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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

PROGRAMA MESTRADO EM EDUCAÇÃO

FÁBIO DE ANDRADE CARVALHO

INDISCIPLINA NA ESCOLA:
manifestações da violência nas práticas escolares

SÃO PAULO / SP

2012
FÁBIO DE ANDRADE CARVALHO

INDISCIPLINA NA ESCOLA:
manifestações da violência nas práticas escolares

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado em Educação da Universidade da
Cidade de São Paulo – UNICID, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Educação sob orientação do Prof. Dr. Júlio
Gomes Almeida.

SÃO PAULO / SP

2012
Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID

C331i Carvalho, Fábio de Andrade.

Indisciplina na escola: manifestações da violência nas práticas escolares /


Fábio de Andrade Carvalho --- São Paulo, 2012.

145 p.; Anexos

Bibliografia

Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São Paulo. Orientador


Prof. Dr. Julio Gomes Almeida.

1. Violência na escola. 2. Indisciplina escolar. I. Almeida, Julio Gomes,


orient. II. Titulo.

371.58
FÁBIO ANDRADE DE CARVALHO

INDISCIPLINA NA ESCOLA:
manifestações da violência nas práticas escolares

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da


Universidade da Cidade de São Paulo – UNICID, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Educação.

São Paulo, _____ de _______________ de 2013.

_______________________
Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida

_______________________
Profª Dr. Margaréte M. B. Rosito

_______________________
Profª Dr. Sandra da Costa Lacerda
AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Júlio Gomes Almeida, pelo trajeto, confiança, dedicação, com que me
possibilitou trilhar as linhas do imaginário, tornando possível um sonho e a esperança.

À todos os professores do Curso Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São


Paulo com que nos acolheu, compartilhamos sonhos e experiências alegres.

Às Professoras participantes da Banca examinadora que com dedicação, carinho, sugestões.

Às Secretárias da Pós-graduação que com carinho e respeito sempre nos atendeu prontamente.

À Maria Thais pelo cuidado e dedicação com que realizou a revisão deste trabalho.

Aos participantes desta pesquisa que compartilharam as intensas trocas simbólicas de


experiências e vivências.
DEDICATÓRIA

A minha avó Maria Pereira, sempre presente nos


ensinando e compreendendo-nos .
A Gisleine “Nós cobramos muito da vida”.
A Kátia, Sara, Ana Cristina,carinho e afeto.
A minha mãe, meus irmãos, dos quais nunca me esqueço.
Ao Marcos Amorim, pela ajuda, pela amizade, amor,
compreensão, esperança.
Aos meus queridos amigos, alunos, uma troca incessante
da vida.
A escola vive hoje uma situação que, em certo sentido, se
parece com aquela vivida pelos hospitais psiquiátricos no
final dos anos 1930 e início dos anos 1940, quando a
tomada de consciência dos médicos impulsionou a
psicoterapia de grupo. Os educadores vivem hoje de forma
intensa o processo de desumanização a que são submetidas
as crianças e adolescentes que crescem em uma sociedade
pobre sem referência positiva e sem esperança. A
realidade da fome para uns e de falta de sentido da vida
para outros que se vê cotidianamente nos gestos e atitudes
das crianças atingem também os educadores, que acabam
“vivenciando” esse processo de desumanização, às vezes
até por solidariedade, outras vezes porque efetivamente
são submetidos às mesmas condições de vida de seus
alunos. Os horrores da guerra declarada que marcaram o
início da psicoterapia de grupo são hoje vividos na
situação de violência generalizada na qual a sociedade se
encontra submersa e a escola é um lugar de expressão
deste momento. (ALMEIDA, 2003, p.40-41).
RESUMO

O presente estudo buscou investigar a manifestação da violência nas práticas escolares com o
objetivo de verificar em que medida essas práticas se constituem em tempos e espaço de
manifestação da violência no cotidiano escolar. Este estudo possibilitou olhar as práticas
escolares, sobretudo, por um prisma diferente, quando se trata de violência. Embora muitos
estudiosos se dedicarem a esse tema, a problemática em questão ainda é relevante diante da
situação que a organização escolar vive em dias atuais. Para realização dessa pesquisa,
assumiu-se como metodologia uma abordagem qualitativa e como procedimentos de coleta de
dados a análise bibliográfica e documental, completada por entrevistas semiestruturadas e
observação participante. Nesse sentido recorri a autores como Foucault (2003), Bourdieu
(1982), Maffesoli (1987), entre outros, que tratam do tema. Esses autores abordam o assunto
em diferentes perspectivas, mas que se entrecruzam, corroborando para uma possível
compreensão desse tema tão complexo. Além da análise e revisão bibliográfica da literatura,
recorri à reflexão sobre a minha prática e as vivências de outros educadores. Com isso,
acredito que esse estudo pode contribuir, significadamente, para que outros estudiosos,
pesquisadores e educadores interessados no assunto discutam a violência como um fenômeno
social que emerge na organização complexa que é a escola.

Palavras-chave: Violência. Práticas escolares. Grupos. Imaginário social.


ABSTRACT

The present study investigated the expression of violence in school practices with purpose to
ascertain to what extent these practices are constituted in time and space manifestation of
violence in everyday school life. This study allowed us to look at school practices, especially
from a different perspective when it comes to violence. Although many scholars have devoted
themselves to this theme, the problematic issues still relevant to the situation that the
organization to lives in school today. To conduct this research was seen as a qualitative
methodology and procedures as data collection analysis literature and documents,
supplemented by semi-structured interviews and participant observation. Accordingly resorted
to such authors as Foucault (2003) Bourdieu (1982), Maffesoli (1987) among others authors
dealing with the issue. These authors approach the subject in a different perspective, but that
cross between yes, corroborating understanding of this subject so complex. Besides the
analysis and literature review resorted to reflect on my practice and experienced by other
educators. With that, I believe that this study can contribute, purportedly so that other school,
researches, and educators interested in the subject to discuss violence as a social phenomenon
that emerges in complex organization that is school.

Keywords: Violence. School Practices. Groups. Imaginatios. Social imaginary.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Sala de aula do Grupo Escolar Caetano de Campos em SP 32

Figura 2: Fachada do Grupo Escolar Caetano de Campos em SP 33

Figura 3: Ambiente da sala de aula – Grupo Escolar em Bauru - SP 39

Figura 4: Mapa da localização do Centro Educacional Unificado 69

Figura 5: Foto ilustrativa de um Centro Educacional Unificado 69

Figura 6: Foto de um dos pontos da Cidade Tiradentes 70

Figura 7: Mapa dos Bairros da Cidade de São Paulo 71


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACT Admitido em caráter temporário


APM Associação de Pais e Mestres
APROFEM Sindicato dos Professores e Funcionários do
Ensino Municipal de São Paulo
ATE Auxiliar Técnico de Educação
CE Conselho de Escola
CEDECA Conselho de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente
CEI Centro de Educação Infantil
CEU Centro Educacional Unificado
CME Conselho Municipal de Educação
CONAE Coordenadoria dos Núcleos de Ação Educativa
DEMAT Departamento de Materiais
DREM Delegacia Regional de Educação Municipal
ECA Escola de Comunicação e Artes
EDIF Departamento de Edificações
EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental
EMEI Escola Municipal de Educação Infantil
ETEC Escola Técnica Estadual de São Paulo
FGV. Fundação Getúlio Vargas
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e Valorização do Magistério
GAP Grupo de Apoio Pedagógico
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
JB Jornada Básica
JEA Jornada Especial Ampliada
JEIF Jornada Especial Integral de Formação
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MOVA Movimento de Alfabetização de Adultos
NCE Núcleo de Comunicação e Educação
NAE Núcleo de Ação Educativa
NEPAE Núcleo de Estudo e Pesquisa da Ação Educativa
POIE Professor Orientador de Informática Educativa
SAP Sala de Apoio Pedagógico
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SINESP Sindicato dos Especialistas de Educação do
Ensino Público do Município de São Paulo
SINPEEM Sindicato dos Profissionais em Educação no
Ensino Municipal
SME/SP Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
SUPEME Superintendência Municipal de Educação
UE Unidade Escolar
UNICID Universidade Cidade de São Paulo
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1 RAÍZES DA ESCOLA BRASILEIRA 17

1.1 Primeiro modelo de escola brasileiro 21

1.2 Da independência política aos anseios republicanos: Escolas improvisadas X Grupos


monumentais 25

1.3 Escola Tradicional X Escola Nova 35

1.4 A democratização do ensino: tempos difíceis, acessos fechados 42

2 GRUPOS, ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÃO: POSSÍVEL CONTRIBUIÇÃO


AO ESTUDO DAS PRÁTICAS ESCOLARES 47

2.1 As contribuições de Lapassade: a escola enquanto organização social 49

2.2 O imaginário social e o funcionamento do grupo: as contribuições de Bion e Anzieu 53

2.3 As contribuições de Enriquez 56

2.4 Estudos do Imaginário: breves considerações sobre o Imaginário 58

2.5 Algumas considerações a respeito do capítulo 60

3 CENTRO EDUCACIONAL UNIFICADO: ESPAÇO BEM PENSADO, TEMPO


MAL VIVIDO 62

3.1 Aqui a vida pulsa 70

3.2 A pesquisa: um longo e difícil caminho percorrido 72

3.3 O aspecto prisional da organização escolar: a violência nas práticas escolares 76


3.4 Um modelo de escola organizado para o futuro: o Deve-ser 85

3.5 Os agentes da violência no espaço escolar 89

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 94

REFERÊNCIAS 98

ANEXOS 102

ANEXO I – Descrição das entrevistas 102

ANEXO II – Entrevistas com gestores 104

ANEXO III – Entrevistas com professores 112

ANEXO IV – Entrevistas com funcionários 128

ANEXO V – Entrevistas com alunos 135


13

INTRODUÇÃO

O objetivo desta pesquisa foi estudar as manifestações da violência nas práticas


escolares, com a finalidade de compreender em que medida a violência se manifesta em
tempo/espaço no cotidiano da escola. Inicialmente, o tema surgiu de inquietações vivenciadas
em minha passagem pela escola e depois enquanto participante desse universo. A minha
experiência como educador em escola pública tem mostrado que a violência pode se
manifestar de diversas formas e em diferentes situações escolares, nas relações professor-
aluno, nas relações aluno-aluno, nas instituições que organizam o cotidiano da escola, no
modo como a escola organiza o currículo, enfim ela se manifesta não apenas nas formas
instituídas de poder, mas também no movimento instituinte, que se desenvolve em cada
contexto educacional. A busca da compreensão destas manifestações se justifica na medida
em que se pode constituir em possibilidade de ver o espaço escolar de maneira diferenciada,
que permita entender a complexidade da questão, aqui, apresentada.
O meu interesse em estudar a violência decorre de reflexões sobre questões
emergentes na minha prática profissional, que permitiram a retomada de situações que
marcaram o meu processo de escolarização e atualmente estão presentes no meu campo de
atuação profissional: a escola.
Nesse sentido, estudar as manifestações da violência nas práticas escolares se
apresenta como uma questão de grande relevância pessoal e social, pois além de ter relações
com o meu processo formativo e com minha atuação profissional, trata-se de um tema que
tem merecido atenção de muitos estudiosos em diversos campos do conhecimento. Assim,
esse estudo pode contribuir para que outros educadores, estudiosos do tema, tenham
possibilidades de analisar a questão da violência a partir de outras perspectivas. Desta forma,
esta pesquisa contribuirá não apenas para minha formação enquanto educador, mas também
para a formação de outras pessoas interessadas no assunto.
A violência no espaço escolar tem sido foco de discussão por muitos educadores,
pesquisadores e gestores de políticas públicas. Portanto, este estudo também encontra
relevância por contribuir para a reflexão que vem sendo desenvolvida sobre essa problemática
na educação brasileira. Pretendo com esta pesquisa entender, à luz de algumas correntes
teóricas, conceitos e situações que emergem no universo escolar. O primeiro deles é o
conceito de violência escolar que permeia os diferentes tempos e espaços da escola. Tal
pretensão encaminha para a busca de compreensão de outros conceitos, cujo entendimento
14

surge como necessário no estudo das manifestações da violência no âmbito das práticas
escolares, que são os conceitos de organização, de instituição e estudos sobre a dinâmica e
funcionamento de grupos. O entendimento destes conceitos parece fundamental no processo
de investigação sobre as manifestações da violência na escola entendida como ambiente
organizacional complexo.
Esses objetivos se justificam porque as leituras realizadas até o momento e as
experiências vivenciadas em escolas públicas mostram que a violência se manifesta nos
tempos e espaços de uma escola organizada por meio de concepções e práticas socialmente
construídas e que, muitas vezes, são assumidas como naturais. Desta forma, o que se aspira
enquanto pesquisador é problematizar as práticas escolares, que durante muito tempo foram
objeto de inquietação em minha vivência, enquanto estudante e, ultimamente, enquanto
educador. O interesse em estudar esse problema se tornou mais presente durante a
participação em um curso de lato sensu em Administração Escolar e Coordenação
Pedagógica, realizado na Universidade Veiga de Almeida, em pólo na cidade de Suzano,
quando questões relacionadas à indisciplina na escola foram abordadas sob diferentes
perspectivas, sendo uma delas, o paradoxo do termo violência no contexto educacional.
Esse paradoxo entre o termo violência e as práticas escolares compõe o cenário de
atuação dos profissionais da educação. Nesse sentido, realizar uma pesquisa sobre essa
problemática é fundamental para compreender de que maneira os envolvidos no espaço
escolar se relacionam com a problemática em questão.
Almeida (2009), referindo-se a esse tema, destaca que a violência na escola tornou-se
uma grande preocupação social. Essa discussão tem extrapolado os muros da escola e
alcançado outros setores sociais. Para ele, trata-se de um tema com grande espaço nas
diversas mídias presentes em nossa sociedade e que tem sido foco das reflexões entre
educadores, pais e pessoas interessadas nos destinos da escola. Contudo, destaca ainda esse
autor, a discussão pouco tem interferido nas relações que se estabelecem na escola, de modo
que continua frequente o envolvimento de alunos e professores em situações de violência. Os
encaminhamentos propostos pela escola contribuem para que não se venha alcançando
resultados satisfatórios no combate à violência pelo fato de que estas discussões virem
assumindo um caráter simplificador. Ao discutir essa questão, Almeida (2009) assim se
manifesta:

A violência passou a fazer parte do nosso cotidiano, atingindo, hoje, todas as


camadas sociais. É o que atesta o grande espaço ocupado por esse tema na
mídia impressa, falada ou televisada. Embora haja diferentes formas de
15

violência, a mais destacada pela mídia é aquela que atinge a integridade


física das pessoas ou a propriedade, ficando de lado as não explicitas. Desta
maneira, a questão da violência vem sendo reduzida as suas formas mais
simples. Esse tratamento simplificado de uma questão tão complexa, tem se
tornado uma fonte geradora de mais violência, pois procura resolver o
problema sem considerar seu caráter histórico e social. O destaque que esse
assunto tem recebido e a forma como vem sendo tratado pelos meios de
comunicação estabelecem um clima de medo e insegurança que mobiliza as
pessoas a procurarem se defender de uma iminente ação violenta.
(ALMEIDA, 2009, p.490)
.
Analisando o tema em perspectiva mais ampla, Michel Foucault (1926-1984) em sua
obra Vigia e punir (2003), aborda o tópico sob a perspectiva do funcionamento do poder por
meio da disciplina imposta pela escola, de forma que o modo de organização posto pela
escola, como os horários a serem cumpridos, a distribuição dos alunos em fileiras e a
fragmentação dos conteúdos, é uma forma de controle sobre os indivíduos, reprimindo
qualquer manifestação que não esteja de acordo com as normas propostas pela escola. Essa
disciplina normalizadora não permite espaço para o diferente, tudo deve ser controlado,
vigiado. Segundo o autor, a escola é uma instituição a serviço do Estado moderno, que
emprega recursos simbólicos, sinais, tudo para que se mantenha a ordem estabelecida.
As formas de controle e de manifestação do poder presentes no contexto escolar,
muitas vezes, passam despercebidas como formas de violência que se perpetuam, seja na
forma horizontal ou vertical de se impor uma forma sobre a outra. Assim, entender esse
paradoxo entre a escola e as práticas escolares é essencial em uma perspectiva que busque a
construção de uma escola mais humana e democrática.
Com o objetivo de estudar tal questão se fez necessário, inicialmente, compreender a
noção de violência em sentido mais amplo e, para isso, recorri a estudos do campo da
filosofia, com destaque para Foucault (2003) e Althusser (2007); da sociologia, como os de
Bourdieu (1982), de Lapassade (1993) e de Maffesoli (2001 e 2001a); da Psicologia como os
de Enriquez (1997) e de Anzieu (1993), entre outros. Após a discussão do conceito do ponto
de vista mais amplo, pretendo chegar a autores que discutem as manifestações desta violência
no cotidiano da organização escolar, tais como Almeida (2003, 2009) e Sanchez Teixeira
(2010).
Para a realização desta pesquisa, adotei uma abordagem qualitativa e como
procedimento de coleta de dados foi realizada uma análise bibliográfica e documental,
completada por entrevistas semiestruturadas, com educadores e alunos, observação
participante e reflexão sobre a própria prática. A pesquisa foi realizada em uma escola da rede
pública Municipal de São Paulo, situada na região leste, cujo Índice de Desenvolvimento
16

Humano (IDH) é considerado baixo, segundo dados da Prefeitura Municipal de São Paulo,
com base nos dados coletados do Censo de 2000.
Assim sendo, pretendeu-se na pesquisa discutir a violência a partir de sujeitos
diretamente envolvidos com o tema. Foram tomados como sujeitos para a coleta de dados
para a pesquisa: professores, alunos e funcionários, sendo sete professores de Ensino
Fundamental I e II, um gestor, três alunos do 6º ao 9º ano e dois funcionários de escola,
perfazendo um total de treze pessoas participantes da pesquisa. Embora a amostragem seja
pequena, considero significativa para entender como as manifestações da violência acontecem
nas práticas escolares e propiciar reflexões sobre a minha própria prática e a prática de outros
educadores, além de possibilitar a outros estudantes e pesquisadores discussões sobre o tema,
aqui, proposto. A amostra procurou atingir diferentes segmentos da escola, doravante
denominada Centro Educacional Unificado Encontro com o Presente, por isso a considero
relevante para a compreensão.
A partir desses pressupostos, esta pesquisa será organizada em quatro capítulos: no
primeiro capítulo foi apresentado um panorama da educação brasileira, abordando o modelo
de escola implantado no Brasil até os movimentos pela democratização da escola, buscando
com isso entender o conceito de escola dominante nos diversos momentos sociais e políticos
da nossa história. Para tanto, recorri aos estudos de Romanelli (1991), Ribeiro (1982), Souza
(2009) e Bourdieu (1982), que tratam do modelo de escola sob outra perspectiva.
No segundo capítulo, foi estudado o conceito de escola enquanto organização social,
como uma instituição em que se faz presente uma dinâmica de funcionamento de grupos.
Neste capítulo foram abordados os enfoques sobre os estudos de Lapassade (1993), Enriquez
(1997) e Bion (1975), além das contribuições de Almeida (2003), que analisam o grupo e sua
dinâmica na organização social, dialogando com o modelo de escola vigente em nossa
sociedade.
No terceiro capítulo, foi realizada a análise dos dados coletados à luz dos conceitos
estudados, buscando vislumbrar qual a relação entre o modelo de escola dominante e a
violência escolar no âmbito das práticas pedagógicas.
Deste modo, conseguiu-se discutir a violência a partir de diferentes visões, com vistas
a entender os mais variados olhares para esta questão, à luz daquilo que se tem produzido
sobre o tema, inferindo possíveis contribuições para a compreensão do objeto pesquisado.
17

CAPÍTULO I

Quem vive na senzala, não pode participar de festa na Casa Grande.


(Almeida, 2003, p. 16)

RAÍZES DA ESCOLA BRASILEIRA

Neste capítulo, apresento o modelo de escola implementado no Brasil a partir da


chegada dos portugueses, procurando destacar algumas práticas que organizam esse modelo
de escola e relacionando-as com o tipo de sujeito que se forma a partir dessas práticas1. Com
esse objetivo, recorrerei a estudiosos da história da educação para realizar uma descrição do
contexto no qual este modelo foi implantado e as modificações ocorridas desde a chegada dos
Jesuítas, em 1549, até o processo de democratização, iniciado na segunda metade do século
passado, com as ações governamentais para atender às demandas sociais por garantia a todos
do direito à educação.
Desta forma, este capítulo problematiza a noção dominante de escola presente em
nossa sociedade, buscando entender em que medida esse modelo contribui para a produção e
reprodução do que hoje é chamado de violência escolar. Para isso, reporto-me a autores que se
debruçaram sobre a história da educação brasileira para compreender o modelo de escola
implementado no Brasil a partir do século XVI e as transformações que se sucederam ao
longo do processo de consolidação da instituição escolar em nossa sociedade. Com isso, será
possível compreender como as práticas escolares se constituem em tempos e espaços de
manifestações da violência, cuja origem tem sido entendida como algo que vem de fora da
escola e do qual a instituição escolar precisa se proteger.
A reflexão sobre as práticas escolares que organizam o modelo escolar vivenciado e
experimentado no Brasil, considerando os diferentes momentos históricos e sociais, pode
auxiliar na compreensão das raízes da violência manifestadas na escola enquanto uma
organização social e complexa. A princípio a noção complexa pode ser entendida como as
diferentes relações sociais que emergem no ambiente escolar, as relações entre professores e

1
O termo práticas escolares utilizado neste trabalho tem como pressuposto teórico o sentido definido por
Dominique (2001) em um artigo sobre a cultura escolar. Nas palavras da autora “Para ser breve, poder-se-ia
descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem
levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens, portanto, a utilizar
dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e demais
professores” (DOMINIQUE, 2001, p. 10-11)
18

alunos, as definições de currículo, de normas, decretos e leis que regulam o funcionamento


desta instituição. Essa descrição se faz necessária para perceber a instituição escolar, enquanto
uma organização social, organizada por práticas que nem sempre contribuem para o
desenvolvimento da interação criativa entre os alunos. Muitas dessas práticas, no entanto, vêm
de épocas remotas e estão presentes em nossa escola desde sua origem, como é o caso do da
submissão, no espaço escolar, da criatividade à ordem.
Nesse sentido, encontro apoio nos estudos de Iduina Chaves (2011), quando apresenta
a seguinte reflexão:

[...] acredito que há férteis caminhos para tal desejo de re-encantamento do


mundo, ao nível pedagógico, pela educação, através das ações na escola. O
que implica uma nova forma de olhar a realidade, um paradigma que
reconheça as transformações que vêm afetando as ciências físicas, as
ciências biológicas, a antropologia e, dessa forma, influencia mudanças no
próprio modo de pensar a realidade. Um paradigma que, ao reconhecer o
esgotamento e a inadequação dos modelos clássicos pautados pelo
pensamento simplificador e pela racionalidade técnica, inclua tanto as
manifestações da dimensão simbólica, imaginária e as práticas simbólicas
organizadoras do real, quanto os aspectos estruturais e burocráticos das
instituições. (CHAVES, 2011, p.4).

Essa mudança paradigmática emergiu a partir da década de 1960, influenciando o


campo de estudos das organizações2. Neste momento se faz necessária a definição do termo
paradigma entendido como um conjunto de crenças, valores, em uma dada comunidade
cientifica para compreensão e explicação da realidade. Para fundamentar e esclarecer o rumo
deste trabalho recorro aos dizeres da autora para a definição:

Paradigma é aqui entendido tanto no sentido sociológico de KHUN


(1982,p.218), enquanto estrutura absoluta de pressupostos que indica toda a
constelação de crenças, valores, técnicas partilhadas pelos membros de uma
comunidade científica, como no sentido epistemológico, enquanto esquema
de pensamento para a explicação e compreensão da realidade. (CHAVES,
2000, p. 26).

Sendo assim, este trabalho se encaminha para a necessidade de compreender as


relações existentes entre as práticas escolares pautadas, sobretudo, em um modelo de escola
que pressupõem a ordem, o único, a homogeneidade, e entre o pensamento moderno
científico, que possibilita a compreensão da dimensão simbólica e imaginária na instituição
escolar como vem demonstrando os estudos no campo do imaginário. A partir da década de
1960, como já foi dito anteriormente, o pensamento moderno científico trouxe contribuições
2
O estudo sobre organizações, instituições e grupos será abordado no segundo capítulo a qual me dedico e esses
estudos, razão pela qual, neste momento, não me detenho na discussão sobre o tema.
19

significativas com estudos das ciências físicas, das ciências humanas, das ciências biológicas,
da astrofísica, como uma abertura para a compreensão do homem em sua totalidade cultural,
religiosa, física e psíquica.
No entanto, vale ressaltar que no final deste capítulo será explorada um pouco mais
esta noção de complexidade, por outro lado esta possibilidade de compreensão do homem em
sua totalidade, permite encaminhar estes estudos para o campo do imaginário visto que as
práticas escolares carregadas de simbologia podem se fundamentar em modelo de escola
fechado ou possibilitar novas maneiras de olhar a realidade.
Outro autor, cujos estudos também caminham nesta direção é Almeida (2009), como é
possível notar no trecho abaixo:

[...] discutir essas práticas é fundamental, pois tal discussão pode evidenciar
o currículo a elas subjacente e indicar sua contribuição no processo de
formação da identidade das crianças. É importante perguntar se as práticas
desenvolvidas pela escola se articulam para formar identidades sujeitas ou
sujeitadas. Há uma ideia, segunda a qual a formação decorre exclusivamente
da assimilação de conteúdos, assim bastariam professores com as
competências técnicas para transmiti-los. (ALMEIDA, 2009, p.198).

Como vemos, o modelo dominante de escola no Brasil não tem como tradição a
valorização da criatividade. Contudo, antes de iniciar a descrição mais específica do nosso
modelo de escola, cuja origem foi a proposta jesuítica, é relevante destacar que a educação
implementada pelos jesuítas pode ser considerada um avanço em relação à época que com o
decorrer da descrição possibilitará esta compreensão, porém parece-me necessário falar um
pouco sobre o contato entre os portugueses e os índios, visto que os costumes, as crenças e os
valores destes eram diferentes do homem europeu que aqui aportou. A chegada dos
portugueses ao Brasil, em 1500, trouxe influências em todos os aspectos, culturais,
econômicos, políticos e religiosos. Ao chegar, o homem europeu encontrou uma civilização já
posta.
Os índios que, aqui, viviam tinham conceitos diversos de trabalho, de rituais, de
religião, entre outros, e passaram se relacionar com uma cultura bem diferente da sua e cujos
agentes chegavam também com objetivos bem distintos daqueles que habitavam o lugar. Vale
destacar que esta relação nem sempre foi tranquila e que após um período marcado por
guerras e catequeses, gradualmente, a nova terra foi se tornando um território de domínio
português.
O conceito de trabalho constituía-se num grande diferencial entre a cultura indígena e
a portuguesa, pois os índios sustentavam-se, por costume, através da caça, da pesca e do
20

plantio, porém como uma cultura de subsistência. Viviam em aldeias ou em tribos ao longo
do território brasileiro. Segundo Fausto:

Podemos distinguir blocos que subdividem essa população: os tupis-guaranis


e os tapuias. Os tupis-guaranis estendiam-se por quase toda costa brasileira,
desde pelo menos o Ceará até Lagoa dos Patos, no extremo Sul. Os tupis,
também denominados de tupinambás, dominavam a faixa litorânea, do Norte
até Cananéia, no sul do atual Estado de São Paulo; os guaranis localizavam-
se na bacia Paraná-Paraguai e no trecho do litoral entre Cananéia e o
extremo sul do que viria a ser Brasil. Apesar dessa localização geográfica
diversa dos tupis e dos guaranis, falamos em um conjunto tupi-guarani, dada
a semelhança de cultura e de língua. (FAUSTO, 2006, p.38).

O primeiro contato dos portugueses com os indígenas foi exposto por Pero Vaz de
Caminha na “Carta de Achamento”. Descritos como pardos, de rostos avermelhados,
andavam nus de uma forma natural, tinham arcos, flechas, aparentavam bem afeiçoados. O
estranhamento cultural entre portugueses e índios foi marcado por diversos contrastes, entre
eles, o fato de serem considerados pagãos. No entanto, segundo Fausto (2006), a descrição
feita pelos portugueses se caracterizou pela forma impressionista de relatos dos fatos, visto
que de acordo com a resistência ou aceitação dos indígenas, os portugueses destacavam
aspectos positivos ou negativos, como por exemplo, os aimorés, que foram descritos por
acentuados aspectos negativos devido à rebeldia e a resistência ao homem europeu.
Diante deste cenário, os portugueses, aos poucos, foram se instalando para o efetivo
trabalho de exploração das riquezas naturais que, aqui, encontraram. A exploração da primeira
riqueza nativa da terra, o pau-brasil, foi a forma encontrada pelos portugueses para a
implementação do trabalho indígena. A derrubada de árvores foram os primeiros trabalhos a
que alguns índios foram submetidos a realizar. Alguns se adaptaram a este tipo de trabalho,
enquanto outros foram submetidos ao trabalho forçado.
O trabalho escravo gerou diversos conflitos entre portugueses e indígenas culminando
em um grande número de mortes. Somente em 1570, Portugal proibiu de fato a escravização
dos índios, no entanto, os aimorés continuaram a ser escravizados pelos portugueses, pois
foram excluídos desta proibição.
Do período de 1500 a 1549, não houve uma forma de educação sistematizada, somente
com a instituição do governo geral, chegaram juntamente com Tomé de Souza, os primeiros
jesuítas responsáveis pela organização da educação formal em terras brasileiras.
21

1.1 Primeiro modelo de escola brasileiro

Dada a necessidade econômica e política de Portugal em efetivar a colonização em


terras brasileiras, D. João III enviou ao Brasil uma expedição chefiada por Tomé de Souza
para organizar politicamente e economicamente um governo geral. Juntamente com Tomé de
Sousa instituído como Governo Geral desembarcou, também, em Salvador, Bahia, Padre
Manuel da Nóbrega, com a missão de catequizar e instruir os indígenas.
Embora não se possa falar de uma escolarização no século XVI, o primeiro modelo de
escola instituída, ainda, em 1549, era conhecido como casas de Bê-á-bá ou escolas de
primeiras letras.
Neste mesmo ano de 1549, Padre Manuel da Nóbrega foi responsável pelo primeiro
plano educacional em terras brasileiras. Este plano previa a o ensino de leitura e de escrita em
língua portuguesa, como também o ensino religioso. Nóbrega mostrou-se preocupado na
instrução dos indígenas, dos mamelucos, dos meninos órfãos e dos filhos dos colonos. Este
plano educacional de Nóbrega não se restringiu ao ensino de primeiras letras e catequese,
porque foram incluídos estudos de música, de canto, como também um ensino
profissionalizante que levasse em conta as necessidades de se manter as atividades nas
aldeias.
Conforme Ribeiro:

[...] o primeiro plano educacional, elaborado pelo padre Manuel da Nóbrega,


percebe-se a intenção de catequizar e instruir os indígenas, como
determinavam os “Regimentos”; percebe-se, também, a necessidade de
incluir os filhos dos colonos, uma vez que, naquele instante, eram os jesuítas
os únicos educadores de profissão que contavam com significativo apoio real
na colônia (RIBEIRO, 1982, p.26).

Nóbrega foi além deste plano educacional, pois segundo Diva Spezia Ranghetti
(2008), Maria Aparecida dos Santos Rocha (2005) e Ribeiro (1982), o plano de estudo
proposto por Padre Manuel da Nóbrega foi um avanço em relação à época, pois o plano de
Nóbrega previa não só a catequese e o ensino de primeiras letras, mas também uma tentativa
de incluir nestes estudos as meninas. Rocha em seu artigo “A Educação Pública antes da
Independência” (2005) se refere da seguinte forma sobre este fato:

Nóbrega também foi impedido de abrigar e educar as meninas indígenas, ou


seja, as pequenas mamelucas e cunhatãs. Surpreendentemente, a ideia de
educar as crianças do sexo feminino parece ter-se originado entre os próprios
indígenas da Bahia (1552). Primitivos, mas sem preconceitos, solicitaram a
Nóbrega “que fundasse também um recolhimento para suas filhas,
22

confiando-as a mulheres cultas e virtuosas”. (Ribeiro, 2000, p. 80). Sem con-


tato com a mentalidade europeia, que vedava ao sexo feminino qualquer
instrução além da doutrina cristã e das artes domésticas, os indígenas não
viam razão para se estabelecer uma diferença de oportunidades educacionais
a favor do sexo masculino. (ROCHA, 2005, p.4).

Embora a ideia fosse bastante ousada para aquele momento, Portugal não permitiu a
inclusão de meninas nos estudos e este intuito de Nóbrega não vigorou. Ainda no mesmo ano
de 1549, Nóbrega providenciou a construção da primeira casa com fins educacionais e de
catequese em formato de externato, chegando ao final do mesmo ano em regime de internato.
Em 1599, com a promulgação do “Ratio” pela Igreja em Roma, os colégios jesuítas
passaram a ensinar sob esta orientação. O plano de estudo “Ratio” previa o ensino igualitário,
os mesmo métodos, os mesmo conhecimentos, um ensino sistemático em todos os colégios da
Companhia de Jesus por todo o mundo, tanto em Portugal quanto no Brasil. Além disso, este
plano de estudo previa uma orientação para a formação de sacerdotes e recrutamentos de fieis,
dado as condições da contrarreforma. Conforme Ribeiro (1982) e Romanelli (1991), os
jesuítas tinham uma formação clássica por excelência, adeptos às humanidades, às letras, à
filosofia, priorizavam os exercícios intelectuais, o apego à autoridade, à revalorização da
Escolástica.
O Dicionário básico de filosofia de Japiassú & Marcondes (1996) apresenta a
seguinte definição para o termo escolástica:

1. Termo que significa originariamente “doutrina da escola”, e que designa


os ensinamentos de filosofia ministrados nas escolas eclesiásticas e
universidades na Europa durante o período medieval, sobretudo entre os
sécs. IX e XVII. A escolástica caracteriza-se principalmente pela tentativa de
conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas
Escrituras com as doutrinas filosóficas... (JAPIASSÚ & MARCONDES,
1996, p.87)

A escolástica, segundo Ribeiro (1982), foi uma concepção filosófica baseada em


exercícios filosóficos, memorização, disciplina, além dos exercícios de comentários em
textos. Estes preceitos encontrados também nas orientações do “Ratio” foram instituídos nos
Colégios Jesuítas no Brasil, mudando o foco de instrução da catequese para uma formação
clássica no modelo do homem europeu. Alguns seguiam a formação de sacerdotes e outras
para a complementação dos estudos em Universidades em Portugal. A proposta do Ratio
Studiorum tinham como pressuposto o desenvolvimento baseado na Paidéia como
fundamento pedagógico a criatividade e a poética.
23

Estes colégios jesuítas se organizaram, ainda conforme Ribeiro (1982), pelo ensino de
gramática em quatro séries, pelo curso de humanidade, por preceitos religiosos e por ensino
centrado na retórica, tendo como característica um ensino centrado em cursos preparatórios
para a graduação em Universidades na Europa. Contudo, a escola de primeiras letras,
implementada no plano de Nóbrega ficou em segundo plano e o ensino de primeiras letras
ficou a cargo das famílias. Aos poucos, foi culturalmente aceito que estes primeiros contatos
com a leitura e a escrita fossem obrigação das famílias, sendo orientados por tios letrados,
responsáveis pela sua formação.
Do século XVI até a expulsão dos jesuítas, o ensino foi ministrado pela Igreja. Nos
colégios, a disciplina para os estudos, a retórica e o sacerdócio foram predominantes na
formação secundária, além de possibilitar o ingresso em Universidades fora do Brasil. Por
outro lado, a escola de primeiras letras era de interesse da família que contratava professores,
padres para este ensino elementar, uma vez que a sociedade da época convivia bem com este
princípio educacional.
Os jesuítas se mantiveram no Brasil até o século XVIII, quando Marquês de Pombal
expulsou a Companhia de Jesus de todo território português e dos territórios de domínio
português, no caso o Brasil. As influências econômicas e políticas, e a própria tendência
enciclopedista de Marquês de Pombal, trouxeram sérias consequências para o cenário
educacional no Brasil.
Em 1759, se efetivou a expulsão dos jesuítas. A economia no mundo havia se
transformado, o processo de industrialização despontava-se em países como Inglaterra, no
entanto, Portugal se mantinha economicamente atrasado em relação a processo de
industrialização. Pombal era adepto das novas tendências filosóficas do enciclopedismo, que
tinham fundamentos iluministas, sobre o qual se manifestava um gosto pela razão. Os
iluministas defendiam a ciência, as liberdades individuais, a emancipação do homem em
relação aos dogmas religiosos.
Contudo, segundo os estudos Morin (2005), apesar do Racionalismo das Luzes
possibilitar o respeito e o culto ao homem em sua totalidade sincrética enquanto um sujeito
livre e racional, este processo racional foi se baseando nos princípios da economia e eficácia.
Neste cenário econômico, as relações entre Portugal e Brasil eram baseadas na exploração, a
extração de minério despontou-se, a partir do início do século XVIII, como relevante para a
manutenção da Metrópole.
O pensamento filosófico iluminista, baseado na concepção racional de
desenvolvimento humano, foi característico para a mudança das concepções de educação em
24

Portugal e no Brasil. Influenciado pelo enciclopedismo, Marquês de Pombal a fim de romper


com Igreja, confiscou todos os bens da Companhia de Jesus, como os colégios, as
propriedades de terras, entre outros, de maneira que o ensino passou a ser responsabilidade do
Estado e não mais da Igreja.
Diante deste fato, autores como Ribeiro (1982) e Romanelli (1991) consideram um
atraso de 13 anos a transição de um modelo jesuítico de ensino estruturado, tanto do ponto de
vista pedagógico, quanto do ponto vista organizacional. Houve um desmantelamento
provocado por uma sistemática de aulas isoladas, sem espaços próprios para o ensino. A
escola se configurou em aulas avulsas, em disciplinas isoladas, sem uniformidade de
articulação entre graus, entre as disciplinas, o ensino ficou a mercê das aulas régias.
Por outro lado, Rocha (2005) afirma que apesar de o ensino ministrado pelos jesuítas
apresentar falhas, sem renovação pedagógica e com métodos baseado, principalmente, na
disciplina de estudos, era reconhecido como um ensino suficiente, além do mérito dos
professores jesuítas. Assim, Rocha (2005) faz a seguinte consideração:

Embora Azevedo não deixe de mostrar as falhas do sistema de educação


jesuítico quais sejam, o ensino dogmático e abstrato, a ausência de
plasticidade para se adaptaram às necessidades novas, os métodos
autoritários e conservadores, reconhece que a instrução se desenvolvia,
desde a segunda metade do século XVI, com progressos constantes. As
escolas e colégios eram cada vez mais numerosos, sua adoção e seus
recursos cresciam diariamente, e mesmo o seu método, ainda que antiquado
para o Reino e para a Colônia, era considerado como suficiente pela maioria
da população, que havia aprendido a estimar os competentes professores
jesuítas. (ROCHA, 2005, p.10).

Mesmo com a expulsão dos jesuítas, as práticas escolares manifestadas durante


permanência deles no Brasil vão se configurar em tempo e espaço na organização do sistema
escolar brasileiro. No entanto, com o desmantelamento do sistema educacional, a disciplina e
a ordem vão se estruturando em tempo e espaço na reconstituição da organização da escola
nos períodos que se seguem. Embora do período pombalino até a vinda da família real para o
Brasil o ensino tenha se caracterizado por aulas avulsas, o ensino de primeiras letras ficou a
cargo de leigos.
Somente com a chegada da família real ao Brasil é que o desenvolvimento no campo
educacional ganhou um impulso. Foram construídos no Rio de Janeiro, sede da coroa
portuguesa, museus, faculdades de medicina, jardim botânico entre outros. Conforme Ribeiro
(1982), os cursos oferecidos nestas faculdades eram constituídos de aulas livres, isoladas,
ainda não havia sido retomada uma organização sistemática e graduada de ensino, conforme o
25

modelo jesuítico. A vinda da família real para o Brasil significou um amplo desenvolvimento
urbano da cidade do Rio de Janeiro, consequentemente eram necessários técnicos e pessoas
especializadas que ocupassem postos, a fim de atender a economia em expansão, a leitura e a
escrita começaram a se fazer imprescindíveis neste contexto.
Diante deste cenário, o modelo de escola brasileiro sofreu sérios retrocessos em
relação à organização pedagógica e curricular desde a expulsão dos jesuítas. Sem espaços
próprios, sem formação de professores e sem recursos financeiros a escola brasileira
caminhou entre trancos e barrancos. Somente em 1822, com o Brasil tornando-se
independente politicamente de Portugal, ressurgiu um princípio proposto na Constituição
Brasileira de 1824, que seriam os primeiros passos na tentativa de reorganização de um novo
modelo de escola.

1.2 Da independência política aos anseios republicanos: Escolas


improvisadas X Grupos monumentais

Dados os fatos da Independência política do Brasil em relação à Metrópole e as


transformações sociais e econômicas despontaram as discussões em torno das escolas de
primeiras letras. A primeira Lei de 15 de Outubro de 1827 institui a criação de escolas de
primeiras letras em todo território brasileiro no Brasil, além de versar sobre método, a
formação de professores, o currículo, enfim uma tentativa de organização de um sistema
educacional graduado.
Diante da falta de investimento neste setor e sem recurso para implementação de
escolas primárias em todo o território nacional, o Ato Adicional de 1834 passou a
responsabilidade da educação elementar para as províncias, instituindo a formação de
professores com a criação da Escola Normal, responsável pela formação de pessoal
qualificado. A descentralização outorgada neste Ato não resultou em uma organização
sistemática de ensino, mas, sobretudo, em uma continuidade de aulas régias. Por outro lado, o
ensino secundário se manteve nas mãos da iniciativa privada, como confirma os dizeres de
Romanelli (1991):

A descentralização ocorrida com o Ato Adicional de 1834, como já disse,


delegou às províncias o direito de regulamentar e promover a educação
primária e secundária. O que ocorreu a contar de então foi a tentativa de
reunir antigas aulas régias em liceus, sem muita organização. Nas capitais,
foram criados os liceus provinciais. A falta de recursos, no entanto, que um
26

sistema falho de tributação e arrecadação da renda, acarretava,


impossibilitou as Províncias de criarem uma rede organizada de escolas. O
resultado foi que o ensino, sobretudo o secundário, acabou ficando nas mãos
da iniciativa privada e o ensino primário foi relegado ao abandono, com
pouquíssimas escolas, sobrevivendo à custa de sacrifício de alguns mestres-
escolas... (ROMANELLI, 1991, p.40).

A tentativa de normatização e organização em torno de uma escola pública elementar


encontrou sérias dificuldades no século XIX. As escolas de primeiras letras desta época se
mantiveram em pequenos espaços improvisados, normalmente cedidos ou alugados pelos
próprios professores, que neste caso recebiam uma ajuda para o pagamento destes locais.
Segundo Sousa (2009):

A precariedade da escola pública foi um dos problemas, mais candentes da


instrução popular na província de São Paulo, como no resto do Brasil,
durante o século XIX. A falta de locais para funcionamento das escolas com
instalações adequadas e manutenção assegurada pelos poderes públicos
obrigava os professores a arcarem com esse tipo de despesa, conciliando os
parcos salários com disponibilidade e preço de aluguel dos imóveis. Por essa
razão, era bastante comum escolas funcionarem em cômodos de comércios
e igrejas, quando não no espaço privado da casa do professor. Além da
instalação física da escola, os professores públicos de primeiras letras
ressentiam-se da ausência de mobília e materiais escolares, tema de
frequentes queixas nos relatórios apresentados à inspetoria da Instrução
Pública. (SOUSA, 2009, p.32).

O discurso sobre a necessidade de espaços adequados, materiais pedagógicos, para a


efetivação do processo de escolarização vinha sendo propagado desde o século XVIII e se
intensificando após a independência e a proclamação da republicana. A utilização de métodos
adequados, programas e currículos se fizeram presentes nos discursos políticos. Nos dizeres
de Filho & Vidal (2000), estes debates se relacionavam não apenas com a necessidade da
escola atender as suas funções sociais, mas contribuíram, também, para caracterizar a cultura
escolar, que lhe é própria. Ao se referirem a estes fatores, os autores afirmam:

Reclamada desde o século XVIII (Cardoso, 1998), a construção de espaços


adequados para o ensino, bem como a definição de tempos de aprendizagem,
estava relacionada não apenas à possibilidade de a escola vir a cumprir as
funções sociais que lhe foram crescentemente delegadas, mas também à
produção da singularidade da instituição escolar e da cultura que lhe é
própria. Pretendemos chamar a atenção, aqui, para a reclamação entre
escolarização de conhecimentos e tempos e espaços sociais. Ao acompanhar
os debates que se tratavam na área da educação ao longo do século XIX e
XX, mais especificamente aqueles que se referiam às determinações sobre os
conteúdos escolares, o que atualmente dominamos programas e currículos,
precebe-se que sua extensão estava intimamente relacionada à distribuição e
à utilização dos tempos escolares, à constituição dos métodos pedagógicos e
27

à organização das turmas, classes e espaços escolares. (FILHO & VIDAL,


2000, p.20).

As práticas escolares, notadamente, vão se configurando em controle de tempo e


espaço na organização do sistema escolar no Brasil. Alguns registros de ficção denotam essas
práticas enraizadas em uma sociedade marcada pelo modo patriarcal de ser. Olhando através
de um prisma diferente, se pode verificar em o Conto de Escola de Machado de Assis e O
Ateneu de Raul Pompéia, um imaginário social sobre a instituição escolar da época.
Fundamentando esta possibilidade de considerar estas duas obras a partir de uma
perspectiva do imaginário social, pode-se considerar o Conto de Escola de Machado de Assis
e o Ateneu de Raul Pompéia como uma romance de formação, ou como uma expressão alemã
denominado de Bildungsroman. Segundo os estudos de Wunenburger e Araujo (2006) este
conceito de Bildungsroman emergiu no século XIX, tendo como pressuposto o
desenvolvimento de um personagem em sua totalidade, perfazendo um trajeto na trama que o
conduz para a maturidade de sua existência. Nos dizeres dos autores ao referirem à definição
deste termo consideram:

Como a própria designação aponta, este novo género de romance perspectiva


mais a educação do lado literário, do que do lado científico. Deste modo,
mais do que privilegiar a transmissão de conhecimentos e a política
intelectualista de “cabeças cheias”, privilegia-se, antes, a cultura da alma, a
formação interior, ou seja, aposta-se numa política de formação humanista
de “cabeças bem feitas” e de transformação de si-próprio pelo contacto e
logo com a vida (fabre, 1994: 134-135; Morin, 1999: 23-36; Wunenburger,
1993:59-69). (WUNENBURGER, ARAUJO, 2006, p. 54).

Deste modo, estas duas obras ilustram o imaginário social presente em O Conto de
escola, escrito em 1896, por Machado de Assis, registra as contradições da escola. O conto se
passa em 1840 e conta a relação dos meninos Raimundo, Pilar e Curvelo. Raimundo, filho do
mestre, que não sabia as lições direito, resolve dar umas moedinhas ao amigo em troca das
informações, no entanto, Curvelo os observava e os delata aos mestres. Os meninos são
castigados sem piedade diante da turma. Em uma análise de Caldin (2003) sobre o conto, a
autora apresenta a seguinte consideração sobre a questão:

Tal situação de terror no ambiente escolar não era incomum naqueles tempos
no Brasil. Freire (1981) aponta os seminários como verdadeiras casas de
detenção, consistindo Caraça, colégio de padre, no símbolo do sadismo e
maus-tratos. Descreve oprimidos-carneirinhos, como eram chamados.
Cumpre lembrar que além dos castigos corporais, no Caraça os meninos
passavam fome. A condição dos meninos nos colégios do Rio de Janeiro no
século XIX era um pouco melhor, visto que, não sendo, internos, ao final da
aula retornavam às suas casas e podiam, ao menos se alimentar. Mesmo
28

assim, o medo está sempre presente, pois no Brasil patriarcal a criança, do


nascimento até os seis anos idade, era idealizada como anjo e, dos sete aos
dez, era tida como diabo. Na idade escolar, portanto, era considerada uma
criança demoníaca, cheia de pecados e, assim, justificava-se o castigo que
lhe era impingido por quaisquer adultos próximos: pais, avós, tios,
padrinhos, padres, professores. A escola configurava-se no lugar por
excelência para o exercício da autoridade do adulto sobre a criança, numa
pedagogia do terror. (CALDIN, 2003, 142).

Observa-se que a escola retratada no Conto de Escola, embora seja uma obra de
cunho ficcional, registra práticas escolares em que a valorização da submissão se fazia
presente, quando Curvelo resolve delatar os meninos. Os castigos recaíram, apenas, aos
meninos que se envolveram na troca de informações, desconsiderando o delator, fato comum
na sociedade da época.
Outra obra de ficção que se remete às práticas escolares do século XIX foi escrita por
Raul Pompéia. Embora não se pretenda analisar a obra em si, percebe-se uma verossimilhança
registrada nela em relação às práticas escolares da época. Sérgio é o personagem principal da
obra, que, as poucos, vai descobrindo que o colégio se caracteriza pela disciplina, hierarquia e
obediência à ordem. Outro fator que pode contribuir para reflexão da cultura escolar é o fato
de que havia em O Ateneu as aparências da normalidade, mas, sobretudo, reinava no colégio
outro lado obscuro. Segundo os estudos de Henrique de Carvalho e Bar de Carvalho (2008):

De fato, o educandário, visto de fora, ostenta uma aparência austera, digna,


respeitável. Sob seu teto, porém Sérgio aos poucos descobre a sua real face,
aquela que se esconde ao primeiro olhar. Todas as mazelas sociais ali estão
presentes: a hipocrisia e a opressão, mais que todas. A comunidade de alunos
que se apresenta nas festas de abertura e de encerramento do ano letivo, no
dia a dia escolar, revela seu lado escuro. A igualdade que o uso do uniforme
sugerida desfaz-se, quando Sérgio percebe que há uma bem marcada
hierarquia entre os colegas, o que caracteriza uma rígida disciplina, não
apenas entre os alunos do Ateneu, mas também em relação aos
comportamentos deles. (CARVALHO & CARVALHO, 2008, p.62).

Os Ateneus e Liceus foram uma forma de tentativa de organizar o ensino secundário.


Houve a construção de diversos colégios em diferentes regiões, como na Bahia, Rio Grande
do Norte e o Colégio D. Pedro II no Rio de Janeiro. Neles as aulas ministradas permaneceram
em um formato de aulas avulsas e como preparatórios para ingresso em cursos superiores.
Nestes colégios, Ateneus e Liceus predominou-se o ensino aos meninos, não se admitia
mulheres nestes colégios. A disciplina e a rigidez de normas e condutas marcaram fortemente
este segmento. Em um estudo sobre o Colégio Pedro II, Cunha Junior (2011) faz a seguinte
consideração:
29

A preocupação com a disciplina é uma das características das instituições


escolares. Apesar de Bernardo Pereira de Vasconcellos (1950), na abertura
das aulas do CPII, afirmar que a disciplina deveria pesar mais sobre os
empregados, do que sobre os alunos da instituição, “fáceis de conduzir
quando a vigilância e o respeito lhes assinala a estrada” (p.178),
observamos no Regulamento n.88 diversas normas que diziam respeito ao
que seria permitido e ao que não seria permitido aos discentes do
estabelecimento. Eles não podiam sair do Colégio sem autorização do
Reitor; voltar à instituição depois das horas marcadas ou sem a companhia
de seu responsável; tirar o uniforme; possuir livros ou periódicos sem a
prévia fiscalização do Reitor; comportar-se de maneira inadequada;
perturbar a ordem; dormir ou trabalhar em aposento separado; fazer trocas
ou negócios com seus colegas; praticar jogos de cartas, de azar ou outros, a
dinheiro; trazer armas, pólvora, fogos de artifício ou bebidas alcoólicas para
a instituição; cometer falta contra os costumes e a religião. Para coibir o
desrespeito às normas ou outros atos que o Reitor julgasse
reprováveis, aos alunos seriam aplicadas punições de acordo com a
gravidade da transgressão. (JUNIOR, 2010, p.189).

Um dos castigos para os alunos que transgrediam a ordem pré-estabelecida se dava no


âmbito do controle dos horários livres. Os alunos punidos perdiam o tempo livre e não tinha
direito aos passeios promovidos pela instituição. Vale lembrar que o Colégio Pedro II no Rio
de Janeiro era o único a conceder o título de Bacharel aos estudantes. As aulas avulsas de
conteúdos propedêuticos prevaleceram neste segmento desde o século XVIII passando pelo
século XIX e XX como um ensino voltado aos cursos de graduação. Observa-se que umas das
práticas escolares manifestada nesses colégios emergiam em um controle do tempo e espaço
enquanto uma cultura escolar.
O cenário brasileiro foi se transformando na passagem do século XVIII para o século
XIX. As influências advindas da Europa de tendências positivistas foram significativas para a
transformação de Império em um Regime Republicano. Os intelectuais da época tendo
contato com essa tendência tinham por princípios a libertação dos escravos, o fim do
absolutismo, o progresso da nação e a ordem com elemento fundamental para a construção do
novo homem. Ao se referir a esta passagem Souza (2000) apresenta a seguinte análise:

O fenômeno de âmbito mundial foi alimentado pela circulação de ideias e


modelos geradores nos países ditos “civilizados” na época. Os mais variados
temas da organização escolar tornaram-se objeto de reflexão política e
pedagógica: métodos de ensino, a ampliação dos programas com a inclusão
de novas disciplinas, livros e manuais didáticos, a classificação dos alunos, a
distribuição dos conteúdos e do emprego do tempo, o mobiliário, materiais
escolares, certificados de estudos, a arquitetura, a formação de professores, a
disciplina escolar. (SOUZA, 2000, p.11)

No Brasil, a transição de um modelo político imperial para um modelo de governo


republicano foi palco para a difusão de ideias positivistas. Os republicanos acreditavam em
30

uma escola laica e sob a responsabilidade do Estado. Embora a instrução primária tenha sido
considerada como dever do Estado, após a expulsão dos jesuítas, o caráter de uma educação
popular surge nos ideais republicanos, principalmente em São Paulo com a construção dos
grupos escolares que se difundiram pelas demais regiões do país.
O século XIX foi marcado por intensas transformações no sistema de escolarização.
Métodos, formação de professores, níveis, espaços para a efetiva construção de prédios que
abrigassem um modelo de escola popular. Segundo Ribeiro (1982), se referindo às
considerações de Nelson W. Sodré, adotou-se no Brasil um modelo americano de organização
escolar: a escola graduada. As transformações advindas da disseminação de modelos de
escolas populares nos Estados Unidos influenciaram o processo de escolarização no Brasil,
desde o final do de século XVIII e intensamente no decorrer do século seguinte.
A fomentação das ideias de construção de uma escola pública nos países europeus e
nos Estados Unidos foi difundida por concepções de métodos, formação de professores,
escolas mais econômicas e rápidas que atendessem ao desenvolvimento e ao aceleramento da
revolução industrial.
No Brasil, as questões sobre o método estavam em discussão desde o século XVIII,
após a expulsão dos jesuítas, a organização escolar perdera o que se havia configurado
enquanto um sistema organizacional escolar. Os métodos de ensino praticados nas escolas se
mesclavam em individual, mútuo e simultâneo. O método mútuo conhecido, também, como
lancasteriano se concentrava em uma prática de ensino em que alunos mais adiantados
passavam instruções aos outros alunos, sempre orientados pela supervisão do professor. Já o
método individual caracterizado pela relação professor X aluno, individualmente, foi
considerado desde o final do século XVIII um método que despendia um tempo maior ao
ensino e um gasto demasiado em relação à quantidade de alunos, prevalecendo, então, na
sistematização da organização escolar, o método simultâneo.
O Dicionário interativo de educação apresenta a seguinte definição do método
simultâneo:

Visa atender um grande número de alunos separados em subgrupos


conforme o grau de desenvolvimento. Segundo esse método, cada professor
deveria atender a três classes. Foi criado e sistematizado por São João
Batista de La Salle (1651-1719), que suavizou a disciplina escolar da sua
época, proibindo os castigos físicos. O método simultâneo superou o método
individual de ensino, em que o professor atende individualmente um aluno
por alguns minutos. Porém, trazia como consequência o tumulto em sala de
aula, prejudicando o aproveitamento da disciplina. La Salle adotou o método
simultâneo de ensinar quando a maioria dos educadores de seu tempo ainda
se utilizava do método individual. (MENEZES & SANTOS, 2002).
31

Nota-se que o discurso sobre a disciplina na escola se faz presente em estudos que
versavam sobre outras questões da organização escolar. A aplicação do método simultâneo na
efetiva construção de um sistema público de ensino originou o surgimento de um professor
ensinando diferentes alunos em um nível homogêneo de aprendizagem. O professor passou a
utilizar efetivamente o quadro negro e a repetição simultânea para que todos os alunos
compreendessem as lições que deveriam executar. Entretanto este método trouxe algumas
preocupações, como destaca Sousa (2009):

O procedimento mais racional de ensinar várias crianças simultaneamente


pressupunha que os alunos tivessem condições similares de receber o ensino
coletivamente, isto é, que eles tivessem o mesmo nível de conhecimento.
Requeria, também, a adoção de outros procedimentos didáticos para
aumentar a atenção dos alunos. A frontalização do ensino pelo uso intensivo
do quadro-negro e a recitação simultânea (respostas ou leitura em uníssono)
são alguns dos desdobramentos significativos dessa transformação da escola
elementar. Na década de 1860, ensino simultâneo e ensino ministrado em
classes de alunos passaram a ser usados como sinônimos. Homogeneizar as
diferenças individuais era o grande desafio. (SOUSA, 2009, p.39).

O método simultâneo vai se consolidando na organização escolar durante a virada do


século XIX e XX, se configurando em uma prática escolar para ensinar um número maior de
alunos ao mesmo tempo. No entanto, é no período republicano que os debates sobre a
organização de uma escola popular, sobre métodos, tempo e espaço, se efetivam em
construção de grupo escolar, principalmente na cidade de São Paulo, se copiando em demais
regiões do país.
Como observa Sousa (2009), em Alicerces da Pátria, a construção dos grupos
escolares e a disseminação deste modelo em diversas regiões do país predominaram o modelo
de escola americana, a escola graduada. Essa escola graduada tinha por concepção a divisão
dos alunos por idades, níveis, métodos, conteúdos, um professor lecionando em diferentes
turmas. Embora os debates sobre métodos de ensino fomentassem o imaginário social de
educadores e políticos, as práticas escolares demonstravam que o ensino se mantivera na
dualidade do saber à ignorância, de cultura versus incultura. Conforme Sousa (2009):

[...] o apelo ao ensino mais prático do que teórico, à valorização da


atividade, à educação pelas coisas e pela experiência, à educação dos
sentidos, à atenção, à observação e ao desenvolvimento intelectual dos
alunos não foi suficiente para evitar o privilegiamento do ensino centrado na
aquisição de conhecimentos, a ênfase nas lições de cor, os exercícios de
memorização... (SOUSA, 2009, p.91).
32

Em outro trecho, sobre as práticas escolares manifestadas nos grupos escolares,


durante e após o período republicano, a autora trata sobre o ensino de matemática:

A tabuada é recitada “de cor”, é saber que aspira a automação rápida. Ela é
tomada em arguições e verificada nos exercícios praticados no caderno e no
quadro negro. Vícios como o uso dos dedos nos cálculos aritméticos são
cuidadosamente corrigidos e evitados (nada é mais particular da escola que a
cadência da recitação da tabuada): três vezes três, nove; três vez quatro,
doze...). Contar, calcular, medir, sobre números inteiros e frações.
Reconhecer os algarismos romanos e resolver problemas. O cálculo mental é
o coroamento do raciocínio estimulado partindo da resolução de problemas
fáceis evoluindo para os mais difíceis. (SOUSA, 2009, p.110).

Além dessas práticas escolares, segunda a autora, os exames finais nos grupos
escolares paulistas se mantiveram pela vigilância e premiação aos melhores alunos, previsto
no Regimento Interno das escolas públicas do estado de São Paulo (decreto nº 248, de
26/7/1894). Enfim, os grupos escolares emergiam no imaginário social republicano um
modelo de escola popular organizado, porém os grandes prédios monumentais foram
construídos, apenas, em centros urbanos, conforme revelam as figuras abaixo do Grupo
Escolar Caetano de Campos.

Figura 1 – Sala de aula do Grupo Escolar Caetano de Campos em SP


Fonte: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/galerias_acervodigitalizado/escola_normal/frameset1.htm
33

Figura 2 – Fachada do Grupo Escolar Caetano de Campos em SP


Fonte: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/galerias_acervodigitalizado/escola_normal/frameset1.htm

A disciplina, a inspeção de órgãos controladores, a inspetoria geral, foram formas de


fiscalização e controle desta época neste modelo de escola. O modelo proposto de um nível ao
outro se denominou de graduação, em que um aluno passava de uma classe para outra após
exames e provas, uma forma de graduação em níveis de escolarização. Os conteúdos
ensinados versavam sobre aritmética, ensino de gramática, leitura, escrita, caligrafia, ensino
de moral e bons costumes, educação física, geografia, desenvolvendo um gosto por amor à
pátria.
As matérias eram ensinadas baseadas nas ciências, ou seja, o cientificismo em vigor
desde o final do século XVIII tinha por concepção um ensino baseado nas ciências, na
experimentação e na demonstração, somente sendo aceito aquilo que a ciência pudesse
comprovar, eliminando possibilidades metafísicas de intervenção da Igreja. Esta concepção
tinha por objetivo desenvolver o raciocínio dos alunos e o apego às ciências, por meio da
observação, da demonstração e da experimentação.
Por outro lado, os grupos escolares monumentais construídos nos grandes centros
urbanos se contrastavam com as escolas denominadas de escolas isoladas ou de escolas
reunidas. Estas escolas isoladas, distantes dos centros urbanos, eram improvisadas em galpões
ou local alugado para estes fins. Os professores sem recursos pedagógicos e em lugares
improvisados utilizavam ora o método misto, ora o método simultâneo, dependendo da
quantidade de alunos que frequentava estas escolas.
34

Nesse modelo de escola do final do século XIX e em meados do século XX, a


racionalização do tempo, os horários de recreios, a segmentação de matérias, tempo de
exames e provas, controle sobre o método utilizado pelos professores e a frequência de alunos
foram se configurando enquanto práticas escolares vigentes, dentro da cultura escolar.
A disseminação do método simultâneo trouxe um novo elemento de ensinar um
número maior de alunos ao mesmo e que perdura até os dias atuais, o quadro-negro, depois
verde. A lousa, como conhecida nos dias de hoje, ganhou um papel relevante nas anotações
dos professores para os alunos, nas cópias de lições, no desenvolvimento dos exercícios,
enfim um instrumento que passou a ser fundamental dentro das escolas.
Diante da recém república, o amor à pátria, a ordem, a disciplina, o ensino de bons
costumes foram conteúdos inseridos nos grupos escolares. Os exames e as provas eram
realizados por um inspetor vinculado ao órgão competente de controladoria, denominado
inspetoria geral. Este inspetor fiscalizava, aplicava as provas, exames, emitia pareceres sobre
os grupos escolares, enfim uma gama de exercícios fiscalizadores sobre a escola.
A cultura escolar vai se configurando na sistematização da organização escolar. As
atividades sobre a escrita são constantes exigências na época, como confirmam os estudos de
Sousa (2009) sobre a escola primária em São Paulo:

Na escola primária, a caligrafia constitui atividade educativa que molda


comportamentos. Escrever com correção e letra legível (preferencialmente
cursiva e com traçados elegantes) é demonstrar a posse de uma cultura
erudita. Por essa razão, o ensino da escrita também foi objeto de discussões
metodológicas. Grande ênfase foi dada à caligrafia concebida no mesmo
sentido de escrita ou como “arte de escrever bem” vinculando as tecnologias
disciplinares de economia do corpo e do ato de escrever com as exigências
do trabalho urbano, particularmente a necessidade de leitura de textos
manuscritos. (SOUSA, 2009, p.109).

Desta forma, os grupos escolares marcaram notadamente a passagem do século XIX e


início do século XX. Neste cenário, observa-se que a institucionalização de práticas escolares
encontrados em escolas do século XX, e se não do século XXI, foram enraizadas no sistema
de escolarização no Brasil.
A disciplina rígida, a ordem, a segmentação de horários, a vigilância constante, o
método simultâneo, a premiação aos melhores alunos, a educação dos bons costumes, o
controle comportamental, a formação dos professores na Escola Normal, os métodos, os
conteúdos, os exames, entre outros, foram se institucionalizando e se tornando um caráter de
ensino focado na moral e nos bons costumes da época. No entanto, como o alto custo de
manutenção destes grupos escolares, aos poucos, o projeto foi sendo deixado de lado e
35

substituído por um modelo de escola mais barato. Por outro lado, há de se considerar o fato de
que um grande empenho por parte dos republicanos em educação popular como símbolo e
condições materiais, organicidade e mesmo os monumentais prédios construídos na época
marcaram este modelo de escola.

1.3 Escola Tradicional X Escola Nova

O desenvolvimento urbano e o avanço industrial no Brasil trouxeram à tona a


preocupação com o alto índice de analfabetismo existente na época. No cenário mundial, a
Europa e os Estados Unidos, no século XX, já haviam implementado uma proposta de
educação popular. Em São Paulo, particularmente, os grupos escolares foram um modelo de
escola republicano que pretendeu introduzir um padrão de educação popular no auge do
nacionalismo e valorização da pátria. Embora os grupos fossem considerados um exemplo na
educação popular, não atingiu as camadas menos favorecidas, as quais se situavam em bairros
periféricos das cidades. Dentre os grupos escolares, havia outro modelo de escola situada nas
regiões periféricas da cidade de São Paulo, as denominadas escolas reunidas, em que numa
mesma classe se concentravam alunos de diferentes níveis.
Durante o período republicano, principalmente em São Paulo, os grupos escolares
localizados no centro urbano atendiam a uma clientela de alunos já selecionada socialmente
diante das próprias condições de desenvolvimento da cidade. Essa escola era frequentada por
uma pequena parcela socialmente privilegiada. Assim afirma Sousa (2008):

Nas primeiras décadas republicanas havia um grande número de filhos de


imigrantes matriculados nos grupos escolares. Havia também filhos de
operários, de comerciantes, de ferroviários, de profissionais liberais,
trabalhadores domésticos, de indústrias, fazendeiros, carroceiros, alfaiates,
barbeiros, cocheiros, engraxates, fotógrafos, cozinheiras, escrivães entre
outros. Mas, evidentemente, eram crianças provenientes de setores sociais
inseridos no mercado de trabalho. É bem provável que os pobres e
miseráveis não tivessem preferência na matrícula concorrida intensamente
nos núcleos urbanos maiores. A disputa entre os filhos do povo e os filhos
das camadas mais abastadas foi um problema comum denunciado pelos
jornais locais no início do século. Muitas vezes, o diretor do grupo
privilegiava determinadas crianças em detrimento das mais pobres e não se
sabe com exatidão o nível de exclusão das crianças negras. Outras vezes era
a própria representação social do grupo escolar – a exigência da ordem, do
asseio, do uniforme, da limpeza, do material escolar que afastava as crianças
mais pobres. (SOUSA, 2008, p. 277).
36

Como se vê, a cultura escolar vai se configurando em distinção de quem a pode


frequentar, que está apto a participar da seleção. Os mais pobres considerados ignorantes são,
também, excluídos de participarem dos saberes do homem culto. As regiões periféricas não
possuíam grupos monumentais, a escola era denominada escolas reunidas ou escolas
elementares. Estas escolas eram precárias, improvisadas em locais alugados, cedidos e
atendiam a uma gama de alunos em níveis variados de aprendizagem em uma mesma classe.
Com o avanço do processo de industrialização, o modelo de escola do início do século
XX não atendia aos anseios de uma nova classe em expansão, o operário. Desta forma, os
intelectuais, os educadores e a classe média viram no processo de escolarização uma
possibilidade de desenvolvimento e crescimento econômico. A ruptura com o sistema
econômico baseado na agricultura começou a perde fôlego para o novo modelo econômico
baseado na industrialização.
Antes das primeiras décadas do século XX, as ideias sobre a escolarização já
despontavam timidamente. No entanto, somente nos anos 1930, os educadores da época
iniciaram um movimento social em favor da escola pública e gratuita. Este movimento,
denominado de “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, ampliou as discussões em
torno de uma escolarização laica, gratuita e que atendesse as diferentes camadas sociais
existentes neste período. Educadores como Anísio Teixeira (1900-1971) e Fernando de
Azevedo (1894-1974) em contato com concepções filosóficas de Educação de John Dewey
manifestaram-se por mudanças e renovações pedagógicas na escola pública. Ao se referir as
noções de Dewey no manifesto, Cunha (1993) faz a seguinte consideração:

Sob a influência de John Dewey, cuja penetração no Brasil foi notória, os


educadores da escola nova tiveram a possibilidade de equilibrar sua atuação
entre as exigências antinômicas da Educação. As ideias renovadoras
encontraram em Dewey uma concepção de respeito às particularidades
individuais e, ao mesmo tempo, de incentivo à observação das necessidades
do progresso social. (CUNHA, 1993, p.190)

Em outro trecho sobre o pensamento de Dewey, o autor esclarece:

Segundo Dewey (1959), a educação escolar não possui princípios próprios


oriundos de uma natureza específica do processo de ensinar e aprender. A
função da escola deve ser buscada na vida social mais ampla. A exemplo do
que se passa no âmbito da existência, onde a “continuidade da vida significa
uma constante readaptação do ambiente às necessidades dos organismos
vivo”, o evoluir da vida em sociedade implica a renovação dos
agrupamentos humanos, de suas crenças, hábitos, ideais etc.. Dewey (idem,
p.2) entende que a educação, “em seu sentido mais lato, é o instrumento
dessa continuidade social da vida”. A subsistência da vida coletiva só é
37

efetivada por meio da transmissão da experiência das gerações mais velhas


às mais novas. (CUNHA, 1993, p.190-191).

John Dewey, norte americano, tinha por concepção um modelo de escola que
atendessem aos anseios de uma sociedade em desenvolvimento, para isso era preciso
considerar a escola como um espaço no qual fossem apresentadas aos alunos as problemáticas
enfrentadas por uma sociedade em desenvolvimento. A escola seria o lugar de problematizar
as experiências, a interação social entre mundo e sociedade, ou seja, a escola seria um
ambiente privilegiado em que se pudesse lidar com questões sociais amparado pela ciência,
pela igualdade, pelas diferenças sociais, pautados em um processo democrático.
Nesse sentido, de uma educação que servisse às necessidades de uma escola moderna,
democrática e igualitária respeitando as diferenças sociais, o “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova” se referiram à escola nova como uma oportunidade democrática de
desenvolvimento humano, baseada em uma concepção centrada na prática social e nas
relações interpessoais entre professor e aluno. Ainda se referindo ao modelo de escola
defendido pelo Manifesto, educadores como Anísio Teixeira defendiam uma instituição
educacional centrada no aluno, em resposta à centralizada no professor, enquanto autoridade
máxima do saber.
Ao ser publicado em 1932, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” ampliou a
discussão entre os educadores que defendiam uma organização sistemática de educação,
debatendo os encaminhamentos gerais em torno de uma educação popular democrática. Essas
diretrizes contidas no manifesto significaram, em termos gerais, um ideal de oportunidades e
igualdades a ser implementado em uma escola pública e laica. Portanto, novas práticas
escolares eram reclamadas, para os educadores desse movimento, o Estado deveria garantir
uma educação popular gratuita e igualitária, ou seja, segundo os produtores deste manifesto,
era preciso um modelo de escola democrático e aberto às discussões pedagógicas e às
necessidades educacionais do país, em contrapartida da escola tradicional, que desconsiderava
o fator da heterogeneidade.
O ideário da Escola Nova apontou as deficiências relacionadas ao ensino. A escola
tradicional centrava-se na transmissão do conhecimento em uma forma vertical de assimilação
do saber. As discussões sobre os programas escolares, sobre ritmos de aprendizagem, sobre
diferenças sociais, sobre formação de professores eram apontadas por educadores pautados
em princípios da Escola Nova. Além disso, os educadores iniciavam discussões a respeito de
um currículo que deveria ser introduzido na escola pública brasileira. Conforme confirmam os
dizeres de Sousa (2009):
38

Proposição pedagógica de cunho eminentemente social, a Escola Nova tinha


como horizonte a regeneração da sociedade brasileira e a transformação do
país. O indissociável vínculo entre o projeto político e projeto educacional
articulou questões pedagógicas (pertinentes à discussão sobre métodos e
processos de ensino) e questões sociopolíticas, como a ordenação do
trabalho, a construção da nacionalidade, a modernização da sociedade e a
democratização do país. (SOUSA, 2009, p.170).

Além dessa modernização, o Manifesto colocou em discussão as disparidades da


escola em relação ao acesso a todos. Como declara Romanelli (1991):

O momento histórico apresentado pedia, pois, que a educação se


convertesse, de uma vez por todas, num direito, porque, na verdade, ela é um
direito biológico do ser humano e, como tal, deve concretizar-se e, para
tanto, deve estar acima de interesses de classe. Enfim, ela deve vincular-se
efetivamente ao meio social, saindo a escola de seu secular isolamento. O
Manifesto apresenta a novidade de vislumbrar a educação como um
problema social. Mas não se detém aí. Para ele, o método científico, aplicado
ao estudo dos problemas educacionais, acabou gerando uma nova concepção
de educação, segundo a qual é o educando, com seu interesse, suas aptidões
e tendências, quem deve ser o centro da ação pedagógica. Preconiza,
portanto, a mudança de métodos educacionais fundamentando seu parecer
sobre as descobertas da psicologia. Foi analisando a educação, do ponto de
vista filosófico, sociológico e psicológico, que o Manifesto fundamentou as
reivindicações de mudança, que suscitou em pro da educação escolar
brasileira. (ROMANELLI, 1991, p.146).

Mais do que apresentar novas concepções de direito à educação, de mudança de foco


no ensino, passando a considerar o aluno como um papel primordial no ensino, o Manifesto
defendia que uma educação igualitária a todos necessitava de uma maior intervenção do
Estado na oferta de ensino, aclamando por uma escola pública laica, gratuita e sem distinção
de classes.
Embora, ainda, segundo a autora, o Manifesto tenha sido bastante renovador para a
época, aconteceram derrotas e avanços em relação à organização do sistema escolar, porém
nos dizeres da autora, houve uma tentativa do Estado em conter a expansão, além de
diferenciar um ensino às classes menos favorecidas, como pode ser corroborado quando
citados o texto e os comentários de Fernando Azevedo, sobre a Constituição de 1937:

A Constituição não se refere a um plano de expansão das escolas, mas sim a


um plano de limitação de matrículas, provas de que, por parte do Governo,
se cuidou de conter a expansão do ensino em limites estreitos. [...] Fernando
de Azevedo elogiou largamente a preocupação que a Constituição de 1937
tivera para com o ensino profissional, declarando ser ela a mais democrática
das Constituições em matérias de ensino. Não atentou, porém, o mestre para
esse pormenor, de suma importância para compreensão da evolução do
sistema do ensino no Brasil, sobretudo, do ensino profissional. Não
observou, por exemplo, que, oficializando o ensino profissional, como
39

ensino destinado aos pobres, estava o Estado cometendo um ato lesivo aos
princípios democráticos; estava o Estado instituindo oficialmente a
discriminação social, através da escola. (ROMANELLI, 1991, p.153).

De modo que o Manifesto não significou, apenas, um debate sobre novas tendências
educacionais no Brasil, como também a possibilidade de democratização do ensino, apesar de,
ainda, não efetivada na época. O Manifesto também aclamava mudanças nas práticas
escolares enraizadas na disciplina, na ordem e no ensino verticalizado. No entanto, as
discussões em torno de um novo modelo de escola resultaram timidamente em algumas
atividades e projetos diferenciados.
Os estudos de Sousa (2009) sobre a escola primária paulista denotam a persistência de
práticas escolares, segundo a autora, as fotos de salas de aulas da época revelam que a escola
mantinha-se por um ensino centralizado na figura do professor, no controle de tempo e
espaço, na disciplina rígida e na homogeneização. Os alunos enfileirados, a lousa à frente para
exposição de lições, a disciplina, o controle de comportamentos, obediência, a memorização,
o ensino verticalizado marcaram o processo de escolarização da escola tradicional, se
contradizendo com os pressupostos da Escola Nova, conforme ilustra a figura abaixo:

Figura 3 – Ambiente da sala de aula - Grupo Escolar em Bauru – SP.


Fonte: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/educacao/galeria_det.php?cidade=Bauru

Sousa (2009) assim se manifesta a autora sobre as fotos da época:

As fotografias ressaltam a gramática espacial da sala de aula. A frontalização


do ensino domina o cenário. À frente, o quadro-negro - instrumento
primordial de exposição das lições - e o espaço do professor. O restante da
40

sala é ocupado por carteiras enfileiradas sinalizando a homogeneidade das


atividades e dos movimentos. Nesse espaço, a aula, forma de ensinar
historicamente construída, teima em privilegiar a lição, o ato de demonstrar a
matéria pela palavra ou por ilustrações. (SOUSA, 2009, p.201).

Nos anos que precederam ao Manifesto, aconteceram algumas atividades,


timidamente, que respondiam aos anseios de uma Escola Nova. Sendo assim, o “Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova” originou a discussão sobre outras funções sociais da escola
a partir dos anos 1930. Apontou-se a necessidade de merenda escolar em escolas públicas, a
implementação de programas de saúde, as dificuldades que os alunos de bairros periféricos de
São Paulo encontravam para a compra de materiais escolares, roupas, uniformes, entre outros.
Vale ressaltar que o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi um movimento amplo,
porém o que se viu nas escolas foi a manifestação de uma cultura escolar em torno de práticas
enraizadas pelo modelo de escola autoritário e excludente.
Os anos 1960 e 1970 marcaram o processo de democratização da escola pública no
Brasil. Sob um regime militar que perdurou até meados dos anos 1980, a escola tradicional
não se remodelou, mantendo um ensino centrado no professor, na memorização e no controle
de tempo e espaço. A racionalização, como ressalta Sousa (2009), ganhou espaço nas
discussões:

A discussão sobre a elaboração científica dos programas voltava à tona de


forma ainda mais sistematizada e orgânica. O aperfeiçoamento da técnica
pedagógica de elaboração dos currículos manifestava a racionalidade
almejada no campo educacional pela incorporação das ciências da educação.
O desenvolvimento do campo currículo no interior das instituições de
pesquisas educacionais como o INEP e os Centros de Pesquisa (Centro
Brasileiro de Pesquisas Educacionais CBPE – e centros Regionais de
Pesquisas Educacionais CRPE) encontraria espaço e amparo nas concepções
científicas racionalizadoras de intervenção sobre a escola. (SOUSA, 2009,
p.358)

Desta forma, segundo a autora, a ênfase sobre a didática e a metodologia foi ganhando
espaço em questões sobre implementação de currículo, técnicas, formação de professores,
principalmente, no decorrer dos anos 1970, com um modelo de escola tecnicista. A
intervenção do Estado em direcionar o currículo, a formação de professores, a organicidade
do sistema educacional em todo o país sem considerar as diferenças regionais e de
aprendizagens, institui-se como um mecanismo de reprovação em massa, notoriamente
legitimado pelo Estado. A escola então passa a configurar-se como uma das instituições a
serviço da produção e reprodução de manifestações de práticas escolares enraizadas em um
processo excludente e autoritário.
41

O controle da educação, centrado nas mãos do Estado, começou a ser exercido por
força de lei, como por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A escola
organizou-se em ensino de primeiro e segundo grau até a nova LDB em 1996, que instituiu a
possibilidade de organização em ciclos, em progressão, em séries, semestres, enfim a gama de
alternativa de organização diante de novos conhecimentos e debates sobre acesso e
permanência após o fim do regime militar.
O padrão da instituição educacional do século XX começa a ser formar não só pelas
ideias de construção de um exemplo de escola popular, mas também por críticas ao modelo de
escola predominante, marcado pelo processo de vigilância e disciplina. Após a Segunda
Guerra 1939-1945 os questionamentos às instituições totais, principalmente a partir dos
estudos de psicoterapeutas de grupo, fizeram emergir no movimento de maio de 1968, na
França, questionamentos sobre a intervenção do Estado em instituições.
Neste contexto, os estudos de Bourdieu & Passeron (1982) denunciam o modelo de
escola que produz e reproduz a violência. Segundo Bourdieu & Passeron (1982), a violência
na escola se caracteriza pela forma simbólica nas relações de forças entre a imposição de uma
cultura em relação à outra cultura. Ainda, de acordo com Bourdieu (1982), os signos são
formas simbólicas construídas socialmente e culturalmente, todavia o sistema simbólico é
arbitrário, uma vez que não se relaciona com nenhum princípio humano, físico, biológico ou
cultural. Assim se manifestam os autores:

A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo


ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em que a
estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de nenhum
princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por
nenhuma espécie de relação interna à “natureza das coisas” ou a uma
“natureza humana” (BOURDIEU & PASSERON, 1982, p.23)

Nesse sentido, os questionamentos às instituições, os estudos de intervenção de


psicoterapeutas no decorrer do pós-guerra, contribuíram para ampliar as discussões sobre o
papel das instituições totais, no caso aqui, a escola enquanto uma organização social
complexa.
O estudo sobre as organizações possibilita compreender o funcionamento do grupo
dentro da instituição. A escola configura-se como uma organização social, na qual grupo com
projetos diferentes, organizados por imaginários diferentes interagem e realizam incessantes
trocas. As trocas realizadas no cotidiano da escola são orientadas pelas práticas institucionais
que organizam o seu cotidiano e pelo imaginário social dos grupos que se relacionam em seu
espaço. A partir desta situação, verifica-se que as práticas escolares, em muitas situações, se
42

constituem um lugar de manifestação da violência presente no imaginário dos grupos que


interagem no interior da escola.

1.4 A democratização do ensino: tempos difíceis, acessos fechados

O processo de democratização da escola pública no Brasil se organizou por um


modelo de escola burocrático, baseado na ordem, na disciplina e na vigilância. Embora as
críticas a esse modelo de escola tenham sido uma constante, a partir dos anos 1960, a
escolarização no Brasil caminhou a passos lentos no sentido de mudanças entre os princípios
da Escola Tradicional e um modelo de escola democrático.
Uma tentativa de estruturação de um sistema único de ensino foi promulgada com a
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961, uma intervenção do
Estado para a democratização universal de uma escola básica. As vivências e as experiências
escolares, até os meados dos anos 1960, demonstraram uma organização escolar que deixava
de fora boa parte da população de baixa renda. Mesmo após o “Manifesto do Pioneiro da
Educação Nova”, o modelo de escola predominante no Brasil primava-se por um modelo
pedagógico verticalizado e centrado na figura do professor.
Após a promulgação da primeira Lei LDBE 4.024/61 que estruturou e universalizou a
escola básica no Brasil surgiram outros problemas que se acentuaram em decorrência do
distanciamento entre o modelo pedagógico de organização escolar tradicional e a nova
demanda que se fazia presente nesse contexto da escola básica. A estrutura social brasileira,
composta por classes sociais distintas acentuadas, pelo desenvolvimento industrial e cultural,
por uma sociedade estratificada, foi uma constante no que diz respeito ao acesso e a
permanência de uma população que estava fora do processo de escolarização.
O modelo de escola predominante, durante esse período e que vai se enraizando
durante o processo de democratização da escolarização no Brasil após os anos 1960, se
configurou em um modelo de escola fechado, pautado, sobretudo, na razão fechada e por um
ensino verticalizado. Além desses elementos culturais enraizados na organização escolar,
outro elemento, que foi se constituindo como um fator de controle social presente na
instituição escolar, foi o processo de homogeneização e o enquadramento de pessoas em um
determinado modelo de sociedade.
43

No cenário mundial, críticas a esse modelo de escola já vinham sendo discutidas desde
os anos 1930, com o movimento dos precursores da Escola Nova. Segundo Almeida (2005):

Desde a Escola Nova, passando por Rogers, Lobrot, Tratemberg etc., vêm se
questionando as chamadas organizações totais que, pelo gradeamento dos
tempos e espaços e da rigidez de papéis, buscam enquadrar as pessoas em
um modelo social político determinado. (ALMEIDA, 2005, p. 15).

Os questionamentos às instituições totais bem como as críticas as organizações


acentuadas após a Segunda Guerra Mundial põem em foco discussões sobre o modelo de
escola enquanto uma instituição regida por normas, regulações, ordem e economia do tempo.
Esses questionamentos às instituições totais emergiram em um movimento estudantil em
“maio de 68”, na França, ecoando em diversos setores da sociedade. Greves e manifestações
de contracultura balançaram as ordens estabelecidas. Conforme Lapassade (1983):

Essa crise foi provocada e animada pelos jovens. Através de sua intervenção
direta e decisiva na desordem política verificamos o que significa a
“instituição do adulto”, e a sua função repressiva. A integração no sistema de
vida dito “adulto”, com suas normas, os seus mitos, os seus privilégios e as
suas servidões, constitui um dos mais eficazes instrumentos do “controle
social” – quer dizer, da contrarrevolução permanente e nossa sociedade.
(LAPASSADE, 1983, p.24).

Esse movimento representou não só uma manifestação contra a ordem estabelecida


como única ou possível, mas também as relações entre as instituições totais e a sociedade.
A seleção cultural que a escola fazia resultou, no Brasil, em altos índices de repetência
e evasão. A escolarização básica foi demonstrando o distanciamento entre os princípios da
escola básica e a cultura escolar, em que, no Brasil, pese o fato do acesso ter sido um
privilégio de poucos. O estrangulamento estabelecido entre os níveis primário, ginasial e
colegial teve como consequência os índices altíssimos de repetência e de evasão escolar a
partir dos anos 1960.
Ainda que os ideais da Escola Nova houvessem propiciado discussões importantes
sobre o papel do professor, sobre o papel do aluno, sobre os processos de aprendizagem, a
escola foi se organizando por um sistema burocrático se fechando entre muros, grades e
elementos simbólicos de ordem e de disciplina. A partir dos anos 1970, com a implementação
de um sistema de ensino graduado, a escola se organizou em oito anos de escolarização
obrigatória básica, por outro lado, a escola de segundo grau tornou-se um ensino
principalmente técnico. As seriações, a grade curricular, o controle dos comportamentos e a
44

disciplina presentes na escola são elementos que compõem o contexto do processo de


democratização da escola durante o século XX.
As punições, o controle do tempo e espaço e a homogeneização desse período
pretendiam o controle de comportamentos dentro da instituição. O tempo escolar se
organizava pelo princípio utilitário, não se permitia a ociosidade, a vigilância sobre o trabalho
do professor e as atividades dos alunos eram uma constante. Foucault (2003) tece comentários
sobre estas situações de controle:

Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma


micropenalidade do tempo (atrasos, interrupções das tarefas), da atividade
(desatenção, negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseria,
desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), do corpo (atitudes
“incorretas”, gestos não conformes, sujeira) da sexualidade (imodéstia,
indecência). (FOUCAULT, 2003, p149).

Esses princípios de controle, de ordem presentes no contexto da organização escolar


percebidos em diversos momentos da história da educação no Brasil se organizaram por uma
lógica racional de otimização do tempo e espaço, como elementos que se manifestaram na
cultura escolar, no processo de democratização da escola durante o decorre do século XX,
porém vale ressaltar o fato de que ainda se manifestam no século XXI.
Embora os questionamentos sobre as instituições totais, emergidos em meados de
1960, tenham sido precursores no entendimento dos mecanismos e do funcionamento dessas
instituições, as vivências e as experiências de um modelo escolar denotam um modelo de
escola pautado, sobretudo, pela lógica da razão clássica em que se desconsidera outra
possibilidade de manifestação que não seja baseado em uma razão fechada. Assim o diferente,
o aleatório, o imprevisto tendem a ser racionalizar. Chaves aborda a questão (2000):

Na minha vivência nas instituições educacionais, percebi uma atenção


especial ao burocrático, aos currículos, aos diários de classe devidamente
preenchidos, aos horários, à ordem estabelecida, às filas, às normas, às leis.
O professor, de modo geral, permanecia subordinado a e controlado por
estatutos que determinavam suas formas de ser e agir na instituição escolar.
A escola se organiza, quase sempre, segundo os pressupostos da
racionalidade técnica, pautada nos princípios da ordem, da economia e da
eficiência, reproduzindo o saber e a cultura dominantes e reduzindo o
sujeito/professor a um simples transmissor de conhecimentos e mantenedor
da ordem estabelecida. (CHAVES, 2000, p.13).

Essas manifestações de ordem fundamentadas na lógica da razão clássica, presente no


contexto da organização escolar, corroboraram para uma homogeneização de comportamentos
em que a utilização do tempo pretende a diminuição do desperdício e da ociosidade. Essa
45

burocratização da escola, manifestada no currículo, na segmentação das séries, dos horários,


nas matriculas, no preenchimento de uma diversa gama de relatórios, diários de classe, tende a
ocupar boa parte do tempo escolar. Essa tendência técnica e burocrática, acentuada após a
reestruturação da escola básica em 1º e 2º grau, dado o fato de que o 2º grau se caracterizou
por um ensino tecnicista, se configurou em um modelo de escola fechado, pautado,
principalmente por uma lógica racional fechada.
Essa lógica da razão clássica, fechada, organiza o cotidiano da escola de tal forma que
o improvável, a incerteza, o diferente caminham em ritmos diferentes. Ainda segundo Chaves
(2000):

Conclui-se assim, que a razão fechada é simplificadora, rejeita tudo o que


não se submete aos ditames do princípio de economia e de eficácia e que, em
sua evolução, chega à razão aberta (complexa). Esta já não conhece em
oposição absoluta, mas em oposição relativa, isto é em complementaridade,
em comunicação, em trocas; respeita as dimensões diversas dos fenômenos,
no entendimento de que somos seres simultaneamente físicos, biológicos,
sociais, psíquicos e espirituais. A complexidade (o pensamento complexo)
concebe, assim, a articulação, a identidade, a diferença, entre todos os
aspectos, enquanto o pensamento simplificador faz a separação destes
aspectos ou os unifica através da uma redução mutiladora. (CHAVES, 2000,
p.26).

Sendo assim, a escola enquanto uma organização, adotando aqui o sentido de


organização enquanto os espaços, tempos, recursos materiais, recursos humanos, regulações
para seu funcionamento, adquiriu um caráter homogêneo, simplificador, que tem como
pressuposto a episteme da razão clássica, fechada, que desconsidera o diferente, a
criatividade, à ordem. Os estudos de Morin (2005) convergem para a compreensão de uma
razão aberta ou denominada de paradigma da complexidade. Os primeiros sinais de cansaço
e de esgotamento baseado na razão clássica surgiram em meados de 1960, a partir dos
movimentos sociais de contracultura e de questionamentos as instituições totais. Segundo
Morin (2005):
A razão aberta pode e deve reconhecer o a-racional. Pierre Auger observou
que não nos podíamos limitar ao dítico racional-irracional. Há que
acrescentar o a-racional: o ser e a existência não são nem absurdos, nem
racionais, eles são.[...] A razão fechada era simplificadora. Não podia
enfrentar a complexidade da relação sujeito-objeto, ordem-desordem. A
razão complexa pode reconhecer essas relações fundamentais. Pode
reconhecer em si mesma uma zona obscura, irracionalizável e incerta. A
razão não é totalmente racionalizável. (MORIN, 2005, p.168)

Ao considerar o caráter paradigmático da complexidade se faz necessário esclarecer


que um não implica em uma exclusão do outro, porém possibilita a abertura e a flexibilidade
46

como característica fundamental de dialogar, de abertura às mudanças, considerando a ordem-


desordem como um traço na trama social.
Segundo os estudos de Iduina Chaves(2000) a se referir a estes termos ordem e
desordem considera a ordem não como apenas a repetição, a constância, mas o conjunto de
interações, enquanto que a desordem possibilita a compreensão entre o pólo objetivo e o
subjetivo, em que o objetivo diz respeito a agitações, as dispersões, os erros, enquanto o
subjetivo é considerado o lugar das incertezas. Assim a dimensão simbólica da instituição,
nem sempre considerada, faz emergir, em meios aos estudos do imaginário, a necessidade de
se compreender a organização e o funcionamento de grupos que constituem esse cotidiano
escolar. Desta forma, os estudos se encaminham para uma perspectiva da dinâmica e
funcionamento de grupos no contexto dessa instituição.
47

CAPÍTULO II

Porque são humanos todos sonhos meus


Com as mãos eu os pegarei, sim porque
São humanos estes sonhos meus
Com as mãos eu os pegarei
Eros Ramazzotti

GRUPOS, ORGANIZAÇÕES E INSTITUIÇÃO: POSSÍVEL


CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DAS PRÁTICAS ESCOLARES

O objetivo deste capítulo é estudar as contribuições da área da psicossociologia, que


vem sendo foco de estudos desde as primeiras décadas do século XX, como possibilidade para
compreensão do sujeito e as interações dele no seio das instituições. Essas contribuições
parecem fundamentais para entender a organização escolar enquanto uma instituição viva e
dinâmica. Para isso, recorri aos estudos já produzidos nessa área, como os de Lapassade
(1993), Bion (1975), Anzieu (1993) e Enriquez (1997), além de Almeida (2003) que analisa o
grupo em um determinado contexto escolar.
Este campo de estudos surgiu a partir de meados do século XX. Influenciada por
diversas áreas do conhecimento, como por exemplo, pela psicologia e pela sociologia, a
psicossociologia nasceu em um movimento que entrelaçou diversos campos das ciências,
tendo por objeto de estudo o funcionamento de pequenos grupos em uma organização social,
ampliando o olhar sobre a humanização das relações sociais. Umas das contribuições
importantes deste campo para o estudo das organizações foi a valorização da dimensão
inconsciente, que até então era desconsiderada pelos estudiosos das organizações sociais.
Para entender o conceito de organização foi necessário abordar, rapidamente, alguns
movimentos sociais que emergiram nos anos 1960 em países europeus e também nos Estados
Unidos. Estes movimentos sociais marcaram a segunda metade do século XX e contribuíram
para mudanças comportamentais nos anos 1970.
O ponto culminante destes movimentos foi o “Maio de 68” na França, que emergiu em
uma manifestação de estudantes e trabalhadores descontentes com o regime político,
culminando em diversas greves em diferentes setores sociais. Estes setores exigiam melhores
condições de trabalho, bem como aumento de salários, por outro lado, outros movimentos
sociais como o da contracultura, também se fizeram presentes nesse contexto pós-guerra.
48

O movimento contracultura surgiu em diversos países da Europa e dos Estados Unidos


como manifestação contra a guerra do Vietnã e como luta pela liberdade de expressão. Nesse
cenário, os, denominados por alguns como, jovens rebeldes defendiam a liberdade de
expressão, eram contra as formas institucionais de poder, da arte monopolizada, além de se
manifestarem por ideais de liberdade sexual, ampliação dos direitos civis e do fim do racismo,
principalmente, nos Estados Unidos. Os hippies, como foram chamados, constituíram um
destes movimentos sociais, fortemente marcado por manifestações e por mudanças
comportamentais que resultaram, mais tarde, em novas formas de olhar o mundo.
Estes movimentos, que emergiram após a Segunda Guerra Mundial, foram
extremamente relevantes para o estudo de grupos, das organizações e das instituições,
principalmente, para Lapassade (1983) que os analisou da seguinte forma:

A crise de maio dissipou as ilusões e os mal-entendidos. Depois da crise, o


problema das instituições tornou-se evidente em todos os níveis do nosso
sistema social. É certo que as instituições universitárias se mantêm
“reformadas” apenas. É, no entanto, uma pura fachada. Atrás dela não há
mais do que o vazio: as regras substituíram as tarefas de aprendizado; todas
as finalidades são contestadas; ninguém pode mais crer na validade dessa
velha instituição. Só o medo a mantém. (LAPASSADE, 1983, p.24)

Embora o “Maio de 68” tenha significado uma ruptura com as velhas formas de
instituição de poder, este movimento trouxe à tona reflexões importantes sobre a ordem
estabelecida, transformando e inventando novas relações sociais. Esses fatos apresentaram à
Pedagogia outras formas de análise da instituição escolar. Segundo Lapassade (1983), o
“Maio de 68” revelou as formas submissas e utópicas às quais a Universidade ou a escola
eram submetidas. O autor ainda destaca que através do conhecimento seria possível mudar o
que estava posto, como maneira de quebrar paradigmas, no entanto, foi em outro setor
reprimido que se manifestou a transformação de velhas instituições.
Nesse sentido, a compreensão destes conceitos, tais como grupo, organização e
instituição, parece fundamental para entender a escola, enquanto uma organização social viva
e dinâmica. Embora outras pesquisas, como as de Renê Lourau (1993-2000) sobre a
psicoterapia institucional, as de Michel Lobrot (s.d) sobre a pedagogia institucional e as de
Carl Rogers (1902-1987) sobre estudos denominados de não diretividade, sejam relevantes,
bem como as contribuições da Freud (1856-1939) com a psicanálise, o objeto de estudo deste
capítulo foi focar em autores, já citados aqui, para o aprofundamento das questões de grupos,
organização e instituição que permeiam o ambiente complexo que é a organização escolar,
49

visto que contribuem para o entendimento das manifestações da violência nas práticas
escolares.

2.1 As contribuições de Lapassade: a escola enquanto organização social

As pesquisas em torno do tema de grupos, organizações e instituições, têm sido foco


de estudos a partir dos anos 1920, com Elton Mayo, e ganhou força a partir dos anos 1960 e
vem sendo discutidos por autores, como Almeida (2003) e por estudantes no Programa de
Mestrado da Universidade da Cidade de São Paulo desenvolvidos na linha de pesquisa
Sujeitos, Formação e Aprendizagem.
As pesquisas sobre grupos, organizações e instituições influenciaram o campo da
Pedagogia trazendo contribuições significativas para a compreensão da escola enquanto uma
organização complexa. Lapassade (1993) ao se referir à noção de instituições e de
funcionamento de grupos, considera que há uma relação entre esses termos a ser levada em
conta através de estudos que abordem esses temas. Para o autor, a instituição é parte da
estrutura do conjunto social e não há como entender um grupo sem considerá-lo dentro desse
contexto, que, para ele, deve ser estudado em três níveis: o grupo, a organização e a
instituição.
Lapassade (1983) percebeu o grupo como uma parte fundamental na organização e na
instituição e a partir das relações de dependência entre esses termos se pode analisar a
dinâmica de grupo nas relações sociais. Ao definir o grupo, o autor o conceitua da seguinte
forma:

[...] um “grupo” – e eu também compreendo como “grupo” uma


“organização social” – é sempre determinado por instituição. Se quisermos
analisar o que se passa num grupo, quer seja “natural” ou “artificial”,
pedagógico ou experimental, é preciso admitir como hipótese prévia que o
sentido do que se passa aqui e agora nesse grupo liga-se ao conjunto da
contextura institucional de nossa sociedade. (LAPASSADE, 1983, p. 14).

Nessa definição posta pelo autor, um grupo é uma organização social dinâmica em que
se estabelecem relações com a instituição na qual está inserido, entendendo, aqui, como um
grupo, nos dizeres de Lapassade e Lourau (1972), um agrupamento de pessoas reunidas pelos
mais diversos interesses, como família, profissionais entre outros. As relações estabelecidas
por esses grupos, como regras sociais, comportamentais, sejam elas instituídas e instituintes,
caracterizam o grupo enquanto uma organização social. As regras instituídas dizem respeito
50

às normalizações de conduta por meio da regulação do Estado, sejam elas visíveis ou


institucionalizadas, por outro lado, há um movimento instituinte em que o próprio grupo
regula suas ações, os comportamentos, a aceitação de um membro ou a rejeição etc.
As organizações fazem parte da instituição, que em termos sociológicos não dizem
respeito somente à força repressiva do Estado sobre um grupo, mas às formas de organização
de um grupo. A presença da instituição se manifesta nos comportamentos, nas regras sociais e
na burocratização de um sistema. Segundo Lapassade e Lourau (1972), em termos breves, o
conceito de instituição dentro da sociologia se relaciona “como forma que assume a
reprodução e a produção de relações sociais num dado modo de produção”, isto significa dizer
que uma instituição não se restringe somente às formas jurídicas do Estado, mas considera
também a composição de organização de um grupo.
É no seio destas instituições que o grupo dinamiza as relações com o que está
estabelecido. Esses grupos são regulados por uma dinâmica de valores instituídos, ou não,
perceptíveis, não ditos, contudo se fazem presentes na instituição e no funcionamento destes
grupos, que no caso aqui é a escola. Ainda segundo o autor, há uma relação de dependência
entres estes termos grupo, a organização e a instituição, que para o autor se denomina como
níveis, em que um se interliga ao outro.
O primeiro nível é o grupo denominado de “base” ou de “vida cotidiana”. É, no caso
desta análise, a sala de aula, na qual se encontram as normas já estabelecidas e instituídas,
como os horários pré-estabelecidos, os lugares que se destinam a cada ocupante deste espaço,
o que se deve ou não fazer em determinados momentos e não em outros.
Os grupos se relacionam não somente pelas formas instituídas de poder, mas há uma
relação que os une e que os faz produzir novas formas instituídas. A escola enquanto uma
instituição social é regida por normas, regras, disciplinas, através das quais se manifestam
práticas pedagógicas constituídas ao longo da história da Educação, como por exemplo, as
relações estabelecidas entre professor e aluno, nas formas de ensino, de organização da classe
como uma forma de poder vertical.
O segundo nível, o da organização, se faz presente por meio da burocracia ou de
agentes destinados a regulamentar a ordem estabelecida. Ainda conforme o autor, são estes
grupos que, estabelecendo e regendo a ordem de si mesmo e de outros grupos, se caracterizam
como um nível institucional em nome do Estado. Na instituição escola, apresentam-se como
os agentes do Estado, que visam à manutenção da ordem estabelecida para que tudo seja
mantido dentro das normas, cumprimentos de horários, entre outros.
51

O terceiro nível corresponde ao do Estado, que regulamenta as Leis, os decretos, as


resoluções, conferindo poder à instituição de estabelecer a ordem e conservar cada coisa em
seu devido lugar.
Lapassade (1983) também compreende que esses três níveis se manifestam nas
práticas pedagógicas. Segundo o autor, o primeiro nível está relacionado diretamente com a
forma de ensino entre professor e aluno, em que se situa a denominada “base”, a classe. Esse
ensino é proposto de forma vertical, já que o professor seria o detentor do saber, enquanto os
alunos são considerados aprendizes. Nessas relações professor X aluno já existe o instituído,
aquilo que está posto como tal, a dinâmica da sala de aula, as formas de ocuparem lugares
distintos, o saber, como meio de poder de quem o detém.
Outro nível que se apresenta nessas relações pedagógicas é o da organização. A escola
é uma organização administrativa regida por normas, leis, que, por vezes, representam o poder
do Estado. Além disso, é um espaço regulamentado por diversas funções específicas, para as
quais cada um deve compreender seu espaço, para que se mantenha o funcionamento perfeito,
afinal nada pode escapar à ordem vigente.
Por último, o nível do Estado que se faz presente na organização escolar por meio do
currículo, dos sistemas de ensino, da seriação, dos horários estabelecidos, de turmas, de
concursos para provimento de cargos, de períodos de férias coletivas e de outras tantas
normas burocráticas. Nesse caso, a definição do que se ensina e do que se aprende é uma das
formas instituídas pelo Estado ou por seus representantes legais como uma forma de educação
para aqueles considerados sem instrução.
A escola enquanto uma organização complexa é permeada por diferentes grupos que
nem sempre estão ligados por um mesmo objetivo, às vezes as relações estabelecidas entre
esses grupos são apenas um fio imperceptível, sem nenhuma relação em comum com os
desejos, idealizações ou pelo elo do imaginário social do grupo. Nos dizeres de Maffesoli
(2001) ao se referir ao presente das casualidades:

Ao lado da direção linear e segura, que a gestão política e econômica oficial


tenta organizar, existe um processo constituído de acasos, feito de moleza e
passividade, que avança ao ritmo das paixões, encontros, coerções e das
pequenas mortes diárias. Nisso não existe porquê: a causalidade é
praticamente sem efeito. (MAFFESOLI, 2001, p.98).

No entanto, o grupo, ainda segundo Lapassade (1983), precisa ser estudado e todo
mecanismo de constituição e funcionamento entendido, pois é nele que acontece a aceitação,
ou não, daquilo que é imposto pelo Estado ou pelo seu representante administrativo. O grupo,
52

enquanto parte da estrutura social, é vivo e dinâmico, funciona de diferentes formas em


diferentes contextos. É o grupo que dinamiza o que o autor chama de instituinte, isto é, as
vivências organizadas, segundo normas explícitas ou camufladas. Como ratifica Anzieu
(1993):
Pode se então formular uma outra hipótese: entre o grupo e a realidade, entre
o grupo e si mesmo, há outra coisa que não relações entre forças reais; há
primitivamente uma relação imaginária. As imagens que se interpõem entre
o grupo e si mesmo, entre o grupo e as redondezas explicam fenômenos e
processos que têm sido até aqui negligenciados ou atribuídos a outras coisas.
(ANZIEU, 1990, p.42).

Esta tendência de ver o grupo como uma organização social foi uma das contribuições
de Castoriadis (1922-1997), com uma releitura da obra do sociólogo Elton Mayo (1880-
1949), sobre um estudo de grupos elementares na Western Eletric. Na perspectiva de
humanização das relações dentro de uma empresa, Elton Mayo contribuiu significativamente
para os estudos da psicossociologia. Segundo Enriquez (1997) uma vertente desta obra foi
uma nova interpretação, na qual Castoriadis (1922-1997) evidencia que um grupo não se une,
simplesmente, por aspectos de afetividade, mas também por relações de produção, de
trabalho, um grupo se une com objetivos comuns de resistência e solidariedade humana. Ao
se referir a estes estudos, Almeida (2003) apresenta importantes considerações:

O nascimento do estudo dos grupos elementares pode ser situado a partir do


trabalho de Elton Mayo, na Western Eletric. Embora não tire a razão dos
sociólogos que veem no trabalho de Mayo uma sociologia gerencial que
matiza e completa a obra de Taylor, Enriquez (1997) afirma que outra leitura
da obra de Mayo é possível. Num outro enfoque, estes grupos podem ser
vistos como reagrupamentos de produção e de luta, isto é, se organizar para
resistir, se defender e lutar contra os interesses da empresa. Esta luta prova
que, para uma revolução ocorrer, ela passa pelo combate e tomada de
consciência progressiva e diária. (ALMEIDA, 2003, p.33)

Estas considerações da formação de um grupo em torno de um objetivo comum


significam que há entre os membros de um grupo valores introjetados, que permitem o
funcionamento de regras estabelecidas para a convivência, idealizações que constituem um
imaginário social comum. Nesta situação, cada membro do grupo tem em si um sentimento de
pertencer a uma coletividade. A existência deste imaginário social comum faz com que
funcionem as regras sociais instituídas ou instituíntes em um grupo.
Sendo assim, vale ressaltar que o grupo possui uma manifestação consciente e outra
inconsciente, sendo a escola uma organização social em que diferentes grupos compõem este
universo, é relevante a compreensão destes fenômenos de funcionamento de um grupo que
53

participa de um imaginário social comum ou ligado por laços invisíveis que permitem a
interação entre estes membros.

2.2 O imaginário social e o funcionamento do grupo: as contribuições de


Bion e Anzieu

As pesquisas de estudos com grupo, entendendo aqui como grupo, um conjunto de


pessoas reunidas, seja por meio da produção das relações de trabalho, seja por meio das
instituições, constituído por valores conscientes ou inconscientes que dinamizam seu
funcionamento interno, têm mostrado que existem valores introjetados social e culturalmente
no grupo, por meio de um viés consciente e outro inconsciente, conforme apontam os
trabalhos de Anzieu (1993).
Estes estudos do imaginário comum entre o grupo foi umas das contribuições de Bion
(1975) após a Segunda Guerra Mundial, já que este autor passou a trabalhar com pacientes
traumatizados pelos horrores da guerra. Após realizar pesquisas de intervenções de cunho
psicológico com pacientes internados em hospitais psiquiátricos, ele percebeu que um grupo
não era apenas um agrupamento de pessoas por afinidades, mas estavam ligadas por um
“pressuposto de base”. Esta definição dada pelo autor corresponde à dinâmica e ao
funcionamento de um grupo que, segundo ele, ocorre por meio da união de pessoas para a
realização de uma tarefa e por elos de emoções ligadas ao imaginário comum. Um grupo se
constitui e funciona por um viés racional e por outro inconsciente.
Para o Bion (1975), o grupo funciona a partir de três pressupostos de base, embora
façam parte do inconsciente, esses processos dinamizam o funcionamento do grupo, porém, às
vezes, não ocorrem de uma só vez, podendo esses fenômenos emergir separadamente. O
primeiro diz respeito à dependência de um líder para o grupo prosseguir, caso contrário não
há avanços. O outro, denominado de luta-fuga, ocorre quando o grupo, ao se sentir sem um
líder para protegê-los, sente-se ameaçado e se reúne para lutar ou fugir. Já o terceiro processo
é o pareamento, pois como resultado dessa luta-fuga, acontece a formação de subgrupos, o
que representa um perigo ao grupo, diante da possibilidade da formação de um subgrupo
independente.
Outra contribuição nesse campo do imaginário comum diz respeito aos trabalhos de
Anzieu (1993), que ao se referir a este assunto, considera a seguinte questão:
54

O grupo é um lugar de fomentação de imagens. Assim que seres humanos se


reúnem para trabalhar, se distrair, se defender, roubar e matar, crer mudar o
mundo, serem instruídos ou tratados, sentimentos os invadem, os agitam,
desejos, medos, angústias os excitam ou os paralisam, uma emoção comum
às vezes se apossa deles e lhes dá uma impressão de unidade, às vezes vários
membros se fecham e se defendem contra a emoção comum que sentem
como ameaçadora, enquanto outros a ela se entregam com resignação,
alegria, entusiasmo; às vezes também todos se curvam diante da emoção
invasiva e o grupo fica morno, apático, loquaz. (ANZIEU, 1993, p.21)

Nesse sentido, o imaginário comum se constitui por um viés racional e outro


emocional, em que um grupo se une para a realização de alguma atividade em que se
desencadeiam sentimentos, emoções, angústias, medos, que os regulam para o cumprimento
de uma tarefa comum ou os tornam retraídos diante de uma situação de insegurança. Ainda
segundo o autor, o imaginário de um grupo é composto por dois tipos de representação, o da
“cobaia” e a do “espião”.
A primeira representação imaginária do grupo enquanto “cobaia” se manifesta pela
intervenção de um membro de fora do grupo e que ameaça a organização o funcionamento
deste grupo. O grupo se sente acuado diante deste membro externo devido às fragilidades ou
aos fracassos que podem ser expostos publicamente, nesse caso o grupo tende a resistir como
forma de proteção e sobrevivência.
A outra representação imaginária, de acordo com Anzieu (1993), é a do espião no
papel de um agente externo que está ali para perseguir o grupo e expor as fraquezas e as
astúcias de sobrevivência do grupo.
Ainda, em consonância com o autor, a primeira ameaça para o individuo é o próprio
grupo, pois o sujeito é composto por uma unidade física e psíquica. Ao se referir a estas
unidades, o autor faz uma relação da criança com o espelho, pois esta, ao ver seu reflexo,
experimenta a sensação da imagem do “eu”, constituindo nesse caso o que o autor denomina
de imaginário e ideal, no qual o sujeito passa a relacionar tudo a partir desse “eu”, seja nas
relações com outro ou com o mundo, como uma forma em que predomina a dominação do eu
sobre o outro. Desta maneira, o “eu” se sente sujeito e procura no outro a semelhança para se
sentir acolhido ou protegido. Todavia, a imagem deste corpo fragmentado em “eu” tem que
ser vencida pelo grupo, surgindo então, no grupo o sentimento de “nós”, é partir daí que o
nascimento do grupo se constitui enquanto um organismo vivo e dinâmico.
Este organismo vivo, enquanto uma metáfora do grupo, nos dizeres de Anzieu (1993),
possui duas importantes representações imaginárias, o grupo como organismo vivo e o grupo
enquanto máquina. Embora a metáfora de organismo vivo no imaginário de um grupo seja, no
primeiro momento, a ideia de um todo, cada membro se sente um todo dividido em partes e
55

essas partes desempenham funções diferentes no grupo, como por exemplo, o lugar do chefe,
o lugar do realizador de tarefas etc. No entanto, ainda segundo o autor, o homem é um ser em
constante mutação, assim como o grupo também o é. Corroborando a ideia de Anzieu (1993)
Almeida (2003) faz a seguinte consideração:

A metáfora de grupo como organismo vivo existe para forjar um mito que
una as energias individuais, supere o egoísmo humano natural, instaure a
crença de uma ordem social aos moldes platônicos e facilite a submissão do
homem. (ALMEIDA, 2003, p.52)

A outra analogia sobre o imaginário do grupo se relaciona a uma forma clássica


cartesiana de entender o homem como uma máquina em função de produtividade. Nos dizeres
de Anzieu (1993), esta metáfora em relação ao grupo estabelece um equilíbrio entre as
funções independentes dos membros do grupo, estas funções tornam-se mais importantes do
que cada membro de um grupo. O funcionamento do grupo, enquanto uma máquina, é
conseguido pela motivação, pelo confronto das discussões, pela satisfação ou insatisfação, o
que regula permanentemente esta analogia.
No entanto, as afirmações realizadas por Almeida (2003) sobre essas duas metáforas
são relevantes para compreender estas noções em Anzieu (1993). Almeida (2003) ao se referir
a estas metáforas esclarece:

Mas esta metáfora é tão ideal e artificial quanto a de grupo como organismo
vivo, pois a ideia de auto-regulação e de autoprogramação não solucionam
todos os problemas num grupo. O desequilíbrio entre a auto-regulação e
inter-regulação determina diversos tipos de grupo: grupo esquizofrênico (se
restringe a si mesmo, se priva da relação com os outros), grupo
sugestionável e histérico (sacrifica o autocontrole à inter-regulação), grupo
perverso e paranóico (excede no autocontrole). (ALMEIDA, 2003, p.52)

Assim sendo, o grupo funciona a partir de forças externas e internas que regulamentam
o funcionamento e a dinâmica de um grupo, contudo, o imaginário comum entre cada
membro de um grupo pode ser um facilitador para a solidariedade ou um elemento que
dificulte a relação entre os membros de um grupo, por outro lado, vale ressaltar que todo
grupo é composto por um imaginário comum.
A escola enquanto uma organização social complexa, na qual há elementos
constitutivos de forças de poderes e interesses que regem a organização, seja pela instituição e
por movimentos instituintes, compõe o cenário dos profissionais de educação. Estes
educadores, professores, gestores e funcionários formam grupos e subgrupos compostos por
56

imaginários diferentes, imprimindo dinâmicas de funcionamento de grupos em interesses de


um determinado grupo que se sobrepõe a outro.
Desta forma, o modelo de escola vigente em nossa sociedade, composto por diferentes
grupos, adota práticas pedagógicas constituídas ao longo da história da educação no Brasil
como legítimas. A disciplina rege o ambiente escolar, a vigilância constante se mantém sobre
professores, alunos e sobre os que permeiam o espaço escolar. Este estudo de funcionamento
e dinâmica do grupo permite compreender as práticas pedagógicas no âmbito escolar
enquanto uma organização, uma instituição em que grupos ligados por um imaginário
comum, ou apenas por um elo, que os fazem realizar suas tarefas por meio de uma
complexidade que perpassa o consciente e o inconsciente, no entanto sem lugar para a
emoção, a racionalidade regula todas as ações.
Esta organização complexa, permeada por relações imaginárias e por individualidades
diferentes que compõe a formação de um grupo, nos mais variados contextos, sejam estes
grupos reprimidos pelo aparelho do Estado ou pela dinâmica da própria instituição,
dificilmente, consegue estabelecer um objetivo comum que faça com que o grupo acredite e o
tome como um desejo coletivo.

2.3 As contribuições de Enriquez

Estes estudos tornaram-se de grande relevância para a compreensão da dinâmica e do


funcionamento do grupo, enquanto um fenômeno organizacional, conceito desenvolvido a
partir do século XIX e ganhando força no decorrer do século XX, com o nascimento da
psicossociologia. Todavia, Enriquez (1997) aponta para o fato de que muitos sociólogos e
psicossociólogos desconsideram a instância grupal como fenômeno social relevante nas
relações sociais. Segundo Enriquez (1997), os estudos da dinâmica e funcionamento do grupo
contribuíram para expor as relações de afetividades do lado humano nas empresas a partir dos
trabalhos de Elton Mayo.
Enriquez (1997), ao se referir a estes estudos, aponta a possibilidade, na obra de Mayo,
de revelar o lado afetivo do grupo em uma dada empresa. Ainda conforme Enriquez (1997),
um grupo possui valores introjetados de solidariedade de resistência ao processo de
desumanização impostos pelas empresas.
Ao efetuar essa relação de valores, o autor se encaminha para a definição do
imaginário social, já que ao tratar sobre este imaginário Enriquez (1997) pondera que um
57

sistema de valores para se constituir precisa se amparar em alguma representação coletiva,


num imaginário social comum. O referido autor entende que o imaginário social funciona
como uma representação daquilo que o indivíduo é ou deseja fazer, assim como em que tipo
de organização ou sociedade ele quer viver.
Desse modo, este imaginário social permeado de simbologia deve se experimentado,
vivenciado e não apenas pensado. Ainda, segundo o autor, não basta querer estar juntos, mas
sentir junto, participar deste mesmo imaginário comum, a fim de vencer os obstáculos, ou os
fantasmas, até se chegar a um objetivo em comum.
O grupo, enquanto um uma reunião de pessoas com um projeto em comum, funciona,
como afirma Enriquez (1997), por meio da base de idealização, ilusão e da crença. A
idealização é um dos elementos que faz parte de um projeto em comum, é um dos principais,
que conduz o grupo ao fortalecimento de suas ações. O segundo, a ilusão, desencadeado por
esta idealização, funciona como um dispositivo simbólico, no qual os desejos são canalizados
sem que seja necessário questionar o valor do objetivo em comum. Por último, a crença como
um valor simbólico, em que o grupo acredita como uma verdade absoluta para que se tenha
êxito no projeto.
Embora estes elementos não funcionem da mesma forma e com toda força, podem ser
percebidos no desenvolvimento de um grupo em maior ou menor intensidade. Para que se
constitua um grupo, nas palavras de Enriquez (1997), é necessário que se tenha um objetivo
em comum, uma causa a ser defendida, no entanto, não importa a grandeza da causa, mas que
ela apenas sirva de um dispositivo de desejo que mova o grupo a executá-la.
Nesse sentido, é relevante considerar a escola, no dizeres de Almeida (2003), enquanto
uma organização social viva e dinâmica, onde há diferentes grupos e uma grande rotatividade
de professores mudando, significativamente, o cenário de cada escola em cada ano letivo.
Ainda segundo Almeida (2003), os grupos possuem diferentes histórias de vida em curso, uns
com experiências em trabalhos coletivos, outros que apenas ouviram falar, o que faz que um
grupo assuma um projeto comum mais por interesses pessoais do que pelo mesmo imaginário.
Por outro lado, ainda segundo o autor, nesta organização complexa, que é a escola, há também
grupos ligados por um imaginário comum, mesmo não participando de forma explícita de um
projeto em comum e outros grupos que são ligados por apenas um laço de natureza invisível
que une suas ações.
58

2.4 Estudos do Imaginário: breves considerações sobre o Imaginário

O campo de estudo do imaginário foi de significativa relevância para esta pesquisa.


Portanto, faz-se necessário traçar um breve relato do que se entende por imaginário, pois há
diversas formas de compreender este conceito. No primeiro momento, o termo imaginário,
aqui, será tomado pelas contribuições de uma entrevista realizada pela Revista FAMECOS
(2001) com o sociólogo Michel Maffesoli.
Nesta entrevista, Maffesoli faz importantes considerações a respeito do campo de
estudo do imaginário. Segundo Maffesoli, a noção de imaginário surge com estudos de
Bachelard (1884-1962), por volta dos anos 1930 e 1940, após se enveredar pelo caminho dos
sonhos, das fantasias, da construção do espírito, percebendo que a questão romântica
esquecida era de fundamental importância nas construções mentais. Um dos discípulos de
Bachelard (1884-1962) foi Gilbert Durand, enquanto foi diretor do Centro de Pesquisas sobre
o imaginário na França, que publicou uma das obras mais importantes para a compreensão
deste campo, Estruturas Antropológicas do Imaginário.
Nesta obra de cunho fundamental, o autor elabora uma teoria acerca do imaginário. Ao
se referir a esta obra, Iduina Chaves, em artigo para IV Colóquio Internacional Imaginário,
Cultura e Educação, em 2011, na Universidade Federal Fluminense, faz as seguintes
considerações citando Durand:

Para a abordagem do Imaginário, Durand (1989) envereda pela Antropologia


enquanto conjunto das ciências que estuda o Homo Sapiens situando sua
motivação simbólica no que denomina de Trajeto Antropológico, entendido
como “...a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões
subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio
cósmico e social” (p.23) (CHAVES, 2011, p.3)

Nesta mesma concepção de simbólico e de subjetividade, Maffesoli (2001) define a


diferença entre cultura e imaginário:

A cultura, no sentido antropológico dessa palavra, contém uma parte do


imaginário. Mas ela não se reduz ao imaginário. É mais ampla. Da mesma
forma, agora pensando em termos filosóficos, o imaginário não se reduz à
cultura. Tem certa autonomia. Mas, claro, no imaginário entram partes de
cultura. A cultura é um conjunto de elementos e de fenômenos passíveis de
descrição. O imaginário tem, além disso, algo de imponderável. É o estado
de espírito que caracteriza um povo. Não se trata de algo simplesmente
racional, sociológico, pois carrega também algo de imponderável, um certo
mistério da criação ou da transfiguração (MAFFESOLI, 2001, p.75)
59

Sendo assim, o imaginário não é algo aparente, visível, mas perceptível do ponto de
vista destas colocações. Há algo a mais no sujeito que torna a vida um encantamento, um
meio de sobrevivência diante das incertezas do meio social. O homem se constitui de uma
dimensão simbólica, de medos, fantasias, incertezas. No entanto, ainda, segundo o autor o
imaginário faz parte do coletivo, não existe o “meu” imaginário, mas quando se trata deste
imaginário está se falando de um imaginário coletivo.
Desta forma, quando se fala do imaginário de um grupo se reporta a concepção de que
o grupo, no caso aqui, o grupo na escola, tem em si um imaginário coletivo de um modelo de
escola, de um modelo de aluno, de uma intervenção externa, enfim o grupo é pautado não só
pela racionalidade que permeia o ambiente escolar mas para emoções, medos e incertezas.
Ainda considerando o significado de imaginário posto por Maffesoli (2001, p.76) “não
é a imagem que produz o imaginário, mas ao contrário. A existência de um imaginário
determina um conjunto de imagens”, assim, o imaginário é, antes de tudo, um conjunto
simbólico de imagens da interação do sujeito com mundo e vice-versa. Este imaginário é
composto por uma parte racional e uma não-racional, repleta de fantasias, sonhos, desejos,
afetividade, ordem e desordem.
Ao se reportar a este imaginário no campo da Educação, Almeida (2003) considera
relevante a compreensão de Sanches Teixeira (1990) sobre o imaginário social, que compõem
o universo escolar, sendo possível observar na seguinte afirmação:

Para Sanches Teixeira, a consideração da dimensão simbólica possibilita o


desvendamento das facetas do social e do poder ocultadas pelas análises que
se fundamenta na razão prática. Assim, olha para a organização educativa a
partir de uma visão ampliada, que vê como um sistema sociocultural. Deste
ponto de vista, a prática social constitui um conjunto de práticas simbólicas
que compõe o imaginário social. Estas práticas simbólicas são
organizacionais e educativas na medida em que criam vínculos de
solidariedade e de contado. (ALMEIDA, 2003, p.92).

A escola, enquanto um modelo pautado na racionalidade, não permite espaço para o


diferente, para as emoções. Os grupos funcionam por meio da repressão imposta por este
mecanismo, sem espaços para a reorganização de práticas simbólicas, o que ampliaria a visão
educativa possibilitando o reencantamento do mundo por meio das ações educativas, de
criatividade e das relações entre a ordem e a desordem. É importante ressaltar que, aqui, foi
retratado um breve relato da noção de imaginário para a compreensão deste fenômeno nos
grupos, compostos de uma parte racional e de outra inconsciente.
60

2.5 Algumas considerações a respeito do capítulo

O estudo de grupos, organizações e funcionamento do grupo partiu da ideia de que um


grupo é um ajuntamento de pessoas que participam de mesmo objetivo em comum, no entanto
o grupo não é estático, mas sim se movimenta de acordo com a instituição na qual está
inserido. Entendeu-se por organização um sistema burocrático regido por normas, regulações
impostas pelo Estado para manutenção da ordem social.
Nesse sentido, a escola enquanto uma organização burocrática regida por leis,
instituídas pelo Estado, como o tutor da educação, que implementam o currículo, os horários,
o funcionamento da escola de acordo com os interesses da sociedade. Contudo, essas
regulações visam mais manter a ordem estabelecida do que garantir os interesses reais da
sociedade, pois mesmo sabendo das condições em que a escola vive hoje, pouco coisa se tem
feito para mudar este modelo de escola.
Esta complexa organização, que é a escola, em que grupos diferentes vivenciam este
modelo pautado em uma razão fechada, procura homogeneizar todos e tudo, sem deixar
espaço para o diferente, para as emoções, tudo deve seguir a ordem estabelecida por um
processo constante de vigilância sobre os alunos, professores, funcionários entre outros. Há
sempre um clima de suspeita no ambiente escolar.
Vale destacar que os grupos que permeiam este espaço instituem regras próprias
mesmo que não sejam instituídas pelo Estado, tais como: a disciplina, as filas, o que pode ou
não no espaço sala de aula, o uso de bonés, os doces levados pelas crianças, a participação ou
não em projetos propostos pela escola entre outros.
Segundo Almeida (2003):

A escola vive hoje uma situação que, em certo sentido, se parece com aquela
vivida em hospitais psiquiátricos no final dos anos 1930 e início dos anos
1940, quando a tomada de consciência dos médicos impulsionou a
psicoterapia de grupo. Os educadores vivem hoje de forma intensa o
processo de desumanização a que são submetidas as crianças e adolescentes,
que crescem em uma sociedade pobre sem referência positiva e sem
esperança. A realidade da fome para uns e da falta de sentido da vida para
outros que se vê cotidianamente nos gestos e atitudes das crianças, atinge
também os educadores, que acabam “vivenciando” esse processo de
desumanização, às vezes até por solidariedade, outras vezes porque
efetivamente são submetidos às mesmas condições de vida de seus alunos.
(ALMEIDA, 2003, p.40-41)

O modelo de escola vivenciado atualmente por nossa sociedade permite considerar


que as práticas pedagógicas instituídas ou instituintes contribuem para esse processo de
61

desumanização que vem ocorrendo nas escolas. A ordem como primeira instância, ainda,
permanece vigente, seja ela pelas formas simbólicas ou por meio da violência.
Os estudos de Bourdieu & Passeron (1982) encaminham para esse direcionamento da
compreensão do controle do tempo e espaço no contexto escolar, manifestadas nas
contradições impostas pela escola em relação às diferenças culturais existentes entre as
classes sociais como um paradigma da reprodução. A diferença social entre as classes é
marcada por valores simbólicos constituídos historicamente e socialmente. São valores
introjetados e legitimados pela escola como únicos e possíveis em uma sociedade marcada
pela desigualdade social e cultural.
Desta maneira, a violência simbólica na escola, imposta por meio de signos dos quais
a cultura dominante define como legítima, autoriza a instituição escolar a difundir os
costumes, os valores, as crenças, os comportamentos por meio de uma forma dissimulada.
Foucault (2003) ao analisar o papel das instituições compreende que a disciplina é
forma de manipular, homogeneizar, controlar, dividir o tempo, o espaço como forma de
dominar o outro. Ao considerar que a disciplina, as regulações e a constante vigilância são
formas violentas de subjugar o outro, Foucault (2003) faz um crítica ao sistema escolar de
normalização de todos e de tudo, seja por meio da disciplina regida, seja pelas formas
simbólicas, não permitindo assim que heterogeneidade seja manifestada na escola.
Em outra perspectiva, mas que se entrecruzam com as de Bourdieu (1982) e Focault
(2003), ao falar de violência, Maffesoli (1987) considera que a violência sempre esteve
presente em nossa sociedade, por outro lado a compreende também como um dinamismo
social, como uma forma que irrompe a regularidade e faz emergir um movimento de
renovação ou de resistência. A violência, ainda, segundo o autor é considerada pela trama
social como algo de desvio de conduta, de forma racional, sem considerar que há uma
dinâmica presente em nossa sociedade que faz com que a violência funciona como forma
renovadora ou como forma de resistência à opressão social.
Assim considerações, aqui, postas de conceito de modelo de escola, organização,
funcionamento de grupo e instituições, se encaminham para próximo capítulo, cujas
discussões e análises serão realizadas a partir dos conceitos de violência e dos estudos
anteriores à luz dos conceitos já abordados neste e no capítulo anterior.
62

CAPÍTULO III

Uma vez eu tive uma ilusão


E não soube o que fazer
Não soube o que fazer com ela
Não soube o que fazer e ela se foi
(Marisa Monte/Julieta Venega)

CENTRO EDUCACIONAL UNIFICADO: ESPAÇO BEM


PENSADO, TEMPO MAL VIVIDO

O objetivo deste capítulo é apresentar os dados da pesquisa realizada em uma escola


de ensino fundamental II, que integra um Centro Educacional Unificado (CEU), localizado na
periferia leste da cidade de São Paulo. Para isso, apresento uma descrição pormenorizada do
espaço do CEU, com detalhes do contexto no qual ele está inserido, com destaque para os
prédios que o compõem, com seus equipamentos e instalações. Apresento, também, situações
vividas que evidenciam as maneiras como este espaço e suas instalações são utilizados pela
comunidade por meio da análise de alguns discursos, protocolos de reuniões, entrevistas
semiestruturadas com professores, gestores e alunos e, sobretudo com observação
participante. Desta forma, pretendo descrever a cultura patente buscando enxergar nela as
variadas manifestações da cultura emergente.
Embora não se possa dizer que os dados aqui apresentados são os mesmos que podem
ser coletados em todos os Centros Educacionais Unificados, muito menos em todas as escolas
que compõem o sistema municipal de ensino, eles possibilitam a discussão da problemática
em questão, vivenciados no cotidiano de algumas escolas, inferindo contribuições sobre o
modelo de escola experimentado neste século XXI.
Com esta pesquisa foi possível ampliar meus conhecimentos sobre o tema violência e
avançar nas discussões, além de possibilitar a outros pesquisadores e pessoas interessadas
pelo assunto, uma leitura ou releitura do tema em questão. Para isto me reporto a autores
como Maffesoli (1987), Sanches Teixeira (1998, 2000, 2011), Morin (2003), Almeida (2003,
2009), que abordam o tema sob uma perspectiva mais ampla e que consideram também o
imaginário social.
63

Estes dados, aqui, apresentados e discutidos permitem compreender, em que medida as


práticas que organizam o cotidiano da escola se constituem em tempo e espaço de
manifestação da violência.
Antes de discutir, especificamente, os dados da pesquisa, parece necessário apresentar
o ambiente em que a pesquisa foi realizada, bem como a metodologia adotada. É preciso
lembrar que os nomes dos sujeitos da pesquisa são fictícios para preservar suas identidades.
Esta descrição se faz necessária para compreender as discussões sobre violência e
práticas escolares. Neste momento se faz relevante, para uma melhor compreensão do termo
práticas escolares, descrever algumas a fim de esclarecer o que se entende por práticas
escolares. Uma das práticas escolares percebidas durante a pesquisa diz respeito à forma com
que a escola trata os conflitos entre alunos e professores ou entre alunos e alunos. O que
normalmente ocorre quando há agressão física o agressor é sempre punido, mesmo ele tendo
sido vítima de muita discriminação ou de xingamentos que o levou a tal delito, no entanto o
agredido se sai como vítima da situação, enquanto o agressor é advertido e orientado a relatar
o feito aos professores ou ao gestor da escola antes de cometer a infração.
Outra prática escolar considerada relevante nesta pesquisa se refere à homogeneização
que a escola produz, todos devem saber o seu lugar, há os que o mandam e os que obedecem,
seja na relação vertical ou horizontal no contexto da organização escolar. Enfim há uma gama
variada de práticas escolares, como as festas, nas quais as prendas doadas por alunos são
vendidas para arrecadação de dinheiro, o controle e a vigilância do tempo/espaço como forma
instituídas de poder são atividades e ações que organizam estas práticas.
Assim sendo, pretendo neste capítulo destacar a cultura da escola tanto no que diz
respeito ao seu lado iluminado, quanto ao lado de sombra e, para isso, pretendo recorrer às
considerações de Almeida (2003) nas discussões sobre as práticas escolares. Além deste
estudo, consideraram-se, também, as observações participantes e as entrevistas
semiestruturadas, bem como o Imaginário Social sobre o cotidiano da escola que vive um
clima angustiante e tenso. Este Imaginário Social compôs o título deste capítulo como um
paradoxo presente entre o bem e o mal, como uma parte maldita que permeia a trama social.
Neste sentido, retomo a citação do capítulo anterior em que Almeida (2003) ao se referir a
situações do cotidiano das escolas faz a seguinte observação:

A escola vive hoje uma situação que, em certo sentido, se parece com aquela
vivida pelos hospitais psiquiátricos no final dos anos 1930 e início dos anos
1940, quando a tomada de consciência dos médicos impulsionou a
psicoterapia de grupo. Os educadores vivem hoje de forma intensa o
processo de desumanização a que são submetidas as crianças e adolescentes
64

que crescem em uma sociedade pobre sem referência positiva e sem


esperança. A realidade da fome para uns e de falta de sentido da vida para
outros que se vê cotidianamente nos gestos e atitudes das crianças atingem
também os educadores, que acabam “vivenciando” esse processo de
desumanização, às vezes até por solidariedade, outras vezes porque
efetivamente são submetidos às mesmas condições de vida de seus alunos.
Os horrores da guerra declarada que marcaram o início da psicoterapia de
grupo são hoje vividos na situação de violência generalizada na qual a
sociedade se encontra submersa e a escola é um lugar de expressão deste
momento. (ALMEIDA, 2003, p.40-41).

Em consonância, o paradoxo intitulado neste capítulo tem como propósito provocar


questões sobre o modelo de escola vivenciado e experimentado por alunos e professores que
cotidianamente enfrentam conflitos gerados por diversos fatores que permeiam as trocas reais
e simbólicas que se efetivam no cotidiano da escola.
O subtítulo deste capítulo teve como principal objetivo descrever o espaço em que a
pesquisa foi desenvolvida. Optou-se por este nome face aos encontros e desencontros que
acontecem neste complexo. Assim, o local da pesquisa é conhecido neste estudo como Centro
Educacional Unificado Encontro com o Presente, em oposição a uma escola que se organiza
para o futuro.
Para descrever este complexo, recorri à enciclopédia Wikipédia e ao portal da
Prefeitura Municipal de São Paulo. No portal da SME (Secretaria Municipal de Educação),
tem-se a seguinte definição: “Centro Unificado de Educação é um complexo, educacional,
esportivo e cultural caracterizado como espaço múltiplo” 3. Em cada complexo, ainda
segundo este portal da SME, cada CEU conta com um Centro de Educação Infantil (CEI),
uma escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), uma escola de Ensino Fundamental
(EMEF), neste caso, oferecendo, também, a modalidade de ensino de jovens e adultos no
período noturno.
O Centro Educacional Unificado Encontro com o Presente foi inaugurado a partir de
2007. Ele fica situado em dos bairros periféricos da Cidade de São Paulo, Cidade Tiradentes.
Ao seu redor ficam duas grandes escolas, também, da prefeitura de São Paulo e uma ETEC
(Escola Técnica Estadual).
Como os outros CEUs, este também possui uma gama variada de equipamentos. Após
a sua inauguração, passou a atender as escolas próximas da região com intuito de findar com o
turno que funcionava em um horário das 11h às 15h. Segundo o portal da Prefeitura
Municipal de São Paulo, em uma nota de esclarecimento à imprensa, publicada em 03 de

3
Dados disponíveis no Portal da SME – http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/anonimo/CEU/apresentação
65

agosto de 2012, os programas que visam a ampliação e a permanência do aluno na escola vêm
sendo implementados desde 2004, eliminando das escolas municipais os três turnos, ou seja,
acabando com o turno intermediário que funcionava no horário das 11h às 15h, criado em
caráter emergencial nas escolas da rede municipal de São Paulo. Progressivamente, o horário
de permanência do aluno na escola vem sendo ampliado, com uma hora a mais nas escolas da
rede municipal, tendo em vista que o turno intermediário vem sendo abolido.
A partir desta política educacional, as escolas municipais de São Paulo passaram a
funcionar em períodos composto por três turnos, sendo um deles das 7h00 às 12h00, das
13h20 às 18h20 e das 19h00 às 23h00, expandindo o horário de permanência dos alunos nas
escolas.
Juntamente a esta política de ampliação da permanência do aluno na escola, os Centros
Unificados de Educação passaram a contar com uma gama variada de equipamentos. Assim o
CEU Encontro com o Presente possui com uma quadra poliesportiva coberta, um teatro,
playground, 02 piscinas, sendo uma olímpica e uma infantil, uma biblioteca, diversos espaços
para oficinas e um telecentro. Além da quadra coberta, há duas outras quadras descobertas,
uma com piso de cimento e outra sem piso. O complexo todo tem em torno de 35mil m²,
atendendo a comunidade todos os dias por meio de oficinas, com foco no lazer e na cultura,
sendo que durante a semana, de segundas-feiras às sextas-feiras, o complexo conta com o
funcionamento das escolas que o compõem mantendo atividades escolares regulares.
No início do funcionamento deste complexo, circulou pelos corredores do CEU EMEF
Encontro com o Presente um boato segundo o qual as escolas do entorno fizeram uma lista de
alunos considerados com baixa aprendizagem e indisciplinados e encaminharam para unidade
recém inaugurada. Este fator pressuposto pelos professores marcou negativamente o
funcionamento desta EMEF desde o ano de 2007.
Atualmente, o CEU Encontro com o Presente atende, principalmente, a sua própria
demanda, já que os alunos matriculados no Centro de Educação Infantil (CEI) permanecem
neste complexo, tanto na EMEI quanto na EMEF, cursando o ensino fundamental.
A EMEF CEU Encontro com o Presente foi o local escolhido para a pesquisa, uma vez
que ser professor desta EMEF foi um facilitador para a coleta de dados, possibilitando com
isso uma análise sobre a minha própria prática docente e as práticas escolares que se
manifestam neste cotidiano. Embora, em alguns momentos, considere o CEU como um todo
na pesquisa, como venho demonstrado, este estudo foi realizado em apenas uma das unidades,
ou seja, o local escolhido para a pesquisa foi a unidade EMEF Encontro com o Presente uma
vez que sendo professor desta unidade dentro do CEU facilitou a coleta de dados e realização
66

da pesquisa participante. A EMEF, embora faça parte deste Centro de Educação Unificado é
uma escola como as outras, salas de aulas de um lado e de outro, em uma corredor térreo e
outro superior.
A EMEF CEU Encontro com o Presente funciona em três períodos, atendendo aos
diversos segmentos, como Ensino Fundamental I de 1º ao 5º ano, Ensino Fundamental II da 6ª
a 8º série. No momento da pesquisa, ainda, convivia com algumas turmas do Ensino
Fundamental de 08 anos e outra turma que se iniciava no ensino de 09 anos, fato que gerou
alguma confusão junto às famílias e entre os próprios alunos. Afinal, ambos precisavam lidar
com uma mudança em termos linguísticos de uma palavra para outra carregada de signos e
símbolos, ou seja, de série passou para ano, de modo que um aluno, atualmente matriculado
na antiga 5ª série, estaria no 6º ano. No entanto, o que se vê em algumas escolas, ainda, é a
nomeação por séries e turmas.
Com relação à unidade escolar, ela é composta por uma sala de vídeo, normalmente,
utilizada como depósito de materiais de alunos, uma sala de leitura, uma SAAI (sala de apoio
e acompanhamento à inclusão) para as crianças, para jovens e adolescentes portadores de
múltiplas deficiências, além de alguns depósitos improvisados, como a sala de educação física
e a sala de materiais pedagógicos. De um modo geral, a escola mantém um aspecto físico
limpo, possui banheiros masculinos e femininos para professores e alunos, acessibilidade para
os portadores de deficiência e sempre há manutenção, embora haja reclamações de
professores sobre a acústica das salas de aula e o constante cheiro de tinta nos corredores da
escola durante o período de aulas regulares.
Em dias de aulas, há na entrada e na saída um sinal sonoro, sendo, rigorosamente,
tocado às 07h, às 13h30 e às 18h20, além dos horários de intervalos. Os sinais de entradas são
tocados exaustivamente, causando comentários entre os professores e os gestores e um
desconforto sonoro para quem está próximo ao som. Não há tolerância para estes horários de
entradas, os pais ansiosos reclamavam pela demora dos professores em buscarem as crianças,
gestores apontam a falta de pontualidade dos professores, os professores, por sua vez,
reclamam do controle excessivo sobre o horário. Todos os dias, permanecem um inspetor e
mais um assistente de diretor no controle da entrada das crianças e de professores, quando há
atrasos um gestor ou assistente técnico pedagógico (ATE) se encaminha até a sala dos
professores informando-os do horário.
Há dois portões, um grande em forma de grade e outro de vidro na entrada da EMEF,
porém com apenas uma metade aberta, para que somente alunos entrem na Unidade. Não é
permitido entrada de responsáveis ou acompanhantes das crianças. O horário da saída é um
67

dos mais críticos, visto que ao sinal as crianças saem correndo, o que causa, algumas vezes,
tumultos neste momento.
Ao observar o intervalo das crianças, há alguns que se alimentam rapidamente para
brincar e outros que não se alimentam para aproveitarem o tempo em brincadeiras, como por
exemplo, de futebol, de figurinhas, de pega-pega, entre outras.
Atualmente, a escola propôs um horário de intervalo em um tempo maior. Este
intervalo ocorreria quinzenalmente em que professores acompanhariam os alunos no decorrer
de 45 minutos, em um recreio estendido, no entanto, a implementação deste tempo a mais não
tem se concretizado. A princípio a proposta seria de que os professores acompanhassem os
alunos neste período, no entanto, houve questões em que a disciplina se fez presente e o
período de intervalo maior não aconteceu.
A discussão em torno de uma escola que viabiliza espaço para as brincadeiras suscita
diversas contradições em torno dos espaços do CEU. Para alguns professores, a escola é um
local de estudo, disciplina e ordem, para outros os espaços que compõem o Centro de
Educação Unificado precisam ser ocupados pela EMEF como uma forma de utilizar estes
espaços para educação forma e informal.
Outro aspecto que merece destaque dentro do Centro de Educação Unificado é a
piscina, que encanta as crianças. Na EMEF Encontro com o Presente há um cadastro para as
aulas de natação realizada pelo professor de educação física, normalmente, no início do ano
letivo. Nem todos são escolhidos, pois a disciplina e nota dos alunos são elementos que estão
presentes nesta seleção. Culturalmente e historicamente, práticas escolares demonstram que a
seleção que a escola faz, se constitui enquanto um elemento de manifestação de violência.
Alunos considerados pela escola como exemplares, disciplinados e com boas notas, são os
escolhidos. Segundo Almeida (2009):

É possível observar que algumas instituições põem parte dos alunos em


posição inferior no núcleo escolar. Assim, não se pode deixar de lado a
discussão sobre o que significa permanecer em um espaço em que tudo a sua
volta diz que, naquele lugar você é menos que os outros. Há na escola muitas
situações em que a diferença é destacada, não a que pode conviver
fraternalmente, mas a que destaca a condição de malnascido, de malcriado,
de indivíduo em um lugar que não é o seu. (ALMEIDA, 2009, p. 499).

Esta seleção realizada pela escola, baseada em pressuposto de que a premiação aos
bons alunos seja um fator de possibilidade de que os outros se tornem exemplos a serem
seguidos, exclui o diferente, criando uma cultura de que a escola foi feita para uns e não para
todos.
68

Há no entorno deste CEU duas grandes escolas, como já disse anteriormente, que não
possuem os mesmos equipamentos, porém após a construção deste CEU os arredores
ganharam uma praça, semáforo em frente ao CEU, alguns bares e docerias frequentados por
crianças e adolescentes, o que faz com que alunos cheguem à escola com doces, chicletes,
porém são proibidos de saborearem estes doces em salas de aulas, sendo muitas vezes
obrigados a jogarem fora quando pegos nesta situação. Outra prática escolar, também,
discutida por Almeida (2009) manifestada neste CEU, dizem respeito às festas.
Uma das atrações constantes neste CEU é a Festa Junina, quando as unidades que
compõe o Centro de Educação Unificado dividem-se em espaços e preparos para a festa,
assim com a gestão do Centro de Educação Unificado se organiza também, com barracas e
brincadeiras para arrecadação de dinheiro, tudo é cobrado tanto para as crianças quanto para a
comunidade que a frequenta. Estas festas tem a presença maciça da população, das crianças e
de jovens. Estas festas, realizadas em dia de trabalho escolar com a participação de
professores, funcionários e alunos, contam com a contribuição e a arrecadação de prendas
doadas pelos alunos. Estas prendas são postas à venda em dias de festa, o que acarreta um
dano maior aos alunos, pois estes se veem obrigados a comprarem o que já haviam doado para
a festa. Almeida (2003, 2009), ao discutir esta questão, considera estas ações contraditórias
em relação aos aspectos humanos, legais e pedagógicos. Para o autor:

Pautado por esse modo de ver a realidade, mantém-se na escola algumas


instituições que tradicionalmente organizam o seu cotidiano, como passeios
e festas para quem pode pagar, enfim, promoção de ocasiões para a
efetivação desses encontros calcados na lógica perversa que impõe
sofrimento por meio de rituais de humilhação. (ALMEIDA, 2009, p. 501).

Outra observação, aqui, dada como fator importante, foi a ampliação de uma padaria
próxima a este CEU, que passou a servir refeições em forma restaurante, onde frequentam
professores, trabalhadores do hospital, além da própria comunidade deste bairro. Há encontro
de professores neste local, muitas vezes já marcados, para tomarem um café ou para
almoçarem juntos. Segundo Maffesoli (1987):

A refeição, como se sabe, possui uma função altamente social. Sua


estrutura própria é a comunhão e é por isso que ela possui uma forte
virtude afrodisíaca que se realiza em atos consequentes ou se modula em
fantasmas lancinantes (MAFFESOLI, 1984, p.47).

Estes momentos são considerados pelo autor como um momento de viver o social, no
qual os fantasmas e os medos fazem emergir o cotidiano vivenciado pelos professores.
69

Práticas escolares são, às vezes, assuntos constantes em que algumas vezes são combinados e
levados a cabo.
A construção deste CEU mudou o cenário do entorno. A urbanização e a ampliação do
comércio modificaram a paisagem local. Em torno do CEU foi construído um grande passeio
gramado. Semáforo e faixas para pedestres foram também colocados neste local. A
localização do CEU fica em umas das principais vias de acesso ao bairro, conforme mostra
figura abaixo.

Figura 4 – Mapa da Localização do Centro Educacional Unificado


Fonte: http://www.google.com.br/mapas

Figura 5 – Ilustrativa de um Centro Educacional Unificado


Fonte: http://www.google.com.br/fotos

A localização privilegiada pelo acesso e pela construção deste centro educacional


mudou a paisagem local onde foi instalado. As proximidades ganharam um longo canteiro
com praça gramada e arborizada, além de aberturas de pequenos comerciantes aos seus
arredores. Um local movimentado e visível para a população que passa em uma das Avenidas
movimentadas do bairro.
70

3.1 Aqui a vida pulsa

O bairro Cidade Tiradentes é conhecido por uma gama de conjuntos de prédios


populares construídos na década de 1980, pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional
e Urbano do Estado de São Paulo (COABH), na grande maioria, são apartamentos de dois
dormitórios de condições populares. Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, referentes ao
censo de 2000, na região, há em torno de 219.868 habitantes, com uma renda média familiar
de R$ 864,00.
O bairro está situado em uma região periférica da Cidade de São Paulo, embora possua
transporte coletivo, no caso os ônibus, é uma região considerada distante do centro da cidade.
Na década em que foi construída e, ainda hoje, é considerada como um bairro dormitório,
embora com o crescimento e a urbanização, o bairro ofereça supermercados, postos de saúde,
um hospital municipal de grande porte, pequenos comércios, terminal de ônibus, parques,
associações, escolas municipais e estaduais, entre outros órgãos da sociedade civil e conte
com rede de água e esgoto.

Figura 6 – Foto de um dos pontos da Cidade Tiradentes


Fonte: http://www.google.com.br/imgres

Em 2005, a Prefeitura Municipal de São Paulo adaptou os dados referentes ao censo


de 2000, mapeando as regiões por diversos temas, como por exemplo, o IDH, o Índice de
Vulnerabilidade Juvenil, entre outros. No entanto, optou-se, apenas por lançar mão do IDH e
do Índice de Vulnerabilidade Juvenil, que segundo a Prefeitura de São Paulo, em uma escala
que considera como bom um IDH de 0,884, a Cidade Tiradentes se situa em uma escala que
varia de 0,590 a 0,560, considerado precário em relação ao nível mais alto, por outro lado, o
71

Índice de Vulnerabilidade Juvenil permite compreender que os jovens se encontram em um


alto risco de vulnerabilidade social.
Em uma escala de 0 a 100, os jovens da Cidade Tiradentes são avaliados com um
valor na escala entre 87,70 a 79,10, considerando 0 como um índice de menor vulnerabilidade
juvenil. A composição destes dados, segundo o portal de Prefeitura Municipal de São Paulo
foi composto pela participação destes jovens na região, entre idade de 15 a 19 anos, a taxa de
mortalidade por homicídio entres os jovens de 15 a 19 anos, a participação de mães
adolescentes entre 14 a 17 anos, o rendimento do chefe da família e o percentual de jovens
entre 15 e 17 anos que não frequentam a escola4.
A Cidade Tiradentes fica na região leste da cidade de São Paulo. Conhecida pela
grande quantidade de prédios populares, o bairro foi construído ao longo dos anos 1980,
segundo dados da subprefeitura da Cidade Tiradentes. Sem infraestrutura para oferecer
serviços públicos de qualidades à população vinda de outros bairros, este bairro se
caracterizou por uma população de baixa renda vinda de outros bairros da cidade de São
Paulo. Embora hoje existam comércios formais e informais, a maioria dos moradores não
trabalha na região.

Figura 7 – Mapa dos Bairros da Cidade de São Paulo – Cidade Tiradentes em destaque
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Tiradentes

Apesar do bairro Cidade Tiradentes contar com os serviços públicos, aqui, destacados,
a região ainda possui no que diz respeito aos serviços educacionais públicos uma demanda
significativamente grande, além de apresentar índices relativamente baixos de aprendizagem,
conforme aponta o IDEB de 20095. Em uma escala de 0 a 10, o ensino fundamental de 5ª/6º

4
Dados disponíveis em: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/indices_sociais/index.php?texto=corpo&tema
5
Dados disponíveis em: http://www.nossasaopaulo.org.br/observatorio/regioes.php?distrito=25&tema=4
&indicador=5#
72

ano ao 8ª/9º ano obteve o valor 4,70, ainda, que, segundo o site, em relação aos outros bairros
é considerado abaixo da média.
É neste contexto que se situa o Centro Educacional Unificado Encontro com o
presente, do qual são extraídos e analisados dados do cotidiano da EMEF para permitir que se
compreenda como as manifestações da violência nas práticas escolares se revelam neste
modelo de escola, situado em um bairro em que se faz presente o desejo de viver.

3.2 A pesquisa: um longo e difícil caminho percorrido

Quando ingressei no programa de Mestrado já pensava em realizar a pesquisa sobre


violência escolar e nas discussões realizadas no programa, sobretudo, durante a disciplina
Seminários de Pesquisa em Educação, decidi desenvolver a pesquisa na perspectiva de estudar
o tema considerando o imaginário social da escola. Nestas discussões foram postas questões
metodológicas de coleta de dados, que foram relevantes para o andamento da pesquisa.
Assim, optou-se pela pesquisa qualitativa e como instrumentos de coleta de dados a
observação participante com vistas à coleta de informações que permitissem elaborar uma
descrição pormenorizada da cultura patente da unidade.
Esta metodologia de pesquisa adotada foi elaborada considerando os estudos
anteriores, como o de Demo (2008) sobre pesquisa participante e um artigo intitulado
“Entrevistas em pesquisas qualitativas” de Duarte (2004) que serviram de base para coleta de
dados. Outro fator relevante para adotar esta metodologia foi a linha de pesquisa que se
pretendeu desenvolver e que se entrecruzava com os estudos do Imaginário social.
A pesquisa Demo (2008) ao se referir à noção de pesquisa participativa (PP) alerta
para a seguinte questão:

Entretanto, como não existe sujeito que não seja subjetivo, neutralidade e
objetividade são entidades mitológicas, inventadas, sobretudo para acobertar
práticas escusas. O que a PP faz é simplesmente colocar na mesa, do modo
mais transparente possível, as ideologias em jogo, para que sejam discutidas
abertamente. (DEMO, 2008, p.17-18)

Desta maneira, houve uma preocupação subjetiva latente que emergiu por meio de
estudos e leituras realizadas sobre o tema proposto. No entanto, a pesquisa considerou não só
as observações do contexto em que a pesquisa foi realizada, como também as minhas práticas
em sala de aula, além de algumas conversas informais na sala dos professores sobre este
73

estudo. Essas conversas tiveram como pressuposto a possibilidade de enfrentar o problema


vivenciado em minha prática docente e a de outros educadores, o que possibilitou o
questionamento de práticas escolares vivenciadas e experimentadas no decorrer da minha
docência.
Em outro trecho, Demo (2008) faz a seguinte consideração a respeito da observação
participante:

Sendo o contexto da PP realidades humanas, outras conotações podem ser


realçadas, em particular a noção de historicidade . Esta inclui, de uma parte,
sua irreversibilidade – não se pode voltar a ontem e todo novo momento tem
algo novo, irrepetível. De outra, inclui a pretensão fundamental da
possibilidade de intervenção alternativa: não só acontece, está dada e feita,
como pode se feita e parcialmente conduzida. Nunca é completa, pois está
em constante vir a ser. (DEMO, 2008, p. 20)

Ainda que não se tenha a pretensão de mudar o que estava posto, houve em diversos
momentos conversas informais com grupo de professores que me abordavam sobre o tema.
Em algumas situações, havia uma preocupação constante com a violência, no entanto era
sempre manifestada como um fator que não fazia parte de práticas escolares, mas de
indisciplinas que a escola não conseguia lidar.
Outro fator, que contribuiu para as discussões na unidade educacional em que se
desenvolveu a pesquisa, foi um convite feito pelo Diretor de Escola para a apresentação dos
dados iniciais da pesquisa em uma reunião pedagógica, que aconteceu nos períodos da manhã
e da tarde, no decorrer do ano de 2012, visto que o primeiro período passava por momentos de
turbulência quanto à questão da indisciplina, embora o foco da pesquisa não fosse esse.
No primeiro período, os professores permaneceram calados, apenas dois se
manifestaram, considerando as questões de vigilância como um fator predominante na escola.
Nos dizeres de Maffesoli (2001):

Como observa Jean Baudrillard, a massa não responde; acrescentamos que


ela não responde mesmo dando a impressão de participar, estar presente,
trabalhar, votar, etc. Tal astúcia não é uma atitude contemporânea,
poderíamos dizer que se trata de uma estrutura antropológica que, ao longo
das histórias humanas, assegura um escudo eficaz contra as agressões dos
poderes exteriores. (MAFFESOLI, 2001, p. 98).

É possível que o silêncio estivesse relacionado à desconfiança do grupo em relação às


intenções minhas ou da direção da escola e o grupo buscou proteger-se para não se tornar alvo
fácil diante de suas fraquezas e fragilidades. Ao se referir a este tema Anzieu (1993)
esclarece:
74

Nosso grupo não é para ele senão um campo de aplicação de suas ideias, um
campo de experiência. Para ele, os resultados serão muito instrutivos, mesmo
se forem um fracasso. Mas para nós, nos arriscamos a perder as vantagens,
certas, conhecidas, de nosso funcionamento atual, para nos lançarmos numa
aventura incerta para ganharmos em troca dificuldades e decepções. É
preciso sempre desconfiar do desconhecido. Não queremos ser tratados
como cobaia... (ANZIEU, 1990, p.28-29)

No outro período, já houve mais discussões e contribuições a respeito do tema. Uma


delas foi sobre um brinquedo trazido pelas crianças, denominado de “bate-bate”, a questão era
tomar o brinquedo ou orientá-los quanto ao uso do brinquedo? Não entrarei no mérito da
questão, pois pretendo apenas exemplificar a participação e as discussões surgidas no
momento. Talvez a participação maior neste grupo esteja relacionada ao fato de ser o grupo
no qual atuo e, portanto, sou conhecido dos professores. O medo da exposição talvez não
fosse tão forte, uma vez que já faço parte do grupo, e portanto se tem a ilusão de se fazer de
um imaginário comum.
A pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2011 e primeiro semestre de 2012, e
no mês de novembro de 2011 realizei a observação participante, momento escolhido em que a
escola se organizava para a Prova São Paulo. A observação participante iniciou-se no
primeiro dia do mês de novembro e terminou no dia 30 de novembro.
No dia da aplicação da Prova São Paulo os alunos entraram em horário diferenciado
dos demais dias letivos. Para aplicação da prova, a direção da escola, juntamente com a
coordenação pedagógica, organizou o período para que dois professores permanecessem na
sala de aula durante a aplicação da prova. O silêncio foi uma das solicitações feitas tanto pela
direção da escola quanto pelos professores em sala de aula. Havia um clima de medo por parte
de alguns professores em não controlar a turma. Nenhuma pergunta foi permitida, os
professores respondiam as perguntas com a seguinte resposta “hoje é dia de prova, agora não
é hora de perguntas”. A prova se constitui em imaginário social em que se demonstra o
conhecimento transmitido pela escola.
Na sala em que apliquei a prova, houve uma situação que chamou minha atenção,
havia um aluno portador de deficiência múltipla, este aluno reconhecia somente as letras e não
tinha coordenação motora para realizar a prova. A professora que estava comigo disse ao
aluno para que ele fizesse a prova assim mesmo, indaguei dizendo que não era possível, pois
o aluno não sabia ler nem escrever. Recorri, então, à professora da sala de apoio especializado
e informei a ela sobre o aluno, como ela já estava com outro aluno pediu para que o levasse
até a sala de SAAI e li as questões para o aluno para que ele pudesse responder as alternativas.
75

Ao final, o aluno conseguiu passar as questões para o gabarito, coisa que nem fazia em sala de
aula.
Os comentários sobre a prova eram contraditórios entre alunos e professores. Para os
alunos a prova estava fácil, porém continha algumas questões eles não sabiam responder, por
outro lado, os professores comentavam que a prova não condizia com a realidade, pois os
alunos não estudavam e por isso iriam mal.
A prova é uma prática escolar ritualizada há séculos. De acordo com Sousa (2009):

A crença na educação popular, ideal iluminista e liberal, que atravessou os


séculos XIX e XX, vinculou o conhecimento à concepção clássica de cultua,
a mesma que opunha a cultura à incultura, o saber à ignorância, às luzes ao
obscurantismo, a civilização à barbárie, como nos lembra Chartie (2005).[...]
a ênfase dada à transmissão e aquisição de conhecimentos e, nos rituais dos
exames, a exibição pública de uma cultura escolar fundada na celebração do
mérito (SOUZA 1998ª). (SOUSA, 2009, p.92).

Uma tendência na escola é fazer a seleção entre os que sabem e os que não sabem. O
mérito estabelecido pela escola se configura como elemento predominante em respostas
daquilo que os professores esperam de seus alunos. Desconsiderando outras variantes que
implicam no conhecimento e na própria resolução das questões proposta pela avaliação.
Neste sentido, a vivência e a experiência se tornaram fatores importantes da presença
do pesquisador no contexto. Embora houvesse a preocupação com a subjetividade do
pesquisador, procurou-se descrever por meio de outros sujeitos envolvidos com a situação da
escola, buscando a intersubjetividade como recurso para tornar mais objetiva a leitura das
situações do cotidiano escolar, a fim de registrar situações que pudessem ser compreendidas
ou não como manifestação da violência nas práticas escolares.
Outro fator relacionado à coleta de dados, também, partiu de um clima de
desconfiança entre o grupo. As entrevistas semiestruturadas foram elaboradas previamente.
Segundo Duarte (2004):

Entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas


crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos,
mais ou menos bem delimitados, em que conflitos e contradições não
estejam claramente explicitados. Nesse caso, se forem bem realizadas, elas
permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade,
coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e
significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe
permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações sociais
que se estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil
obter com outros instrumentos de coleta de dados. (DUARTE, 2004, p.215).
76

Dentre os instrumentos de coleta de dados, optou-se pelas entrevistas semiestruturadas


possibilitando compreender e aprofundar as questões conflituosas sobre as manifestações da
violência nas práticas escolares.
Os entrevistados foram convidados um a um para participarem da pesquisa. Foi
entregue o consentimento formalizado e marcado o dia para entrevista, apenas, um professor
não deu a devolutiva em participar da pesquisa. Por outro lado, as dificuldades quanto à
participação dos alunos foi uma questão de desencontros. Os alunos do período da manhã
mostraram interesse, porém entregava-se o consentimento, marcava-se um dia para recolher e
realizar a entrevista semiestruturada e ou os alunos não traziam o consentimento ou faltavam
às aulas, duas mães não consentiram a participação de seus filhos.
Assim sendo, foram entrevistados um total de seis professores, um vice-diretor, três
alunos do 5ª/6º ano do ensino fundamental II e dois funcionários de escola. Embora o número
seja pequeno, considero o número de participantes suficiente para a coleta de dados, uma vez
que abrange diferentes segmentos da escola.
Desse modo, a partir da coleta destes dados extraiu-se as seguintes categorias para
análise em questão:
1- Noção de violência
2- As manifestações da violência
3- Os agentes da violência no espaço escolar
A seguir serão analisadas estas categorias à luz das teorias estudadas em capítulos
anteriores e das contribuições de autores que se dedicaram a estes estudos.

3.3 O aspecto prisional da organização escolar: a violência nas práticas


escolares

A violência é um tema que esteve presente em diversos contextos sociais e históricos


da humanidade. Existente na sociedade, desde os seus primórdios tornou-se um tema sobre o
qual muitas pesquisas já foram e vem sendo realizadas. Pesquisou-se sobre a luta entre os
povos, sobre o poder das instituições na sociedade, sobre a violência contra os escravos, entre
outros, tantas pesquisas de cunho relevante para a compreensão do tema.
Segundo Sanches Teixeira & Silveira Porto (1998), a violência é um fenômeno social
que assombra a sociedade moderna. A cada dia se têm percebido tentativas de contenção
77

desse fenômeno que adentra o espaço escolar. Conforme as autoras, há fatores externos e
internos à instituição que contribuem para o significativo aumento da violência na escola.
Dentre os fatores externos, as autoras apontam para a pobreza, para a miséria, para a falta de
limites gerados pela psicologização da educação entre outros. Ao se referirem a estes fatores
assim se manifestam:

Dentre os fatores externos que, sem dúvida, contribuem para aumentar os


níveis de violência na escola, lembramos as condições socioeconômicas, os
níveis cada vez mais absurdos de miséria e pobreza de uma camada da
população que se elevam aceleradamente, a disseminação do uso de drogas
entre os adolescentes, a psicologização da educação e a permissividade que
ela gerou, o descompasso entre a escola e a tecnologia cada vez mais
sofisticada deste final de século, a falta de equipamentos de esporte e lazer,
na maior parte das cidades e dos bairros, destinados às crianças e aos
adolescentes. (SANCHES TEIXEIRA & SILVEIRA PORTO, 1998, p.53).

Nesta perspectiva, a violência pode ser compreendida por diferentes olhares. Um dos
aspectos da violência que se procurou considerar, também, neste estudo se relaciona com as
análises realizadas por Maffesoli (1987, 2001). Segundo o autor, a violência pode ser
considerada enquanto um elemento de renovação, como um fenômeno social que configurou
diversas gerações.
Em termos gerais, a violência pode ser entendida como agressões físicas, agressões
verbais, simbólicas, institucionais que permeiam a sociedade moderna. Almeida (2009),
também, considera o fato de que este tema em questão está presente em diversos debates e
com diferentes enfoques, no entanto, ainda em consonância com este autor, o que se destaca
nas mídias são as agressões físicas e a violência contra a propriedade, sem adentrar nas outras
possibilidades de violência camufladas que a sociedade vive atualmente. As falas dos
professores expressam este sentido da noção de violência:

Pra mim é curto é grosso, é a falta de respeito que eu tenho com o outro não
importa o sentido que for, pra mim o fato de eu discordar de uma ideia tua,
eu não preciso usar de violência, seja ela verbal, seja ela física, seja ela
emocional... (Gestora Maria).

Violência é agressão, tudo aquilo que fere, física ou emocionalmente, eu


acho que é isso. (Professora Jordana).

Eu acho que é qualquer agressão física ou moral que se faz a alguém, uma
ofensa, um tapa, são tipos de violência (Professora Socorro).

Na minha concepção de violência, é qualquer manifestação que venha a


violar o direito do outro. Essa violência pode ser tanto verbal e física...
(Professor Emanuel).
78

Pra mim violência é todo ato de agressão seja ela física, seja ela verbal. Tem
aquela agressão de bordoada, de bater, de destruir. E aquela violência verbal
quando a pessoa fala uma coisa que agride a outra pessoa verbalmente.
Então pra mim existem esses dois tipos de violência: tanto aquela que parte
para o lado da agressão física, como aquela que parte para o lado da fala...
(Professora Esmeralda).

Estas falas demonstram a compreensão de violência como um fator de agressão ao


outro, seja física ou verbal. O que se percebeu como um fator predominante de medo e
insegurança diante destas situações.
A noção de violência, aqui, discutida, conforme já foi apontado na introdução deste
estudo, foi, precisamente, as manifestações da violência nas práticas escolares. Para isso, num
primeiro momento, destacaram-se dois importantes autores do século XX para um
entendimento melhor deste do tema. Assim, a noção de violência foi direcionada para as
questões que escola vive hoje.
No entanto, é preciso ressaltar que autores como Foucault (2003) e Bourdieu (1982)
foram estudiosos do século passado que discutiram a noção de violência em diferentes
aspectos, que ora se entrecruzam no que diz respeito ao cotidiano da escola, ora se
diferenciam em questões simbólicas e de poder.
Foucault (2003) se dedicou aos estudos da dinâmica da violência na consolidação do
Estado Moderno. Bourdieu (1982) procurou em seus estudos demonstrar a manifestação da
violência simbólica presentes na instituição escolar. Para Foucault (2003) a disciplina é uma
forma de manifestação da violência, considerando o fato de que as normas, as regulações, o
controle do tempo e do espaço, as grades, são formas de vigilância e de punição aos que
desobedecem as normas.
A escola enquanto uma organização complexa exerce um mecanismo de controle de
tempo e espaço em que se manifesta em práticas escolares, como horários estipulados para
utilização de sanitários, troca de alunos considerados indisciplinados para outra turma, para
outro horário, não há permissão para que alunos permaneçam em corredores em horários de
aulas, proibição de conversas paralelas em aulas, seleção de alunos que participam de
passeios, festas, enfim uma gama variada de práticas escolares enraizadas no episteme da
razão clássica. No entanto, quando há violência de agressão verbal, física nas escolas,
normalmente, a punição recai sobre o aluno que cometeu o fato, sem oportunizar ao outro a
sua defesa. A escola se configura enquanto uma instituição capaz de legitimar uma cultura em
detrimento de outra.
79

Estes mecanismos de controle se constituem enquanto uma forma de vigiar o outro,


punir os que não se adequam as regras impostas pelas instituições. Segundo Foucault (2003):

Evitar as distribuições por grupos, decompor às implantações coletivas;


analisar as pluralidades confusas, maciças ou fugidias. O espaço disciplinar
tende a se dividir em tantas parcelas quando corpos ou elementos a repartir.
É preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o desaparecimento
descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação
inutilizável. Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e
como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper
as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-
lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto,
para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico.
(FOUCAULT, 2003, p.123).

Atualmente, a escola não consegue se organizar de outra forma. Os alunos enfileirados


se constituem em uma prática escolar de vigilância sobre o comportamento. Não há permissão
para falar. A reclamação dos professores sobre o constante barulho das turmas tem sido um
problema atual para escolas. A lousa é um dos instrumentos do qual os professores mais se
fazem uso para o ensino, no entanto para os alunos a cópia de lições da lousa para o caderno
não prende sua atenção ou diminui as conversas paralelas. Embora no início de cada ano
letivo se pressupõem a construção de normas de convivência em sala de aula e nos espaços da
escola, as regras são normalmente já as previstas, pois não são discutidas, mas impostas pela
escola. Em outro excerto, o autor faz a seguinte consideração:

O aluno deverá aprender o código de sinais e atender automaticamente cada


um deles. [...] A escola mútua levará ainda mais longe esse controle dos
comportamentos pelo sistema dos sinais a que se tem que reagir
imediatamente. Até as ordens verbais devem funcionar como sinalização.
(FOUCAULT, 2003, p.140,141)

Neste sentido, a escola tende a controlar o tempo e o espaço de cada um, normatizando
e disciplinando o que não se adequam ao modelo de escola proposto. Dividem-se as turmas,
controlam-se os comportamentos, separam-se os indisciplinados, controla-se a saída e a
entrada dos alunos e dos professores.
Contudo, o conceito de escola como CEU tem mostrado que os alunos permanecem na
escola e não fogem em horários de aulas ou quando tem outras atividades, contrariando a
concepção de que uma modelo de escola cheio de grades e de controle de entrada e saída é
uma forma de manter os alunos na escola, embora persista um fantasma que atormenta os
professores e a gestão quando se trata deste um assunto.
80

Além disso, o silêncio é um princípio particular das escolas, o bom professor é aquele
que domina a sala, que faz com os alunos permaneçam em silêncio todo o tempo. O próprio
termo dominar se faz presente no discurso da organização escolar.
Estes mecanismos controladores se manifestam como forma disciplinar, como práticas
escolares enraizadas há séculos. Em uma das turmas do 6º ano houve um discurso informal
dos professores de que os alunos estavam se beijando em sala de aula. Contudo, ao verificar a
situação, era uma brincadeira cultural denominada por “Beijo, abraço, aperto de mão”. Porém
a discussão sobre esse fato se concentrou, apenas, no caráter moral, desconsiderando a
brincadeira enquanto um elemento cultural passado de geração em geração. A providência da
escola foi a de proibir essas brincadeiras.
Este controle de tempo e espaço é analisado por Boudieu (1982) como uma forma de
violência simbólica manifestada nas contradições impostas pela escola. A escola seleciona,
segrega, elegendo como cultura legítima a cultura dominante em uma sociedade marcada pela
desigualdade social. De acordo com Bourdieu (1982):

A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo


ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em que a
estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de nenhum
princípio universal, físico, biológico, espiritual, não estando unidas por
nenhuma espécie de relação à “natureza das coisas” ou a uma “natureza
humana” (BOURDIEU & PASSERON, 1982, p. 23).

Desta forma, é possível afirmar que a violência simbólica se manifesta por meio
práticas escolares que elegem a cultura dominante como legítima, seja na forma linguística, na
seleção dos conteúdos, em que a instituição é autorizada a disseminar valores, crenças,
comportamentos de uma forma dissimulado, onde não há espaço para o que não para o
diferente. Os excertos abaixo demonstram a violência simbólica como forma de manifestação
da violência na escola:

Em primeiro lugar o que acho mais injusto na escola, eu não sei dizer se é
uma regra, mas o aluno passar de ano sem saber ler escrever. Isso é uma
imposição, acho que não, nem uma regra, uma imposição ridícula. É, acho
que essa pra mim é a principal, o aluno não sabe escrever, não sabe ler por
mais que o pai queira que passe, a escola tinha que impor. Isso sim tinha que
virar regra, só passa quem sabe, outra coisa que eu acho é uma regra de cada
ambiente escolar, mas essa coisa não sei posso falar. Ah, não sei nem se é
próprio pra falar... (pode falar). Aquele grupo de alunos, podem chegar
atrasados, eles podem ir ao banheiro, eles podem fazer o que eles querem,
outros não, professores podem chegar atrasados outros não, professores
podem sair com a direção pra resolver problemas, enquanto coloca módulo
isso pode, agora outro que está pedindo pra abonar já não pode... (ATE
Milagros).
81

O trecho acima toca em algumas questões muito presentes no cotidiano da escola. A


primeira delas é o fato do aluno passar de ano sem saber ler e escrever. A primeira impressão
é de que isso seria uma injustiça com o aluno porque a escola não estaria cumprindo com o
papel de ensinar. O exame mais detido da fala, porém, permite entender que o entrevistado na
realidade está defendendo a retenção e o que chama de injustiça é o fato do sistema impor a
progressão continuada. Quando o entrevistado fala em injustiça, vale questionar quem, em sua
fala é o injustiçado. Além disso, ampliando a leitura desta fala, seria interessante discutir
quem, na realidade educacional atual, é vítima dessa injustiça.
Outra questão presente na escola que surge na fala é o tratamento diferenciado com
relação a certo tipo de aluno: alguns podem tudo e outros não podem nada. A fala revela,
também, que situação parecida acontece com os profissionais da escola: enquanto o gestor tira
certos professores da sala de aula para resolver problemas fora da escola, ele nega a falta
abonada para outros.
Na declaração seguinte, o professor fala de preconceitos na escola. Embora acredite
que as atitudes preconceituosas não envolvem todos, admite que na escola haja diversas
formas de preconceitos.

É, pode ser que tem alguma coisa a ver assim, mas eu não vou concordar
100% não, mas pode ser que tenha a ver sim. Essa diversidade incluiria tudo,
cor, gênero, raça, e até estou dizendo em relação ao social mesmo, de
condições, de condições financeiras, de família, então vai entrar tudo, todos
os tipos de preconceito, até sua classe social.... (Professor Emanuel).

A situação de preconceito é também pontuada na afirmação a seguir, sobretudo no que


se refere às questões de gêneros.

Ah, sim, uma relação até mesmo na classe mais assim inferior tem sim. A
sociedade ainda é um pouco tradicional. Tem aqueles valores, querendo ou
não, ainda o homem tem que ser homem, mulher tem que ser mulher. Então
eu acho que tem uma relação sim entre diversidade e violência na escola,
muitas das coisas, das picuinhas, muita violência é gerada através disso,
nisso, uma brincadeira maldosa, que nem como eu falei pra você no começo,
chamado de viadinho, de sapatão, de neguinho, de não sei o quê, você é o
gordinho... (Professora Esmeralda).

Nesta perspectiva, a violência marca as trocas simbólicas que se estabelecem na escola


e mascara a realidade, a vítima sente-se acuada, em muitos casos, mesmo o agente desta
violência simbólica não tem consciência do ato praticado. Na maioria das vezes, a escola não
sabe lidar com estas situações e acaba por amenizar, sugerindo à vítima que se conforme com
a agressão sofrida. Em uma sociedade marcada historicamente e socialmente pela
82

desigualdade social, o aluno reclama para o professor destas agressões, mas o professor não
faz nada, configurando-se uma prática escolar em que a escola é para os que a sociedade
considera normal, o diferente deve se adequar, emergindo um discurso de legitimação, pois o
fato de que abordar o assunto pode causar uma polêmica na sala de aula, em que a ordem do
silêncio perderá o controle.
Ainda no sentido da noção de violência, vale ressaltar os estudos sócio antropológicos
de Maffesoli (1987). O autor estuda a dinâmica da violência enquanto um processo social e
dinâmico e que esteve sempre presente na sociedade desde a antiguidade, considerando
também a violência como um fator de resistência e de renovação da dinâmica social.
Na definição de Maffesoli (1987), a noção de violência não é um termo simples, mas
complexo, ao se referir a esta noção Maffesoli faz a seguinte consideração:

Sendo assim, não é possível analisar a violência de uma única maneira,


tomá-la como um fenômeno único. Sua própria pluralidade é a única
indicação do politeísmo de valores, da polissemia do fato social investigado.
Proponho, então, considerar que o termo violência é uma maneira cômoda de
reunir tudo o que se refere à luta, ao conflito, ao combate, ou seja, à parte
sombria que sempre atormenta o corpo individual ou social (MAFFESOLI,
1987, p.15)

Nesse sentido, conforme explicita o autor, a violência pode ser considerada de diversas
formas, em diversos contextos sociais e culturais e de maneira bem diversificada. A parte
maldita parece se configurar no espaço escolar tentando ocupar todo o tempo do aluno em
lições e atividades e quando manifestada a escola tenta expurgar essa maldição que a
assombra.
Por outro lado, a discussão da violência na escola tem ganhado um apoio considerável
da mídia televisiva, transformando-se em espetáculo para o público sem considerar o outro
lado dos fatos. Assim, a violência na escola tem se configurado como algo que precisa ser
banido da escola, sem muitas vezes discutir as próprias práticas escolares enraizadas há
séculos. Em outro trecho, o autor destaca:

A canalização generalizada, a regulação social levada às últimas


consequências, não deixa emergir nada de que ela não tente se apropriar. A
introdução dos indicadores sociais permite uma organização que não tolera o
mínimo sinal de sombra. (MAFFESOLI, 1987, p.16).

Na fala dos professores se percebe presente o monopólio da violência e a percepção de


canalização da qual fala o autor:
83

[...] Agora o que leva à violência? Pra mim também é uma incógnita, talvez
o stress, talvez o cansaço, talvez a falta de estímulo que o professor tá tendo,
porque a culpa não é do aluno, mas também não é do professor. Você vê,
tem um sistema que tá posto que eu acho que o próprio sistema em muitas
situações ele te induz a um gesto violento. (Gestora Maria).

A declaração acima mostra a violência em uma dinâmica na qual todos são vítimas.
Todavia, em organizações sociais nas quais as trocas são pautadas por relações de poder é
possível perceber que uma vítima acaba produzindo outras vítimas. As causas da violência
descrita na fala anterior indicam o professor como sujeito da violência devido à condição a
qual é submetido.
Na próxima afirmação, o professor amplia o conceito de violência e mostra a própria
competitividade, as metas desumanas estabelecidas por certas organizações como exemplo de
violência.

Bom, o termo violência ela vem, vai abranger sim várias ideologias, mas a
violência, vamos supor, de uma forma científica, nada mais é do que a
descarga energética do próprio indivíduo tentando obter o seu êxito. É um
dos meios da violência, ou outro item pode ser a violência nada mais é do
que um processo competitivo para que o indivíduo possa também obter seu
êxito. Pode ser um outro termo também, violência nada mais é do que aquele
processo pelo qual o indivíduo quer alcançar alguma coisa e fazendo com
que ele tente chegar nesse momento aplicando qualquer maneira irregular
para que ocorra seu objetivo... (Professor Dinho).

Embora a violência assombre, aterrorize, atormente a sociedade, Maffesoli (1987) vê


este fenômeno como parte estruturante do social e que foi motivo de diversas gerações e
civilizações tentar exterminá-la por um viés racional. No entanto, considera o autor que a
violência tem a sua dinâmica, funcionando em alguns contextos e situações como uma forma
de resistência, manutenção da vida, o que segundo autor faz emergir a um retorno do
recalcado. Ao se referir a essa noção Maffesoli (1987):

Numa ordem na separação e na especialização, não há mais hierarquia ou


papéis, mas funções e um funcionamento; não há mais organicidades de
fatores que se equilibram de uma maneira relativamente harmoniosa (o que
jamais exclui a crueldade), mas dominância de um valor, com irrupção
regular e efêmera de um retorno, particularmente violento, do rejeitado.
(MAFFESOLI, 1987, p.28).

Deste modo, a violência, nos dizeres de Maffesoli (1987) tem uma dinâmica que a faz
utilitária, manifestando-se por meio da resistência à opressão, nas constantes lutas da vida
sobre a morte que o sujeito tem que enfrentar no seu cotidiano.
84

No entanto, a violência é considerada nos dizeres dos professores como uma parte
maldita, como algo que precisa ser arrumado, consertado, enfim diminuído. Este paradoxo de
destruição e renovação, modifica, desestrutura a ordem estabelecida, gerando um clima de
insegurança. Punem-se os infratores, os que não cumprem as normas, as regras, os
comportamentos, a escola tenta organizar, repartir, definir aquilo que é bom. Esta concepção
de violência não considera os desejos e opções do outro, sua necessidade de sobrevivência. O
grupo que tem a hegemonia escolhe o que é bom para o outro e não aceita que o outro tenha o
direito de questionar.
A normalização e homogeneização tendem a controlar os sujeitos por meio de
regulações, dos comportamentos, onde o diferente não acha espaço, é neste aspecto do
dinamismo social que possibilita um retorno do recalcado.
Ainda segundo Maffesoli (1987):

É naturalmente difícil prever ou anunciar as explosões futuras basta saber


que elas estão presentes, potencialmente presentes, e que exprimem a
irrepressível paixão de um desejo de viver o social, que sua essência mortal
não impede de renascer sempre e de modo diferente. Assim como a fênix da
fábula que, não nos esquecemos, “se” faz perecer sob o fogo para renascer
de sua cinza, a revolta latente de que falamos é a fusão de um excesso que,
se expandindo, se esgota. Encontramos aí os símbolos do fluxo e do refluxo
da vida que exprimem a inversão sem sim da estrutura da morte e da
estrutura da vida. (MAFFESOLI, 1987, p.39).

Sendo assim, a noção de violência estudada neste capítulo teve por objetivo
compreender este fenômeno em dois aspectos, a violência enquanto uma forma de subjugar o
outro e enquanto uma forma de resistência à normatização e às regulações que funcionam no
dinamismo social e que, de certo modo, se faz presente na instituição escolar enquanto uma
organização complexa. Portanto, algumas manifestações dos alunos que são tomadas como
desvio de conduta precisam ser analisadas como resistência política às imposições sociais.

3.4 Um modelo de escola organizado para o futuro: o Deve-ser

A violência pode ocorrer de diversas formas e em diferentes contextos, seja por meio
de agressões à propriedade e a integridade do sujeito, física ou verbalmente, seja pela
violência simbólica praticadas em instituições, grupos, organizações. Há manifestações da
85

violência como forma de resistência e de preservação da vida sobre a morte, ou, ainda, através
do poder como forma de subjugar o outro.
Embora façam parte de um fenômeno social, conforme discutidos por autores como
Maffesoli (1987) Sanches Teixeira (1998), as formas de manifestações da violência se
modificaram ao longo da história da humanidade. Os homicídios, as guerras, o
esquartejamento, entre tantos outros, tomaram outras formas de manifestação por viés
racional e por uma monopolização da violência.
Ao discutir esta questão, Sanches Teixeira e Silveira Porto (1998) se referem da
seguinte forma:

[...]diferentemente do que ocorre nas sociedades tradicionais, nas modernas,


o monopólio e a racionalização da violência conduzem, de um lado, ao
desencadeamento que nada consegue reprimir, conforme atesta o aumento
gradativo da criminalidade e da insegurança urbana, e, de outro, à
interiorização das normas. (SANCHES TEIXEIRA & SILVEIRA PORTO,
1998, p.58).

Nesta perspectiva, as manifestações da violência se apresentam como uma parte


terrificante, que assombra, assusta e temoriza a todos. Tendem-se a colocação de grades,
contratação de empresas para realizarem a segurança, um discurso midiático para o aumento
do policiamento, câmeras de vigilância entre os outros mecanismos de controle deste
fenômeno, sem considerar a violência como algo presente no contexto e nas práticas que
organizam o cotidiano da instituição escolar e também como forma de resistência e de
renovação ao que está imposto.
Alguns estudos apontam estes mecanismos de grades, de vigilância como forma de
manifestações da violência na escola. Almeida (2009) ao se referir e estes mecanismos de
proteção considera a seguinte questão:

Tal situação pode ser obervada pela quantidade de grades existentes nas
escolas, cujos espaços são cada vez mais fechados, mostrando a preocupação
com eventuais invasores. Esse modo de conceber a violência promove o
fechamento da escola para o diferente e contribui para o estabelecimento do
preconceito como principal critério de avaliação sobre quem deve ser
recebido na escola e qual o comportamento adequado para ali permanecer.
(ALMEIDA, 2009, p. 491).

Desta maneira, observa-se que, além das agressões físicas e verbais, o domínio dos
comportamentos é uma das manifestações da violência na escola. Controlam-se os horários de
entrada, saída, horários de brincadeiras, os impulsos sexuais, os namoros, o tempo e o espaço
em que cada sujeito deve ou não circular, aquilo que se pode ou não dizer em determinado
86

momento. Todos devem se comportar da mesma forma, fazer as mesmas atividades, aqueles
não se adequam aos comportamentos e regras impostas pela escola, são aos poucos excluídos
e tratados de formas diferente.
A história da Educação no Brasil tem mostrado as variantes em relação ao modelo de
escola vivenciado e as formas de manifestação da violência em diferentes contextos. A
palmatória foi um dos instrumentos que perdurou durante séculos na escola brasileira,
enquanto um castigo físico. Todavia, ainda hoje, o castigo físico persiste, entre outros
relatados em conversas informais como puxões de orelhas, permanecer em pé atrás porta da
sala de aula, enfim uma gama variada de castigos físicos e punições.
Desde o século XVI até meados do século XIX, a palmatória, os castigos físicos, as
punições corporais foram formas disciplinares presentes na escola, sendo banido totalmente
no final do século XX com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.
Embora o modelo de escola vivenciado, hoje, tenha abolido os castigos físicos e
corporais como formas de manifestações da violência, atualmente, a escola vive um clima de
medo e insegurança.
Em um estudo feito por Charlot (2002) sobre as formas de manifestações da violência
em escolas francesas, o autor considera que a violência não é um fenômeno novo, mas que
desde os anos 1950 e 1960 já faziam parte do cotidiano de escolas francesas. Neste estudo, o
autor apresenta as diferentes maneiras de manifestação da violência na escola que se tem
atualmente. Segundo autor, se presenciam homicídios, estupros, agressões com armas,
agressores que adentram a escola em busca de justiça, discussões que surgem fora da escola e
que acabam, de certa forma, em acertos dentro do ambiente escolar, agressões a professores,
funcionários, alunos contra alunos. Os trechos seguintes mostram que estas formas de
violência, também, se manifestam em escolas brasileiras:

[...] Aceitação entre grupos, discriminação... (Professora Neusa).

Apelidos que uns colocam nos outros, a discriminação em relação a etnia, a


cor, ao peso (ATE Santos).

A professora pegou no braço da menina, ficou um vermelhão, ela falou que a


gente morava em um chiqueiro, que a gente era porco, que a gente estava no
fundo do poço. A gente não é lixo para ser tratado como animal. (Aluna
Peres 5ª/6º ano).

As declarações acima demonstram que o modelo de escola vivenciado, hoje, se


organiza por práticas escolares de legitimação de um discurso pautado na segregação e na
exclusão social. Considera-se o fato de que o aluno de classe média seja melhor do que o
87

outro, de tal modo que predomine a cultura dominante socialmente e historicamente pautada
na separação da senzala e da casa grande.

A gente acha que violência é só bater, empurrar, xingar. A forma de um


funcionário ou um professor ou um colega falar pode ofender ou machucar
mais que um tapa (ATE Milagros).

Tanto aluno, como professor, como o Diretor, dependendo do contexto gera


uma violência, que pode ser verbal ou física. Como são pessoas mais adultas
a violência que gera esse professor passa a ser mais verbal, um querendo
determinar que aquele território, ali, que aquele espaço, ali, quem manda é
ele. Ele que está no poder. O aluno sofre essa violência, também, por parte
do professor, porque muitas vezes os alunos não são compreendidos, o
professor não está disposto a conhecer o aluno... (Professora Esmeralda)

As brigas começam por nada, um menino lá na minha sala, ele bateu em uma
menina por causa de uma tesoura escolar. Um menino me derrubou no chão.
(Aluna Peres 5ª/6º ano)

Quando eu estava Diretora, no bairro Heliópolis eu enfrentei violência verbal


e violência física todo o dia, era um contato diário, lidava direto com o
tráfico de drogas, que para mim aquilo dentro da escola era uma forma de
violência, eles me afrontavam, fumando baseado na minha cara, baforando
na minha cara. Até o dia que eu arranquei da boca do menino e olhei pra ele
e pisei em cima, ali eu comprei a briga, mas eu adquiri respeito. Daquele dia
diante em diante eu não tive mais droga dentro da escola, eu tive que chamar
o líder da “boca” sentar com ele, conversar com ele, a partir daquele dia eu
tive uma conquista.... (Gestora Maria)

Essas falas elucidam as formas de manifestações da violência como verbais, físicas,


simbólicas presentes no contexto escolar, seja, na forma horizontal ou na forma de vertical de
manifestação. Estes episódios de violência geram conflitos que, por vezes, tendem a ser
controlados por um viés racional, sem ouvir os envolvidos, sobretudo a parte mais fraca entre
as envolvidas no conflito.
No entanto, conforme Sanches Teixeira (2010), os professores e alunos consideram a
escola como um local seguro, sentem-se protegidos ao retratarem a violência. Por outro lado,
Almeida (2009) aponta para uma discussão das manifestações da violência não explicitadas,
mas, sobretudo que se fazem presentes em práticas escolares. Tais situações se evidenciam
nas relações socais em que a escola pressupõe um lugar que o aluno deve ocupar dentro da
instituição.
Ainda, segundo Almeida (2009), a discussão destas práticas escolares possibilita a
construção dos valores que a escola transmite e que deseja formar. Há um currículo,
subjacente ao currículo oficial como forma preponderante sobre os conhecimentos que
determina como forma de progresso ou como forma de alcançar um bom emprego, cursar uma
88

universidade, enfim há valores pressupostos que nem sempre aparecem quando se explicita os
objetivos que se não atingidos, os alunos são considerados incapazes de um futuro brilhante.
O currículo na escola se configura a partir das normas, resoluções, que implicam que
todas as escolas sigam o mesmo ritmo de ensino e que recebam os alunos em um determinado
ponto. Dowbor (2010) pontua:
Em um currículo de Matemática, de Português, algumas coisas básicas
podem perfeitamente ser comuns. Eu trabalharia com a mesma visão que
temos numa universidade. Nós temos uma área interligada a um currículo
básico, obrigatório, e temos eletivas. Então, é perfeitamente viável ter alguns
currículos básicos para assegurar que certos conhecimentos cheguem ao
conjunto do sistema, ao mesmo tempo em que se faça uma adaptação
curricular, em função das especificidades de cada região. [...] Quando você
está num bairro onde a criança e seus pais sofrem determinados problemas,
que podem ser de poluição de córregos, de violência, de não ter acesso a
infraestruturas determinadas e coisas do gênero, você pode trabalhar com as
crianças, de forma científica, problemas que são completamente relevantes
para eles. (DOWBOR, 2010, p.168).

O modelo de escola vigente tem como currículo único um ensino fragmentado em


séries, classes, turmas. Estudam-se as regiões, os países, a história, a literatura, a matemática
desconsiderando os problemas que compõem o contexto em que a escola está situada, o
bairro. Ainda em consonância com Dowbor (2010), o currículo da escola se preocupa
demasiadamente com questões que estão distantes, no entanto, se o aluno compreendesse os
problemas que o cercam, compreenderiam, também, os problemas em outras regiões, em
outros países.
Neste sentido, se pressupõe um conhecimento voltado somente para o curso
universitário, desconsiderando qualquer outra possibilidade que não seja esta. Todos devem
alcançar a universidade como forma de “ser alguém na vida” por meio da graduação, um
discurso ainda fortemente marcado por uma concepção burguesa. A escola configura-se
enquanto um cenário marcado por desigualdades sociais em que se manifestam diferentes
formas violência, sendo o currículo uma forma de manifestação da violência, pois nele não há
espaço para a diferença.

3.5 Os agentes da violência no espaço escolar

Uma tendência das práticas escolares é considerar a presença de uma manifestação de


violência somente quando há um conflito entre professor e aluno, ou quando há depredação
89

do prédio ou um agressor que vem de fora deste ambiente. Alguns registros internos da escola
demonstram, em sua grande maioria, um conflito entre professor e aluno, partindo, de forma
geral, por parte do aluno.
Nos documentos observados, os registros contêm, em sua grande maioria, anotações
realizadas por diversos professores da turma, sobre comportamentos inadequados, não
realização de atividades e, sobretudo, de desrespeito ao professor, mas nem sempre
explicitado esta falta de respeito.
Aliás, uma das deficiências dos registros é o fato de serem genéricos e não permitirem
o entendimento do que realmente foi o pólo gerador do conflito. Tais registros são sempre
feitos pelos adultos que, à medida que registram, já vão estabelecendo o diagnóstico e a
punição sem garantir o direito de defesa e do contraditório.
Em todas as turmas, há uma folha nominal por aluno com espaços para anotações
disciplinares. Foram observadas anotações das turmas do período da manhã 7ª/8º ano. De
aproximadamente 40 alunos, todos têm registros de ocorrências. Além deste registro, há outro
livro no qual a Direção faz os registros considerados mais graves, como brigas entre alunos
em que há ferimentos ou reclamações de pais/ responsáveis sobre professores. Os registros
realizados pelos professores são apresentados aos responsáveis em dias de reunião, como uma
maneira de dizer ao responsável pelo aluno os comportamentos exigidos para estarem na
instituição. Almeida (2003) assim se manifesta:

O imaginário excludente, em relação a certo tipo de criança e adolescente,


dominante na cultura da escola, se expressa de várias maneiras. Uma delas é
pela exigência da presença do responsável. A exigência de que uma criança
abandonada traga o pai acaba constituindo-se em uma fonte de humilhação e
obrigando-a a apresentar como responsável alguém que a explora e maltrata.
Diante desta exigência, muitos acabam saindo da escola e ficam
perambulando pelos arredores jogando pedras nos carros, nos vidros da
escola, pulando o muro e atormentando, enquanto o pior não acontece.
(ALMEIDA, 2003, p.137).

Outro fator observado, nos que diz respeito às práticas escolares, é o silêncio. Há uma
forma instituída de manutenção do silêncio nas turmas, os professores são levados por este
mecanismo a transformar os registros em uma forma de silenciar a turma barulhenta. Nas
discussões em grupo ou em reuniões pedagógicas, o discurso é de que todos precisam falar a
mesma língua, no sentido de manter a turma sem bagunças ou conversas, desconsiderando o
fato de que nem sempre os grupos que compõem a cada ano o cenário escolar possuem o
mesmo imaginário social. Há um imaginário social de uma escola centrada no silêncio do
aluno, sem abertura para manifestações, principalmente, as contrárias às práticas escolares
90

vigentes. Anzieu (1993), considerando o imaginário social do grupo, se refere da seguinte


forma à noção do desejo do outro sobre o eu:

No grupo cara a cara, o número de parceiros é restritos, eu tenho ou posso ter


de cada um deles uma percepção individualizada e, reciprocamente, cada um
tenta ou pode tentar me submeter a seu desejo; essa convergência sobre mim
de uma meia dúzia ou de uns dez desejos diferentes não é suportável. Cada
um quer que seja para ele quem ele espera, e manobra para que eu entre em
seu ponto de vista, para me subjulgar a seu Eu, me reduzir a não ser mais
que um objeto de realização de seus desejos. (ANZIEU, 1993, p.33)

Assim sendo, esta prática escolar de subjulgar o outro a seus desejos, vontades,
reprime o outro, ignora o diferente, cria um espaço de tensão e conflito. Assim, são bons
professores os que mantêm a turma quieta, independente do mecanismo utilizado ou das
formas de manifestação do silêncio. A fala abaixo revela alguns agentes da violência na
escola, bem como práticas escolares vigentes:

Acho que começa pelo próprio sistema que foi implantado, o sistema escolar
ele é cruel, ele é seletivo, altamente seletivo, a maioria das escolas ainda
seguem o tradicionalismo. Ainda tem que mudar a raiz, desde o seu projeto
pedagógico até sua própria identidade com a comunidade, porque tem escola
que aborda o aluno de uma maneira sutil, o aluno se sente parte dela, a
maioria que a gente vê não tem essa identidade, não tem esse vínculo, não
cria, e quando tenta criar ela veta (Professora Neusa).

Há dois aspectos relevantes no dizer da professora, um deles diz respeito ao modelo de


escola tradicional, em que o professor exercia um papel de transmitir conteúdos, o outro o
papel da comunidade no espaço escolar. Um imaginário social de que a escola tradicional era
um modelo de escola bom ressurge em diversos momentos na escola, no entanto, não se
discute se todos aprendiam ou se todos tinham as mesmas oportunidades. O termo tradicional
utilizado pela professora é carregado de significados e pode ser considerado em termos de
práticas escolares fundamentadas em seleção, em uma pedagogia de transmissão de
conhecimentos verticalizados.
Entretanto, práticas escolares deste século demonstram que a escola, ainda, se
configura em modelo de escola burguesa, considerando como um único e possível caminho a
ser percorrido em termos de mudança de classe social e como seleção de conteúdos que os
alunos precisam saber para ser alguém. Embora a escola queixe-se da participação da
comunidade na escola, o que normalmente ocorre em relação a esta participação diz respeito
às reuniões com os responsáveis para apresentação do boletim de notas ou para ouvir queixas
comportamentais dos alunos. Conforme discutido por Almeida (2009):
91

Esses rituais são estendidos aos pais quando são chamados à escola para
ouvir falar mal de seus filhos. Dificilmente os pais vão à escola ouvir os
professores falarem do próprio trabalho, para participar das decisões
importantes. (ALMEIDA, 2009, p.501).

Fica evidente que os agentes da violência se configuram em diferentes formas, ou


sujeitos, embora sempre se fale do outro, como mostram os excertos abaixo:

Um ato entre dois alunos, eles não resolvem de forma justa, porque ninguém
quer ouvir o outro, ele quer abaixar o fogo ali, todo mundo tapa o sol com a
peneira, porque não quer saber por que aquela pessoa é violenta, porque
aquela pessoa passa por discriminação, porque um funcionário está sendo
excluído e não quer participar de nada, de uma confraternização, por quê?
(ATE Milagros).

Eu acho que todos os envolvidos dentro do ambiente escolar são sujeitos da


violência, eu não posso falar para você que o principal sujeito é o aluno,
porque também tem professor que usa de seu poder de ser professor
(Professora Esmeralda).

Eles querem resolver o problema de imediato, assim da forma mais prática e


não justa. A administração, a gestão não quer que o problema fique uma
coisa maior, eles querem uma coisa prática, independente se for justa ou não
(ATE Santos).

Penso que todos os envolvidos. Os principais: professor e aluno, porque o


professor que acaba tendo que relacionar-se com as crianças de diversos
mundos e ao mesmo tempo, com toda essa situação que a gente tem, a gente
tem que dar a cara a tapa. [...] A princípio, o próprio sistema não objetiva a
qualidade e sim a quantidade, números, e a gente vê que na prática não se
reflete em boa educação, e a partir desse sistema que objetiva essa
quantidade no atendimento a maioria dos alunos, não uma boa qualidade
com relação à educação oferecida, mas a partir deste objetivo que está
distorcido que vai se gerando vários sujeitos desta violência (Professora
Jordana).

Estas declarações demonstram um pouco de quem é o agente da violência na escola.


Segundo pode se observar estão presentes diferentes sujeitos: professor, aluno, administração,
direção, sistema. No entanto, como sugere Almeida (2009) e Sanches Teixeira (2010) trata-se
dos agentes da violência como algo no outro e não em si mesmo, todos os envolvidos no
espaço escolar não se percebem enquanto parte da instituição e mesmo quando se refere a
todos se refere ao outro, mesmo falando de si. Como o universo escolar é dominado pelos
adultos, estes falam por si e pelas crianças e adolescentes que acabam sendo os mais
vulneráveis a medidas de ajustamentos ou exclusão.
Outro fato a observar é quando se trata do sistema como agente de violência, neste
caso a instituição. Lapassade (1983) considera a classe como um nível grupal no qual as
92

relações entre professor e aluno se estabelecem por meio da instituição num nível que já está
instituído, destacando que na classe já se manifesta o poder do Estado.
Outro aspecto, presente nas falas expostas acima, se relaciona com o modelo de escola
constituído social e historicamente. A escola tradicional tinha como pressuposto a ideia de
uma transmissão de conhecimento horizontal, do professor para o aluno, embora tal modelo
de escola venha sendo questionada, ainda hoje, é o que domina em nossas escolas.
Almeida (2003) e Sousa (2009) compreendem que a escola vive hoje uma
dessacralização dos rituais construídos social e historicamente. Segundo Sousa (2009), a partir
de 1980, com a queda o regime militar, as escolas perderam os valores cívicos e patrióticos,
os desfiles, as festas de comemoração, as fotos colocadas nas paredes ou porta-retratos, já não
se viam mais. Segundo a autora:

A dessacralização do político foi se estruturando fortemente com a derrocada


do próprio regime militar. No início dos anos 1980, os rituais cívico-
patrióticos, já não eram praticados por boa parte das escolas de 1º grau,
rejeitados por serem associados ao “entulho autoritário” ou por ausência de
significado. Dos desfiles longamente ensaiados, às passeatas democráticas, a
sociedade brasileira mudara e com ela a escola pública. Festas de
encerramento do ano letivo, entrega de diplomas, exposição de trabalhos,
nada disso fazia mais sentido com a extensão da escolaridade, a
democratização do ensino e a flexibilização dos rituais dos exames escolares.
(SOUSA, 2009, p.370-371).

A escola é um espaço privilegiado de rituais que permitem a convivência e a


construção de uma sociedade mais justa, no entanto, para Almeida (2003), a segregação social
e o modo linguístico tornam-se práticas comuns em uma perspectiva de que crianças
originárias de classes sociais menos favorecidas tenham mais empenho na escola para
ascensão social, o que revela que a escola tende a dizer não para os que não atendam aos seus
critérios de seleção de organização curricular. Sobre este aspecto, Almeida (2003) considera:

A escola é o território onde as angústias, os medos, as esperanças são


ritualizados. Mas a dinâmica da sociedade tem deixado pouco espaço para a
vivência de rituais. Os ritos praticados na escola parecem descolados da vida
dos alunos, o que os leva à criação de ritos próprios, ritos estes condenados
pela escola, uma vez que são considerados inadequados, perigosos e
violentos. (ALMEIDA, 2003, p 96).

Esta colocação posta pelo autor remete à discussão que surgiu no dia da apresentação
dos dados iniciais da pesquisa na reunião pedagógica. A questão em torno do brinquedo bate-
bate se restringia à tomada ou não do brinquedo pelos professores. Alguns se manifestaram
que pegavam o brinquedo e só o devolviam aos responsáveis, apenas um dos professores
93

alertou que este era um ato de violência praticado pela escola, mas não se discutiu as
brincadeiras enquanto um ritual necessário na infância e que a escola poderia possibilitar. O
mesmo ocorre com o celular, boné, entre outros brinquedos levados pelas crianças, como
figurinhas, doces, chicletes entre outros.
No entanto, autores como Sanches Teixeira, Iduína Chaves, Silveira Porto entre
outros, defendem a linha do imaginário social como uma forma de entender os rituais como
fundamentais no processo de construção da identidade social, da negociação, das articulações
sociais em torno dos conflitos em uma sociedade marcada pela racionalizada e pela
individualização. Na compreensão de Almeida (2003), ao citar os estudos de Sanches
Teixeira:

Sanchez Teixeira (2001) entende os rituais como práticas simbólicas, cuja


função é organizar o espaço-tempo dos grupos, atribuindo significado à sua
existência, e considera a ritualização como uma das formas de manifestação
da cultura. Ainda na opinião desta autora, os ritos capacitam os indivíduos e
os grupos a demarcarem, negociarem, articularem sua existência como seres
sociais, culturais e morais. Por isso, os considera organizadores do tempo-
espaço do grupo. (ALMEIDA, 2003, p. 96, 97).

Outro autor que destaca a importância do imaginário é Morin (2003):

A importância da fantasia e do imaginário no ser humano é inimaginável;


dado que as vias de entrada e saída do sistema neurocerebral, que colocam o
organismo em conexão com o mundo exterior, representam apenas 2% do
conjunto, enquanto 98% se referem ao funcionamento interno, constitui-se
um mundo psíquico relativamente independente, em que fermentam
necessidades, sonhos, desejos, ideias, imagens, fantasias, e este mundo
infiltra-se em nossa visão ou concepção do mundo exterior. (MORIN, 2003,
p.21).

Nesta perspectiva, a escola configura-se como um “palco de luzes e sombras” nos


dizeres de Iduína Chaves (2000), citada por Almeida (2003) ao se referir ao lado iluminado da
instituição, como as regras, a burocracia, por outro lado há também a parte sombria que
imprime um ritmo no cotidiano da escola, sem que seja possível estabelecer uma relação de
convivência quando se considera apenas um pólo em questão. Considerar as relações sociais
por um viés racionalista tende a desaparecer a criatividade, a espontaneidade, sem que seja
possível uma renovação, conforme, aponta Iduína Chaves (2011) para o reencantamento da
cultura, onde seja possível o sonho, o devaneio, o prazer de aprender de professores e alunos.
94

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo inicial desta pesquisa foi estudar a manifestação da violência nas práticas
escolares, com fito de compreender em que medida a violência se configura em tempo e
espaço e como se manifesta no cotidiano escolar. Esse tema tem sido analisado em diferentes
perspectivas, estudam-se a violência entre os povos, a violência na prisão, a violência
simbólica, na sociedade, enfim uma gama variada que possibilita compreender o tema sobre
diferentes olhares.
Entre esses olhares, buscou-se nessa pesquisa entender as práticas escolares como
relevante para a minha atuação enquanto docente e enquanto pesquisador diante das situações
que emergem na organização complexa que é a escola, enquanto uma gama variada de
concepções pedagógicas, em que os grupos nem sempre estão ligados por um imaginário
social comum, porém unidos apenas por compartilharem o mesmo horário ou mesmo turno,
ou por um fio imperceptível que os conecta, o que faz com que a organização escolar
considere que o grupo possui o mesmo imaginário social.
Outro fator considerado enquanto uma organização complexa diz respeito ao jogo de
luz e sombra que permeiam este universo, bem como as formas instituídas e insituíntes de
poder que se manifestam na organização escolar. Nesse sentido, os estudos do campo do
imaginário grupal permitiu compreender que um grupo funciona por viés racional e outro
inconsciente e as que as relações estabelecidas para o funcionamento de um grupo estão
permeadas por viés fantasmático que ora se camufla ora se manifesta. Nesse sentido, recorri à
luz das teorias que orientam este estudo, como as considerações de Almeida (2003, 2005,
2008), os estudos de Sanches Teixeira (1998, 2010) além de outros autores como Chaves
(2000) que discorrem sobre a importância do imaginário social no campo educacional para
inferir possíveis contribuições sobre manifestação da violência nas práticas escolares.
Para a realização da pesquisa adotei como procedimento metodológico a análise
documental, feita por meio de uma revisão da literatura sobre a manifestação da violência na
cultura escolar completada por entrevistas semiestruturadas. Essa pesquisa foi complementada
por análises que consideraram a minha prática e as práticas escolares vivenciadas e
experimentadas por professores e alunos colhidas por meio de depoimentos em entrevistas
semiestruturadas. Esses procedimentos possibilitaram, se não compreender plenamente,
levantar inferências sobre a manifestação da violência nas práticas escolares a partir de um
prisma diferenciado daquele que se manifesta por viés racional, único, homogêneo.
95

Desta forma, o imaginário social sobre a violência no cotidiano da escola presente nas
falas e em práticas docentes permite inferir que no cotidiano escolar, na condição de um
espaço de vivências e experiências simbólicas, os estudos do imaginário de Gilbert Durand
(1997) são aplicáveis para uma análise aprofundada, que são o pano de fundo do
desenvolvimento desta pesquisa.
Embora não se tenha aplicado o AT-9 para levantar as estruturas profundas do
imaginário, segundo a teorização de Gilbert Durand (1997). Com esse estudo pôde-se
compreender que o imaginário surge no cotidiano escolar com um aspecto fantasmático, que
ora se camufla, ora se apresenta em movimento, responsável por reacender a alegria, o medo,
as crenças, os conflitos, enfim as manifestações do imaginário social presente na cultura
escolar.
Outro aspecto evidenciado na pesquisa se relaciona com as práticas escolares ao longo
do processo de construção da cultura escolar. Embora alguns estudos considerem a educação
jesuítica uma forma de manifestação de violência, a revisitação de alguns conceitos permitiu
compreender a relevância e as contribuições significativas implementadas pelos jesuítas sendo
consideradas um avanço para época.
Após a expulsão dos jesuítas a organicidade do sistema escolar foi desmantelada,
retomando uma tentativa de reorganizar de um sistema escolar somente no século XIX. Os
estudos evidenciaram que a escola foi se organizando por práticas escolares pautadas,
sobretudo, nos castigos físicos e em uma rígida disciplina. Outra questão a ser evidenciada,
enquanto uma prática escolar, foi a utilização do método simultâneo que originou a
homogeneização considerando que todos aprendem da mesma forma e ao mesmo tempo, sem
espaço para a singularidade, para a multiplicidade, para o diferente.
Embora no século XX o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” tenha
possibilitado uma discussão acerca de novas práticas escolares que proporcionassem a
abertura da escola a partir das questões pedagógicas, de um ensino centralizado no aluno e
não na verticalização, a escola se fechou em seus muros mantendo práticas escolares pautadas
no controle do tempo e espaço, visto que o processo de democratização da escola pública foi
inevitável, e uma nova clientela adentrou este universo.
A princípio apresentava-se como pressuposto a noção de violência como um fator que
assombra e a aterroriza a organização escolar. Embora as entrevistas tenham demonstrado nos
discursos as formas de violência física, verbal, e o caráter fantasmagórico do termo, foi
possível perceber que a manifestação da violência pode ser compreendida, também, como um
fator de resistência as imposições sociais e as injustiças. No entanto, algumas práticas
96

escolares desconsideram este aspecto punindo os agressores sem antes ouvi-los. Fato este
demonstrado no discurso da aluna Peres 5ª/6º ano que ao se referir o fato de ter sido xingada e
bater no aluno que a xingou, o professor considerou o fato corriqueiro e a aluna, nos dizeres
dela “saiu como a errada”.
A escola tem como prática inculcar nos diferentes a aceitação das discriminações, das
zombarias, dos xingamentos, do lugar onde estão e devem permanecer, pois não há nada a
fazer. Embora nos discursos dos professores e o do gestor o aluno é a vítima do sistema
escolar, pouco se tem feito na prática para mudar esta situação. Desta maneira, os estudos
convergem para a noção de violência, nos quais ficam evidentes algumas práticas escolares
que se manifestam de forma contraditória no cotidiano da escola, como as festas juninas, a
seleção de quem participa ou não de terminado passeio ou de atividades extraescolares. Essas
práticas escolares enraizadas em uma sociedade configurada por uma formação patriarcal
revelam-se na organização complexa que é a escola, utilizando os termos de Almeida (2003) a
senzala e a Casa Grande.
Sendo assim, observou-se que a escola se pauta, ainda, pelo episteme da razão
clássica o que a torna em um sistema fechado, simplificador, pressupondo a ordem à
criatividade. Em contrapartida esta pesquisa possibilitou, também, inferir a necessidade de se
considerar o paradigma da complexidade como sendo uns dos aspectos de dialogar, de
considerar a relevância de ordem e desordem como uma dinâmica social. Por outro lado,
percebeu-se também a necessidade de novas práticas simbólicas que organizam o cotidiano
escolar, visto que a partir do fim do regime militar muitas práticas simbólicas foram postas de
lado. No entanto, já perceptível que algumas práticas simbólicas retornam a organização
escolar como é fato das festas de formatura, das fotografias, do uso do uniforme, ou camiseta
escolar como formas simbólicas revalorização da organização escolar.
Finalmente, é relevante dizer que esta pesquisa não desconsidera a necessidade de
organicidade seja no espaço da sala de aula, seja nos espaços que constituem o todo da
organização escolar, contudo esta pesquisa aponta para possibilidade de compreensão do
modo como a escola se organiza em relação à heterogeneidade.
A escola configura-se como uma organização social na qual grupo com projetos
diferentes, organizados por imaginários diferentes interagem e realizam incessantes trocas. As
trocas realizadas no cotidiano da escola são orientadas pelas práticas institucionais que
organizam o seu cotidiano e pelo imaginário social dos grupos que interagem em seu
cotidiano A partir desta situação, verifica-se que as práticas escolares, em muitas situações, se
97

constituem um lugar de manifestação da violência presente no imaginário dos grupos que


interagem no interior da escola.
98

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102

ANEXO I

Descrição das Entrevistas

Roteiro básico de entrevista

I – Gestor
01 – Defina a palavra violência.
02 – O que você entende por violência escolar?
03 - Há manifestações da violência no espaço do CEU ÁGUA AZUL?
04 – Quem são os agentes da violência no espaço do CEU?
05 – Como o espaço do CEU pode contribuir para redução da violência na comunidade?
06 - É possível afirmar que o trabalho das unidades que compõem o CEU é articulado?
07 - Qual a participação do Gestor nesta articulação?
08 – A exclusão do aluno por falta de dinheiro de alguma atividade organizada pela escola
pode ser considerada uma manifestação de violência?

II – Professores

01 – O que você entende por violência?


02 – Em sua opinião, há relação entre desigualdade social e violência escolar?
03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?
04 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?
05 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?
06 – No espaço do CEU há violência?
07 – Como o espaço do CEU pode contribuir para redução da violência na comunidade?
08 - É possível afirmar que o trabalho das unidades que compõem o CEU é articulado?
09 – A exclusão do aluno por falta de dinheiro de alguma atividade organizada pela escola
pode ser considerada uma manifestação de violência?
103

II – Funcionários

01 – O que você entende por violência?


02 – Em sua opinião, há relação entre desigualdade social e violência escolar?
03 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?
04 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?
05 – Em sua opinião indisciplina e violência são sinônimos?
6 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?
7 – Há na escola alguma regra que você considera que injusta?
8 – O que pode se feito para combater a violência na escola?
9 – Como a família pode ser trazida para dentro da escola?
10 – Qual a lição que você aprendeu na escola sobre violência?

III – Alunos

1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
2 – Quando há desentendimento entre os alunos como é resolvido?
3 – Como são resolvidos os conflitos entre alunos e professores?
4 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?
5 – Há na escola alguma regra que você considera injusta?
6 – Em que lugar da escola mais ocorrem situações de violência?
7 – Quem são os responsáveis pela prática de violência na escola?
8 – O que pode ser feito para combater a violência na escola?
9 – Qual a lição que você aprendeu na escola sobre violência?
10 – Você já sofreu violência na escola ou conhece alguém que já sofreu?
104

ANEXO II

ENTREVISTAS COM GESTORES

ENTREVISTA 1

Maria – Assistente de Diretor de Escola

01 – O que você entende por violência?


Pra mim, é curto e grosso, é a falta de respeito que eu tenho com o outro. Não importa o
sentido que for, pra mim, o fato de eu poder discordar de uma ideia tua, mas pra isso eu não
preciso usar de violência seja ela verbal, seja ela física, seja ela emocional para fazer com que
você concorde comigo. Então a falta de respeito com o outro, e isso você vê muito dentro da
escola. Você tem a violência física? Tem. Você tem do aluno para o professor, mas você tem
do professor para com o aluno. Agora o que leva a essa violência? Para mim também é uma
incógnita, talvez o stress, talvez o cansaço, talvez a falta de estimulação que o professor tá
tendo, porque a culpa não é do aluno, mas também não é do professor. Você tem um sistema
que tá posto, que eu acho que o próprio sistema, em muitas situações, ele te induz a um ter
gesto violento, né? Quando eu tô numa sala de aula, por exemplo, eu já fiz isso como
professora, hoje eu consigo avaliar que foi errado, eu agi de uma forma violenta. Eu vou
contar, é um caso que aconteceu em 93 numa Escola Estadual no Ipiranga , uma escola
extremamente conceituada, onde eu tinha um aluno que chamava-se Renato. Esse aluno
ninguém controlava, ele batia no professor, ele tinha uma série de itens. Eu peguei esse aluno,
eu joguei esse aluno na parede, eu segurei ele pelo braço, eu literalmente joguei, e olhei bem
pra ele e deixei bem claro “Você pode mandar em todo mundo, mas em mim você não vai”.
Eu falei, ainda eu usei o termo adestrar “Eu te adestro, nem que demore um dois anos”. Eu
fiquei nessa escola durante três anos, foi de 93 a 95. Eu encontrei esse aluno no meu bairro
em 2000, ele é um homem que tava indo pra Universidade, pra mim aquilo que eu fiz com ele
estava errado, foi violência eu pratiquei violência com aquela criança, os pais não me
procuram para me questionar, a direção não me procurou para me questionar, porque eu tive
aquela atitude, mas esse menino durante os três anos que eu fiquei naquela escola não saia de
105

perto de mim, o que ele queria? Carinho, atenção, é lógico! Depois eu parei, repensei, tava
tudo errado! A forma como eu agi, eu atingi o objetivo, mas de forma errada. Hoje, é obvio,
eu não faço mas dessa forma, mas assim se eu tiver que dar bronca se eu tiver que pegar no
pé, se tiver que falar , eu vou dar bronca, vou pegar no pé, vou falar. Assim, esse aluno em
específico, ele até veio me procurar, “A senhora lembra quando a senhora me jogou na
parede?” “Eu lembro”. Eu não o reconheci na rua, mas ele me reconheceu e me chamou e eu
falei “Eu lembro” ele falou “Então hoje sou homem”, quer dizer de uma forma errada, mas eu
atingi o objetivo, né? Hoje eu não faria dessa forma, é óbvio, eu era imatura, eu tinha um ano
só de magistério. Então assim foi muito precoce, eu não tive orientação certa, isso pra mim foi
uma forma de violência. Quando eu estava como Diretora no Heliópolis, eu enfrentava
violência verbal e até passei pela violência física todo o dia, então era um contato diário,
lidava direto com o tráfico de droga, aonde pra mim aquilo dentro da escola era uma forma de
violência. Eles me afrontavam, fumando baseado na minha cara, baforando na minha cara, até
o dia que eu arranquei da boca do menino olhei pra ele e pisei em cima, ali eu comprei a briga
né, mas ali eu adquiri respeito, daquele dia em diante eu não tive mais droga dentro da escola.
Eu tive que chamar o líder da boca, conversar com ele, sentar, e a partir daquele dia eu tive
uma conquista, tanto que ele disse pra mim “A senhora soube me respeitar, a senhora chamou
e conversou, então a partir de agora não tem mais droga dentro da escola!” e realmente não
teve. Eu acredito que, assim, lá eram casos muito extremos, aqui na escola em que a gente
está, no CEU Encontro com o Presente, eu considero que as pessoas são muito carentes, eu
acho que a forma de violência deles que eles têm é assim os pais, muitos são separados, que
não conversam. Então vem o pai te conta uma coisa, vem a mãe e te conta outra, aí você fica
numa berlinda, não sabe em que você acredita. Você tentar pondera, avaliar, aí a criança aqui
dentro, ela é dita como agressiva não aprende e o que que nós professores fazemos? A gente
na maioria das vezes quer por para fora, quando deveria ser ao contrário, a gente teria que
acolher. Só que eu também não me sinto preparada para fazer isso, eu acho que eu tenho
muito a aprender sobre isso ainda. Como é que acolho uma criança que de repente mandou a
professora tomar naquele lugar? Como é que eu lido com esta situação? Eu tenho dificuldade,
uma conversa, um diálogo, chamar o pai às vezes é pior porque o pai vai espancar essa
criança em casa, então isso talvez piore essa situação. Talvez se a gente tivesse, né, não sei
qual a varinha de condão aí, uma outra forma de conversar, de chegar nessa criança, de tentar
abrandar a situação dela,mas a gente sabe que a hora que ela passa do portão da fora o que ela
vai viver lá fora é pancada, é grito. Então eu acho que assim, não consegui ainda vê, mas eu
acredito eu que se professores, eu gostaria muito que acontecesse isso já o ano que vem. Nós
106

passamos por uma situação muito delicada com uma professora anteontem e um aluno, ontem
foi a formatura, esse aluno se formou de uma forma talvez injusta, eu acho que foi, isto pra
mim foi uma violência praticada com a criança, com a professora, e nós temos que ceder a um
sistema que está imposto, isso daí assim me deixou bem chateada. A forma como foi
resolvida, pra mim, foi uma violência contra a gestão e contra os professores da escola, tinha
uma única envolvida, mas eu envolveria todos aí no sistema, porque esse aluno chegou na 4ª
série, mas ele teve a professora da 3ª, da 2ª, da 1ª e todos especialistas. Então ele não teve uma
única professora que reteve ele, ele teve um grupo de professores que não conseguiu
contribuir para aprendizagem dessa criança. Então isso pra mim é uma violência praticada
dentro da escola, nós não estamos dando conta da aprendizagem desses alunos, agora como
resolver isso? Não sei, talvez assim estimular mais o professor, eu acho que o professor está
desestimulado, talvez sim, não quero que envolva salário, porque pra mim isso não é dinheiro.
Então é assim, o grupo ele tem que ser mais coeso, mais unido, e o grupo quando eu falo é
secretária, direção, coordenação, professor, limpeza, cozinha, ele não tá falando a mesma
língua, porque o aluno às vezes sai com a maçã no intervalo e ele toma bronca, mas o inspetor
deixou ele sair com a maçã, e o inspetor sabia que ele não podia sair com a maçã, aí o outro
que pegou ele lá fora, deu a bronca, então ele tomou um bronca de graça, porque se o primeiro
tivesse falado “Olha, o alimento é pra ser consumido dentro do refeitório” é simples, não
precisa gritar, não precisa falar alto, é orientar. Então talvez a gente tá pecando na fala, na
comunicação, que é uma coisa que eu falei que eu acho que a gente falhou muito, a escola
ainda falha muito, e a comunicação ela gera sim essa violência, porque as coisas chegam
todas conturbadas e aí um explode com outro, que explode com outro, desnecessariamente,
mas é complicado você lidar com pessoas.

02 – Em sua opinião, há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Diretamente não, porque desigualdade social, a violência existe dentro dos grandes colégios,
se você pegar um colégio de ponta, um Dante Alighieri da vida, um Morumbi da vida, um
Arquidiocesano da vida, onde o pai paga a mensalidade de meio período de R$ 900,00 reais,
talvez porque uma média que dá pro pai. Lá dentro também os alunos são violentos, não sei se
teria uma relação direta, talvez é assim a violência deles é outra, é a violência do assim “Eu tô
pagando, cala a boca”. Então eu já ouvi isso né, já passei por isso também, do “Cala boca,
meu pai paga seu salário”. Isso pra mim é uma forma de violência,e o cara não tem problema
social nenhum e nem desvantagem aí, aqui sei lá, eu acho que ele traz, a violência não está
dentro da escola. Na minha ótica, ela vem de fora, vários casos eu peguei esse ano aqui, tipo
107

“Você ficou com a menina que eu tava afim” ou “A treta começou lá fora e eu vou resolver
ela aqui dentro”. Isso não tem desigualdade social pra mim, são fatos que acontecem isolados,
externamente, que independem de fator dessa desigualdade, independe, a criança acaba
trazendo pra dentro da escola, independe se ela está numa escola da periferia ou se ela está em
uma escola de ponta, e ela leva para dentro da escola e ela quer resolver lá, talvez por que ?
Porque a escola, não sei, né, ela é forte, ela é forte dentro da sociedade, só que a sociedade
não valoriza essa força. Como a família é forte lá fora e também está perdendo os valores,eu
acho que são os valores, talvez eu vou entrar em valores. Aí se a família soubesse o quanto ela
é importante na educação da criança e se a escola soubesse o quanto ela é importante na
educação da criança, os dois dessem as mãos, independente de classe social, as coisas
caminhariam melhor, porque você vê nas grandes universidades acontecendo barbaridades
não precisa, eu acho que não tem uma relação tão direta assim não na minha visão.

03 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


O aluno, o aluno, eu vou bater o pé que é o aluno, é o aluno, porque na maioria das vezes o
adulto ele usa daquilo “Eu mando você faz, então cala boca!” E a criança ainda não tem essa
força, ela tá lá para obedecer, por isso que eu gosto assim é pro meus filhos eu não procuro
uma escola tradicional onde ela trabalha dessa forma, eu procuro uma escola assim onde a
criança seja ouvida, ela tem a voz de fala, ela tenha a voz de voto. Aqui não existe isso ainda
né, quando você tenta fazer isso a criança é reprimida, por exemplo, chega um caso o
professor traz a criança, ele quer primeiro que você ouça ele pra depois ouvir a criança, e
porque eu não posso acreditar na criança falando. Será que a criança, como dizem “a criança
mente muito, a criança aumenta muito” será? Uma criança de 08 anos, ela sentou comigo e
aconteceu aqui, “Não, tia, mas a professora fez isso, isso, comigo”. Aí eu falei “É” então eu
falei “Mostra pra tia como foi ?” E a criança disse “Assim assim, assim” eu falei “Ah, tá”
chamei a professora e falei “Vamos abrir o jogo. Aconteceu?” “Aconteceu...” Então a criança
não mente tanto assim, ela não aumenta tanto assim, e porque na maioria das vezes a gente dá
razão para o adulto e não para a criança, isso eu me questiono bastante, aconteceu muito aqui,
bastante .

04 – Quem são os agentes da violência no espaço do CEU?


Eu acho que todos nós, eu acho que todos nós, a maior vítima na minha opinião é o aluno,
porque o meu foco de trabalho é o aluno. Agora o sujeito é o adulto, que sai educando essa
criança, seja ele diretor, assistente, coordenador, professor, inspetor,a tia da limpeza, a tia da
108

cozinha, pra mim o sujeito é ele, você pegar e colocar prato de comida e jogar o prato de
comida para criança pegar como se ela fosse um porco, isso eu não aceito, e todas as vezes
que eu vi isso acontecer, eu cai em cima, eu não aceito, eu não concordo, você dá bronca. A
criança tá pra se educada, ela tem que ser corrigida, você tem conversar, ser mais severo, eu
sou muito brava quando eu dou bronca, eu sou extremamente enérgica, mas assim eu acho
que a criança precisa da bronca, precisa saber o porquê, mas ela tem que ser ouvida. Será que
toda as vezes ela tá errada? E assim quando você começa a ouvir mesmo os adolescentes que
eu peguei né, e aí você ouve os bastidores da história da criança, então quando você ouve.
Nós tivemos dois casos, não vou mencionar o nome das crianças, mas assim, a criança não
aprendeu e ela tá deixada lado, quem foi o sujeito que usou de violência com ela, fui eu, que
deixei ela deixado de lado, dentro da sala aula. Eu me sinto muito frustrada por esses dois
casos, porque eu não consegui resolver, então assim eu abandonei, eu não tive competência,
não tive habilidade, não tive talvez coragem de ir mais a fundo e tentar ajudar essas duas
crianças. Elas chegaram pra mim com determinado problema e terminaram 2011 com esses
problemas e talvez até outros, que eu não consegui atingir, então eu fui o sujeito, então eu não
ajudei em nenhum momento, talvez até tentei,mas não tive esforço suficiente pra terminar
isso. Pra mim todos.

05 – Em sua opinião indisciplina e violência são sinônimos?


Não, não, não necessariamente. Uma criança violenta é uma criança indisciplinada e vice-
versa, não concordo, eu acho que não são, não. Existem crianças violentas por determinadas
motivos, pra mim, na maioria das vezes, a criança indisciplinada é porque ela tem vergonha
de ir para o diálogo, só que a gente ainda não conseguiu chegar nessa criança ou adolescente
que seja e trabalhar com ele, porque assim, se você parar para pegar os indisciplinados da
escola, eles não sabem, eles não sabem por que? Por vergonha, eles não conseguiram aprender
com ninguém. Vou chutar pela 8ª série, nós tivemos vários casos, o garoto chegou numa 8ª
série com pouco conhecimento formal, porém com muito conhecimento informal que ele traz
ali do portão de fora, e se você conversar com esse adolescente, eu tive uma lição de vida com
ele. Agora você vai falar pra mim que esse garoto não sabe, ele sabe, ele sabe muito mais do
que eu, determinada coisas ele domina muito mais do que eu, ele não tem o conhecimento
formal que a sociedade exige e que tá imposto para escola passar pra ele. Só que eu não soube
aproveitar o conhecimento informal dele para mostrar para ele que o conhecimento formal a
sociedade exige num futuro próximo então eu não consegui fazer isso pra ele. Agora, a
criança violenta, na maioria das vezes, ela tem problema, ela tem algum distúrbio psicológico
109

que é causado pela família, ou ela tem algum distúrbio que ela nasceu com ele a família não
aceita, não busca tratamento. Como é o caso, por exemplo, de um aluno da 3ª série, e esse
aluno é violento, ele chegou até bater em mim, aqui dentro, mas ele tem problema só que a
família não cuida dele, porque quando eu coloquei ele no meu colo, ele era um bebê, ele
precisava de colo, só que a família não teve discernimento, embora a gente alertou, avisou. Aí
o que que aconteceu, ele se mostra violento, mas o caso desse menino específico, ele não era
indisciplinado, ele era apenas violento e assim ele não teve ajuda necessária externa que
precisava. Tem um monte de casos, se a gente for,você consegue diferenciar, “Não, essa
criança é violenta, não, essa criança ela é indisciplinada” E ela é indisciplinada por quê?
Porque ela esconde, o que ela tá escondendo? Do que ela tem vergonha? O que ela não sabe?
É vergonhoso estar, talvez numa 7ª série, não sabe redigir um texto, eles pensam “Se eu fizer
isso os outros vão ver. Então o que eu vou faço: vou zoar, vou bagunçar”. Agora tira ela da
sala, ele produz e produz bem.

06 – No espaço do CEU há violência?


Muito, as crianças não podem usar, elas não podem usar o que elas podem a hora que podem,
isso pra mim é, um exemplo bobo vai. Elas tinham uma gincana interna da escola, elas tinham
que ensaiar, aí “Ah! Não, Back não pode”, “Ah, não, na quadra não pode”, “Ah, não sei aonde
não pode”. Ué, o CEU não é da comunidade? Eu não sou cidadão, eu não tenho direito de
entrar e sair a hora que eu quiser? Esse espaço é público, é da comunidade, desde que a
criança tivesse uma orientação: “Olha você vai ensaiar nesse canto aqui, mas eu quero que
vocês tome cuidado, não quebrem o lixo, não piche as paredes, não danifique o material”. Eu
digo assim “Usem”, só que aqui não acontece, eles são tolhidos o tempo todo como eu já vi
eles saírem da aula, quererem bater uma bolinha na quadra, não dá meio dia, às duas não pode
usar a quadra. Hello, tem algo estranho aí no ar!

07 – Como o espaço do CEU pode contribuir para redução da violência na comunidade?


Eu acho que eles tendo mais liberdade aqui dentro, o trabalho que tem, a meu ver, é muito
legal, a concepção, a ideia de CEU, vamos colocar a EMEI, CEI, EMEF e o complexo,
porque aquilo ali é um complexo, onde tem diversas aulas, né, tem balé, tem judô, tem
capoeira, tem futebol, tem natação, tem xadrez, sei lá. Eu acredito muito até mesmo por ser da
área de educação física que o esporte educa, educa por quê? Porque ele tem regras , foi por
isso também que eu fiz educação física, porque eu acredito em regras, nada vive sem regra,
uma casa não vive sem regra, a sociedade não vive sem regra, e a criança bem educada é
110

educada embaixo de regra, é isso que eu acredito. Ele tem tudo para contribuir, só que assim,
talvez falta aumentar o número de vagas, não sei assim se precisa maior oferecer, porque só
nós aqui, é lógico não vão atingir 100%. Vamos colocar a EMEF, nós temos 1700
matriculados, frequentes 1300 e pouco frequentes, se eles conseguirem atingir 700, que seria
50%, essas crianças não ficariam na rua. Então, assim, talvez o espaço, ele não é tão grande
quanto parece ser, porque uma sala para ter aula de balé, ela comporta, ela tem uma metragem
quadrada que ela comporta talvez 20 crianças, talvez precisasse aumentar o número de hora
aulas, pra você conseguir atingir uma maior número de criança, porque tem criança do lado de
fora querendo entrar e não consegue a vaga. Então eu acho que a criança aqui dentro com
essas diversas atividades auxiliaria sim a diminuir a violência na rua, porque enquanto ela fica
na rua, ela vai continuar a ser violenta, porque a rua não tem muita coisa legal para ensinar
não. Agora, se ela tivesse aqui, no famoso contra turno, ela conseguiria, mas isso não
acontece e tá muito longe de acontecer.

08 - É possível afirmar que o trabalho das unidades que compõem o CEU é articulado?
Não, ainda não, totalmente não, tá muito longe disso, até porque é assim o Projeto Político
seja CEI, seja EMEI, seja da EMEF, já que nós temos a oportunidade de sermos vizinhos eu
pelo menos nunca presenciei uma troca de figurinhas: “Que que rola aí na CEI? Que que rola
aí na EMEI? Me dá o teu projeto pra eu ler que eu vou te dar o meu, vamos marcar um
encontro?” Eu não presenciei ainda, pode ser até que venha acontecer, mas eu acho que é
assim se a criança entra na CEI, passa pela EMEI e depois vem pra mim. Se eu conhecesse o
que é trabalhado aqui, com meu vizinho, talvez eu conseguisse melhorar o meu projeto,
porque eu já sei o que eu tô recebendo, então talvez eu pudesse melhorar o meu projeto. No
caso do CEU, o Projeto ele está em construção, ele não existe, ainda, ele é um projeto fraco,
eu acho que ele ainda tá muito fraco, eu diria que ele tá no ventre materno, ele tá sendo gerado
pra nascer, talvez se solidificar uma equipe que ainda não está sólida aqui dentro, ele venha
nascer e dar frutos, mas nesse momento ainda não, eu acho que ainda tá muiiiito fraquinho.

09 – A exclusão do aluno por falta de dinheiro de alguma atividade organizada pela escola
pode ser considerada uma manifestação de violência?
Com certeza, até porque é proibido cobrar qualquer coisa, então é assim, é mesmo nesses
pequenos passeios, vamos colocar assim, que acontecem isso é uma forma de exclusão, ou
tem pra todo mundo ou não tem pra ninguém. Então como o ensino é publico, é gratuito
deveria ter pra todos. Então, mas não tem, não é o que acontece, existe quando tem um
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passeio, quem vai ao passeio? Os melhores. E os outros? Eles são sorteio? Nossa, que sorteio
estranho né? Não é sorteio, é uma escolha feita por sujeitos atuantes que estão lá pra educar,
agora porque não a gente fazer uma tentativa de levar os ditos indisciplinados, será que aonde
eles forem eles vão ser indisciplinados? Eu já fiz isso, de verdade, pra esfregar na cara das
pessoas que lá fora eles não eram indisciplinados e eu obtive exatamente o resultado esperado,
eles foram os melhores. Eu não tive problema dentro de ônibus, eu não tive problema no
local, eles adoraram o passeio, não tive criança sendo mal educada com ninguém, muito pelo
contrário, e eles eram os excluídos. Eu já tive essa experiência, e assim gente podia até pensar
fazer aqui pra ver, eu acho que seria legal, fazer isso, pegar a nata da escola e falar “Vocês
foram escolhidos , então vocês foram escolhidos para mostrar que vocês tem capacidade,
então agora vocês terão capacidade mostrar que tem capacidade”. Eles vão mostrar, tenho
certeza disso, vamos tentar.
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ANEXO III

ENTREVISTAS COM PROFESSORES

ENTREVISTA 1

Jordana – Professora de Ensino Fundamental I - no magistério há aproximadamente 4 anos.

01 – O que você entende por violência?


Violência agressão, né? Tudo aqui que fere, física ou emocionalmente, moralmente, eu acho
que é isso.

02 – Em sua opinião, há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Tem, porque é assim, não que seja justificativa pra violência, mas que deve colaborar eu
acredito que sim, porque cada vez que a pessoa é privada de seu crescimento, seja cultural,
financeiro, vai interferir. Eu acredito que sim, mas não seja esse o motivo, deve ser uma
relação por questão de, digamos, quanto menos a pessoa tenha oportunidade, né, menos ela
vai pode se apresentar de uma outra forma que não a violência, né? Ela vai encontrar outros
meio de resolver as coisas, mas não, mas uma vez não é esse o motivo. Eu acredito que não
seja esse o motivo para a violência

03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?


Diversidade e violência escolar, sim, as diferenças, principalmente, as óbvias, né? As de raça
de, hum..., de desigualdade mesmo social. Eu acredito que sim, são motivadores de violência.

04 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?


Que situações do cotidiano, com relação às crianças mesmo, no trato umas com as outras? (De
novo a pergunta) No cotidiano.... Nossa, agora uma exemplo... Ah! Violência no sentido
assim, uma criança desamparada que a família não acompanha é uma maneira de tá
praticando a violência né? Porque é o desafeto, o desamor, a falta de preocupação com aquela
criança, que a gente percebe muito presente por parte dos pais, acontece muito. É uma
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maneira sim de violência, né? Acho que isso é o que me ocorre agora. (E dentro da escola?)
Dentro da escola... quando uma criança mesmo ofende a outra por motivos como a gente já
falou da desigualdade, da diferença, da diversidade, por raça, por religião,outras coisas. Acho
que são os que mais me ocorrem agora.

05 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


Principais vítimas? Ah, penso que todos os envolvidos, né? Os principais são aluno e
professor, porque professor que acaba tendo que se relacionar com crianças de diversos
mundos e ao mesmo tempo assim com todo essa situação que a gente tem, a gente tem que dar
a cara a tapa mesmo muitas vezes. Eu não tenho apoio e a criança porque acaba perdendo
diante de todas essas condições com isso, eu acho que alunos e professores são as principais
vítimas.

06 – Quais são os sujeitos da violência na escola?


Eu acho assim, que a princípio próprio sistema, né? Não objetiva a qualidade e sim a
quantidade, números e a gente vê na prática que não se reflete em boa educação, e a partir
desse sistema que objetiva essa quantidade no atendimento a maioria dos alunos, não tem uma
boa qualidade com relação a educação oferecida, mas partir desse objetivo que já é distorcido,
vai se gerando vários sujeitos dessa violência, né? E mesmo o aluno e o professor sendo
vítima são sujeitos praticantes dessa violência, né?

07 – Em sua opinião indisciplina e violência são sinônimos?


Indisciplina e violência não necessariamente, casos de indisciplina seriam aquelas crianças
que a gente diz que não estão obedecendo às regras, mas que a gente ainda consegue
contornar. A violência é já é uma agressão né? Não vai haver diálogo nessa situação, eu penso
dessa forma.

08 – Você relação entre injustiça e violência?


Sim, muitas vezes uma pessoa injustiçada ela parte, acaba de uma maneira violenta, né, se
colocando, mas é difícil diante da injustiça a gente procurar uma forma delicada, (risos). Eu
acho que sim, que há relação sim, uma vez que a pessoa tá sofrendo injustiça de alguma
maneira ela vai se fazer ouvir, mas o seguinte não é a maneira mais correta, né?
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ENTREVISTA 2

Socorro – Professora de Ensino Fundamental I – no magistério há 3 anos.

01 – O que você entende por violência?


Acho que é qualquer agressão física ou moral que se faz a alguém, mas uma ofensa, um tapa
são tipos de violência.

02 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Não, não, porque senão onde há alunos de classe mais alta não teria violência, né? Há
violência em outras classes também, não só, ela tem uma relação maior talvez, a violência nas
escolas em que a classe é menor, né? A classe social, a classe econômica é a violência é
maior, mais isso não quer dizer que nas outras classes não tenha violência no âmbito escolar,
tem sim.

03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?


Eu vejo porque, pela falta de valorização assim do ser humano na escola, a gente mesmo
tentando ensinando as pessoas, os alunos se conscientizarem da igualdade de direito e de
deveres, mesmo assim eles, é a questão social. Está muito ligado à questão do preconceito, em
casa, às vezes, eles aprendem de forma diferente, aprendem a se separar do colega porque ele
é de uma outra raça. A gente tenta, mas a violência também está ligada à diversidade dentro
da escola.

04 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?


O bullying, né, que é o maior, acho que o mais atual, que não respeita as diferenças, as
pessoas, elas não aceitam o que é diferente dela, né? E agride o outro, tanto moralmente,
quanto fisicamente, essa eu acho que é a maior intolerância, não aceitar o outro como ele é.

05 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


Todos, todos são vítimas, é a escola, né, a escola é a vitima. A gente, no caso que citei o
bullying, a gente tenta trabalhar também a valorização, né, como eu falei a valorização do ser
humano. Eu acho que, assim, as pessoas eles tinham que ter um pouco de mais auto estima, a
gente tenta trabalhar essa auto estima para que as pessoas não aceitem a agressão, mas é muito
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difícil, muito difícil você virar as costas. Você achar que “Ah, vou deixar pra lá, vou deixar
prá lá...” A violência atinge todo mundo dentro da escola, eu acho que desde o aluno até todo
a equipe, né, ela atinge a todos.

06 – Quais são os sujeitos da violência na escola?


Todos também, todos também, pela intolerância, né, todas as partes elas são envolvidas. Elas
são vítimas e são sujeitos na questão da violência dentro da escola, é aquele que vê uma
violência, uma agressão acontecendo tanto moralmente como fisicamente e nada faz. Ele é
conivente com aquilo, ele é de certa forma, ele também o agressor, né, ele não fez nada, ele
também é o agressor.

07 – Em sua opinião, indisciplina e violência são sinônimos?


Não, indisciplina é falta de limite, falta de limite de pais, indisciplina dentro da escola é falta
de limite dos pais, falta do acompanhamento escolar dos pais, isto não está relacionado com a
violência. Nem sempre aquele aluno indisciplinado é violento, ele é só, ele não consegue
parar quieto, não fica no lugar, ele mexe com todo mundo, mas nem sempre isto caracteriza
uma violência.

08 – Você relação entre injustiça e violência?


Vejo, eu vejo, nem sempre aquele que comete violência são, a injustiça ela é, a justiça ela não
é, favorece realmente, não há justiça para quem não comete a violência, né, pelo contrário
quem comete a violência parece que tem uma justiça maior, é direitos humanos tudo mais,
não que eu seja contra isto. Eu acho que as pessoas tem que ser respeitadas enquanto ser
humano, só que tem que pensar também que aquela pessoa violou o respeito de uma outra
pessoa, e a injustiça tá ligado a isso, nem sempre a justiça condiz com o fato.

ENTREVISTA 3

Emanuel – Professor Ensino Fundamental II – no magistério há 23 anos e na como


coordenador pedagógico há 2 anos.
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01 – O que você entende por violência?


Na minha concepção, violência é qualquer manifestação que venha a violar o direito do outro.
Essa violência pode ser tanto verbal quanto física , nas escolas ambas acontecem, né, se
destacam mais a física, na adolescência, no período juvenil no ensino fundamental, acontece
mais a física, e depois desse aparecimento do bullying, que não deixa de ser uma violência,
teve um acréscimo maior. Então, na verdade, as crianças praticam essa violência sem saber na
verdade o que tá acontecendo, elas praticam bullying sem saber o que tá praticando, então, pra
mim, violência tem esse significado, quando você viola o direito do outro, então é isso que é
violência.

02 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Eu acho que não, eu acho que eu não relaciono não, há quem relacione, eu não,haja vista que
você vê escola aí de nível, de nível alto de classe média alta e até existe uma certa violência
lá, talvez não na mesma proporção que há nas escola de periferia, existe violência sim. Então,
na minha opinião, eu acho que não tem essa relação , eu não faço essa relação.

03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?


É pode ser que tem alguma coisa a ver assim, mas eu não vou concordar com 100% não, mas
pode ser que tenha a ver sim, essa diversidade incluiria tudo, né? Cor, gênero, é até tô dizendo
em relação ao social mesmo, de condições, de condições financeiras, de família, então aí vai
entrar tudo, todos os tipos de preconceito, até sua classe social. Vendo por este lado existe
uma relação, existe uma relação sim entre diversidade e violência escolar.

04 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?


Ah, não! Tem muitas, isto parte até da gente mesmo, até dos próprios educadores. A gente
costuma ver só o lado das crianças e acaba esquecendo o nosso. Sei lá, até o jeito áspero como
a gente trata eles, às vezes no stress do cotidiano, no nervosismo que você chega em
determinada unidade escolar, né, nossa carga horária é muito estafante então você sai de uma
escola e depois vem pra outra e tal, e todo o sistema escolar como está estruturado. O
professor já está meio estafado, o professor acaba respondendo asperamente para o aluno,
basta o aluno fazer um simples pergunta pra ele descarregar, isto é uma violência. Daí a
violência ela se agrava por coisas pequenas, ela começa pequena, então desde o momento que
eu começo responder mal pra uma pessoa, responder mal, a tendência é essa pessoa aumentar
a chance de ficar com raiva de você. Então eu acho que há sim, é então que situações? Em
117

diversas situações há violência, começando desde os professores, mesmo alunos, né, e aí vai
se espalhando para todo que não é tão relevante, entre eles mesmos, às vezes uma brincadeira
que poderia ser uma brincadeira, não sei se posso tá falando isso mas, é então às vezes a gente
interpreta que eles estão brincando, às vezes a brincadeira é uma coisa séria, às vezes é
xingamento, é que não vou lembrar de todas aqui, mas tem diversas situações sim.

05 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


Ah, isso aí é tão fácil! Ah, eu acho assim, aí, né, eu vou entrar no caso do preconceito e da
desigualdade, então eu vou começar falando dos bons alunos, pra mim bons alunos, aqueles
chamados de CDF, eles são as principais vitimas. Nós estamos num nível escolar, que a
escola está esquecendo de valorizar os bons alunos, aqueles que vem realmente pra estudar, e
dando chance pra aqueles que não querem fazer nada sempre pela política, pela política
educacional mesmo. Acaba protegendo essas pessoas e aqueles que realmente vem estudar pra
se sentir, para se interagir com o grupo, acaba indo para o lado deles e nem fazendo o que se
deve fazer na escola, que é estudar pra se sentir né, se sentir no grupo. Então quando eles não
aceitam essa ideia, aí eles são vitimas dessa violência, e depois vem as meninas, e depois vem
os negros, e daí vai entrar tudo aquilo que falei anteriormente. Começa a brincadeira, o
bullying, a tiração de sarro, etc e tal, onde começa a ter a violência, né? A violência de
diversos tipos, na minha escola mesmo eu tenho, eu tenho criança lá que tem que pagar
pedágio, eles pagam, e se não der dinheiro apanham na saída , e quando você pega os meninos
que são, que tão sendo vítima, justamente são esses que acabei de descrever, são aqueles
alunos mais quietos, que vão tudo bonitinho, com material, que tá a fim de estudar, e eles que
são vítimas, porque essas pessoas não vão pegar aqueles mais espertinhos, porque eles
também tem medo de ser vitima desses outros mais espertos. Então eles tão sempre
procurando aquelas vítimas que ficam mais acuadas, então pra mim, as principais vítimas são
esses meninos que ele vem pra escola com intuito de realmente estudar. Eles tem uma
educação diferenciada em casa, o pai ensina desde criança o que é ser honesto, o que é ser um
cidadão, o que é ser um estudante, então ele tem um norte pra seguir, esses são as principais
vitimas, eu não quero entrar em detalhes aqui de preconceito não de....

06 – Quais são os sujeitos da violência na escola?


Então, esses meninos que praticam esse tipo de violência são aqueles meninos que não tem
aparo da família, basicamente é isso. Aquele pai, aquela mãe que trabalha o dia inteiro, sai de
madrugada, e liga da condução pra vê se o filho acordou pra ir pra escola, só vê o pai 10h da
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noite, meia noite, às vezes, nem vê durante o dia, e eles tão largado, e ai eles fazem aquilo,
estão a mercê do mundão, eles fazem aquilo, isso é um, isso é um dos casos. Agora tem caso
também que ele tá com mãe ali, que a mãe nem trabalha, mas que a família é muito grande, de
08, 10, 12 irmãos, a mãe tá mais perdida que os próprios filhos e tá a Deus dará, então esses
meninos estão sujeitos a fazer qualquer coisa que um grupo de má índole vier chamar ele,
essas pessoas são os sujeitos da violência.

07 – Em sua opinião indisciplina e violência são sinônimos?


Não, ah não, pra mim, no meu conceito de indisciplina, indisciplina é quando você foge a
alguma regra. Tá certo que a violência tá fugindo a determinado regra, mas de repente o cara
ele pode ser violente no pátio, por exemplo, ou numa aula de educação física, ou violento nas
regras da escola e dentro do recinto ele seguir todas as normas de disciplina que é imposta
pela escola e ele passa batido, “ah aquele menino brigou na rua?” Você nem acredita,
ninguém acaba acreditando, mas ele lá fora é totalmente diferente, então eu vejo assim. É, a
violência faz parte da indisciplina, mas não que ambas sejam sinônimos não, eu não vejo isso,
eu não vejo.

08 – Você vê relação entre injustiça e violência?


Ah, eu vejo, aí eu vejo a relação, porque eu acho que quem é violento e quem pratica a
violência eles são muito injusto, são muito injusto. Eu daria até uma outra palavra no lugar de
injustiça, mas como não tem, eu vou tentar traçar um sinônimo aí mesmo que elas não sejam
sinônimos. Eu acho uma covardia, porque geralmente as pessoas que são violentas elas são
covardes, e principalmente na escola ou até mesmo na sociedade, tá vendo os skinheads, esses
e outros tipos de grupos, os homofóbicos, etc e tal, eles nunca atuam sozinhos, então eu acho
muito injusto isso, você entendeu? Eles não conseguem assim sozinho, porque se eles fossem
assim mesmo tão corajosos, tão violentos, se eles vissem um grupo de cinco homossexuais ele
sozinho homofóbico, ele ia lá tentar bater nos cinco? Ao contrário, ele sai correndo de medo,
agora se eles tivessem com cinco machões e vê um só lá acuado, aí vai querer bater. Então eu
vejo um relação de injustiça, mas eu acho injusto a violência, eu acho uma coisa assim que é
para banalizar mesmo, não banalizar a palavra, uma coisa que a justiça devia pegar mais
pesado com qualquer tipo de violência. Então acho que tem relação sim, acho injusto isso, eu
não consigo atinar.
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ENTREVISTA 4

Esmeralda – Professora de Ensino Fundamental II e Médio – no magistério há 22 anos.

01 – O que você entende por violência?


Pra mim violência é todo ato de agressão seja ela física, seja ela verbal né, tem aquela
agressão de bordoada, de bater, de destruir né, e aquela violência verbal quando a pessoa fala
uma coisa assim que agride a outra pessoa entendeu, verbalmente. Então pra mim existe esses
dois tipos de violência, tanto aquele parte para o lado da agressão física, como aquela que
parte para o lado da fala, da fala.

02 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Eu acho que não, eu acho que não, desigualdade social, porque assim tem pessoas que
agridem as outras, mas nem por isso eles vivem em uma situação inferior socialmente, não é
só porque você é pobre, que só você vai sofre violência ou praticar o ato violência. O ideal
seria não ter violência, eu acho que desigualdade social não tem a ver com violência... Tanto é
que a gente não vê nas escola mais pobre, é a gente ainda não chegou vê ninguém atirando em
ninguém né, com essa tendência mais acentuada que nem a gente quando a gente ouve nos
noticiários, né, a escola mas centralizada. Então assim a gente tem essa preocupação, graças a
Deus, eu dou aula em uma escola de periferia há muito tempo e esse tipo de agressão,
violência, tipo arma, tipo jogar cadeira, ainda não chegou lá, espero que não chegue e lá é um
bairro pobre, né? A gente pode dizer que é um bairro pobre, então não é porque eu tô inserida
numa comunidade pobre, não quer dizer que vai gerar mais violência dentro da escola. Eu não
concordo, eu não vejo essa relação, não só porque tem essa desigualdade, é mais uma coisa de
educação.

03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?


Ah, sim, uma relação até mesmo na classe mais assim inferior tem sim, o pessoal ainda é
pouco, a sociedade ainda é um pouco tradicional, né, tem aqueles valores, querendo ou não
ainda homem tem que ser homem, mulher tem que ser mulher. Então eu acho que tem uma
relação sim, entre diversidade e violência na escola, muitas das coisas, das picuinhas, muitas
da violência é gerada através disso nisso, uma brincadeira maldosa, quem nem como eu falei
no começo, a fala, né, chamado de viadinho, de sapatão, de negrinho, não sei o que. Ah, você
é o gordinho, também isso gera violência na escola, então tem uma relação sim.
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04 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


São os alunos, que entram dentro dessa diversidade, são vítimas, né? Vamos supor assim as
pessoas assim, que são diferentes, sofrem um tipo de violência aqueles alunos que tem um
poder aquisitivo inferior a outra pessoa, mesmo sendo os dois da mesma comunidade
entendeu? Eles sofrem um pouco de violência, quando eu falo de violência eu falo tanto da
verbal como da agressão física, se não é uma é sempre a outra. São essas crianças menos
favorecidas, excluídas eles sofrem essa violência.

05 – Quais são os sujeitos da violência na escola?


Eu acho que todos os envolvidos dentro ambiente escolar, eu não posso falar pra você que o
principal sujeito é o aluno, porque também tem professor que usa do seu poder de ser
professor, ainda existe ,né, que eu sou o todo poderoso, você vai fazer o que eu quero, do jeito
que eu quero, como eu quero. Então, tanto aluno, como professor todos estão envolvido no
ambiente escolar de um jeito ou de outro, acaba se envolvendo nesse ato de violência muitas
vezes tem “n” desculpa, as desculpas você vê, as justificativas são assim “n” justificativas,
né? Então assim tanto aluno como professor como diretor também, então dependendo do
contexto da situação gera uma violência, que pode ser, como eu já falei pra você a verbal e a
física, como são pessoas mais adultas a violência que gera esse professor, direção passa a ser
mais verbal. Um querendo determinar que aquele território ali, que aquele espaço ali, que ele
que é a pessoa maior ali, ele que tá ali no poder, ele que é, e o aluno sofre também essa
violência por parte do professor porque muitas vezes eles não são compreendidos. Muitas
vezes, o professor não está disposto a conhecer o aluno, ele que entrar lá dá a aula dele e
pronto acabou, porque ele acha que é só isso, que professor é só isso, e hoje em dia quem
entra nessa profissão seja num bairro pobre ou de um poder aquisitivo maior a primeira coisa
tem que conhecer a comunidade, o aluno para poder entender, porque ele responde dessa
forma, ou porque que ele fez aquilo, e não pra, pra ajudar, ou colocar mais “lenha na
fogueira”. Então eu acho que a gente tem que, antes de entrar num ambiente escolar, saber
quem é o diretor, a gente tem que ser um pouco mais passivo, a escola está num ambiente
muito nervoso né, muito cansativo , não é verdade? As pessoas estão muito aceleradas, poucas
são as pessoas que estão preocupadas com o outro, então estão pessoas estão passando ali,
“Ah, eu vim que só pra dar aula, o menino só veio aqui para atrapalhar”. E aí não para pensar
porque ele teve essa atitude, muitas vezes ele não comeu, muitas vezes tá passando por
problema em casa. Muitas vezes, os professores mandam chamar o pai ou a mãe e a criança
nem tem pai nem tem mãe, então assim antes de tudo, a gente deveria fazer assim uma, o
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primeiro dia de aula deveria ser assim, uma conversa mesmo pra conhecer, quem é o meu
aluno, e o aluno conhecer quem é meu professor? Para as pessoas saberem que, muitas vezes,
a gente vai entrar ali, a gente não está bem, a gente né? Eu falo assim de se conhecer numa
certa intimidade, é lógico que não muito aquela intimidade assim, mas numa certa intimidade
de você olhar o professor e falar assim hoje meu professor não está bem né? Ou mesmo assim
o professor “Ô hoje meu aluno não tá legal” dependendo do que eu vou falar, eu não sei como
que ele vai receber né? Assim fica no espaço da direção da coordenação, quer dizer no
ambiente escolar, o ideal seria que todos se conhecessem, ou pelo menos que tentasse não
fazer brincadeiras maldosas com pessoas que você não conhece. Eu sempre falo assim, você
tem que ter liberdade com aquela pessoa que você conhece, porque se você conhece, você
sabe se aquela pessoa vai aturar a brincadeira ou não, porque uma brincadeira acaba se
transformando numa violência, certo?

06 – Em sua opinião, indisciplina e violência são sinônimos?


Eu creio que não, né? Eu acho que não, porque a indisciplina está mais ligado, assim, no meu
entender, está mais ligada a falta de algo, se bem que violência também né? Mas não são
sinônimos, indisciplina ela é uma coisa mais leve, é uma... é um ato assim que não chega ser
uma violência, que é uma coisa de momento. Se bem que violência também, e agora você me
pegou, nunca parei pra pensar, deixa eu ver aqui comigo? Eu acho que tem assim elas tem um
perfil mas não chegam ser iguais, violência é algo mais violento, mais agressor né?
Indisciplina são infantilidades eu colocaria assim, sabe? Infantilidade daquela pessoa que não
tá preparada pra tá ali naquele momento, mas tá fazer o que com ele, né? Indicar caminhos
para que ele cresça, eu acho que indisciplina eu vejo como infantilidade e violência eu já vejo
assim como uma coisa mais assim irracional, sabe assim. Você vai, vai , tem um momento seu
de fúria e pronto acabou, indisciplina não, indisciplina tá todo dia ali assim, um menino joga
papelzinho no outro, sabe assim, é dá uma resposta meio assim para o professor,ou se
intromete na conversa que não foi chamado né? Agora violência já é mais assim aquela
agressão mesmo aquela coisa assim que você olha e que “Meu Deus, o que que eu tô fazendo
aqui, né?” Mas por que o menino teve essa atitude, eu acho que indisciplina é uma coisa mais
espontânea e agressão já é uma coisa exagerada, tá entendendo mais ou menos? Então são
coisas, são, tem a mesma linha, mas não seria sinônimos.
122

ENTREVISTA 5

Dinho – Professor de Ensino Fundamental II e Médio – no magistério há 33 anos.

01 – O que você entende por violência?


Bom o termo violência ela vem, vai abranger sim várias ideologias, mas a violência de uma
maneira, vamos supor, científica, nada mais é do que a descarga energética do próprio
indivíduo, tentando obter o seu êxito, é um dos meios da violência, ou outro item pode ser a
violência nada mais do que um processo competitivo para que o indivíduo posso também
obter seu êxito. Pode ser um outro termo também, a violência nada mais é do que aquele
processo pelo qual o individuo quer alcançar alguma coisa e fazendo com que ele tenta chegar
nesse momento aplicando qualquer maneira irregular para que ocorre o seu objetivo, é
abrange mais ou menos a violência é o que penso mais ou menos assim, entendeu?

02 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Sim, a base praticamente aqui, o processo de aprendizagem do indivíduo ele vem aqui, né? E
a parte principal vem de dento de casa, vem lá do pequeno grupo, pai, mãe etc... Então é aqui
que o indivíduo, ou seja, o aluno ele chega na escola, ele vai vê um ambiente totalmente
heterogêneo. Então, às vezes ele vai encontrar um ambiente ali que pelo qual ele se identifica
melhor, entendeu? Aí ali existe aquele conflito do meio social que ele convive e do que ele
aprendeu em casa, entendeu?

03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?


Diversidade? Tem, tem, por exemplo a violência escolar nada mais do que as atitudes
irregulares que não se deve ocorrer no meio que é a escola, né? E a diversidade nada mais é
do que os vários meios que infiltram nesse pequeno meio da nossa escola, então aí, veja bem,
existe a relação entre? Existe, porque vem o meio, vamos supor, o meio externo infiltrando
nesse meio daqui, que vai encaixar ou às vezes vai haver conflito, então existe com certeza.

04 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?


São várias, né, o meio pelo qual o aluno vem na escola sem ele ter uma noção do que é uma
escola, às vezes o aluno vem na escola por, vir mas ele tem noção, e o meio pelo qual ele
convive ele, não tem condições de relacionar pelo o que ele que precisa na escola, é
totalmente diferente do que ele está contido na escola entendeu? Então existe uma diferença,
123

nós temos aí o aluno que não quer estudar, o aluno que só quer bagunçar, a gente tem conflito
com o aluno que quer aprender. Chega um determinado ponto que pelo qual o aluno cansa e
ele observa que ele tá sendo enquadrado fora do grupo e volta a praticar atitudes irregulares, é
isso aí.

05 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


A vítima da violência escolar praticamente é aquele indivíduo que está contido nessa
violência, numa maneira que ele cria essa violência ou de uma maneira que ele está contido
assim junto no meio naquele grupo social, entendeu? Então aí no caso ele é uma vítima dessa
violência, né? Então na realidade aqui o que mais necessita da escola é o aluno, os professores
sofrem muito, porque sabe a noção do que é e do que não é, agora o aluno, praticamente, não
sabe se ele é uma vítima, ele vai sofrer agora e com o tempo no futuro, com certeza o aluno.

06 – Quais são os sujeitos da violência na escola?


É o sujeito da violência na escola são determinados vínculos que pelo qual o indivíduo acha
que vai obter um êxito que está contido num grupo não adequado, por exemplo, o aluno ele
está na escola e eu vim porque eu quero brincar, e eu vou brincar porque eu faço e comigo
nada acontece, entendeu? É um dos fatores, o pai praticamente manda o aluno pra cá por
vários motivos, ele, o principal não é pra estudar, hoje na sociedade o aluno ele vem, o pai vai
trabalhar, a mãe vai trabalhar, os irmãozinhos fica com a vovó, ele tem que vim prá cá, ele
tem um horário pra vim, o horário pra ir. Então é um dos elementos do qual é caracterizado
sujeito dessa violência que ele que vai sofrer constantemente essa violência, é o aluno
entendeu?

07 – Em sua opinião indisciplina e violência são sinônimos?


Veja bem, a indisciplina ela ocasiona a violência, entendeu? Então, você veja bem, com
certeza são sinônimos, então não vejo uma violência se não tem uma atitude indisciplinada
acontecendo no meio. Qualquer coisa errada está acontecendo que alguém do outro lado não
está concordo, e vai ocorrer o debate e esse debate esse confronto vai se tornar um atrito de
maneira diferenciada que é a violência propriamente dita na escola. A indisciplina, o
individuo que ele discute de uma maneira que não é adequada, já é uma indisciplina, a partir
do momento que dois indivíduos, duas pessoas discutem alguma coisa um fala com outro e
dois falam ao mesmo tempo não há condições, ai já está acontecendo o quê? Uma violência
de diálogo.
124

08 – Você vê relação entre injustiça e violência


A injustiça praticada por alguém no meio social pelo qual às vezes ela não está adequada aí
vai ocorrer uma violência ou já é uma violência né? Por que você está num determinado meio
pelo qual o assunto é X e você entra com assunto Y, não tá se adequando então tá sendo uma
violência para o assunto X, tá sendo uma violência para aquele meio pelo qual ele vai
participar, então é uma injustiça é uma violência.

ENTREVISTA 6

Eliana – Professora de Ensino Fundamental II e Médio – no magistério por 4 meses, antes


atuava como Guarda Civil Metropolitana.

01 – O que você entende por violência?


Ah, violência tudo que agredi as pessoas, psicologicamente, fisicamente, verbalmente pode
ser visto como violência.

02 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Ah! Eu acho que não, porque é uma coisa assim, porque existe a pessoa é de uma certa, sei lá,
de uma certa classe, que lá ela vai ser violenta, porque hoje nos sabemos que as classes
superiores, também tá lá, a violência também tá presente, tanto a violência na escola. Como a
gente tá vendo que é numa PUC, né, o pessoal lá todo tal de famílias boas, e aí tão fazendo
coisas na escola que a gente também não pode deixar de ver que faz parte de violência
escolar, então eu acho que uma coisa não tem a ver com a outro não.

03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?


Sim, aí sim! Ah, porque assim, discriminação, eu não gosto da religião de fulano, isso vai
gerar um certo conflito, pode gerar um confronto, pode gerar violência, porque você usa
óculos, porque você é gorda, o outro tá falando, porque vai bater, porque você é magro,
infelizmente esse mundinho que a gente tá vivendo vai acontecer essas coisas.

04 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?


É sim as relações pessoais, interpessoais, aluno com aluno, professor, professor e aluno,
professor com professor muitas vezes, direção e pai, direção e aluno.
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05 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


O aluno, você não acha?

06 – Quais são os sujeitos da violência na escola?


Às vezes, os professores mesmo, eu, você, né? Às vezes a direção, às vezes o inspetor de
aluno, às vezes os alunos também.

07 – Em sua opinião indisciplina e violência são sinônimos?


Não, não. Às vezes, assim, ser indisciplinado não quer dizer que ele vai ser violento, né, é
lógico alguns casos sim, ele é tão indisciplinado que nós vamos conversar com ele, ele se
torna violento com agente, quer xingar, quer bater, mas às vezes o cara é indisciplinado por
algum motivo particular dele, da família dele, ou às vezes ele que mesmo é chamar a atenção
da gente, a gente fala “Cala boca, cara” a gente não dá atenção pra ele, né, “Puxa, cara
chato”. Ele tá com problema lá e ele acaba não estando nem aí pra escola, então acho que são
coisas distintas.

08 – Você vê relação entre injustiça e violência?


Sim, sim, estamos conversando exatamente isso, ou mesmo assim você faz comete alguma
coisa fora daquele contexto, assim, e aí você fica, assim ou você é sempre pertinho, ou você
pisa na bola e, alguém já te taxa, já sei lá, já aplica alguma coisa injustamente a você.

ENTREVISTA 7

Neusa – Professora de Ensino Fundamental II e Médio – no magistério há 12 anos.

01 – O que você entende por violência?


Agressão física, moral ou verbal a qualquer pessoa de qualquer gênero

02 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Sim, devido as oportunidades, né, criar oportunidades no meio de vida, muitos são
selecionados, e essas oportunidades são restritas a alguns, nem todos quem não tem
capacidade, quem não tem conhecimento, desenvolvimento cognitivo bom, razoável, não
consegue acompanhar o desenvolvimento, acompanhar o ritmo da sociedade, que a escola
126

exige, que o emprego, a questão da empregabilidade dentro de um mundo, dentro do


desenvolvimento educacional conta muito e interfere muito na formação do aluno.

03 – Você vê alguma relação entre diversidade e violência escolar?


Vejo, porque a gente, nós encontramos exemplos aqui mesmo dentro da escola, nós temos
desde alunos que tem recursos financeiros, porém não tem recursos emocionais porque não
tem acompanhamento. Aqui na escola a gente sabe que a maioria da população a maioria da
comunidade, e ao nosso redor a COHAB foi criada como cidade dormitório. Então muitos
ganham dinheiro e pra satisfazer seus filhos ao em vez de dar o acompanhamento psicológico,
emocional eles invertem em bens materiais, e tem o outro lado, já tem aquele lado daquele
aluno que é bem precário mas que tem todo o apoio da família, que tem acompanhamento
escolar, cognitivo, a parte emocional dele é bem resolvido, o que não é resolvido é o
financeiro.

04 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?


Violência em todos os aspectos? (sim), eu acho que é a aceitação entre o grupo, essa é uma
parte que interfere bastante, tanto em parte de aluno no aprendizado dele, como em parte do
professor dele sentir respaldado, dele se sentir mais seguro naquele ambiente pra poder
desenvolver até novas práticas que estão no mercado, até para desenvolver uma linha um
molde que ele trace para o currículo dentro da área que ele leciona, até para expor suas ideias
para a gestão. Então isso influencia bastante, aceitação, do grupo, assim, parte do grupo, né,
porque a gente sabe que divide-se em subgrupo, essa aprendizagem e esse envolvimento,
então tem grupos que tem mais afinidades, tem outros que não tem, e isso interfere sim no
trabalho escolar, acho como um todo (Você acha isso uma forma de violência?) Uma forma
de violência, porque é discriminação, você tá discriminando uma pessoa que você não
conhece, um trabalho que você não conhece, uma vivência que você não tem contato, e como
você pode é exercer um pré-conceito, um pré -conceito no sentido da palavra mesmo sobre
uma pessoa que você não conhece, é complicado, você generalizar todinho num contexto.

05 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


Os alunos, porque a partir do momento que os professores, o diretor ou a própria escola se
sente violada ela se blinda, né, e acaba isolando os alunos. É complicado, blinda os alunos e
automaticamente o próprio sistema vai excluindo, né? Que o perfil escolar, a própria
autonomia da escola faz com que este aluno fique excluído.
127

06 – Quais são os sujeitos da violência na escola?


Acho que começa pelo próprio sistema que foi implantado, né, o sistema escolar ele é cruel,
ele é seletivo, ele é altamente seletivo, a maioria das escolas ainda segue o tradicionalismo,
ainda tem que mudar sua raiz, desde o seu projeto pedagógico até sua própria didática até sua
identidade com a comunidade, porque tem escola que aborda o aluno de uma maneira bem
sutil, que o aluno se sente parte dela, agora a maioria que a gente vê não tem essa identidade,
não tem esse vínculo, não cria, e quando tenta criar, ela veta, então, por exemplo, vamos
colocar um projeto festa junina, o aluno tá mais próximo da escola, a comunidade tá mais
próxima da escola, mas a partir do momento que acontece um fato isolado, isso determina
todinho um projeto que foi criado lá no comecinho. Todo o projeto pedagógico é
comprometido e acho que as pessoas precisam tem começar, a gestão, e aí vai alunos,
professores, comunidade e a própria gestão mesmo escolar, rever alguns desses conceitos,
desses critérios pra pode não continuar assim porque o próprio sistema já é cruel.

07 – Em sua opinião indisciplina e violência são sinônimos?


Não, indisciplina é a pessoa não conhecer a hierarquias, não sabe lidar com regras fixas, como
por exemplo, acordar de manhã ter que colocar chinelo porque eu posso prevenir doenças,
escovar os dentes, que eu posso prevenir doenças, e não consegui lidar com esse mecanismo
de regras, de hábitos, de hierarquia, que são os laços, né, que o homem toma e forma até
mesmo os hábitos, e isso fica já identidade, cria uma identidade. É diferente do que violência,
ela gera num ponto, e tem um ponto de ligação, então liga todos as partes da vivência que ele
tem, então você não pode, não são sinônimos são completamente dissociáveis um do outro, eu
não acho que seja uma coisa só.

08 – Você vê relação entre injustiça e violência?


Não, não tem relação nenhuma, vai do grau de conhecimento do indivíduo, porque a injustiça
ela forma de várias partes desde quando a gente é bebezinho, né, nós só criamos uma
identidade a partir dos conhecimentos. Quando você vê injustiça e a violência juntas eu não
acredito que isso ande junto, acho que o aprendizado, que o conhecimento vai gerar uma
pessoa pode ser considerada injustiçada, mas não tem reação, como a pessoa são violentas sim
ela vai procurar os direitos dela, eu acho que tem a ver com o aprendizado, com o
conhecimento.
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ANEXO IV

ENTREVISTAS COM FUNCIONÁRIOS

ENTREVISTA 1

Santos – Auxiliar Técnico de Educação – atua na Educação há 3 anos.

01 – O que você entende por violência?


Assim, violência, hoje em dia, não é assim de bater as pessoas agridem com palavras, não só
mais só assim batendo, mas com palavras também.

02 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e violência escolar?


Eu acho que sim, eu acho que o fato da desigualdade social é as pessoas elas, eu acho que a
violência vem de casa, né? Então as pessoas elas vivem num, em casa as pessoas veem os pais
brigando, eles convivem com aquilo desde pequeno, então isso que eles aprendem desde
pequeno e vão passar pra frente.

03 – Que situações do cotidiano escolar podem ser consideradas violentas?


Eu acho assim, apelidos que uns colocam nos outros, a discriminação em relação a raça a cor,
ao peso....

04 – Quem são as principais vítimas da violência escolar?


Os discriminados são os que têm menos força, eu acho que são os quem tem menos forças,
eles sofrem discriminação e não fala, eles guardam pra eles.

05 – Você vê relação entre injustiça e violência?


Eu acho que injustiça é uma forma de violência porque injustiça é você não ter o seu direito, a
pessoa, você não ter direito a isso, é uma forma de violência aos seus direitos.

6 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?


Não, não, assim eu acho que justo assim eles querem, como eu posso te dizer, eles querem
resolver o problema de imediato, assim da forma mais prática e não justa. A administração, a
129

gestão, porque assim eles não querem que o problema fique uma coisa maior, eles querem
uma coisa prática, independente ser for justa ou não.

7 – Há na escola alguma regra que você considera que injusta?


Ah, eu acho que não, eu acho que sim todas são justas.

8 – O que pode se feito para combater a violência na escola?


Eu acho que não só as que estão dentro da escola, como na casa da pessoa, que às vezes
porque a gente mostra aqui, mas na casa da pessoa é outra realidade, às vezes a criança chega
em casa o pai bate na mãe, porque chega bêbado, bate na mãe todos os dias, então não adianta
a gente querer mudar aqui se a vida dele lá fora é diferente é violenta, trazer a família para
dentro da escola.

9 – Como a família pode se trazida para dentro da escola?


Eu acho assim acolher esse família, tentar não ajudar assim, mas influir essa pessoa como ela
pode se ajudar, onde ela pode se ajudar, não resolver o problema deles, mas mostrar o
caminho aonde eles podem encontrar uma solução.

10 – Qual a lição que você aprendeu na escola sobre violência?


Eu acho que a violência está aumentando cada dia mais dentro da escola, eu acho que
antigamente havia violência sim, mas eu acho que bem menos do que hoje, hoje você
violência nas novelas, dentro da escola, você isso em lugares, eles vêem isso na TV, eles
vêem isso em casa. Então, eu acho que a violência hoje tá maior do que era antes.

ENTREVISTA 2

Milagros – Auxiliar Técnico de Educação – na Educação há 12 anos.

1 – O que você entende por violência?


Violência no ambiente escolar, o que entendo como violência, eu acho que é assim partir do
momento que você discrimina, como tivemos uns casos, em relação não só a raça a cor,mas
pela roupa que a pessoa está vestido, como violência, o professor vê que aquele aluno já não
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está bem vestido o professor discrimina muitas vezes o aluno, a própria direção, se a família é
muito humilde também é discriminada, eu vejo também que a ...também a discriminação é em
relação se a pessoa é nordestina. Então tudo isso tá tudo dentro da violência, não só com a
parte física da pessoa, mas se pessoa menos instruída, tudo isso gera violência principalmente
a violência pessoal.

2 – Em sua opinião há relação entre desigualdade social e a violência?


Há relação entre as duas, eu acho que no momento assim a violência está tão globalizada que
independente se a pessoa é pobre ou se é rica, independente da família cria bem ou não, se a
pessoa tem aquele instinto violento a pessoa vai ser violenta. Então eu acho assim, tanto uma
criança que não tem nada dentro de casa, passa fome, tem o pai alcoólatra,tem a mãe que tem
10, 12 filhos se ele que ser alguém, se ele é instruído de forma para não ter violência, se a
índole dele é pra ser a pessoa tranquilo educado ele vai ser. Tanto quanto como aquele que é
criado na sociedade alta que tem de tudo, tem viagem, tudo, e tem aquela índole violenta ele
vai ser um drogado, ele vai gerar violência através do próprio vício ou de daquele carinho
daquela proteção todo que os pais dá ele acha que pode fazer tudo. Então eu acho que a
desigualdade e a violência, elas pode caminhar junto sim, mas eu acho que a desigualdade
social não tem nada a vê, não só assim a desigualdade social o pobre que é violento, hoje tá
globalizado.

3 – Que situações do cotidiano do dia-a-dia da escola podem ser considerada violentas?


Deixa eu ver então tá, muitas, né, até a discriminação entre professores é uma forma de
violência. Aquele mais novo ele é discriminado pelo mais velho, aquele mais novo ele não
pode escolher o horário que ele quer, aquele aluno novo já vem com aquele expectativa de
escola nova, ele já violentado pelos colegas mais antigo, violentado no sentido de colocar
apelidos, de achar que aquele aluno novo tem que ser avacalhado, ele tem que ser excluído.
Os funcionários também tem que ter um pouco mais de cuidado de lidar com os alunos em
relação aos alunos muitas pela discriminação, por tudo aquele que já falei pela cor, pela roupa
que está vestindo, se a família já é mais humilde. Funcionário que não trabalham mais unidos
é uma forma de discriminação, tá falando sempre um do outro por motivo, aquele eu não sei
com qual é, a direção também discrimina tanto os funcionários como os professores, se não
for de acordo com o que eles querem, ele é excluído, ele é maltratado, o que ele pede ele não
tem aquele direito de ter uma regalia que o outro tem. Ah, deixa eu ver mais alguma coisa, a
forma com que o aluno aborda pelo funcionário e pelo professor que chega atrasado, tudo isso
131

eu acho que a escola tem que rever , tem muita coisa pra rever. A gente acha que violência é
só bater, empurrar, xingar, não a forma de um funcionário ou um professor ou um colega fala
pode ofender ou machucar mais que um tapa, eu acho isso, o psicológico é mais preocupante.

4 – Há uma relação entre injustiça e violência?


Eu acho que todo violência é uma forma de injustiça né, se você tá agindo de uma forma
violenta com alguém, essa pessoa, é, vamos colocar assim , o adolescente, se o adolescente
gosta de rock e o outro gosta de pagode eles não se entendem então tem aquela forma de atrito
entre os dois. É uma coisa sem propósito tudo que não tem uma lógica que não tem uma...
Como posso dizer,que não tem uma razão é uma coisa injusta, então assim tem muita relação
entre a violência e a injustiça e na escola então o que mais tem.

5 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?


Olha, eu posso até tá sendo meio taxativa assim, mas acho que nunca é resolvido de forma
justa, tanto um ato entre dois alunos eles não resolvem é, assim como eu posso dizer, de
forma justa, porque ninguém que ouvir a parte de ninguém, ele quer abaixar o fogo ali, todo
mundo tapa o sol com a peneira, porque não quer saber o porque aquele pessoa é violenta,
porque aquela pessoa passa por discriminação, porque um funcionário tá sendo excluído não
quer participar de nada, de uma confraternização, por quê? Ninguém procurou saber, ninguém
da gestão, da administração,que seja um professor, ninguém quer saber se o outro tá passando
por algum tipo de bullying mesmo entre funcionário, entre professores, que seja. E entre os
alunos, ninguém quer saber a raiz ali, o motivo principal daquilo ali, quer resolver aquilo
abaixar o sol com peneira e acabou, ninguém resolve problema de forma justa em escola, eu
com meus 11 anos experiência nunca vi ninguém resolver problema de forma justa em escola.

6 – Há na escola alguma regra que você considera injusta?


Olha, primeiro lugar o que acho mais injusto na escola, eu não vou saber dizer se é uma regra,
mas o aluno passar de ano sem saber ler e escreve isso é uma imposição acho que não nem
uma regra, uma imposição ridícula, é acho que essa pra mim é a principal, o aluno não sabe
escrever não sabe ler por mais que o pai queira que passe, a escola tinha que impor, isso sim
tinha que virar uma regra, só passa quem sabe, outra coisa que eu acho que é uma regra de
cada ambiente escolar,mas essa coisa. Ah, não sei nem se é próprio pra falar (pode falar), essa
coisa de você, alunos, aquele grupo de alunos, podem chegar atrasados, eles podem ir
banheiro, eles podem fazer o que eles querem, outros não, professores podem chegar
132

atrasados outros não, professores podem sair com direção pra resolver problema , enquanto
coloca módulo isso pode, agora o outro que tá pedindo pra abonar já não pode. A regra de
abonada é ridícula, acho que a gente tem as 10 abonadas... Ah, posso falar? (pode falar) As 10
abonadas do ano é um direito do funcionário, não tem que o diretor deixar ou não, tudo bem
imprevisto acontecem, pode ficar um filho doente, pode quebrar o carro, pode ter algum tipo
de problema pra resolver, não, se o diretor não assinar você não abona, você perde aquele dia,
fica até como injustificada. Eu acho que isso também é uma coisa pra se repensar, outra coisa
também é.. ah...outra coisa também importante o aluno não pode ser convidado a ser retirar da
escola por medo da direção, por medo do pai reclamar da DRE, eu acho assim que um aluno
que desrespeito um professor um funcionário a ponto de jogar uma cadeira,de dar um tapa de
chutar um professor,esse aluno permanecer na escola, isso é um circo, isso não é uma escola,
isso é uma palhaçada. Sabe assim, o funcionário tá exposto a uma regra que ele não foi
consultado se ele concorda ou não ele tá sendo imposto a aceitar , isso também é uma coisa
pra se pensar.

7 – O que pode ser feito para combater a violência na escola?


Um ponto importante assim é de alguma forma a escola trazer os pais para dentro do ambiente
escolar, não só em festa, fazer uma reunião, por exemplo, na primeira reunião do ano de
abertura do ano letivo, eu acho que essas reuniões são tão ultrapassadas, sempre falando as
mesmas coisas, as mesmas coisas. Eu acho que a direção deveria chamar os pais para algumas
reuniões mais interessantes, por exemplo, passar vídeos ou algum assunto relacionados a
violência. Os pais não tem consciência, o pai fica achando que colocando o filho dentro da
escola ele tá protegido, e o filho não tá bem protegido não, porque o pai não tá sabendo o que
está passando aqui dentro e pai tem que por exemplo não deixar a televisão fica usado
imagem o aluno agredindo o professor, dando uma faca no outro, o outro entrando pra matar
aluno. Tem que entrar aqui pra saber como funciona, como são as regras da escola, se por
acaso, principalmente aqueles pais daqueles alunos mais problemáticos fazer uma reunião só
entre eles, e tipo colocar o Conselho Tutelar na frente, tipo não vai vir Conselho Tutelar vai
na casa buscar, tinha que ser uma coisa bem forte, o pai que é alcoólatra, pra mãe que tem
muitos filhos,não é uma forma de discriminar, mas a mãe que tem muitos filhos, mãe solteira
ou viúva, que não tem muito tempo pra ficando indo pra escola, elas tem que ser ajudada a vir
pra escola para viver tudo isso,pra ver como seus filhos estão se comportamento. Dá pra ter
um exemplo de um aluno que de uma forma agrediu alguém e que ou voltou pra drogas ou
que ele tá indo pra marginalidade então assim na questão da violência não é só a educação dos
133

pais deixar muito além, se os pais não participar da vida escolar, esse é o momento do pais
participarem, entre os 07 anos 14 anos que é a formação dos alunos, se os pais não participam,
não sabe quem é o colega do filho, não sabe aonde ele vai, se ele tá cabulando, que existe
casos em muitas escolas que o aluno diz que vem pra escola e muitas vezes ta indo pra
parque, ta indo pra apartamento, sabe Deus fazer o que? E o pai não sabe,o pai não sabe de
nada, então assim, o pai tinha que vir,isso tinha que ser uma regra, uma vez a cada 15 dias o
pai vim saber ,ter relatório dos alunos, os alunos, principalmente os alunos problemáticos,
saber se o aluno tá frequentando realmente, não vim só em fechamento de bimestre e final de
ano, saber por que tá com tanto falta, por que que ela não reprovou? Não , tinha que ser uma
regra imposto pelo governo, já que o governo que interferir tanto na vida do povo, o governo
colocar uma regra como se o pai tivesse uma obrigação , se não for nada obrigado os pais não
vêm,uma obrigação dos pais tem que vir aqui pelo menos uma vez por mês ou dia 15 em 15
dias ou uma vez por mês, saber como que tá andando, como que tá o mundo escolar, porque
essa idade dos alunos de fundamental I e II é o momento em que eles estão descobrindo
muitas então os pais não devem deixar os filhos descobrir determinadas coisas através do que,
é do colega. Nós estamos falando da violência, mas tem muita parte da sexualidade também
que eles aprendem aqui na escola, às vezes muitas vezes de forma violenta, o amiguinho, o
namoradinho obrigando a menina, ou aí é um assunto muito incompleto, mas eu acho que
deveria obrigar os pais a vir e participar e juntamente com o psicólogo ou com o Conselho
Tutelar interferindo nisso.

8 – Você já sofreu violência na escola ou conhece alguém que já sofreu?


É como estudante ou como funcionário? (aquilo que você pode expor pra gente) Tá vou
colocar assim, vou colocar as duas formas. Primeiro como estudante já sofri forma de
violência, de bullying, muito isso me deixava muito chateada, eu sempre fui muito boa aluna,
e então eu sempre tinha uma forma de bullying pela minha aparência, é porque eu era muito
estudiosa, sempre tinha essa forma de bullying. Agora como funcionário eu tive várias formas
de bullying, várias, me lembro de um caso de quando eu lecionava no Estado, eu fui reprender
um aluno do supletivo , que na escola que eu trabalhava na escola ambiente, e nos estávamos
na terceira aula já e o aluno, tinha cinco minutos pra trocar de sala, chegou 15 minutos
atrasado e eu achei aquilo fora do comum porque são adultos e cinco rapazes chegaram 15
minutos depois. Eu falei que eles não iam entrar e os quatro foram pra fora não assistiram
minha aula e um entrou e ficou sentando e conversei com ele , conversei, conversei tive que
recorrer a outras pessoas convidar o bonito a sair, ele me chamou de vários nomes de baixo
134

calão, e eu achei aquilo uma agressão tão, aquela agressão que ele me chamou de tanto nomes
horríveis por causa de uma bobagem pra ele , pra mim aquilo dali não alterava em nada pra
mim, mas pra ele foi uma besteira, porque depois de 15 minutos eles saiu e aquilo dali me
deixou mas chateada do que ele me tivesse empurrado dado ou me dado um tapa. Eu já vi
vários colegas também sofrerem formas de violência, como serem empurrados por alunos,
serem avacalhados, serem xingados, sofrerem bullying de alunos por deficiência, pela cor,ou
pelo peso ou que for, se eu for contar todos os casos de violência que eu vivenciei ia ficar bem
demorado.
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ANEXO V

ENTREVISTAS COM ALUNOS

ENTREVISTA 1

Peres – 11 anos

1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
Violência verbal e física, por exemplo, se alguma pessoa tá, isso já aconteceu muito comigo,
eu tô no meu canto, aí alguém passa e já começa a xingar. Eu acho isso muito errado, porque
ninguém tem o direito de fazer isso, ninguém sabe o que essa pessoa tá passando ou passou.
Eu acho isso ridículo, eu acho isso uma coisa de gente sem caráter, também dentro da sala de
aula isso acontece muito, por causa que tem as brincadeiras de mau gosto. Os meninos
começam xingar as meninas, as meninas que tem o peso maior do que o normal, ou que tem
algum defeito ou que usam óculos, ou que usam aparelhos, dentes metálicos. Eu acho essa
coisa ridícula, dentro da sala, dentro recreio, ainda mais quando a pessoa tá comendo, a
pessoa começa a zuar, “Hum... você é merendeiro! Você não tem comida em casa fica
comendo dentro da escola” Se a pessoa tá comendo isso é problema dela, ninguém tem que se
intrometer. Sim, eu também eu não gosto das pessoas que batem nas pessoas por elas terem
um peso maior do que o normal, porque isso já aconteceu comigo. No ano passado, eu
apanhei por eu ser gordinha.

2 – Quando há desentendimento entre os alunos como é resolvido?


A maior parte dos professores, eu acho que assim, que não adianta em nada fazer a
ocorrência, porque quando chega na hora da rua, eles falam “Eu vou te bater quando você
tiver na rua, eu chamar para o meu pro ‘boque’”. Eu acho que isso não deveria ser feito na
base da ocorrência, porque a ocorrência não acontece nada mesmo, que adianta o registro. E
esse aluno vai continuar batendo em parte dos alunos e, como sempre, acaba em briga

3 – Como são resolvidos os conflitos entre alunos e professores?


Bom, lá na minha sala, tem dois professores que a sala não gosta: o “teacher” é um deles, ele
é professor de inglês. Bom, ele ontem me chamou e me xingou. Bom, ele não me xingou
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assim tão ruim, mas aí ele foi lá e falou assim, “O menino tá saindo lá pra fora”. Então ele
falou “Eu vou meter a mão no meio da sua cara!”. Ele não é o pai do menino, ai se vai lá
contar na diretoria, os pais vem e não acontece nada. A professora Simone, a outra que a
gente não gosta, pegou no braço da menina, que ficou na maior vermelhão. Ela falou assim
“Foi pra machucar mesmo”. E ainda falou que a gente morava no chiqueiro, que a gente era
porco, que a gente tava no fundo do poço. Bom, eu não falei para minha mãe, porque isso dá a
maior confusão de alunos e professores. Eu não liguei, eu não ligo para a opinião dela, a vida
é minha. Eu acho que ontem ela foi se desculpar “Ai, eu gosto da Kátia”, mas isso não vai dar
em nada, que a gente vai continuar não gostando dela, porque desde o começo do ano ela trata
a gente desse jeito, porque a gente não é lixo pra se tratado igual animal. Ah, tem também o
“teacher”, que primeiro ficava falando que eu sou a anjinha dele, e as outras alunas ficam com
ciúme, ficam falando “Só a Peres, a Peres é o capeta”. Bom, eu sei e já falei que eu não sou
santa, ninguém é santo, santo só Deus, Santo Antônio, Maria Aparecida, eu não sou santa, eu
já falei isso pra ele. Esses dias, ele falou assim “Ô, Karen, vai falar pra essa menina parar”. Aí
eu falei “Professor, eu não sou a mãe dela, quem tem que fazer isso é a mãe dela, não sou eu.
Se ela não tomar vergonha na cara, o problema é dela, quem vai se ferrar na vida é ela”.

4 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?


Bom, depende do conflito. Sempre as brigas começam por nada, um menino lá na minha
escola, um menino lá na minha sala, ele bateu em uma menina por causa de uma tesoura, uma
tesoura escolar. Eu acho isso ridículo, por causa de uma tesoura, eu acho que não foi de forma
justa, o menino já me derrubou no chão, eu já cai bati as costas e com o Richard não
aconteceu nada. Como sempre levou uma ocorrência e foi pra casa de novo, eu acho que não
adianta chamar as mães, porque tem mãe que nem liga pro filho. Eu acho que tem que
conversar com os alunos pra saber o que que eles fazem, como eles se sentem com isso, qual é
o prazer deles batendo, xingando as pessoas. Eu acho que esses conflitos são resolvidos de
formas injusta, porque, às vezes, uma pessoa começa uma briga, aí depois já leva uma
ocorrência e leva uma convocação a mãe dela não vem, depois tem mais de cinco seis
convocações, chama o conselho tutelar? Não, nunca chama o conselho tutelar. Eu acho que a
partir de três ocorrências, que é normal um aluno ter três ocorrências, se tem três ocorrências
e a mãe não vim já tem que chamar o conselho tutelar, porque isso a mãe não nem aí pro
filho. Agora se eu levar uma ocorrência a minha mãe vai falar um monte pra mim, por causa
de uma ocorrência, uma convocação, minha mãe assinou minhas três ocorrências. Tem aluno
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lá na minha sala que já tem duas páginas de ocorrência e a mãe não veio, não assinou e não
acontece nada.

5 – Há na escola alguma regra que você considera injusta?


Bom, sim, algumas sobre a questão do celular, porque tem que deixar. Na escola não pode vir
com celular, tem gente que vem e deixa o celular desligado, aí quando acaba a força, eles
falam pra gente ligar pra nossa mãe. Que regra é essa, que a gente não pode vir de celular e
quando acaba a força falam pra ligar pra nossa mãe? Então se for pra ligar pra nossa mãe aí
pode trazer o celular... Eles fala que pode traze mas tem que deixa desligado o dia inteiro, na
hora do recreio, na hora da entrada, na hora da saída até pode ouvi música, mas quando tiver
na sala não ouve. Isso que eu parei de fazer, porque quando eu tinha o meu celular, de vez eu
copiar lição eu ouvia música mais do que prestava atenção na lousa. Bom, a regra do celular,
não, mas a regra do celular, eu não gostei muito, não, mas a regra dos aparelhos sonoros eu
acho que é justa, por causa que na maioria da vezes tem sempre um aluno que tem aquela
caixinha alta de som adaptador e o cartão de memória, fica ouvindo, ouvindo, ouvindo, às
vezes, as músicas são péssimo gosto, bom sempre as músicas de péssimo gosto. Pra mim é
funk, eu ouço até funk, mas funk pra mim é um passatempo, não é coisa que você está dentro
da sala de aula, você tá fazendo aquela lição de matemática, aquela lição super difícil que
você não sabe fazer, aí vem um aluno e fala “Pega daqui, pega de lá, senta aqui, senta lá”. Eu
acho isso muito estranho, aí tem professor que vai lá registra a ocorrência e não acontece nada
e vai lá. Tem professor, que vai lá, chama mãe, manda convocação e nada. Sobre a regra da
blusa, a regra de vim com a blusa branca, ninguém tem dinheiro para comprar, por isso que
dão a blusa da escola, então quando a minha blusa, a camiseta da escola, quando as minhas
blusas estão sujas, eu vou vim com que blusas? Porque minha mãe ela tem que pagar as
contas, conta de luz, conta de água, conta de telefone, tem que comprar gás, então aí eu tenho
que vim com essa blusa, aí quando chega aqui reclamam. Também eu não gosto da regra
sobre uniforme, porque ninguém gosta do uniforme, pelo menos a blusa tá bom, mas a regra
do uniforme não adianta nada eles falarem pra gente vim com uniforme, que ninguém vai vim
de uniforme, ninguém gosta do uniforme, todo mundo acha o uniforme cafona. O pano que
era pra fazer a calça, eles fazem a bermuda, o pano da bermuda é grosso e a calça é fina, onde
já se viu isso?
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6 – Em que lugar da escola mais ocorre situações de violência?


Sem dúvida, na hora do recreio, porque as tias elas ficam prestando atenção nos alunos que
estão brincando para não cair, aí a atitude é sempre começar com um empurra-empurra, tipo
“galo de briga”, porque ficam olhando um para cara do outro, quase se beijando, aí fica assim
“Vai sai daqui, tio” ou “Deixa eu ir também” ou “Seu idiota”. Agora eu não vou repetir outras
palavras que eles falam porque são palavras de baixo calão. Aí todo mundo começa “Briga!
Briga, briga!”. Até as tias irem lá no meio da briga, tirar o povo que está gritando “Briga”, eu
também grito, porque o que adianta eu me intrometer na briga pra levar um soco no meio da
cara, então eu grito “Briga”, mesmo que todos os professores falam que não é para ficar
gritando “Briga, briga, briga!”, mas provavelmente é pra avisar as tias, porque se a gente não
gritasse, não ia acontece nada. Todo mundo ia formar um bolinha e a tia ia achar que não ia
ser nada e ia ficar lá, coisa de adolescente, um ia levar um soco na cara, um soco na boca. Isso
é sempre na parte de fora, porque na parte de dentro a diretora sempre tá, as tias tá as tias da
limpeza, as tias que dá a merenda.

7 – Quem são os responsáveis pela prática de violência na escola?


Hum 99% são os alunos eu acho, 1% os professores, não os professores em geral, um ou dois
professores, a minha turma tava passando perto da outra sala e a professora Simone foi lá e
falou “Não encosta na 5B!”. Aí todo mundo “ÊEE”, batem palma, pra que isso? São todos
alunos e se forem ficar na mesma sala, são todos alunos, pra que isso? Se ela não gosta da
gente, tudo bem, mas não cria conflito entre os alunos, por causa que eu não sei de que sala eu
não gosto. Eu gosto de ficar na minha sala, mas eu não gosto de ir pra sala das pessoas, eu não
sei de quem eu não gosto ou de quem eu gosto. Eu não sou menina de brigar na escola,
menina de brigar por causa de menino, por causa de “macho”, porque no final ninguém vai
pagar minha faculdade, quem vai pagar minha faculdade vai ser minha mãe, meu pai e de
quebra sou eu, porque eu vou ter que trabalhar quando tiver 16, 17 anos. Ou eles brigam por
causa de menino, de menina, falam “Essa mina é minha, essa mina é minha”, assim como eles
falam “Essa mina”, porque eu não sou mina, mina. Brigam também por causa de território,
por causa que eles ficam falando assim a escola é um território das populares e das CDFs, se
as pessoas, por exemplo, tem menina lá minha sala que não gosta das meninas das outras
salas, tem menina lá na minha sala que não gosta... Tem as metidas, tem as CDF, tem as
normal, tem a escola com todo mundo, a popular, nesse caso, a popular sou eu, que não
arruma briga, que não gosta dessas coisas. Eu acho que a escola não é lugar pra brigar, todo
mundo acha isso, essa é a opinião de todo mundo, que a escola não é lugar pra brigar. Agora
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se fosse para brigar na escola, para disputar território, a escola não se chamaria CEU Água
Azul chamaria “Território de galo de briga” para disputar entre meninos e meninas, para vê
quem é o rei da escola, porque é assim, eu acho patético essa coisa de território, porque no
final do ano todo mundo vai pra casa, todo mundo vai para férias e o ano que vem tá a mesma
coisa. Não adianta ficar falando eu sou a mais popular, por que ainda vou ter que estudar
muito, tem gente que quando tiver 17 ou 18 anos ainda vai estar na 8ª série, que vai adiantar
quere ser popular, ou pagar de bom, queria pagar de melhor, queria pagar de rei da escola. Eu
não sou nada agora, agora todo mundo, agora todo mundo acha que eu sou o quê? Eles acham
que eu não vou ser ninguém na vida, mas essas pessoas que agora mesmo que repitam de ano,
não vai estudar mais, eu acho que quando alguém ameaça “Ah! Você vai repetir de ano!”. Eu
não acho um motivo para ficar triste, porque vai aprender mais vai aprender de novo.

8 – O que pode ser feito para combater a violência na escola?


Eu acho, mas isso ia se muito caro, mas se, tipo, tivesse uma psicóloga, tipo só para ajudar
alguns alunos, porque alguns alunos não tem noção do quanto as pessoas sofrem no mundo,
eles não tem. Por exemplo, eu desde o primeiro estágio, fui zoada na escola, primeiro estágio,
agora eu nem ligo, porque a vida é minha, ninguém vai pagar nada pra mim. Se alguém me
chamar de baleia fora da água, ah, é sinal de que eu tenho comida em casa, eu não tô nem
ligando, a vida é minha, eu faço o que eu quiser com ela. Se eu explodir é problema meu, não
é problema de ninguém não, porque se pelo menos eu folgo na vida, por exemplo, as pessoas
que xingam as pessoas eles não pensam no futuro, eles pensam “Ah, essa pessoa pode ser tal,
tal” e ela vai lembrar de mim quando crescer, eu acho. Eu não tenho raiva de ninguém que me
xinga, porque eu tenho dó, porque isso é um caso ridículo, gente ridícula, não tenho raiva eu
tenho dó dessas pessoas. Os pais conversarem mais, porque eu acho que se hoje um aluno não
sabe, por exemplo, deixe eu ver alguma coisa, por exemplo, se um aluno não sabe o que é
alguma coisa sexual, todo mundo já começam a rir, e falar “Ah, você não sabe, você é um
burro, você é um trouxa, você é um viado”. É assim que a pessoa é tratada. Tem um menino lá
na minha sala, que não sabe nada disso, mas qual é problema dele, porque ele se acusou,
porque ele gosta de zoar os outros na hora que os outros zoam ele, ele fica nervosinho. Aí ele
fala pra mãe dele e a mãe dele vem aqui falar na escola. Eu acho que precisava ter psicóloga
para os alunos e para os pais, eu acho que deveria dar palestra, mas não tipo diretores, com
pessoas contratadas. Quem já sofreu bullying na escola? A minha mãe já sofreu, minha tia,
meu irmão. Meu irmão é tipo bem negrinho e todo mundo fica zoando ele de zulu. Oh! Que é
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isso? E daí, o que ele deixa de ser ou não? Eu acho que deveria dar palestra, os pais
conversarem mais e uma psicóloga.

9 – Qual a lição que você aprendeu na escola sobre violência?


Ah, eu aprendi muita coisa, eu acho que se alguém te xingar nem liga, a vida é sua, a vida é
sua, você faz o que quiser com ela, menos se matar é claro. Eu aprendi muita coisa, eu por
causa do bullying já pensei em me matar,eu já pensei em me matar,porque de madrugada
assim eu peguei uma faca, eu não tô brincando, eu já pensei em me matar mesmo. Eu já
pensei em ficar em depressão, já pensei em me matar, aí eu parei de ligar, aí isso não mais
aconteceu. Então todo viu que não estava mais ligando, o povo tá lá me xingando, ah... nem
ligo e vou lá começo a desconversar, começo a cantar música, começo a falar das coisas que
gosto. E é isso , todo mundo parou de me xingar, mas eu acho que você não tem que ligar, eu
acho que essa pessoa ela não tem a noção do que está fazendo, por isso você não liga, essa
pessoa, hum... Ela é nada, ela não sabe como é, ela não sabe como é. Eu acho que as pessoas
que sofrem bullying, elas não devem ligar, elas não devem fazer nada, não xingar. Bom, se já
for pra violência física é claro tem que chamar a mãe, tem conversar com a direção, mas não
liga, não xinga, não faz nada, começa a cantar. Eu quando me xingam eu começo a cantar,
começo a cantar a música que gosto, aí a pessoa começa a fica mais nervoso, a pessoa te
xinga mais. Aí alguém vê passa e olha a essa pessoa, vai tomar bronca porque se você xingar,
se você bater, se você fizer isso, aí você vai ser o errado da história. Eu sempre senti isso.
Bom, uma vez um menino estava me xingando, aí eu liguei, liguei, liguei eu sempre liguei
que xingava, eu sempre liguei, aí eu parei de ligar, pararam de me xingar. Aí quando me
xingavam “Ah, baleia fora da água” eu começava a conversar com as minhas amigas, aí todo
mundo parou de me xingar. Uma vez um menino ficou me xingando, eu fiquei com tanta
raiva dele, que eu bati nele, eu fiquei com raiva, foi na terceira série hoje, eu tô na quinta,
fiquei com raiva dele eu bati nele, aí o professor olhou pra minha cara e disse “Por que você
bateu nele?” e eu respondi “Ah... Porque ele me chamou de baleia fora da água”. O professor
falou assim “Ah, tá bom. Divaldo nem adianta você chamar sua mãe, você gosta de ficar
brigando com outros, você gosta de ficar xingando”. Então depois o menino veio me xingar,
eu xinguei ele de novo e aí eu sai como errada. Aí eu parei de brigar, hoje esse menino eu até
falo com ele, mas eu não gosto dele, porque ele fica xingando os outros de nescau, baleia fora
da água, gorducha, cebolinha. Ele mesmo não se vê, ele não se olha no espelho, antes de
xingar essa pessoa ele tem que se olhar no espelho, sabe ele tem que falar assim “Eu sou
perfeito”, eu sou igual Jesus pra ele te xingar.
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10 – Você já sofreu violência na escola ou conhece alguém que já sofreu?


Bem, no primeiro estágio, quando eu entrei, eu não sei, eu era muito magrinha, magrinha
mesmo, ficavam me chamando de formigão, porque eu era cabeçuda rsrs. Aí eu comecei a
engordar, depois que minha mãe viu que eu estava muito magrinha mesmo parecia que eu
estava desnutrida, aí minha mãe me deu aqueles remédios para engordar, sabe? Aí eu comecei
a engordar, no primeiro estágio eles xingavam, mas como a gente era pequeno, eles também
não sabiam xingar, não acontecia nada. Mas o meu pior caso, foi dois casos que lembro até
hoje, no primeiro estágio e na quarta série, quando eu abri o potinho da professora aí o
potinho caiu, aqueles potinhos de brilho, ela me pegou pelo braço falou assim “Sai daqui,s eu
estrupício”. Aí eu tinha a voz fininha e como eu era muito boazinha desde pequeninha, eu
cheguei em casa e falei “Mãe, senta aqui eu preciso contar um negócio pra senhora”. Então eu
falei “Eu abri o potinho da professora e ela me chamou de estrupício”. No dia seguinte, meu
apelido, meu apelido virou estrupício. No dia seguinte, a minha mãe foi na escola, quase bateu
na professora. Minha mãe disse que quem tinha o direito de me chamar de estrupício era ela,
porque ela que era minha mãe, ela que me deu a vida. Aí ela quase ela bateu na professora,
mas só que meu pai estava lá para segurar ela, meu pai tinha que ir pro trabalho. Meu pai tava
atrasado, aí ele foi lá e segurou minha mãe, então a professora falou “Mas eu não xinguei ela
de estrupício, não xinguei!” Aí o menino passou “Ô, estrupício! Ô estrupício negro”, aí
também uma menina passou, tá bom. Eu fui para banheiro rir, porque me deu vontade de rir,
tipo eu pensei comigo “Bem feito” depois que viro minha mãe nervosa nunca mais me
xingaram. Na quarta série, foi por causa de eu ser acima do peso, aí o menino veio assim me
chamou “Vai o bolinha de queijo” aí eu “Você também bolinho de carne”. Então ele veio
assim me bater, eu arranhei a mão dele, e falei “Seu idiota, seu idiota, eu vou contar, eu vou
contar”. Daí ele me deu um chute na barriga, foi correndo na sala chamar as meninas pra me
bater, aí como minha casa é pertinho daqui, acho que é umas duas quadras, daí eu fui
correndo pra casa, encontrei uma tia da oficina, a tia falou “O que foi Peres?” e eu disse que
não era nada e fui correndo. “O que aconteceu?” ela perguntou de novo, eu falei “O menino
me bateu, o menino foi chamar as meninas pra me bater”. Aí ela falou “Fica aqui”, e eu disse
que não, que ia pra casa. Fui correndo, daí quando chegou lá na frente do prédio... cheguei na
minha casa assim “Hum hum, hum (som de cansaço)correndo”. E minha mãe falou “O que
acontece?” Aí eu comecei a chorar e minha mãe “O que aconteceu Peres?” Ai eu falei “O
menino me bateu, sem eu fazer nada nada nada pra ele”. A minha mãe não veio na escola,
porque ela tava atrasada para trabalhar, também minha mãe também eu acho que ela não quis
vir, não deu pra ela vim. Aí veio minha irmã minha irmã veio e ficou muito nervosa, ela
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começou a chorar, minha irmã mais velha, ela tinha 15 anos, agora tem 16 anos. Ela começou
a chorar, começou a chorar, aí ela ficou tentando descobrir quem foi que me bateu. Quando
ela descobriu quem foi o menino ela pegou ele pelo braço e falou e levou lá na direção. Aí a
antiga coordenadora falou “Ele já tem muitos casos aqui de briga, a gente vai fazer uma
ocorrência contra ele”. Minha irmã ficou muito nervosa, muito nervosa mesmo. Ela falou
“Você quer estudar?” e eu falei “Não”. Em casa meu pai falou “Você quer estudar?” aí eu
falei “Não, tô com medo, pai! Vai que ele chama alguém pra me bater na hora da saída, vou tá
sozinha”. A partir desse dia eu comecei ir com minha irmã, aí esse ano ele já foi transferido.
Um dia, ele me viu na rua, eu tava voltando da Igreja, esse ano ele me viu na rua, ele olhou
assim pra minha cara, minha irmã tava comigo, minha irmã nem lembra dele, ele olhou pra
minha cara,eu fiz uma cara bem feia. Aí ele olhou assim pra cara da minha irmã, uma vez que
ele me viu sozinha começou a rir, aí agora ele me viu com minha irmã, ele só olhou assim,
não sei eu acho que ele tava com o irmãozinho dele, olhou assim pra minha cara e saiu
andando. Eu também conheço, deixa eu vê hum...eu conheço umas cinco pessoas que sofrem
bullying . Bom A Thais porque ela é muito pequininha, aí todo mundo fala que ela é seca. Um
dia ela tava sem o shorts , aí a menina falou a pegar o shorts dela, mas a Thais colocou o
shorts. Aí a menina falou “Ah, você tira me short agora!” e depois ela falou “Pelo menos eu
tenho bunda, coisa que você não tem”. Então todo mundo, depois desse dia, ficou zoando ela,
mas agora parara, ainda bem. Também tem a Natasha, a Natasha até eu zoei, porque depois
ela me zoou, porque a Natasha, todo mundo fica falando, parece um menino, falam que ela
anda estranho, mas mesmo assim ela é minha amiga. Toda vez que ela chega ela me dá um
beijo na bochecha e a gente vai pra sala. A Thais, a Natasha, quem mais? Tem o Andriel, ele é
gordinho também, todo mundo fica zoando ele, chamam de baleia fora da água. Também tem
a Tainara, que ela tem um machucado um roxo , aí todo mundo fica zoando ela. Apontam
para ela para os meninos e falam “Olha, sua namorada”. Aí tem os meninos que fala “Deus
me livre, é o diabo no corpo dessa menina”. Também tem a Noemi, todo mundo fala que ela
parece o diabo, porque ela tem treze anos ela usa maquiagem forte e até uma menina da 5ªG
brigou com ela: a Hanna. A Hanna tem fama de briguenta, fica zoando, zoando, zoando, aí
chegou aqui na frente, ia brigar lá no teatro, porque a gente tava vendo filme, aí elas iam
brigar no teatro. Depois fez a fila pra o recreio, aí entraram tudo pra sala, aí eu demorei um
pouco pra sai, quando eu sai assim, era as duas brigando lá fora. Aí todo mundo falou “Hanna,
Hanna”, eu acho isso também, que numa uma briga não tem pra quem torcer, porque os dois
tão errado, bem ou mal, um tá errado de zoa e o outro tá errado por começar a brigar. A
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Noemi também ela também tá errada nisso, é porque também tudo que as meninas começam a
xingar ela já começa a levar pra diretora, aí as meninas começam a falar que ela é arregona.

ENTREVISTA 2

Victor Hugo – aluno de 11 anos

1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
Briga.

2 – Quando há desentendimento entre os alunos como é resolvido?


É com, é com conversa com a Direção.

3 – Como são resolvidos os conflitos entre alunos e professores?


Com conversa, com conversa.

4 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?


Sim, sim, sim são.

5 – Há na escola alguma regra que você considera injusta?


Não.

6 – Em que lugar da escola mais ocorre situações de violência?


No lado de fora. (Qual lado?) Na parte do almoço. (Como? Que tipo de violência?) Briga.

7 – Quem são os responsáveis pela prática de violência na escola?


Os agressores.

8 – O que pode ser feito para combater a violência na escola?


Respeito.

9 – Qual a lição que você aprendeu na escola sobre violência?


Que não deve xingar os colegas.
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10 – Você já sofreu violência na escola ou conhece alguém que já sofreu?


Eu nunca sofri, conheço alguém que já sofreu, meu amigo. O moleque começou a irritar ele,
ele foi contar para a Diretora, a Diretora pegou, chamou o moleque. Só que aí na hora da saída
o menino começou a bater nele.

ENTREVISTA 3

Willian - aluno de 11 anos

1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
Brigas, deixa eu ver, bater um no outro, machucar, brincar de pega-pega, machucar, deixa eu
ver... hum... violência.

2 – Quando há desentendimento entre os alunos como é resolvido?


Ah, com conversas não com violência.

3 – Como são resolvidos os conflitos entre alunos e professores?


Resolvidos? A mesma coisa da pergunta anterior com conversas não com violência, essas
coisas.

4 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?


São.

5 – Há na escola alguma regra que você considera injusta?


Injusta? Não nenhuma.

6 – Em que lugar da escola mais ocorre situações de violência?


Ocorre no recreio, no fim da aula e na saída.

7 – Quem são os responsáveis pela prática de violência na escola?


Alguns alunos.
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8 – O que pode ser feito para combater a violência na escola?


Hum, aí é difícil. Não machucar os outros, principalmente aqueles que são maiores do que
outros menores.

9 – Qual a lição que você aprendeu na escola sobre violência?


Violência? Ah, o que foi que aprendi na escola sobre violência... não machucar os outros, não
xingar, não praticar... só.

10 – Você já sofreu violência na escola ou conhece alguém que já sofreu?


Já, já aconteceu comigo já, foi ontem. Uma menina da 6ª série começou a falar “Por que você
tá falando de mim?”. Eu respondi “Nada”. Aí ela me deu um chute no joelho e eu não falei
nada. Existem pessoas que sofrem quase todo dia também, né?

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