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A criança, a lei e o fora da lei

Cristina Drummond

Palavras-chave: criança, mãe, lei, fora da lei, gozo.

A questão que nos toca na contemporaneidade é a do sujeito às voltas com suas


dificuldades para lidar com o gozo. O real é sem lei, e todo o caminho de Lacan ao partir das
leis simbólicas da linguagem, tomadas das estruturas elementares do parentesco de Levi-
Strauss, foi o de nos apontar para o que fica fora da lei, o que escapa ao simbólico. É à
psicanálise que devemos a visão radical de que o ser falante não se reduz à ordem da
racionalidade, mas que seu ser é da ordem do gozo. O sujeito é sempre fora da lei. Em seu
discurso de encerramento das jornadas sobre a psicose infantil, organizadas por Maud
Mannoni, Lacan chamava a atenção de que foi justamente pelo gozo que Freud reintroduziu
nossa medida na ética1.
Essa posição, a de objeto, está estreitamente articulada à posição da criança.
Ao nos perguntarmos qual é o lugar de uma criança para sua mãe, temos, a partir do
ensino de Freud uma resposta: o falo. Se a relação da criança com o falo está articulada na
metáfora paterna tal como Lacan a elaborou no primeiro tempo de seu ensino, foi preciso uma
articulação a mais para dar conta do que da mãe não é metaforizado pelo Nome-do-Pai. Há
um resto e é o que chamamos de objeto a. Podemos falar deste objeto como uma cicatriz, uma
marca residual da relação com a mãe enquanto Outro primordial.
Assim, Lacan vai nos ensinar que a resposta de Freud é parcial, que é preciso ir além no
sentido de articular a criança com a sexualidade feminina.
Freud nos introduziu na clínica com crianças a partir do caso Hans, que Lacan nos
ensinou a tomar como uma exceção ao Édipo. O seminário IV, no qual Lacan dedica várias
aulas para ler esse relato de Freud, é, segundo Miller, um seminário dedicado à relação da
mãe com a criança. Podemos extrair dele importantes elementos para construir a lógica da
castração, da sexualidade feminina, da estrutura da perversão, da articulação da fobia. Esse
seminário se tornou para nós analistas um ponto de partida para abordarmos a relação da
criança com a mãe
Nele, Lacan nos mostra que há sempre encontro da criança com o real do gozo e que ele
se dá de dois modos. O primeiro é o que Freud já encontrara nas histéricas, o sujeito descobre
1
Lacan, J. Autres Ecrits, p. 369
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de forma traumática ser objeto de um desejo de ordem sexual por parte de um outro
idealizado paterno. O outro modo de encontro é descrito por Lacan a partir do caso Hans
quando este tem suas primeiras ereções. Esse gozo não é vivido por Hans como autoerótico
apesar de se produzir em seu corpo. Esse gozo não podendo ser domado com palavras, vai ser
encarnado pelo sujeito no objeto mais externo possível: o cavalo. Cavalo que ele adjetivará
com diferentes significantes, circuitos necessários para que ele regule o gozo, mantendo-o à
distância.
No seminário seguinte, o de número V, “As formações do inconsciente”, Lacan trata da
relação da criança com a mãe não como ela está incluída na metáfora paterna, mas como o
objeto primordial do sujeito. Eric Laurent diz que esse seminário trata do inconsciente, mas de
uma maneira mais secreta ele trata da sexualidade feminina2 porque encontramos nele uma
interrogação sobre a relação do sujeito com a mãe e, a partir de críticas feitas a Karen Horney
e Helene Deutsch, as conseqüências para a sexualidade feminina.
Se para Freud o filho é um equivalente do falo pedido ao pai, Lacan enfatiza a dimensão
impossível desse objeto, a partir da privação feminina. Esse falo tem, pois, a marca do que foi
pedido ao pai e é o falo do qual a mulher foi necessariamente privada. Este aspecto introduz
uma modulação na equivalência entre a criança e o falo: ela está sempre um pouco além ou
aquém dele.
Lacan buscou essa via em Freud que, em seus artigos sobre a feminilidade, fundou o
desejo de filho numa mulher em sua relação pré-edipiana com a mãe. Nessa relação, a menina
satisfaz o que ele chamou de tendências passivas. O sujeito logo buscará traduzir essas
tendências em atividade, mas sempre vai sobrar um resto desta operação. A primeira
elaboração da menina em relação a isso é a de que o que lhe falta é o pênis e que a mãe o
teria, guardando-o para si mesma. Essa reivindicação que Freud chamou de Penisneid vai ser
dirigida ao pai quando o sujeito admitir que a mãe é não-toda, isto é, não tem nem o pênis
nem as palavras para nomear o gozo das tendências passivas. Há então uma passagem ao
Peniswunsch e um pedido do equivalente do pênis ao pai, ou seja, um filho.
Assim, a mulher ao ter um filho satisfaz suas tendências ativas adquirindo o falo, mas
também suas tendências passivas, já que o filho vem no lugar da falta em nomear o gozo
passivo. É toda a complexidade dessa relação que deve ser levada em conta para que se possa
construir a lógica da posição da criança.

2
Laurent,E. Psicoanalisis com niños y sexualidade femenina, in Hay un fin de análisis para los niños, Colección
Diva, p. 171
3

A época da infância é, segundo Lacan, decisiva na medida em que é neste tempo que se
cristalizam para a criança os seus sintomas.O sentido dos sintomas só pode ser decifrado a
partir das primeiras experiências do sujeito, isto é, diz Lacan, através do seu encontro
inaugural com a realidade sexual. É desse fazer com o gozo que a análise vai tratar.
Lacan nos mostrou que a sexualidade é sempre traumática porque ela faz valer para o
sujeito, desde essas primeiras experiências, a antinomia entre o sentido e o real. Em sua
análise do caso Hans ele nos mostrou que a partir da identificação deste com o falo materno
uma escolha de objeto sexual pôde se apoiar assim como sua posição futura diante das
mulheres. Miller3, ao retomar o Escrito de Lacan sobre Gide, pergunta que acesso à mulher a
mãe de Gide lhe permitiu. Ele conclui que nesse caso a porta para o outro sexo foi estreita e
que é preciso investigar em que a relação parental determina o acesso do sujeito ao Outro
sexo.
Lacan foi além do mito, e em seu seminário XVII, “O Avesso da psicanálise”, chega a
dizer que o Édipo era um sonho de Freud. Isso, para introduzir o real da estrutura cuja lógica
só atingimos no campo verdadeiramente lacaniano que é o campo do gozo. Desta forma,
Lacan restituiu à criança sua dimensão de sujeito que tem impasses para regular o impossível
de seu encontro com o sexual.

É um longo percurso o que nos leva a pensar a lei não mais sustentada a partir do Nome-
do-Pai e que implica uma nova tópica no ensino de Lacan. Essa nova tópica, sustentada pela
topologia, traz uma relação de torsão entre o fora e o dentro, a lei e o fora da lei como
avessos. Essa topologia nos traz uma abordagem do gozo que não é todo localizado na
linguagem e que incide no fora de sentido.
Pensar esses impasses com a lei nos faz deparar com o Outro moderno que não é mais o
Outro do mestre antigo, mas o Outro do mestre sob o império da ciência, sob o imperativo
categórico da ciência com todos os seus efeitos mortíferos para o sujeito.
Lacan mostrou que a modificação que a ciência introduziu no discurso do mestre
introduziu uma tirania do saber que não obedece a nenhum significante mestre O discurso do
capitalista mostra que o trabalho do saber científico está sempre produzindo objetos mais de
gozar (S2/a). Esse todo saber faz com que seja impossível que a verdade apareça nesse lugar.
Vemos que há uma mudança do próprio sujeito que também se emancipa do
significante mestre, dos ideais que poderiam representá-lo ou aos quais ele poderia se
identificar. O Ideal não está mais apto em nosso mundo para tratar o gozo. Miller escreveu tal

3
Miller, J-A, Sobre o Gide de Lacan, in Opção Lacaniana n º 22, agosto 98, p. 24.
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mudança com o matema I<a. O mestre em nossa civilização é o a, que se encontra regido
pelas leis do mercado que buscam uniformizar os sujeitos. Essas leis do mercado nada mais
são do que o que Freud nos ensinou a chamar de supereu, que em nosso tempo adquire novas
roupagens.
Os efeitos do discurso da ciência trazem o fracasso dos semblantes, tal fato ficando
bastante evidenciado no fracasso do semblante paterno. Isso tem conseqüências profundas:
assistimos a um recrudescimento das leis.
Na revista Carrossel da EBP-Bahia4, encontramos uma entrevista com Eric Laurent na
qual ele avalia que nossa contemporaneidade fez da criança um sintoma. O sujeito moderno é
um sujeito marcado pela falta, mas esta não é mais recoberta pelos valores. O sintoma invade
as normas do campo social e surgem como o que Miller chamou de “modos de gozo”, isto é,
novas formas do vivente. O desejo de ter uma criança nunca foi tão insistente e os
mecanismos de adoção tão sofisticados como na atualidade. A criança tomou a face de um
novo objeto. Ela se tornou, diz Laurent, um objeto de mercado na medida em que podemos
cifrar o preço das múltiplas tentativas de fertilização que a ciência moderna colocou à
disposição assim como o preço da adoção. Além disso, esse desejo de ter uma criança passa a
ser legitimado pelo estado, que já arca em alguns países com tais tratamentos. “Ter uma
criança é um dos imperativos modernos da ordem do ter: se é possível, então é obrigatório”.
Já em seu texto “Complexos Familiares” de 1938, Lacan disse que a história da família
seria substituída pela história do casamento. O fato das famílias serem cada vez menores, as
parcerias cada vez mais diversificadas e o amplo acesso aos meios de reprodução assistida,
não deixa de ter conseqüências profundas sobre a criança. Graças a essas técnicas, a função do
pai entrou no campo da ciência. A criança se encontra mais do que nunca no lugar de objeto
disponível para preencher a falta que na contemporaneidade não se vê mais recoberta pelos
valores.
O campo do direito, buscando legislar os efeitos da ciência em nosso mundo, tenta fazer
existir ficções, mas nós não temos mais muita crença nelas. Na verdade, as soluções que
nosso mundo encontra para enfrentar o real não são soluções que duram para sempre e
precisamos possibilitar outras. A psicanálise nos ensina que não há Outro no qual possamos
encontrar a lei que convém e é por isso que é preciso inventar novas normas.
Os direitos da criança passam a ser a referência em intervenções do campo jurídico e é à
justiça que cabe intervir quando a mãe não dispensa os devidos cuidados a seu filho. Também

4
Carrossel – centro de estudos e pesquisa de psicanálise e criança, EBP-Bahia, p.11.
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em relação à função paterna o direito busca legislar, apesar de sabermos que a função paterna
não se resume a seu estatuto jurídico. O antigo interesse pelos crimes de parricídio foram
substituídos na visão de Eric Laurent pela consideração do abuso de crianças, infanticídios,
dos maltratos de crianças que geram novas categorias nosográficas e que exigem novas
ficções jurídicas. Cada vez mais vemos surgir novas leis que buscam tratar das mudanças que
ultrapassam os usos e os costumes. Como nós analistas podemos tratar dessas questões?
O ano 69, ano do seminário “O avesso da psicanálise”, constitui uma virada no ensino
de Lacan e nele buscamos elementos para responder aos impasses que nos coloca o
tratamento do gozo em nosso mundo contemporâneo. Neste ano, além desse seminário, Lacan
escreve textos fundamentais onde encontramos de forma mais clara a relação do sujeito com o
gozo. Esse seminário deve ser articulado a três outros textos que lhe são contemporâneos,
onde podemos completar o pensamento de Lacan no que diz respeito à relação da criança com
o gozo. O primeiro é a Proposição de 9 de Outubro que, apesar de ser de 67 só foi adotada em
69. Nela, Lacan fala da crítica simbólica do mito edípico. O segundo é o texto a nota escrita
para Jenny Aubry5 no qual ele esclarece o que anunciara em “Os complexos familiares”
apontando as duas posições da criança: a de representar sintomaticamente a verdade do casal
parental e a de realizar o objeto no fantasma da mãe. O terceiro é a conclusão das jornadas de
68 sobre a criança alienada, texto que foi redigido também em 69. Nele, Lacan trata da
segregação, do tratamento do gozo em relação à criança numa escala para além da familiar.
É preciso levar em conta esse ensino para acompanhar o trabalho da criança psicótica na
regulação de seu Outro, o sintoma da criança como solução diante do encontro com o sexual.
A psicanálise tem uma visão da importância do particular irredutível que é transmitido para
um filho implicando a relação com um desejo que não seja anônimo. Essa é a possibilidade do
sujeito construir uma regulação do que, para todos, escapa à lei. Só nessa via podemos nos
opor a que seja o corpo da criança que responda ao objeto a.

5
J. Lacan, Note sur l’enfant, Autres Ecrits, p. 373

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