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O ACOMPANHANTE

Escrito por

Gabriel Vilela

Copyright (c) 2019

gabrielvilelabarra@gmail.com
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FADE IN:

INT. APARTAMENTO - AMANHECER

PORTA. Sons abafados de movimento no corredor. O ELEVADOR

sobe. As PORTAS DO ELEVADOR se abrem. PASSOS.

A CAMPAINHA TOCA. Em seguida, um BREVE SILÊNCIO.

A CAMPAINHA TOCA. MESA DE CENTRO. Sobre ela, GARRAFAS VAZIAS

long neck de cerveja e algumas REVISTAS.

A CAMPAINHA TOCA. VARANDA. O dia está amanhecendo. Pouco

barulho nas ruas. Alguns pássaros cantam. Um CINZEIRO sobre
o parapeito.

MARCELO (O.S.)
Já vai!

A CAMPAINHA TOCA. COZINHA. PIA. A torneira pinga.

A CAMPAINHA TOCA. TV LIGADA. Nela lê-se: "SEM SINAL".

MARCELO (O.S.) (cont'd)

JÁ VAI!

A CAMPAINHA TOCA. CONTROLE REMOTO. MARCELO o pega. Desliga a

TV.

Ele tem seus 25 anos. Cabelo bagunçado. Usa roupas largas. O

cansaço é aparente.

Marcelo ABRE A PORTA.

INT. OITAVO ANDAR - CORREDOR

Marcelo vê uma figura peculiar. Homem. Esguio. Tão jovem

quanto ele. Veste terno cinza. RELÓGIO no pulso. PRANCHETA
em mãos. Esse é a MORTE.

MARCELO
O quê foi?

A Morte checa rapidamente sua planilha.

MORTE
Marcelo de Souza?

MARCELO
Sim. Quem é você?
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2.

A Morte abre um sorriso.

MORTE
Bom dia, Marcelo! Eu sou a Morte.

A Morte estende a mão em gesto de cumprimento.

MORTE (cont'd)
Como vai?

Marcelo não o cumprimenta. Ao invés disso, ele olha para a

mão estendida da Morte por alguns segundos.

Marcelo encara a figura mais uma vez.

MARCELO
Você é o quê?

A Morte encolhe a mão, desistindo do cumprimento. O sorriso

permanece.

MORTE
A Morte.

MARCELO
Tá bom. O quê você quer?

MORTE
Eu vim te buscar.

Com certa candura nos olhos, a Morte sorri.

MARCELO
Ok...o quê eu preciso fazer pra você
me deixar dormir em paz?

MORTE
Acredite, Marcelo, é só o quê quero.
Você está disposto a me ouvir?

Marcelo relaxa.

MARCELO
Tudo bem.

Os dois se encaram por um momento.

A Morte olha por cima do ombro de Marcelo. Ele entende o

sinal.

Marcelo se vira e, relutantemente, faz um gesto o convidando

para entrar.
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3.

MORTE
Com licença.

A Morte entra. Marcelo fecha a porta.

INT. APARTAMENTO - SALA - CONTINUOUS

Marcelo e a Morte se sentam no sofá. Ambos em extremidades

opostas.

Marcelo pega o controle remoto e liga a TV.

MORTE
Essa conversa me deu um pouco de
sede.

Marcelo navega pela programação do seu serviço de streaming

favorito. Ele claramente não se importa.

MORTE (cont'd)
Você poderia pegar um copo d'água,
por favor?

Marcelo repousa o controle remoto sobre o sofá. SUSPIRA. Se

levanta. Caminha em direção a cozinha.

Da sala, ouve-se o ABRIR e FECHAR DA GELADEIRA seguido pelo

som da água DERRAMANDO NO COPO.

Enquanto isso, a Morte analisa os RETRATOS sobre a estante.

Marcelo retorna à sala. Entrega o copo para a Morte.

MORTE (cont'd)
Obrigado!

A Morte toma um gole e o repousa sobre a mesa de centro.

Marcelo se senta no mesmo lugar de antes. Apoia os dois pés

sobre a mesa de centro.

Ele pega o controle remoto novamente. Liga a TV. Retorna a

sua busca.

MORTE (cont'd)
Bom, podemos começar?

MARCELO
Aham.

Marcelo acabara de escolher um desenho animado.

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4.

MORTE
Você não vai prestar atenção?

MARCELO
Tô escutando.

A Morte parece desapontada. Ela checa sua prancheta.

MORTE
Preciso apenas confirmar alguns dados
antes.

MARCELO
Ok.

MORTE
Marcelo Assis de Souza.

MARCELO
Sim.

MORTE
25 anos.

MARCELO
Aham.

MORTE
Solteiro.

MARCELO
Sí.

MORTE
Batizado no dia 18 de agosto de 1994.

MARCELO
(em dúvida)
Sim.

MORTE
Conheceu a luxúria aos 12.

MARCELO
Quê?

MORTE
Perdeu a virgindade aos 19.

MARCELO
Como-
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5.

MORTE
Adolescência difícil?

MARCELO
Espera!

A Morte ganhou a atenção de Marcelo.

MORTE
Desculpa. Algo de errado com as
informações?

MARCELO
Eu...nunca contei isso pra ninguém.

MORTE
É por isso que estou aqui.

MARCELO
Como assim?

MORTE
A minha missão é ouvir suas
confissões. Se você confessar os
pecados de que realmente se
arrepende, sua pena será mais branda
na hora do Julgamento Final.

Marcelo parece entender aos poucos o que está acontecendo.

MARCELO
Você é de uma daquelas igrejas
loucas, né? Não pode transar no
sábado. É pecado usar o WhatsApp. Só
usa a porta dos fundos.

MORTE
Não pertenço a nenhuma religião, ou
melhor, eu pertenço a todas elas.

MARCELO
Porquê você é a Morte.

MORTE
Exatamente.

Marcelo ameaça uma resposta, mas se interrompe.

MARCELO
Você percebe o quão louco você soa
dizendo isso?
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6.

MORTE
Sabe...esse é o problema com vocês
céticos. Vocês são capazes de
acreditar que a Terra é plana. Que
aliens construíram as pirâmides. Que
Júpiter fez de você um babaca.
Meritocracia. Mas vocês não conseguem
aceitar que existe um ser maior que
seus egos, julgando tudo que vocês
fazem nesse Plano.

MARCELO
Então me prova.

MORTE
Provar o quê?

MARCELO
Que você é a Morte.

A Morte se acalma.

MORTE
Ok...você quer provas? Eu te dou
provas.

A Morte confere os ponteiros do relógio rapidamente.

MORTE (cont'd)
Há 27 minutos eu vim buscar a Dona
Amélia no 403. Católica assídua. Não
tinha muito o quê confessar. Usou
seus últimos minutos de vida pra
escrever uma carta de adeus e
alimentar os 6 gatos. Senhora muito
gentil.

A Morte checa o horário mais uma vez.

MORTE (cont'd)
Em exatos 20 segundos a ajuda vai
chegar. A empregada dela entrou no
apartamento e viu a senhorinha
estirada no chão. Ela ligou pra
emergência, mas não há muito o que
fazer. Infarto fulminante. Morreu na
hora.

MARCELO
E isso prova-
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7.

MORTE
Quando ouvir as sirenes, ligue pra
portaria. Se mesmo assim não estiver
satisfeito, eu te deixo em paz e você
pode gastar o resto de sua estadia
nesse Plano, como bem entender.

MARCELO
Só isso?

MORTE
Sim.

Marcelo sorri e acena com a cabeça negativamente, não

acreditando na situação que está vivendo. Ele continua
assistindo o desenho que escolheu.

LUZES VERMELHA E AZUL refletem na JANELA, tomando a atenção

de Marcelo. Ele franze o cenho.

O som das SIRENES ecoam pelo apartamento.

MORTE (cont'd)
Eles chegaram!

Mais uma vez, a Morte verifica o horário no relógio.

MORTE (cont'd)
Sempre pontuais.

Marcelo e a Morte se encaram.

MORTE (cont'd)
Sua vez, Marcelo.

O semblante de Marcelo agora é outro. Alguma coisa não lhe

cheira bem.

Marcelo se levanta e se dirige até a-

INT. APARTAMENTO - COZINHA

Marcelo retira o interfone da base, coloca-o próximo ao

ouvido e disca o número da portaria.

TRÊS TOQUES até o PORTEIRO atender.

PORTEIRO
Pronto?

MARCELO
Seu Roberto?
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8.

PORTEIRO
Ô, Seu Marcelo, tudo bem com o
senhor?

MARCELO
Tá tudo bem sim, seu Roberto. Deixa
eu te perguntar uma coisa: eu notei
umas luzes na janela e barulho de
sirene, você sabe o quê aconteceu?

PORTEIRO
Ô, Seu Marcelo, foi a Dona Amélia.

O sangue some da face de Marcelo. A expressão se fora.

MORTE (O.S.)
Marcelo, posso usar seu banheiro?

MARCELO
Só um minuto, Seu Roberto.

Marcelo tampa com uma das mãos o interfone.

MARCELO (cont'd)
(para a Morte)
Ahn...claro. No corredor. Primeira
porta à esquerda.

Ele retorna para sua ligação.

MARCELO (cont'd)
Ela...morreu?

PORTEIRO
Morreu sim, seu Marcelo.

MARCELO
O senhor sabe a causa da morte?

PORTEIRO
Os dotô disseram que foi infarte, Seu
Marcelo.

MARCELO
Infarto, é?...Uma...uma pena mesmo.

PORTEIRO
Mais alguma coisa, Seu Marcelo?

MARCELO
Não...só isso mesmo, Seu Roberto.
Obrigado.
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9.

Marcelo desliga o interfone. Como um campeão peso-pesado, a

realidade o nocauteia. Ele procura racionalizar sobre a
situação, mas falha.

Marcelo abre a gaveta. Pega a maior faca disponível. Fecha a

gaveta. Retorna à-

INT. APARTAMENTO - SALA

Marcelo caminha depressa empunhando a faca. Ele ouve A

DESCARGA e a PORTA DO BANHEIRO se abrindo.

Rapidamente ele esconde a arma debaixo de uma almofada,

posicionando ela para que possa usá-la quando a oportunidade
surgir. Ele retorna para seu lugar no sofá.

A Morte retorna do banheiro. Dessa vez, se senta mais

próximo de Marcelo.

MORTE
E então, satisfeito?

MARCELO
Eu...vou mesmo morrer, não vou?

MORTE
Todos vão.

Marcelo apoia os cotovelos sobre os joelhos e leva as mãos à

face. O desespero toma conta.

A Morte pega o copo sobre a mesa e o oferece a Marcelo.

Marcelo bebe todo o conteúdo do copo num só gole.

MARCELO
Quanto tempo eu ainda tenho?

Marcelo devolve o copo para a Morte. A Morte o repousa

novamente sobre a mesa de centro.

MORTE
Um minuto.

MARCELO
Deus!

MORTE
Agora é uma boa hora pra falar com
ele.
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10.

Marcelo deita no encosto do sofá e olha para o teto. Aos

poucos ele aceita seu destino. A mão desliza até encostar no
cabo da faca escondida.

MARCELO
Eu...traí a minha primeira namorada.

MORTE
Ok. O quê mais?

MARCELO
Quando eu era bem novo-

MORTE
Mais rápido, Marcelo!

MARCELO
Quando eu era bem novo, eu roubei um
chocolate na mercearia da esquina.

Marcelo segura o cabo da faca.

MORTE
Viu? Não é tão difícil. Continue.

MARCELO
Com 21, eu quebrei o vitral de uma
Igreja.

Marcelo se prepara para atacar.

MARCELO (cont'd)
No ensino médio, eu colei em todas as
provas de química.

Ele nota uma brecha.

MARCELO (cont'd)
Eu envenenei o gato do meu vizinho.

MORTE
Marcelo, isso é muito-

É agora ou nunca. Marcelo projeta a lâmina na direção do

abdome da Morte. Algo o interrompe...

...UMA DOR ESTONTEANTE atinge seu peito. Marcelo escuta um

ZUNIDO. A respiração, OFEGANTE.

MORTE (cont'd)
Grave.
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11.

Marcelo pressiona o peito com a mão direita, na posição do

coração.

Ele perde suas forças e deixa cair a faca. Com a mão

esquerda, ele se apoia no sofá.

MORTE (cont'd)
Uma faca, Marcelo? Eu pensei que
estávamos nos entendendo.

A mão que o apoiava no sofá escorrega e ele cai com o rosto

no chão, próximo a mesa de centro.

Ele se vira de barriga pra cima. Uma lágrima escorre pelo

seu rosto. No rosto, o pânico.

A Morte se levanta. Marcelo permanece estático.

Do bolso interno no paletó, a Morte saca um par de LUVAS

CIRÚRGICAS. Em seguida, as veste.

No bolso direito da calça, a Morte sente o CELULAR vibrar.

Ele atende.

MORTE (cont'd)
Alô?

A Morte pega o copo sobre a mesa de centro.

MORTE (cont'd)
Sim.

Ele caminha em direção a-.

INT. APARTAMENTO - COZINHA

A Morte põe o copo na pia.

MORTE
Sim. Sempre funciona.

Com o ombro ele segura o celular em chamada. A Morte abre a

TORNEIRA.

MORTE (cont'd)
É o quê estou fazendo.

PIA. Ele pega a ESPONJA com uma mão. Com a outra, ele pega a
embalagem de DETERGENTE e joga o conteúdo sobre a esponja.

MORTE (cont'd)
Você recebeu o dinheiro?
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12.

Ele passa a esponja por toda a superfície do copo.

MORTE (cont'd)
Onde é o próximo?

Em seguida o enxágua.

MORTE (cont'd)
Onde fica isso?

E fecha a torneira.

MORTE (cont'd)
Caralho, Jorge, isso é no cu do
mundo.

A Morte guarda o copo no armário e volta para a-

INT. APARTAMENTO - SALA

A Morte retira as luvas e as devolve para o bolso.

MORTE
O dinheiro vale a pena?

Ele caminha até o sofá e pega sua prancheta.

MORTE (cont'd)
Ok. Estou indo.

A Morte desliga o celular. Guarda-o no bolso da calça.

Ele se agacha perto de Marcelo. Checa o pulso. Nada.

MORTE (cont'd)
Bom papo.

A Morte se levanta e caminha em direção a porta.

Antes de partir, a Morte se vira.

MORTE (cont'd)
Uma faca, Marcelo? Sinceramente...

A Morte fecha a porta. MARCELO ESTÁ MORTO.

FADE OUT.

THE END