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INDISCIPLINA NA ESCOLA:
manifestações da violência nas práticas escolares
SÃO PAULO / SP
2012
FÁBIO DE ANDRADE CARVALHO
INDISCIPLINA NA ESCOLA:
manifestações da violência nas práticas escolares
SÃO PAULO / SP
2012
Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID
Bibliografia
371.58
FÁBIO ANDRADE DE CARVALHO
INDISCIPLINA NA ESCOLA:
manifestações da violência nas práticas escolares
_______________________
Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida
_______________________
Profª Dr. Margaréte M. B. Rosito
_______________________
Profª Dr. Sandra da Costa Lacerda
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Júlio Gomes Almeida, pelo trajeto, confiança, dedicação, com que me
possibilitou trilhar as linhas do imaginário, tornando possível um sonho e a esperança.
Às Secretárias da Pós-graduação que com carinho e respeito sempre nos atendeu prontamente.
À Maria Thais pelo cuidado e dedicação com que realizou a revisão deste trabalho.
O presente estudo buscou investigar a manifestação da violência nas práticas escolares com o
objetivo de verificar em que medida essas práticas se constituem em tempos e espaço de
manifestação da violência no cotidiano escolar. Este estudo possibilitou olhar as práticas
escolares, sobretudo, por um prisma diferente, quando se trata de violência. Embora muitos
estudiosos se dedicarem a esse tema, a problemática em questão ainda é relevante diante da
situação que a organização escolar vive em dias atuais. Para realização dessa pesquisa,
assumiu-se como metodologia uma abordagem qualitativa e como procedimentos de coleta de
dados a análise bibliográfica e documental, completada por entrevistas semiestruturadas e
observação participante. Nesse sentido recorri a autores como Foucault (2003), Bourdieu
(1982), Maffesoli (1987), entre outros, que tratam do tema. Esses autores abordam o assunto
em diferentes perspectivas, mas que se entrecruzam, corroborando para uma possível
compreensão desse tema tão complexo. Além da análise e revisão bibliográfica da literatura,
recorri à reflexão sobre a minha prática e as vivências de outros educadores. Com isso,
acredito que esse estudo pode contribuir, significadamente, para que outros estudiosos,
pesquisadores e educadores interessados no assunto discutam a violência como um fenômeno
social que emerge na organização complexa que é a escola.
The present study investigated the expression of violence in school practices with purpose to
ascertain to what extent these practices are constituted in time and space manifestation of
violence in everyday school life. This study allowed us to look at school practices, especially
from a different perspective when it comes to violence. Although many scholars have devoted
themselves to this theme, the problematic issues still relevant to the situation that the
organization to lives in school today. To conduct this research was seen as a qualitative
methodology and procedures as data collection analysis literature and documents,
supplemented by semi-structured interviews and participant observation. Accordingly resorted
to such authors as Foucault (2003) Bourdieu (1982), Maffesoli (1987) among others authors
dealing with the issue. These authors approach the subject in a different perspective, but that
cross between yes, corroborating understanding of this subject so complex. Besides the
analysis and literature review resorted to reflect on my practice and experienced by other
educators. With that, I believe that this study can contribute, purportedly so that other school,
researches, and educators interested in the subject to discuss violence as a social phenomenon
that emerges in complex organization that is school.
INTRODUÇÃO 13
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 94
REFERÊNCIAS 98
ANEXOS 102
INTRODUÇÃO
surge como necessário no estudo das manifestações da violência no âmbito das práticas
escolares, que são os conceitos de organização, de instituição e estudos sobre a dinâmica e
funcionamento de grupos. O entendimento destes conceitos parece fundamental no processo
de investigação sobre as manifestações da violência na escola entendida como ambiente
organizacional complexo.
Esses objetivos se justificam porque as leituras realizadas até o momento e as
experiências vivenciadas em escolas públicas mostram que a violência se manifesta nos
tempos e espaços de uma escola organizada por meio de concepções e práticas socialmente
construídas e que, muitas vezes, são assumidas como naturais. Desta forma, o que se aspira
enquanto pesquisador é problematizar as práticas escolares, que durante muito tempo foram
objeto de inquietação em minha vivência, enquanto estudante e, ultimamente, enquanto
educador. O interesse em estudar esse problema se tornou mais presente durante a
participação em um curso de lato sensu em Administração Escolar e Coordenação
Pedagógica, realizado na Universidade Veiga de Almeida, em pólo na cidade de Suzano,
quando questões relacionadas à indisciplina na escola foram abordadas sob diferentes
perspectivas, sendo uma delas, o paradoxo do termo violência no contexto educacional.
Esse paradoxo entre o termo violência e as práticas escolares compõe o cenário de
atuação dos profissionais da educação. Nesse sentido, realizar uma pesquisa sobre essa
problemática é fundamental para compreender de que maneira os envolvidos no espaço
escolar se relacionam com a problemática em questão.
Almeida (2009), referindo-se a esse tema, destaca que a violência na escola tornou-se
uma grande preocupação social. Essa discussão tem extrapolado os muros da escola e
alcançado outros setores sociais. Para ele, trata-se de um tema com grande espaço nas
diversas mídias presentes em nossa sociedade e que tem sido foco das reflexões entre
educadores, pais e pessoas interessadas nos destinos da escola. Contudo, destaca ainda esse
autor, a discussão pouco tem interferido nas relações que se estabelecem na escola, de modo
que continua frequente o envolvimento de alunos e professores em situações de violência. Os
encaminhamentos propostos pela escola contribuem para que não se venha alcançando
resultados satisfatórios no combate à violência pelo fato de que estas discussões virem
assumindo um caráter simplificador. Ao discutir essa questão, Almeida (2009) assim se
manifesta:
Humano (IDH) é considerado baixo, segundo dados da Prefeitura Municipal de São Paulo,
com base nos dados coletados do Censo de 2000.
Assim sendo, pretendeu-se na pesquisa discutir a violência a partir de sujeitos
diretamente envolvidos com o tema. Foram tomados como sujeitos para a coleta de dados
para a pesquisa: professores, alunos e funcionários, sendo sete professores de Ensino
Fundamental I e II, um gestor, três alunos do 6º ao 9º ano e dois funcionários de escola,
perfazendo um total de treze pessoas participantes da pesquisa. Embora a amostragem seja
pequena, considero significativa para entender como as manifestações da violência acontecem
nas práticas escolares e propiciar reflexões sobre a minha própria prática e a prática de outros
educadores, além de possibilitar a outros estudantes e pesquisadores discussões sobre o tema,
aqui, proposto. A amostra procurou atingir diferentes segmentos da escola, doravante
denominada Centro Educacional Unificado Encontro com o Presente, por isso a considero
relevante para a compreensão.
A partir desses pressupostos, esta pesquisa será organizada em quatro capítulos: no
primeiro capítulo foi apresentado um panorama da educação brasileira, abordando o modelo
de escola implantado no Brasil até os movimentos pela democratização da escola, buscando
com isso entender o conceito de escola dominante nos diversos momentos sociais e políticos
da nossa história. Para tanto, recorri aos estudos de Romanelli (1991), Ribeiro (1982), Souza
(2009) e Bourdieu (1982), que tratam do modelo de escola sob outra perspectiva.
No segundo capítulo, foi estudado o conceito de escola enquanto organização social,
como uma instituição em que se faz presente uma dinâmica de funcionamento de grupos.
Neste capítulo foram abordados os enfoques sobre os estudos de Lapassade (1993), Enriquez
(1997) e Bion (1975), além das contribuições de Almeida (2003), que analisam o grupo e sua
dinâmica na organização social, dialogando com o modelo de escola vigente em nossa
sociedade.
No terceiro capítulo, foi realizada a análise dos dados coletados à luz dos conceitos
estudados, buscando vislumbrar qual a relação entre o modelo de escola dominante e a
violência escolar no âmbito das práticas pedagógicas.
Deste modo, conseguiu-se discutir a violência a partir de diferentes visões, com vistas
a entender os mais variados olhares para esta questão, à luz daquilo que se tem produzido
sobre o tema, inferindo possíveis contribuições para a compreensão do objeto pesquisado.
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CAPÍTULO I
1
O termo práticas escolares utilizado neste trabalho tem como pressuposto teórico o sentido definido por
Dominique (2001) em um artigo sobre a cultura escolar. Nas palavras da autora “Para ser breve, poder-se-ia
descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem
levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens, portanto, a utilizar
dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e demais
professores” (DOMINIQUE, 2001, p. 10-11)
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significativas com estudos das ciências físicas, das ciências humanas, das ciências biológicas,
da astrofísica, como uma abertura para a compreensão do homem em sua totalidade cultural,
religiosa, física e psíquica.
No entanto, vale ressaltar que no final deste capítulo será explorada um pouco mais
esta noção de complexidade, por outro lado esta possibilidade de compreensão do homem em
sua totalidade, permite encaminhar estes estudos para o campo do imaginário visto que as
práticas escolares carregadas de simbologia podem se fundamentar em modelo de escola
fechado ou possibilitar novas maneiras de olhar a realidade.
Outro autor, cujos estudos também caminham nesta direção é Almeida (2009), como é
possível notar no trecho abaixo:
[...] discutir essas práticas é fundamental, pois tal discussão pode evidenciar
o currículo a elas subjacente e indicar sua contribuição no processo de
formação da identidade das crianças. É importante perguntar se as práticas
desenvolvidas pela escola se articulam para formar identidades sujeitas ou
sujeitadas. Há uma ideia, segunda a qual a formação decorre exclusivamente
da assimilação de conteúdos, assim bastariam professores com as
competências técnicas para transmiti-los. (ALMEIDA, 2009, p.198).
Como vemos, o modelo dominante de escola no Brasil não tem como tradição a
valorização da criatividade. Contudo, antes de iniciar a descrição mais específica do nosso
modelo de escola, cuja origem foi a proposta jesuítica, é relevante destacar que a educação
implementada pelos jesuítas pode ser considerada um avanço em relação à época que com o
decorrer da descrição possibilitará esta compreensão, porém parece-me necessário falar um
pouco sobre o contato entre os portugueses e os índios, visto que os costumes, as crenças e os
valores destes eram diferentes do homem europeu que aqui aportou. A chegada dos
portugueses ao Brasil, em 1500, trouxe influências em todos os aspectos, culturais,
econômicos, políticos e religiosos. Ao chegar, o homem europeu encontrou uma civilização já
posta.
Os índios que, aqui, viviam tinham conceitos diversos de trabalho, de rituais, de
religião, entre outros, e passaram se relacionar com uma cultura bem diferente da sua e cujos
agentes chegavam também com objetivos bem distintos daqueles que habitavam o lugar. Vale
destacar que esta relação nem sempre foi tranquila e que após um período marcado por
guerras e catequeses, gradualmente, a nova terra foi se tornando um território de domínio
português.
O conceito de trabalho constituía-se num grande diferencial entre a cultura indígena e
a portuguesa, pois os índios sustentavam-se, por costume, através da caça, da pesca e do
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plantio, porém como uma cultura de subsistência. Viviam em aldeias ou em tribos ao longo
do território brasileiro. Segundo Fausto:
O primeiro contato dos portugueses com os indígenas foi exposto por Pero Vaz de
Caminha na “Carta de Achamento”. Descritos como pardos, de rostos avermelhados,
andavam nus de uma forma natural, tinham arcos, flechas, aparentavam bem afeiçoados. O
estranhamento cultural entre portugueses e índios foi marcado por diversos contrastes, entre
eles, o fato de serem considerados pagãos. No entanto, segundo Fausto (2006), a descrição
feita pelos portugueses se caracterizou pela forma impressionista de relatos dos fatos, visto
que de acordo com a resistência ou aceitação dos indígenas, os portugueses destacavam
aspectos positivos ou negativos, como por exemplo, os aimorés, que foram descritos por
acentuados aspectos negativos devido à rebeldia e a resistência ao homem europeu.
Diante deste cenário, os portugueses, aos poucos, foram se instalando para o efetivo
trabalho de exploração das riquezas naturais que, aqui, encontraram. A exploração da primeira
riqueza nativa da terra, o pau-brasil, foi a forma encontrada pelos portugueses para a
implementação do trabalho indígena. A derrubada de árvores foram os primeiros trabalhos a
que alguns índios foram submetidos a realizar. Alguns se adaptaram a este tipo de trabalho,
enquanto outros foram submetidos ao trabalho forçado.
O trabalho escravo gerou diversos conflitos entre portugueses e indígenas culminando
em um grande número de mortes. Somente em 1570, Portugal proibiu de fato a escravização
dos índios, no entanto, os aimorés continuaram a ser escravizados pelos portugueses, pois
foram excluídos desta proibição.
Do período de 1500 a 1549, não houve uma forma de educação sistematizada, somente
com a instituição do governo geral, chegaram juntamente com Tomé de Souza, os primeiros
jesuítas responsáveis pela organização da educação formal em terras brasileiras.
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Nóbrega foi além deste plano educacional, pois segundo Diva Spezia Ranghetti
(2008), Maria Aparecida dos Santos Rocha (2005) e Ribeiro (1982), o plano de estudo
proposto por Padre Manuel da Nóbrega foi um avanço em relação à época, pois o plano de
Nóbrega previa não só a catequese e o ensino de primeiras letras, mas também uma tentativa
de incluir nestes estudos as meninas. Rocha em seu artigo “A Educação Pública antes da
Independência” (2005) se refere da seguinte forma sobre este fato:
Embora a ideia fosse bastante ousada para aquele momento, Portugal não permitiu a
inclusão de meninas nos estudos e este intuito de Nóbrega não vigorou. Ainda no mesmo ano
de 1549, Nóbrega providenciou a construção da primeira casa com fins educacionais e de
catequese em formato de externato, chegando ao final do mesmo ano em regime de internato.
Em 1599, com a promulgação do “Ratio” pela Igreja em Roma, os colégios jesuítas
passaram a ensinar sob esta orientação. O plano de estudo “Ratio” previa o ensino igualitário,
os mesmo métodos, os mesmo conhecimentos, um ensino sistemático em todos os colégios da
Companhia de Jesus por todo o mundo, tanto em Portugal quanto no Brasil. Além disso, este
plano de estudo previa uma orientação para a formação de sacerdotes e recrutamentos de fieis,
dado as condições da contrarreforma. Conforme Ribeiro (1982) e Romanelli (1991), os
jesuítas tinham uma formação clássica por excelência, adeptos às humanidades, às letras, à
filosofia, priorizavam os exercícios intelectuais, o apego à autoridade, à revalorização da
Escolástica.
O Dicionário básico de filosofia de Japiassú & Marcondes (1996) apresenta a
seguinte definição para o termo escolástica:
Estes colégios jesuítas se organizaram, ainda conforme Ribeiro (1982), pelo ensino de
gramática em quatro séries, pelo curso de humanidade, por preceitos religiosos e por ensino
centrado na retórica, tendo como característica um ensino centrado em cursos preparatórios
para a graduação em Universidades na Europa. Contudo, a escola de primeiras letras,
implementada no plano de Nóbrega ficou em segundo plano e o ensino de primeiras letras
ficou a cargo das famílias. Aos poucos, foi culturalmente aceito que estes primeiros contatos
com a leitura e a escrita fossem obrigação das famílias, sendo orientados por tios letrados,
responsáveis pela sua formação.
Do século XVI até a expulsão dos jesuítas, o ensino foi ministrado pela Igreja. Nos
colégios, a disciplina para os estudos, a retórica e o sacerdócio foram predominantes na
formação secundária, além de possibilitar o ingresso em Universidades fora do Brasil. Por
outro lado, a escola de primeiras letras era de interesse da família que contratava professores,
padres para este ensino elementar, uma vez que a sociedade da época convivia bem com este
princípio educacional.
Os jesuítas se mantiveram no Brasil até o século XVIII, quando Marquês de Pombal
expulsou a Companhia de Jesus de todo território português e dos territórios de domínio
português, no caso o Brasil. As influências econômicas e políticas, e a própria tendência
enciclopedista de Marquês de Pombal, trouxeram sérias consequências para o cenário
educacional no Brasil.
Em 1759, se efetivou a expulsão dos jesuítas. A economia no mundo havia se
transformado, o processo de industrialização despontava-se em países como Inglaterra, no
entanto, Portugal se mantinha economicamente atrasado em relação a processo de
industrialização. Pombal era adepto das novas tendências filosóficas do enciclopedismo, que
tinham fundamentos iluministas, sobre o qual se manifestava um gosto pela razão. Os
iluministas defendiam a ciência, as liberdades individuais, a emancipação do homem em
relação aos dogmas religiosos.
Contudo, segundo os estudos Morin (2005), apesar do Racionalismo das Luzes
possibilitar o respeito e o culto ao homem em sua totalidade sincrética enquanto um sujeito
livre e racional, este processo racional foi se baseando nos princípios da economia e eficácia.
Neste cenário econômico, as relações entre Portugal e Brasil eram baseadas na exploração, a
extração de minério despontou-se, a partir do início do século XVIII, como relevante para a
manutenção da Metrópole.
O pensamento filosófico iluminista, baseado na concepção racional de
desenvolvimento humano, foi característico para a mudança das concepções de educação em
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modelo jesuítico. A vinda da família real para o Brasil significou um amplo desenvolvimento
urbano da cidade do Rio de Janeiro, consequentemente eram necessários técnicos e pessoas
especializadas que ocupassem postos, a fim de atender a economia em expansão, a leitura e a
escrita começaram a se fazer imprescindíveis neste contexto.
Diante deste cenário, o modelo de escola brasileiro sofreu sérios retrocessos em
relação à organização pedagógica e curricular desde a expulsão dos jesuítas. Sem espaços
próprios, sem formação de professores e sem recursos financeiros a escola brasileira
caminhou entre trancos e barrancos. Somente em 1822, com o Brasil tornando-se
independente politicamente de Portugal, ressurgiu um princípio proposto na Constituição
Brasileira de 1824, que seriam os primeiros passos na tentativa de reorganização de um novo
modelo de escola.
Deste modo, estas duas obras ilustram o imaginário social presente em O Conto de
escola, escrito em 1896, por Machado de Assis, registra as contradições da escola. O conto se
passa em 1840 e conta a relação dos meninos Raimundo, Pilar e Curvelo. Raimundo, filho do
mestre, que não sabia as lições direito, resolve dar umas moedinhas ao amigo em troca das
informações, no entanto, Curvelo os observava e os delata aos mestres. Os meninos são
castigados sem piedade diante da turma. Em uma análise de Caldin (2003) sobre o conto, a
autora apresenta a seguinte consideração sobre a questão:
Tal situação de terror no ambiente escolar não era incomum naqueles tempos
no Brasil. Freire (1981) aponta os seminários como verdadeiras casas de
detenção, consistindo Caraça, colégio de padre, no símbolo do sadismo e
maus-tratos. Descreve oprimidos-carneirinhos, como eram chamados.
Cumpre lembrar que além dos castigos corporais, no Caraça os meninos
passavam fome. A condição dos meninos nos colégios do Rio de Janeiro no
século XIX era um pouco melhor, visto que, não sendo, internos, ao final da
aula retornavam às suas casas e podiam, ao menos se alimentar. Mesmo
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Observa-se que a escola retratada no Conto de Escola, embora seja uma obra de
cunho ficcional, registra práticas escolares em que a valorização da submissão se fazia
presente, quando Curvelo resolve delatar os meninos. Os castigos recaíram, apenas, aos
meninos que se envolveram na troca de informações, desconsiderando o delator, fato comum
na sociedade da época.
Outra obra de ficção que se remete às práticas escolares do século XIX foi escrita por
Raul Pompéia. Embora não se pretenda analisar a obra em si, percebe-se uma verossimilhança
registrada nela em relação às práticas escolares da época. Sérgio é o personagem principal da
obra, que, as poucos, vai descobrindo que o colégio se caracteriza pela disciplina, hierarquia e
obediência à ordem. Outro fator que pode contribuir para reflexão da cultura escolar é o fato
de que havia em O Ateneu as aparências da normalidade, mas, sobretudo, reinava no colégio
outro lado obscuro. Segundo os estudos de Henrique de Carvalho e Bar de Carvalho (2008):
uma escola laica e sob a responsabilidade do Estado. Embora a instrução primária tenha sido
considerada como dever do Estado, após a expulsão dos jesuítas, o caráter de uma educação
popular surge nos ideais republicanos, principalmente em São Paulo com a construção dos
grupos escolares que se difundiram pelas demais regiões do país.
O século XIX foi marcado por intensas transformações no sistema de escolarização.
Métodos, formação de professores, níveis, espaços para a efetiva construção de prédios que
abrigassem um modelo de escola popular. Segundo Ribeiro (1982), se referindo às
considerações de Nelson W. Sodré, adotou-se no Brasil um modelo americano de organização
escolar: a escola graduada. As transformações advindas da disseminação de modelos de
escolas populares nos Estados Unidos influenciaram o processo de escolarização no Brasil,
desde o final do de século XVIII e intensamente no decorrer do século seguinte.
A fomentação das ideias de construção de uma escola pública nos países europeus e
nos Estados Unidos foi difundida por concepções de métodos, formação de professores,
escolas mais econômicas e rápidas que atendessem ao desenvolvimento e ao aceleramento da
revolução industrial.
No Brasil, as questões sobre o método estavam em discussão desde o século XVIII,
após a expulsão dos jesuítas, a organização escolar perdera o que se havia configurado
enquanto um sistema organizacional escolar. Os métodos de ensino praticados nas escolas se
mesclavam em individual, mútuo e simultâneo. O método mútuo conhecido, também, como
lancasteriano se concentrava em uma prática de ensino em que alunos mais adiantados
passavam instruções aos outros alunos, sempre orientados pela supervisão do professor. Já o
método individual caracterizado pela relação professor X aluno, individualmente, foi
considerado desde o final do século XVIII um método que despendia um tempo maior ao
ensino e um gasto demasiado em relação à quantidade de alunos, prevalecendo, então, na
sistematização da organização escolar, o método simultâneo.
O Dicionário interativo de educação apresenta a seguinte definição do método
simultâneo:
Nota-se que o discurso sobre a disciplina na escola se faz presente em estudos que
versavam sobre outras questões da organização escolar. A aplicação do método simultâneo na
efetiva construção de um sistema público de ensino originou o surgimento de um professor
ensinando diferentes alunos em um nível homogêneo de aprendizagem. O professor passou a
utilizar efetivamente o quadro negro e a repetição simultânea para que todos os alunos
compreendessem as lições que deveriam executar. Entretanto este método trouxe algumas
preocupações, como destaca Sousa (2009):
A tabuada é recitada “de cor”, é saber que aspira a automação rápida. Ela é
tomada em arguições e verificada nos exercícios praticados no caderno e no
quadro negro. Vícios como o uso dos dedos nos cálculos aritméticos são
cuidadosamente corrigidos e evitados (nada é mais particular da escola que a
cadência da recitação da tabuada): três vezes três, nove; três vez quatro,
doze...). Contar, calcular, medir, sobre números inteiros e frações.
Reconhecer os algarismos romanos e resolver problemas. O cálculo mental é
o coroamento do raciocínio estimulado partindo da resolução de problemas
fáceis evoluindo para os mais difíceis. (SOUSA, 2009, p.110).
Além dessas práticas escolares, segunda a autora, os exames finais nos grupos
escolares paulistas se mantiveram pela vigilância e premiação aos melhores alunos, previsto
no Regimento Interno das escolas públicas do estado de São Paulo (decreto nº 248, de
26/7/1894). Enfim, os grupos escolares emergiam no imaginário social republicano um
modelo de escola popular organizado, porém os grandes prédios monumentais foram
construídos, apenas, em centros urbanos, conforme revelam as figuras abaixo do Grupo
Escolar Caetano de Campos.
substituído por um modelo de escola mais barato. Por outro lado, há de se considerar o fato de
que um grande empenho por parte dos republicanos em educação popular como símbolo e
condições materiais, organicidade e mesmo os monumentais prédios construídos na época
marcaram este modelo de escola.
John Dewey, norte americano, tinha por concepção um modelo de escola que
atendessem aos anseios de uma sociedade em desenvolvimento, para isso era preciso
considerar a escola como um espaço no qual fossem apresentadas aos alunos as problemáticas
enfrentadas por uma sociedade em desenvolvimento. A escola seria o lugar de problematizar
as experiências, a interação social entre mundo e sociedade, ou seja, a escola seria um
ambiente privilegiado em que se pudesse lidar com questões sociais amparado pela ciência,
pela igualdade, pelas diferenças sociais, pautados em um processo democrático.
Nesse sentido, de uma educação que servisse às necessidades de uma escola moderna,
democrática e igualitária respeitando as diferenças sociais, o “Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova” se referiram à escola nova como uma oportunidade democrática de
desenvolvimento humano, baseada em uma concepção centrada na prática social e nas
relações interpessoais entre professor e aluno. Ainda se referindo ao modelo de escola
defendido pelo Manifesto, educadores como Anísio Teixeira defendiam uma instituição
educacional centrada no aluno, em resposta à centralizada no professor, enquanto autoridade
máxima do saber.
Ao ser publicado em 1932, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” ampliou a
discussão entre os educadores que defendiam uma organização sistemática de educação,
debatendo os encaminhamentos gerais em torno de uma educação popular democrática. Essas
diretrizes contidas no manifesto significaram, em termos gerais, um ideal de oportunidades e
igualdades a ser implementado em uma escola pública e laica. Portanto, novas práticas
escolares eram reclamadas, para os educadores desse movimento, o Estado deveria garantir
uma educação popular gratuita e igualitária, ou seja, segundo os produtores deste manifesto,
era preciso um modelo de escola democrático e aberto às discussões pedagógicas e às
necessidades educacionais do país, em contrapartida da escola tradicional, que desconsiderava
o fator da heterogeneidade.
O ideário da Escola Nova apontou as deficiências relacionadas ao ensino. A escola
tradicional centrava-se na transmissão do conhecimento em uma forma vertical de assimilação
do saber. As discussões sobre os programas escolares, sobre ritmos de aprendizagem, sobre
diferenças sociais, sobre formação de professores eram apontadas por educadores pautados
em princípios da Escola Nova. Além disso, os educadores iniciavam discussões a respeito de
um currículo que deveria ser introduzido na escola pública brasileira. Conforme confirmam os
dizeres de Sousa (2009):
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ensino destinado aos pobres, estava o Estado cometendo um ato lesivo aos
princípios democráticos; estava o Estado instituindo oficialmente a
discriminação social, através da escola. (ROMANELLI, 1991, p.153).
De modo que o Manifesto não significou, apenas, um debate sobre novas tendências
educacionais no Brasil, como também a possibilidade de democratização do ensino, apesar de,
ainda, não efetivada na época. O Manifesto também aclamava mudanças nas práticas
escolares enraizadas na disciplina, na ordem e no ensino verticalizado. No entanto, as
discussões em torno de um novo modelo de escola resultaram timidamente em algumas
atividades e projetos diferenciados.
Os estudos de Sousa (2009) sobre a escola primária paulista denotam a persistência de
práticas escolares, segundo a autora, as fotos de salas de aulas da época revelam que a escola
mantinha-se por um ensino centralizado na figura do professor, no controle de tempo e
espaço, na disciplina rígida e na homogeneização. Os alunos enfileirados, a lousa à frente para
exposição de lições, a disciplina, o controle de comportamentos, obediência, a memorização,
o ensino verticalizado marcaram o processo de escolarização da escola tradicional, se
contradizendo com os pressupostos da Escola Nova, conforme ilustra a figura abaixo:
Desta forma, segundo a autora, a ênfase sobre a didática e a metodologia foi ganhando
espaço em questões sobre implementação de currículo, técnicas, formação de professores,
principalmente, no decorrer dos anos 1970, com um modelo de escola tecnicista. A
intervenção do Estado em direcionar o currículo, a formação de professores, a organicidade
do sistema educacional em todo o país sem considerar as diferenças regionais e de
aprendizagens, institui-se como um mecanismo de reprovação em massa, notoriamente
legitimado pelo Estado. A escola então passa a configurar-se como uma das instituições a
serviço da produção e reprodução de manifestações de práticas escolares enraizadas em um
processo excludente e autoritário.
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O controle da educação, centrado nas mãos do Estado, começou a ser exercido por
força de lei, como por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A escola
organizou-se em ensino de primeiro e segundo grau até a nova LDB em 1996, que instituiu a
possibilidade de organização em ciclos, em progressão, em séries, semestres, enfim a gama de
alternativa de organização diante de novos conhecimentos e debates sobre acesso e
permanência após o fim do regime militar.
O padrão da instituição educacional do século XX começa a ser formar não só pelas
ideias de construção de um exemplo de escola popular, mas também por críticas ao modelo de
escola predominante, marcado pelo processo de vigilância e disciplina. Após a Segunda
Guerra 1939-1945 os questionamentos às instituições totais, principalmente a partir dos
estudos de psicoterapeutas de grupo, fizeram emergir no movimento de maio de 1968, na
França, questionamentos sobre a intervenção do Estado em instituições.
Neste contexto, os estudos de Bourdieu & Passeron (1982) denunciam o modelo de
escola que produz e reproduz a violência. Segundo Bourdieu & Passeron (1982), a violência
na escola se caracteriza pela forma simbólica nas relações de forças entre a imposição de uma
cultura em relação à outra cultura. Ainda, de acordo com Bourdieu (1982), os signos são
formas simbólicas construídas socialmente e culturalmente, todavia o sistema simbólico é
arbitrário, uma vez que não se relaciona com nenhum princípio humano, físico, biológico ou
cultural. Assim se manifestam os autores:
No cenário mundial, críticas a esse modelo de escola já vinham sendo discutidas desde
os anos 1930, com o movimento dos precursores da Escola Nova. Segundo Almeida (2005):
Desde a Escola Nova, passando por Rogers, Lobrot, Tratemberg etc., vêm se
questionando as chamadas organizações totais que, pelo gradeamento dos
tempos e espaços e da rigidez de papéis, buscam enquadrar as pessoas em
um modelo social político determinado. (ALMEIDA, 2005, p. 15).
Essa crise foi provocada e animada pelos jovens. Através de sua intervenção
direta e decisiva na desordem política verificamos o que significa a
“instituição do adulto”, e a sua função repressiva. A integração no sistema de
vida dito “adulto”, com suas normas, os seus mitos, os seus privilégios e as
suas servidões, constitui um dos mais eficazes instrumentos do “controle
social” – quer dizer, da contrarrevolução permanente e nossa sociedade.
(LAPASSADE, 1983, p.24).
CAPÍTULO II
Embora o “Maio de 68” tenha significado uma ruptura com as velhas formas de
instituição de poder, este movimento trouxe à tona reflexões importantes sobre a ordem
estabelecida, transformando e inventando novas relações sociais. Esses fatos apresentaram à
Pedagogia outras formas de análise da instituição escolar. Segundo Lapassade (1983), o
“Maio de 68” revelou as formas submissas e utópicas às quais a Universidade ou a escola
eram submetidas. O autor ainda destaca que através do conhecimento seria possível mudar o
que estava posto, como maneira de quebrar paradigmas, no entanto, foi em outro setor
reprimido que se manifestou a transformação de velhas instituições.
Nesse sentido, a compreensão destes conceitos, tais como grupo, organização e
instituição, parece fundamental para entender a escola, enquanto uma organização social viva
e dinâmica. Embora outras pesquisas, como as de Renê Lourau (1993-2000) sobre a
psicoterapia institucional, as de Michel Lobrot (s.d) sobre a pedagogia institucional e as de
Carl Rogers (1902-1987) sobre estudos denominados de não diretividade, sejam relevantes,
bem como as contribuições da Freud (1856-1939) com a psicanálise, o objeto de estudo deste
capítulo foi focar em autores, já citados aqui, para o aprofundamento das questões de grupos,
organização e instituição que permeiam o ambiente complexo que é a organização escolar,
49
visto que contribuem para o entendimento das manifestações da violência nas práticas
escolares.
Nessa definição posta pelo autor, um grupo é uma organização social dinâmica em que
se estabelecem relações com a instituição na qual está inserido, entendendo, aqui, como um
grupo, nos dizeres de Lapassade e Lourau (1972), um agrupamento de pessoas reunidas pelos
mais diversos interesses, como família, profissionais entre outros. As relações estabelecidas
por esses grupos, como regras sociais, comportamentais, sejam elas instituídas e instituintes,
caracterizam o grupo enquanto uma organização social. As regras instituídas dizem respeito
50
No entanto, o grupo, ainda segundo Lapassade (1983), precisa ser estudado e todo
mecanismo de constituição e funcionamento entendido, pois é nele que acontece a aceitação,
ou não, daquilo que é imposto pelo Estado ou pelo seu representante administrativo. O grupo,
52
Esta tendência de ver o grupo como uma organização social foi uma das contribuições
de Castoriadis (1922-1997), com uma releitura da obra do sociólogo Elton Mayo (1880-
1949), sobre um estudo de grupos elementares na Western Eletric. Na perspectiva de
humanização das relações dentro de uma empresa, Elton Mayo contribuiu significativamente
para os estudos da psicossociologia. Segundo Enriquez (1997) uma vertente desta obra foi
uma nova interpretação, na qual Castoriadis (1922-1997) evidencia que um grupo não se une,
simplesmente, por aspectos de afetividade, mas também por relações de produção, de
trabalho, um grupo se une com objetivos comuns de resistência e solidariedade humana. Ao
se referir a estes estudos, Almeida (2003) apresenta importantes considerações:
participa de um imaginário social comum ou ligado por laços invisíveis que permitem a
interação entre estes membros.
essas partes desempenham funções diferentes no grupo, como por exemplo, o lugar do chefe,
o lugar do realizador de tarefas etc. No entanto, ainda segundo o autor, o homem é um ser em
constante mutação, assim como o grupo também o é. Corroborando a ideia de Anzieu (1993)
Almeida (2003) faz a seguinte consideração:
A metáfora de grupo como organismo vivo existe para forjar um mito que
una as energias individuais, supere o egoísmo humano natural, instaure a
crença de uma ordem social aos moldes platônicos e facilite a submissão do
homem. (ALMEIDA, 2003, p.52)
Mas esta metáfora é tão ideal e artificial quanto a de grupo como organismo
vivo, pois a ideia de auto-regulação e de autoprogramação não solucionam
todos os problemas num grupo. O desequilíbrio entre a auto-regulação e
inter-regulação determina diversos tipos de grupo: grupo esquizofrênico (se
restringe a si mesmo, se priva da relação com os outros), grupo
sugestionável e histérico (sacrifica o autocontrole à inter-regulação), grupo
perverso e paranóico (excede no autocontrole). (ALMEIDA, 2003, p.52)
Assim sendo, o grupo funciona a partir de forças externas e internas que regulamentam
o funcionamento e a dinâmica de um grupo, contudo, o imaginário comum entre cada
membro de um grupo pode ser um facilitador para a solidariedade ou um elemento que
dificulte a relação entre os membros de um grupo, por outro lado, vale ressaltar que todo
grupo é composto por um imaginário comum.
A escola enquanto uma organização social complexa, na qual há elementos
constitutivos de forças de poderes e interesses que regem a organização, seja pela instituição e
por movimentos instituintes, compõe o cenário dos profissionais de educação. Estes
educadores, professores, gestores e funcionários formam grupos e subgrupos compostos por
56
Sendo assim, o imaginário não é algo aparente, visível, mas perceptível do ponto de
vista destas colocações. Há algo a mais no sujeito que torna a vida um encantamento, um
meio de sobrevivência diante das incertezas do meio social. O homem se constitui de uma
dimensão simbólica, de medos, fantasias, incertezas. No entanto, ainda, segundo o autor o
imaginário faz parte do coletivo, não existe o “meu” imaginário, mas quando se trata deste
imaginário está se falando de um imaginário coletivo.
Desta forma, quando se fala do imaginário de um grupo se reporta a concepção de que
o grupo, no caso aqui, o grupo na escola, tem em si um imaginário coletivo de um modelo de
escola, de um modelo de aluno, de uma intervenção externa, enfim o grupo é pautado não só
pela racionalidade que permeia o ambiente escolar mas para emoções, medos e incertezas.
Ainda considerando o significado de imaginário posto por Maffesoli (2001, p.76) “não
é a imagem que produz o imaginário, mas ao contrário. A existência de um imaginário
determina um conjunto de imagens”, assim, o imaginário é, antes de tudo, um conjunto
simbólico de imagens da interação do sujeito com mundo e vice-versa. Este imaginário é
composto por uma parte racional e uma não-racional, repleta de fantasias, sonhos, desejos,
afetividade, ordem e desordem.
Ao se reportar a este imaginário no campo da Educação, Almeida (2003) considera
relevante a compreensão de Sanches Teixeira (1990) sobre o imaginário social, que compõem
o universo escolar, sendo possível observar na seguinte afirmação:
A escola vive hoje uma situação que, em certo sentido, se parece com aquela
vivida em hospitais psiquiátricos no final dos anos 1930 e início dos anos
1940, quando a tomada de consciência dos médicos impulsionou a
psicoterapia de grupo. Os educadores vivem hoje de forma intensa o
processo de desumanização a que são submetidas as crianças e adolescentes,
que crescem em uma sociedade pobre sem referência positiva e sem
esperança. A realidade da fome para uns e da falta de sentido da vida para
outros que se vê cotidianamente nos gestos e atitudes das crianças, atinge
também os educadores, que acabam “vivenciando” esse processo de
desumanização, às vezes até por solidariedade, outras vezes porque
efetivamente são submetidos às mesmas condições de vida de seus alunos.
(ALMEIDA, 2003, p.40-41)
desumanização que vem ocorrendo nas escolas. A ordem como primeira instância, ainda,
permanece vigente, seja ela pelas formas simbólicas ou por meio da violência.
Os estudos de Bourdieu & Passeron (1982) encaminham para esse direcionamento da
compreensão do controle do tempo e espaço no contexto escolar, manifestadas nas
contradições impostas pela escola em relação às diferenças culturais existentes entre as
classes sociais como um paradigma da reprodução. A diferença social entre as classes é
marcada por valores simbólicos constituídos historicamente e socialmente. São valores
introjetados e legitimados pela escola como únicos e possíveis em uma sociedade marcada
pela desigualdade social e cultural.
Desta maneira, a violência simbólica na escola, imposta por meio de signos dos quais
a cultura dominante define como legítima, autoriza a instituição escolar a difundir os
costumes, os valores, as crenças, os comportamentos por meio de uma forma dissimulada.
Foucault (2003) ao analisar o papel das instituições compreende que a disciplina é
forma de manipular, homogeneizar, controlar, dividir o tempo, o espaço como forma de
dominar o outro. Ao considerar que a disciplina, as regulações e a constante vigilância são
formas violentas de subjugar o outro, Foucault (2003) faz um crítica ao sistema escolar de
normalização de todos e de tudo, seja por meio da disciplina regida, seja pelas formas
simbólicas, não permitindo assim que heterogeneidade seja manifestada na escola.
Em outra perspectiva, mas que se entrecruzam com as de Bourdieu (1982) e Focault
(2003), ao falar de violência, Maffesoli (1987) considera que a violência sempre esteve
presente em nossa sociedade, por outro lado a compreende também como um dinamismo
social, como uma forma que irrompe a regularidade e faz emergir um movimento de
renovação ou de resistência. A violência, ainda, segundo o autor é considerada pela trama
social como algo de desvio de conduta, de forma racional, sem considerar que há uma
dinâmica presente em nossa sociedade que faz com que a violência funciona como forma
renovadora ou como forma de resistência à opressão social.
Assim considerações, aqui, postas de conceito de modelo de escola, organização,
funcionamento de grupo e instituições, se encaminham para próximo capítulo, cujas
discussões e análises serão realizadas a partir dos conceitos de violência e dos estudos
anteriores à luz dos conceitos já abordados neste e no capítulo anterior.
62
CAPÍTULO III
A escola vive hoje uma situação que, em certo sentido, se parece com aquela
vivida pelos hospitais psiquiátricos no final dos anos 1930 e início dos anos
1940, quando a tomada de consciência dos médicos impulsionou a
psicoterapia de grupo. Os educadores vivem hoje de forma intensa o
processo de desumanização a que são submetidas as crianças e adolescentes
64
3
Dados disponíveis no Portal da SME – http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/anonimo/CEU/apresentação
65
agosto de 2012, os programas que visam a ampliação e a permanência do aluno na escola vêm
sendo implementados desde 2004, eliminando das escolas municipais os três turnos, ou seja,
acabando com o turno intermediário que funcionava no horário das 11h às 15h, criado em
caráter emergencial nas escolas da rede municipal de São Paulo. Progressivamente, o horário
de permanência do aluno na escola vem sendo ampliado, com uma hora a mais nas escolas da
rede municipal, tendo em vista que o turno intermediário vem sendo abolido.
A partir desta política educacional, as escolas municipais de São Paulo passaram a
funcionar em períodos composto por três turnos, sendo um deles das 7h00 às 12h00, das
13h20 às 18h20 e das 19h00 às 23h00, expandindo o horário de permanência dos alunos nas
escolas.
Juntamente a esta política de ampliação da permanência do aluno na escola, os Centros
Unificados de Educação passaram a contar com uma gama variada de equipamentos. Assim o
CEU Encontro com o Presente possui com uma quadra poliesportiva coberta, um teatro,
playground, 02 piscinas, sendo uma olímpica e uma infantil, uma biblioteca, diversos espaços
para oficinas e um telecentro. Além da quadra coberta, há duas outras quadras descobertas,
uma com piso de cimento e outra sem piso. O complexo todo tem em torno de 35mil m²,
atendendo a comunidade todos os dias por meio de oficinas, com foco no lazer e na cultura,
sendo que durante a semana, de segundas-feiras às sextas-feiras, o complexo conta com o
funcionamento das escolas que o compõem mantendo atividades escolares regulares.
No início do funcionamento deste complexo, circulou pelos corredores do CEU EMEF
Encontro com o Presente um boato segundo o qual as escolas do entorno fizeram uma lista de
alunos considerados com baixa aprendizagem e indisciplinados e encaminharam para unidade
recém inaugurada. Este fator pressuposto pelos professores marcou negativamente o
funcionamento desta EMEF desde o ano de 2007.
Atualmente, o CEU Encontro com o Presente atende, principalmente, a sua própria
demanda, já que os alunos matriculados no Centro de Educação Infantil (CEI) permanecem
neste complexo, tanto na EMEI quanto na EMEF, cursando o ensino fundamental.
A EMEF CEU Encontro com o Presente foi o local escolhido para a pesquisa, uma vez
que ser professor desta EMEF foi um facilitador para a coleta de dados, possibilitando com
isso uma análise sobre a minha própria prática docente e as práticas escolares que se
manifestam neste cotidiano. Embora, em alguns momentos, considere o CEU como um todo
na pesquisa, como venho demonstrado, este estudo foi realizado em apenas uma das unidades,
ou seja, o local escolhido para a pesquisa foi a unidade EMEF Encontro com o Presente uma
vez que sendo professor desta unidade dentro do CEU facilitou a coleta de dados e realização
66
da pesquisa participante. A EMEF, embora faça parte deste Centro de Educação Unificado é
uma escola como as outras, salas de aulas de um lado e de outro, em uma corredor térreo e
outro superior.
A EMEF CEU Encontro com o Presente funciona em três períodos, atendendo aos
diversos segmentos, como Ensino Fundamental I de 1º ao 5º ano, Ensino Fundamental II da 6ª
a 8º série. No momento da pesquisa, ainda, convivia com algumas turmas do Ensino
Fundamental de 08 anos e outra turma que se iniciava no ensino de 09 anos, fato que gerou
alguma confusão junto às famílias e entre os próprios alunos. Afinal, ambos precisavam lidar
com uma mudança em termos linguísticos de uma palavra para outra carregada de signos e
símbolos, ou seja, de série passou para ano, de modo que um aluno, atualmente matriculado
na antiga 5ª série, estaria no 6º ano. No entanto, o que se vê em algumas escolas, ainda, é a
nomeação por séries e turmas.
Com relação à unidade escolar, ela é composta por uma sala de vídeo, normalmente,
utilizada como depósito de materiais de alunos, uma sala de leitura, uma SAAI (sala de apoio
e acompanhamento à inclusão) para as crianças, para jovens e adolescentes portadores de
múltiplas deficiências, além de alguns depósitos improvisados, como a sala de educação física
e a sala de materiais pedagógicos. De um modo geral, a escola mantém um aspecto físico
limpo, possui banheiros masculinos e femininos para professores e alunos, acessibilidade para
os portadores de deficiência e sempre há manutenção, embora haja reclamações de
professores sobre a acústica das salas de aula e o constante cheiro de tinta nos corredores da
escola durante o período de aulas regulares.
Em dias de aulas, há na entrada e na saída um sinal sonoro, sendo, rigorosamente,
tocado às 07h, às 13h30 e às 18h20, além dos horários de intervalos. Os sinais de entradas são
tocados exaustivamente, causando comentários entre os professores e os gestores e um
desconforto sonoro para quem está próximo ao som. Não há tolerância para estes horários de
entradas, os pais ansiosos reclamavam pela demora dos professores em buscarem as crianças,
gestores apontam a falta de pontualidade dos professores, os professores, por sua vez,
reclamam do controle excessivo sobre o horário. Todos os dias, permanecem um inspetor e
mais um assistente de diretor no controle da entrada das crianças e de professores, quando há
atrasos um gestor ou assistente técnico pedagógico (ATE) se encaminha até a sala dos
professores informando-os do horário.
Há dois portões, um grande em forma de grade e outro de vidro na entrada da EMEF,
porém com apenas uma metade aberta, para que somente alunos entrem na Unidade. Não é
permitido entrada de responsáveis ou acompanhantes das crianças. O horário da saída é um
67
dos mais críticos, visto que ao sinal as crianças saem correndo, o que causa, algumas vezes,
tumultos neste momento.
Ao observar o intervalo das crianças, há alguns que se alimentam rapidamente para
brincar e outros que não se alimentam para aproveitarem o tempo em brincadeiras, como por
exemplo, de futebol, de figurinhas, de pega-pega, entre outras.
Atualmente, a escola propôs um horário de intervalo em um tempo maior. Este
intervalo ocorreria quinzenalmente em que professores acompanhariam os alunos no decorrer
de 45 minutos, em um recreio estendido, no entanto, a implementação deste tempo a mais não
tem se concretizado. A princípio a proposta seria de que os professores acompanhassem os
alunos neste período, no entanto, houve questões em que a disciplina se fez presente e o
período de intervalo maior não aconteceu.
A discussão em torno de uma escola que viabiliza espaço para as brincadeiras suscita
diversas contradições em torno dos espaços do CEU. Para alguns professores, a escola é um
local de estudo, disciplina e ordem, para outros os espaços que compõem o Centro de
Educação Unificado precisam ser ocupados pela EMEF como uma forma de utilizar estes
espaços para educação forma e informal.
Outro aspecto que merece destaque dentro do Centro de Educação Unificado é a
piscina, que encanta as crianças. Na EMEF Encontro com o Presente há um cadastro para as
aulas de natação realizada pelo professor de educação física, normalmente, no início do ano
letivo. Nem todos são escolhidos, pois a disciplina e nota dos alunos são elementos que estão
presentes nesta seleção. Culturalmente e historicamente, práticas escolares demonstram que a
seleção que a escola faz, se constitui enquanto um elemento de manifestação de violência.
Alunos considerados pela escola como exemplares, disciplinados e com boas notas, são os
escolhidos. Segundo Almeida (2009):
Esta seleção realizada pela escola, baseada em pressuposto de que a premiação aos
bons alunos seja um fator de possibilidade de que os outros se tornem exemplos a serem
seguidos, exclui o diferente, criando uma cultura de que a escola foi feita para uns e não para
todos.
68
Há no entorno deste CEU duas grandes escolas, como já disse anteriormente, que não
possuem os mesmos equipamentos, porém após a construção deste CEU os arredores
ganharam uma praça, semáforo em frente ao CEU, alguns bares e docerias frequentados por
crianças e adolescentes, o que faz com que alunos cheguem à escola com doces, chicletes,
porém são proibidos de saborearem estes doces em salas de aulas, sendo muitas vezes
obrigados a jogarem fora quando pegos nesta situação. Outra prática escolar, também,
discutida por Almeida (2009) manifestada neste CEU, dizem respeito às festas.
Uma das atrações constantes neste CEU é a Festa Junina, quando as unidades que
compõe o Centro de Educação Unificado dividem-se em espaços e preparos para a festa,
assim com a gestão do Centro de Educação Unificado se organiza também, com barracas e
brincadeiras para arrecadação de dinheiro, tudo é cobrado tanto para as crianças quanto para a
comunidade que a frequenta. Estas festas tem a presença maciça da população, das crianças e
de jovens. Estas festas, realizadas em dia de trabalho escolar com a participação de
professores, funcionários e alunos, contam com a contribuição e a arrecadação de prendas
doadas pelos alunos. Estas prendas são postas à venda em dias de festa, o que acarreta um
dano maior aos alunos, pois estes se veem obrigados a comprarem o que já haviam doado para
a festa. Almeida (2003, 2009), ao discutir esta questão, considera estas ações contraditórias
em relação aos aspectos humanos, legais e pedagógicos. Para o autor:
Outra observação, aqui, dada como fator importante, foi a ampliação de uma padaria
próxima a este CEU, que passou a servir refeições em forma restaurante, onde frequentam
professores, trabalhadores do hospital, além da própria comunidade deste bairro. Há encontro
de professores neste local, muitas vezes já marcados, para tomarem um café ou para
almoçarem juntos. Segundo Maffesoli (1987):
Estes momentos são considerados pelo autor como um momento de viver o social, no
qual os fantasmas e os medos fazem emergir o cotidiano vivenciado pelos professores.
69
Práticas escolares são, às vezes, assuntos constantes em que algumas vezes são combinados e
levados a cabo.
A construção deste CEU mudou o cenário do entorno. A urbanização e a ampliação do
comércio modificaram a paisagem local. Em torno do CEU foi construído um grande passeio
gramado. Semáforo e faixas para pedestres foram também colocados neste local. A
localização do CEU fica em umas das principais vias de acesso ao bairro, conforme mostra
figura abaixo.
Figura 7 – Mapa dos Bairros da Cidade de São Paulo – Cidade Tiradentes em destaque
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Tiradentes
Apesar do bairro Cidade Tiradentes contar com os serviços públicos, aqui, destacados,
a região ainda possui no que diz respeito aos serviços educacionais públicos uma demanda
significativamente grande, além de apresentar índices relativamente baixos de aprendizagem,
conforme aponta o IDEB de 20095. Em uma escala de 0 a 10, o ensino fundamental de 5ª/6º
4
Dados disponíveis em: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/indices_sociais/index.php?texto=corpo&tema
5
Dados disponíveis em: http://www.nossasaopaulo.org.br/observatorio/regioes.php?distrito=25&tema=4
&indicador=5#
72
ano ao 8ª/9º ano obteve o valor 4,70, ainda, que, segundo o site, em relação aos outros bairros
é considerado abaixo da média.
É neste contexto que se situa o Centro Educacional Unificado Encontro com o
presente, do qual são extraídos e analisados dados do cotidiano da EMEF para permitir que se
compreenda como as manifestações da violência nas práticas escolares se revelam neste
modelo de escola, situado em um bairro em que se faz presente o desejo de viver.
Entretanto, como não existe sujeito que não seja subjetivo, neutralidade e
objetividade são entidades mitológicas, inventadas, sobretudo para acobertar
práticas escusas. O que a PP faz é simplesmente colocar na mesa, do modo
mais transparente possível, as ideologias em jogo, para que sejam discutidas
abertamente. (DEMO, 2008, p.17-18)
Desta maneira, houve uma preocupação subjetiva latente que emergiu por meio de
estudos e leituras realizadas sobre o tema proposto. No entanto, a pesquisa considerou não só
as observações do contexto em que a pesquisa foi realizada, como também as minhas práticas
em sala de aula, além de algumas conversas informais na sala dos professores sobre este
73
Ainda que não se tenha a pretensão de mudar o que estava posto, houve em diversos
momentos conversas informais com grupo de professores que me abordavam sobre o tema.
Em algumas situações, havia uma preocupação constante com a violência, no entanto era
sempre manifestada como um fator que não fazia parte de práticas escolares, mas de
indisciplinas que a escola não conseguia lidar.
Outro fator, que contribuiu para as discussões na unidade educacional em que se
desenvolveu a pesquisa, foi um convite feito pelo Diretor de Escola para a apresentação dos
dados iniciais da pesquisa em uma reunião pedagógica, que aconteceu nos períodos da manhã
e da tarde, no decorrer do ano de 2012, visto que o primeiro período passava por momentos de
turbulência quanto à questão da indisciplina, embora o foco da pesquisa não fosse esse.
No primeiro período, os professores permaneceram calados, apenas dois se
manifestaram, considerando as questões de vigilância como um fator predominante na escola.
Nos dizeres de Maffesoli (2001):
Nosso grupo não é para ele senão um campo de aplicação de suas ideias, um
campo de experiência. Para ele, os resultados serão muito instrutivos, mesmo
se forem um fracasso. Mas para nós, nos arriscamos a perder as vantagens,
certas, conhecidas, de nosso funcionamento atual, para nos lançarmos numa
aventura incerta para ganharmos em troca dificuldades e decepções. É
preciso sempre desconfiar do desconhecido. Não queremos ser tratados
como cobaia... (ANZIEU, 1990, p.28-29)
Ao final, o aluno conseguiu passar as questões para o gabarito, coisa que nem fazia em sala de
aula.
Os comentários sobre a prova eram contraditórios entre alunos e professores. Para os
alunos a prova estava fácil, porém continha algumas questões eles não sabiam responder, por
outro lado, os professores comentavam que a prova não condizia com a realidade, pois os
alunos não estudavam e por isso iriam mal.
A prova é uma prática escolar ritualizada há séculos. De acordo com Sousa (2009):
Uma tendência na escola é fazer a seleção entre os que sabem e os que não sabem. O
mérito estabelecido pela escola se configura como elemento predominante em respostas
daquilo que os professores esperam de seus alunos. Desconsiderando outras variantes que
implicam no conhecimento e na própria resolução das questões proposta pela avaliação.
Neste sentido, a vivência e a experiência se tornaram fatores importantes da presença
do pesquisador no contexto. Embora houvesse a preocupação com a subjetividade do
pesquisador, procurou-se descrever por meio de outros sujeitos envolvidos com a situação da
escola, buscando a intersubjetividade como recurso para tornar mais objetiva a leitura das
situações do cotidiano escolar, a fim de registrar situações que pudessem ser compreendidas
ou não como manifestação da violência nas práticas escolares.
Outro fator relacionado à coleta de dados, também, partiu de um clima de
desconfiança entre o grupo. As entrevistas semiestruturadas foram elaboradas previamente.
Segundo Duarte (2004):
desse fenômeno que adentra o espaço escolar. Conforme as autoras, há fatores externos e
internos à instituição que contribuem para o significativo aumento da violência na escola.
Dentre os fatores externos, as autoras apontam para a pobreza, para a miséria, para a falta de
limites gerados pela psicologização da educação entre outros. Ao se referirem a estes fatores
assim se manifestam:
Nesta perspectiva, a violência pode ser compreendida por diferentes olhares. Um dos
aspectos da violência que se procurou considerar, também, neste estudo se relaciona com as
análises realizadas por Maffesoli (1987, 2001). Segundo o autor, a violência pode ser
considerada enquanto um elemento de renovação, como um fenômeno social que configurou
diversas gerações.
Em termos gerais, a violência pode ser entendida como agressões físicas, agressões
verbais, simbólicas, institucionais que permeiam a sociedade moderna. Almeida (2009),
também, considera o fato de que este tema em questão está presente em diversos debates e
com diferentes enfoques, no entanto, ainda em consonância com este autor, o que se destaca
nas mídias são as agressões físicas e a violência contra a propriedade, sem adentrar nas outras
possibilidades de violência camufladas que a sociedade vive atualmente. As falas dos
professores expressam este sentido da noção de violência:
Pra mim é curto é grosso, é a falta de respeito que eu tenho com o outro não
importa o sentido que for, pra mim o fato de eu discordar de uma ideia tua,
eu não preciso usar de violência, seja ela verbal, seja ela física, seja ela
emocional... (Gestora Maria).
Eu acho que é qualquer agressão física ou moral que se faz a alguém, uma
ofensa, um tapa, são tipos de violência (Professora Socorro).
Pra mim violência é todo ato de agressão seja ela física, seja ela verbal. Tem
aquela agressão de bordoada, de bater, de destruir. E aquela violência verbal
quando a pessoa fala uma coisa que agride a outra pessoa verbalmente.
Então pra mim existem esses dois tipos de violência: tanto aquela que parte
para o lado da agressão física, como aquela que parte para o lado da fala...
(Professora Esmeralda).
Neste sentido, a escola tende a controlar o tempo e o espaço de cada um, normatizando
e disciplinando o que não se adequam ao modelo de escola proposto. Dividem-se as turmas,
controlam-se os comportamentos, separam-se os indisciplinados, controla-se a saída e a
entrada dos alunos e dos professores.
Contudo, o conceito de escola como CEU tem mostrado que os alunos permanecem na
escola e não fogem em horários de aulas ou quando tem outras atividades, contrariando a
concepção de que uma modelo de escola cheio de grades e de controle de entrada e saída é
uma forma de manter os alunos na escola, embora persista um fantasma que atormenta os
professores e a gestão quando se trata deste um assunto.
80
Além disso, o silêncio é um princípio particular das escolas, o bom professor é aquele
que domina a sala, que faz com os alunos permaneçam em silêncio todo o tempo. O próprio
termo dominar se faz presente no discurso da organização escolar.
Estes mecanismos controladores se manifestam como forma disciplinar, como práticas
escolares enraizadas há séculos. Em uma das turmas do 6º ano houve um discurso informal
dos professores de que os alunos estavam se beijando em sala de aula. Contudo, ao verificar a
situação, era uma brincadeira cultural denominada por “Beijo, abraço, aperto de mão”. Porém
a discussão sobre esse fato se concentrou, apenas, no caráter moral, desconsiderando a
brincadeira enquanto um elemento cultural passado de geração em geração. A providência da
escola foi a de proibir essas brincadeiras.
Este controle de tempo e espaço é analisado por Boudieu (1982) como uma forma de
violência simbólica manifestada nas contradições impostas pela escola. A escola seleciona,
segrega, elegendo como cultura legítima a cultura dominante em uma sociedade marcada pela
desigualdade social. De acordo com Bourdieu (1982):
Desta forma, é possível afirmar que a violência simbólica se manifesta por meio
práticas escolares que elegem a cultura dominante como legítima, seja na forma linguística, na
seleção dos conteúdos, em que a instituição é autorizada a disseminar valores, crenças,
comportamentos de uma forma dissimulado, onde não há espaço para o que não para o
diferente. Os excertos abaixo demonstram a violência simbólica como forma de manifestação
da violência na escola:
Em primeiro lugar o que acho mais injusto na escola, eu não sei dizer se é
uma regra, mas o aluno passar de ano sem saber ler escrever. Isso é uma
imposição, acho que não, nem uma regra, uma imposição ridícula. É, acho
que essa pra mim é a principal, o aluno não sabe escrever, não sabe ler por
mais que o pai queira que passe, a escola tinha que impor. Isso sim tinha que
virar regra, só passa quem sabe, outra coisa que eu acho é uma regra de cada
ambiente escolar, mas essa coisa não sei posso falar. Ah, não sei nem se é
próprio pra falar... (pode falar). Aquele grupo de alunos, podem chegar
atrasados, eles podem ir ao banheiro, eles podem fazer o que eles querem,
outros não, professores podem chegar atrasados outros não, professores
podem sair com a direção pra resolver problemas, enquanto coloca módulo
isso pode, agora outro que está pedindo pra abonar já não pode... (ATE
Milagros).
81
É, pode ser que tem alguma coisa a ver assim, mas eu não vou concordar
100% não, mas pode ser que tenha a ver sim. Essa diversidade incluiria tudo,
cor, gênero, raça, e até estou dizendo em relação ao social mesmo, de
condições, de condições financeiras, de família, então vai entrar tudo, todos
os tipos de preconceito, até sua classe social.... (Professor Emanuel).
Ah, sim, uma relação até mesmo na classe mais assim inferior tem sim. A
sociedade ainda é um pouco tradicional. Tem aqueles valores, querendo ou
não, ainda o homem tem que ser homem, mulher tem que ser mulher. Então
eu acho que tem uma relação sim entre diversidade e violência na escola,
muitas das coisas, das picuinhas, muita violência é gerada através disso,
nisso, uma brincadeira maldosa, que nem como eu falei pra você no começo,
chamado de viadinho, de sapatão, de neguinho, de não sei o quê, você é o
gordinho... (Professora Esmeralda).
desigualdade social, o aluno reclama para o professor destas agressões, mas o professor não
faz nada, configurando-se uma prática escolar em que a escola é para os que a sociedade
considera normal, o diferente deve se adequar, emergindo um discurso de legitimação, pois o
fato de que abordar o assunto pode causar uma polêmica na sala de aula, em que a ordem do
silêncio perderá o controle.
Ainda no sentido da noção de violência, vale ressaltar os estudos sócio antropológicos
de Maffesoli (1987). O autor estuda a dinâmica da violência enquanto um processo social e
dinâmico e que esteve sempre presente na sociedade desde a antiguidade, considerando
também a violência como um fator de resistência e de renovação da dinâmica social.
Na definição de Maffesoli (1987), a noção de violência não é um termo simples, mas
complexo, ao se referir a esta noção Maffesoli faz a seguinte consideração:
Nesse sentido, conforme explicita o autor, a violência pode ser considerada de diversas
formas, em diversos contextos sociais e culturais e de maneira bem diversificada. A parte
maldita parece se configurar no espaço escolar tentando ocupar todo o tempo do aluno em
lições e atividades e quando manifestada a escola tenta expurgar essa maldição que a
assombra.
Por outro lado, a discussão da violência na escola tem ganhado um apoio considerável
da mídia televisiva, transformando-se em espetáculo para o público sem considerar o outro
lado dos fatos. Assim, a violência na escola tem se configurado como algo que precisa ser
banido da escola, sem muitas vezes discutir as próprias práticas escolares enraizadas há
séculos. Em outro trecho, o autor destaca:
[...] Agora o que leva à violência? Pra mim também é uma incógnita, talvez
o stress, talvez o cansaço, talvez a falta de estímulo que o professor tá tendo,
porque a culpa não é do aluno, mas também não é do professor. Você vê,
tem um sistema que tá posto que eu acho que o próprio sistema em muitas
situações ele te induz a um gesto violento. (Gestora Maria).
A declaração acima mostra a violência em uma dinâmica na qual todos são vítimas.
Todavia, em organizações sociais nas quais as trocas são pautadas por relações de poder é
possível perceber que uma vítima acaba produzindo outras vítimas. As causas da violência
descrita na fala anterior indicam o professor como sujeito da violência devido à condição a
qual é submetido.
Na próxima afirmação, o professor amplia o conceito de violência e mostra a própria
competitividade, as metas desumanas estabelecidas por certas organizações como exemplo de
violência.
Bom, o termo violência ela vem, vai abranger sim várias ideologias, mas a
violência, vamos supor, de uma forma científica, nada mais é do que a
descarga energética do próprio indivíduo tentando obter o seu êxito. É um
dos meios da violência, ou outro item pode ser a violência nada mais é do
que um processo competitivo para que o indivíduo possa também obter seu
êxito. Pode ser um outro termo também, violência nada mais é do que aquele
processo pelo qual o indivíduo quer alcançar alguma coisa e fazendo com
que ele tente chegar nesse momento aplicando qualquer maneira irregular
para que ocorra seu objetivo... (Professor Dinho).
Deste modo, a violência, nos dizeres de Maffesoli (1987) tem uma dinâmica que a faz
utilitária, manifestando-se por meio da resistência à opressão, nas constantes lutas da vida
sobre a morte que o sujeito tem que enfrentar no seu cotidiano.
84
No entanto, a violência é considerada nos dizeres dos professores como uma parte
maldita, como algo que precisa ser arrumado, consertado, enfim diminuído. Este paradoxo de
destruição e renovação, modifica, desestrutura a ordem estabelecida, gerando um clima de
insegurança. Punem-se os infratores, os que não cumprem as normas, as regras, os
comportamentos, a escola tenta organizar, repartir, definir aquilo que é bom. Esta concepção
de violência não considera os desejos e opções do outro, sua necessidade de sobrevivência. O
grupo que tem a hegemonia escolhe o que é bom para o outro e não aceita que o outro tenha o
direito de questionar.
A normalização e homogeneização tendem a controlar os sujeitos por meio de
regulações, dos comportamentos, onde o diferente não acha espaço, é neste aspecto do
dinamismo social que possibilita um retorno do recalcado.
Ainda segundo Maffesoli (1987):
Sendo assim, a noção de violência estudada neste capítulo teve por objetivo
compreender este fenômeno em dois aspectos, a violência enquanto uma forma de subjugar o
outro e enquanto uma forma de resistência à normatização e às regulações que funcionam no
dinamismo social e que, de certo modo, se faz presente na instituição escolar enquanto uma
organização complexa. Portanto, algumas manifestações dos alunos que são tomadas como
desvio de conduta precisam ser analisadas como resistência política às imposições sociais.
A violência pode ocorrer de diversas formas e em diferentes contextos, seja por meio
de agressões à propriedade e a integridade do sujeito, física ou verbalmente, seja pela
violência simbólica praticadas em instituições, grupos, organizações. Há manifestações da
85
violência como forma de resistência e de preservação da vida sobre a morte, ou, ainda, através
do poder como forma de subjugar o outro.
Embora façam parte de um fenômeno social, conforme discutidos por autores como
Maffesoli (1987) Sanches Teixeira (1998), as formas de manifestações da violência se
modificaram ao longo da história da humanidade. Os homicídios, as guerras, o
esquartejamento, entre tantos outros, tomaram outras formas de manifestação por viés
racional e por uma monopolização da violência.
Ao discutir esta questão, Sanches Teixeira e Silveira Porto (1998) se referem da
seguinte forma:
Tal situação pode ser obervada pela quantidade de grades existentes nas
escolas, cujos espaços são cada vez mais fechados, mostrando a preocupação
com eventuais invasores. Esse modo de conceber a violência promove o
fechamento da escola para o diferente e contribui para o estabelecimento do
preconceito como principal critério de avaliação sobre quem deve ser
recebido na escola e qual o comportamento adequado para ali permanecer.
(ALMEIDA, 2009, p. 491).
Desta maneira, observa-se que, além das agressões físicas e verbais, o domínio dos
comportamentos é uma das manifestações da violência na escola. Controlam-se os horários de
entrada, saída, horários de brincadeiras, os impulsos sexuais, os namoros, o tempo e o espaço
em que cada sujeito deve ou não circular, aquilo que se pode ou não dizer em determinado
86
momento. Todos devem se comportar da mesma forma, fazer as mesmas atividades, aqueles
não se adequam aos comportamentos e regras impostas pela escola, são aos poucos excluídos
e tratados de formas diferente.
A história da Educação no Brasil tem mostrado as variantes em relação ao modelo de
escola vivenciado e as formas de manifestação da violência em diferentes contextos. A
palmatória foi um dos instrumentos que perdurou durante séculos na escola brasileira,
enquanto um castigo físico. Todavia, ainda hoje, o castigo físico persiste, entre outros
relatados em conversas informais como puxões de orelhas, permanecer em pé atrás porta da
sala de aula, enfim uma gama variada de castigos físicos e punições.
Desde o século XVI até meados do século XIX, a palmatória, os castigos físicos, as
punições corporais foram formas disciplinares presentes na escola, sendo banido totalmente
no final do século XX com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.
Embora o modelo de escola vivenciado, hoje, tenha abolido os castigos físicos e
corporais como formas de manifestações da violência, atualmente, a escola vive um clima de
medo e insegurança.
Em um estudo feito por Charlot (2002) sobre as formas de manifestações da violência
em escolas francesas, o autor considera que a violência não é um fenômeno novo, mas que
desde os anos 1950 e 1960 já faziam parte do cotidiano de escolas francesas. Neste estudo, o
autor apresenta as diferentes maneiras de manifestação da violência na escola que se tem
atualmente. Segundo autor, se presenciam homicídios, estupros, agressões com armas,
agressores que adentram a escola em busca de justiça, discussões que surgem fora da escola e
que acabam, de certa forma, em acertos dentro do ambiente escolar, agressões a professores,
funcionários, alunos contra alunos. Os trechos seguintes mostram que estas formas de
violência, também, se manifestam em escolas brasileiras:
outro, de tal modo que predomine a cultura dominante socialmente e historicamente pautada
na separação da senzala e da casa grande.
As brigas começam por nada, um menino lá na minha sala, ele bateu em uma
menina por causa de uma tesoura escolar. Um menino me derrubou no chão.
(Aluna Peres 5ª/6º ano)
universidade, enfim há valores pressupostos que nem sempre aparecem quando se explicita os
objetivos que se não atingidos, os alunos são considerados incapazes de um futuro brilhante.
O currículo na escola se configura a partir das normas, resoluções, que implicam que
todas as escolas sigam o mesmo ritmo de ensino e que recebam os alunos em um determinado
ponto. Dowbor (2010) pontua:
Em um currículo de Matemática, de Português, algumas coisas básicas
podem perfeitamente ser comuns. Eu trabalharia com a mesma visão que
temos numa universidade. Nós temos uma área interligada a um currículo
básico, obrigatório, e temos eletivas. Então, é perfeitamente viável ter alguns
currículos básicos para assegurar que certos conhecimentos cheguem ao
conjunto do sistema, ao mesmo tempo em que se faça uma adaptação
curricular, em função das especificidades de cada região. [...] Quando você
está num bairro onde a criança e seus pais sofrem determinados problemas,
que podem ser de poluição de córregos, de violência, de não ter acesso a
infraestruturas determinadas e coisas do gênero, você pode trabalhar com as
crianças, de forma científica, problemas que são completamente relevantes
para eles. (DOWBOR, 2010, p.168).
do prédio ou um agressor que vem de fora deste ambiente. Alguns registros internos da escola
demonstram, em sua grande maioria, um conflito entre professor e aluno, partindo, de forma
geral, por parte do aluno.
Nos documentos observados, os registros contêm, em sua grande maioria, anotações
realizadas por diversos professores da turma, sobre comportamentos inadequados, não
realização de atividades e, sobretudo, de desrespeito ao professor, mas nem sempre
explicitado esta falta de respeito.
Aliás, uma das deficiências dos registros é o fato de serem genéricos e não permitirem
o entendimento do que realmente foi o pólo gerador do conflito. Tais registros são sempre
feitos pelos adultos que, à medida que registram, já vão estabelecendo o diagnóstico e a
punição sem garantir o direito de defesa e do contraditório.
Em todas as turmas, há uma folha nominal por aluno com espaços para anotações
disciplinares. Foram observadas anotações das turmas do período da manhã 7ª/8º ano. De
aproximadamente 40 alunos, todos têm registros de ocorrências. Além deste registro, há outro
livro no qual a Direção faz os registros considerados mais graves, como brigas entre alunos
em que há ferimentos ou reclamações de pais/ responsáveis sobre professores. Os registros
realizados pelos professores são apresentados aos responsáveis em dias de reunião, como uma
maneira de dizer ao responsável pelo aluno os comportamentos exigidos para estarem na
instituição. Almeida (2003) assim se manifesta:
Outro fator observado, nos que diz respeito às práticas escolares, é o silêncio. Há uma
forma instituída de manutenção do silêncio nas turmas, os professores são levados por este
mecanismo a transformar os registros em uma forma de silenciar a turma barulhenta. Nas
discussões em grupo ou em reuniões pedagógicas, o discurso é de que todos precisam falar a
mesma língua, no sentido de manter a turma sem bagunças ou conversas, desconsiderando o
fato de que nem sempre os grupos que compõem a cada ano o cenário escolar possuem o
mesmo imaginário social. Há um imaginário social de uma escola centrada no silêncio do
aluno, sem abertura para manifestações, principalmente, as contrárias às práticas escolares
90
Assim sendo, esta prática escolar de subjulgar o outro a seus desejos, vontades,
reprime o outro, ignora o diferente, cria um espaço de tensão e conflito. Assim, são bons
professores os que mantêm a turma quieta, independente do mecanismo utilizado ou das
formas de manifestação do silêncio. A fala abaixo revela alguns agentes da violência na
escola, bem como práticas escolares vigentes:
Acho que começa pelo próprio sistema que foi implantado, o sistema escolar
ele é cruel, ele é seletivo, altamente seletivo, a maioria das escolas ainda
seguem o tradicionalismo. Ainda tem que mudar a raiz, desde o seu projeto
pedagógico até sua própria identidade com a comunidade, porque tem escola
que aborda o aluno de uma maneira sutil, o aluno se sente parte dela, a
maioria que a gente vê não tem essa identidade, não tem esse vínculo, não
cria, e quando tenta criar ela veta (Professora Neusa).
Esses rituais são estendidos aos pais quando são chamados à escola para
ouvir falar mal de seus filhos. Dificilmente os pais vão à escola ouvir os
professores falarem do próprio trabalho, para participar das decisões
importantes. (ALMEIDA, 2009, p.501).
Um ato entre dois alunos, eles não resolvem de forma justa, porque ninguém
quer ouvir o outro, ele quer abaixar o fogo ali, todo mundo tapa o sol com a
peneira, porque não quer saber por que aquela pessoa é violenta, porque
aquela pessoa passa por discriminação, porque um funcionário está sendo
excluído e não quer participar de nada, de uma confraternização, por quê?
(ATE Milagros).
relações entre professor e aluno se estabelecem por meio da instituição num nível que já está
instituído, destacando que na classe já se manifesta o poder do Estado.
Outro aspecto, presente nas falas expostas acima, se relaciona com o modelo de escola
constituído social e historicamente. A escola tradicional tinha como pressuposto a ideia de
uma transmissão de conhecimento horizontal, do professor para o aluno, embora tal modelo
de escola venha sendo questionada, ainda hoje, é o que domina em nossas escolas.
Almeida (2003) e Sousa (2009) compreendem que a escola vive hoje uma
dessacralização dos rituais construídos social e historicamente. Segundo Sousa (2009), a partir
de 1980, com a queda o regime militar, as escolas perderam os valores cívicos e patrióticos,
os desfiles, as festas de comemoração, as fotos colocadas nas paredes ou porta-retratos, já não
se viam mais. Segundo a autora:
Esta colocação posta pelo autor remete à discussão que surgiu no dia da apresentação
dos dados iniciais da pesquisa na reunião pedagógica. A questão em torno do brinquedo bate-
bate se restringia à tomada ou não do brinquedo pelos professores. Alguns se manifestaram
que pegavam o brinquedo e só o devolviam aos responsáveis, apenas um dos professores
93
alertou que este era um ato de violência praticado pela escola, mas não se discutiu as
brincadeiras enquanto um ritual necessário na infância e que a escola poderia possibilitar. O
mesmo ocorre com o celular, boné, entre outros brinquedos levados pelas crianças, como
figurinhas, doces, chicletes entre outros.
No entanto, autores como Sanches Teixeira, Iduína Chaves, Silveira Porto entre
outros, defendem a linha do imaginário social como uma forma de entender os rituais como
fundamentais no processo de construção da identidade social, da negociação, das articulações
sociais em torno dos conflitos em uma sociedade marcada pela racionalizada e pela
individualização. Na compreensão de Almeida (2003), ao citar os estudos de Sanches
Teixeira:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo inicial desta pesquisa foi estudar a manifestação da violência nas práticas
escolares, com fito de compreender em que medida a violência se configura em tempo e
espaço e como se manifesta no cotidiano escolar. Esse tema tem sido analisado em diferentes
perspectivas, estudam-se a violência entre os povos, a violência na prisão, a violência
simbólica, na sociedade, enfim uma gama variada que possibilita compreender o tema sobre
diferentes olhares.
Entre esses olhares, buscou-se nessa pesquisa entender as práticas escolares como
relevante para a minha atuação enquanto docente e enquanto pesquisador diante das situações
que emergem na organização complexa que é a escola, enquanto uma gama variada de
concepções pedagógicas, em que os grupos nem sempre estão ligados por um imaginário
social comum, porém unidos apenas por compartilharem o mesmo horário ou mesmo turno,
ou por um fio imperceptível que os conecta, o que faz com que a organização escolar
considere que o grupo possui o mesmo imaginário social.
Outro fator considerado enquanto uma organização complexa diz respeito ao jogo de
luz e sombra que permeiam este universo, bem como as formas instituídas e insituíntes de
poder que se manifestam na organização escolar. Nesse sentido, os estudos do campo do
imaginário grupal permitiu compreender que um grupo funciona por viés racional e outro
inconsciente e as que as relações estabelecidas para o funcionamento de um grupo estão
permeadas por viés fantasmático que ora se camufla ora se manifesta. Nesse sentido, recorri à
luz das teorias que orientam este estudo, como as considerações de Almeida (2003, 2005,
2008), os estudos de Sanches Teixeira (1998, 2010) além de outros autores como Chaves
(2000) que discorrem sobre a importância do imaginário social no campo educacional para
inferir possíveis contribuições sobre manifestação da violência nas práticas escolares.
Para a realização da pesquisa adotei como procedimento metodológico a análise
documental, feita por meio de uma revisão da literatura sobre a manifestação da violência na
cultura escolar completada por entrevistas semiestruturadas. Essa pesquisa foi complementada
por análises que consideraram a minha prática e as práticas escolares vivenciadas e
experimentadas por professores e alunos colhidas por meio de depoimentos em entrevistas
semiestruturadas. Esses procedimentos possibilitaram, se não compreender plenamente,
levantar inferências sobre a manifestação da violência nas práticas escolares a partir de um
prisma diferenciado daquele que se manifesta por viés racional, único, homogêneo.
95
Desta forma, o imaginário social sobre a violência no cotidiano da escola presente nas
falas e em práticas docentes permite inferir que no cotidiano escolar, na condição de um
espaço de vivências e experiências simbólicas, os estudos do imaginário de Gilbert Durand
(1997) são aplicáveis para uma análise aprofundada, que são o pano de fundo do
desenvolvimento desta pesquisa.
Embora não se tenha aplicado o AT-9 para levantar as estruturas profundas do
imaginário, segundo a teorização de Gilbert Durand (1997). Com esse estudo pôde-se
compreender que o imaginário surge no cotidiano escolar com um aspecto fantasmático, que
ora se camufla, ora se apresenta em movimento, responsável por reacender a alegria, o medo,
as crenças, os conflitos, enfim as manifestações do imaginário social presente na cultura
escolar.
Outro aspecto evidenciado na pesquisa se relaciona com as práticas escolares ao longo
do processo de construção da cultura escolar. Embora alguns estudos considerem a educação
jesuítica uma forma de manifestação de violência, a revisitação de alguns conceitos permitiu
compreender a relevância e as contribuições significativas implementadas pelos jesuítas sendo
consideradas um avanço para época.
Após a expulsão dos jesuítas a organicidade do sistema escolar foi desmantelada,
retomando uma tentativa de reorganizar de um sistema escolar somente no século XIX. Os
estudos evidenciaram que a escola foi se organizando por práticas escolares pautadas,
sobretudo, nos castigos físicos e em uma rígida disciplina. Outra questão a ser evidenciada,
enquanto uma prática escolar, foi a utilização do método simultâneo que originou a
homogeneização considerando que todos aprendem da mesma forma e ao mesmo tempo, sem
espaço para a singularidade, para a multiplicidade, para o diferente.
Embora no século XX o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” tenha
possibilitado uma discussão acerca de novas práticas escolares que proporcionassem a
abertura da escola a partir das questões pedagógicas, de um ensino centralizado no aluno e
não na verticalização, a escola se fechou em seus muros mantendo práticas escolares pautadas
no controle do tempo e espaço, visto que o processo de democratização da escola pública foi
inevitável, e uma nova clientela adentrou este universo.
A princípio apresentava-se como pressuposto a noção de violência como um fator que
assombra e a aterroriza a organização escolar. Embora as entrevistas tenham demonstrado nos
discursos as formas de violência física, verbal, e o caráter fantasmagórico do termo, foi
possível perceber que a manifestação da violência pode ser compreendida, também, como um
fator de resistência as imposições sociais e as injustiças. No entanto, algumas práticas
96
escolares desconsideram este aspecto punindo os agressores sem antes ouvi-los. Fato este
demonstrado no discurso da aluna Peres 5ª/6º ano que ao se referir o fato de ter sido xingada e
bater no aluno que a xingou, o professor considerou o fato corriqueiro e a aluna, nos dizeres
dela “saiu como a errada”.
A escola tem como prática inculcar nos diferentes a aceitação das discriminações, das
zombarias, dos xingamentos, do lugar onde estão e devem permanecer, pois não há nada a
fazer. Embora nos discursos dos professores e o do gestor o aluno é a vítima do sistema
escolar, pouco se tem feito na prática para mudar esta situação. Desta maneira, os estudos
convergem para a noção de violência, nos quais ficam evidentes algumas práticas escolares
que se manifestam de forma contraditória no cotidiano da escola, como as festas juninas, a
seleção de quem participa ou não de terminado passeio ou de atividades extraescolares. Essas
práticas escolares enraizadas em uma sociedade configurada por uma formação patriarcal
revelam-se na organização complexa que é a escola, utilizando os termos de Almeida (2003) a
senzala e a Casa Grande.
Sendo assim, observou-se que a escola se pauta, ainda, pelo episteme da razão
clássica o que a torna em um sistema fechado, simplificador, pressupondo a ordem à
criatividade. Em contrapartida esta pesquisa possibilitou, também, inferir a necessidade de se
considerar o paradigma da complexidade como sendo uns dos aspectos de dialogar, de
considerar a relevância de ordem e desordem como uma dinâmica social. Por outro lado,
percebeu-se também a necessidade de novas práticas simbólicas que organizam o cotidiano
escolar, visto que a partir do fim do regime militar muitas práticas simbólicas foram postas de
lado. No entanto, já perceptível que algumas práticas simbólicas retornam a organização
escolar como é fato das festas de formatura, das fotografias, do uso do uniforme, ou camiseta
escolar como formas simbólicas revalorização da organização escolar.
Finalmente, é relevante dizer que esta pesquisa não desconsidera a necessidade de
organicidade seja no espaço da sala de aula, seja nos espaços que constituem o todo da
organização escolar, contudo esta pesquisa aponta para possibilidade de compreensão do
modo como a escola se organiza em relação à heterogeneidade.
A escola configura-se como uma organização social na qual grupo com projetos
diferentes, organizados por imaginários diferentes interagem e realizam incessantes trocas. As
trocas realizadas no cotidiano da escola são orientadas pelas práticas institucionais que
organizam o seu cotidiano e pelo imaginário social dos grupos que interagem em seu
cotidiano A partir desta situação, verifica-se que as práticas escolares, em muitas situações, se
97
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ANEXO I
I – Gestor
01 – Defina a palavra violência.
02 – O que você entende por violência escolar?
03 - Há manifestações da violência no espaço do CEU ÁGUA AZUL?
04 – Quem são os agentes da violência no espaço do CEU?
05 – Como o espaço do CEU pode contribuir para redução da violência na comunidade?
06 - É possível afirmar que o trabalho das unidades que compõem o CEU é articulado?
07 - Qual a participação do Gestor nesta articulação?
08 – A exclusão do aluno por falta de dinheiro de alguma atividade organizada pela escola
pode ser considerada uma manifestação de violência?
II – Professores
II – Funcionários
III – Alunos
1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
2 – Quando há desentendimento entre os alunos como é resolvido?
3 – Como são resolvidos os conflitos entre alunos e professores?
4 – Os conflitos na escola são resolvidos de forma justa?
5 – Há na escola alguma regra que você considera injusta?
6 – Em que lugar da escola mais ocorrem situações de violência?
7 – Quem são os responsáveis pela prática de violência na escola?
8 – O que pode ser feito para combater a violência na escola?
9 – Qual a lição que você aprendeu na escola sobre violência?
10 – Você já sofreu violência na escola ou conhece alguém que já sofreu?
104
ANEXO II
ENTREVISTA 1
perto de mim, o que ele queria? Carinho, atenção, é lógico! Depois eu parei, repensei, tava
tudo errado! A forma como eu agi, eu atingi o objetivo, mas de forma errada. Hoje, é obvio,
eu não faço mas dessa forma, mas assim se eu tiver que dar bronca se eu tiver que pegar no
pé, se tiver que falar , eu vou dar bronca, vou pegar no pé, vou falar. Assim, esse aluno em
específico, ele até veio me procurar, “A senhora lembra quando a senhora me jogou na
parede?” “Eu lembro”. Eu não o reconheci na rua, mas ele me reconheceu e me chamou e eu
falei “Eu lembro” ele falou “Então hoje sou homem”, quer dizer de uma forma errada, mas eu
atingi o objetivo, né? Hoje eu não faria dessa forma, é óbvio, eu era imatura, eu tinha um ano
só de magistério. Então assim foi muito precoce, eu não tive orientação certa, isso pra mim foi
uma forma de violência. Quando eu estava como Diretora no Heliópolis, eu enfrentava
violência verbal e até passei pela violência física todo o dia, então era um contato diário,
lidava direto com o tráfico de droga, aonde pra mim aquilo dentro da escola era uma forma de
violência. Eles me afrontavam, fumando baseado na minha cara, baforando na minha cara, até
o dia que eu arranquei da boca do menino olhei pra ele e pisei em cima, ali eu comprei a briga
né, mas ali eu adquiri respeito, daquele dia em diante eu não tive mais droga dentro da escola.
Eu tive que chamar o líder da boca, conversar com ele, sentar, e a partir daquele dia eu tive
uma conquista, tanto que ele disse pra mim “A senhora soube me respeitar, a senhora chamou
e conversou, então a partir de agora não tem mais droga dentro da escola!” e realmente não
teve. Eu acredito que, assim, lá eram casos muito extremos, aqui na escola em que a gente
está, no CEU Encontro com o Presente, eu considero que as pessoas são muito carentes, eu
acho que a forma de violência deles que eles têm é assim os pais, muitos são separados, que
não conversam. Então vem o pai te conta uma coisa, vem a mãe e te conta outra, aí você fica
numa berlinda, não sabe em que você acredita. Você tentar pondera, avaliar, aí a criança aqui
dentro, ela é dita como agressiva não aprende e o que que nós professores fazemos? A gente
na maioria das vezes quer por para fora, quando deveria ser ao contrário, a gente teria que
acolher. Só que eu também não me sinto preparada para fazer isso, eu acho que eu tenho
muito a aprender sobre isso ainda. Como é que acolho uma criança que de repente mandou a
professora tomar naquele lugar? Como é que eu lido com esta situação? Eu tenho dificuldade,
uma conversa, um diálogo, chamar o pai às vezes é pior porque o pai vai espancar essa
criança em casa, então isso talvez piore essa situação. Talvez se a gente tivesse, né, não sei
qual a varinha de condão aí, uma outra forma de conversar, de chegar nessa criança, de tentar
abrandar a situação dela,mas a gente sabe que a hora que ela passa do portão da fora o que ela
vai viver lá fora é pancada, é grito. Então eu acho que assim, não consegui ainda vê, mas eu
acredito eu que se professores, eu gostaria muito que acontecesse isso já o ano que vem. Nós
106
passamos por uma situação muito delicada com uma professora anteontem e um aluno, ontem
foi a formatura, esse aluno se formou de uma forma talvez injusta, eu acho que foi, isto pra
mim foi uma violência praticada com a criança, com a professora, e nós temos que ceder a um
sistema que está imposto, isso daí assim me deixou bem chateada. A forma como foi
resolvida, pra mim, foi uma violência contra a gestão e contra os professores da escola, tinha
uma única envolvida, mas eu envolveria todos aí no sistema, porque esse aluno chegou na 4ª
série, mas ele teve a professora da 3ª, da 2ª, da 1ª e todos especialistas. Então ele não teve uma
única professora que reteve ele, ele teve um grupo de professores que não conseguiu
contribuir para aprendizagem dessa criança. Então isso pra mim é uma violência praticada
dentro da escola, nós não estamos dando conta da aprendizagem desses alunos, agora como
resolver isso? Não sei, talvez assim estimular mais o professor, eu acho que o professor está
desestimulado, talvez sim, não quero que envolva salário, porque pra mim isso não é dinheiro.
Então é assim, o grupo ele tem que ser mais coeso, mais unido, e o grupo quando eu falo é
secretária, direção, coordenação, professor, limpeza, cozinha, ele não tá falando a mesma
língua, porque o aluno às vezes sai com a maçã no intervalo e ele toma bronca, mas o inspetor
deixou ele sair com a maçã, e o inspetor sabia que ele não podia sair com a maçã, aí o outro
que pegou ele lá fora, deu a bronca, então ele tomou um bronca de graça, porque se o primeiro
tivesse falado “Olha, o alimento é pra ser consumido dentro do refeitório” é simples, não
precisa gritar, não precisa falar alto, é orientar. Então talvez a gente tá pecando na fala, na
comunicação, que é uma coisa que eu falei que eu acho que a gente falhou muito, a escola
ainda falha muito, e a comunicação ela gera sim essa violência, porque as coisas chegam
todas conturbadas e aí um explode com outro, que explode com outro, desnecessariamente,
mas é complicado você lidar com pessoas.
“Você ficou com a menina que eu tava afim” ou “A treta começou lá fora e eu vou resolver
ela aqui dentro”. Isso não tem desigualdade social pra mim, são fatos que acontecem isolados,
externamente, que independem de fator dessa desigualdade, independe, a criança acaba
trazendo pra dentro da escola, independe se ela está numa escola da periferia ou se ela está em
uma escola de ponta, e ela leva para dentro da escola e ela quer resolver lá, talvez por que ?
Porque a escola, não sei, né, ela é forte, ela é forte dentro da sociedade, só que a sociedade
não valoriza essa força. Como a família é forte lá fora e também está perdendo os valores,eu
acho que são os valores, talvez eu vou entrar em valores. Aí se a família soubesse o quanto ela
é importante na educação da criança e se a escola soubesse o quanto ela é importante na
educação da criança, os dois dessem as mãos, independente de classe social, as coisas
caminhariam melhor, porque você vê nas grandes universidades acontecendo barbaridades
não precisa, eu acho que não tem uma relação tão direta assim não na minha visão.
cozinha, pra mim o sujeito é ele, você pegar e colocar prato de comida e jogar o prato de
comida para criança pegar como se ela fosse um porco, isso eu não aceito, e todas as vezes
que eu vi isso acontecer, eu cai em cima, eu não aceito, eu não concordo, você dá bronca. A
criança tá pra se educada, ela tem que ser corrigida, você tem conversar, ser mais severo, eu
sou muito brava quando eu dou bronca, eu sou extremamente enérgica, mas assim eu acho
que a criança precisa da bronca, precisa saber o porquê, mas ela tem que ser ouvida. Será que
toda as vezes ela tá errada? E assim quando você começa a ouvir mesmo os adolescentes que
eu peguei né, e aí você ouve os bastidores da história da criança, então quando você ouve.
Nós tivemos dois casos, não vou mencionar o nome das crianças, mas assim, a criança não
aprendeu e ela tá deixada lado, quem foi o sujeito que usou de violência com ela, fui eu, que
deixei ela deixado de lado, dentro da sala aula. Eu me sinto muito frustrada por esses dois
casos, porque eu não consegui resolver, então assim eu abandonei, eu não tive competência,
não tive habilidade, não tive talvez coragem de ir mais a fundo e tentar ajudar essas duas
crianças. Elas chegaram pra mim com determinado problema e terminaram 2011 com esses
problemas e talvez até outros, que eu não consegui atingir, então eu fui o sujeito, então eu não
ajudei em nenhum momento, talvez até tentei,mas não tive esforço suficiente pra terminar
isso. Pra mim todos.
que é causado pela família, ou ela tem algum distúrbio que ela nasceu com ele a família não
aceita, não busca tratamento. Como é o caso, por exemplo, de um aluno da 3ª série, e esse
aluno é violento, ele chegou até bater em mim, aqui dentro, mas ele tem problema só que a
família não cuida dele, porque quando eu coloquei ele no meu colo, ele era um bebê, ele
precisava de colo, só que a família não teve discernimento, embora a gente alertou, avisou. Aí
o que que aconteceu, ele se mostra violento, mas o caso desse menino específico, ele não era
indisciplinado, ele era apenas violento e assim ele não teve ajuda necessária externa que
precisava. Tem um monte de casos, se a gente for,você consegue diferenciar, “Não, essa
criança é violenta, não, essa criança ela é indisciplinada” E ela é indisciplinada por quê?
Porque ela esconde, o que ela tá escondendo? Do que ela tem vergonha? O que ela não sabe?
É vergonhoso estar, talvez numa 7ª série, não sabe redigir um texto, eles pensam “Se eu fizer
isso os outros vão ver. Então o que eu vou faço: vou zoar, vou bagunçar”. Agora tira ela da
sala, ele produz e produz bem.
educada embaixo de regra, é isso que eu acredito. Ele tem tudo para contribuir, só que assim,
talvez falta aumentar o número de vagas, não sei assim se precisa maior oferecer, porque só
nós aqui, é lógico não vão atingir 100%. Vamos colocar a EMEF, nós temos 1700
matriculados, frequentes 1300 e pouco frequentes, se eles conseguirem atingir 700, que seria
50%, essas crianças não ficariam na rua. Então, assim, talvez o espaço, ele não é tão grande
quanto parece ser, porque uma sala para ter aula de balé, ela comporta, ela tem uma metragem
quadrada que ela comporta talvez 20 crianças, talvez precisasse aumentar o número de hora
aulas, pra você conseguir atingir uma maior número de criança, porque tem criança do lado de
fora querendo entrar e não consegue a vaga. Então eu acho que a criança aqui dentro com
essas diversas atividades auxiliaria sim a diminuir a violência na rua, porque enquanto ela fica
na rua, ela vai continuar a ser violenta, porque a rua não tem muita coisa legal para ensinar
não. Agora, se ela tivesse aqui, no famoso contra turno, ela conseguiria, mas isso não
acontece e tá muito longe de acontecer.
08 - É possível afirmar que o trabalho das unidades que compõem o CEU é articulado?
Não, ainda não, totalmente não, tá muito longe disso, até porque é assim o Projeto Político
seja CEI, seja EMEI, seja da EMEF, já que nós temos a oportunidade de sermos vizinhos eu
pelo menos nunca presenciei uma troca de figurinhas: “Que que rola aí na CEI? Que que rola
aí na EMEI? Me dá o teu projeto pra eu ler que eu vou te dar o meu, vamos marcar um
encontro?” Eu não presenciei ainda, pode ser até que venha acontecer, mas eu acho que é
assim se a criança entra na CEI, passa pela EMEI e depois vem pra mim. Se eu conhecesse o
que é trabalhado aqui, com meu vizinho, talvez eu conseguisse melhorar o meu projeto,
porque eu já sei o que eu tô recebendo, então talvez eu pudesse melhorar o meu projeto. No
caso do CEU, o Projeto ele está em construção, ele não existe, ainda, ele é um projeto fraco,
eu acho que ele ainda tá muito fraco, eu diria que ele tá no ventre materno, ele tá sendo gerado
pra nascer, talvez se solidificar uma equipe que ainda não está sólida aqui dentro, ele venha
nascer e dar frutos, mas nesse momento ainda não, eu acho que ainda tá muiiiito fraquinho.
09 – A exclusão do aluno por falta de dinheiro de alguma atividade organizada pela escola
pode ser considerada uma manifestação de violência?
Com certeza, até porque é proibido cobrar qualquer coisa, então é assim, é mesmo nesses
pequenos passeios, vamos colocar assim, que acontecem isso é uma forma de exclusão, ou
tem pra todo mundo ou não tem pra ninguém. Então como o ensino é publico, é gratuito
deveria ter pra todos. Então, mas não tem, não é o que acontece, existe quando tem um
111
passeio, quem vai ao passeio? Os melhores. E os outros? Eles são sorteio? Nossa, que sorteio
estranho né? Não é sorteio, é uma escolha feita por sujeitos atuantes que estão lá pra educar,
agora porque não a gente fazer uma tentativa de levar os ditos indisciplinados, será que aonde
eles forem eles vão ser indisciplinados? Eu já fiz isso, de verdade, pra esfregar na cara das
pessoas que lá fora eles não eram indisciplinados e eu obtive exatamente o resultado esperado,
eles foram os melhores. Eu não tive problema dentro de ônibus, eu não tive problema no
local, eles adoraram o passeio, não tive criança sendo mal educada com ninguém, muito pelo
contrário, e eles eram os excluídos. Eu já tive essa experiência, e assim gente podia até pensar
fazer aqui pra ver, eu acho que seria legal, fazer isso, pegar a nata da escola e falar “Vocês
foram escolhidos , então vocês foram escolhidos para mostrar que vocês tem capacidade,
então agora vocês terão capacidade mostrar que tem capacidade”. Eles vão mostrar, tenho
certeza disso, vamos tentar.
112
ANEXO III
ENTREVISTA 1
maneira sim de violência, né? Acho que isso é o que me ocorre agora. (E dentro da escola?)
Dentro da escola... quando uma criança mesmo ofende a outra por motivos como a gente já
falou da desigualdade, da diferença, da diversidade, por raça, por religião,outras coisas. Acho
que são os que mais me ocorrem agora.
ENTREVISTA 2
difícil, muito difícil você virar as costas. Você achar que “Ah, vou deixar pra lá, vou deixar
prá lá...” A violência atinge todo mundo dentro da escola, eu acho que desde o aluno até todo
a equipe, né, ela atinge a todos.
ENTREVISTA 3
diversas situações há violência, começando desde os professores, mesmo alunos, né, e aí vai
se espalhando para todo que não é tão relevante, entre eles mesmos, às vezes uma brincadeira
que poderia ser uma brincadeira, não sei se posso tá falando isso mas, é então às vezes a gente
interpreta que eles estão brincando, às vezes a brincadeira é uma coisa séria, às vezes é
xingamento, é que não vou lembrar de todas aqui, mas tem diversas situações sim.
noite, meia noite, às vezes, nem vê durante o dia, e eles tão largado, e ai eles fazem aquilo,
estão a mercê do mundão, eles fazem aquilo, isso é um, isso é um dos casos. Agora tem caso
também que ele tá com mãe ali, que a mãe nem trabalha, mas que a família é muito grande, de
08, 10, 12 irmãos, a mãe tá mais perdida que os próprios filhos e tá a Deus dará, então esses
meninos estão sujeitos a fazer qualquer coisa que um grupo de má índole vier chamar ele,
essas pessoas são os sujeitos da violência.
ENTREVISTA 4
primeiro dia de aula deveria ser assim, uma conversa mesmo pra conhecer, quem é o meu
aluno, e o aluno conhecer quem é meu professor? Para as pessoas saberem que, muitas vezes,
a gente vai entrar ali, a gente não está bem, a gente né? Eu falo assim de se conhecer numa
certa intimidade, é lógico que não muito aquela intimidade assim, mas numa certa intimidade
de você olhar o professor e falar assim hoje meu professor não está bem né? Ou mesmo assim
o professor “Ô hoje meu aluno não tá legal” dependendo do que eu vou falar, eu não sei como
que ele vai receber né? Assim fica no espaço da direção da coordenação, quer dizer no
ambiente escolar, o ideal seria que todos se conhecessem, ou pelo menos que tentasse não
fazer brincadeiras maldosas com pessoas que você não conhece. Eu sempre falo assim, você
tem que ter liberdade com aquela pessoa que você conhece, porque se você conhece, você
sabe se aquela pessoa vai aturar a brincadeira ou não, porque uma brincadeira acaba se
transformando numa violência, certo?
ENTREVISTA 5
nós temos aí o aluno que não quer estudar, o aluno que só quer bagunçar, a gente tem conflito
com o aluno que quer aprender. Chega um determinado ponto que pelo qual o aluno cansa e
ele observa que ele tá sendo enquadrado fora do grupo e volta a praticar atitudes irregulares, é
isso aí.
ENTREVISTA 6
ENTREVISTA 7
ANEXO IV
ENTREVISTA 1
gestão, porque assim eles não querem que o problema fique uma coisa maior, eles querem
uma coisa prática, independente ser for justa ou não.
ENTREVISTA 2
está bem vestido o professor discrimina muitas vezes o aluno, a própria direção, se a família é
muito humilde também é discriminada, eu vejo também que a ...também a discriminação é em
relação se a pessoa é nordestina. Então tudo isso tá tudo dentro da violência, não só com a
parte física da pessoa, mas se pessoa menos instruída, tudo isso gera violência principalmente
a violência pessoal.
eu acho que a escola tem que rever , tem muita coisa pra rever. A gente acha que violência é
só bater, empurrar, xingar, não a forma de um funcionário ou um professor ou um colega fala
pode ofender ou machucar mais que um tapa, eu acho isso, o psicológico é mais preocupante.
atrasados outros não, professores podem sair com direção pra resolver problema , enquanto
coloca módulo isso pode, agora o outro que tá pedindo pra abonar já não pode. A regra de
abonada é ridícula, acho que a gente tem as 10 abonadas... Ah, posso falar? (pode falar) As 10
abonadas do ano é um direito do funcionário, não tem que o diretor deixar ou não, tudo bem
imprevisto acontecem, pode ficar um filho doente, pode quebrar o carro, pode ter algum tipo
de problema pra resolver, não, se o diretor não assinar você não abona, você perde aquele dia,
fica até como injustificada. Eu acho que isso também é uma coisa pra se repensar, outra coisa
também é.. ah...outra coisa também importante o aluno não pode ser convidado a ser retirar da
escola por medo da direção, por medo do pai reclamar da DRE, eu acho assim que um aluno
que desrespeito um professor um funcionário a ponto de jogar uma cadeira,de dar um tapa de
chutar um professor,esse aluno permanecer na escola, isso é um circo, isso não é uma escola,
isso é uma palhaçada. Sabe assim, o funcionário tá exposto a uma regra que ele não foi
consultado se ele concorda ou não ele tá sendo imposto a aceitar , isso também é uma coisa
pra se pensar.
pais deixar muito além, se os pais não participar da vida escolar, esse é o momento do pais
participarem, entre os 07 anos 14 anos que é a formação dos alunos, se os pais não participam,
não sabe quem é o colega do filho, não sabe aonde ele vai, se ele tá cabulando, que existe
casos em muitas escolas que o aluno diz que vem pra escola e muitas vezes ta indo pra
parque, ta indo pra apartamento, sabe Deus fazer o que? E o pai não sabe,o pai não sabe de
nada, então assim, o pai tinha que vir,isso tinha que ser uma regra, uma vez a cada 15 dias o
pai vim saber ,ter relatório dos alunos, os alunos, principalmente os alunos problemáticos,
saber se o aluno tá frequentando realmente, não vim só em fechamento de bimestre e final de
ano, saber por que tá com tanto falta, por que que ela não reprovou? Não , tinha que ser uma
regra imposto pelo governo, já que o governo que interferir tanto na vida do povo, o governo
colocar uma regra como se o pai tivesse uma obrigação , se não for nada obrigado os pais não
vêm,uma obrigação dos pais tem que vir aqui pelo menos uma vez por mês ou dia 15 em 15
dias ou uma vez por mês, saber como que tá andando, como que tá o mundo escolar, porque
essa idade dos alunos de fundamental I e II é o momento em que eles estão descobrindo
muitas então os pais não devem deixar os filhos descobrir determinadas coisas através do que,
é do colega. Nós estamos falando da violência, mas tem muita parte da sexualidade também
que eles aprendem aqui na escola, às vezes muitas vezes de forma violenta, o amiguinho, o
namoradinho obrigando a menina, ou aí é um assunto muito incompleto, mas eu acho que
deveria obrigar os pais a vir e participar e juntamente com o psicólogo ou com o Conselho
Tutelar interferindo nisso.
calão, e eu achei aquilo uma agressão tão, aquela agressão que ele me chamou de tanto nomes
horríveis por causa de uma bobagem pra ele , pra mim aquilo dali não alterava em nada pra
mim, mas pra ele foi uma besteira, porque depois de 15 minutos eles saiu e aquilo dali me
deixou mas chateada do que ele me tivesse empurrado dado ou me dado um tapa. Eu já vi
vários colegas também sofrerem formas de violência, como serem empurrados por alunos,
serem avacalhados, serem xingados, sofrerem bullying de alunos por deficiência, pela cor,ou
pelo peso ou que for, se eu for contar todos os casos de violência que eu vivenciei ia ficar bem
demorado.
135
ANEXO V
ENTREVISTA 1
Peres – 11 anos
1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
Violência verbal e física, por exemplo, se alguma pessoa tá, isso já aconteceu muito comigo,
eu tô no meu canto, aí alguém passa e já começa a xingar. Eu acho isso muito errado, porque
ninguém tem o direito de fazer isso, ninguém sabe o que essa pessoa tá passando ou passou.
Eu acho isso ridículo, eu acho isso uma coisa de gente sem caráter, também dentro da sala de
aula isso acontece muito, por causa que tem as brincadeiras de mau gosto. Os meninos
começam xingar as meninas, as meninas que tem o peso maior do que o normal, ou que tem
algum defeito ou que usam óculos, ou que usam aparelhos, dentes metálicos. Eu acho essa
coisa ridícula, dentro da sala, dentro recreio, ainda mais quando a pessoa tá comendo, a
pessoa começa a zuar, “Hum... você é merendeiro! Você não tem comida em casa fica
comendo dentro da escola” Se a pessoa tá comendo isso é problema dela, ninguém tem que se
intrometer. Sim, eu também eu não gosto das pessoas que batem nas pessoas por elas terem
um peso maior do que o normal, porque isso já aconteceu comigo. No ano passado, eu
apanhei por eu ser gordinha.
assim tão ruim, mas aí ele foi lá e falou assim, “O menino tá saindo lá pra fora”. Então ele
falou “Eu vou meter a mão no meio da sua cara!”. Ele não é o pai do menino, ai se vai lá
contar na diretoria, os pais vem e não acontece nada. A professora Simone, a outra que a
gente não gosta, pegou no braço da menina, que ficou na maior vermelhão. Ela falou assim
“Foi pra machucar mesmo”. E ainda falou que a gente morava no chiqueiro, que a gente era
porco, que a gente tava no fundo do poço. Bom, eu não falei para minha mãe, porque isso dá a
maior confusão de alunos e professores. Eu não liguei, eu não ligo para a opinião dela, a vida
é minha. Eu acho que ontem ela foi se desculpar “Ai, eu gosto da Kátia”, mas isso não vai dar
em nada, que a gente vai continuar não gostando dela, porque desde o começo do ano ela trata
a gente desse jeito, porque a gente não é lixo pra se tratado igual animal. Ah, tem também o
“teacher”, que primeiro ficava falando que eu sou a anjinha dele, e as outras alunas ficam com
ciúme, ficam falando “Só a Peres, a Peres é o capeta”. Bom, eu sei e já falei que eu não sou
santa, ninguém é santo, santo só Deus, Santo Antônio, Maria Aparecida, eu não sou santa, eu
já falei isso pra ele. Esses dias, ele falou assim “Ô, Karen, vai falar pra essa menina parar”. Aí
eu falei “Professor, eu não sou a mãe dela, quem tem que fazer isso é a mãe dela, não sou eu.
Se ela não tomar vergonha na cara, o problema é dela, quem vai se ferrar na vida é ela”.
lá na minha sala que já tem duas páginas de ocorrência e a mãe não veio, não assinou e não
acontece nada.
se fosse para brigar na escola, para disputar território, a escola não se chamaria CEU Água
Azul chamaria “Território de galo de briga” para disputar entre meninos e meninas, para vê
quem é o rei da escola, porque é assim, eu acho patético essa coisa de território, porque no
final do ano todo mundo vai pra casa, todo mundo vai para férias e o ano que vem tá a mesma
coisa. Não adianta ficar falando eu sou a mais popular, por que ainda vou ter que estudar
muito, tem gente que quando tiver 17 ou 18 anos ainda vai estar na 8ª série, que vai adiantar
quere ser popular, ou pagar de bom, queria pagar de melhor, queria pagar de rei da escola. Eu
não sou nada agora, agora todo mundo, agora todo mundo acha que eu sou o quê? Eles acham
que eu não vou ser ninguém na vida, mas essas pessoas que agora mesmo que repitam de ano,
não vai estudar mais, eu acho que quando alguém ameaça “Ah! Você vai repetir de ano!”. Eu
não acho um motivo para ficar triste, porque vai aprender mais vai aprender de novo.
isso? E daí, o que ele deixa de ser ou não? Eu acho que deveria dar palestra, os pais
conversarem mais e uma psicóloga.
começou a chorar, minha irmã mais velha, ela tinha 15 anos, agora tem 16 anos. Ela começou
a chorar, começou a chorar, aí ela ficou tentando descobrir quem foi que me bateu. Quando
ela descobriu quem foi o menino ela pegou ele pelo braço e falou e levou lá na direção. Aí a
antiga coordenadora falou “Ele já tem muitos casos aqui de briga, a gente vai fazer uma
ocorrência contra ele”. Minha irmã ficou muito nervosa, muito nervosa mesmo. Ela falou
“Você quer estudar?” e eu falei “Não”. Em casa meu pai falou “Você quer estudar?” aí eu
falei “Não, tô com medo, pai! Vai que ele chama alguém pra me bater na hora da saída, vou tá
sozinha”. A partir desse dia eu comecei ir com minha irmã, aí esse ano ele já foi transferido.
Um dia, ele me viu na rua, eu tava voltando da Igreja, esse ano ele me viu na rua, ele olhou
assim pra minha cara, minha irmã tava comigo, minha irmã nem lembra dele, ele olhou pra
minha cara,eu fiz uma cara bem feia. Aí ele olhou assim pra cara da minha irmã, uma vez que
ele me viu sozinha começou a rir, aí agora ele me viu com minha irmã, ele só olhou assim,
não sei eu acho que ele tava com o irmãozinho dele, olhou assim pra minha cara e saiu
andando. Eu também conheço, deixa eu vê hum...eu conheço umas cinco pessoas que sofrem
bullying . Bom A Thais porque ela é muito pequininha, aí todo mundo fala que ela é seca. Um
dia ela tava sem o shorts , aí a menina falou a pegar o shorts dela, mas a Thais colocou o
shorts. Aí a menina falou “Ah, você tira me short agora!” e depois ela falou “Pelo menos eu
tenho bunda, coisa que você não tem”. Então todo mundo, depois desse dia, ficou zoando ela,
mas agora parara, ainda bem. Também tem a Natasha, a Natasha até eu zoei, porque depois
ela me zoou, porque a Natasha, todo mundo fica falando, parece um menino, falam que ela
anda estranho, mas mesmo assim ela é minha amiga. Toda vez que ela chega ela me dá um
beijo na bochecha e a gente vai pra sala. A Thais, a Natasha, quem mais? Tem o Andriel, ele é
gordinho também, todo mundo fica zoando ele, chamam de baleia fora da água. Também tem
a Tainara, que ela tem um machucado um roxo , aí todo mundo fica zoando ela. Apontam
para ela para os meninos e falam “Olha, sua namorada”. Aí tem os meninos que fala “Deus
me livre, é o diabo no corpo dessa menina”. Também tem a Noemi, todo mundo fala que ela
parece o diabo, porque ela tem treze anos ela usa maquiagem forte e até uma menina da 5ªG
brigou com ela: a Hanna. A Hanna tem fama de briguenta, fica zoando, zoando, zoando, aí
chegou aqui na frente, ia brigar lá no teatro, porque a gente tava vendo filme, aí elas iam
brigar no teatro. Depois fez a fila pra o recreio, aí entraram tudo pra sala, aí eu demorei um
pouco pra sai, quando eu sai assim, era as duas brigando lá fora. Aí todo mundo falou “Hanna,
Hanna”, eu acho isso também, que numa uma briga não tem pra quem torcer, porque os dois
tão errado, bem ou mal, um tá errado de zoa e o outro tá errado por começar a brigar. A
143
Noemi também ela também tá errada nisso, é porque também tudo que as meninas começam a
xingar ela já começa a levar pra diretora, aí as meninas começam a falar que ela é arregona.
ENTREVISTA 2
1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
Briga.
ENTREVISTA 3
1 – Quais situações que ocorrem dentro da escola que você entende como violência?
Brigas, deixa eu ver, bater um no outro, machucar, brincar de pega-pega, machucar, deixa eu
ver... hum... violência.