimento precoce do sistema. Os elevados índices de aposentadoria por
invalidez no Brasil têm sido responsabilizados pelo alto índice de dependência entre
58
contribuintes e beneficiários, da ordem de 1/2,74 em 1981, o que é comparável ao
envelhecimento natural dos sistemas europeus. Finalmente, outro problema
freqüentemente apontado é o relativo ao financiamento da Previdência incidir
basicamente sobre o fator trabalho, onerando-o de tal forma, que acabaria
contribuindo, em alguma medida, para o aumento do nível de desemprego nas
sociedades latino-americanas.
Informações Gerais
Este livro de Ana Elizabete Mota apresenta uma análise geral da crise dos
anos 1980, evidenciando os processos econômicos que afetaram os países
centrais e periféricos. A autora discorre sobre a construção da cultura política da
crise em seus traços gerais, com destaque particular para o Brasil.
A seguridade social, objeto de estudo da autora, aparece no contexto dos
anos 80 e 90 como expressão do movimento de formação de uma cultura política
da crise, marcada pelo pensamento privatista e pela constituição do cidadão-
consumidor. As mudanças que ocorreram no mundo do trabalho determinaram a
não intervenção do Estado na área social desembocando na reforma da
Previdência Social.
Segundo os propósitos da autora não se trata de discutir os impactos da
cultura da crise nas tendências da seguridade social brasileira, mas de examinar as
particularidades da seguridade em tempos de crise.
A primeira hipótese apresentada é a de que o lugar ocupado pela
seguridade social, no processo de produção e reprodução social particulariza, no
plano material e político, sua vinculação com as necessidades de socialização dos
custos da reprodução da força de trabalho enquanto condição da acumulação do
capital e com o processo político deflagrado pelos trabalhadores em torno das
conquistas sociais, institucionalizadas nos direitos sociais.
59
política dos trabalhadores e do capital. Esse processo depende do grau de
desenvolvimento das forças produtivas e do nível de socialização da política
conquistado pelas classes trabalhadoras.
No momento de crise econômica este quadro fica mais explícito. O capital
tenta superar as crises de sua reprodução, sem perder a condição de classe
hegemônica, valendo-se dentre outras medidas, das políticas sociais. Estabelece-
se uma relação entre crise e hegemonia, que é indicativa de uma concepção
teórica e política amplamente polemizada no interior do marxismo.
60
hegemonia também age sobre o modo de pensar, de conhecer e sobre as
orientações ideológicas e culturais, presentes nas propostas e nos discursos das
classes.
Mota deixa claro que a sua discussão da crise está centrada no âmbito da
formação de cultura, aqui entendida como componente fundamental da hegemonia.
Os anos 80 constituem-se num período de crise orgânica, no qual a burguesia
tenta reestruturar a sua hegemonia, no interior do processo de correlação de forças
entre as classes.
Não se pode deixar de assinalar que, nos anos 80, emerge no cenário
político brasileiro o novo sindicalismo, cuja característica principal é a politização
das demandas dos trabalhadores assalariados. Há, portanto, uma relação entre o
crescimento dos setores produtores de capital intensivo e a ampliação do
movimento sindical.
Reconhecidos como sujeito político pelo grande capital, o sindicalismo dos
anos 80 inaugura a prática das negociações coletivas entre grandes sindicatos e
grandes empresas, consolidando o processo de fordicização das relações de
trabalho no Brasil.
Esse movimento, contraditoriamente, determinou um outro perfil na
seguridade social brasileira, marcado pela ação das empresas e do mercado no
agendamento de serviços de saúde e previdência, constituindo uma prática em que
a seguridade e a produtividade do trabalho se resolvem na moderna empresa
capitalista, como produto de acordos entre grandes empresas e grandes
sindicatos.
A autora afirma que o núcleo básico do movimento da seguridade no Brasil,
em tempos de crise, é a assistencialização da seguridade social brasileira, que
ocorre em sincronia com o movimento de privatização.
Nos discursos oficiais, a crise econômica que se inicia nos anos 70, e que se
torna mais visível nos anos 80, é vista a partir de fatores externos, como é o caso
da crise do petróleo de 1973, das lutas sociais pela libertação dos povos do
Terceiro Mundo, do comportamento dos sindicatos etc.
Os prenúncios da crise, emergentes nos anos 60, foram inicialmente
enfrentados com a intensificação do processo de internacionalização do grande
capital. É a emergência de processos inflacionários do dólar e do custo de vida que
leva a economia a enfrentar um novo ciclo recessivo em 1980. Isto é: inflação,
expansão do mercado financeiro em detrimento do setor produtivo, que apresenta
baixa evolução da utilização da capacidade instalada das empresas.
A crise dos anos 80 se qualifica como uma crise do capital, cuja principal
determinação é econômica, expressa num movimento convergente em que a crise
da superprodução é administrada mediante expansão do crédito para financiar
tanto os déficits dos países hegemônicos como a integração funcional dos países
periféricos ao processo de internacionalização do capital. Há uma fusão do capital
bancário com o industrial, que é típica da face dos monopólios. Inegavelmente, a
crise expressa um descompasso entre produção e circulação.
A crise vem sendo enfrentada valendo-se de uma cruzada contra os
mecanismos anticíclicos de base keynesiana, tendo como contrapartida um
programa de corte neoliberal, marcado pela negação da regulação econômica
61
estatal, pelo abandono das políticas de pleno emprego e pela redução dos
mecanismos de seguridade social, em prol da regulação operada pelo mercado.
A década de 80 caracteriza-se como um período em que convivem traços de
continuidade, saturação e alguns indícios de ruptura do mercado implementado no
pós-64: aumento da concentração de renda, pauperização da maioria da
população e das condições de vida e de trabalho da maioria dos trabalhadores. No
âmbito da economia houve congelamento de algumas situações deflagradas desde
os finais dos anos 70. É por isso que, a década de 80, é considerada por muitos
como a década perdida, em função das baixas taxas de crescimento do PIB, da
compressão dos salários e do aumento da concentração da riqueza.
Esse cenário imprime aos anos 80 a característica de uma década de
transição, seja porque a superação da crise econômica não apontava para a
reedição do modelo de desenvolvimento iniciado nos anos 50 e redimensionado no
pós-64, seja porque os processos políticos de transição pelo alto, tão ao gosto das
elites, também já não podiam ter continuidade.
A derrota política do chamado socialismo real desemboca numa
generalização das políticas neoliberais em todos os países periféricos, começando
pela América Latina, passando pela África e estendendo-se ao leste europeu e aos
países que surgiram com a desintegração da União Soviética.
62
Os processos de reestruturação produtiva têm como imperativo das
mudanças a construção de novas formas de controle do capital sobre o trabalho,
no bojo mais geral das estratégias de enfrentamento da crise.
A autora contesta o fatalismo da neoliberalização do mundo e as análises
das reformas, expressas na identificação dos lados bom e mau das mudanças
realizadas.
O Consenso de Washington é um modelo de desenvolvimento de cunho
neoclássico, elaborado pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e pelos
teóricos do capital e que, agora passa como sendo a única interpretação racional
possível dos problemas de estabilização e do crescimento, ganhando força de
doutrina constituída e aceita por praticamente todos os países capitalistas do
mundo.
63
trabalhadores, seja em conjunto com os empregadores e, posteriormente, com o
Estado. O Estado interveio nas condições de trabalho, na saúde e na segurança do
trabalhador, por meio da legislação trabalhista, acidentária e sanitária, afora a
regulamentação dos seguros sociais.
É a partir do pós-Guerra que, nos países desenvolvidos, os sistemas
públicos de seguridade transformam-se na principal forma de intervenção social do
Estado,chegando mesmo a consolidar uma determinada forma de organização
conceituada como Estado de bem-estar social. Essas mudanças, a partir dos anos
30, são marcadas pela difusão do fordismo, enquanto modelo de organização
industrial e social, pelas propostas keynesianas, pelo desenvolvimento dos partidos
social-democratas e pelo crescimento dos grandes sindicatos.
É no interior das lutas ofensivas dos trabalhadores e da ação reativa do
capital, que os sistemas de seguridade são incorporados na ordem capitalista,
como mecanismo potencialmente funcionais ao processo de acumulação e afetos
ao processo de construção de hegemonia.
Segundo Ana Elizabete o processo de periferização dos países centrais – a
dicotomia incluídos/excluídos do mercado de trabalho, o emprego precário, a
informalização do trabalho e o rápido aumento do número de trabalhadores
autônomos, com redução de rendimentos – e o agravamento desse quadro nos
países periféricos determinam o curso das reformas da seguridade.
No entanto, a relação mudança no mercado de trabalho e mudança; na
seguridade só assumiu o estatuto de reforma por causa da fragmentação e
dispersão da ação coletiva organizada dos trabalhadores, expressa no
enfraquecimento do movimento sindical.
64
conseqüente crescimento do processo de assalariamento urbano-industrial no
Brasil.
De acordo com a autora não se pode afirmar que houve um esgotamento do
modelo de bem-estar, como vivenciado nos países desenvolvidos, porque aqui não
ocorreu, de fato, uma universalização do acesso aos serviços sociais, nem uma
regulação estatal nos moldes das sociedades de capitalismo avançado.
As políticas sociais não foram universalizadas no Brasil, ao contrário, há o
horizonte de seletividade intraclasse, mediado pela ideologia neoliberal e tratado
como uma necessidade provocada pela crise econômica. Procura-se negar as
conquistas obtidas na Constituição de 1988 sob a alegação da necessidade de
adequação do modelo de seguridade social às atuais reformas econômicas do
país.
As classes dominantes tentam socializar com as classes trabalhadoras um
suposto dilema da justiça e equidade capitalista, como sendo uma problemática
dos assalariados, agora reconceituados como cidadãos proprietários consumidores
e/ou cidadãos pobres e assistidos. Esta é uma precondição para o
desenvolvimento sincrônico de assistencialização/privatização da seguridade
social.
65
Ana Elizabete Mota deixa claro que a dinâmica da seguridade social como
uma questão afeta ao mundo do trabalho e da cultura, mediada pela ação
organizada dos trabalhadores e dos empresários, retirando sua análise do campo
da funcionalidade econômica ou da hegemonia como domínio superestrutural.
Nos anos 80 a nova correlação que surgiu na sociedade obrigou o capital a
absorver as exigências do trabalho. Esse momento permitiu, também, que a
burguesia construísse o seu projeto e as suas estratégias de reciclagem das bases
de constituição da sua hegemonia.
Nos anos 80 e 90 o grande capital, no Brasil, apontava para a tentativa de
construção da sua hegemonia, tendo como instrumento básico a formação de uma
cultura marcada pela necessidade de desqualificação das demandas dos
trabalhadores, enquanto exigência de classe.
No caso da seguridade, essa iniciativa adquire materialidade sob a
argumentação de que é necessário mudar o sistema de seguridade existente, para
adequá-la às reformas macroeconônicas. Busca-se a obtenção do consentimento
das classes trabalhadoras em torno da idéia de que a crise econômica afeta toda a
sociedade e que, por isso, necessita da colaboração de todos.
O objetivo desta nova cultura é a constituição de novos atores sociais,
objetivados nas figuras do cidadão-fabril, do cidadão-consumidor e do cidadão-
pobre, as quais deverão tornar-se as representações consentidas de um ideal de
hegemonia da burguesia. Busca-se dar ênfase à idéia de sujeitos coletivos,
extrapolando sua condição de patrão e empregado e determinando o que se pode
nominar de mecanismos formadores das políticas de gestão estatal da força de
trabalho.
66
Paralelamente ao sistema oficial de seguridade foram criados o SENAI, o
SESI e o SESC, cuja forma de financiamento é regulamentada pelo Estado como
uma contribuição social obrigatória das empresas.
Nos anos 1970 a pedagogia da assistência empresarial é esgarçada porque
os trabalhadores passam inclusive, a inferior nos moldes, na qualidade e na gestão
dos programas sociais. Seguindo-se a criação de fundos patrimoniais dos
trabalhadores (FGTS, PIS, PASEP) e a inclusão de trabalhadores autônomos e
rurais na previdência.
As tendências da seguridade social brasileira nos anos 80 assumem a
cultura privatista no sentido de imprimir reformas na Constituição de 1988, rumo ao
que a autora chama de americanização da seguridade social brasileira,
Esse modelo é amplamente defendido pelo FMI, Banco Mundial, o BID e a
USAID (agência de fomento norte-americana) que reforçam uma nova estratégia
política, expressa nas tentativas de consolidar a expansão do mercado de recursos
sociais privados e dos fundos de pensão.
As propostas para a seguridade social na era da produção flexível: a
formação do cidadão-pobre e do cidadão consumidor
67
O Relatório da Comissão Especial para Estudo do Sistema Previdenciário
que teve à frente o deputado Antônio Britto, concluiu em 1992, que havia um
impacto imediato na arrecadação, em função da queda do emprego e do
faturamento das empresas. As causas estruturais da “falência” do sistema
previdenciário brasileiro eram: imprecisão conceitual, a dependência excessiva da
folha de salário, o esgotamento das fontes de financiamento, a ampliação dos
benefícios e privilégios e as dificuldades provocadas pelo pagamento dos
servidores inativos da União com recursos da previdência social.
O Relatório apontava a extinção da aposentadoria por tempo de serviço, a
municipalização da assistência e a descentralização de recursos para a saúde,
mediante a criação de tíquetes-saúde ou da obrigação das empresas de
financiarem o seguro de saúde para os seus trabalhadores. O Relatório reconhecia
a seguridade como um direito, defendia a desvinculação da previdência, da saúde
e da assistência em virtude da necessidade de separar as suas fontes de custeio.
O pensamento da FIESP
O pensamento da FEBRABAN
68
privada e aberta. A primeira administrada pelo Estado, e a segunda, pelas
instituições financeiras privadas.
Os trabalhadores recolhiam 11%, os empresários 11% perfazendo o total de
22%, sendo 10% para aposentadoria por idade. 3% para o seguro-invalidez ou
morte, 2% para o seguro-acidente de trabalho e 7% para assistência médica e
auxílio-doença. A parte da assistência social deveria ser financiada pela sociedade
como um todo.
69
do número de anos exigidos para a jubilação; fixar uma idade mínima para a
aposentadoria.
Sugere, ainda, a criação de um sistema básico de pensões complementares
privadas, sob o regime de capitalização, em estreita correspondência com as
contribuições dos usuários.
O pensamento da CUT
70
De acordo com a autora, embora a CUT seja formadora de uma cultura de
resistência, a sua atuação não foi suficiente para o desenvolvimento de uma
ação mais ofensiva, evidenciadora de um projeto dos trabalhadores, para a
seguridade social e, particularmente, para a previdência.
Enfim, Ana Elizabete termina a sua obra reafirmando que os trabalhadores
admitem reformas de natureza gerencial na seguridade social, mas resistem em
consentir com a supressão dos seus direitos e conquistas sociais,
particularmente em relação à saúde e à previdência, fato que não é suficiente
para construir a sua civiltá.
Marcio Pochmann
Professor licenciado do Instituto de Economia e Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da
Universidade Estadual de Campinas. Secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do Município de São Paulo.
Foi a partir desse entendimento prévio que este estudo procurou tratar a evolução
da proteção social no Brasil. Além desta introdução inicial, apresenta-se, na
71
seqüência, uma breve recuperação das condicionalidades históricas que
permitiram o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social nas economias que
constituem o centro do capitalismo mundial. Logo depois, busca-se analisar as
condicionalidades históricas do Estado de Bem-Estar Social no Brasil. Dessa
forma, espera-se contribuir para um melhor entendimento dos obstáculos e limites
da evolução da proteção social num país periférico do sistema capitalista mundial.
O texto encerra-se com uma breve conclusão.
Em seu período de maior glória, quase três décadas sucessivas após o final da
Segunda Guerra Mundial (1948-1973), o chamado Estado de Bem-Estar Social
cumpriu distintas funções estratégicas, todas consagradas ao enfrentamento da
pobreza, do desemprego e da desigualdade. Durante esse período, todavia, duas
diferenças importantes se fizeram destacar nos propósitos de atuação do Estado
de Bem-Estar Social: de um lado, a experiência européia ocidental, que demarcou
fortemente seu propósito de atuar ex-post sobre as iniqüidades produzidas pelo
desenvolvimento capitalista, por intermédio das políticas de natureza redistributivas
(justiça tributária e transferências sociais); e de outro, a experiência norte-
americana, que enfatizou bem mais a atuação ex-ante sobre as iniqüidades
72
geradas no capitalismo, por meio do sistema educacional e da regulação do
patrimônio e do fluxo de renda (imposto de renda negativo).
Para tanto, três foram as principais motivações que iluminaram o Estado de Bem-
Estar Social, bem como o seu avanço ao longo do século XX. Primeiro, a
motivação de característica pós-liberal - consolidada a partir da Depressão de 1929
-, que permaneceu circunscrita ao ambiente da proteção social e voltada tão
somente para os mais fracos, justamente por serem incapazes de viver numa
sociedade competitiva.Segundo, a motivação de natureza mais corporativa, que
visou conceder a distinção da proteção social a determinadas categorias
ocupacionais consagradas em decorrência de sua importância relativa no interior
do mercado de trabalho. Não se trata, todavia, da pressão por uma transformação
substancial da sociedade, em busca da eqüidade social, mas da manutenção do
status daqueles que em algum momento histórico alcançaram ou continuaram a
mantê-lo no interior do mercado de trabalho.
73
Em outras palavras, a constituição das bases da proteção social dependeu da
conformação e da distribuição do poder no interior das sociedades. Nesse caso,
em síntese, não houve a constituição de um novo sistema de redistribuição do
poder, apesar das garantias de proteção social diferenciadas por segmentos
sociais.
74
Lógica Industrial Moderna - O processo de industrialização constitui uma das
primeiras condicionalidades estruturais para a emergência do Estado de Bem-Estar
Social. Diferentemente dos modos anteriores de produção, a lógica industrial
moderna terminou por colocar num mesmo espaço físico uma ampla quantidade de
empregados submetida a condições de trabalho e a padrões de vida semelhantes.
75
homogêneas em direitos e no padrão de consumo. Não se tratava mais do repasse
individual dos ganhos de produtividade, mas sim por meio do contrato coletivo de
trabalho, da homogeneização dos ganhos entre trabalhadores do chão da fábrica e
de ocupações intermediárias de chefia e supervisão.
76
Em resumo, consolidou-se uma nova estrutura secundária de redistribuição da
renda, que veio a se sobrepor à já existente estrutura distributiva primária
constituída pela própria dinâmica capitalista (lucros, juros, aluguéis de imóveis,
salários e remunerações). Enquanto os ricos passaram a ser tributados
consideravelmente (impostos sobre a renda, patrimônio e herança), foi possível
formar fundos públicos capazes de financiar a transferência de renda para a
população de menor rendimento, permitindo reduzir a pobreza, o desemprego e a
desigualdade social no centro do capitalismo mundial.
77
em meio ao predomínio das altas finanças, o Estado de Bem-Estar Social passou a
ser questionado a partir da crise do final dos anos 70.
78
precisamente a experiência do Brasil que, por quase cinco décadas no século
passado, foi um dos países que mais rápido conseguiram expandir sua economia
no mundo, sem obter, todavia, resultados consideráveis no âmbito social.
Para países como o Brasil, que não pertence ao centro do capitalismo mundial, a
análise a respeito da proteção social requer considerar inicialmente a condição de
pertencimento à periferia econômica, prisioneira do subdesenvolvimento. Mesmo
tendo avançado consideravelmente no processo de industrialização durante o
século XX, por exemplo, o Brasil não foi capaz de abandonar as principais
características do subdesenvolvimento, tais como a disparidade na produtividade
setorial e regional e a permanência de grande parte da população prisioneira de
condições precárias de vida e trabalho.
Por incrível que possa parecer, nota-se, historicamente no Brasil, que diante de um
considerável acontecimento - geralmente de natureza externa ao país - surgem
algumas poucas brechas para expansão tanto das atividades econômicas como de
medidas de proteção social. Verifica-se, inicialmente, como a grande depressão
econômica do último terço do século XIX (1870-1890), no capitalismo central,
terminou por oferecer oportunidades históricas que produziram algumas brechas a
serem aproveitadas pelas economias periféricas.
79
economias centrais, mas que no Brasil foi efetivamente introduzida somente a
partir da abolição da escravatura (1888) e da implantação do regime político
republicano (1889).
Não se deve esquecer, todavia, que o Brasil foi o último país a abolir o trabalho
escravo, impondo uma transição extremamente conservadora para o
assalariamento, através da imigração de mão-de-obra européia e asiática,
deixando a população negra excluída da possibilidade de imediata integração pelo
emprego salarial. Da mesma forma, a implantação do regime republicano não foi
nenhum caso esplêndido de participação popular e avanço seguido de maior
democratização política do país.
Tudo isso não nega, contudo, a coincidência com o ciclo de forte expansão nas
atividades produtivas, ocorrido no país, sobretudo, com a emergência da economia
cafeeira no Sudeste e, por conseqüência, uma nova reinserção econômica nos
fluxos do comércio mundial de produtos primários. Isso fica claro já nas duas
primeiras décadas do século XX (1900-1920), quando o ritmo de expansão da
economia brasileira foi 8% superior ao da economia norte-americana. Também se
comparada à performance brasileira em relação a outros países, nota-se uma
melhora considerável, coincidentemente, após a abolição da escravatura e a
adoção do regime político republicano.
Uma outra brecha histórica criada para as economias periféricas ocorreu, mais
precisamente, a partir da depressão econômica de 1929, que proporcionou ao
Brasil uma nova fase de avanço nas atividades produtivas e no desenvolvimento
de um sistema de proteção social. Isso porque a crise no centro do capitalismo
mundial, durante a década de 30, abriu um vácuo no antigo modelo econômico
agrário-exportador brasileiro, passível de ser ocupado naquela oportunidade tanto
80
por um período de estagnação nas atividades econômicas existentes na época
como por uma fase de crescimento em uma outra estrutura produtiva.
Para uma crise que veio de fora, o Brasil reagiu muito bem a partir de uma
mudança na correlação de forças sociais internas favoráveis à consagração de um
novo modelo econômico, capaz de superar a antiga condição de economia agrário-
exportadora. Isso não significou uma mera subordinação a reflexos externos, mas
sim fruto do estabelecimento de uma nova articulação de classes sociais,
responsável pela expansão urbana e industrial nacional que superasse o
predomínio das classes proprietárias rurais.
Entre 1930 e 1980, a produção nacional foi multiplicada por 18,2 vezes (6,0% ao
ano), o que permitiu constituir uma das mais importantes possibilidades para a
consagração de uma nova estrutura produtiva nacional (de base industrial),
necessária à conformação do sistema de proteção social no Brasil. Tudo isso,
todavia, não se mostrou suficiente para que o país chegasse a apresentar níveis de
pobreza, de homogeneização do mercado de trabalho e de desigualdade social
comparáveis a países com desempenho econômico similar.
81
centro do capitalismo, a partir da década de 70, impôs uma nova realidade aos
países periféricos.
Novamente uma crise que veio de fora gerou um novo vácuo político interno, que
terminou sendo preenchido, lamentavelmente, por uma fase de estagnação
produtiva e não pelo crescimento econômico no Brasil, conforme ocorrido nas
experiências anteriores.
82
total da renda nacional, enquanto simultaneamente a carga tributária bruta foi
elevada em 10 pontos percentuais.
Nesses termos, um sistema amplo e adequado de proteção social não parece ter
viabilidade possível no Brasil. O conhecimento sobre a manifestação atual e a
origem da proteção social na periferia do capitalismo pode contribuir para verificar
o quanto o Brasil ainda precisa avançar na construção do seu Estado de Bem-
Estar Social.
Constrangimentos no Brasil
Quando são tomados por referência os três indutores principais (lógica industrial,
acesso à democracia de massa e conformação da sociedade salarial) que
demarcam, no centro do capitalismo mundial, a origem e o desenvolvimento do
Estado de Bem-Estar Social, chega-se a um melhor entendimento acerca da
evolução da proteção social no Brasil. Sabe-se que a condição de economia
periférica implica distinção temporal e qualitativa significativa na constituição da
base material referente ao processo de acumulação de capital e de articulação das
forças sociais.
83
Como se sabe, o modo de proteção social no Brasil ganhou expressão
fundamentalmente a partir da Revolução de 30. Embora não tenha significado de
fato uma revolução burguesa no sentido clássico, conforme observado no centro
do capitalismo mundial, a Revolução de 30 se mostrou capaz de alterar o jogo
político interno que até então prevalecia - por mais de quatro séculos - dependente
significativamente das classes proprietárias rurais.
84
A partir da Revolução de 30, quando se estabeleceu o projeto de industrialização,
que já era tardio em comparação com as fases de industrialização originária
ocorridas no centro do capitalismo mundial, grande parte do custo de reprodução
da força de trabalho foi externalizado da estrutura interna de produção da empresa.
Em outras palavras, além de cobrir alimentação e vestuário, o salário recebido
mensalmente pelo empregado urbano teve que cobrir também despesas com
moradia, previdência e assistência, educação, saúde, entre outros.
Parte importante dos gastos sociais passou a estar atrelada ao comportamento dos
salários e da folha de pagamento (fpag.) formal das empresas, como nos casos da
educação pública, que depende do salário-educação (2,5% da fpag.), da
qualificação profissional (1,6% da fpag.), do entretenimento (1,5% da fpag.), da
invalidez por acidente de trabalho (2,0% da fpag.), da previdência e assistência
social (20,0% da fpag. e até 11,5% do salário) e da proteção ao desemprego (8%
da fpag.). Na totalidade, o financiamento geral da proteção social representou em
torno de 1/3 do custo total do empregado urbano, o que tornou o acesso ao
85
contrato formal de trabalho mais difícil e um problema para o acesso e difusão de
uma cidadania de natureza regulada.
Assim, e isso é muito importante, a classe média não apenas terminou por
abandonar a educação fundamental e a saúde pública, para buscar nas ofertas
privadas de proteção social, como também deixou de ser parceira na defesa da
universalização do sistema de proteção social. Da mesma forma, o corporativismo
de certas categorias profissionais mais elitizadas, a meritocracia da escolaridade
mais elevada numa sociedade de analfabetos e o particularismo de segmentos
ocupacionais de mais alto rendimento contaminaram as possibilidades de maior
articulação de interesses e ação política entre classes operária e média no Brasil.
Nesse sentido, também podem ser identificados vários sinais de proximidade das
políticas sociais a uma maior privatização do Estado. Seja de parte dos fundos
públicos, seja pela gestão terceirizada das atividades de fornecimento de bens e
serviços públicos, o setor privado terminou sendo um dos grandes beneficiados
pela natureza mais mercantilizada de funcionamento do Estado no Brasil.
86
Também é necessário frisar como o comportamento real dos salários,
especialmente do salário mínimo, foi determinante para o acesso ou não à
sociedade de consumo de massa no Brasil. Sem que o poder aquisitivo do salário
mínimo acompanhasse a inflação, bem como os ganhos de produtividade, tornou-
se difícil a criação de uma sociedade de consumo de massa no país, mesmo para
trabalhadores com contrato formal e atendidos pelo sistema de proteção social.
Apesar disso, por exemplo, em 1923, foi aprovada uma legislação que inaugurou a
primeira experiência brasileira de previdência social (caixa de aposentadoria dos
ferroviários), que foi modificada posteriormente por lei para as principais categorias
profissionais urbanas (institutos de aposentadorias e pensão) a partir dos anos 30.
Somente na década de 60 foi constituído, por intermédio de legislação, o fundo
próprio de assistência médica e de assistência e aposentadoria para trabalhadores
87
rurais (Funrural), imediatamente à unificação dos fundos de aposentadoria e
pensão para empregados urbanos (Instituto Nacional de Previdência Social).
Por meio de lutas sindicais e políticas partidárias foi possível, pela Constituição
Federal de 1988, atingir a unificação do sistema de assistência e previdência social
para trabalhadores urbanos e rurais. Apesar da importância do parlamento no
desenho legal do sistema de proteção social, a experiência de democracia de
massa no Brasil é relativamente contida no tempo. Somente a partir de 1930, por
exemplo, que o país superou o estágio da democracia censitária, quando menos
de um décimo do total da população votava.
88
Esse bloqueio da democracia de massa no Brasil, justamente nos momentos
cruciais de sua história, evitou a realização das chamadas reformas civilizatórias do
capitalismo ocorridas nas economias centrais. Em síntese, o país esqueceu-se da
reforma agrária que permitisse redistribuir a concentrada propriedade fundiária, da
reforma tributária que tornasse progressiva a estrutura dos impostos, chegando a
atingir sobretudo os ricos, e a reforma social que fizesse universal o acesso
regulado aos direitos sociais e trabalhistas que permaneceram tão somente
direcionados aos empregados assalariados formais.
89
criadas pela engenhosidade popular para fazer avançar o atendimento de
habitações, de água e luz (famosos gatos).
Entre 1992 e 2002, por exemplo, observa-se que 2/3 do aumento da ocupação na
indústria de transformação no Brasil ocorreu por intermédio do trabalho autônomo.
Ao mesmo tempo, nota-se também que, na década de 90, sete a cada dez
ocupações criadas pertenceram a somente quatro famílias ocupacionais: trabalho
doméstico, ambulantes, serviços de limpeza e manutenção e segurança.
90
perspectiva a consolidação de um sistema de bem-estar social no Brasil, verifica-se
na prática que os avanços foram relativamente pequenos.
Isso porque se sabe que o país possui ainda uma importante questão demográfica
a superar. Embora esteja passando pela transição demográfica que torna
crescentemente maior a população com elevada faixa etária, a expansão anual da
População Economicamente Ativa tem sido acima de 3% como média anual. Dessa
forma, o crescimento econômico precisa ser elevado, ao contrário de países de
centro do capitalismo mundial que possuem praticamente uma população
estagnada ou com baixa variação demográfica.
O Brasil tem espaço para racionalizar e buscar a eficiência do gasto social, embora
parcela importante da população não contribua no financiamento social. Observa-
se, por exemplo, que apenas uma pessoa a cada três encontra-se protegida pela
regulação do mercado de trabalho, enquanto somente uma a cada duas contribui
para a previdência e assistência social.
91
Tudo isso sem comentar o atraso da atuação das políticas sociais que são
operadas por um padrão de gestão pública ultrapassado. A fragmentação do gasto
social com ações setorializadas implicam somas elevadas somente no custo-meio
de operação das políticas públicas, que na maior parte das vezes concentram-se
nas medidas de natureza assistencial. Diante da dispersão de objetivos,
permanecem elevados o clientelismo e o paternalismo das políticas sociais que
terminam por obstruir a perspectiva necessária da emancipação social e
econômica da população assistida. Da mesma forma, as iniqüidades não se
encontram somente na natureza do gasto social, mas fundamentalmente na forma
de arrecadação tributária.
Por fim, cabe chamar a atenção para o desafio da maior importância da política
social no Brasil, que é o de realmente democratizar a democracia representativa.
Sem experiência democrática consolidada ao longo do tempo, o país tem
concentrado não somente a renda, mas fundamentalmente o poder. É difícil negar
que o processo de exclusão social no Brasil não esteja ligado umbilicalmente com
a concentração de poder. Nesses termos, a pobreza no país é de natureza política,
que faz do pobre alvo de mera assistência, quando muito.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde 1981, a situação social tem sido agravada, mesmo com avanços
consideráveis abertos pela Constituição Federal de 1988, particularmente pelo
predomínio da estagnação produtiva e pelo ciclo da financeirização da riqueza. A
desestruturação do mercado de trabalho, acompanhada de políticas de corte
neoliberal, combina uma nova condição de exclusão que se sobrepõe à velha
exclusão herdada pelo passado colonial e escravista.
REFERÊNCIAS2
2
Referências utilizadas pelos autores em seus artigos.
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