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2 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A ATUALIDADE DAS IDEIAS DE


PAULO FREIRE
4 A atualidade das ideias de Paulo Freire
Nadir Castilho Delizoicov
Geovana Mulinari Stuani
Suzi Laura da Cunha
(Organizadoras)

Autores:
Elison Antonio Paim; Deise Imara Schilke; Eloísa Acires C. Rocha;
Geovana Mulinari Stuani; Iône Inês Pinsson Slongo; Isabel Spingolon
Azambuja; Ivanete Fátima Solivo Pavan; Jane Suzete Valter; Leoni Inês
Balzan Schneider; Leusa Possamai; Marinilse Netto; Maristella Müller
Drews; Nadir Castilho Delizoicov; Sônia Maria Serena; Suzi Laura da
Cunha; Sylvia Regina Pedrosa Maestrelli

A ATUALIDADE DAS IDEIAS DE


PAULO FREIRE
Primeira Edição E-book

Toledo - PR
2018
6 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Copyright 2018 by
Organizadoras
EDITORA:
Daniela Valentini
CONSELHO EDITORIAL:
Dr. Daniel Eduardo dos Santos – UNICESUMAR
Dr. José Dias - UNIOESTE
Dr. Reginaldo Aliçandro Bordin – PUCPR
EVISÃO FINAL:
Prof.ª Ana Karine Braggio
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:
Junior Cunha.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Rosimarizy Linaris Montanhano Astolphi


Bibliotecária CRB/9-1610
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Todos os textos aqui publicados são de total e exclusiva
responsabilidade de seus respectivos autores.
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SUMÁRIO

PREFÁCIO.....................................................................9

PARTE I – O LEGADO FREIREANO ...................... 13

I PROPOSTAS EDUCACIONAIS DE INSPIRAÇÃO


FREIREANA: MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS
VIVIDAS NA REDE ESCOLAR PÚBLICA
MUNICIPAL DE CHAPECÓ – SC (1997-2004) ............... 15

II APREENDER E ENSINAR A REALIDADE PARA


TRANSFORMÁ-LA: A PRÁTICA PEDAGÓGICA
NA EDUCAÇÃO POPULAR DE CHAPECÓ (SC) ....... 47

III A POLÍTICA EDUCACIONAL COMO


POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL .. 79

PARTE II – FORMAÇÃO DE PROFESSORES ....... 111

I A PARTICIPAÇÃO DOCENTE E AS
CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM TEMÁTICA
FREIREANA PARA A FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES DE CIÊNCIAS ...................................113

II A CONCEPÇÃO FREIREANA COMO APORTE


PARA A FORMAÇÃO PERMANENTE DE
PROFESSORES DE EJA ............................................. 147
8 A atualidade das ideias de Paulo Freire

PARTE III – EXPERIÊNCIA FREIREANA NOS


DIVERSOS NÍVEIS DE ENSINO ........................... 175

I O MOVIMENTO DE REORIENTAÇÃO
CURRICULAR VIA TEMA GERADOR: UM NOVO
OLHAR PARA EDUCAÇÃO INFANTIL ....................... 177

II AS EXPERIÊNCIAS DAS ESCOLAS DO CAMPO


NO CONTEXTO DA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO
POPULAR NO MUNICÍPIO DE
CHAPECÓ/SC (1997-2004) ................................................. 211

III O “OUTRO” NA ESCOLA: A BUSCA POR UMA


PROPOSTA PEDAGÓGICA INCLUSIVA ..................... 259

PARTE IV – O TEMA GERADOR


NO CURRÍCULO ESCOLAR ................................... 301

I A PESQUISA-AÇÃO COMO ESTRATÉGIA


METODOLÓGICA PARA OS TEMAS GERADORES
NOS PRESSUPOSTOS FREIREANO .............................. 303

II O TEMA GERADOR NO ENSINO


DE HISTÓRIA ....................................................................... 335

PARTE V – EDUCAÇÃO, ARTE E CULTURA ...... 365

I CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR:


AS INTER-RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E
CULTURA NO GOVERNO DA FRENTE POPULAR
EM CHAPECÓ (1997-2004) ................................................ 367

II O ENSINO DA ARTE NA PERSPECTIVA CRÍTICA


E A POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO DOS
SUJEITOS ................................................................................ 405
PREFÁCIO

Foi com grande alegria que recebi o convite para


prefaciar essa obra, afinal permite-me retomar o diálogo com
companheiros educadores com quem tive o prazer de
trabalhar durante anos, o que me traz um sentimento de
orgulho e de gratidão. Buscar construir um que-fazer
pedagógico comprometido com uma educação
emancipatória foi o mote que nos uniu e continua nos
aproximando.
Na Educação já se tornou lugar comum o conceito
de práxis. O educador refletir sobre seus fazeres e recriar sua
prática tornaram-se recomendações recorrentes em obras
que procuram analisar os limites da prática pedagógica
contemporânea, tanto à luz dos limites da aprendizagem
quanto em relação ao processo formativo dos educadores.
Mas, ao mesmo tempo em que o currículo da práxis parece
ser um consenso nas abordagens críticas, a dinâmica
pedagógica é vista como impossível de ser realizada.
Este livro é uma evidência cabal de que é possível,
sim, o educador assumir-se como sujeito de seu fazer
pedagógico, honrando o compromisso de reorientar seu
próprio fazer a partir de um debate crítico e coletivo sobre o
processo de ensino-aprendizagem. São os educadores da
escola pública os protagonistas dessa transformação. O
inédito viável freireano torna-se concreto ao longo das
experiências e reflexões apresentadas pelos diferentes
autores dos capítulos deste livro.
Organizada em cinco partes, a obra conta, ao longo
de onze capítulos, a experiência pedagógica vivenciada entre
1997 e 2004 pela rede municipal de educação de Chapecó.
Articulando o desenvolvimento da construção de uma
proposta curricular fundamentada nos princípios da
10 A atualidade das ideias de Paulo Freire

pedagogia freireana e o processo de formação permanente


dos educadores envolvidos, evidencia a superação de limites
recorrentes no contexto escolar da educação básica
contemporânea e nos traz a possibilidade real de se efetivar
uma educação humanizadora nas diferentes áreas do
conhecimento científico.
A parte 1 da obra apresenta os fundamentos da
pedagogia freireana no desenvolvimento do projeto político-
pedagógico da Secretaria Municipal de Chapecó durante a
gestão da administração popular de 1997 a 2004. Com as
contribuições dos pesquisadores Paim e Slongo podemos
resgatar as vozes dos sujeitos envolvidos no processo de
reorientação curricular. Por seu turno, Schneider traz luz à
participação dos movimentos sociais na implementação da
educação popular no Município, explicitando como o
processo foi inovador na formação dos educadores. Ainda
na primeira parte da obra, Schilke desenvolve uma
consistente articulação entre a implementação de uma
política educacional democrática e o processo de construção
curricular fundamentado em uma pedagogia libertadora.
Na parte 2 a ênfase está no processo de formação
dos educadores. Refletindo sobre a indissociabilidade entre
construção da prática pedagógica e formação profissional,
Stuani, Maestrelli e Delizoicov apresentam categorias críticas
para a análise do currículo fundamentado na abordagem
temática freireana implementado no período, evidenciando,
a partir das vozes de educadores, como um processo
curricular praxiológico propicia uma mudança qualitativa na
formação dos educadores. Cunha e Delizoicov, assumindo
como objeto de estudo a prática pedagógica da Educação de
Jovens e Adultos desenvolvidas durante a gestão,
apresentam o resultado de uma pesquisa que evidencia que o
trabalho coletivo, a dialogicidade e o protagonismo dos
sujeitos são exigência para desencadear um processo de
formação permanente dos educadores.
Prefácio 11

A parte 3 da obra dedica-se a explicitar experiências


curriculares freireanas em diferentes níveis de ensino. As
práticas pedagógicas vivenciadas na Educação Infantil,
apresentadas por Azambuja e Rocha, na Educação do
Campo em diferentes modalidades, mostradas por Valter e
no âmbito de uma escola inclusiva, discutida por Pavan, são
apresentadas de forma consistente e ilustrativa,
demonstrando uma maneira diferente e inovadora de um
fazer pedagógico transformador.
O compromisso ético-crítico com uma abordagem
curricular fundamentada na epistemologia dialógica e
emancipatória de Freire, a partir da assunção de temas
geradores como objetos de estudo, é desenvolvido na parte
4. Nessa perspectiva, Possamai destaca a importância da
metodologia da pesquisa-ação para a práxis curricular
freireana e Drews apresenta os limites e as possibilidades de
se organizar o ensino de História a partir de contradições
presentes na realidade local.
E por último, mas não menos importante, a parte 5
aborda aspectos relacionados à arte e cultura, em que Netto
analisa as articulações entre políticas de educação popular e
os centros artísticos de cultura de Chapecó no período da
gestão popular. Em consonância com a temática, a partir da
análise de documentos publicados pela gestão educacional
democrática do Município, Serena contribui com reflexões
sobre a relevância do ensino da arte para o desenvolvimento
de um posicionamento crítico comprometido com a
emancipação dos educandos.
Merece destaque a presença da universidade durante
o processo de reorientação curricular e na sistematização da
obra. A participação de docentes do ensino superior de
vários programas de pós-graduação trouxe inestimáveis
contribuições para o resgate histórico da experiência
curricular inovadora e radical vivenciada pelas escolas da
12 A atualidade das ideias de Paulo Freire

rede municipal. A transversalidade da práxis permeia os


relatos ao longo de todos os capítulos.
Como não reiterar meus agradecimentos pelo
convite dos que, mais que colegas de profissão, são
companheiros educadores, militantes pedagógicos
contumazes da construção de uma sociedade ética,
comprometida com a superação das desigualdades
socioculturais tão arraigadas na organização de nosso país?
Assim, nominalmente, obrigado Sonia, Leusa, Deise, Isabel,
Geovana, Maristella, Leoni, Jairo, Cristian, Liane, Margarete,
Edione, Luciane, Lizeu, entre tantos parceiros da rede
municipal de Chapecó, pelos diálogos sinceros e profundos
tão responsáveis pela minha formação, por me mostrarem
uma nova forma de educar, concretizando no protagonismo
docente a construção de uma educação dedicada à
emancipação social dos desfavorecidos.
Convido o leitor a compartilhar comigo a esperança
de uma educação ético-crítica que se materializa nas vozes
dos autores. Apreciem essa história curricular sem
moderação e aceitem o desafio de recriá-la.

Antonio Fernando Gouvêa da Silva


São Paulo, dezembro de 2017
Prefácio 13

PARTE I – O LEGADO FREIREANO


14 A atualidade das ideias de Paulo Freire
I

PROPOSTAS EDUCACIONAIS DE INSPIRAÇÃO


FREIREANA: MEMÓRIAS E EXPERIÊNCIAS
VIVIDAS NA REDE ESCOLAR PÚBLICA
MUNICIPAL DE CHAPECÓ – SC (1997-2004)

Elison Antonio Paim


Iône Inês Pinsson Slongo

Minha sensibilidade machucada me deixa triste quando sei o número de


meninos e meninas populares em idade escolar, no Brasil que são ‘proibidos’
de entrar na escola; quando sei que, entre os que conseguem entrar, a maioria
é expulsa da escola. Minha sensibilidade açoitada me deixa horrorizado
quando sei que o analfabetismo de jovens e adultos vem crescendo nestes
últimos anos, quando percebo o descaso a que a escola pública foi relegada [...].
Mas, junto ao horror que uma realidade assim me provoca, a raiva necessária
e indispensável indignação me dão alento na luta democrática pela superação
desse escândalo e dessa ofensa.
(FREIRE, 1991, p. 58)


Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) e do Mestrado Profissional em Ensino de História (Profhistória-
UFSC) da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Educação
pela Unicamp e mestre em História pela PUC-SP. Membro dos grupos
de pesquisa Pameduc (UFSC), Rastros (USF) e Kairós (UNICAMP). E-
mail: elison0406@gmail.com.

Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Doutora em Educação
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do grupo
de pesquisa Educação, Formação Docente e Processos Educativos. E-
mail: <ione.slongo@uffs.edu.br>.
16 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Considerando a indignação do nosso velho e


inspirador mestre Paulo Freire é que escrevemos o presente
capítulo, fruto de pesquisa desenvolvida no município de
Chapecó, estado de Santa Catarina. A pesquisa em pauta
integrou outro trabalho mais amplo, coordenado, em âmbito
nacional, pela professora Dra. Ana Maria Saul (PUC-SP) e,
em âmbito regional Sul, pelo professor Dr. Demétrio
Delizoicov (UFSC). A problemática norteadora da pesquisa
procurou compreender: De que modo professores e gestores
educacionais que participaram do movimento de
reorientação curricular da Secretaria Municipal de Educação
em Chapecó analisam a política de formação continuada de
professores implementada durante a gestão da frente
popular?
O estudo buscou apreender a práxis curricular
coletiva, tendo como princípio a legitimidade dos discursos,
a racionalidade problematizadora, a organização dialógica e
participativa das práticas construtoras de conhecimentos,
sentidos e significados, capazes de fundamentar movimentos
político-educacionais de resistência às diferentes
modalidades de dominação vigentes – compromisso
assumido pelo projeto político-pedagógico freireano.
Como questões de pesquisa para esse recorte do
projeto elencamos: Que princípios nortearam a formação
continuada de professores? Que práticas formativas foram
implementadas? Que implicações essa política gerou no
cotidiano escolar? Quais foram os avanços e as dificuldades
percebidas pelo grupo de gestores e educadores?
O objetivo geral do projeto pautou-se em: Identificar
e analisar a influência do pensamento de Paulo Freire nos
sistemas públicos de educação a fim de contribuir para a
construção de um banco de dados sobre as diferentes
gestões das redes públicas de ensino brasileiras sob a
influência do pensamento de Paulo Freire.
Propostas educacionais... 17

O município de Chapecó, entre os anos de 1997 a


2004, implementou uma proposta educacional cuja
orientação teórica e metodológica foi baseada no
Movimento de Reorientação Curricular ocorrido no
município de São Paulo, no período de 1989-1992. Esse
Movimento fundamentou-se em pressupostos contidos na
concepção de educação de Paulo Freire, tendo sido este
educador o Secretário de Educação da capital paulista
durante dois anos e meio. As ideias de Paulo Freire, desde os
anos de 1980, subsidiam trabalhos acadêmicos em forma de
teses e dissertações. Pode-se citar, ainda, Delizoicov (1982) e
Angotti (1982), autores que descrevem e analisam a
organização e implementação de um projeto de ensino de
Ciências Naturais pautado nas ideias de Freire, desenvolvido
na Guiné Bissau, na África, sobre formação de professores
de Ciências para atuarem na escola formal daquele país.
Atualmente podem ser citados os trabalhos de Silva (2004),
que discute em sua tese de doutorado a concepção de
currículo numa perspectiva popular crítica, e Stuani (2010),
que em sua dissertação de mestrado aborda a construção
curricular popular crítica, focando o movimento de
reorientação curricular da rede municipal de Chapecó.
Particularmente, sobre a experiência vivenciada por
cerca de oito anos consecutivos pelos atores da rede
municipal de educação de Chapecó, alguns trabalhos
acadêmicos foram desenvolvidos em Programas de Pós-
Graduação em Educação stricto sensu localizados na região Sul
do Brasil, tais como Santos (2006), Drews (2006), Torres
(2010), entre outros. Esses trabalhos registraram e
analisaram importantes aspectos sobre o Movimento de
Reorientação Curricular, o qual balizou a formação e as
ações de gestores, funcionários, educadores, educandos e
demais membros da comunidade escolar chapecoense.
O estudo em pauta caracterizou-se como pesquisa
qualitativa. Partimos do pressuposto que o ato de conhecer,
18 A atualidade das ideias de Paulo Freire

de investigar, é sempre concebido como uma prática


dialógica. Para tanto, foi ao encontro de procedimentos
epistemológicos que, dialeticamente, valorizassem tanto os
conhecimentos e métodos que permearam as políticas
educacionais já construídas nas práticas de gestão, quanto
aqueles que, problematizando com os sujeitos dessas
práticas, procuraram explicitar os limites explicativos e as
contradições a elas imanentes, possibilitando um movimento
crítico da consciência coletiva sobre pressupostos
educacionais presentes nos fazeres pedagógicos
hegemônicos, levando à construção de políticas educacionais
que atendessem às necessidades, dificuldades e interesses da
gestão democrática.
A pesquisa realizada no município de Chapecó
dialogou diretamente com sujeitos que de alguma forma
estiveram envolvidos com educação na rede municipal de
ensino, quer seja atuando diretamente na elaboração das
políticas pela Secretaria Municipal de Educação, quer seja,
indiretamente, como professores vinculados às escolas, à
formação de Jovens e Adultos (EJA) ou Centros de
Educação Infantil Municipal (CEIM). Assim, nesse
momento, priorizamos as entrevistas realizadas com gestores
educacionais que participaram do movimento de
reorientação curricular junto à Secretaria Municipal de
Educação do município de Chapecó, no período de 1997 a
2004, atuando nas seguintes funções: coordenadores
pedagógicos, coordenadores de área e professores das
diferentes áreas do conhecimento, atuantes no ensino
fundamental. Visando preservar a identidade das gestoras
educacionais que participaram desta pesquisa, estas foram
denominadas de GE 1, GE 2 e GE 3.
Para a análise dos dados foram levantadas categorias
do pensamento freireano, orientadoras das decisões sobre
políticas públicas relacionadas à democratização do acesso e
permanência, à gestão democrática da educação, à
Propostas educacionais... 19

reorientação das práticas pedagógicas e curriculares, à


avaliação interna e externa das políticas educacionais de
gestão, à avaliação do processo de ensino-aprendizagem, às
políticas de formação permanente de educadores, entre
outras. Nesse capítulo, o foco central será a formação
permanente de professores, ou seja, como os gestores foram
fazendo-se (PAIM, 2012) junto com os professores das
escolas e os assessores externos ao grupo.
Trabalhamos com algumas questões
semiestruturadas e as demais foram surgindo no decorrer das
entrevistas.
Metodologicamente construímos este capítulo nos
pautando em alguns conceitos-chave como memória e
experiência, pois entendemos que eles contribuem para
explicitação do que e como foi vivido por aqueles que
participaram do processo. Trazemos de maneira breve como
Thompson (1981) e Walter Benjamin (1985) definem
experiências e como elas contribuem para problematizar as
memórias afloradas em um processo de entrevista.
Para o historiador Edward Palmer Thompson (1981,
p. 182),

[...] homens e mulheres experimentam sua experiência


como sentimento e lidam com esses sentimentos na
cultura, como normas, obrigações familiares e de
parentesco e reciprocidades.

Dessa forma, para escrevermos a história,


precisamos considerar as múltiplas experiências em suas
singularidades, nos pormenores de cada professor
entrevistado, de cada lembrança e/ou esquecimento. É a
busca no sujeito real, numa forma de compreensão do seu
ato de fazer-se professor e que precisará ser desvelada de
forma mais ampla, conforme indicado por Paim (2006, p.
109):
20 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Para compreensão do que, efetivamente, acontece na


escola, faz-se necessário perceber as marcas culturais da
experiência, do vivido, do enraizamento, para
compreender o trabalho de um profissional, a história
mais ampla precisa ser desvelada. Marcas culturais, nas
quais os sujeitos, atores e autores da cultura docente
possam expressar o fazer e saber ser professor, de forma
a relacioná-lo com outros saberes e fazeres, visualizando
com mais nitidez as experiências, tanto especificamente,
como nas suas relações ampliadoras.

O filósofo Walter Benjamin (2012), no ensaio


“Experiência e Pobreza”, ao teorizar sobre a perda da
experiência com o advento da modernidade capitalista, nos
instiga a reafirmarmos o valor da experiência vivida para
nossa produção de conhecimento. Para o filósofo, somente
com a retomada e valorização das narrativas das experiências
vividas conseguiremos nos construir enquanto sujeitos mais
inteiros numa perspectiva de um futuro diferente do
momento presente. Ou ainda, ao trabalharmos
academicamente com as narrativas do vivido, construiremos
ferramentas que poderão pautar nossas lutas por outros
futuros possíveis.
Nos rastros do pensamento benjaminiano
trabalhamos também com a categoria memória e o processo
de rememoração como sendo o momento em que
mergulhamos no passado em busca de respostas para os
nossos agoras. Nesse sentido, Galzerani (2004, p. 294)
corrobora com nosso pensamento ao explicitar que para
Benjamin o ato de rememorar,

Possibilita a recuperação de dimensões pessoais, perdidas,


ou, no mínimo, ameaçadas perante o avanço do sistema
capitalista. Dimensões psíquicas e sociais do ser humano
que rememora. Ou seja, a memória surge aqui tecida por
uma pessoa mais inteira, que se percebe portadora de
sensibilidades, de incompletudes, de esquecimentos, de
Propostas educacionais... 21

atos voluntários e conscientes, ao lado de atitudes


involuntárias e inconscientes. Apresenta-se ao mesmo
tempo como afirmação de sua própria singularidade,
sabendo-a constituída na relação, muitas vezes conflituosa,
com ‘outras’ pessoas. Ou, ainda, permite o
reconhecimento de que a (re)constituição temporal de sua
vida só adquire sentido na articulação de uma memória
coletiva.

Em diálogo com o pensamento desses autores é que


trabalhamos na perspectiva da construção de rememorações
do vivido no processo de construção e implementação da
concepção de educação freireana na administração da frente
popular em Chapecó, na perspectiva da formação
continuada de professores. Privilegiamos em nossos
fragmentos as falas originais com pequenos cortes ou ajustes
de redação. Dessa forma, muitas vezes, as narrativas ficaram
com extensão para além do convencionado academicamente
segundo as normas da ABNT, isto é, com até vinte linhas.
Metodologicamente, procuramos trazer as narrativas
numa perspectiva em que elas se construam e se apresentem
como imagens monadológicas, ou seja, que cada ideia
contenha a imagem do mundo cuja representação se
imponha como descrição abreviada do mundo
(BENJAMIN, 2007; GALZERANI, 2013a; FRANÇA,
2015).
Inicialmente, perguntamos para cada uma das
pessoas que se envolveram mais diretamente na organização
e estruturação da proposta de educação a ser construída na
rede municipal de educação: De que forma a ideia de uma
educação popular começou a ser discutida? Segundo as
professoras, como perceberemos nas narrativas apresentadas
a seguir, o processo de construção de uma proposta
curricular freireana foi desencadeado a partir da
coordenadoria de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
22 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Tinha que fazer uma política de educação de jovens e


adultos

Chegando à secretaria da educação era começar. Uma


coisa que eu tinha claro, que eu aprendi em toda a minha
história que qualquer instituição que diga ter um
compromisso com os mais excluídos ela tem que
organizar como norte na sua atuação definir isso como
linha para ser seguida. Lembro que a gente passou um
ano debatendo e discutindo e eu insistindo de que a nossa
linha de trabalho tinha que ser a linha da educação
popular. Num primeiro momento eu era uma voz mais
isolada. Fomos consolidando esse debate nesse primeiro
ano. Então ok. Nosso foco, nossa linha de trabalho vai ser
a educação popular, foi o primeiro trabalho do ano. Eu,
como era responsável pela Educação de Jovens e Adultos,
tinha que fazer uma política de EJA, aí começamos um
trabalho. Primeiro como não tinha turmas, o que eu
comecei a fazer? Eu comecei indo para as comunidades,
igrejas, movimentos sociais, centros comunitários, clubes
de serviços, nas pastorais. Eu ia disseminar a ideia. Depois
de um culto na Igreja católica, na Igreja evangélica ia falar
com o pastor, lá na associação de moradores. Ia lá numa
reunião da associação de moradores disseminar a ideia de
que era possível os adultos voltarem para a escola; quem
não estava alfabetizado se alfabetizar, e quem já estava
alfabetizado concluir pelo menos o ensino fundamental.
E paralelo a isso, a gente foi trabalhando com professores
contratados temporariamente porque não tinha um
quadro de professores. Paralelo a isso a gente conseguiu,
era aí pelo meio do ano de 97 mais ou menos, já com
várias turmas organizadas, o estudo de primeira à quarta
série. A gente elaborou uma proposta prévia, aonde a
gente discutia currículo, metodologia de ensino, estrutura
escolar, carga horária das unidades curriculares, processo
de avaliação, como é a avaliação, o todo da escola. A gente
tinha pessoas das escolas também. A gente tinha
representantes das escolas. A gente trabalhava em
Propostas educacionais... 23

conjunto. A gente distribuía as atividades, um grupo pega


avaliação, um grupo pegava estrutura, um grupo. Nós
tínhamos diretores, especialistas na época, supervisores,
orientadores e a gente tinha professores e também alunos
do ensino regular noturno que nos auxiliavam. Então, a
gente elaborou os documentos, sempre tendo assim que
escola a gente tem, que escola a gente quer. Que currículo
a gente tem, que currículo a gente quer. Que avaliação a
gente tem, que avaliação a gente quer. Como são os
horários, a estrutura escolar. Como é que a gente tem,
como é que a gente quer. E, nisso, a gente fazia
problematização e buscava recortes do conhecimento
para subsidiar. Definimos que seria educação popular para
toda secretaria, mas cada um foi se virar como a educação
infantil, o ensino fundamental... E nós fomos fazendo
esse movimento na educação de jovens e adultos e nas
quatro escolas de ensino regular noturno (GE 1).

Dialogar com princípios de trabalho coletivo, cidadania,


democracia e autonomia

No Ensino Fundamental também a repetência e a evasão


estavam estrangulando, a gente começava com cinco
quintas séries e terminava com uma oitava série, às vezes,
com vinte alunos, a indisciplina era muito grande e os
professores queriam mudanças, eles queriam algo novo
que desse conta da demanda. A maioria atendeu o
chamado, mesmo sendo férias em janeiro, para ter essa
formação porque queria fazer o diferencial. E eram
quatro escolas que tinham ensino noturno. O pessoal se
dispôs a participar, só que o pessoal não sabia muito
como fazer. Porque trabalhar com fala significativa nunca
ninguém tinha visto falar. Então, era muito desafiador
para o pessoal a princípio. Como trabalhava muito a
questão da criticidade, da realidade, do cotidiano do aluno,
da participação do aluno nas aulas a gente acreditava que
para um público do ensino noturno era uma proposta
deste tipo que a gente estava esperando [...]. Então, na
24 A atualidade das ideias de Paulo Freire

realidade quando a proposta foi implementada na EJA ela


não foi implementada pela Secretaria da Educação por si
só, ela teve toda participação dos professores junto no
pensar a proposta também, no fazer, no contribuir. A
gente tinha representantes de professores, diretores e
coordenadores, esse grupo de estudos foi organizando o
projeto político-pedagógico. Definiu-se os princípios que
organizariam a educação procurando dialogar com
princípios de trabalho coletivo, cidadania, democracia e
autonomia. Qual era então a percepção metodológica para
a sala de aula que poderia fazer esses princípios se tornar
prática na sala de aula. Foi que se chegou ao processo do
Tema Gerador e aí ele começa com a EJA. Em função de
Porto Alegre já ter uma experiência parecida com a nossa,
então, o grupo da EJA vai visitar Porto Alegre, percebe
que o processo da investigação temática ele condizia com
os princípios de educação popular que o Projeto Político-
Pedagógico tinha organizado junto com o coletivo da rede,
e as outras áreas então começaram a perceber que era
possível expandir para outros níveis de ensino. E daí vem
então o Ensino Fundamental, e por último então a
Educação Infantil (GE 2).

Compreender teoricamente como fazer pesquisa

E desencadeou esse movimento de reorientação curricular


com pesquisa. A partir da pesquisa, análise das falas,
identificar os limites explicativos na fala que é a pesquisa,
os temas geradores, o contratema que é a visão do
educador, organizar a rede temática. O que é a rede
temática? O momento que você organiza a programação
do conteúdo, então, ali é o momento da
interdisciplinaridade. Desencadeamos esse movimento em
toda a Secretaria Municipal da Educação. O que a gente
fazia? A gente ia em cada escola, em cada turno. A gente
chamava de oficina de metodologia. Só que para não se
tornar uma coisa que agora essa é a proposta, a gente
reuniu todos os diretores e vice-diretores e coordenadores
Propostas educacionais... 25

da educação infantil num seminário. Oficinas que, em


resumo, era o seguinte, em 20 horas, 40 horas trabalhar
com aqueles professores da escola como era para dar uma
visão da totalidade da proposta. Tem várias etapas do
processo. Ali já era um momento não que a gente
repassava. Mas, já era um momento que a gente ia
trabalhando com eles e apontando uma leitura de
sociedade. Nós fizemos o processo de compreender
teoricamente como fazer pesquisa, de organizar roteiro de
pesquisa junto com os professores de modo geral e
coordenadores do Centro de Educação Infantil Municipal
de participar também, de ir junto à comunidade ouvir,
vivenciar aquele processo de pesquisa junto com as
professoras, isso eu fiz. Isso eu... todas nós fizemos (GE
1).

Depois que qualificou a pesquisa, o segundo trabalho


era qualificar o fazer pedagógico

Incluía investigação temática, os cinco passos da


investigação temática começando pela pesquisa
antropológica que nunca ninguém tinha ouvido falar. E
chegando, então, à preparação das atividades para a sala
de aula. Então, a gente ia discutindo textos, aprofundando
a teoria e indo referenciar na prática. E sem falar que a
gente fez todo esse movimento de investigação temática
com a pesquisa do próprio bairro. Eu e a diretora da
escola a gente foi uns dois dias antes, na comunidade
entrevistar os moradores. A gente nunca tinha feito isso.
A gente estava meio sem saber se estava fazendo certo ou
não. Entrevistar os moradores e coletar as falas dos
moradores sobre os principais problemas que existiam no
bairro e como é que eles explicavam esses problemas. Foi
a partir desta entrevista, então, dessa pesquisa que as falas
foram sendo selecionadas, e a gente fez o exercício do
Tema Gerador com esse grupo de professores que
envolveram as quatro escolas com ensino noturno. Bom!
A gente teve que trabalhar muito, a questão da pesquisa.
26 A atualidade das ideias de Paulo Freire

O porquê da pesquisa, o como fazer a pesquisa, e


reelaborar o roteiro de um jeito, do outro. Para os
pequenininhos era um roteiro. Para os grandes era outro.
Para a EJA era outro roteiro. Então, o primeiro momento
foi mesmo a questão da pesquisa, como fazer a pesquisa
se tornar algo necessário. Porque, até então, parecia que
dava pra... Para pegar qualquer problema para trabalhar,
mas tinha que ser um problema que viesse do outro, um
problema que fosse significativo para o aluno, para a
criança. Então, teve que se fazer todo um trabalho de se
olhar para o aluno como sujeito. Inclusive, de estudar o
nível de desenvolvimento desse aluno. Então, a gente teve
estudos para estudar o nível de desenvolvimento das
crianças pequenas, o nível de desenvolvimento das
crianças de quinta a oitava e o nível de desenvolvimento
da EJA. A gente usou Wallon, Piaget, Vygotsky e Freire.
A gente fez um estudo cruzando esses quatro teóricos
para caracterizar a infância, a adolescência e a juventude.
A partir disso ajudar lá na escola, qualificar o olhar do
professor na coleta da fala, na organização da pesquisa,
para saber que, o que é problema para a criança, não é
problema para o adulto, não é problema para o
adolescente. Porque no início tinha um Tema Gerador só
para a escola inteira, e com o tempo isso foi causando
problema, porque, às vezes, aquele problema não era
problema para a criança pequena, era problema lá só para
o adolescente. Dependendo do tema que você escolhia,
na medida em que o pessoal foi trabalhando e se dando
conta, que trabalhar com Tema Gerador é trabalhar a
partir do outro. Então se começou a escolher vários temas,
daí a gente já tinha um tema para os pequenos, um tema
para os maiores e um tema pra EJA. Aqui, pouco a pouco
dentro dos pequenos já tinha os subtemas, de acordo com
a faixa etária, entende? Então, o primeiro trabalho foi
qualificar a pesquisa, depois que qualificou a pesquisa, o
segundo trabalho era qualificar o fazer pedagógico da sala
de aula, era fazer e olhar a área na pesquisa, qual a
Propostas educacionais... 27

contribuição da área dentro do problema para não ficar


geral e conseguir ser específico (GE 2).

Tinha que ser alguma coisa um pouquinho mais


específica em função da necessidade da criança

Lá nas creches foi a primeira oficina que a gente fez com


a educação infantil e depois a gente multiplicou, fez
oficinas com a educação infantil, com ensino fundamental,
EJA; um pouco mesclada, depois separamos a Educação
Infantil. Depois de ter amadurecido a ideia, de ter
percebido que tinha que ser alguma coisa um pouquinho
mais específica, em função da necessidade da criança. A
oficina num Tema Gerador ela partiu da necessidade da
gente inicia-la com uma pesquisa, então primeiro a gente
fez todo um processo de formação com os educadores de
o que seria uma pesquisa. Como buscar na realidade,
como compreender a realidade da criança, para isso nós
tínhamos que trabalhar em oficinas, organizando pesquisa
com todos os educadores da rede (GE 2).

As narrativas apresentadas evidenciam que a


elaboração e construção da proposta contou com a ajuda de
muitos técnicos da Secretaria Municipal de Educação, dos
diretores de escolas, dos professores oriundos de diferentes
áreas de conhecimento. Inferimos, a partir do explicitado nas
narrativas, que houve grande participação de vários
segmentos da comunidade escolar. Destacamos também que
o processo foi construído coletivamente, como podemos
perceber em vários momentos de todas as narrativas quando
mencionam várias vezes a expressão “a gente”, o que nos
possibilita interpretá-la como sinônimo de trabalho de um
grupo, que, por sua vez, em muitos momentos estava no
mesmo patamar de compreensão e construção. Portanto,
não foram apenas as professoras que compunham a equipe
dirigente da Secretaria Municipal de Educação ou os
28 A atualidade das ideias de Paulo Freire

assessores externos que definiram o que e como construir a


proposta.
Segundo as narradoras, percebeu-se a necessidade de
estudos pela própria equipe que comporia a Secretaria
Municipal de Educação de Chapecó. Nesse sentido, elas
rememoraram e narraram que foram realizados cursos de
formação, grupos de estudos entre a equipe dirigente e entre
os professores nas escolas e creches. A construção pautou-se
numa metodologia de estudos que foi desencadeadora e
condutora do processo. Perceba como suas narrativas
procuram demarcar constantemente o papel desses
momentos de estudo.
Ao longo das rememorações, fomos percebendo
que, mesmo para a equipe da Secretaria de Educação, não
havia maior clareza do que e como fazer. As entrevistadas
foram narrando sua participação no processo, portanto, não
havia aquelas que sabiam e outras que não sabiam. Essa
perspectiva está evidenciada na fala de GE 1, ao afirmar que
“[...] todo mundo estava se formando nesse processo nós, a
equipe pedagógica, o pessoal da escola, era um movimento
de formação de todos né, do secretário ao vigia da escola
[...]”. Ou quando GE 3 afirma que

[...] foi uma aprendizagem no contexto também, a nossa


formação se deu junto com a rede municipal. Minha
formação política e educacional dentro dessa proposta foi
se dando nesse momento. A maioria do grupo tinha sim
seus contextos sua formação, mas não com profundidade.

Portanto, a organização e a formação da equipe


gestora foram acontecendo de forma simultânea conforme
rememoraram.
Propostas educacionais... 29

Bom, a gente foi empolgada achando que aquilo tudo


que a gente acreditava ia se concretizar

A Secretaria montou três equipes. Uma para Educação


Infantil, uma para o Ensino Fundamental e uma para a
Educação de Jovens e Adultos. Então, fui eu e mais, se eu
não me engano, quatro pessoas. É interessante que o
trabalho na Secretaria era um trabalho coletivo, a gente
tinha muitos momentos de estudo de planejamento juntos.
A gente preparava junto às intervenções para ir para as
escolas. Quando a gente ia para as escolas trabalhar com
os professores era sempre numa perspectiva de envolver
os professores a partir daquilo que era problema para eles.
Então, discutir a formação a partir daquilo que era
problema para os professores lá no fazer pedagógico
olhando, então, para o mirante da educação popular e
para o processo de investigação temática. Então, a gente
tinha muitos momentos de discussão, de organizar pautas
coletivas, de um olhar a pauta do outro, quando a gente
trazia os problemas das escolas a gente fazia estudos
coletivos sobre os problemas das escolas juntos. Bom, a
gente tinha a diretora do departamento que sempre
organizava os momentos de formação, mas a gente
também tinha assessoria que vinha de fora. Então, a gente
tinha a assessoria específica que pensava a educação de
jovens e adultos em si e tinha a assessoria mais geral que
era o professor Antônio Fernando Gouveia. Então, a
gente tinha duas formações acontecendo ao mesmo
tempo, a formação permanente que acontecia nas escolas
oferecidas por nós e a nossa formação permanente que
era feita pelas assessorias. A assessoria quando vinha ela
fazia a gente avançar naquele problema, ver outras
alternativas, outras formas de solução porque era um
olhar diferenciado. Aquilo que o Freire coloca: se
distanciar do objeto de estudo para analisar. Para mim foi
um momento de crescimento muito grande. Eu sou outra
pessoa depois que eu passei pelo processo de Tema
Gerador, e acho que muitas pessoas também falam a
30 A atualidade das ideias de Paulo Freire

mesma coisa. Não é só uma metodologia diferente que


você aprende, não, é uma concepção de mundo que você
incorpora e isso muda tua vida, teu jeito de olhar para as
coisas, para as pessoas, para a sociedade (GE 2).

A formação continuada acontecia também para os


professores, coordenadores e equipe pedagógica da rede.
Como nos narraram, houve preocupação em garantir que as
atividades formativas acontecessem em diferentes espaços,
momentos e em diferentes níveis na perspectiva de envolver
a todos os sujeitos educacionais.

A formação visava sempre subsidiar as dificuldades que


eles tinham na sala de aula

Às vezes, a gente não conseguia. Porque eu creio que nós,


da Secretaria estávamos num nível de elaboração muito
além do que os professores estavam na escola, até pela
formação que a gente tinha que vinha de fora pelas
leituras, e o tempo maior que a gente tinha disponível
para ler. Então, muitas vezes, a gente cobrava dos
professores em sala de aula alguns retornos. Às vezes, eu
avalio que a gente era até meio imediatista demais, com as
coisas. Porque a sala de aula ela tem um ritmo que é
diferente de um ritmo de uma Secretaria de Educação que
pensa e que elabora. O fazer lá com o aluno, às vezes, ele
é mais lento, pela própria situação do ensino, condições
da sala de aula. Então, a gente pensava a formação a partir
daquilo que vinha como demanda da sala de aula. A gente
tinha também o acompanhamento sistemático nas escolas.
Então, ia até a escola, lá acompanhava ajudava a pensar o
momento de formação, ajudava a olhar para as aulas das
diversas disciplinas. Algumas demandas também se
colocavam para as escolas como forma de avançar no
processo e o objetivo maior era que, na medida em que o
processo fosse avançando as escolas ganhassem uma certa
autonomia no fazer também, uma certa emancipação. De
Propostas educacionais... 31

poderem propor também alternativas, não só esperar que


a gente propusesse algumas alternativas, mas que eles
também se sentissem sujeitos de propor, e algumas
escolas já conseguiam pensar propostas de superação das
dificuldades (GE 3).

De cada cinco turmas tinha um professor a mais

A gente fazia uma coisa que manteve algum tempo, num


dia da semana os alunos eram dispensados os dois últimos
períodos da manhã ou da tarde para os professores
fazerem o estudo e o Planejamento, sempre com uma
pessoa da Secretaria da Educação. Toda semana a gente
acompanhava a formação. A gente preparava as pautas na
Secretaria da Educação, nós as diretoras, com a equipe.
Como é que a gente fazia para fazer momentos que não
dispensassem as aulas? Aquele professor que fazia o
coringa ele liberava sempre dois pelo menos estavam
sentados para planejar. Sempre dois professores, três,
porque depende o número de turmas tinha um, dois, três.
De cada cinco turmas tinha um professor a mais. A gente
também fazia formação dos diretores, dos vice-diretores e
dos especialistas para serem os multiplicadores lá na
escola. Então, assim, nós não temos uma equipe para
estar toda hora lá sentado com dois, três, mas como você
também é formado, preparado você dá essa sustentação.
A gente fazia aquele momento que era com o grupo todo
daí na semana, que na Educação de Jovens e Adultos era à
noite, e no Ensino Fundamental era na dispensa daqueles
dois últimos períodos na dispensa. Além disso, tinha uma
vez por mês encontro de áreas que a gente coordenava
nós da secretaria, depois com o tempo fomos
desenvolvendo professores da escola (GE 1).
32 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Não se podia dispensar muito as crianças, mas tinha no


calendário uma previsão

A formação dos professores dependia duma organização


mais da secretaria mesmo. Na Educação Infantil com o
grupo de coordenadores na época surgiu o seguinte:
vamos organizar um grupo de apoio pedagógico. Esse
grupo de apoio pedagógico vai entrar nos CEIMs e vai
assumir o grupo de crianças e os professores vão sair para
planejar. Além desse tempo, tinha também o tempo de
dispensa da criança. Não se podia dispensar muito as
crianças, mas tinha no calendário uma previsão. Então,
tinha horário da Educação Física também principalmente
na pré-escola e se ampliou para o berçário e maternal.
Naquele período, então, uma professora de Educação
Física entrava no berçário, no maternal, na pré-escola que
era um tempo que o professor podia planejar. Tinha a
estagiária que acompanhava a professora dentro da sala
também que, em alguns momentos junto com a
coordenadora, o professor saia, às vezes, ela fazia o
planejamento dela com outra ou comigo, por exemplo.
Ou com outro colega da rede, mas o grupo de apoio era
um grupo de dezessete alunas ou da Pedagogia, ou do
Magistério, das áreas mais humanas mesmo (GE 3).

No decorrer tu vai ganhar mais um, outro que vai


despertar

A partir do momento em que a gente propõe uma outra


metodologia, outra concepção, um outro paradigma de
trabalho, currículo e reorientação curricular, você de certa
forma, você desestabiliza o que era normal. Que a gente,
como educador trabalha numa perspectiva tradicional
também, e, muitas vezes, a gente trabalha porque é o
único jeito que a gente sabe trabalhar. Um grande número
de educadores da rede municipal mesmo, nós a própria
academia ajudou a formar numa perspectiva tradicional;
não teve, não conseguiu optar por uma outra concepção
Propostas educacionais... 33

porque havia uma única e historicamente. Então, era até


difícil. Nós tínhamos que fazer provocações, fazer o
desequilíbrio. As provocações para criar necessidade de
aprofundar e compreender uma outra perspectiva de
mundo, uma outra perspectiva de sociedade. E com o
passar dos anos foi se tornando mais claro. A gente foi
tendo um grupo que aderiu e vestiu a camisa, mais
militante da educação. Quem está coordenando tem que
ter conhecimento, tem que ter capacidade de
argumentação, de desestruturar, de fazer as provocações
para a coisa não empacar. Todos nós conseguíamos? Não.
Tinha momentos que a gente empacava. E aí parou para o
trabalho, empacou, pulou daqui do micro foi lá para o
macro, nem tem meso ali. Nem passou pelo meio do
caminho, vamos lá para o macro. Porque? Eu também não
sei. Ninguém sabe, ninguém dá conta. Outra, porque
depende muito também do outro, entende? Assim, você
pode ter uma leitura de mundo, pode ter subsídio, você
pode saber fazer as problematizações, provocações, mas
se não flui morreu. Você não tem como dizer para o
outro: “olha o caminho é esse... Esse e esse”. Você vai
organizar depois no decorrer do ano nos momentos de
formação que naquele ano não deu conta, aquela rede
temática não deu conta e no decorrer tu vai ganhar mais
um, outro que vai despertar para aquele item, para aquela
questão. Outro tu não vais ganhar. Uma coisa que é lenta
(GE 3).

As narradoras, ao serem interrogadas, também


explicitaram as muitas formas de resistências que os
professores apresentaram nas escolas, nos diferentes níveis
de organização das atividades. Destacaram que a maior
resistência era devido a uma relativa segurança que as
pessoas sentiam ao realizar o trabalho. Da mesma forma, as
resistências, segundo as narradoras, aconteciam devido ao
modo como estavam estruturadas as escolas ou formas
arraigadas de trabalhar sem maior possibilidade de
34 A atualidade das ideias de Paulo Freire

questionamento. Ou, ainda, aconteciam nas coisas mais


simples e cotidianas como a forma de avaliação; por não
conseguir relacionar os problemas levantados pelos alunos
com os conteúdos tradicionalmente considerados como
válidos e necessários no currículo formal por conta de uma
avaliação com atribuição de notas, com medição do que os
estudantes haviam apreendido ou não. Por outro lado, a
proposta gerava certa instabilidade e provocava medo nos
professores pela possível perda do controle, por não
conseguir responder àqueles estudantes que se tornavam
sujeitos perguntadores.

Então, era uma resistência política também, entendeu?

Nós tínhamos maior resistência era com professores


efetivos e com os mais antigos no município. Não todos.
Porque já vinham duma formação onde, ao longo dos
anos, trabalhavam daquele jeito, com aquele tipo de
planejamento. Então, havia assim, tinha gente que sabia a
gente não forçava nesse sentido. Mas, a gente sabia que
conosco era uma pauta e dentro da sala de aula era outra.
Isso a gente tinha consciência, só que a gente também
não tinha o direito de tirar deles uma coisa que o
professor sabia fazer, e fazia bem. Não tinha como a
gente pegar e dizer, você está errado, porque não existia
um errado e um certo. Primeira coisa que nós olhávamos
era se a criança ou aluno daquela turma, daquele
professor que não... Que não... Vamos dizer assim, que
não fazia como a gente gostaria que fosse, estudasse com
as crianças, mas tinha um resultado, tinha um respeito
com a criança. Porque, o que nós queríamos mesmo era a
criança também, que aquele professor respeitasse aquela
criança dentro daquele espaço. Então, havia esse respeito
também, entende? Não era só, agora sempre que se podia
a gente fazia a formação mais específica com aqueles
educadores, até para entender porque que ele não queria.
Então, era uma resistência política também, entendeu?
Propostas educacionais... 35

Não era só uma resistência pedagógica. Na atitude do


professor que a gente percebia que a resistência se dava.
Fomos ganhando muita gente nesse sentido, na proposta,
fomos aprofundando cada vez mais. Dificuldade era
muito mais política no sentido da rede estar preparada
num tempo anterior a esse para não aceitar essa proposta
porque era do PT que, Tema Gerador era do PT. Então,
havia falas assim que, nós íamos revolucionar. E, daí tinha
um grupo que não queria Tema Gerador. Diziam: não dá
certo. Então, isso era... Era muito difícil para gente, essa
era uma dificuldade muito grande para nós, sabe? De dar
continuidade. Lógico foi interrompido todo um processo
nós poderíamos ter feito muito mais, iríamos aprender
muito mais, né? Se tivesse continuado esse processo então
tinha muita dificuldade nesse sentido, nós tínhamos
dificuldades também de algumas respostas para o grupo
(GE 3).

A resistência a ter que pensar sobre o que faz

A resistência dos professores, dos educadores, a


resistência à nova proposta. A resistência a ter que pensar
sobre o que faz. A resistência a não abrir o livro didático,
que se lia de cabo a rabo, sem se perguntar: porque? Para
que? Para quem? O que se tem que planejar? Em função
do que? A resistência em se colocar em movimento,
entende? Em ter que você se abrir. Você dar tua aula, mas
a aula ela não é uma coisa só tua ela é coletiva, não é tua.
Não a tua aula... Como é que você parte do Tema
Gerador? Da pesquisa do Tema Gerador você define os
conhecimentos a serem trabalhados a partir disso (GE 1).

Os professores diziam e o vestibular?

A nota foi um entrave, porque o povo resistente dizia que


tinha que ter a nota e o conteúdo do currículo. Os
professores diziam e o vestibular? Trabalhar com a fala
não garante os conteúdos do currículo. Porque eles
36 A atualidade das ideias de Paulo Freire

tinham dificuldade em ver os conteúdos do currículo, esse


era o problema. Então, a demanda nossa era, conseguir
perceber que o currículo preestabelecido estava na fala
também, às vezes, com uma outra roupagem, um pouco
mais aprofundado, mas ele aparecia. Então, a questão do
currículo, que nem todos os conteúdos apareciam, e os
professores cobravam que tinha que aparecer todos os
conteúdos. A questão da nota. Como é que eu vou saber
se o aluno sabe ou não sabe sem ter a nota como
parâmetro para eles? Alguns diziam que a avaliação
descritiva não dava conta. Eram essas as principais
resistências que vinham; a questão do vestibular era a fala
principal, e a questão da avaliação e da nota. Tinha a
dificuldade também das pessoas que diziam: eu não sei
trabalhar desse jeito, eu não sei fazer. Não era uma
resistência, era uma resistência no sentido do não saber
fazer. Eu não sei trabalhar com a fala, eu não consigo
enxergar ciência na fala, a matemática na fala, eu vou dar
minhas quatro operações, os números inteiros, e negativos
e raiz quadrada, eu não sei trabalhar isso na fala, eu não
sei trabalhar com os três momentos pedagógicos. Então
diziam abertamente que não sabiam. Às vezes, não é que
não queriam. Eles diziam que não sabiam e da dificuldade
que eles tinham. Daí a formação permanente estava
sempre voltada para essas questões. A gente estava
sempre voltando à formação, aprofundando o olhar para
a docência, olhando para essas questões e olhando para
área também. Muitos também não sabiam lidar com as
perguntas que vinham dos alunos, porque instigava os
alunos a participar, perguntar e isso também dava uma
certa instabilidade para muitos professores lidar com tanta
pergunta. Se dava mais voz para os alunos também, daí
mais vez. E isso também para alguns causava certo temor.
Será que eu vou conseguir controlar a turma agora com
tantos direitos que os alunos têm? O controle era
importante, alguns se sentiam ameaçados. Eu acredito
assim, que quem dominava a área eram os que menos
tinham dificuldade de dar conta desse processo. O
Propostas educacionais... 37

professor que dominava a área, que entendia a área na sua


profundidade, era o que mais conseguia trabalhar com
Tema Gerador. Assim, até dizia que tinha dificuldade, mas
o que menos era resistente, aquele pessoal mais
tradicional ou digamos mais agarrado ao currículo e que
não tinha tanto trânsito no geral da área eram os mais
resistentes e os que mais tinham dificuldade em trabalhar
e ver a área na fala ou os conteúdos na fala. Se você tem
um pouco esse olhar, você se desprende um pouco das
amarras e consegue transitar melhor por esse processo. A
gente percebia que os professores que conseguiam fazer
isso nas falas deles os alunos também retribuíam nesse
sentido, de dizer como eles tinham aprendido com aquela
aula, como aquela aula fazia diferença na vida deles (GE
2).

Para os professores narradores, apesar de todos os


problemas, as resistências, conflitos e posterior perda das
eleições municipais e, consequentemente, perda da direção
da Secretaria Municipal de Educação, aconteceram avanços
significativos com a implementação da proposta educativa
pautada nos princípios do pensamento de Paulo Freire. Para
elas, após os oito anos de uma educação popular eram
visíveis as mudanças efetivadas.

Pessoas que ergueram a cabeça

Eram pessoas, eram outros seres humanos. Se tornaram


pessoas críticas, pessoas que ergueram a cabeça.
Geralmente, a condição da gente como trabalhador filho
de trabalhador desde criança é estar sempre de joelhos
diante da autoridade. As pessoas passaram a se apropriar
do conhecimento e fazer debates, ser provocativas, ser
propositivas. Um grande número de pessoas se tornou
lideranças nas comunidades, né? Se tornaram lideranças
sindicais (GE 1).
38 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Nosso grande ganho foi levar os professores para a


comunidade, desvelar a realidade

Que realidade era essa? Que você entra dentro de uma


sala de aula, faz a matrícula das crianças, matrícula, olha a
fichinha deles, recebe eles ali. No portão de entrada, dá
um bom dia, uma boa tarde para a mãe, pega a sacolinha,
guarda, se o bebê gostou, se ele não gostou, azar, a sacola
vai ficar pendurada ali. Esta relação nós queríamos acabar
com ela. Os brinquedos não tinham acesso, eram todas as
prateleiras altas, a criança não tinha muito acesso. Quer
dizer, vamos discutir essa criança, entende? Então, nós
não chegamos assim, vamos trabalhar! Isso é Tema
Gerador. Isso é olhar para a realidade. Isso é a pesquisa
interna da sala de aula. Nós temos que mudar esse espaço,
de compreensão, de organização dela, mas compreender
quem é essa criança lá fora. Teve vários espaços que a
gente sentia que faltava um pouquinho de ânimo, vontade,
compromisso também. Mas nós tínhamos alguns espaços
que fazia com que a gente olhasse para as professoras, e
dissesse: poxa! Essa professora sim, ela está inteira dentro
do trabalho, ela consegue ouvir a criança do berçário (GE
3).

Contribuiu muito para nossa formação

Bom! A gente diz que a nossa formação dava no mínimo


um doutorado e um mestrado para cada uma de tanta
coisa que a gente leu, que a gente estudou, que a gente
discutiu, que a gente escreveu, e que a gente organizou
enquanto processo, encaminhamento. Hoje isso dá um
moral para a equipe. Eu digo a equipe como um todo a
gente sai qualificado, a gente sai qualificado para tocar
questões pedagógicas que até então a equipe não tinha.
Eu mesma hoje aqui como professora da universidade
procuro trabalhar as minhas aulas nos três momentos
pedagógicos não sei mais não ser assim. Não sei mais
trabalhar sem dialogar com o aluno, sem perceber onde
Propostas educacionais... 39

ele está, o que ele percebe o que ele não percebe, sem
relacionar aquilo com o cotidiano com a prática. Não sei
mais não fazer isso. Isso já incorporou em mim. Eu não
sei mais discutir uma questão sem olhar para a questão
sociológica, filosófica, psicológica, entender da questão.
Então, a equipe ela ganhou uma bagagem de
fundamentação com isso também e que a gente traz para
a vida profissional. Os colegas nas outras áreas que eles
estão, a gente na área que a gente está (GE 2).

Ficou esse olhar mais pedagógico, mais inclusivo, mais


democrático na escola

Da secretaria e da escola, um dos grandes avanços da


escola e que hoje a maioria cobra dessa administração é o
trabalho coletivo. Inclusive, apareceu numa pesquisa do
Senac, encomendada pela educação, o quanto os
professores têm saudades dos momentos de estudo e
planejamento coletivo e o quanto a troca entre os pares
faz falta, então acho que isso foi um avanço. A questão da
interdisciplinaridade, não que seja uma
interdisciplinaridade total, mas fragmentária de poder
dialogar com dois ou três colegas, mas já é um avanço.
Isso a rede coloca como uma falta a questão do trabalho
coletivo, a importância do estudo e planejamento coletivo
a rede coloca como uma falta. Hoje, os professores do
município eles têm mais fundamentação para discutir as
coisas, mais bagagem, mais argumentação. O pessoal
falava: os professores do município discutem eles falam,
eles argumentam, o olhar para a criança está diferente.
Têm-se um olhar mais pedagógico. No trabalho, hoje
dificilmente um professor pega o livro didático e segue o
livro didático de cabo a rabo na sala de aula. Você não vê
mais isso. Não se têm mais o Tema Gerador, mas o
pessoal tenta trabalhar alguma temática, agora a partir dos
projetos, fazer alguma atividade diferente. Claro que
sempre tem os que ainda... Mas, a maioria não consegue
mais ficar isolada olhando só para o livro didático sem
40 A atualidade das ideias de Paulo Freire

pensar um diferencial, a importância da inclusão dos


alunos, do olhar diferenciado para os alunos. Até na
questão dos avanços e repetências, a gente sempre tem
todo um critério na hora de ver se o aluno de fato no final
do ano fica ou não fica. Porque a gente olha tudo, e
durante o ano a gente procura olhar o todo do aluno, isso
ficou, esse olhar mais pedagógico, mais inclusivo, mais
democrático na escola apesar dos espaços terem sido
abortados, né?, mas ainda ficou para a grande maioria dos
professores. Isso é um avanço, que eu creio que, não é
nem um avanço da administração que passou é um
avanço para a classe. O grande sonho, a grande meta é
que esses processos democráticos consigam implementar
nos professores essa... Essa esperança que a gente possa
ser um dia, ser livres para resistir às imposições que
venham de fora e construir os princípios que a gente
acredita. Muita coisa ficou. Na rede hoje, as pessoas não
aceitam as coisas assim tão facilmente. As pessoas acabam
discutindo, e a Secretaria tem uma certa dificuldade, às
vezes, para colocar as coisas porque as pessoas discutem,
cobram, argumentam, justificam. Querem saber o porquê?
Qual é o objetivo? Qual é a validade de tal mudança? Isso
para mim é um avanço! (GE 2).

Pelas entrevistas que realizamos com gestores que


coordenaram a Secretaria Municipal de Educação de
Chapecó de 1997 a 2004, pudemos perceber que muitos dos
princípios educacionais preconizados por Paulo Freire foram
implementados ou aconteceram tentativas de sua
implementação. Nesse sentido, buscou-se nessa experiência
de gestão educacional: o caráter político da prática
educacional; a participação ativa da comunidade escolar na
gestão pedagógica e administrativa da escola pública para o
fortalecimento de sua autonomia; a organização de projetos
político-pedagógicos; a construção de propostas curriculares
interdisciplinares que privilegiassem a dialogicidade e a
práxis educacional (FREIRE, 1991).
Propostas educacionais... 41

Propostas de gestão democrática baseadas na


pedagogia freireana tornaram-se referências, ganhando a
dimensão de políticas educacionais fazendo o enfrentamento
às propostas pedagógicas hegemônicas.
Embora tenham ocorrido mudanças significativas na
organização e prática da educação no município de Chapecó,
as disputas pelas diferentes propostas continuaram presentes
durante toda a administração da Frente Popular, disputas
essas que se acirraram nas eleições de 2004, quando todo o
projeto educativo foi sendo aos poucos desorganizado,
desestabilizado pelo antigo grupo político que voltou a
administrar o município.
Apesar de todos os esforços contrários, a proposta
educacional pautada no pensamento freireano implementada
no município de Chapecó, acreditamos, como a GE 2 que

[...] o grande sonho, a grande meta é que esses processos


democráticos eles consigam implementar nos professores
essa... Essa esperança que a gente possa ser um dia, seres
livres para resistir às imposições que venham de fora e
construir os princípios que a gente acredita. Muita coisa
ficou.

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42 A atualidade das ideias de Paulo Freire

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II

APREENDER E ENSINAR A REALIDADE PARA


TRANSFORMÁ-LA: A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA
EDUCAÇÃO POPULAR DE CHAPECÓ (SC)

Leoni Inês Balzan Schneider

O presente capítulo tem especial significado, pois


como pedagoga – orientadora educacional – atuante na rede
estadual, e alfabetizadora no ensino fundamental do
município de Chapecó (SC), no percurso de mais de três
décadas de trabalho com a educação pública, tenho
convivência com os conflitos acerca dos movimentos e
efeitos das práticas pedagógicas escolares. Em especial, a
partir da convivência com a resistência de muitos colegas
atuantes na rede estadual de ensino, quanto à participação
dos pais, mães e educandos nas tomadas de decisões
cotidianas da escola. O que também foi evidenciado, por
intermédio de pesquisa realizada na pós-graduação
(especialização), intitulada: “A participação da família na
escola”. Situação semelhante também percebida na
implementação de estratégias que permitiam maior
participação dos educandos na construção do conhecimento,
resultado de projetos político-pedagógicos construídos pelos
próprios educadores. Diante de tais resistências, passei a
questionar as causas da minha crença na participação dos


Mestre em Educação nas Ciências pela Universidade Regional do
Noroeste (UNIJUÍ) de Ijuí /RS. Atuou como alfabetizadora na rede
municipal de ensino do município de Chapecó e na rede estadual,
como professora orientadora coordenou o Ensino Médio Inovador em
escola da rede estadual de ensino Escola Básica Professor Nelson
Horostecki.
48 A atualidade das ideias de Paulo Freire

educandos na vida escolar. Encontrei indicativos na minha


participação sindical e nos estudos da pós-graduação.
Ao trabalhar na proposta de educação com
participação popular na rede municipal de educação,
caracterizada por princípios anteriormente defendidos nas
lutas pela qualidade na educação pública, e perceber,
novamente, a presença de “certa resistência” quanto à
participação da comunidade escolar, é que se tornou
pertinente investigar sobre as inovações pedagógicas, no
trato com os diferentes saberes, incorporadas pelos
educadores e educadoras nas suas práticas pedagógicas
escolares, a partir da vigência da proposta de Educação
Popular na rede municipal de Chapecó (SC), no período de
1997 a 2004.
Buscou-se descrever e analisar a Proposta Teórico-
Prática de Educação Popular do município de Chapecó e o
conjunto de elementos que possibilitaram sua construção e
pela sistematização das visões de duas comunidades
escolares – pais, mães, educadores – a verificação de quais
inovações1 que foram introduzidas nas práticas pedagógicas,
e como se deu a participação das comunidades no processo
educativo que propiciou tais inovações. Ante as

1 Os estudos de Cunha (2006, p. 10) que tratam da inovação na prática


pedagógica universitária, informam que “[...] as inovações que
adivinhamos próximas se materializam pelo reconhecimento de formas
alternativas de saberes e experiências, nas quais imbricam objetividade e
subjetividade, senso comum e ciência, teoria e prática, cultura e natureza,
anulando dicotomias e procurando gerar novos conhecimentos mediante
novas práticas”. Trazendo suas discussões para a escola pública de
ensino fundamental como da proposta de educação popular em estudo,
entendemos que a partir da implementação da própria proposta de
educação popular constituída pela pesquisa participante, Tema Gerador e
avaliação processual, como uma introdução a inovação. Porém, desse
contexto definimos que a inovação na prática pedagógica é possibilitada
pela discussão, estudo, troca de experiências e reflexões coletivas,
intermediadas pela teoria, sobre a prática educativa.
Aprender e ensinar... 49

características do texto 2 que ora se apresenta, priorizamos


tratar de três pontos dos acima citados, sendo: o conjunto de
elementos que possibilitaram a eleição de uma administração
com participação popular, a construção da proposta de
educação e as inovações pedagógicas percebidas pelas
educadoras da amostra pesquisada.
As técnicas utilizadas para busca de informações
foram de forma qualitativa e por meio de: pesquisa
documental e bibliográfica; entrevistas, mediante roteiro
semiestruturado com membros da Secretaria Municipal de
Educação, lideranças dos sindicatos de oposição, pais, mães,
educadores (gravadas e transcritas); observação sistemática e
vivências da pesquisadora, isto é, participação em encontros,
cursos e planejamentos coletivos no período de vigência da
proposta em estudo, na forma de diário de campo. Como
campo empírico de referência, tornaram-se campo de estudo
– a Escola Básica Municipal André Antônio Marafon e a
Escola Básica Municipal Diogo Alves da Silva. A maioria das
comunidades escolares atendidas pela Rede Municipal de
ensino Fundamental são formadas por posseiros, pequenos
agricultores, desempregados e trabalhadores autônomos
desprovidos de bens físicos e sem perspectivas de
participação sócio-política.
A análise da pesquisa é fundamentada nas produções
de Ilse Scherer-Warren, Paulo Freire, Antonio Gramsci e
Lev Vigotski e também de estudiosos que fizeram de
Chapecó e região seu objeto de estudo, como Odilon Luiz
Poli e Pedro Francisco Uczai.

2 A pesquisa na íntegra intitulada “Apreender e ensinar a realidade para


transformá-la: A prática pedagógica na educação popular de Chapecó –
SC”, disponíveis na UNIJUÍ e na Unochapecó.
50 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A CONSTITUIÇÃO DE UMA PROPOSTA DE


EDUCAÇÃO POPULAR EM CHAPECÓ

Para compreender como um conjunto de forças


sociais foi modificando o equilíbrio das relações de poder a
ponto de vencer as forças políticas que dirigiram o
município de Chapecó, em seus oitenta anos de história,
torna-se oportuno evidenciar as ações e os discursos que
influenciaram, desafiaram e aglutinaram pessoas,
construindo uma “vontade coletiva” (GRAMSCI, 1974, p.
252-253) desencadeando os Movimentos Sociais de Chapecó
e região e elegendo uma administração pública municipal
aberta à participação popular. Tomamos como ponto de
referência os Movimentos Sociais ocorridos no oeste
catarinense, no período de 1978-1987, que assumiram na sua
estruturação uma lógica de Educação Popular, lógica esta
que demanda explicitação, pois, segundo Pinto e Duque-
Arrazola (1984, p. 87-88),

[...] não existe nem pode existir um significado universal


para a expressão “educação popular”, sua significação
deverá ser precisada a partir de suas implicações e
determinações políticas.

De acordo com estudos de Poli (1995) e de Uczai


(2002), compreende-se que a Educação Popular dos
Movimentos Sociais do Oeste Catarinense contribuiu no
desenvolvimento da vontade coletiva, uma vez que estes
Movimentos são caracterizados como “novos movimentos
sociais”3, constituindo-se
3 Ao nos referirmos a “novos movimentos sociais” (NMS), que
doravante mencionaremos neste estudo, o faremos referenciando-se
especialmente nos escritos de Scherer-Warren, Redes de movimentos sociais
(1993). Para a autora, é significativo estudar o poder transformador
destes Movimentos, embora tenham surgido no país e fora dele, em
pequeno número. Os NMS apresentam “suas especificidades
Aprender e ensinar... 51

[...] a partir do presente, pelo redimensionamento das


experiências cotidianas, além de uma ligação com um
movimento cultural mais amplo que busca romper com
todas as formas de autoritarismo e opressão [...] (POLI,
1995, p. 94-95).

E pela adesão a discursos que apelam ao


“compromisso político e ao objetivo de transformação
social” (TORRES, 1988, p. 12).
Esta é uma educação que tem como característica ser
uma prática social que se propõe a contribuir para que a
sociedade se construa, por meio do princípio da coletividade,
caracterizado pela participação e trabalho com os diferentes
saberes de um ponto de vista dialético, pois,

[...] ao mesmo tempo que contribui ao fortalecimento de


estratégias organizativas, também serve para questioná-

dependendo das situações estruturais e conjunturais onde se organizam”


(SCHERER-WARREN, 1993, p. 51). Estes Movimentos têm como
utopia a corrosão das práticas autoritárias ocorrentes tanto no Estado
quanto na sociedade civil. Ainda, segundo a autora, os cientistas sociais,
estudiosos dos NMS, dizem que estes “compartilham da ideologia do
antiautorismo e são pela descentralização do poder” (SCHERER-
WARREN, 1993, p. 51). Os NMS têm como parte de sua ideologia
(projeto) que a “[...] ação transformadora da sociedade civil sobre si
mesma é pelo menos tão fundamental quanto aquelas empreendidas a
partir do aparelho do Estado [...]” (SCHERER-WARREN, 1993, p. 53),
o que indicaria o processo de criação de um novo modelo cultural. Nesse
sentido, lutam pela redefinição da cidadania, e apontam para novas
formas de relações societárias, definidas como: “[...] reapropriação
política do sentido das relações comunitárias. Estes movimentos crêem
no poder da força comunitária para a constituição histórica do grupo”.
(SCHERER-WARREN, 1993, p. 55). Porém, Scherer-Warren (1993, p.
60) avalia que a redefinição da cidadania, num sentido amplo, envolve:
“[...] a deslegitimação de decisões tomadas autoritariamente pelo Estado,
o fortalecimento das relações comunitárias em seu sentido político, a
forma de agir pela resistência ativa não-violenta, a tentativa de
democratização das práticas cotidianas e a busca de autonomias
relativas”.
52 A atualidade das ideias de Paulo Freire

los, enriquecê-los, realimentar-se em um processo muito


dinâmico (PONTUAL, 2002, p. 1).

O município de Chapecó tem sua economia centrada


na agroindústria, situa-se na região oeste de Santa Catarina,
Sul do Brasil, e tem sua história política/econômica/social
marcada pela atuação de vários Movimentos Sociais. Dentre
eles, destacam-se quatro (que se constituíram como tais, no
período de 1978 a 1987): o Movimento dos Sem-terra
(MST), Movimento das Mulheres Agricultoras (MMA) 4 ,
Movimento dos Atingidos pelas Barragens do Rio Uruguai
(MAB), e Movimento de Oposições Sindicais. De acordo
com Poli (1995, p. 2), algumas características chamam
atenção no processo de surgimento e estruturação destes
Movimentos:

O fato de surgirem quase simultaneamente, num espaço


muito curto de tempo, envolvendo a mesma base social:
pequenos produtores rurais 5 , cujo modo de vida e de
produção guardava muitas características (recriadas) do
modelo original camponês. Também chama atenção, a sua
grande capacidade de organização interna e de articulação
com outros segmentos da sociedade abrangente.

4 Porém, desde marco de 2004, o movimento denomina-se: Movimento


das Mulheres Camponesas (MMC). A deliberação da nova nomenclatura
ocorreu a partir do entendimento de unificar as lutas das mulheres
trabalhadoras, além das agricultoras, também, as arrendatárias, meeiras,
pescadoras artesanais e catadoras de coco. A mudança ocorreu após
intenso processo de estudo com dirigentes e grupos de base de 19
estados brasileiros efetivada no congresso nacional de Consolidação do
Movimento de Mulheres Camponesas, realizado em Brasília.
5 Expressão utilizada pelo autor. Para expressar os mesmos atores, no

decorrer deste estudo, utilizamos a expressão “agricultura familiar de


pequena propriedade”, uma vez que a produção familiar assumiu
características próprias de Sul a Norte do país.
Aprender e ensinar... 53

Extrapolando os limites da realidade local, os


Movimentos difundiam sua influência por meio de
lideranças projetadas para outros estados, inclusive em nível
nacional. A maioria dos estudos dedicados à compreensão
destes Movimentos (POLI, 1995; UCZAI, 1992; ALONSO,
1994) reconhece existir associações entre sua origem e a crise
provocada na produção agrícola tradicional da região pelo
processo de modernização da agricultura 6 , bem como ao
trabalho desenvolvido pelos setores da Igreja Católica
Progressista, especialmente pela Diocese de Chapecó,
iniciado na década de 1970.
Na intenção de evidenciar as forças que
desarticularam a política vigente no início da década de 1980,
torna-se oportuno registrar a atuação do líder religioso Dom
José Gomes, Bispo Diocesano, que assumiu a Diocese de
Chapecó num momento histórico marcado por um
profundo sentimento de renovação da Igreja, no contexto
do Concílio Vaticano II (1962-1965) e da Conferência de
Medellín (1968). A partir da Conferência de Medellín, houve
um avanço das ideias de renovação do Concílio Vaticano II,
no sentido da Igreja Latino-americana assumir um
compromisso em dar voz e vez aos oprimidos, configurando
o que ficou conhecido na América Latina como Teologia da
Libertação, cuja inserção junto às classes populares passou a

6 A modernização da agricultura proposta pela agroindústria implicou


abertura de linhas de crédito bancário tornadas acessíveis a agricultura
familiar de pequena propriedade, uso mais intensivo de sementes
selecionadas, utilização de insumos de origem industrial, mecanização
agrícola e instalações de novos e modernos equipamentos. Bem como na
exigência de qualidade dos produtos e das expectativas de produtividade,
inviabilizando a continuidade das formas tradicionais de produção. Com
o aumento dos custos da produção via industrialização, ao mesmo
tempo que os preços da venda dos suínos experimentavam uma
tendência de queda, na lógica da modernização, diminuía os ganhos
unitários do produto, que deveriam ser compensados pelos ganhos de
produtividade maior, segundo as agroindústrias.
54 A atualidade das ideias de Paulo Freire

estimular a organização e também a difundir uma visão de


mundo calcada no igualitarismo comunitário e na ênfase à
participação popular. Adotou uma metodologia que tinha
como princípio básico a formação de lideranças,
desburocratizar e desierarquizar a igreja. A tônica da
formação centra-se na organização de pequenos grupos, em
que a paróquia “[...] deixa de ser uma comunidade para se
transformar em uma confederação de comunidades. A Igreja
reconheceu a importância da mulher e dos leigos na
comunidade” (UCZAI; BRUGNERA; MARCON, 2002, p.
148).
Ações desta natureza “semeadas” entre os “simples”
para usar expressões gramscianas é que podem ter
contribuído decisivamente para a construção de uma
hegemonia que, segundo este autor, corresponde à direção
“intelectual e moral”, no caso estudado, dos Movimentos em
construção. Do entendimento que se tem do pensamento de
Gramsci, as lideranças pastorais da Igreja Católica atuaram
tanto para dar direção, quanto para viabilizar aos
Movimentos Sociais a sua organização, para tornarem-se,
eles próprios (coletivos sociais), os intelectuais orgânicos dos
setores “subordinados” da população. O trabalho destes
intelectuais é “alargado” quando passam a construir a
própria hegemonia política, quando criam uma frente
popular e chegam ao governo de um município. Nesta
condição, além de dar direção aos processos sociais locais,
propõem-se a contribuir para um possível progresso
intelectual e político do povo e não apenas dos coletivos
integrantes da frente popular.
Acreditamos, também, que a atitude de Dom José,
de estar presente entre o povo, como um bom ouvinte de
seus problemas cotidianos, bem como nas orações rotineiras
em conciliar evangelho com uma visão crítica da vida do
povo, além de despertar para seus valores, provocou as
comunidades para que assumissem as situações concretas e
Aprender e ensinar... 55

procurassem os meios de resolvê-las. A metodologia


educativa do educador brasileiro Paulo Freire, que mais tarde
passou a fundamentar a Proposta de Educação Popular do
município de Chapecó, segundo Mercedes Blanquer 7 a
Zimmer e Tedesco (2002, p. 86), é percebida na orientação
dos trabalhos pastorais da Diocese de Chapecó:

É em cima das experiências que a gente aprende. Então


essa metodologia de Paulo Freire que dizia que o saber vai
se construindo com a prática, olhando a prática é que a
gente vai avançando. Então o nosso objetivo era isso:
troca de experiências. Em cima de troca de experiências,
aí se avaliava o que era positivo, o que tinha sido falho. E,
aí, em cima disso, se construíam novas teorias pra poder
avançar no processo de educação popular.

Mas esta nova metodologia, que propunha superar a


dicotomia entre rezar e agir dos fiéis cristãos, não passou
despercebida pelos participantes dos grupos de reflexão nem
à sociedade em geral, não habituados a juntar fé e ação.
No caso em estudo, o pastorado não é conivente
com o Estado, faz frente às suas políticas quando “reúne e
conduz” o povo por meio das Comunidades Eclesiais de
Base para resolver problemas, quando mostra sua
preocupação com a autonomia do “rebanho”. Em Chapecó,
este pastorado foi acolhido e encontrou condições para
expandir-se principalmente na área rural.

7 Professora universitária no campo da teologia e da Bíblia, atuante na


região episcopal do Ipiranga (SP). Trabalhou na Rede Bíblica Latino
Americana e Caribenha por 11 anos, foi agente de pastoral na Diocese de
Chapecó para trabalhar nos grupos de reflexão, no período vigente.
Fontes orais, disponíveis em Uczai (2002, p. 122).
56 A atualidade das ideias de Paulo Freire

PASTORAIS E MOVIMENTO COMUNITÁRIO


URBANO EM CHAPECÓ

Segundo Planos de Pastorais constantes no Arquivo


do Secretariado Diocesano de Chapecó, por nós
consultados, o primeiro deles é datado de 1967, apresenta
estratégias diferentes de planejamento em relação às
pastorais anteriores. Passaram a ser planejados a partir do
resultado das assembleias das pequenas comunidades das
paróquias da Diocese8 e muda sua orientação, passando do
assistencialismo para a promoção humana e conscientização.
A partir de então, a Igreja Diocesana se fez presente em
vários conflitos e tensões da sociedade. Dentre esses
conflitos, podemos destacar entre agricultores e índios, no
posto Indígena Xapecó (em Xanxerê); luta por melhores
preços dos suínos; aves; produtos agrícolas; e luta por
indenização justa aos atingidos por barragens. Referente às
resistências que a Igreja enfrentou, foi nesse período (a partir
de 1978) que muitos católicos e alguns padres da Diocese
que já não vinham concordando com uma postura
denominada profética reagiram para que a Igreja não se
envolvesse nas questões sociais. Segundo registros, “dois
projetos da Igreja conviviam lado a lado” (p. 7).
No meio urbano as primeiras tentativas de
organização popular surgiram também no seio da Igreja,
denominada Pastoral Operária, iniciadas em 1981 em que
alguns chapecoenses participaram do primeiro encontro da
Pastoral Operária na cidade de Lages (SC). Essa Pastoral
visava discutir uma nova alternativa sindical para superar o
quadro no qual se encontravam os operários e seus

8 A Diocese de Chapecó foi instalada em 26 de abril de 1959, sua


abrangência geográfica é de 15.663,07 km2, atendendo cerca de oitenta
municípios. A Diocese tem 41 paróquias, organizada em dez regiões
pastorais, atendendo uma população aproximada de setecentos mil
habitantes.
Aprender e ensinar... 57

sindicatos. Já na década de 1970, um grupo de religiosas,


criaram o Grupo Fonte que passaram a discutir com
mulheres de alguns bairros de Chapecó problemas por elas
vivenciados, além de realizarem cultos religiosos. Em
meados da década de 1980, organizaram-se para obter
escolas, creches, segurança e pavimentação, com exceção
dos servidores públicos federais e da rede estadual que
ultrapassavam essas reivindicações. O grupo, que contava
também com formação, desenvolveu lideranças de mulheres,
atualmente atuantes nas comunidades e sindicatos, como o
das Empregadas Domésticas (SITRADON). Encontramos
em Chapecó, organizadas e em funcionamento, associações
como da agricultura familiar de pequena propriedade, a
Associação dos Produtores Feirantes de Chapecó
(APROFEC) e Associação dos Pequenos agricultores do
Oeste Catarinense (APACO) instituídas a partir dos
trabalhos pastorais.
Percebemos a atuação da Igreja Católica no meio
urbano, no final da década de 1970, na intenção de
influenciar a organização do Movimento Comunitário, que
se deu como forma de se contrapor ao Estado que queria
controle sobre a Igreja. Cria os conselhos comunitários,
naquele momento, tiveram sua origem atrelada ao poder
público municipal e estadual que na interpretação do
referido estudo evidencia completa desconsideração por
parte do poder público em relação à organização
comunitária, na linha do compromisso popular.
Ao assumir a administração municipal um governo
com projeto popular, em 1997, que, por meio do orçamento
participativo, propôs a participação da população para
tomada de decisão sobre a destinação do recurso público,
segundo entendimento das associações e conselhos,

[...] acharam que automaticamente estariam representados


só moradores, mas a lógica é outra, os delegados e
58 A atualidade das ideias de Paulo Freire

conselheiros são indicados em assembleia em que todos


os moradores são convidados a participar” (LAJÚS;
CUNHA, 2003, p. 39).

Assim, perceberam que não bastava serem lideranças


das associações, precisavam disputar propostas em plenárias.

A CONTRIBUIÇÃO DO SINDICALISMO URBANO


NAS ELEIÇÕES DE 1996

O primeiro sindicato criado no meio urbano de


Chapecó foi, em 1962, dos Trabalhadores da Construção
Civil e do Setor Mobiliário, que por mais de trinta anos não
conheceu uma eleição livre. Em 1971, criado o Sindicato dos
Comerciários. O Sindicato da Alimentação, categoria mais
expressiva da cidade, em 1979; e em 1982, final da primeira
gestão, surgiu uma chapa de oposição sindical, sem êxito no
pleito eleitoral. No mesmo ano, criado o Sindicato dos
Bancários; em 1986, dos Trabalhadores em Transportes
Rodoviários e o dos Metalúrgicos. Em 1985, o Sindicato dos
Hoteleiros, dos Condutores Autônomos de Veículos e da
Saúde em 1984, e o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço
Público Municipal de Chapecó e Região, em 1988. Na
década de 1990, surgiu o Sindicato dos Trabalhadores das
Indústrias do Vestuário, dos Trabalhadores em Postos de
Combustível e Vigilantes em 1992. Os presidentes dos
primeiros sindicatos criados em Chapecó e Região,
participaram de cursos sobre sindicalismo nos Estados
Unidos da América, organizados por órgãos do sindicalismo
atrelado ao capital como o ICT/IADESIL 9 (ROSSARI,

9O Instituto Cultural do Trabalho, assessorado pelo Instituto Americano


de Desenvolvimento do Sindicalismo Livre, foram criados pelos EUA e
Latino-Americanos para a formação de dirigentes de sindicatos
defensores dos interesses das multinacionais. Com o fim da 2ª Guerra
Mundial, foi intensificada a Guerra Fria, e os Estados Unidos ampliaram
Aprender e ensinar... 59

1993, p. 15). Outras categorias, como a dos professores da


rede estadual (SINTE) e a delegacia dos vigilantes, e
Sindicato dos Trabalhadores em Água e Esgoto do Estado
de Santa Catarina (SINTAE), representante dos funcionários
da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento
(CASAN), inicialmente, organizaram-se em delegacias,
posteriormente, em sindicatos estaduais com coordenadorias
regionais ou municipais sediadas em Chapecó que não
seguiram a citada orientação sindical.
Os avanços no campo dos sindicatos combativos,
como dos bancários, dos Trabalhadores em Educação
(SINTE), Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público
Municipal de Chapecó e Região (SITESPM) e SINTAE da
CASAN são produto de engajamento da militância de
esquerda nas lutas organizadas (greves e passeatas da
categoria) que surgiram nos últimos anos em Chapecó. O
SITESPM foi criado como uma organização que se propôs a
superar as reivindicações de cunho estritamente corporativo
e organizar-se de forma independente. Praticamente todas as
oposições sindicais organizadas até meados da década de
1980 junto aos trabalhadores do meio urbano ocorreram por
iniciativa ou contribuição da militância política e sindical da
Pastoral Operária, segundo lideranças sindicais entrevistadas.
Para essas lideranças, vários foram os fatores que
contribuíram na vitória de um projeto popular na
administração pública municipal de Chapecó, como: o
trabalho de politização da própria Igreja, o êxodo rural, ou
filho do trabalhador rural que vinha para a cidade, por terem
uma discussão a partir dos grupos de reflexão de base se
identificavam com uma visão de sociedade menos

o controle político na América Latina. Além da repressão da ditadura


militar brasileira, foi implementado pela Central Intelligence Agency
(CIA) uma política de infiltração de falsos dirigentes sindicais,
objetivando acabar com os sindicatos revolucionários.
60 A atualidade das ideias de Paulo Freire

conservadora; também, o enfraquecimento de agremiações


partidárias, que historicamente representam as elites do país.
De um modo geral, a Igreja contribuiu com os
diversos Movimentos Sociais no meio rural e urbano
(embora com menor desenvoltura), para a tomada de
consciência dos seus problemas, da organização e
desenvolvimento das lutas, bem como na resolução de
dificuldades internas desses movimentos até constituírem-se
autônomos. A contribuição veio por meio de estratégias,
como: cursos de formação de lideranças, prestação de
assessoria e subsídios com dados e informações, leituras e
atuação, caracterizadas por metodologia popular de cunho
teórico participativo.

AS CONDIÇÕES DE CONSTITUIÇÃO DA
PROPOSTA DE EDUCAÇÃO POPULAR NO
MUNICÍPIO

Escrever sobre uma proposta de Educação Popular


pressupõe investigar e evidenciar a presença desse popular, no
caso, a atuação, a presença, o lugar ocupado pelos
Movimentos Sociais na construção da referida proposta. É
pertinente também questionar e perceber em que
circunstâncias políticas, sociais e culturais ela se desenvolveu.
Compreender ainda como os referidos Movimentos, aqueles
com abrangência em âmbito nacional e outros mais pontuais
como o sindicalismo urbano contribuíram para o
rompimento com as amarras culturais da tradição, do
colonialismo, para um revolucionar da cultura e para a
democratização do ambiente em Chapecó. Não queremos correr
o risco de, ao nos referirmos ao popular, tão logo acreditar
que a consciência das pessoas ali envolvidas esteja
desenvolvida a ponto de concretizar-se em práticas sociais
características da Educação Popular.
Aprender e ensinar... 61

Da luta por sindicatos mais democráticos e do


processo de construção dos Movimentos Sociais orientados
por relações societárias (SCHERER-WARREN, 1993)
geraram a possibilidade de mudança da política local vigente,
a Educação Popular, segundo Luciane Maria Carminatti 10 ,
subtraiu subsídios e se propôs a construir “[...] uma educação
pro povo e mais... mais cara de povo, ou seja, com a
possibilidade de ter cara de povo porque a gente se
enxergava nos Movimentos”. A lógica que se pretendeu
implantar na educação do município era caracterizada então
pela participação e pelo trabalho com os diferentes saberes.
Educadores entrevistados destacaram o papel e a atuação da
equipe diretiva da Secretaria Municipal de Educação,
juntamente com educadores que incorporaram a ideia da
proposta educacional do município que viabilizasse a tomada
de consciência e participação dos educadores e da
comunidade escolar:

Acho que foi muito da equipe diretiva, foi muito dos


professores que se incorporaram dessa construção e
acredito que a maioria dos professores se envolveram na
construção e não falo da Educação Popular só do Tema
Gerador acho que é um conjunto, desde a questão da
democratização a eleição pra diretor o regimento escolar,
proposta pedagógica, o currículo escolar, o ciclo de
formação a EJA, é construir a Educação Popular no
sentido que o povo tenha controle sobre a educação que
se faz, não vamos atribuir só a metodologia, não só o fim
mas também ao processo. Nesse sentido nós tivemos um
envolvimento significativo dos professores, que estiveram

10CARMINATTI, Luciane Maria. Ocupou cargos de: diretora do ensino


fundamental de janeiro de 1997 a março de 2000. Vereadora pelo partido
dos trabalhadores (PT) no período de janeiro de 2000 a abril de 2002.
Secretária da Educação da rede Municipal de ensino de Chapecó, de abril
de 2002 a abril de 2004. Entrevista concedida à pesquisadora em 9 de
março de 2005, Chapecó (SC).
62 A atualidade das ideias de Paulo Freire

presentes debatendo, votando, todas as definições sempre


foram aprovadas pela maioria. Nunca houve imposição,
embora, a equipe diretiva da secretaria sempre tinha
proposta, mas sempre teve o espaço pro debate e da
votação (Lizeu Mazzioni, entrevista concedida à
pesquisadora em 9 de março de 2005, Chapecó, SC).

A partir das entrevistas, podemos entender que a


atitude da Secretaria Municipal de Educação (SMED) foi de
tornar sempre presentes os princípios da proposta de
Educação Popular: trabalho coletivo, autonomia, democracia
e cidadania então construídos com a comunidade escolar, e,
quando em discussões com esta mesma comunidade, estes se
faziam presentes para dar direção ao trabalho. E sempre que
percebida a demanda vinda do coletivo dos educadores das
escolas, a exemplo da elaboração do regimento da avaliação:

Quando os grupos começaram a dizer: vamos fazer o


regimento porque tem problema de disciplina, o que a
gente organizou? Fomos as nossas 126 11 teses que
defendem a nossa proposta de trabalho é delas que vamos
discutir a questão do regimento. Assim que a gente foi
amarrando, nós sempre envolvemos muita gente. As
coisas não eram soltas, agora nós vamos fazer isso, depois
aquilo, uma coisa era articulada com outra (Liane Rogéria

11As 126 teses que a educadora se refere foram elaboradas num processo
de estudo e discussão político-pedagógica composta por mais de
seiscentos delegados eleitos nos segmentos (pais, educandos, servidores e
educadores) da rede municipal de ensino, além dos representantes das
entidades afins. As teses foram organizadas em cinco temáticas: a)
políticas públicas e financiamentos, b) gestão democrática e participação
popular, c) conhecimento, realidade e aprendizagem, d) organização,
estrutura e funcionamento da escola e e) avaliação, as quais definiram as
diretrizes para a educação municipal que compuseram o Plano Municipal
de Educação aprovada na segunda Conferência Municipal de Educação
realizada de 1 a 3 de dezembro de 1999.
Aprender e ensinar... 63

Martini. Entrevista concedida à pesquisadora em 9 de


março de 2004).

A entrevistada segue narrando como se dava a


participação da escola na construção coletiva de todas as
ações curriculares:

Toda vez que nós íamos fazer uma conferência pra definir
alguma coisa a escola fazia a discussão antes, então a
gente tinha uma capacidade e um movimento e um
volume de trabalho que tu não imagina o quanto foi isso.
[...] Como numa conferência onde a gente envolveu 800
pessoas em pequenas plenárias. A Secretaria de Educação
conseguia criar um movimento de participação.

Mas também revela os percalços percebidos em uma


construção curricular com participação popular e de
perspectiva freireana, em que aponta alguns elementos
motivadores das limitações percebidas pela SMED na prática
educativa. Pois, a proposta popular de perspectiva freireana,
construída na Rede Municipal de Chapecó, propõe ao
educador outra dimensão curricular que envolve mudar,
além de sua visão de escola, de homem, de mundo, e da
construção do conhecimento, a forma de agir em relação à
escola, aos pais e à vida escolar dos seus filhos. Também,
construir com os educandos outra relação com a avaliação,
não mais demonstrada por nota, mas descritiva. Até
entender que na administração popular, os Movimentos
Sociais têm visibilidade e passam a constituir lugar no
currículo escolar, provocado pela metodologia do Tema
Gerador. O Movimento Social tornou-se presença necessária
na proposta de Educação Popular, percebida tanto pelas
unidades escolares na condução de seus Temas Geradores,
quanto pela Secretaria Municipal de Educação para estimular
a escola a abrir-se, de fato, à participação da comunidade
escolar. A SMED também recorreu ao conhecimento dos
64 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Movimentos para aprofundamentos sobre a conjuntura,


organizações de místicas e participação em conferências
municipais. Todos os entrevistados da SMED concordaram
e apontaram diversos momentos em que o Movimento
Social se fez presente, tanto na organização curricular quanto
na prática pedagógica. Embora evidenciem a presença de
relações solidárias, mas perpassadas por tensões entre as
lideranças dos Movimentos Sociais e a Secretaria de
Educação, pois alguns debates não foram travados porque o
Movimento tem disputas pessoais, de ideias e de jeitos de
construir uma sociedade transformadora.
Ainda que os Movimentos Sociais aqui tratados não
tenham atuado mais diretamente na construção da referida
proposta educativa, as entrevistas revelam que houve a
necessidade, por parte da Secretaria Municipal de Educação,
em construir uma relação horizontal de diálogo com os
Movimentos Sociais. Processo que possibilitou tornarem-se
conhecidos em sua organização, estrutura e ideário, à
comunidade escolar.
Embora a ascensão de uma administração pública
com inversão de prioridades administrativas e políticas tenha
ocorrido, naquele momento, em apenas dois municípios do
oeste catarinense 12 , houve a preocupação, por parte dos
dirigentes administrativos municipais, em fazer um trabalho
político que ultrapassasse os limites e as questões municipais;
que implicasse também rever a concepção de mundo
presente no social do município e arredores.
Neste sentido, encontramos subsídios em
pensadores que tiveram como objeto de estudo processos
sociais associados à luta por modificações e transformações
em estruturas político-sociais, a exemplo de Gramsci. Para
este autor, todos os homens são filósofos, pois expressam

12Além de Chapecó, o município de Guaraciaba elegeu em 1996 uma


administração popular, consequentemente, uma proposta de educação
popular.
Aprender e ensinar... 65

em sua linguagem – senso comum, religião e folclore – uma


concepção de mundo, uma filosofia espontânea. A filosofia
especializada desempenha, contudo, um papel importante na
superação da filosofia espontânea:

[...] a filosofia não tende a manter os <simples> na sua


filosofia primitiva do senso comum, mas pelo contrário a
conduzi-los a uma concepção superior da vida. Afirma o
contato entre os <simples> e os intelectuais para
construir um bloco-moral que torne politicamente
possível um progresso intelectual de massas e não só de
escassos grupos intelectuais (GRAMSCI, 1974, p. 40).

Ainda que não tenhamos encontrado registros, no


projeto popular de administração, sobre a intenção de um
movimento de unificação de cultura, 13 os relatórios e a
observação do trabalho desenvolvidos pelas secretarias da
saúde, cultura, assistência social, esportes e educação nos
possibilitam entender que, por intermédio de uma política
intersetorial, desenvolviam-se ações conjuntas para o
atendimento dos educandos e da população em geral. A fim
de desvincular-se de uma política assistencialista e viabilizar
ações que possibilitassem a construção de novos valores
orientados pelos princípios da Educação Popular. A unificação
de cultura e a construção de novos valores, expressos em palavras
como inclusão e participação pelo projeto popular de
administração e educação, não ocorriam com o sentido de
uma colonização, mas de resgate daquilo que foi submetido
e permaneceu “mudo” por um tempo. Neste sentido, a
proposta administrativa da Frente Popular procurou fazer a
recuperação dos modos de vida, dos valores dos setores

13 Expressão de Gramsci.
66 A atualidade das ideias de Paulo Freire

populares, e “amarrar” teórica e pedagogicamente a


dimensão da cultura14 com o educativo.
Com este entendimento e por meio da Educação
Popular, não definida conceitualmente por si mesma, mas
pela estratégia construída em cada local, coletivamente, onde
o ambiente é “mestre do dirigente”, foi realizado um
trabalho que buscava a unificação de cultura condizente com
o que defendia Gramsci no seu tempo; pois para o pensador:

[...] cada acto histórico não pode ser realizado senão pelo
<homem coletivo>, isto é, pressupõe a obtenção de uma
unidade <cultural-social> pela qual uma multiplicidade de
quereres desagregados, com heterogeneidade de fins, se
unem em conjunto para um mesmo fim, na base de uma
igual e comum concepção do mundo (geral e particular,
transitoriamente actuante - por via emocional - ou
permanente, pelo que a base intelectual se radica, se
assimila e se vive de tal forma que pode tornar-se paixão).
Já que assim acontece, surge importância da questão
lingüística geral, ou seja, da obtenção colectiva de um
mesmo <clima> cultural (GRAMSCI, 1974, p. 68).

É também o pensador italiano que vai dizer: “[...] a


filosofia da práxis15 não tende a manter os ‘simples’ na sua
filosofia primitiva do senso comum mas, pelo contrário, a
conduzi-los a uma concepção superior da vida” (GRAMSCI,
1974, p. 40); isto para um possível progresso intelectual das

14 O termo cultura aqui referido está na ótica do pensamento de Gramsci


(1974, p. 28, nota IV), “[...] criar uma nova cultura não significa apenas
fazer individualmente descobertas <originais>. Significa também e
especialmente difundir criticamente verdades já descobertas, <socializá-
las> por assim dizer e fazer com que se tornem em bases de acções
vitais, elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral”.
15 Em Gramsci (1974, p. 78), entende-se que se atinge a filosofia da

práxis quando da igualdade entre filosofia e política, entre pensamento e


ação. Tudo é político. A única filosofia é a história em acto, a própria
vida.
Aprender e ensinar... 67

massas, e não somente de pequenos grupos intelectuais. O


que Gramsci apresenta em seus escritos sobre a filosofia da
práxis na relação com o ser humano converge, em sentido,
com o sujeito por nós entendido, segundo o pensamento de
Freire. Da mesma forma, há uma aproximação entre a
vocação de ser mais, em Freire, com o significado de uma
concepção superior da vida, em Gramsci.
No cenário político e social conferido pelo resultado
do pleito eleitoral de outubro de 1996, e no intuito de
reconstruir valores e relações sociais, ainda em período de
transição das administrações municipais, educadores da rede
municipal comprometidos com o novo projeto de
administração e educação iniciaram um trabalho de
sensibilização para a participação entre os profissionais das
escolas, chamando-os para o debate e para a construção da
educação da rede e das relações nas Unidades Escolares. Até
final de 1996, os cargos de diretor de escola sempre foram
ocupados por educadores, por vezes, alheios àquele espaço
escolar, porém indicados e da confiança dos respectivos
governos municipais. Portanto, a escolha das direções das
escolas pelos próprios educadores não se deu sem disputas,
pois as direções de então queriam permanecer nos cargos e
um grupo de educadores, que mais tarde integrou a equipe
diretiva, traçou critérios a serem observados para a escolha
das direções escolares.
As então direções, juntamente com alguns
educadores da Unochapecó, passaram a discutir os
fundamentos filosóficos e epistemológicos do Projeto
Político-Pedagógico da rede municipal, via fórum
representativo com participação de todos os espaços
educativos.
Com o diagnóstico da realidade do município e das
situações das unidades escolares, começaram a discutir, em
seminários, os rumos da educação com diversos setores
sociais: universidade, sindicatos, Movimentos Sociais, entre
68 A atualidade das ideias de Paulo Freire

outros. A proposta educativa encaminhada naquele


momento foi da educação com participação popular,
baseada na perspectiva freireana de educação.
A partir do entendimento, a Educação Popular da
rede municipal de educação de Chapecó caracteriza-se como
uma opção política, filosófica e pedagógica da concepção do
materialismo histórico-dialético; e propõe a construção de
uma nova práxis educacional comprometida com a
transformação da realidade social, cultural e econômica
vigente; pensadores como Freire e também Vigotski foram
escolhidos para dar suporte teórico à orientação da proposta.
Diversos estudiosos brasileiros, contemporâneos,
contribuíram com seus conhecimentos, por meio de
palestras e cursos, com a construção da proposta de
educação popular e o processo de formação continuada em
Chapecó: Miguel Arroyo, Irma Brunetto, João Pedro Stédile,
Ana Maria de Oliveira Lopes, Rita Elizabet Durso Silva,
Araci Catapan, César Benjamim, Lisete Gomes Arelaro,
Antônio Fernando Gouvêa da Silva, Pedro Demo, Regina
Leite Garcia, Gaundêncio Frigotto, Marta Pernambuco,
Hilda Braga, Saionara Freitas Bastos, Demétrio Delizoicov,
Bernardo Mançano Fernandes, Helena Dória Luccas de
Oliveira, Luis Percival Lemes Britto, Madalena Klein, José
Arbex, Pedro Pontual, Alípio Mário Dias, Michele Misse; o
ex-ministro da Educação Cristovam Buarque e a senadora
Ideli Salvatti, bem como educadores locais: Mônica Hass,
Arlene Renk, Ione Inês Pinsson Slongo, Solange Alves Poli,
Odilon Luiz Poli, Josimar de Aparecido Vieira, Rosa Maria
Cominetti, Tânia Mara Zancanaro Pieczkowski, Juceli
Morello Lovatto, Leonel Piovezana e outros. Na construção
de uma proposta educativa de caráter popular, quando se
coloca como urgência

[...] repensar a organização da escola, as relações sociais, a


estrutura de poder, o sistema de avaliação, a organização
Aprender e ensinar... 69

do conhecimento, a educação em si, é necessário repensar


a cultura, os valores e a concepção do professor
(CHAPECÓ, 1998, p. 12).

Os educadores da rede municipal de Chapecó


passaram a participar de um processo de formação
continuada, que era desenvolvido durante o ano letivo.
Segundo a proposta educativa estudada, o educador nela
atuante deveria entender “[...] como o alfabetizando organiza
mentalmente a caminhada da construção da leitura e da
escrita” (CHAPECÓ, 1998, p. 16). À formação continuada,
organizada a partir das necessidades da prática pedagógica
escolar, inclusa na carga horária de trabalho, combinaram-se
diversas atividades para a construção da ação-reflexão-ação,
para refletir teoricamente sobre a prática pedagógica e social
dos educadores, realizada por meio de seminários, feiras,
debates, mobilizações, congressos, conferências, palestras,
oficinas pedagógicas, visitas para conhecer experiências de
outros locais e encontros mensais por área, sempre
envolveram todos os educadores da rede. O planejamento
entre educadores de cada coletivo das escolas realizava-se
semanalmente, com assessoria da SMED em
acompanhamento mais intenso no início de cada ano letivo.
A formação continuada então desenvolvida caracterizava-se
como grandes paradas para a reflexão e a reconstrução das
práticas cotidianas. Na formação continuada,
prioritariamente, estudava-se sobre a prática pedagógica,
onde era percebida a aproximação entre o trato dado à
prática pedagógica da rede municipal com o pensamento de
Freire (1987, p. 72): “[...] a melhora da qualidade da educação
implica a formação permanente dos educadores. E a
formação permanente se funda na prática de analisar a
prática”.
A pretensão de criar instrumentos de participação
incluiu a conferência municipal de educação, ocorrida de 2 a
70 A atualidade das ideias de Paulo Freire

7 de outubro de 1997, composta por representantes dos


diversos segmentos da sociedade civil e das comunidades
escolares, quando se aprovou a proposta do Sistema
Municipal de Educação (CHAPECÓ, 2002, p. 13).
Aprovação essa que possibilitou a reorganização legal de
vários aspectos da Educação municipal, a exemplo, o
Conselho Municipal de Educação. Esse passou a ser
composto por membros eleitos pelos próprios pares.
Definiram-se, também, as diretrizes para a educação do
município na perspectiva da Educação com participação
popular, que comportavam: a instituição dos conselhos
escolares como órgãos máximos da escola, a eleição dos
dirigentes de escolas e centros de educação infantil
municipais, a realização de conferências de dois em dois
anos, a elaboração do projeto político-pedagógico
participativo da rede municipal e das unidades escolares,
regimentos escolares, e a transparência nos mecanismos
pedagógicos, administrativos e financeiros da proposta. Esta
proposta educativa, que apresentou reorientação curricular
com participação popular, pretendeu desenvolver novos
valores e novas relações na prática educativa e social, ficou
organizada em totalidades do conhecimento na educação de
jovens e adultos, coletivos dos centros de educação infantil
e, no ensino fundamental, ciclos de formação. A criação de
espaços participativos na construção da proposta de
Educação Popular de Chapecó nos reporta ao pensamento
de Freire (2001 p. 73):

[...] a participação enquanto exercício de voz, de ter voz,


de inferir, de decidir em certos níveis de poder, enquanto
direito de cidadania se acha em relação direta, necessária,
com a prática educativa progressista.

Fica evidente o papel desempenhado pelas


comunidades em processo de organização, na construção da
proposta de Educação Popular.
Aprender e ensinar... 71

PERCEPÇÃO DAS EDUCADORAS SOBRE A


PROPOSTA DE EDUCAÇÃO POPULAR

Segundo nossa pesquisa, a partir das educadoras


entrevistadas, inicialmente a proposta promoveu movimento
de desestabilização da educação, do papel de educadora.
Junto a esse movimento estão coladas as primeiras
impressões e apreensões deixadas pela proposta de
Educação Popular.
Seus depoimentos revelam o conflito vivenciado na
implantação. Esse conflito pôde se dar por vários motivos,
alguns perceptíveis no corpo da pesquisa, como: as relações
de poder, por tratar-se de um projeto político voltado às
classes populares e, em especial, a influência da formação
idealista dos educadores que, a partir do debate acerca da
implementação dos ciclos de formação, perceberam tratar-se
não somente da reorganização do espaço e tempo escolares,
mas, especialmente, de outra concepção de educação, neste
caso, da Educação Popular de perspectiva freireana. O
debate inicial de implementação dos ciclos de formação com
os educadores ocorreu, desde o segundo semestre de 1997,
em dois seminários acompanhados pelo professor Miguel
Arroyo. De fevereiro a setembro de 1998, as escolas
desenvolveram os estudos e os debates necessários com a
comunidade escolar e em reunião convocada para este fim.
Os educadores de cada escola decidiram, a partir da decisão
da maioria, pelos ciclos de formação. As poucas escolas que
naquele momento mantiveram a decisão de continuar com a
organização por seriação aderiram posteriormente. Mesmo
com as escolas que desde o início das discussões aceitaram a
implementação dos ciclos viveram conflitos na construção
desse processo.
Mesmo as entrevistadas que não manifestaram seu
sentimento de satisfação com a proposta de Educação
Popular com palavras: “maravilhosa, boa, arrojada, corajosa
72 A atualidade das ideias de Paulo Freire

e desafiadora”, foram unânimes em expressar sua satisfação


quanto a proposta trabalhada. Justificam suas opiniões em
torno da questão da realização na atuação da proposta,
especialmente, devido ao envolvimento das crianças com o
conhecimento, uma vez que o currículo era estruturado a
partir de suas vivências, o que também viabiliza crescimento
pessoal, profissional e social das educadoras. Portanto,
dando especial destaque para a metodologia do Tema
Gerador.
Algumas educadoras destacaram também que a
proposta viabiliza à criança, ao adolescente ou ao adulto ser
sujeito na sala de aula, é diferente de uma proposta
tradicional-idealista de educação. Ela muda, inova também a
postura e a atitude da educadora frente à comunidade. No
dizer de algumas educadoras, o diferencial e o benefício da
proposta estão também no trabalho coletivo. O que chama a
atenção é que o trabalho coletivo é dito como o melhor da
proposta pelas duas educadoras da área da educação física
das respectivas escolas entrevistadas. Neste contexto de
educação, em que a prática educativa prevê a mudança de
visão de mundo e de escola, sua organização com espaços
coletivos de reflexão e tomada de decisão, sobre a prática
pedagógica, o coletivo é percebido como significativo. A
importância atribuída ao trabalho coletivo representa a
concretização de um de seus princípios, bem como da
interdisciplinaridade, implícita ao Tema Gerador de
perspectiva freireana. Ou seja, as educadoras partilham a
construção curricular desde a pesquisa realizada na sala de
aula ou na comunidade escolar, o planejamento do conteúdo
das aulas, as ações e avaliações do realizado na prática
pedagógica escolar. Para outras entrevistadas, a proposta
educativa representa a concretização de algo já almejado por
muitos dos educadores do município. As educadoras
acreditam que a prática pedagógica orientada pela Educação
Popular implica uma prática social transformadora da
Aprender e ensinar... 73

realidade social vigente. Também, identificam variáveis


como a resistência às mudanças presentes na construção da
mesma. Depoimentos evidenciam a resistência política da
comunidade escolar, atitude que revela constante conflito
entre um jeito de ser ou “vir sendo” da escola, e outro jeito
que estava então sendo implantado. A exemplo, a avaliação,
algumas educadoras apresentaram resistência à eliminação
das notas nos ciclos mais avançados. Cabe perguntar: seria
esse conflito apresentado pelas educadoras solucionável no
processo, sem a necessidade de ser atribuída maior
importância ou rever o procedimento?
No conjunto das respostas, as educadoras citam os
elementos que dão destaque à proposta educativa: “a eleição
para diretores”, “o conselho escolar em que os pais discutem
o pedagógico”, “o ciclo de formação”, “o trabalho coletivo
dos educadores”, a “formação continuada”, “o conteúdo
significativo”, a “avaliação que não é classificatória, mas que
vem na lógica de “onde vou interferir para que ela supere as
dificuldades”. “O professor trabalhar como instigador do
pensamento, porque tu tem que pensar e ir atrás e isso tá
dentro da nossa proposta”. Também, “[...] a quebra de
concepção e promover a escola, não só que vai ensinar a ler
e escrever mas que vai fazer o sujeito crescer” (Educ. do 1º
ano, 1º ciclo E. B. M. Diogo A. da Silva, 7 nov. 2004,
Chapecó-SC). O Tema Gerador parte da realidade da
criança; e por isso a educação se torna mais “humanizadora”.
“Eu acho assim que pelo fato da gente estar partindo da
realidade do aluno, do problema, essa proposta ela se torna
mais humanizadora, porque nós estamos vendo o aluno com
outro olhar agora” (Educ. do 1º ano, 1º ciclo da E. B. M.
André A. Marafon, 4 nov. 2004, Chapecó-SC).
Sendo assim, certamente, a proposta de Educação
Popular possibilitou maior aproximação, mudança de olhar em
relação ao educando e à comunidade escolar e, pode-se
74 A atualidade das ideias de Paulo Freire

dizer, é assim que se inicia o processo de humanização na


perspectiva freireana. No entanto, para Freire (1987, p. 78),

[...] existir humanamente, é pronunciar o mundo, é


modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta
problematizado aos sujeitos pronunciantes, exigir deles
um novo pronunciar.

O que certamente é realizável a partir da mudança de


olhar na prática educativa por parte das educadoras. Porém,
a humanização anunciada por Freire pressupõe, além da
tomada de consciência, conscientização e práxis.
Todas as entrevistadas apontaram que a proposta de
Educação Popular trouxe mudanças na prática pedagógica
escolar. Algumas educadoras, que ocupam espaços de
liderança quanto ao conhecimento ou assumem cargos de
coordenação ou dirigentes no espaço escolar, destacam que a
mudança na prática pedagógica efetivamente ocorreu em
determinadas circunstâncias, isto é, estiveram em
dependência da “concepção e da formação” das educadoras.
Porém, afirmam:

[...] muita gente se construiu não tendo a concepção.


Outros melhoraram porque a gente estudou muito, a gente
leu muito. Então nós conseguimos muitas pessoas aliadas
no processo (Vice-dir. da E. B. M. Diogo A. da Silva, 2
nov. 2004, Chapecó-SC).

A pesquisa de campo evidenciou o envolvimento e o


desenvolvimento da compreensão do social por parte das
educadoras, que dizem ser este um acontecimento pessoal,
realizante e significativo. Entendemos que, de uma prática
pedagógica que tem sua construção curricular a partir da
expressão da realidade vivida pela comunidade escolar e a
organização do conhecimento via Tema Gerador, possibilita
aos educandos e educadores se sentirem sujeitos, e promove a
Aprender e ensinar... 75

humanização nas relações de ensino-aprendizagem dos


espaços escolares.
Embora evidenciados e constatados os ganhos do
município, da rede, das escolas e dos envolvidos com a
vivência da proposta de educação com participação popular
por duas gestões, deparamo-nos com a descontinuidade das
políticas públicas – em razão da alternância de partidos e,
consequentemente, de suas orientações, dificultando a
potencialização exitosa dessas orientações na educação. O
fato de a administração com projeto popular não ter vencido
as eleições e a explicação do porquê de não ter permanecido
na direção da gestão municipal vão exigir reflexão mais
profunda. Isto não significa que a proposta de educação e a
proposta da gestão tenham sido ruins ou equivocadas. Esta
questão merece um estudo novo. Muitas das entrevistas
foram realizadas após o pleito eleitoral de 2004, cientes da
descontinuidade da referida proposta. E oito anos são
poucos para solidez de outra concepção de educação, sujeito
e sociedade como a vivenciada na rede municipal de
educação de Chapecó.
Novas pesquisas também poderão discutir os efeitos da
atual problematização provocada, em especial, pelos
educadores que efetivamente incorporaram a proposta de
Educação Popular, diante da atual tendência de implementação
de práticas educativas tradicionais.
Ao identificar e tentar compreender e registrar as
visões de mundo que passaram a predominar no município
de Chapecó a partir das iniciativas da Secretaria Municipal de
Educação espera-se contribuir para a memória e valorização
de um processo de participação e construção coletiva que
não poderá, jamais, ser apagada da história desse município.
76 A atualidade das ideias de Paulo Freire

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III

A POLÍTICA EDUCACIONAL COMO


POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Deise Imara Schilke

INTRODUÇÃO

O processo do qual se originou o presente texto teve


início em 1997, quando a rede municipal de ensino, através
de um processo de construção coletiva, propôs-se a elaborar
uma proposta político-pedagógica assumindo o
compromisso com o desenvolvimento de uma política
pública caracterizada pelo conceito de educação com
participação popular, cujo aporte teórico principal é a
concepção de Paulo Freire.
A partir de 1997, a educação na Rede Municipal de
Ensino de Chapecó passou por um processo de
transformação. Os princípios da Educação Popular passam a
ser adotados como diretrizes pedagógicas e organizacionais
da estrutura e gestão do ensino.
Implantou-se o denominado Movimento de
Reorientação Curricular, que, por meio de debates com os


Graduada em pedagogia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina
(1997), mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(2009), área de concentração em Ensino e Formação de Professores.
Tem experiência na área de Educação com ênfase em metodologias da
Aprendizagem, Formação de Educadores, na construção de Projetos
Político-Pedagógicos voltados para a Educação Crítica, atua nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, na área da alfabetização. Participou do
Movimento de Reorientação Curricular desenvolvido pela Administração
Popular em Chapecó (SC), no período de 1997 a 2004.
80 A atualidade das ideias de Paulo Freire

educadores e a comunidade escolar, buscou mudanças em


vários aspectos da educação municipal. Foram construídas
diversas mudanças: a reorganização da estrutura de ensino de
séries para Ciclos de Formação, a construção do currículo a
partir da realidade de cada comunidade, a avaliação
emancipatória como processo avaliativo, com conselhos de
classe participativos, a Gestão Democrática, adotando a
eleição dos dirigentes dos espaços educativos pela
comunidade escolar, com a constituição de vários conselhos
(conselhos escolares, conselho da alimentação escolar,
conselho municipal de educação), a constituição do fórum
dos dirigentes, a criação do programa de Educação de
Jovens e Adultos, a elaboração do sistema municipal de
ensino, a construção do plano municipal de educação e do
regimento escolar unificado, entre outras.
Em relação ao currículo dos diversos níveis de
ensino e à seleção dos conteúdos, a orientação que passou a
ser adotada foi a de tomar o Tema Gerador como
articulador desse processo, que, segundo Silva (2004) 1 , se
constitui como uma educação crítica que concebe o
currículo como cerne da educação escolar, e enquanto
fenômeno histórico, que resulta de forças sociais políticas e
pedagógicas que expressa a organização dos saberes
vinculados à construção de sujeitos sociais. Assim, o
currículo é ação, é trajetória, é caminhada construída
coletivamente e em cada realidade escolar, de forma
diferenciada, sendo um processo dinâmico, sujeito às
inúmeras influências, portanto, aberto e flexível.

1 Antônio Fernando Gouvêa da Silva é doutor em Educação. Professor


da UFSCAR, em Sorocaba (SP), e professor colaborador do
PPGECT/UFSC. Foi assessor pedagógico em diversas administrações
populares em movimentos de reorientação curricular de perspectiva
crítica, foi assessor pedagógico no período de 1997 a 2004, em Chapecó
(SC).
A política educacional... 81

Nesse sentido, enquanto necessidade de reorganizar


a prática dos educadores, sua formação político-pedagógica,
reconstruir concepções, construir práticas de sala de aula
coletivamente, foi organizada a formação continuada dos
educadores, para compreender os diferentes sujeitos no seu
contexto como também a aproximação dos diferentes
olhares sobre a Educação Popular e reflexões a respeito da
construção coletiva do ensino-aprendizagem, nos diferentes
níveis de ensino.
Sob este prisma, buscou-se uma postura consciente
do educador, no sentido de que ele mesmo perceba quais os
fatores que interferem na organização de uma proposta
educacional fundamentada na perspectiva dialética
materialista, em que, conforme Severino (1986, p. 48),

[...] o próprio educador precisa romper com sua leitura


superficial da sociedade, mergulhando num oceano de
saberes: sociologia, economia, ciência política, filosofia e
até mesmo linguística.

Dessa forma, o educador precisa perceber que é um


sujeito que busca a construção do conhecimento científico,
mas que, ao mesmo tempo, está aprendendo sempre, para
que a educação de fato esteja voltada à vida das pessoas.
Sua principal tarefa é a intervenção no processo de
construção do conhecimento de modo deliberado e
politicamente definido, comprometido com um projeto a
serviço da humanização e da construção da cidadania.
No decorrer do presente texto, procuro organizar
um caminho que apresenta os desafios e tensões que foram
impulsionando este estudo na implantação dos princípios da
educação popular e no movimento de reorientação
curricular, com bases teóricas e concepções que definem as
práticas e fornecem subsídios para desenvolver e planejar a
prática educativa.
82 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Para Alves (2007), colocar no chão da escola esta


política demandou o enfrentamento severo de questões
tanto de ordem estrutural (tempo para planejamento e
tomada de decisões pelo coletivo da escola), quanto
pedagógicas, no sentido da reorganização do sistema por
ciclos de formação, pautados pelo conceito de ciclo como
tempo histórico de aprendizagem e desenvolvimento, para
além do tempo cronológico de cada indivíduo; um tempo
histórico da vida e de uma vida inserida num contexto,
construída com os aportes de uma dada cultura.
Transformar implica em agir, agir conscientemente.
Este trabalho busca analisar o caráter político dessa
experiência como um todo, focando o aspecto participativo
dos diferentes sujeitos. Identificar os pressupostos
pedagógicos da proposta freireana de educação no município
de Chapecó e implicações para as orientações didáticas e
práticas para a Educação, como também comparar as bases
pedagógicas frente aos modelos tradicionalmente assistidos
na Educação. Isso requer um distanciamento epistemológico
e problematizador dessa prática coletiva, no sentido de
perceber os avanços construídos, suas contradições, seus
desafios e quais elementos foram determinantes para a
construção do processo histórico de uma política
educacional sob esta perspectiva.
A realidade é um referencial fundamental para uma
educação que busca a transformação para a humanização2. A
educação transformadora, na concepção de Freire (1987, p.
85), organiza seus currículos através “[...] da devolução
2 A partir do pensamento de Freire (1987), entendemos humanização
desde a tomada de consciência do homem sobre sua condição social no
mundo, de oprimido. E, em diálogo com os outros homens e mulheres,
reconhecerem-se inacabados e engajar-se na luta de sua libertação,
constante processo de ser mais. Uma vez que a humanização ou
desumanização acontece na história dos homens, a humanização implica
práxis, isto é, reflexão e ação do homem sobre o mundo para
transformá-lo.
A política educacional... 83

organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles


elementos que este lhe entregou de forma desestruturada”.
O que se busca com esta concepção de trabalho é tomar a
compreensão que a comunidade possui do seu cotidiano e
acerca dos seus problemas, como ponto de partida, para o
processo de construção do conhecimento.
Tomar a realidade na forma de um Tema Gerador,
portanto, pressupõe uma concepção de mundo em que a
transformação desta realidade é possível. Para isso torna-se
necessário investigar essa realidade.
Não uma pesquisa de sujeito e objeto, mas uma
pesquisa em que pesquisador e pesquisado se encontrem
como sujeitos que dialogam sobre o mundo (BORDA,
1990). É tomar a realidade para a sua transformação, através
dos princípios de uma educação popular em que esta esteja
“ligada aos reais interesses populares” (VALE, 1996, p. 58).
Tendo a realidade como ponto de partida comum
para as ações das diferentes disciplinas e do currículo, requer
buscar, na interdisciplinaridade, o aporte para essa
organização, concretizada através do trabalho coletivo que,
construindo diálogos, vai elaborando relações e buscando as
contribuições dos conhecimentos nas diferentes áreas sobre
um tema. É uma “visão multifacetada da realidade”
(DELIZOICOV; ZANETIC, 1993, p. 14).
Ao referir-me à especificidade desta experiência
educativa, pretendo destacar que, entre outras fortes razões,
a reflexão necessária para posterior análise desse processo
requer identificar o lugar de onde essa se coloca como
concepção crítica do conhecimento e do desenvolvimento
histórico. Implica compreender que o homem e os
processos sociais por ele construídos estão situados social e
historicamente, o que impõe o princípio da realidade
material, movendo-se dialeticamente.
Para Alves (2007), a sociedade e as relações que a
caracterizam é produção histórica, resultante da produção
84 A atualidade das ideias de Paulo Freire

humana articulada pelo trabalho, pela produção dos meios


de vida material, pela produção das ideias como
representações da realidade criada por essa mesma
humanidade. A essência humana é “o conjunto das relações
sociais” (MARX; ENGELS, 1978, p. 13). Assumir esse
princípio, implica o reconhecimento de que toda a vida
social é essencialmente prática.
Tal política propunha um movimento de
reorientação curricular, com a organização de processos
pedagógicos fortemente articulados com a ideia e a prática
de uma escola comprometida com a comunidade na qual se
insere. Uma escola que se organiza a partir da participação
efetiva de professores, alunos, pais e mães em Conselhos
Escolares, instâncias decisórias em âmbito escolar, eleitas
por seus pares, assim como em plenárias para avaliação do
processo pedagógico da escola. Essa escola busca incorporar
o pensar dessas comunidades, as significações construídas no
seu cotidiano para serem colhidas, estudadas, compreendidas
e transformadas em conteúdo mediador de novas
interpretações de mundo, como propõe a pedagogia da
libertação assumida pela proposta educacional.

A DEMOCRACIA SENDO CONSTRUÍDA PELA


PARTICIPAÇÃO

Uma das primeiras medidas para a estruturação da


Educação em Chapecó surgiu justamente do seio da
participação popular: o Sistema Municipal de Educação
surgiu como resultado da 1ª Conferência Municipal de
Educação, espaço de ampla participação popular, debate e
diálogo entre sociedade civil e poder público.
O Sistema Municipal de Educação representou a
integração e a autonomia entre as instituições e organismos
envolvidos na Educação Pública do município. Isso significa
que ele passou a compreender as principais instâncias
A política educacional... 85

políticas e burocráticas da educação em nível municipal,


integrando Secretaria Municipal de Educação, Conselho
Municipal de Educação e as instituições de ensino mantidas
pelo poder público.
O Conselho Municipal de Educação surge como um
ator imprescindível dentre as instituições participativas, pois
se estabelece como

[...] órgão normativo, consultivo, jurisdicional, de


assessoramento, com a finalidade de deliberar sobre
matéria relacionada ao ensino na forma de legislação
pertinente, e fiscalizador do Sistema Municipal de Ensino.

Em outras palavras, o Conselho Municipal de


Educação insere-se no Sistema Municipal de Educação
como instância efetiva e constante de controle social.
Para além do controle social, o Conselho estava
inserido numa ampla rede de instituições participativas, nas
quais a sociedade civil desempenha papel protagonista, em
diálogo e em construção coletiva com o poder público. É
justamente essa rede de participação que fez o elo entre
Educação e democracia em Chapecó, conferindo uma
experiência de gestão democrática da educação e da prática
democrática como processo educativo.
Além do próprio Conselho, que era composto por
conselheiros eleitos, representando a comunidade escolar,
outros espaços fundamentais de trânsito, partilha e diálogo
entre população e poder público foram estabelecidos na
formação da relação Educação-Democracia, como o
Orçamento Participativo3.
3Este programa permite a decisão e fiscalização da população sobre as
ações da Prefeitura Municipal. Através dele, a população pode decidir
suas prioridades, e a administração realizar as obras que realmente são
necessárias em cada comunidade, mais de dez mil pessoas participam
anualmente da construção do OP, o que representa 7,5% da população.
As decisões são tomadas em Assembleias Regionais e Plenárias temáticas
86 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Diante disso, podemos trabalhar o conceito de


gestão democrática a partir do aspecto teórico, ou a partir da
prática de gestão democrática, na qual a participação das
pessoas acontece em diferentes espaços de organização,
reflexão e decisão. Paro (2008, p. 16) destaca que a “gestão
democrática deve implicar, necessariamente, a participação
da comunidade”.
Para isso, no entanto, torna-se necessário precisar
melhor o conceito de participação. A esse respeito
precisamos refletir sob o limite da participação nas decisões.
Isto não elimina, obviamente, a participação na execução;
mas também não a tem como fim, e sim como meio, quando
necessário, para a participação, propriamente dita, que,
segundo o autor, consiste: “na partilha de poder, a
participação na tomada de decisões”.
Para Pontual (2005), vivemos hoje numa crescente
necessidade de ampliar a participação popular. Tais reflexões
presentes nos movimentos sociais, nas ONGs, em governos
democráticos e em parcela da intelectualidade, em que “[...] a
proliferação de práticas participativas nos espaços públicos

abertas a toda a população. Os delegados eleitos têm a tarefa de


acompanhar a execução do orçamento anual, rompendo com a política
do clientelismo e dando espaço a uma nova cultura que é a da
participação, em que os cidadãos se mobilizam em torno do OP,
objetivando uma melhor qualidade de vida. Com isso, o OP tornou-se o
principal instrumento de participação popular no município de Chapecó
e norteador das decisões da Administração Municipal. Todos os anos
eram eleitos mais de 500 delegados e 50 conselheiros, que
acompanhavam regularmente toda execução do orçamento definido
pelas comunidades e regiões do OP e encaminhado à Câmara de
vereadores. Além da definição dos investimentos, delegados e
conselheiros, passavam por um processo de formação, tanto pela
experiência de acompanhar o orçamento, como pelo trabalho de
formação construído, através do debate de temas como o papel do
Estado, a gestão pública, a distribuição dos impostos no Brasil
(SIGNORI; BOSEMBECKER; UCZAI, 2004, p. 14-15).
A política educacional... 87

vem provocando uma necessária redefinição das relações


entre Estado e Sociedade Civil” (PONTUAL, 2005, p. 95).
Nesse sentido, o autor destaca que:

A participação cidadã é elemento substantivo para


possibilitar efetivamente uma ampliação da base
democrática de controle social sobre as ações do Estado.
Estas práticas participativas geradas tanto a partir das
organizações da sociedade civil como da ação indutora do
Estado criam uma sinergia capaz de alterar
substantivamente a relação entre ambos os atores. Neste
processo amplia-se, aprofunda-se a prática da democracia
e constrói-se uma cidadania ativa (PONTUAL, 2005, p.
95).

As práticas de participação cidadã têm dado uma


significativa contribuição na constituição de novas esferas
públicas e democráticas e na promoção de um processo
progressivo de publicização do Estado e de desestatização da
sociedade. Essas práticas que, na sua grande maioria, vêm
sendo desenvolvidas, sobretudo, no âmbito dos espaços de
poder local, buscam a superação de uma visão da relação
Estado e sociedade civil como polaridades absolutas, em
favor de uma compreensão mais dinâmica de relações de
interdependência, combinadas com o reconhecimento da
especificidade e da autonomia de cada ator.
Outra instância participativa na gestão democrática
da educação que vinha como novidade à época foram as
Conferências Municipais de Educação. Nelas delegados
eleitos representavam os mais diversos setores da
comunidade escolar, da Educação e dos órgãos envolvidos
no processo da gestão educacional e da própria prática
pedagógica. A conferência atuou de forma propositiva na
construção do Sistema Municipal de Educação, do Plano
Municipal de Educação e na avaliação das políticas
implementadas.
88 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A prática democrática em Chapecó também se


apresentava dentro das próprias escolas, fazendo com que os
envolvidos na vida escolar fossem confrontados com a ideia
de representação, responsabilidade e a experiência
democrática do voto nas próprias instituições e em sua
realidade mais próxima. Isto materializava-se nas eleições
dos dirigentes escolares, nas quais a comunidade escolar
elegia através do voto os responsáveis pela direção da
instituição de ensino (escolas e creches).
Este é também um processo pedagógico importante
em si, pois traz para a realidade estritamente local a
necessidade de se construir relações de confiança,
representação e compromissos com o público e com aqueles
que delegam sua representação. Em processos como estes,
os envolvidos na comunidade escolar vivenciam na pele um
processo eleitoral, entendendo e apreendendo a partir
daquele espaço noções da democracia.
Ainda nesta mesma linha, uma outra instância de
participação brotava dentro do espaço de poder e de
relações políticas e sociais é a escola. Refiro-me aos
Conselhos Escolares. Estes configuravam-se como os órgãos
máximos de poder e decisão dentro das escolas,
contrabalanceando os possíveis vícios de autoritarismo e
centralismo que a direção escolar podia trazer, ainda que
eleita pela comunidade. Os Conselhos também se
estruturavam como uma experiência singular de participação,
democracia e controle por parte da comunidade escolar,
visto que eram eleitos representantes de seus segmentos para
a composição dos Conselhos.
Além da vivência democrática, os Conselhos
permitiam abrir a porta das escolas para a comunidade,
chamando-a para pensar, refletir e pautar as questões
referentes à educação, à convivência, ao projeto que se quer
construir e ao dia-a-dia escolar. As pessoas tornavam-se
parte do organismo escolar, o que contribuiu, como já dito,
A política educacional... 89

para a aproximação entre educandos e a escola, e não mais o


estranhamento entre os dois, responsável pela exclusão, pela
evasão e pelo distanciamento dos alunos.
Mais do que democratizar a gestão, o poder e as
relações educacionais, em Chapecó foi possível democratizar
a própria ação pedagógica, o método de aprendizagem e a
organização educacional a partir da Educação Popular
freireana que estabeleceu a necessidade do processo
dialógico de forma permanente. Este é um avanço consoante
aos apresentados, mantendo a coerência de um projeto que
tem como princípios a democracia, a cidadania, a autonomia
e o trabalho coletivo.
De nada valeria uma gestão democrática, se o que
acontece dentro das paredes da sala de aula fosse ainda
marcado pelo autoritarismo, pela verticalidade das relações e
por uma concepção pedagógica bancária e esvaziada de
significado social.
Neste aspecto, algumas medidas e ações foram
imprescindíveis para garantir a sintonia entre a
democratização da gestão e da aprendizagem. Primeiro, é
importante mencionar a criação dos coletivos de
professores, espaços responsáveis por coletivizar, entre a
docência, as experiências, as boas práticas e os conteúdos de
forma interdisciplinar. Os professores passavam a pensar de
forma conjunta a Educação em sua instituição, saindo do
isolamento que a forma tradicional de educação impõe, e
passando a pensar o todo e não mais apenas sua própria
“caixinha”.
Somado a isso, o processo de formação continuada
dos educadores foi um mecanismo relevante para a
manutenção e aprofundamento destas práticas e da
constante renovação do projeto político implantado,
seguindo a linha de uma educação libertadora de matriz
freireana.
90 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Durante o período de vigência do movimento de


reorientação curricular, a formação continuada dos
educadores foi organizada a partir das necessidades dos
diferentes coletivos das escolas e centros de educação
infantil, em diversos fóruns de discussões e estudos
existentes como: Seminários, Conferências, Coletivos das
escolas, Oficinas, encontros de polo, grupos específicos,
Encontros de áreas, entre outros; sempre no sentido de
aprofundar e qualificar a prática pedagógica.
Nas reuniões de estudo que ocorreram nas escolas,
nos diferentes grupos e nos encontros organizados pela
Secretaria de Educação, sempre esteve presente a
preocupação permanente em articular as ações do trabalho
cotidiano de sala de aula e o aprofundamento na organização
de atividades, a partir do Tema Gerador, a compreensão de
como os alunos aprendem, como se caracterizam as
diferentes fases de desenvolvimento, a análise profunda do
processo de construção histórica pelo qual passaram e se
construíram as diversas áreas do conhecimento, a
necessidade da busca constante de novas informações sobre
a forma de organização e de funcionamento da sociedade,
como garantir um processo de construção de conhecimento
de forma analítica, entre outros.
O conhecimento passou de algo com caráter
depositário, como diz Paulo Freire, para algo construído
coletivamente, em mão dupla, aproximando educandos,
educadores e o mundo sobre o qual estão concretamente
inseridos. Talvez seja esse o grande núcleo que permitiu
todo o processo de democratização para além da sala de
aula, ou melhor, são processos que se sustentam, alimentam
e dão coerência numa relação simbiótica, rumo à
humanização dos sujeitos.
Educando e educadores tornaram-se protagonistas
no processo de aprendizagem, na mesma medida que, junto
A política educacional... 91

da comunidade escolar como um todo, também se tornaram


protagonistas das decisões que lhes atingiam.
Cabe aqui destacar que um traço presente nas
reivindicações sociais de determinados setores explorados
não se constitui, muitas vezes, como uma manifestação da
luta pela emancipação da exploração capitalista, mas como
manifestação dos direitos civis.
Para Altamira e Coggiola (1997), aí se percebe que a
cidadania, sendo um conceito político, uma categoria
política, não pode ser explorada. Para os autores:

A cidadania diz respeito a uma determinada organização


de Estado. Se o direito à cidadania não dá ao povo a
possibilidade de se desenvolver é um outro problema.
Mas as reivindicações sociais, a luta contra o capitalismo
não são direitos dos cidadãos. Não é possível fazê-los
entrar forçosamente nas categorias do Estado Burguês.
Nesse sentido, diria que, como consideração filosófica, é
uma ideia kantiana, ou seja, anterior a Hegel e que
consiste em atribuir subjetivamente significados morais –
imperativos morais – à ação dos homens. Todavia,
atualmente é muito comum indicar, no mundo moderno,
o direito à cidadania, algo que foi realizado há muito
tempo pela democracia burguesa, com um grau de
desenvolvimento diferente, segundo os países,
evidentemente. E até com a necessidade de conquistar o
direito à cidadania em alguns países que não conheceram
aquele período de desenvolvimento democrático, mas que
não deixa de ser uma forma determinada da existência do
indivíduo na esfera do Estado capitalista (ALTAMIRA;
COGGIOLA, 1997, p. 53).

Portanto, a reivindicação pela democracia precisa


estar associada à reavaliação da democracia dentro do
período histórico no qual está colocada, as condições
materiais que caracterizam cada período histórico, para que,
92 A atualidade das ideias de Paulo Freire

de certo modo, não esteja associada à paternidade daquele


que, em certa época, a conduziu.

EDUCAÇÃO POPULAR

A concepção de Educação Popular que fundamentou


a construção da política educacional de Chapecó, no período
de 1997-2004, possui algumas características importantes
que precisam ser abordadas. Para Pontual (2003, p. 2), um
aspecto importante desta “Concepção de Educação Popular,
que vem sendo construída na América Latina, sobretudo
com a preocupação de refletir o papel da Educação Popular
nos processos de libertação dos povos [...]”, busca a
vinculação orgânica desta concepção de Educação com o
processo de construção das organizações populares e das
organizações políticas dos trabalhadores.
Buscando contribuir com o processo de
diferenciação entre diferentes perspectivas, de educação
popular, o autor destaca, num primeiro momento: a primeira
concepção, que se trata, segundo ele, de uma concepção
ortodoxa, dogmática, também chamada de “vanguardista”,
subestima o papel da educação tanto a popular, quanto a
educação de modo geral no processo de transformação,
presente nos setores de esquerda em que os mecanismos de
vanguarda estão orientados para a tomada do aparato estatal,
como condição prévia para que se possam realizar as demais
transformações, inclusive a educativa:

Para esta concepção, a educação realizada antes da


tomada do poder tem sobre tudo um papel de
propaganda, de servir de veículo de uma proposta
revolucionária, dando-lhe à educação o papel de
transmitir essa mensagem, de tal forma que provoque a
adesão das massas ao seu projeto político (PONTUAL,
2003, p. 4).
A política educacional... 93

Quanto à derivação política e pedagógica desta


concepção, à Educação Popular é atribuída um caráter
“alternativista”, como se na prática a educação popular se
pudesse constituir em práticas alternativas a todas as formas
de organização popular e política já existentes:

Se trata, de uma linha de pensamento, que ao afirmar a


debilidade das formas tradicionais e dogmáticas de fazer
política, acaba por negá-las a todas elas. Ao negá-las de
forma absoluta, atribui à Educação Popular o papel de
sujeito político de transformação na América Latina. Ou
seja, nega tudo aquilo que foi construído historicamente
em termos de organização, e teorias políticas e afirma que
é a Educação Popular, e sem os educadores populares os
quais vanguardizaram o processo de transformação na
América Latina (PONTUAL, 2003, p. 6).

Essa concepção de Educação Popular aproxima-se


de uma visão espontaneísta do trabalho educativo que
considera que algumas práticas localizadas e espontaneístas
vão se constituindo numa espécie de “movimento”, que, por
si, vai se transformando em um novo sujeito político;
negando, desta forma, a experiência histórica de construção
política dos movimentos sociais e dos trabalhadores;
tornando-se, assim, uma concepção autoritária.
A concepção de Educação Popular defendida pelo
autor, e que foi a base para a política educacional de
Chapecó, busca a vinculação da Educação Popular

[...] aos processos de organizações populares e à


constituição de um sujeito político-popular, se transforma
em outra reflexão político-educativa, que, com os signos
mudados, destaca o papel da educação popular nos
processos de transformação da sociedade (PONTUAL,
2003, p. 6).
94 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A perspectiva educacional que se buscou construir


afirma que esta deve ser pensada no interior mesmo das
práticas organizativas que o movimento popular e político
vai construindo. Ao ser pensada no interior mesmo dessas
práticas, a Educação Popular tem o papel de contribuir para
o fortalecimento desses processos. Trata-se, pois, de pensar
a prática pedagógica, a partir da própria estratégia
organizativa em que o campo popular vai se construindo,
nas diversas esferas e dimensões de luta.
Durante a caminhada de construção da política
educacional, sempre se procurou um processo de
aproximação com os movimentos sociais, organizações dos
trabalhadores, associações comunitárias, como espaços que
deveriam ser referência para essa prática.
Buscou-se, de certo modo, que estes fizessem parte
do processo educacional das escolas, que suas práticas
fossem discutidas, refletidas, compreendidas por toda
comunidade escolar, no sentido que suas demandas, seus
conceitos, suas lutas fizessem parte do cotidiano escolar.
Podemos definir esta concepção como uma
concepção político-educativa, por tratar-se de uma
concepção metodológica e de um conjunto de princípios
político-educativos que iluminam ou direcionam nossas
práticas específicas, que devem garantir a articulação
coerente entre os elementos do processo educativo e aqueles
referentes à estratégia político-organizativa.
Nesse aspecto, Pontual (2003, p. 8) destaca:

Falamos de uma articulação coerente, e não desde uma


perspectiva positivista, senão de um ponto de vista
dialético de onde essa articulação se faz um processo no
qual a Educação Popular, ao mesmo tempo em que
contribui ao fortalecimento dessas estratégias
organizativas, também serve para questioná-los,
enriquecê-los, realimentar-se em um processo muito
dinâmico.
A política educacional... 95

No Brasil, observam-se, na trajetória de lutas


políticas, momentos de efervescência da classe trabalhadora,
que foram contidos por mudanças na correlação das forças
sociais e pela coerção, implícita, na direção do
desenvolvimento econômico e no reordenamento político
do país.
O movimento da educação, como prática social e
como espaço de construção contra-hegemônica, foi se
constituindo na luta e disputa das forças políticas que
negociam entre si os passos a serem dados no
desenvolvimento nacional.

O PROCESSO DO CONHECIMENTO NA
PEDAGOGIA DA LIBERTAÇÃO

Esta pedagogia está fundamentada e possui, sem


dúvida alguma, sua essência na humanização dos sujeitos
imbricados por suas práticas sociais contextualizadas.
Caracterizar o processo de humanização em Freire torna-se
importante para esta perspectiva pedagógica. A pedagogia
freireana, conforme esclarece Silva (2004, p. 1):

Uma educação crítica e libertadora concebe o currículo


como o conjunto de práticas socioculturais que – de
forma explícita ou implícita, consciente, intencional,
empírica ou incorporada inconscientemente – se inter-
relacionam nas diferentes instâncias e momentos do
espaço-tempo escolar. Assume-se a defesa de uma
intervenção pedagógica crítica na prática educativa
desumanizadora vigente, na perspectiva de um currículo
responsável, comprometido com os socialmente excluídos,
que parta das necessidades e dos conflitos vivenciados
para tornar-se significativo, crítico, contextualizado,
transformador e popular. [...] Assim, se toda prática
escolar está arraigada a um contexto que se manifesta nas
dimensões da realidade local, em seus sujeitos e processos
96 A atualidade das ideias de Paulo Freire

de construção do real, ou seja, nas inter-relações entre


culturas e saberes, comportamentos e posicionamentos
éticos, práticas socioculturais da comunidade [...].

Este movimento pedagógico cujo conhecimento não


é um conhecimento desvinculado da prática social,
buscando, portanto, refletir a prática concreta da população.
A práxis pedagógica libertadora, para Alves (2007, p. 12),
“[...] como o próprio nome sugere, indica a necessidade de
uma educação vista como um movimento em direção à
liberdade”. Não se trata, no entanto, de libertação, num
sentido metafísico, de uma essência dada e naturalmente
inerente ao humano, “[...] mas de libertação de um ‘ente-
histórico’ que se constrói enquanto constrói o mundo,
através da práxis” (DAMKE, 1995, p. 58).
Para Mendonça (2006, p. 16), a pedagogia de Paulo
Freire apresenta como uma de suas questões centrais a ideia
de que os “[...] seres humanos são ontologicamente
vocacionados para exercerem, historicamente, a condição de
sujeitos para, dessa forma, vivenciarem, permanentemente, a
sua humanidade”. Essa dimensão antropológica que
caracteriza o pensamento freireano é o que afirma a práxis
humana como um compromisso histórico que, ao endereçar
os sujeitos ao mundo, possibilita, ao mesmo tempo, a
transformação da realidade e dos próprios seres humanos.
A ideia, defendida por Freire, de que os seres
humanos têm a “vocação ontológica para ser mais”, ou seja,
para serem cada vez mais humanos, implica na superação
permanente das situações de desumanização, é o que
configura, essencialmente, a dimensão metafísica 4 –

4A metafísica não é pensada, aqui, na sua conceituação clássica. A


palavra metafísica foi usada pela primeira vez por Andrônico de Rodes,
em torno do ano 50 a.C., para se referir aos escritos filosóficos de
Aristóteles, que tratavam do “Ser enquanto Ser”, do “Ser das coisas”,
denominados de “Filosofia Primeira”. Nesse sentido, pudesse entender
A política educacional... 97

ontológica – na sua pedagogia, mas, ao mesmo tempo, é


também o que articula em seu pensamento as bases
conceituais de uma antropologia historicamente apoiada em
concepções político-sociais. A perspectiva histórica do seu
pensamento infunda-se na afirmação de que a própria
história é um contínuo inacabado e, dessa forma, os seres
humanos, como seres históricos, também se constituem,
humanamente, pela sua inconclusão.
Como seres inconclusos vocacionados, ontológica e
historicamente, para realizarem sua felicidade, os homens e
mulheres são chamados a um engajamento político e social
no mundo, e esse engajamento é a concretização da práxis
humana. Para Freire, não é possível a superação das
estruturas desumanizantes, se os seres humanos não se
tornam seres de práxis.
Contudo, a práxis humana, transformadora, só se
pode constituir dentro de uma unidade dialética,
absolutamente coerente e solidária entre o pensar e o agir.
A ênfase que Freire dá à dimensão histórica dos seres
humanos, na sua pedagogia, considerando
fundamentalmente os aspectos da estrutura econômica,
política e social e a necessária intervenção para a
transformação das condições materiais, em defesa das classes

por metafísica a investigação dos fundamentos, dos princípios e das


causas de todas as coisas, refletindo porque elas existem e por que são o
que são. Jacobus Tomasius, filósofo alemão do século XVII, por
considerar que a filosofia primeira de Aristóteles estudava o Ser
enquanto Ser, ou seja, buscava aquilo que faz de um ente ou de uma
coisa um Ser, deveria ser denominada de ontologia. Desse modo, a
metafísica contemporânea passou a ser designada de ontologia e trata do
conhecimento do ser, dos entes e das coisas, como são de fato em si
mesmos. Contudo, a metafísica contemporânea ou ontologia se ocupa,
principalmente, de investigar as diferentes maneiras como os seres
existem, sua essência e sentido, a relação entre a existência e a essência e
o modo como aparecem nas consciências. Dessa maneira, a ontologia
incorpora em seu processo investigativo (MENDONÇA, 2006, p. 16).
98 A atualidade das ideias de Paulo Freire

populares, secundarizou a dimensão metafísica de sua


pedagogia. Aspecto esse que parece ter sido feito
intencionalmente por Freire, essencialmente pelo caráter
concreto de sua perspectiva político-pedagógica.

CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO E DE CURRÍCULO


DESENVOLVIDA EM CHAPECÓ

Os desafios no campo da educação contemporânea,


tendo presentes as grandes transformações sociais, e as
novas dinâmicas das relações políticas e culturais e o avanço
da tecnologia, nos desafiam para novas reflexões e uma
intervenção social, a partir de novas práticas educativas que
contribuam para a participação e a intervenção consciente de
homens e mulheres na realidade, tendo como horizonte sua
humanização.
Toda e qualquer estrutura de ensino articula uma
opção político-pedagógica, que envolve uma teoria de
compreensão e interpretação da realidade, enquanto
mecanismos utilizados em sala de aula. Sempre que
escolhemos um caminho para o trabalho, devemos nos fazer
alguns questionamentos: “para que, por quê e para quem
ensinar?”. Isso contribuirá para explicitarmos a concepção
de ensino e uma postura relativa à educação.
Optar por uma ou outra teoria do conhecimento não
é uma questão dogmática nem definitiva, da mesma forma
que não significa estar fundada nas ideias de um único autor.
Ao contrário, abarca um leque muito amplo, que tem
suscitado o diálogo entre vários pensadores, situados em
diferentes contextos filosóficos. Para Damke (1995, p. 17):

A busca de uma teoria da construção do conhecimento e


de uma proposta pedagógica crítica, visando a construir
uma escola pública popular e democrática, é um processo
coletivo para o qual muitos filósofos, educadores e
mesmo teólogos deram sua contribuição, na linha da
A política educacional... 99

teoria e na linha da prática. Dentro desta busca,


entendemos que a proposta de Paulo Freire, que também
não é exclusivamente dele, distingue-se das demais.

Santos (2006), ao refletir a perspectiva educacional


no plano ético-crítico 5 das reflexões profissionais,
pedagógicas, morais epistemológicas, socioculturais,
políticas, destaca “[...] que é preciso colocá-las a serviço de
uma práxis emancipatória, comprometida com a
transformação das situações de produção, reprodução e
desenvolvimento da vida dos oprimidos [...]”, caracterizado
por Freire (1987).
Para Silva (2004), a negatividade cumpre um papel
ético-crítico fundamental na educação, pois ela representa a
fonte criativa de reinvenção da realidade, um recurso que
inspira a construção de novas práticas, estando, portanto, na
própria gênese da positividade do processo educacional
ético-crítico.
Freire (1987) contribui significativamente no
posicionamento pedagógico ético-crítico presente na
perspectiva de currículo, no trabalho desenvolvido em
Chapecó, propondo uma prática curricular fundamentada
nas dimensões psicossocial, político-epistemológico, cultural

5 Para o conceito de prática ético-crítico, ver comentário de Enrique


Dussel (2000, tese 11, p. 636), para o qual se pode perceber como uma
das exigências intrínsecas à prática educacional crítica, a explicitação das
negatividades que compõem as raízes das práticas positivas que se busca
confrontar com processo pedagógico por todos os sujeitos envolvidos
com o desenvolvimento curricular. Evidentemente, não se trata de
justificar os porquês de determinadas atitudes ou procedimentos
pedagógicos, mas de construir, pelo diálogo, as próprias referências
éticas para projetos políticos-pedagógicos que se pretende implementar.
Nesse processo, a construção e a implementação da proposta curricular
pelo coletivo escolar já é o processo educativo de formação crítica
comprometido com a produção material, a reprodução e criação cultural
e o desenvolvimento social e político da vida comunitária a partir das
condições desfavoráveis apresentadas pelo contexto de realidade.
100 A atualidade das ideias de Paulo Freire

e social, orientando as metodologias implementadas e os


critérios adotados na seleção dos objetos de estudos.
É a possibilidade de criar condições para fazer com
que várias vozes falem ao mesmo tempo e sejam
compreendidas e respeitadas entre si; o que Freire (1987)
chama de Educação Libertadora, e, ao sistematizá-la,
concebe-a como Tema Gerador. Nesse sentido, em toda
parte a linguagem entra nos arranjos hierárquicos de poder.
Cada palavra transforma-se no campo de batalha
onde competem as entonações sociais. Como nos diz
Bakhtin (1981 apud SANTOS, 2006), a mesma palavra,
sendo pronunciada por um camponês ou um empresário,
não é exatamente a mesma palavra. Para Santos (2006), na
concepção bakhtiniana, tudo o que é dito está situado fora
da alma do falante e não pertence somente a ele. Nenhum
falante é o primeiro a falar sobre o tópico de seu discurso. O
falante não é o “Adão bíblico” que nomeia o mundo pela
primeira vez. Cada um de nós encontra um mundo que já foi
articulado, elucidado, avaliado de muitos modos diferentes,
algo já falado por alguém. Ao usar as palavras para falar
sobre um determinado tópico, ela já está habitada por outras
falas, de outras pessoas. A linguagem nunca está completa,
ela é uma tarefa, um projeto sempre caminhando e sempre
inacabado (BAKHTIN, 1992 apud SANTOS, 2006).
Portanto, a necessidade em se estabelecer o diálogo
na escola, ao se buscar o conteúdo do diálogo, alguns
questionamentos, como sugere Silva (2004, p. 197-198), são
fundamentais:

Mas, na prática pedagógica concreta da escola pública, por


onde começar esse diálogo? A mera escolha dos assuntos
de interesse dos alunos, tomados como objetos de estudo,
seria capaz de intervir criticamente na realidade? Ou, mais
especificamente, são os centros de interesses? [...] É esse o
significado dado por Freire ao afirmar que a realidade do
educando é o ponto de partida para o desenvolvimento da
A política educacional... 101

práxis libertadora? Situações significativas e centros de


interesses possuem o mesmo sentido ético, político-
pedagógico e epistemológico?

Precisamos tomar cuidado para não incorrermos em


práticas equivocadas, muitas vezes desenvolvidas nas escolas.
Os Temas Geradores, para Silva (2004), não são temáticas
motivacionais 6 que se limitam a satisfazer curiosidades
ingênuas, recursos didáticos para atrair a atenção dos alunos
e introduzir conteúdos preestabelecidos, a partir de critérios
que desconsiderem a realidade concreta dos alunos. Temas
Geradores são objetos de estudos selecionados no processo
de investigação junto à comunidade, e a partir de seu caráter
significativo, conflituoso e contraditório (SANTOS, 2006).
A escolha dos objetos de estudo para a prática
pedagógica ético-crítica, ressalta Silva (2004), vai além dos
interesses imediatos dos alunos, de temas da vida diária ou
assuntos de interesse, conceitos, descobertas, pesquisas,
exclusivamente selecionados por eles, como também não
recai a escolha sobre o que é considerado fundamental à
vista apenas dos educadores, como tópicos importantes a
serem abordados pelas disciplinas.
Para o educador-educando dialógico,
problematizador, o conteúdo programático da educação não
é uma doação ou imposição, ou ainda, um conjunto de
informes a serem depositados nos educandos, mas a
devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo,
daqueles elementos que foram entregues através de suas
falas, de forma desestruturada e no senso comum.

6Para Silva (2004, p. 198), Dias das Mães, Copa do Mundo, festa junina,
embora na prática escolar sejam usualmente tratados como temas
geradores, na perspectiva freireana, não o são. Trata-se de uma confusão,
não apenas nomenclatural, mas que tem como intenção ideológica
“despolitizar” a prática pedagógica, como se toda a prática não fosse
política.
102 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A busca por estas falas constitui-se na busca pela


realidade como ponto de partida para o diálogo:

É na realidade mediatizadora, na consciência que dela


tenhamos, educadores e povo, que iremos buscar o
conteúdo programático da educação. O momento deste
buscar é que inaugura o diálogo da educação como prática
da liberdade. É o momento em que se realiza a
investigação do que chamamos de universo temático do
povo ou o conjunto de seus temas geradores [...]
(FREIRE, 1987, p. 87).

Para esta investigação, não se pode contradizer a


dialogicidade da educação libertadora. Necessita ser
igualmente dialógica. Uma prática conscientizadora, mas que
proporcione, ao mesmo tempo, a busca dos temas geradores
e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos
mesmos (FREIRE, 1987).
No sentido de organizar um processo dialógico é
necessário que o educador seja capaz de estabelecer o
diálogo. Nesse sentido, Freire (1987, p. 80) destaca:

Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os


homens, não me é possível o diálogo. Não há por outro
lado diálogo, se não há humildade. A pronúncia do
mundo, com que os homens o recriam permanentemente,
não pode ser um ato arrogante. O diálogo, como
encontro dos homens para a tarefa comum de agir, se
rompe, se seus pólos (ou deles) perdem a humildade.
Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se
vejo sempre no outro, nunca em mim? Como posso
dialogar, se me admito como um homem diferente,
virtuoso por herança, diante dos outros, meros ‘isto’, em
quem não reconhecem outros eu?

Freire (1987) chama a atenção para a necessidade de


se estabelecer uma relação dialógica com aquilo que se
A política educacional... 103

busca. O trabalho com educação necessita ser pensado,


analisado e percebido, a partir do conteúdo a ser trabalhado,
pois uma educação comprometida com a transformação não
poderá trabalhar com conteúdos que não tenham relação.
Para isso, torna-se necessário ter a preocupação de
concretizar uma educação que faça sentido na vida das
pessoas. Em que os protagonistas se entendam com maior
clareza, ou seja, a mediação entre educador e educando deve
se dar pelo conteúdo. Portanto, para Damke (1995, p. 75):

No plano da ação, a interdisciplinaridade impõe-se como


trabalho coletivo; como esforço para superar a
contradição educador educando e para criar relações
solidárias que apontem caminhos na direção de uma
sociedade democrática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para provocar transformações naquilo que temos


diante de nós, é necessário olhar as coisas muito conhecidas,
a partir de outro lugar, ou seja, distanciar-se do objeto.
Examinar as contribuições da construção de uma política
educacional voltada para a transformação social e buscar
nessa experiência nas contribuições, nos limites, nas
contradições e nas possibilidades que, sem dúvida, tornam-se
um desafio e um aprendizado.
Para Sader ([s.d.] apud MÉSZÁROS, 2005, p. 15),
“[...] o objetivo central dos que lutam contra a sociedade
mercantil, a alienação e a intolerância é a emancipação
humana”. A educação, que poderia ser uma alavanca
essencial para essa mudança, tornou-se instrumento dos
estigmas da sociedade capitalista:

[...] fornecer os conhecimentos e pessoal necessário à


maquinaria produtiva em expansão no sistema capitalista,
mas também gerar e transmitir um quadro de valores que
104 A atualidade das ideias de Paulo Freire

legitima os interesses dominantes [...] (SADER, [s.d.] apud


MÉSZÁROS, 2005, p. 15).

Tornando-se, assim, uma peça do processo de


acumulação de capital, virando-se, ao invés de instrumento
de emancipação humana, mecanismo de perpetuação e
reprodução desse sistema.
A sociedade contemporânea é o reflexo do processo
histórico de criação e recriação do homem, da natureza e da
relação homem-natureza. Viver nela e compreender esse
processo demandam consciência dos inúmeros desafios que
se colocam diante de nós. A sociedade contemporânea é,
também, contraditória. Permeiam num mesmo contexto, um
movimento intenso de mudanças que explicitam os avanços,
as conquistas, mas também a destruição, a catástrofe
inerente aos modos de ver e organizar as relações que a
própria humanidade construiu.
Contraditoriamente, o capitalismo, a lógica liberal de
mercado, a globalização gera a fome e as doenças. Por um
lado, traz a tecnologia de última geração; por outro; a
exclusão do homem do acesso à tecnologia, à saúde, à
alimentação em que tudo é produto da práxis que se faz pela
ação do ser humano objetivado pelo trabalho, enquanto
atividade vital.
A natureza da educação – como tantas outras coisas
essenciais nas sociedades contemporâneas – está vinculada
ao destino do trabalho.
Para Alves (2007), as práticas escolares enfrentam
dificuldades decorrentes de uma complexidade inerente ao
contexto social atual. Dentre os inúmeros desafios a serem
enfrentados pela ação educativa escolar, é preciso observar,
com cuidado adequado, aqueles referentes às mudanças que
a trama social em movimento promove nos sujeitos, na sua
atitude frente ao mundo, no seu comportamento, ou seja, no
campo da subjetividade mesma, compreendida como
A política educacional... 105

produto da relação dialética entre ser humano e as formas


socioculturais de vida.
Compreender o grau de complexidade que
representa para o educador a assimilação de uma nova
proposta pode ajudar a compreender o grau de resistência ou
de dificuldade para o desenvolvimento do trabalho.
Os sujeitos diretamente envolvidos (crianças e
jovens), que se tornam alvos da desintegração inerente aos
processos sociais em geral, que entram na escola e que tem
ali, neste espaço, talvez, a única possibilidade que lhe resta de
apreender o mundo e vê-lo a partir de outro lugar. Aqui
reside, provavelmente, uma das mais importantes tarefas da
educação escolar, a despeito de todas as dificuldades que
enfrenta historicamente: compreender quem são os sujeitos,
de onde vêm, como elaboram, significam a experiência
sócio-histórica em que se encontram e, ao compreender a
complexa trama histórico-cultural em que se constituem os
sujeitos, propor estratégias pedagógicas voltadas para um fim
específico: a humanização (ALVES, 2007).
Na concepção freireana, desenvolvida em Chapecó,
buscou-se estabelecer um processo dialógico dos sujeitos
inseridos no contexto social com o mundo, podendo,
portanto, entender o Tema Gerador como objeto de estudo
que compreende o fazer e o pensar, o agir e o refletir, a
teoria e a prática, ou seja, parte-se de uma realidade, da
leitura de mundo no nível de senso comum; busca-se os
conhecimentos científicos sistematizados, historicamente, e
necessários para tal compreensão e leva-se à reflexão dessa
ação teorização, provocando assim superações, levando os
sujeitos envolvidos a uma ação transformadora.
Numa prática libertadora, dialógica, não se pode
abrir mão da dialogicidade proposta por Paulo Freire.
Somente esse diálogo, construído pela rigorosidade metódica
(FREIRE, 1987), propicia o dimensionamento do poder
constitutivo e criador da ação humana, afinal, é a ação que
106 A atualidade das ideias de Paulo Freire

dá significado às coisas. Não a ação que engessa e cristaliza


pelo adestramento do treinamento e pela monotonia
mortífera da repetição, mas, sim, a ação que é realizada a
partir dos desejos dos seres humanos envolvidos no
processo. Vontade essa que explicita seus anseios, suas
necessidades, que fala de sua realidade, que somente será
possível se cada um tiver a humildade de ouvir o outro e
estabelecer com ele um diálogo verdadeiro e humanizador.
Contudo, não se pretende dizer com isso que uma
proposta pedagógica, fundamentada na dialogicidade, venha,
por si só, resolver problemas históricos dentro dos espaços
educativos. O que se quer dizer é que, com certeza, favorece
o surgimento de condições para que esses espaços
estabeleçam crítica radical, não só do modelo pedagógico,
mas também de suas concepções epistemológicas e visão de
mundo.
Os movimentos de reorientação curricular nas
Administrações Populares, e no caso específico de Chapecó,
no período de 1997 a 2004, evidenciam a possibilidade de
superação de práticas educativas conservadoras e apontam
novas formas de conhecer e agir, pedagogicamente,
coerentes com o compromisso político assumido com a
Educação Popular Crítica.
Mesmo convivendo com avanços e retrocessos, é
possível pensar que a história segue seu curso e que o
trabalho desenvolvido durante a experiência trouxe
significativas contribuições para a história da educação em
nosso município e em outros lugares.
Fazer a denúncia e o anúncio é praticar a esperança
ativa que, ensina Freire, não é a esperança na pura espera,
mas a esperança que mobiliza a ação. Por outro lado, não há
esperança ativa ou ação transformadora na ignorância. Daí a
importância do conhecimento e do fazer desse
conhecimento, saber, sabedoria.
A política educacional... 107

Mais além disso, as contribuições da experiência da


educação popular, tal como analisadas neste estudo,
permitem concluir que fazer da prática educativa uma prática
libertadora implica uma tomada de consciência e uma
reflexão crítica permanente sobre as realidades que
permeiam a educação. Como promotora do
desenvolvimento da consciência, a ação educativa escolar é
sempre ação problematizadora, seja na relação pedagógica
que terá com o conhecimento mediador dos processos de
ensino e de aprendizagem, seja na reflexão crítica sobre si
mesma.
Sob este prisma e frente aos desafios que se impõem
à educação na conturbada contemporaneidade, o diálogo da
pedagogia freireana, com outros autores que fundamentam
práticas educativas críticas, traduz, a meu ver, uma
possibilidade efetiva de crítica propositiva na direção da
necessária superação de concepções e práticas dicotomizadas
e dicotomizadoras da integralidade humana.

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VALE, A. M. Educação popular na escola pública. 2. ed.


São Paulo: Cortez, 1996.
110 A atualidade das ideias de Paulo Freire
A política educacional... 111

PARTE II – FORMAÇÃO DE PROFESSORES


112 A atualidade das ideias de Paulo Freire
I

A PARTICIPAÇÃO DOCENTE E AS
CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM TEMÁTICA
FREIREANA PARA A FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES DE CIÊNCIAS1

Geovana Mulinari Stuani


Sylvia Regina Pedrosa Maestrelli
Nadir Castilho Delizoicov

INTRODUÇÃO

A história do Ensino de Ciências no Brasil tem


mostrado a interferência de pressões econômicas e políticas
que influenciaram as várias tendências que acompanharam a
área ao longo dos tempos (KRASILCHIK, 1987; 2000;
FRACALANZA et al., 2002).
Dentre as tendências citadas pelos autores acima,
temos a tecnicista, centrada no ensino através de módulos e

1 Versão ampliada do trabalho apresentado no IV EREBIO/SUL e V


ENCIBIO, 2010 sob o título: O Movimento de Reorientação Curricular
Popular Crítico no Ensino de Ciências Naturais em Chapecó/SC e suas
implicações na prática docente.

Doutora em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT-UFSC).
Professora da rede Municipal de Chapecó. E-mail:
geovana.mulinari@gmail.com.

Doutora em Genética. Professora do PPGECT/UFSC. E-mail:
sylviarpm@gmail.com.

Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), atua no PPGE da Unochapecó, é pesquisadora no grupo de
pesquisa Ensino e formação de professores, cadastrado no CNPq. É
professora colaboradora do PPGECT/UFSC. E-mail:
ridanc.nadir@gmail.com.
114 A atualidade das ideias de Paulo Freire

na aplicação de testes; a escolanovista, com a preocupação


de ensinar o método científico; e a ciência integrada, com o
uso de materiais com manuais de instrução. Por mais que
estas propostas inovadoras tivessem a preocupação com a
qualidade do ensino, nenhuma delas trouxe a realidade
objetiva vivenciada pelos estudantes como objeto de estudo
para a sala de aula.
Destacamos também, nestas propostas, a
participação docente como executor de tarefas pensadas por
especialistas, e não como propositor de alternativas para os
problemas vivenciados na prática (GOUVEIA, 1995). A
autora destaca ainda o aparecimento na década de 1980 de
uma nova tendência chamada de progressista, que une as
ideias de Snyders (1988), Saviani (1985) e Freire (1975,
2008); cujo enfoque é a construção de um projeto político
que visa mudar a vida das pessoas, tendo a escola como
espaço propulsor do processo de transformação. Esta
concepção progressista de educação coloca o docente como
sujeito do processo formativo deixando de ser passivo para
tornar-se ativo, sendo coparticipante na elaboração das
propostas.
Nesta perspectiva, quando pensamos nas inovações
curriculares que, de certa forma, interferiram no ensino da
área, um ponto relevante a discutir é qual a participação dos
professores nos processos inovadores implementados em
sala de aula.
Esta questão é debatida por Carvalho (2007, p. 196),
que destaca a relação existente “entre as atitudes e
comportamentos dos professores, ao ensinar e a
aprendizagem de seus alunos”.
Desta forma, adotaremos o termo inovação
curricular ao invés de mudança, compartilhando das ideias
de Terrazzan (2007). O autor destaca que o termo inovação
refere-se a “ações consistentes que envolvem etapas como:
instalação/implementação, aceitação, utilização/vivência e,
A participação docente... 115

por fim, a consolidação de determinada mudança”


(TERRAZZAN, 2007, p. 170).
Thurler (2001) discute esta questão e chama a
atenção para as características que envolvem uma inovação
com relação à participação dos docentes, ou seja, a adesão
“depende do que os professores pensam ou fazem dela” (p.
13).
Terrazzan (2007) destaca também o papel dos
professores na implementação das propostas inovadoras; e
destaca que a adoção pelo professor de determinada
inovação deve-se “ao equilíbrio entre as exigências e
compensações” (p. 181). O autor evidencia algumas
características presentes em uma inovação para favorecer os
docentes:
• Quando promovida pelos próprios docentes, pois
costuma produzir um aumento em sua autoestima
profissional;
• Quando a participação efetiva pode se traduzir também
em promoção profissional, sobretudo, para as posições
mais altas na hierarquia da estrutura da carreira
profissional;
• Quando o professor constata claramente um aumento de
sua autonomia didática e pedagógica, na medida em que
passa de uma situação tradicional de executor de tarefas
a elaborador de propostas e construtor de soluções
partilhadas pelos pares (TERRAZZAN, 2007, p. 181).

Portanto, promover a participação docente nos


processos de inovação é fundamental para que o seu
desenvolvimento ocorra de forma equilibrada. Gouveia
(1995) chama a atenção para esta questão nos processos de
formação docente:

O envolvimento dos participantes com suas próprias


questões faz com que se tornem, ao mesmo tempo agente
116 A atualidade das ideias de Paulo Freire

e produto do processo e não meros aplicadores de


instruções, que supostamente levariam a inovações.
Tornando-se um pesquisador de sua realidade, o
professor de 1º grau está exercitando a reflexão sobre seu
próprio cotidiano, podendo, com isto, buscar soluções
mais apropriadas para seus problemas (GOUVEIA, 1995,
p. 253).

Porém, há de se destacar que, além da sua autonomia


profissional, outros fatores interferem na ação docente,
como as pressões da própria instituição na qual o docente
atua. O que pode interferir em maior ou menor intensidade
na forma e na intencionalidade da prática docente
(SACRISTÁN, 2000).
Nesta linha de pensamento, neste estudo,
analisaremos uma das propostas progressistas influenciadas
pelo pensamento de Paulo Freire que se espalharam pelo
Brasil, na década de 1990, em nível das secretarias
municipais de educação. Estas propostas encontram-se
descritas em Silva (2004a) sendo elas: Angra dos Reis-RJ
(1994-2000), Porto Alegre-RS (1995-2000), Chapecó-SC
(1998-2003), Caxias do Sul-RS (1998-2003), Gravataí-RS
(1997-1999), Vitória da Conquista-BA (1998-2000), Esteio-
RS (1999-2003), Belém-PA (2000-2002), Maceió-AL (2000-
2003), Dourados-MS (2001-2003), Goiânia-GO (2001-2003)
e Criciúma-SC (2001-2003). Analisaremos o Movimento de
Reorientação Curricular via Tema Gerador (MRCTG)
desenvolvido no município de Chapecó (1997-2004).
Concebendo o MRCTG, ocorrido no município de
Chapecó/SC (gestão 1997-2004), como uma inovação
curricular, neste artigo discutiremos a seguinte questão:
Como a participação docente no Movimento de
Reorientação Curricular via Tema Gerador contribuiu para a
ressignificação das práticas docentes? Para isso,
descreveremos brevemente o MRCTG destacando os
A participação docente... 117

momentos de participação dos docentes na implementação


da proposta inovadora.

O MOVIMENTO DE REORIENTAÇÃO
CURRICULAR VIA TEMA GERADOR E A
PARTICIPAÇÃO DOS EDUCADORES

Na gestão popular, ocorrida no período de 1997-


2004, optou-se pela concepção da Educação Popular2; tendo
em vista o seu caráter inclusivo e de problematização das
injustiças sociais.
A Secretaria Municipal de Educação, em seu
primeiro ano de atuação, realizou um diagnóstico das
condições de ensino na rede municipal (STUANI, 2010)
com a participação de representantes das diversas escolas e
centros de educação infantil; constituindo um fórum de
discussão e planejamento.
Este processo de discussão coletiva possibilitou a
organização do Plano Político-Pedagógico, com assessoria
do prof. Dr. Odilon Poli, da Universidade do Oeste de Santa
Catarina (UNOESC, atualmente Unochapecó). Após
inúmeros estudos e debates a respeito do Plano Político-
Pedagógico, sua organização foi estabelecida a partir de três
marcos referenciais, a saber: marco situacional, marco
operacional, marco doutrinal.
Stuani (2010) destaca que nesta mesma perspectiva
foram organizados os princípios da Educação Popular que
regeriam a educação municipal, sendo eles: “Cidadania,
Democracia, Trabalho Coletivo e Autonomia”, que deram
encaminhamento para a reorganização dos tempos e espaços
escolares” (p. 54).

2 É uma modalidade de trabalho pedagógico cujas aparentes contradições


desafiam qualquer tipo de definição, emergindo em um universo de
práticas sociais intensamente carregadas de valores e símbolos, de
intenções e interesses (BRANDÃO, 1986, p. 151).
118 A atualidade das ideias de Paulo Freire

O MRCTG desenvolvido no âmbito da prefeitura


municipal de Chapecó emergiu como uma resposta à
efetivação da Educação Popular e de seus princípios nas
práticas cotidianas de sala de aula. O processo de
reorientação curricular começou pela Educação de Jovens e
Adultos (EJA), sendo desencadeado também no ensino
fundamental e na educação infantil.
Este trabalho trouxe a demanda da organização de
uma equipe multidisciplinar a fim de mediar o trabalho
pedagógico desenvolvido nas escolas e Centros de Educação
Infantil (CEIs) (STUANI, 2010). Para organização desse
processo de mudanças foi necessário preparar vários
momentos de estudos e formação, com a assessoria do
professor Gouvêa.3
Para compreender todo o processo de reorientação
curricular foram organizadas oficinas, as chamadas Oficinas
do Tema Gerador, que ocorreram primeiramente com a
equipe pedagógica multidisciplinar e os professores da EJA e
após com todos os docentes da rede municipal de ensino.
Stuani (2010) destaca a participação docente neste
processo, nos diversos eventos realizados pela Secretaria
Municipal de Educação:

O Movimento de Reorientação Curricular envolveu os


educadores como sujeitos ativos do fazer pedagógico o
que demandou da Secretaria Municipal de Educação e
Cultura a realização de eventos de capacitação, dentro de
um programa de formação continuada. Dentre eles
destaco, somente no ano de 1998, o 1º Seminário de
Educação Popular, o 2º Congresso da EJA, Fórum de
Debates Ciclo de Formação: Conquistas e Desafios

3 O professor Dr. Antonio Fernando Gouvêa da Silva atuou como


assessor da Secretaria Municipal de Educação no processo de
Reorientação Curricular, no período de 1998 a 2004. Assessorou a
Educação Infantil, a Educação de Jovens e Adultos e o Ensino
Fundamental. Doutor em Educação – Currículo – PUC/SP.
A participação docente... 119

(Folder de divulgação da Secretaria Municipal de Ensino:


‘Um lugar onde se constrói Educação com a Participação
Popular’, editado e publicado no ano de 1998) (STUANI,
2010, p. 55).

A efetivação dos princípios da Educação Popular na


prática desencadeou a opção pela Investigação Temática ou
Tema Gerador, como concepção organizadora dos
processos de ensino e aprendizagem, desencadeados no
MRCTG. Enquanto concepção de educação, ela possibilita
uma compreensão da realidade social de forma aprofundada,
desencadeando processos de mudança.
Nas palavras de Freire (2008, p. 102-114), esse
processo significa:

O conceito de ‘tema gerador’, não é uma criação arbitrária,


ou uma hipótese de trabalho que deve ser comprovada [...]
nos parece que constatação do tema gerador, como uma
conscientização, é algo a que chegamos através, não só da
própria experiência existencial, mas também de uma
reflexão crítica sobre as relações homens-mundo e
homens-homens, implícitas nas primeiras. [...] É
importante reenfatizar que o tema gerador não se
encontra nos homens isolados da realidade, em tampouco
na realidade separada dos homens. Só pode ser
compreendido nas relações homens-mundo. Investigar o
tema gerador é investigar, repitamos, o pensar dos
homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a
realidade, que é a sua práxis.

Stuani, Maestrelli e Delizoicov (2010) destacam que


o Movimento de Reorientação se pautou no processo de
Investigação Temática presente nos estudos de Silva (2004a),
que aprofundam os diálogos descodificadores propostos por
Freire (1975, 2008). Silva (2004a) propõe o Contratema
(visão de mundo dos educadores a respeito do Tema
Gerador) e a elaboração das questões geradoras, além da
120 A atualidade das ideias de Paulo Freire

redução temática por meio da organização de uma estrutura


de sistematização das análises das falas significativas 4 pelo
grupo, denominada de Rede Temática. Desta forma, a
Investigação Temática desenvolvida seguia as seguintes
etapas:

a) Levantamento preliminar da realidade local; b) Escolha


de situações significativas; c) Caracterização dos
temas/contratemas geradores sistematizados na rede
temática; d) Elaboração de questões geradoras; e)
Construção da programação; f) Preparação das atividades
para sala de aula. (SILVA, 2004b, p. 7).

4 As falas significativas compunham o processo de pesquisa junto à


comunidade desencadeado na rede municipal de ensino a fim de
identificar o Tema Gerador. Apresentam as seguintes características:
Abordam questões recorrentes da realidade local e apresentam algum
grau de dissociação entre as diferentes dimensões e planos da realidade
(aspectos amplos da macro-organização sociocultural e econômica não
articulados às situações significativas vivenciadas); Geralmente, o limite
explicativo aparece de forma explícita e pragmática no discurso da
comunidade, entretanto, quando muito carregada de baixa autoestima,
pode estar implícita em muitas situações e discursos, em diferentes
formas de expressão; A seleção se dá por contradições, por diferenças
nas visões de mundo e concepções da realidade concreta entre
educadores e comunidade (evitar a escolha narcisista, do idêntico); Toda
fala significativa é significativa, porque demanda um patamar analítico
(epistemológico) desconhecido para o “Outro” – referencial diferenciado
do pesquisador; É, portanto, fundamental apreender os conceitos
cotidianos e as obviedades presentes nas explicações e proposições
presentes na leitura de mundo da comunidade; É imprescindível
perceber que as diferenças entre as concepções de realidade (de
educadores e educandos) baseiam-se em referenciais epistemológicos
distintos e vão além das informações sobre o real para uma
fundamentação conceitual analítica e relacional; Assim, ao selecionar
uma fala significativa, já estamos, implícita ou explicitamente,
relacionando informações e conceitos epistemológicos analíticos a serem
trabalhados por diferentes áreas e disciplinas (SILVA, 2001, mimeo).
A participação docente... 121

Para a organização da etapa denominada “preparação


das atividades para sala de aula”, utilizou-se dos estudos de
Delizoicov (1991), que propõe como sistematização da
dialogicidade (FREIRE, 1975, 2008) os chamados
momentos pedagógicos: Estudo da Realidade (ER),
Organização do Conhecimento (OC) e Aplicação do
Conhecimento (AC) (STUANI; MAESTRELLI;
DELIZOICOV, 2010).
Desta forma, no Ensino de Ciências a reorientação
curricular no âmbito do MRCTG, partindo da Investigação
Temática, pautou-se em dois pressupostos da Educação
Libertadora de Freire, a problematização e a dialogicidade.
A problematização entendida enquanto um processo
de diálogo entre sujeito e objeto, “sendo a tarefa do
educador de problematizar aos educandos o conteúdo que
os mediatiza e não de dissertar sobre ele” (FREIRE, 2006, p.
81). Sendo ela, pressuposto indispensável na superação das
situações-limites 5 com vistas a atingir os “inédito-viáveis”
(FREIRE, 2008).
Freire (2008) enfatiza o papel da problematização na
tarefa de envolver os educandos na tarefa de pensar
criticamente e tirar suas próprias conclusões sobre os fatos.
Pressuposto da educação dialógica ela desacomoda, articula e
põe em movimento o pensamento do ser humano sobre a
realidade concreta.
Sendo assim, cabe ao educador progressista, à
medida que dialoga com os educandos, chamar a atenção
“para os pontos obscuros ou ainda ingênuos, bem como

5 “As situações-limites” são os obstáculos que se apresentam na


existência humana. Mas, como afirma Freire, não podem ser vistas como
“barreiras insuperáveis”. Elas são dimensões concretas e históricas da
realidade, portanto, passíveis de intervenção humana. Elas se apresentam
como desafios a serem superados (DICKMANN; DICKMANN, 2008,
p. 104-105).
122 A atualidade das ideias de Paulo Freire

para as relações estabelecidas pelos sujeitos envolvidos na


situação gnosiológica” (DAMKE, 1995, p. 82).
Desta forma, o Ensino de Ciências na perspectiva
crítica concebe a participação dos educadores e educandos,
como premissa fundamental para a elaboração do
conhecimento novo em sala de aula. Para isso, há de se ter a
dialogicidade como um pressuposto da educação crítica, cuja
presença é constante na Investigação Temática na busca pelo
Tema Gerador.
Freire (2008) define o Tema Gerador como a
investigação do pensar dos homens referindo-se à realidade,
bem como o seu atuar sobre ela, que significa a sua práxis.
Nas palavras de Delizoicov et al. (2002), os temas
geradores exercem um papel fundamental na pedagogia
freireana:

Os temas geradores foram idealizados como um objeto


de estudo que compreende o fazer e o pensar, o agir e o
refletir, a teoria e a prática, pressupondo um estudo da
realidade em que emerge uma rede de relações e situações
significativas individual, social e histórica, assim como
uma rede de relações que orienta a discussão,
interpretação e representação dessa realidade
(DELIZOICOV et al., 2002, p. 165).

O Ensino de Ciências, a partir do Tema Gerador no


Movimento de Reorientação Curricular, provocou nos
educadores outro olhar para o conteúdo escolar e para a área
de ensino, exigindo alguns questionamentos, como: Por que
Ensinar Ciências? Qual a contribuição da área no
entendimento dos problemas vivenciados pela comunidade?
(STUANI, 2010).
A dialogicidade, presente na busca do conteúdo
programático, exigiu dos educadores colocarem o
conhecimento científico a serviço da compreensão da
realidade vivida pelos educandos.
A participação docente... 123

Delizoicov (1982, p. 15) define a dialogicidade como:

A premissa básica, oriunda de uma reflexão crítica e auto-


crítica perante a educação e a sociedade; é a
predisposição, “um estado de espírito”, que se corporifica
à medida que se pensa a educação e a sociedade. É uma
tomada de posição que subjetivamente leva a intenção de
interagir com a comunidade e objetivamente leva a uma
prática de apreensão da realidade.

Este movimento dialógico fez com que a área de


Ciências Naturais se constituísse como um instrumento de
diálogo entre os problemas vivenciados pela comunidade e o
conhecimento científico. A realidade, expressa nas falas
significativas dos educandos e da comunidade, serviu de
ponto de partida e objeto de estudo para a reorganização do
currículo e na elaboração dos conhecimentos novos
(STUANI, 2010).
A autora destaca, ainda, que o trabalho pedagógico,
na perspectiva crítica, exigiu a organização de momentos de
estudo e planejamento coletivo, o qual foi garantido
semanalmente pelas escolas, através da formação
permanente.
A perspectiva da formação permanente dos
professores concebia o processo formativo na dimensão da
práxis, onde ensinar exige por parte do docente um
posicionamento ético sobre o que se ensina e por que se
ensina.
Freire (1999a) defende a formação docente como
permanente e destaca “o educador é o sujeito de sua prática,
cumprindo a ele criá-la e recriá-la” (p. 80) de forma coletiva.
Para o autor, encontra-se presente nela a dimensão da
humanização, pois adentra na ontologia do ser, na busca por
ser mais, através da reflexão crítica sobre a prática e a
consciência dos valores éticos envolvidos em sua ação
pedagógica.
124 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Desta forma, a formação docente, concebida como


formação permanente, acompanhou o Movimento de
Reorientação Curricular; dividindo-se em vários momentos:
planejamento coletivo nas escolas, encontros de polos (mais
de uma escola de uma mesma região) e os encontros
bimestrais da área.
A participação docente acompanha o processo de
formação permanente como um princípio organizador.
Stuani (2010) descreve o caráter destes momentos como:

Nos encontros coletivos das escolas, discutíamos o


planejamento a partir da investigação temática, tendo
como referência cada realidade local (contexto), com a
participação da comunidade escolar (sujeitos),
construindo formas de intervenção e planejamento de
atividades em sala de aula e atividades extra-escolares
(processos).
Nos encontros por polos, discutíamos questões mais
amplas, que envolviam diferentes escolas, como por
exemplo: como organizar a pesquisa participante nas
comunidades; como organizar o processo de avaliação
emancipatória; como trabalhar interdisciplinarmente, a
partir das falas significativas.
Nos encontros por área, tomando como base a área de
Ciências Naturais, olhávamos para a especificidade da área
dentro do movimento de reorientação curricular.
Começava-se problematizando a concepção de Ciência,
para quê e por quê estudar Ciências Naturais, recorrendo
as contribuições da epistemologia com o intuito de
entender a Ciência como investigação humana, não linear,
processual, de caráter coletivo e sujeita às pressões
econômicas e políticas de cada época, portanto não neutra,
embasando-nos no trabalho de Delizoicov et al. 2002
(STUANI, 2010, p. 80-81).

Desta forma, a formação permanente, desencadeada


no MRCTG em todas as áreas de ensino, destacando o
A participação docente... 125

Ensino de Ciências, buscou discutir e implementar processos


educativos a partir dos problemas cotidianos enfrentados
pelas comunidades escolares, visando a compreensão e
conscientização de educadores e educandos.
A participação, como princípio organizador da
formação, visava contribuir no desenvolvimento dos
educadores, a fim de que assumisse uma postura ativa, crítica
e propositiva. O horizonte a ser alcançado era de que, no
pensar e repensar a ação de forma coletiva, o educador
poderia ter uma consciência crítica sobre a sua ação
pedagógica.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

A pesquisa é de caráter qualitativo, pois uma das suas


características refere-se à postura do investigador que não
fica alheio à realidade estudada, “pois está inserido nos
fenômenos dos quais procura captar os significados”
(TRIVIÑOS, 1992, p. 121). O estudo faz parte da
dissertação de mestrado intitulada: “A construção curricular
popular crítica no Ensino de Ciências Naturais e suas
implicações na prática docente” (STUANI, 2010).
O grupo investigado compõe-se de 13 professores de
Ciências do Ensino Fundamental, participantes do MRCTG,
de um universo de vinte professores que participaram do
movimento. O critério de escolha foi de terem participado
do MRCTG e estarem atuando em sala de aula.
Na coleta dos dados foram utilizados dois
instrumentos: a entrevista semiestruturada composta de um
roteiro aberto a fim de dar liberdade para exposição das
ideias do entrevistado e de um instrumento baseado em
ilustrações (APÊNDICE A).
Para analisar os dados coletados, tanto no
instrumento baseado em ilustrações quanto na entrevista
semiestruturada, foram observados os elementos da
126 A atualidade das ideias de Paulo Freire

pedagogia freireana presentes em ambos. As análises


apontam para os seguintes elementos da pedagogia freireana
presentes nos dados coletados: “realidade do aluno, saberes
dos alunos, problematização, pesquisa, interdisciplinaridade,
trabalho coletivo, repensar da prática” (STUANI, 2010, p.
102-103). Os dados foram categorizados a partir do
cruzamento das informações presentes nas entrevistas
semiestruturadas e no instrumento baseado em ilustrações. A
partir desta intersecção, elaboraram-se, então, as categorias
de análise, a saber: A dialogicidade na ação docente; As
superações da prática: o inédito-viável; Repensar na ação:
refletindo e agindo sobre a prática pedagógica. Essas, juntas,
possibilitam perceber como a participação dos docentes no
MRCTG influenciou na ressignificação das suas práticas
pedagógicas.

CATEGORIAS DE ANÁLISE

A dialogicidade na ação docente

A perspectiva da elaboração do conhecimento no


MRCTG no Ensino de Ciências pautou-se no diálogo entre
os diferentes saberes. Sendo assim, foi problematizada a
visão de uma Ciência neutra e distante dos educandos,
procurando trazer para a sala de aula a voz dos estudantes
mediante a importância dada às suas visões de mundo
(STUANI, 2010).
Para isso, o processo de formação docente era
concebido na perspectiva da formação permanente, partindo
das demandas que os educadores traziam de sua prática
concreta de sala de aula:

O processo de formação permanente visava


problematizar a visão de educação e ensino e partia
sempre das dificuldades dos professores em implementar
o currículo em sala de aula. A prática cotidiana era ponto
A participação docente... 127

de partida e chegada nas formações, buscando na teoria as


respostas aos problemas vivenciados. A pedagogia da
pergunta, os debates, discussões e troca de experiências
faziam parte do processo de problematização do
paradigma da educação que se queria superar (STUANI,
2010, p. 105).

A dialogicidade permeava o olhar docente para o


conhecimento escolar e para o educando que era visto como
um sujeito pensante e não uma tábula rasa. Esta categoria
encontra-se presente na importância dada pelos docentes aos
saberes dos educandos, na elaboração do conhecimento em
sala de aula e na postura investigativa do educador na seleção
do conteúdo programático.
O conhecimento visto como algo significativo para
os educandos encontra-se presente nas falas abaixo:

Sempre questionando eles, sempre partindo do empírico


até o científico fazendo estas pontes (P2).

A partir desta proposta eu consegui fazer o conteúdo, a


sala de aula relacionar com o dia a dia, com a vida, com a
vivência dos alunos (P11).

A preocupação em dialogar com os educandos na


escolha dos conteúdos a serem trabalhados em sala também
apareceu nos dados presentes no instrumento baseado em
ilustrações. Esta afirmação encontra-se na justificativa dada
pelos docentes em relação à escolha do ponto de partida
para a elaboração do conhecimento em sala de aula. Esta
relação pode ser identificada nas falas abaixo:

A situação 1 porque esta é uma realidade de muitos de


nossos alunos e esta situação interfere na qualidade de
vida deles e na aprendizagem e no relacionamento na
escola (P2).
128 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Assunto 1, por serem temas que estão presentes no dia a


dia dos nossos alunos (contexto ambiental e social) (P1).

Eu escolheria o assunto água, porque é uma problemática


que estamos vivenciando em nosso meio e precisamos
esclarecer ao nosso aluno sobre o problema para que o
mesmo possa propor soluções (P3).

A participação docente no MRCTG possibilitou o


desenvolvimento da capacidade de dialogar com a realidade
junto aos educandos e assim propor alternativas para os
problemas enfrentados. Desta forma, a formação docente
pautou-se na reflexão crítica sobre a prática, de forma a
conceber o docente como um sujeito do processo educativo.
“Descobrimos que é a partir da reflexão sobre a nossa ação
que nos construímos no dia-a-dia, educadores populares”
(CHAPECÓ, 1998, p. 18).
Neste sentido, a dialogicidade possibilitou aos
educadores organizarem critérios para a seleção dos
conteúdos programáticos de sala de aula, fazendo do
conhecimento científico um instrumento de compreensão da
realidade e conscientização. As falas abaixo traduzem esta
preocupação:

Para que os mesmos criem suas próprias opiniões e


identifiquem-se como membros dessa sociedade para que
possam construir-se como sujeitos críticos e participativos
e com ações que possam fazer diferença no mundo em
que vivem (P4).

Em função justamente disso, o que a gente quer para o


nosso aluno, que tipo de aluno a gente quer. Que cidadão
a gente quer, um cidadão pensante, alguém crítico, alguém
que ajude a construir a sociedade. Alguém que olhe com
esse olhar. Então, que eles possam olhar para o mundo
deles e possam refletir os problemas deles, mas que eles
A participação docente... 129

possam estar argumentando, que eles possam estar


lutando (P9).

Desta forma, as preocupações acima citadas pelos


educadores, refletem o pensar de Freire (1998), quando o
autor salienta que ensinar exige compreender que a educação
é uma forma de intervenção no mundo. Portanto, participar
ativamente na elaboração do currículo de sala de aula
provocou nos educadores um repensar de suas práticas,
desencadeando os inédito-viáveis que serão analisados na
próxima categoria.

AS SUPERAÇÕES DA PRÁTICA: O INÉDITO-


VIÁVEL

O inédito-viável, para Freire (2008), é a possibilidade


de perceber que as situações contraditórias e opressoras
podem ser superadas pelos sujeitos. É a crença de que a
mudança é possível: “É a concretização da ação-reflexão dos
homens e mulheres críticos, é o resultado da ação dialógica
tão postulada por Freire” (DICKMANN; DICKMANN,
2008, p. 102).
A problematização constante do fazer pedagógico
através do trabalho coletivo, por meio da participação dos
educadores no MRCTG, desencadeou a superação de alguns
limites presentes nas práticas pedagógicas, desencadeando
alguns aprendizados que denominaremos de inédito-viáveis.
A formação a partir das situações-limites, vivenciadas pelos
docentes, buscou, na teoria, os fundamentos e
embasamentos para a reorganização das práticas (STUANI,
2010).
Podemos considerar como um dos aprendizados a
questão da pesquisa, conforme é explicitado nas falas a
seguir:
130 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Com certeza, o desafio lançado naquela época eu trago


até hoje. Me desafio sempre, ir em busca de coisas novas,
poder trazer a realidade do aluno (P7).

Com certeza, a questão da pesquisa que eu não tinha


muito presente comigo. E hoje eu trabalho muito a
pesquisa com os alunos, e a questão não só da pesquisa,
mas o incentivo à leitura (P10).

Freire (2008) destaca a importância da reflexão e


ação dos homens sobre a realidade para transformá-la
chamando-a de práxis. Para o autor, a práxis exige a inserção
crítica dos oprimidos na realidade opressora, a fim de agirem
sobre ela. Nas palavras de Freire (2008), o inédito-viável se
expressa quando:

No momento em que estes as percebam não mais como


uma ‘fronteira entre o ser e o nada, mas como uma
fronteira entre o ser e o mais ser’, se fazem cada vez mais
críticos na sua ação, ligada àquela percepção. Percepção
em que está implícito o inédito viável como algo definido,
a cuja concretização se dirigirá sua ação (FREIRE, 2008, p.
94).

A categoria inédito-viável busca discutir as


superações das situações-limites presentes no fazer dos
professores, que na visão dos mesmos era algo impossível ou
então não percebido como importante. Ela procurará
identificar às mudanças que a participação dos docentes no
MRCTG provocou em suas práticas. Os elementos do
MRCTG presentes nesta categoria são: o partir da realidade,
a problematização, a interdisciplinaridade e a pesquisa. Estas
questões encontram-se explicitadas nas falas abaixo:

A discussão que antes dessa época nunca se fazia. O ER


que a gente chamava antigamente e que hoje eles dão
outros nomes, mas é a mesma coisa. Sempre
A participação docente... 131

questionando eles, sempre partindo do empírico até o


científico fazendo estas pontes (P2).

Mudou que a minha prática era uma prática de informar,


eu informava o meu aluno. Porém a partir daquele
momento eu passei a formar o meu aluno. A partir do
momento que eu pensei em formar o aluno, eu passei a
ser um agente mediador. Eu partia do problema do aluno,
eu pegava o conhecimento comum passava para o
científico e juntamente com o aluno, nós encontrávamos a
solução daquele problema (P3).

Há também a interdisciplinaridade entre as diferentes


áreas do conhecimento, que isso eu aprendi a trabalhar a
partir dos Ciclos, que a gente começou a fazer essa relação.
A princípio eu não tinha essa facilidade, eu via a minha
área para trabalhar (P10).

Antes de trabalhar nesta proposta, quando eu ia trabalhar


a água. Eu trabalhava os estados físicos da água, a
importância da água, como ela era usada, mas nunca
relacionava com o dia a dia do aluno. Então eu trabalhava
a água e de repente esse aluno nem tinha água encanada
em casa, ou tinha muita falta de água. Então hoje eu
consigo relacionar com o dia a dia do aluno, eu parto da
realidade deles para depois o conteúdo em si (P11).

Destacamos os aprendizados, acima citados, como


uma forma de conscientização da sua ação pedagógica por
parte dos educadores. Sendo assim, de acordo com as
análises de Damke (1995, p. 96),

[...] quando a realidade é tomada como objeto do


conhecimento e o sujeito assume uma posição
epistemológica, e quando esse momento formar uma
unidade dinâmica e dialética com a ação transformadora, é
que podemos falar em conscientização.
132 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Portanto, os educadores, ao alcançarem seus inédito-


viáveis em relação ao seu fazer pedagógico, estariam em
processo de superação da chamada “consciência ingênua”
(FREIRE, 1999a) e aproximando-se da “consciência crítica”.
Desta forma, Stuani (2010) destaca alguns pontos das
falas dos educadores presentes nesta categoria que os
aproximam da concepção de educação libertadora, como: o
ponto de partida para a elaboração do conhecimento em sala
de aula, a preocupação com o enfoque interdisciplinar, a
perspectiva da problematização presente na forma de
instigar os educandos a estabelecerem relações e formas de
intervenção na realidade concreta. Porém, a superação dos
limites da prática só é possível quando desenvolve nos
sujeitos a capacidade da reflexão crítica sobre a sua ação.

REPENSAR NA AÇÃO: REFLETINDO E AGINDO


SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA

A formação dos professores é de fundamental


importância para a qualificação da educação pública. Pensar
a formação na perspectiva crítica exige conceber os docentes
como sujeitos do seu processo formativo.
Os estudos de Terrazzan (2007), Carvalho (2007),
Gil-Pérez (1996) e Menezes (1996) destacam a importância
da aproximação entre os que pensam e os que executam os
processos educativos. Há de se construírem espaços de
decisão que sejam compartilhados trazendo a sala de aula e
seus problemas para o centro da formação docente.
Portanto, analisar as inovações curriculares envolve
pensar a concepção de formação presente nas propostas
inovadoras. A Abordagem Temática Freireana pauta-se na
formação permanente, que visa aproximar teoria e prática no
sentido da práxis. Seu pressuposto é um constante
movimento de reflexão da ação docente, visando a
A participação docente... 133

emancipação e o empoderamento dos educadores diante das


dificuldades enfrentadas na prática.
Menezes (1996), ao defender a formação permanente
na formação de professores, destaca algumas características
presentes nesta modalidade como:

Uma concepção do professor como agente transformador


e, portanto, a proposição de atividades de formação
orientada para a reflexão e as ações em sala de aula
(pesquisa-ação);
A aprendizagem entendida como um processo de
significação e de construção de conhecimentos;
As atividades de formação compreendidas como
elaboração conjunta dos professos de mudança, por parte
de professores e formadores; estes últimos, através da
função de facilitadores da formação;
Os facilitadores de processos de formação como pessoas
que possuam um bom conhecimento da disciplina
científica em questão;
Materiais e atividades formativas que reúnam
conjuntamente os conteúdos e as formas didáticas;
Atividades de formação que permitam a elaboração e
colocação em prática coletiva os processos de mudança
(MENEZES, 1996, p. 159-160).

O Movimento de Reorientação Curricular Popular


Crítico no Ensino de Ciências, como uma proposta de
inovação, priorizou na formação permanente a participação
dos docentes no planejamento coletivo das ações educativas.
Os documentos que descrevem o MRCTG destacam
a participação como um pressuposto para desencadear, nos
docentes, a postura reflexiva diante do seu fazer pedagógico:

O educador não é somente aquele que desenvolve sua


aula recebendo receitas de um grupo competente de
coordenação que as prepara e organiza. O trabalho de sala
de aula exige espaços de construção coletiva sobre as
134 A atualidade das ideias de Paulo Freire

ações educativas, onde o educador possa criar e recriar,


pensar a sua própria prática construindo-a através da
teorização (CHAPECÓ, 1998, p. 11).

A categoria Repensar na Ação traz a importância


dada pelos educadores à participação nos momentos de
planejamento coletivo para superar as dificuldades imanentes
da prática.
O professor P1 destaca a relevância destes
momentos e o significado que ele representa no momento
presente na educação municipal:

Sempre que a gente tem a possibilidade de trabalhar junto


com os outros professores e organizar as aulas juntos é
claro que é um ponto positivo. Só que hoje a gente se
depara muitas vezes com essa falta do trabalho coletivo
nas escolas. A gente tem a impressão de que não se dá
muita importância pra isso. E quando a gente tem o
grupo reunido todo e que a gente poderia estar
planejando em grupo, junto, pensando, trocando ideias,
socializando experiências, a gente fica com aqueles
momentos pra repasse de recados, na escola [...] Então
hoje a gente se limita bastante ao tempo desperdiçado,
que hoje quem coordena esse trabalho nas escolas, não
pensa que esse momento que a gente para pra pensar
juntos seja bem aproveitado.

A fala do educador P1 destaca a busca pela coerência


entre a teoria e a prática, que se aproxima da consciência
crítica de Freire (1999a).
Outro elemento presente nesta categoria é a
interdisciplinaridade, que só se consolida no trabalho
coletivo de sala de aula. A crítica dos educadores é a falta da
interdisciplinaridade, vivenciada no momento presente e que
era frequente no MRCTG. As falas abaixo explicitam esta
questão:
A participação docente... 135

Hoje a gente se sente um pouco perdido, porque cada um


prepara a sua aula e vai para a sala de aula, não sabe o que
o outro está fazendo. Hoje na escola é tudo muito
individual, cada um faz do seu jeito. Ninguém olha para o
planejamento da gente pra dizer que tem que melhorar, se
está bom. É eu e o aluno de sala de aula, não tem
interdisciplinaridade (P2).

E trabalha por disciplina e muito pouco a gente se reúne.


Alguma disciplina a gente vê que está trabalhando, aí ah
eu tô trabalhando isso eu posso encaixar, tudo na correria
a gente não consegue discutir o assunto (P6).

As reflexões dos educadores expressam o conceito


de interdisciplinaridade não como justaposição, mas como
um diálogo problematizador a partir de um objeto de estudo
comum.
Stuani (2010) destaca a participação como condição
na busca que instiga os homens a refletirem sobre sua ação
no mundo, com vistas à humanização. O MRCTG tinha na
participação popular presente nas várias instâncias de
decisão um instrumento de democratização do acesso e
permanência dos educandos na escola e no exercício do
poder de decisão. Este pressuposto encontra-se presente nas
falas dos educadores abaixo:

Eu me sentia bem ativa e com dificuldades. [...] Mas a


gente se sentia sujeito, porque a gente acabava fazendo, às
vezes errando, às vezes acertando, então não era uma
coisa decorada, mas a gente estava sempre indo em busca
(P2).

Eu me sentia como parte integrante desse movimento, eu


sentia prazer em participar. Porque eu percebia que esse
conhecimento estava me dando uma maior visão de
mundo, os meus alunos também estavam tendo uma
melhor visão de mundo (P3).
136 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Eu me sentia muito valorizada no trabalho que a gente


fazia, expondo trabalhos, tendo muitos cursos, eu aprendi
muito naquela época (P11).

Freire (1998) destaca que o pensar certo, exige a


coparticipação, pois o entendimento não é transferido, mas
elaborado coletivamente através da problematização dos
saberes.
Como todo processo inovador, o MRCTG teve seus
avanços e suas dificuldades, como podemos perceber na fala
dos professores:

Um aprofundamento melhor no estudo para a gente


conseguir entender melhor as falas (P6).

Muitos, a gente percebeu que não entenderam e nunca


vão entender. E se a gente fala de novo em Educação
Popular, com toda essa organização que tinha, ficam com
medo. Ficam com medo por nunca terem entendido,
então como é que a gente poderia ter feito diferente, pra
chegar até esses educadores e aos poucos fazendo com
que entendessem que as ideias, tudo aquilo que estava
sendo construído era com a participação dele também
(P1).

Podemos relacionar estas questões com as análises


de Sacristán (2000), que salienta a responsabilidade dos
docentes no desenvolvimento curricular, ou seja, na seleção
dos conteúdos considerados socialmente válidos. Desta
forma, há de se considerar a prática docente como sujeita às
pressões das instituições em que atuam:

O professor não decide sua ação no vazio, mas no


contexto da realidade de um local de trabalho, numa
instituição que tem suas normas de funcionamento
marcadas às vezes pela administração, pela política
curricular, pelos órgãos de governo de uma escola ou pela
A participação docente... 137

simples tradição que se aceita sem discutir. [...]


Possibilidades autônomas e competências do professor
interagem dialeticamente com as condições da realidade
que para o que ensina vêm dadas na hora de configurar
um determinado tipo de prática por meio da própria
representação que faz desses condicionamentos
(SACRISTÁN, 2000, p. 166-67).

Compreendendo o ser humano como um sujeito em


constante processo de busca pelo “ser mais” (FREIRE,
2008), o MRCTG no Ensino de Ciências caracterizou-se
como um processo de problematização das ações docentes,
visando a ressignificação das práticas, além do entendimento
dos condicionantes que interferem em sua ação. Desta
forma, ficam os desafios de como continuar processos
progressistas de educação sem contar com as condições
necessárias para a sua implementação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implementação de processos inovadores, como o


vivenciado no município de Chapecó, na gestão (1997-2004),
revela a necessidade dos educadores estarem dispostos a
pensarem criticamente e ousarem mudar as suas práticas.
Assumir uma posição progressista (SNYDERS,
1974) diante da sua tarefa educativa, envolve
comprometimento ético com a conscientização dos
educandos, instigando a capacidade de pensar e promover
mudanças na sociedade.
A formação permanente no MRCTG suscitou, nos
educadores, a curiosidade epistemológica (FREIRE, 2008)
de buscar coletivamente respostas aos problemas imanentes
da prática. Salientamos que alguns docentes incorporaram a
concepção de Educação Libertadora, reafirmando na prática
os princípios da Educação Popular. Em seus depoimentos
138 A atualidade das ideias de Paulo Freire

explicitam a importância da proposta em seu crescimento


profissional e também em nível pessoal.
As categorias analíticas revelam que o pensamento e
a ação dos educadores que participaram do MRCTG
mudaram após a participação nesse processo. Destacamos
que alguns princípios foram incorporados à prática
pedagógica, como: a valorização dos saberes dos educandos,
a relação entre realidade e o conhecimento científico, a
necessidade da interdisciplinaridade e do trabalho coletivo na
ação docente.
A participação dos educadores na vivência freireana
na elaboração das práticas escolares contribuiu para o
processo de humanização (FREIRE, 1998) dos docentes,
tanto na superação do medo de falar em público, quanto na
forma de pensar os conteúdos escolares. Sendo assim,
esperamos que a reflexão pedagógica que a presente pesquisa
desencadeou possa contribuir para humanizar as práticas
pedagógicas e os sujeitos inseridos nos contextos educativos.

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Apêndice A – Modelo do instrumento baseado em
ilustrações

Caro Professor: o instrumento a seguir apresenta três


assuntos que são colocados à sua disposição para a escolha
daquele que considerar mais importante para se trabalhar em
sala de aula.

Assunto 1
144 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Assunto 2
A participação docente... 145

Assunto 3

1. Que situação você escolheria para trabalhar em sala? Por


quê?
2. Procure descrever como você gostaria de trabalhar esta
situação, em sala de aula, ou qual seria a melhor abordagem
para esse tema.
3. Como você está trabalhando a disciplina de Ciências em
sua escola?
146 A atualidade das ideias de Paulo Freire
II

A CONCEPÇÃO FREIREANA COMO APORTE


PARA A FORMAÇÃO PERMANENTE DE
PROFESSORES DE EJA1

Suzi Laura da Cunha*


Nadir Castilho Delizoicov**

INTRODUÇÃO

É consenso, na comunidade científica, que a


formação profissional não se encerra com a conclusão da
licenciatura, pois os professores, no exercício da docência,
enfrentam situações com características únicas, que exigem
respostas únicas. Freire (1992) considera que a formação do
professor acontece o tempo todo, é permanente na
caminhada de fazer-se professor, é resultado da “condição
de inacabamento do ser humano e a consciência desse
inacabamento”. Ao referir-se à formação de professores da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), Freire salienta que o
ato de ensinar e aprender nessa modalidade de ensino não

1 A primeira publicação do texto foi feita na Revista e-Curriculum, São


Paulo, v. 14, n. 1, p. 165-185 jan./mar. 2016
* Mestre em Educação pela Universidade Comunitária da Região de

Chapecó (Unochapecó), onde atua como professora na Licenciatura em


Pedagogia. Participa como pesquisadora do grupo de pesquisa Ensino e
formação de professores, cadastrado no CNPq. E-mail:
suzilc@unochapeco.edu.br.
** Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), atua no PPGE da Unochapecó, é pesquisadora no grupo de


pesquisa Ensino e formação de professores, cadastrado no CNPq. É
professora colaboradora do PPPGECT/UFSC. E-mail:
ridanc.nadir@gmail.com.
148 A atualidade das ideias de Paulo Freire

deve limitar-se a simples técnicas mecânicas de ler e escrever.


É imprescindível uma prática voltada para uma educação
diferenciada, com especificidades do universo do aluno
adulto.
Quanto ao professor da EJA é o mesmo que atua no
ensino fundamental e médio, pois não há exigência de uma
formação específica e, geralmente, tal profissional não teve,
no âmbito das disciplinas da formação inicial, uma discussão
sobre essa modalidade de ensino (MARASCHIN;
BOLLOCHIO, 2005). É imprescindível que professores da
EJA tenham clareza dos desafios a serem enfrentados, pois
historicamente, nesta modalidade, se cruzaram e se cruzam
interesses não consensuais, principalmente quando seu
público é formado por jovens e adultos trabalhadores,
pobres, negros, subempregados, oprimidos e excluídos do
direito à escolarização (ARROYO, 2008).
O documento elaborado pelo MEC (BRASIL, 1999)
sobre os referenciais para a formação de professores da EJA
aponta para a necessidade de professores comprometidos e
que tenham a possibilidade de “elevar a qualidade da
educação”, visando o desenvolvimento do aluno como
sujeito histórico, capaz de responder aos desafios do mundo
globalizado. O mesmo documento destaca a importância de
constituir novas habilidades na formação docente para uma
sociedade em constante transformação e considera, ainda,
que essa formação necessita ter a escola como espaço de
reflexão (BRASIL, 1999). É no cotidiano da escola que
propostas de mudanças devem ser levantadas, discutidas e
concretizadas, para que se possa promover a tomada de
consciência em direção à construção da escola democrática
(SAVIANI, 2000).
Assim, o objetivo deste artigo é analisar, com base
em dados da pesquisa de Cunha (2014), a formação
permanente de professores da EJA, ocorrida durante o
período de 1997 a 2004 no município de Chapecó, no
A concepção freireana... 149

âmbito do Movimento de Reorientação Curricular. A


pesquisa de Cunha (2014) derivou do sub projeto de
pesquisa “O Movimento de Reorientação Curricular em
Teses e Dissertações: a implementação da concepção
freireana em redes públicas de ensino” (DELIZOICOV,
2011), vinculado ao Projeto interinstitucional da Cátedra
Paulo Freire da PUC/SP (SAUL; SILVA, 2011; SAUL,
2014) que investiga a influência da concepção freireana em
redes públicas de educação e articula pesquisadores de várias
regiões do País (SAUL; SILVA, 2011; DIAS; OLIVEIRA,
2013; DELIZOICOV; STUANI; DELIZOICOV, 2013;
OLIVEIRA; RODRIGUES, 2014; SAUL, 2014).
De modo semelhante ao processo formativo ocorrido
em Chapecó, no período referido, vários municípios
brasileiros, por meio de suas Secretarias de Educação,
desenvolveram propostas em sintonia com a concepção de
educação de Freire, que é disseminada em sua vasta obra. Em
Silva (2004) encontra-se uma análise de algumas delas e em
Delizoicov, Stuani e Delizoicov (2013) encontra-se análise de
trabalhos acadêmicos desenvolvidos em instituições
localizadas na região Sul do País que tiveram essas iniciativas
como objeto de estudo.

O CONTEXTO DA PESQUISA

Uma frase de Paulo Freire, “se a educação por si só


não muda o mundo, tampouco o mundo é transformado
sem ela”, foi bem compreendida por cidadãos chapecoenses,
principalmente aqueles que estavam envolvidos no
Orçamento Participativo 2 de 1997, quando se definiu a
Educação como prioridade para o município. Frente aos
investimentos feitos no campo da Educação, Chapecó
tornou-se referência na modalidade de ensino da EJA. Os
2 Programa desenvolvido pela prefeitura municipal de Chapecó como um
instrumento de participação e decisão dos investimentos do município.
150 A atualidade das ideias de Paulo Freire

professores tinham, à época, garantido 20% da sua carga


horária de trabalho para dedicação aos estudos,
planejamento e avaliação das práticas escolares. Esse tempo
de pensar e repensar as questões pedagógicas da escola
permitiu um trabalho coletivo, integrado no sentido de
melhorar a qualidade da educação no município. O processo
de reorganização, a concepção de currículo, a mudança para
uma outra visão de educação, passou a ser denominado de
Reorientação Curricular, que teve na EJA a porta de entrada
e estendeu-se para as outras modalidades de ensino como o
fundamental e a educação infantil (CHAPECÓ, 1998, 2002).
A política educacional, ao organizar e implementar a
Reorientação Curricular, faz uma opção pelas práticas que
levam as instituições escolares a se tornarem espaços de
conscientização e construtores de uma nova cultura
transformadora. O Movimento de Reorientação Curricular
numa perspectiva crítica busca construir, por intermédio de
um processo participativo e inovador, novas práticas
socioculturais (SILVA, 2004). Os estudos e discussões
apontaram para a definição da Educação Popular como eixo
norteador da política educacional em Chapecó:

A organização popular crítica do fazer curricular é capaz


de denunciar e superar a prática construtora de sentidos e
significados identitários hegemônicos, [...] contribuindo
para a transformação participativa da sociedade. Nessa
perspectiva, só movimentos de reorientação curricular
problematizadores podem ser considerados processos de
formação/transformação radical da prática educacional
hegemônica que institui a ideologia da positividade como
forma de legitimar a negatividade social vivenciada pela
comunidade (SILVA, 2004, p. 348).

O Movimento de Reorientação Curricular em


Chapecó envolveu ativamente os educadores e demandou,
na Secretaria Municipal de Educação e Cultura, a realização
A concepção freireana... 151

de eventos, os quais deram início ao programa de formação


permanente. Pode-se citar entre eles o 1o Seminário de
Educação Popular, o 2º Congresso da EJA, o Fórum de
Debates, Ciclo de Formação, Conquistas e Desafio “Um
lugar onde se Constrói Educação com a Participação
Popular” (STUANI, 2010):

A Educação Popular, enquanto opção política da Rede


Municipal de Educação, deve-se ao compromisso com a
democratização da escola pública e a superação do
modelo excludente de educação e para uma nova práxis
educacional comprometida com a transformação da
realidade sociocultural e econômica vigente, tendo a
participação popular como eixo organizador das políticas
públicas de educação (STUANI, 2010, p. 60).

Além de encontros semanais para que o processo de


formação de professores da EJA se efetivasse, outras ações
foram necessárias, tais como: acompanhamento permanente
dos professores pela equipe pedagógica da EJA;
embasamento teórico através de oficinas; estudo de textos
relacionados à Educação Popular na concepção de Paulo
Freire; momentos de estudo e intercâmbio de experiências
vivenciadas; desenvolvimento de pesquisa participante com a
comunidade e com os educandos; seminários com a
participação de alunos professores e palestrantes, estudiosos
de Paulo Freire (CHAPECÓ, 2002).
Na primeira Conferência Municipal de Educação,
ocorrida em Chapecó, no ano de 1997, definiu-se as
diretrizes para a educação do município, na perspectiva da
Educação Popular através da instituição dos Conselhos
Escolares, como órgãos máximo da escola; a eleição dos
membros do Conselho Municipal de Educação; a eleição dos
diretores de escolas e Centros de Educação Infantil
Municipal; e o compromisso de se realizar a conferência de
dois em dois anos (CHAPECÓ, 1998). O documento,
152 A atualidade das ideias de Paulo Freire

produzido a partir da conferência, destaca o desafio em


proporcionar mudanças na educação tradicional até então
em vigor:

Diante de todos os desafios que foram colocados no


decorrer do ano de 1997 com o trabalho desenvolvido na
EJA, percebemos que a superação se dá no fazer, no
confronto, não existindo fórmulas para superar as
dificuldades. O que ocorreu foi vontade de transformar e
criou-se na educação uma rede horizontal de confiança,
onde a sinergia ali produzida de maneira coletiva,
integradora e democrática, proporcionou as ações de
mudança de uma educação que domesticava para uma
educação libertadora (CHAPECÓ, 2002, p. 16).

A EJA se consolidou a partir de 1998 como um


programa permanente, no município de Chapecó, pelo
atendimento à grande demanda que naquele ano chegava a
4.238 alunos matriculados; um crescimento de mais de 100%
em relação ao ano de 1997:

A EJA em 1998, 1999 e 2000 foi reconhecida pelas


fundações FORD e FGV com certificado por mérito
(Medalha de Mérito em Gestão Educacional Anísio
Teixeira) como um dos 100 melhores programas em
Gestão e Cidadania no país (CHAPECÓ, 2002, p. 9).

Os princípios teóricos de Paulo Freire subsidiaram


ações que objetivaram mudanças visando à melhoria na
qualidade da educação, no município de Chapecó.
Apresentamos, a seguir, os encaminhamentos
metodológicos que permitiram obter informações de
professores e coordenadores, que vivenciaram o processo de
formação permanente da EJA, durante o Movimento de
Reorientação Curricular.
A concepção freireana... 153

ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

A coleta de dados se deu por meio de questionário


com perguntas abertas e fechadas; e entrevista
semiestruturada, com o objetivo de aprofundar informações
sobre as compreensões dos docentes a respeito da formação
permanente. Professores que coordenaram o setor da EJA,
durante o Movimento de Reorientação Curricular,
forneceram uma lista com os nomes de 61 docentes; 45
deles foram localizados e a estes se encaminhou os
questionários. O envio se deu por e-mail para 27 professores,
com retorno de apenas seis; dos 18 questionários entregues
pessoalmente retornaram 11. Para todos os professores e
coordenadores que participaram deste estudo foi
encaminhado o termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme exigência do Comitê de Ética.
Do total de 17 questionários foi possível obter as
seguintes informações: 14 professores estavam efetivos em
2013, época da recolha dos dados, atuaram em sala de aula
durante o processo de Reorientação Curricular e
participaram sistematicamente da formação permanente; três
destes coordenaram a equipe da EJA em um determinado
período; um deles tinha cerca de dez anos de docência e os
demais 15 anos de profissão. Esses professores atuam em
distintas disciplinas, tais como Ciências, Geografia, Artes,
Matemática, Língua Portuguesa, Língua espanhola, na
Coordenação da EJA e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. A entrevista semiestruturada foi realizada com
quatro professores, que se dispuseram a colaborar com o
estudo, sendo que um deles foi coordenador. Os professores
estão assim identificados, por exemplo, “EA”, a letra “E”
significa que os dados foram fornecidos através de entrevista
e a letra “A” refere-se ao professor informante. Quando o
professor estiver identificado com uma letra “P”
acompanhada de um número, por exemplo “P1”, significa
154 A atualidade das ideias de Paulo Freire

que as informações foram retiradas do questionário. Os


dados obtidos foram submetidos à análise de conteúdo
(BARDIN, 2009).

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os depoimentos dos professores foram organizados


em categorias determinadas a posteriori, são elas: práticas
pedagógicas; trabalho coletivo e dialogicidade; sujeito do
processo; formação permanente, conforme proposição
estabelecida para análise de dados fundamentados no projeto
(SAUL, 2011).

Práticas pedagógicas

Durante o período de Reorientação Curricular foram


ocorrendo mudanças, uma das mais complexas refere-se à
concepção de educação e à ação pedagógica, pois a intenção
era desconstruir a lógica fragmentada do planejamento e da
ação docente em direção a uma prática

[...] mais contextualizada e coletivizada, onde os


educadores, coletivamente, na condição de sujeitos do
processo pedagógico, a partir da realidade e do
conhecimento científico, constroem o planejamento da
ação docente, e a programação das aulas, de forma que, os
alunos também na condição de sujeitos do processo
pedagógico tenham aprendizagens significativas para a sua
formação cidadã (MAZZIONI, 2004, p. 117).

Uma das grandes alterações foi a proposta do Tema


Gerador (FREIRE, 1983) como orientador das ações
pedagógicas, fundada na concepção da prática
transformadora que determina o diálogo com a realidade
como categoria permanente e constante no ato de conhecer
e reconhecer o cotidiano do educando. Com essa orientação
A concepção freireana... 155

conceitual, a partir das situações concretas, pode-se


organizar o conteúdo programático da educação em diálogo
com os envolvidos, através da proposta de Freire (1983) para
a efetivação da investigação temática.
A proposta político-pedagógica da Secretaria
Municipal de Chapecó identificou, em Paulo Freire, o aporte
essencial para o desenvolvimento de uma prática educativa
libertadora, que tem como princípios a democracia, a
cidadania, a autonomia e o trabalho coletivo. Nessa
concepção, o sujeito é visto como humano pleno de
historicidade e de possibilidades de interação ativa com a
realidade (POLI, 2004).
A abertura para uma mudança se colocou como
ponto de partida para aqueles que optaram por propor
transformações: “É exatamente porque sei que mudar é
difícil, mas é possível que eu me dou ao esforço crítico de
trabalhar num projeto de formação de educadores”
(FREIRE, 2000, p. 96).
Com a definição da concepção freireana, como a
norteadora do processo de formação, deu-se início a um
novo movimento pedagógico, segundo o qual o
conhecimento não é desvinculado da prática que liberta.
Essa mudança demanda uma problematização do
conhecimento, implica fazer uma ruptura com a cultura
pedagógica historicamente construída sob uma concepção
tradicional de educação. Desse modo, novos horizontes
passaram a ser vislumbrados pelos professores:

[...] a gente passou a olhar a educação com outro olhar, a


respeitar mais aquilo que era trazido pelos educandos,
pelos adultos na época, o conhecimento que era trazido e
ressignificado, ele era problematizado junto com eles nos
diferentes momentos de estudo e com certeza todo esse
processo, os momentos de parada que na época eram
semanais contribuíram muito na prática no olhar crítico
da educação e na prática também (EA).
156 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Imagine professores estritamente tradicionais, começarem


a dialogar com alunos, acolher os mesmos, pensar as aulas
a partir de suas necessidades, foi algo revolucionário e
desafiador (P3).

Pelos depoimentos destaca-se que a formação


permanente, na concepção freireana, busca a transformação
não apenas da prática, como muitas vezes é o objetivo de
oficinas ofertadas esporadicamente em cursos de formação
continuada; ao contrário, a formação permanente através da
problematização e das discussões visa alterar a forma de
pensar e agir, portanto, trata-se de um processo lento de
conscientização dos docentes para uma compreensão do por
que e para que mudar.
Assim,

[...] mudou não só a minha prática, mas mudou a minha


vida enquanto ser humano mesmo, eu passei a ver o
mundo com outros olhos, a sociedade com outros olhos
porque ela não mexeu apenas na minha prática enquanto
professora ela mexeu na minha concepção enquanto ser
humano enquanto sujeito inserido neste mundo, um
cidadão, eu sou professora pra quê, eu ensino ciências pra
quê, o que o ensino de ciências vai contribuir pra esse
aluno da EJA (EB).

[...] eu me tornei muito mais sujeito acho que eu cresci


muito, me ajudou muito como pessoa como ser humano...
quem sabe um dia a gente construa uma outra experiência
semelhante, não vamos fazer a mesma experiência, mas
acho que precisa mudar algumas coisas na educação do
município (EA).

Freire (2000) argumenta que não cabe ao professor


conduzir os educandos na direção dos seus sonhos, mas sim
o dever de combater as injustiças, deixando claro que “[...]
mudar é difícil, mas é possível. A consciência de que é
A concepção freireana... 157

possível mudar o mundo é conhecimento indispensável aos


educadores” (FREIRE, 2000, p. 98).
A intensidade de estudos, pesquisas e reflexões, tendo a
prática como ponto de partida, qualificou o trabalho
pedagógico do coletivo de professores da EJA, que passou a
considerar o ato educativo de forma diferenciada da tradicional,
que considera o aluno como o receptor de informações.
Quanto à continuidade do processo de Reorientação
Curricular, como o vivenciado na rede municipal de
Chapecó, os quatro professores entrevistados afirmaram que
teriam a possibilidade de avançar para além daquilo que foi
produzido, pois possuem maior clareza sobre a intensidade e
o objetivo de uma educação segundo os pressupostos de
Paulo Freire:

Participaria com certeza. [...] inclusive teria questões para


sugerir pra avançar em questões de resistência, muita
gente era resistente ao processo e hoje eu teria mais
clareza pra lidar melhor com estas resistências, pra criar
novos espaços de participação [...] (EB).

Sim eu participaria, porque pra mim o programa foi muito


bom, eu posso dizer assim que eu era uma professora
antes do programa e agora sou outra pra mim o programa
foi muito rico em aprendizagem [...] (EC).

Esses depoimentos demonstram que, através de um


trabalho de formação intensivo e organicamente
sistematizado, pode-se vislumbrar mudanças significativas
nas ações docentes, o que requer tempo para uma
conscientização sustentada teoricamente. No entanto,
encontra-se resistência daqueles que, por razões diversas,
inclusive ideológicas, se negam a avançar preferindo
permanecer na zona de conforto na qual se sentem mais
seguros.
158 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Freire (1990) destaca a reflexão e a ação na formação


de professores: “[...] é um movimento realizado entre o fazer
e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no ‘pensar para
fazer’ e no ‘pensar sobre o fazer’” (FREIRE, 1990, p. 85). A
partir do conceito de reflexão, Freire acrescenta duas
categorias: a crítica, que resulta na transformação da
curiosidade ingênua em inquietação indagadora, e a
formação permanente, que pressupõe que nunca estamos
prontos. Um dos objetivos da formação permanente é
possibilitar a articulação teórica com as práticas pedagógicas,
num movimento constante de ação-reflexão-ação,

[...] a construção das questões geradoras realizadas pelo


diálogo entre as diferentes dimensões envolviam o pensar,
o agir e o teorizar a prática num movimento de reflexão-
ação de caráter coletivo (P17).

Freire propõe uma pedagogia dialógica, propulsora


da ação-reflexão, práxis determinante da conscientização,
capaz de possibilitar maior representatividade social do
aluno como cidadão ativo, que se descobre integrante da
sociedade na qual está inserido, renunciando ao papel de
mero espectador, tornando-se agente transformador da
realidade (FREIRE, 1996). No pensamento do autor, o
professor deixa de ser visto como transmissor de
conhecimentos e é concebido como sujeito portador de um
saber teórico e prático que lhe permite enfrentar situações
nem sempre previsíveis e construir respostas para situações
complexas e singulares, um profissional com atitude
investigativa e reflexiva da prática pedagógica. A formação
permanente implica em reflexão crítica da prática pedagógica
e construção de diálogo e respeito pelo saber do educando:

É pensando criticamente a prática de ontem que se pode


melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico,
necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo
A concepção freireana... 159

concreto que quase se confunda com a prática (FREIRE,


1996, p. 18).

A reflexão surge a partir da curiosidade sobre a


prática docente, curiosidade que inicialmente é ingênua e
transforma-se em crítica, na medida em que vai fazendo o
movimento de reflexão sobre a ação com vistas a uma ação
transformadora.
A formação permanente e o trabalho coletivo podem
ajudar o professor a ter maior clareza de seu papel enquanto
educador e, consequentemente, melhorar seu desempenho
como sujeito que ensina e que aprende.

Trabalho coletivo e dialogicidade

Somente nos constituímos como seres humanos no


coletivo e, para tanto, é preciso conviver com o diferente e
aprender que existem pensamentos diferentes dos nossos,
mas que podem agrupar-se em forma de teia de vivências
enriquecedoras para todo o grupo (FREIRE, 1983). A visão
de trabalho coletivo é apontada pelos professores quando
discorrem sobre o forte envolvimento do grupo nas ações
que eram proposta,

[...] participação também dos educadores que trabalhavam


com estes alunos. Envolvimento das direções das escolas
com os responsáveis pela Secretaria de Educação para
melhorarmos a educação dos jovens e pensar um modelo
diferente para atrair os alunos até a escola (P7).

Freire e Shor (1986) afirmam que a educação


libertadora se constitui num estímulo para as pessoas se
mobilizarem, organizarem-se e se “empoderarem”. Os
envolvidos se ajudam num esforço comum de conhecer e
reconhecer o espaço de atuação. O conhecimento é uma
construção social, que está necessariamente interligada ao
160 A atualidade das ideias de Paulo Freire

coletivo. No trabalho coletivo, instigamos o senso da


contradição e da oposição ao outro ser humano, mas
também reafirmamos nossos princípios e concepções.
O planejamento coletivo e interdisciplinar exigia do
grupo envolvido um diálogo constante que, segundo Freire
(1992), é um componente essencial na educação
comprometida com a construção de sujeitos democráticos,
“[...] era o grupo de professores que ia sugerindo por onde a
gente vai andar, eu lembro que a gente estudou alguns
referenciais [...] então a gente foi estudando [...]” (ED).
Freire, assim, compreende o diálogo necessário à
prática educativa:

Diálogo é uma relação horizontal de A com B. Nasce de


uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, da
humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só
o diálogo comunica. E quando os dois pólos do diálogo
se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no
outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então,
uma relação de simpatia entre ambos (FREIRE, 1992, p.
115).

A experiência dialógica estimula o homem a


investigar criticamente o mundo, na intenção de transformá-
lo, a dialogicidade exige que o homem se mantenha em uma
relação de respeito perante a liberdade do outro, portanto,
requer uma relação construída não pela força da opressão e
submissão, mas pela capacidade de dialogar. Não existe
aquele que só ensina e aquele que só aprende, todos são
sujeitos das ideias e comportamentos que vão compor o
todo do trabalho que será produzido (FREIRE, 1996).
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”
(FREIRE, 1983, p. 68).
A concepção freireana... 161

O sujeito do processo

Não é possível conceber a educação sem identificar o


educando como sujeito do ato educativo, identificar não só
um sujeito que conhece, mas que vive, age e constrói
história, determinando os rumos da sociedade. À medida que
os homens exercem sua ação eficaz sobre o mundo, na
intenção de transformação pelo seu trabalho, refletindo
sobre seu fazer, vão tomando consciência de si e do mundo
e se constituindo como sujeito de seu próprio ser (FREIRE,
1992).
Os depoimentos dos professores consideram a
intenção de no processo de formação permanente enfatizar a
necessidade de se organizar, na escola, um espaço de ensino-
aprendizagem que tenha o aluno como sujeito dessas ações:

[...] a gente construía, [...] uma outra perspectiva ... eles se


consideravam sujeitos, os alunos eles tinham um processo
que era interessante de encontro e de diálogo (EA);

[...] os nossos alunos eram muito críticos, os alunos da


EJA eram muito críticos... a gente percebia assim que não
era um estudar para tirar nota [...] era um estudar pra
saber mesmo pra aprender (EB).

A importância de se considerar o conhecimento dos


educandos foi observada no depoimento dos professores,
como:

Levar em conta a realidade do aluno. Conhecer sua


história, entender a sua vivência e junto com ele tentar
transformar a realidade em que vive (que não é fácil)
(P13).

Ouvir os alunos, sentir suas necessidades, ver educação


como um espaço de libertação, gostar de gente, assim
162 A atualidade das ideias de Paulo Freire

como Paulo freire. Partir da realidade e fazer análise


crítica do conhecimento (P7).

Há aspectos profundos na percepção e valorização


dos saberes e cultura popular, pois significa reconhecer a
pluralidade de tempos e espaços, isto é, reconhecer a cultura
como matriz da educação. A EJA constitui espaço rico de
experiências e os saberes dos alunos podem ser
transformados em conteúdos curriculares (ARROYO, 2008).
Não é suficiente que professores e alunos sejam
críticos apenas em relação às situações que os cercam, é
necessário que os conteúdos apresentados na escola estejam
contextualizados à realidade vivenciada pelos alunos e por
outras comunidades (FREIRE, 1990).
O grande desafio de uma educação libertadora é a
renovação constante da prática, de acordo com as
necessidades da população. A Educação para Freire consiste
em um conjunto de valores pedagógicos, um compromisso
com a população que ao longo da história foi sendo
discriminada e excluída da escola.

Formação permanente

Na concepção freireana de educação, a formação do


professor necessita constituir-se permanentemente pelas
próprias demandas de um currículo que é construído a partir
das contradições vividas, pelos educandos e educadores em
seu cotidiano. Essa concepção desencadeou modificações
significativas na forma de trabalhar com o público da EJA,
na firme intenção de superar a concepção dessa modalidade
como suplência ou como reforço (CHAPECÓ, 1998). Para
Freire (1996), formar vai além do movimento de puramente
treinar o educando. É preciso se colocar como sujeito em
constante transformação num movimento permanente de
procura e de curiosidade.
A concepção freireana... 163

A definição pela concepção freireana de educação,


adotada pelo Movimento de Reorientação Curricular,
segundo os professores, deu-se por entenderem que ela
apresenta características necessárias para responder às
problemáticas enfrentadas no cotidiano da escola:

A opção por freire veio primeiramente por uma visita a


uma experiência lá da EJA de Porto Alegre e a EJA de
POA trabalhava a partir de Freire, mas a concepção
freireana veio mesmo a partir dos próprios princípios
organizados nos PPC’S das escolas que se pautavam em
alguns princípios como democracia, trabalho coletivo,
cidadania e autonomia além de toda uma inclusão social
de uma parcela da população [...] então a concepção
freireana ela só veio responder a uma demanda teórica
que nós tínhamos e ela veio responder com a prática [...]
(EB).

[...] buscando assessoria porque na verdade também todos


os componentes da secretaria nunca passaram por um
processo de formação [...] foi um processo de diálogo, de
leituras, de visitas de formação e assessoria de outras
administrações então essa definição foi exercitando esse
diálogo (ED).

O grupo de professores compreendeu que a


concepção freireana apresentava importantes subsídios para
orientar o Projeto Político-Pedagógico da rede, bem como
orientar uma proposta capaz de promover transformações
no processo de ensino-aprendizagem de sujeitos adultos:

Tinha uma proposta definida e era essa que estudávamos,


o estudo era constante, toda semana, fomos visitar
experiência em Porto Alegre de educação de jovens e
adultos. O que mais marcou foi que, durante este período
que trabalhei na EJA, aprendi mais com a formação mais
do que com meu tempo de faculdade (P9).
164 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Na afirmação do professor (P9), pode-se destacar


que a experiência vivenciada forneceu subsídios não só para
a atuação docente, mas para a formação do ser humano
como cidadão que ensina e que aprende. Na formação
permanente não basta refletir sobre a prática pedagógica, é
necessário refletir criticamente de modo contínuo e
permanente, é um movimento apoiado em uma teoria
consistente para que professores em formação possam
visualizar possibilidades de mudanças.
Algumas dificuldades e desafios enfrentados durante
o processo do Movimento de Reorientação Curricular foram
apontados pelos professores, tais como: a resistência inicial
de docentes para envolverem-se em um processo
diferenciado e ter que repensar as práticas escolares:

Houve resistência, sim, por medo do novo, por falta de


consciência, por não acreditar e pela concepção de
política de cada um. [...] Outros continuaram resistindo e
fazendo por fazer o seu trabalho [...] (P17).

Implantar o próprio processo foi desafiador. Era mexer


com uma realidade arraigada, viciada, acomodada e ‘exigir’
que lêssemos, discutíssemos, produzíssemos,
planejássemos juntos. E ‘o sair do território’ onde nos
achávamos experts, [...], foi doloroso, aliás, muitos não
saíram, outros faziam de conta, mas a maioria bancou
esse projeto depois que compreendeu (P11).

Alterar a prática demanda tempo e conscientização,


por exemplo, Delizoicov (1995) analisa uma amostra de
professores de ciências naturais que participou do processo
de formação permanente de professores, sob os princípios
de Paulo Freire, ocorrido na Secretaria de Educação do
Município de São Paulo no período de 1989/1992. São
caracterizadas práticas educativas desses professores o que
permitiu distinguir três grupos com práticas que se
A concepção freireana... 165

diferenciam entre si. Assim, identificou-se alguns docentes


que conseguiram alterar significativamente suas práticas
pedagógicas, esses foram considerados professores
transformadores; outros por razões diversas não
conseguiram alterar a forma de pensar e dirigir a prática
docente, constituindo o grupo de professores não
transformadores; aqueles cujas práticas apresentavam
avanços, mas tinham resquícios das práticas tradicionais,
constituíram os professores que se encontravam em
transição.
A reflexão sobre as dificuldades enfrentadas nos
movimentos pedagógicos, segundo Silva (2004), contribui
para repensar os limites e as possibilidades das práticas; a
mudança implica, necessariamente, em mudar a cultura. Os
professores possuem uma bagagem de conhecimento e
certezas sobre a prática docente, decorrente de sua própria
história de vida e têm resistência em mudar o que está
cristalizado.
Outra dificuldade apontada pelos professores foi a
forma impositiva da equipe diretiva ao bom
desenvolvimento do trabalho:

Algumas coisas não eram bem aceitas pelo grupo, mas


eram questões burocráticas e outras eram meio que
impostas por diferenças de concepções de educação e
sociedade, alguns não aceitavam por exemplo a avaliação
descritiva, que hoje também avalio que poderia ter sido
diferente [...] (P13).

Foi um processo que posso definir como contraditório,


maravilhoso e dolorido. Dolorido, pois fomos forjadas
como ferro com fogo e marteladas, explico, tanto na
minha formação como na das colegas, na formação
universitária não foi estudado Paulo Freire [...]
Maravilhoso por revelar outra realidade e por me ter
166 A atualidade das ideias de Paulo Freire

construído como sujeito e possibilidade de organização e


transformação (P10).

Freire (1990) adverte que o homem precisa fazer a


sua opção, e não pode ser um sujeito neutro: ou adere à
mudança ou fica a favor da permanência. Quando isso não
ocorre, não significa que a minha ideia será imposta, pois se
proceder desta forma, mesmo sendo a favor da libertação e
da humanização, trabalhará de forma contraditória e
manipuladora atuando para uma educação domesticadora.
O processo de formação dos professores apresentou
avanços gradativos buscando a superação de metodologias e
concepções tradicionais de ensino. Os desafios que se
apresentaram foram frutos de uma experiência em
construção com suas limitações e contradições. A
dificuldade em trabalhar com uma concepção totalmente
diferente daquela que orientava as ações que vinham fazendo
como profissionais da educação foi apontada pelos docentes
como um dos grandes desafios que tiveram que enfrentar. A
concepção tradicional de educação estava impregnada na
prática docente que precisava ser transformada:

[...] lembro que a maior dificuldade era a mudança ‘de


tudo o que eu tenho pronto’ agora tudo precisa ser
construído com o aluno [...] isso foi muito difícil. [...] a
formação continuada me desafiou a estudar mais
profundamente, produzir os textos para trabalhar com os
alunos deixando um pouco de lado os livros didáticos
(P8).

A educação tecnicista e tradicional perdura há


décadas na educação brasileira e encontra-se impregnada no
fazer cotidiano dos professores. Há predominância do uso
do livro didático que determina o currículo escolar, com
aulas sempre iguais independente das características ou da
idade dos alunos:
A concepção freireana... 167

É verdade que há professores tradicionais que sabem


ensinar os alunos a aprender dessa forma, a maioria deles
não se dá conta de que a aprendizagem duradoura é
aquela pela qual os alunos aprendem a lidar de forma
independente com os conhecimentos (LIBÂNEO, 2001,
p. 1).

As práticas pedagógicas de uma parcela considerável


de professores baseiam-se em modelos e fórmulas prontas,
que podem ser reproduzidas para contextos diferentes. Para
mudar é preciso saber o porquê e para que se deseja mudar,
a consciência dos professores no sentido de trabalharem de
acordo com as necessidades de aprendizagem de seus alunos
indica o compromisso com seu trabalho na busca por um
ensino de qualidade (MARQUES, 2000). A sociedade é por
si contraditória e requer repensar a formação de homens
capazes de transformar a sociedade, em que o fazer torna-se
ação e reflexão, práxis pedagógica, caracterizada pela ação
transformadora.
Portanto,

[...] você, eu, um sem-número de educadores sabemos


todos que a educação não é a chave das transformações
do mundo, mas sabemos também que as mudanças do
mundo são um que fazer educativo em si mesmas.
Sabemos que a educação não pode tudo, mas pode
alguma coisa. Sua força reside exatamente na sua fraqueza.
Cabe a nós pôr sua força a serviço de nossos sonhos
(FREIRE, 2006, p. 126).

Uma formação permanente e sistematicamente


organizada terá maior possibilidade para conscientizar o
professor do seu papel enquanto educador e da necessidade
de uma ação pedagógica com vistas à formação de cidadãos
autônomos e críticos que vislumbrem transformações
sociais.
168 A atualidade das ideias de Paulo Freire

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Movimento de Reorientação Curricular do


município de Chapecó, foco deste artigo, buscou alterar a
prática tradicional de educação, centrada em conteúdos
disciplinares tendo o professor como detentor do saber, em
direção a uma concepção de educação libertadora, de uma
concepção dialógica de ensino-aprendizagem, ao se valorizar
os saberes dos alunos, tendo o Tema Gerador como o
desencadeador dos conhecimentos necessários para a
compreensão da realidade; assim, são discutidos os
conhecimentos sistematizados que fazem sentido para os
educandos.
O recorte que fizemos neste artigo, sobre
Movimento de Reorientação Curricular, foi a formação
permanente de professores de EJA ocorrida no município de
Chapecó, entre os anos de 1997 a 2004, privilegiando a
análise dos seguintes aspectos: as práticas pedagógicas, o
trabalho coletivo e a dialogicidade, o aluno como sujeito do
processo educativo e a formação permanente.
No processo de formação permanente da EJA, a
resistência às ações para a implementação da proposta de
Reorientação Curricular foi apontada, pela maioria dos
professores, como um dos maiores problemas enfrentados
no desenvolvimento da experiência de formação, uma vez
que a concepção freireana de educação não era algo do
cotidiano das escolas e tão pouco esteve presente na
formação inicial de boa parte dos professores. Mudar a
forma de trabalho, depois de anos de formação e de práticas
tradicionais, não foi tarefa fácil.
Para a efetivação de um processo inovador, torna-se
essencial ter clareza sobre os pressupostos de uma educação
emancipadora, assim é possível compreender a dificuldade e
a resistência de muitos professores, uma vez que nem todos
tinham conhecimento da pedagogia freireana. O sistema de
A concepção freireana... 169

avaliação foi outro aspecto questionado pelos docentes que


participaram deste e de outros estudos. Portanto, merece ser
repensada e analisada a forma como a avaliação se colocou
no cotidiano da atividade escolar, uma vez que é apontada
como um fator de comprometimento da aprendizagem do
aluno.
Esperamos que os limites e as possibilidades
enfrentadas, entre outros aspectos do estudo, possam
subsidiar iniciativas que tenham a concepção freireana de
educação como eixo direcionador de práticas
transformadoras.

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174 A atualidade das ideias de Paulo Freire
A concepção freireana... 175

PARTE III – EXPERIÊNCIA FREIREANA NOS


DIVERSOS NÍVEIS DE ENSINO
176 A atualidade das ideias de Paulo Freire
I

O MOVIMENTO DE REORIENTAÇÃO
CURRICULAR VIA TEMA GERADOR: UM NOVO
OLHAR PARA EDUCAÇÃO INFANTIL

Isabel Spingolon Azambuja


Eloísa Acires C. Rocha

INTRODUÇÃO

O presente texto é um recorte da dissertação de


mestrado intitulada: “Currículo de Educação Popular para a
Educação Infantil: limites, tensões e possibilidades a partir
da experiência do município de Chapecó”, orientada por
Eloisa Acirres C. Rocha, em 2009. O texto analisa a
orientação do currículo popular crítico do município de


Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina em
2009. Pedagoga pela Universidade do Oeste de Santa Catarina
(UNOESC) em 1997 e em 1999 especializou-se em Educação Infantil
Ensino Fundamental de 1º a 4º série também pela UNOESC. Trabalhou
na Secretária Municipal de Educação na Implantação da Proposta
Político-Pedagógica de Educação Popular na Gestão de 1997 a 2004,
atuando no departamento de Educação Infantil.

Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas em
1999 e em 2004 realizou estágio pós-doutoral no Instituto de Estudos da
Criança (IEC) na Universidade do Minho, Portugal, no qual aprofundou
estudos sobre a Sociologia da Infância e Estudos da Criança. No ano de
2011 realizou estágio pós-doutoral na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro sob supervisão de Sonia Kramer, no qual buscou
localizar as marcas da invenção da docência na Educação Infantil no
Brasil, entre o século XIX e XX. Tem desenvolvido pesquisas em torno
da produção científica da Educação Infantil e suas interlocuções
disciplina. Recentemente participou da Comissão de Especialistas em
Avaliação da Educação Infantil.
178 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Chapecó (SC), na gestão de 1997 a 2004, e as implicações


teóricas e práticas da pedagogia freireana para a Educação
Infantil.
A pesquisa foi realizada por meio de análise de
documentos, definindo-se categorias para subsidiar o
desenvolvimento da análise, no sentido de identificar as
principais indicações teóricas e práticas que orientam a
organização do currículo para a Educação Infantil. No
andamento deste trabalho, organizou-se um percurso de
pesquisa que explicitasse os desafios e tensões, no
movimento de organização curricular, realizado neste
município para a construção pedagógica na Educação
Infantil, tornando-se pertinentes as teorizações da
concepção de currículo, currículo na Educação Infantil e a
contextualização histórica dessa modalidade, neste
município.
Azambuja (2009) destaca que, no percurso da
Educação Infantil em Chapecó, ocorrem mudanças,
definições e redefinições da função e papel. No caminho “da
guarda das crianças”, “assistência”, debates teóricos e
práticas sobre “educação”, certos conceitos são inquietantes
na ação pedagógica. Processos estes que fundamentaram
teoricamente práticas e contexto das creches e pré-escolas.
A partir de 1997, na troca de governo municipal, a
coligação “Prá Frente Chapecó” vence as eleições e,
caracterizando-se como um governo democrático e popular,
deu início a um processo de discussão e implementação de
ações com o princípio da participação, criando ações como
Orçamento Participativo (OP) no município. A Secretaria de
Educação de Ensino aposta numa proposta político-
pedagógico denominada “Educação com Participação
Popular”, fundamentada nos princípios de democracia,
cidadania, autonomia, trabalho coletivo e sensibilidade
social.
O movimento de reorientação... 179

Numa breve retomada da história da Educação


Infantil, pode-se perceber que veio se construindo no Brasil
políticas de caracteres diversos, assistencialistas, escolar,
higienista, compensatória, psicológica, religiosa mesclada
com reivindicações no contexto da sociedade, já
identificadas por Kuhlmann Jr. (2007b) e Kramer (1995a).
Para esses, as modificações sociais, culturais, políticas,
epistemológicas educacionais vivenciadas pela sociedade
evidenciaram retratos de crianças, concepções e formas
diferenciadas de atendimento, pautadas em diferentes
ciências. Delinearam contextos pedagógicos influenciando a
construção do currículo, programas e propostas educacionais
dirigidas às crianças menores de seis anos.
Nesse movimento de entrelaçar interesses
educacionais e políticos, no Brasil, vários municípios e
estados vêm implementando projetos de gestão pública
voltados para a educação, nos últimos anos, de caráter
curricular de educação diferenciado.
A partir de 1997 até 2004, a educação municipal de
Chapecó passa a ser construída e vivenciada sob o processo
educacional que tem como concepção a Educação Popular.
Os vários momentos de discussões foram norteando a
formação continuada dos professores e coordenações
pedagógicas da Educação Infantil, construída através das
discussões do Currículo Popular Crítico.
Porém, a necessidade de aprofundar a especificidade
gerou o diferencial, imprimindo a compreensão de que a
organização coletiva dessa caminhada necessitava de
planejamentos, de pautas, organização de oficinas
pedagógicas e seminários e formação permanente de todos
os sujeitos que fazem parte do cotidiano da instituição
pública denominada Centro de Educação Infantil Municipal
(CEIM). A perspectiva organizada nesse período
impulsionou necessidades de construir e reconstruir práticas
cotidianas.
180 A atualidade das ideias de Paulo Freire

As inquietações sobre como se realizava o trabalho


na Educação Infantil, anterior à gestão popular, que
perspectivas e que mudanças têm ocorrido na área
implicaram em problematizações: qual o ponto de partida do
currículo e do planejamento, uma vez que se avaliava a
necessidade de ser o mais próximo possível da criança, da
família e da comunidade impulsionaram a trajetória da
Educação Infantil, neste período. À medida que as
discussões eram ampliadas, em torno da Educação Popular,
a partir da política da Secretaria Municipal de Educação e
Cultura (SEC), questionava-se o papel social dos Centros de
Educações Infantis, impulsionando outros referenciais
pedagógicos, prescrevendo um Currículo Popular Crítico,
numa perspectiva freireana.
Azambuja (2009) destaca que o movimento de
reorientação curricular, nos diferentes níveis de ensino,
especificamente na Educação Infantil, iniciou-se por debate
para discutir tempo, espaços, sujeitos, conhecimento,
currículo, pesquisa (a realidade vivida pela criança e
comunidades, a família no conjunto social, político e
econômico da cidade e do país) a partir da comunidade
escolar, que demandava a reorganização da prática, na qual a
problematização, o diálogo, o coletivo, o compromisso com
a emancipação dos diferentes sujeitos envolvido permeavam
as discussões no cotidiano, como também a reflexão sobre
uma Educação Infantil que se distanciasse das propostas
assistencialistas, compensatórias, espontaneístas ou
identificadas com instituições de ensino fundamental.
Neste movimento, era necessário fundamentar e
implementar uma política educacional na teoria crítica na
práxis da Educação Popular, em que o compromisso com a
emancipação orienta o fazer dialógico direcionado à
Educação Infantil; na qual observar e problematizar
situações do cotidiano pedagógico, como a intencionalidade
do papel social dos espaços públicos de atendimento às
O movimento de reorientação... 181

crianças de zero a seis anos, a rotina o planejamento, o


brinquedo, a brincadeira, o conhecimento, bem como a ética
e o compromisso com a comunidade escolar fizeram parte
do processo.
O desafio para aquele momento era caminhar na
implementação da proposta na Educação Infantil, pois o
legado teórico de Educação Popular, no decorrer da história,
tem apontado experiências populares com adultos, mas que
se inscrevem na consolidação metodológica possível e
pertinente ao mundo infantil.
Esse movimento de reorientação curricular,
fundamentado e implementado a partir de uma proposta
educacional na teoria crítica, na práxis da Educação Popular,
comprometida com a emancipação orienta um currículo
direcionado à Educação Infantil. A escolha por analisar o
currículo popular dá-se, em parte, pela seguinte inquietação:
De que forma um projeto particular de educação de um
governo popular representa uma ruptura com os modelos
pedagógicos convencionais; e quais as bases teóricas,
políticas e pedagógicas e as implicações para as orientações e
práticas indicadas na Educação Infantil?

METODOLOGIA

A análise da proposta freireana do município de


Chapecó teve como objetivo identificar os conteúdos,
pressupostos pedagógicos e suas implicações para
orientações didáticas e práticas para a Educação Infantil, no
período de 1997 a 2004. A escolha de metodologia de
investigação consistiu em uma das etapas significativas deste
processo. Este movimento se deu por amostragem
probabilística que orienta escolhas documentais e revela o
contato com o objeto de estudo (BECKER, 1994) tomando,
como base de análise, os documentos oficiais produzidos e
182 A atualidade das ideias de Paulo Freire

divulgados no âmbito da Secretaria de Educação, naquela


administração municipal.
A pesquisa em questão teve como objetivo geral
extrair e analisar os conteúdos, as bases teóricas e as
diretrizes e orientações curriculares para a Educação Infantil.
Teve como objetivos específicos mapear os contextos
históricos do atendimento à Educação Infantil no município;
identificar os pressupostos pedagógicos da proposta
freireana do município de Chapecó e suas implicações nas
orientações didáticas e práticas para a Educação Infantil.
Para a realização do presente trabalho, inicialmente,
fez-se uma busca dos documentos emitidos pela Secretaria
de Educação, constituindo um inventário daqueles que
abarcaram a reorientação curricular no município, no
período de 1997 a 2004. Azambuja (2009) sistematiza este
inventário no qual permitiu organizar um quadro síntese de
documentos gerais, do processo político-pedagógico da
educação e um específico de documentos da Educação
Infantil. Esses quadros registram: tipo do documento, local
de publicação, participantes, título, conteúdo e número de
páginas.
De forma geral, os conteúdos desses documentos
expressaram as orientações da Secretaria Municipal de
Educação, em relação ao processo de reorientação curricular,
orientações e diretrizes para a construção do Projeto
Político-Pedagógico, impressos com pautas de orientações
pedagógicas, construídas durante o processo de formação
continuada; textos, relatos das oficinas que visavam orientar
a construção de um programa de ação, a partir de uma
proposta. Esta proposta de orientação interdisciplinar
orientava-se por um desenvolvimento curricular em torno de
temas geradores na formação continuada, como eixo do
próprio movimento de reorientação curricular.
Neste levantamento, considerou-se pertinente, para o
estudo e para dar concretude à análise, incluir as revistas
O movimento de reorientação... 183

publicadas pela administração municipal com textos da


política de educação e do movimento de reorientação
curricular. Feito esse levantamento, optou-se por
documentos publicados e produzidos, oficialmente, sobre o
movimento de reorientação curricular e os que tratavam,
especificamente, da Educação Infantil.
Com a sistematização do conjunto dos documentos
em quadros, foi possível observar que documentos
pertinentes ao movimento de reorientação geral para a rede
municipal referiam-se e dirigiram-se à Educação Infantil.
Desta forma, o corpus de análise, constituído após leitura
geral de todos os documentos, tomados como referência
para este estudo, está distribuído em textos de revistas e no
Projeto Político-Pedagógico da Educação Infantil da Rede
Municipal de Chapecó, como mostra o quadro 3.

Quadro 3 – Corpus de análise


Documentos Objeto
Marco Referencial: Síntese do movimento das discussões na rede
Marco Situacional e municipal e do referencial político-pedagógico
Princípios (1997) educacional.
Revista Ler e
Sistematização dos princípios pedagógicos que
Escrever a Realidade
orientam a ação; a prática da Educação Popular
para Transformá-la
na Educação Infantil.
(1998)
Sínteses do processo da Proposta de Educação
Popular: as práticas vivenciadas como
Revista Educação de
organização coletiva formação de educadores;
Jovens e Adultos
Tema Gerador, processo interdisciplinar;
(1998)
avaliação; problematização da prática
pedagógica.
Proposta Pedagógica
da Educação Infantil Sistematização do Projeto Político-Pedagógico
da Rede Municipal da Educação Infantil.
de Chapecó (1999)
Revista Educação Sistematização: Educação com Participação
com Participação Popular; Democratização da Educação,
Popular (2000) Democracia como princípio, meio e fim;
184 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Educação Infantil, uma política educacional de


fato; Tema Gerador uma revolução no fazer
pedagógico.
Revista em
Discussão a
Síntese dos debates em torno das orientações do
Educação Infantil
Departamento de Educação Infantil.
Pública de Chapecó
(2004)
Fonte: elaboração das autoras.

Partindo de alguns pressupostos descritos por Vala,


(1999) a finalidade de análise de conteúdo é efetuar
inferência sobre as mensagens inventariadas e que permitam
a passagem da descrição à interpretação com base nos
objetivos e no objeto de pesquisa. Após leitura dos textos,
foi organizado o seguinte sistema de categorização dos
conteúdos dos documentos, com o objetivo de identificar os
princípios e orientações educativas gerais e específicas da
Educação Infantil, como mostra o quadro 4, sistema de
categorização.

Quadro 4 – Sistema de categorização


Definições das
Categoria Subcategoria
categorias
A.1 Alusões à expressão
participação, que traduz
orientações no
A.1 Participação como desenvolvendo da prática
eixo direcionador da dos sujeitos na execução
A. Participação educação e decisões da educação.
como princípio
da democracia A.2 Práticas do A.2 Definição das
processo de estratégias e referenciais
participação pelos quais a educação
passa a se construir como
processo coletivo e
democrático.
B. Currículo B.1 Bases teóricas do B.1 Referências da
popular crítico Currículo Popular abordagem teórico
O movimento de reorientação... 185

Crítico para Educação curricular que originaram


Infantil práticas, discussões nas
instituições infantis que
contextualizaram o
Currículo Popular Crítico.
C.1 Afirmações,
referências que revelam
em que medidas são
consideradas e
concebidas a
criança/infância no
processo educacional.
C.1 Criança/Infância
C.2 As referências
C.2 Desenvolvimento/ abordadas em relação ao
aprendizagem desenvolvimento e
aprendizagem na
C. Educação C.3 Diretrizes Educação Infantil.
Infantil Pedagógicas
C.3 As referências e
C.4 Processos, diretrizes educacionais da
procedimentos Educação Popular
pedagógicos para a pertinente para a
Educação Infantil Educação Infantil.

C.4 Que procedimentos


pedagógicos se inscrevem
para Educação Infantil
numa proposta de
Educação Popular com
uma abordagem freiriana.
Fonte: elaboração das autoras.

CATEGORIAS DE ANÁLISE

Para análise do movimento de reorientação


curricular, via Tema Gerador um novo olhar para educação
infantil, optou-se como foco as categorias da Educação
Infantil: “as crianças e a infância” e a categoria “Processos,
procedimentos pedagógicos para a Educação Infantil”. A
186 A atualidade das ideias de Paulo Freire

escolha por essas duas categorias de análises neste texto se


inscreve pela necessidade de ressaltar o processo vivido num
período particular de educação popular com inserção na
Educação Infantil com perspectiva freireana; e por
considerar que parte do processo praxiológico tinha como
intenção problematizar conceitos vivenciados em relação ao
sujeito principal dessa política educacional “a criança”, na
formação dos educadores com uma organização pedagógica,
de reconhecimento do espaço público ocupado pela
comunidade. É a partir desta análise e desta proposição
educativa que se buscou as orientações conceituais das
discussões sobre Educação Infantil: as crianças e a infância e
Processos, procedimentos pedagógicos para a Educação
Infantil.

Criança/infância

A caracterização de criança/infância, dentro de um


projeto particular de educação denominada Educação
Popular, expressa uma perspectiva de sujeito como: uma
criança cidadã, sujeito ativo e participante da construção de
sua história, enfim, crianças ativas, autônomas, pensantes,
que se organizassem nos valores da sensibilidade e do amor.
Também situa a criança como sujeito sócio-histórico, no dia
a dia, no contexto histórico, social e econômico, sujeito em
pleno desenvolvimento.
Na análise geral, o desenvolvimento/aprendizagem
enfoca a necessidade de compreender como a criança
aprende como o adulto percebe suas capacidades, o papel da
interação, a mediação ensino-aprendizagem, o papel da
linguagem do brinquedo e da brincadeira. Essas perspectivas
levantadas quanto à criança e à infância, naquele período,
podem ser lidas na Revista Ler e Escrever a Realidade para
Transformá-la (CHAPECÓ, 1998b, p. 22); durante os
encontros de formação procurou-se identificar o conceito de
O movimento de reorientação... 187

criança numa proposta de educação popular. No documento


Proposta Pedagógica da Educação Infantil da Rede Municipal de
Chapecó (CHAPECÓ, 1999, p. 17), a criança é compreendida:

A infância, na perspectiva de Educação Popular, é


entendida num contexto histórico, político, social,
econômico onde a criança é um sujeito de direito e em
pleno desenvolvimento desde o nascimento, que não
aguarda nenhuma etapa, idade ou período. Uma criança
presente, e que tem consciência de seu passado, conhece
seus opressores e constroem seus heróis e que transforma
suas ações cotidianas nas relações sociais estabelecidas
com os outros.

As indicações trazem presente o mundo real da


criança, onde vive, em que condições se encontram no
mundo da produção material da existência, na organização
comunitária e na ampla da sociedade. Por isso, compreender
a criança a partir do olhar das ciências, sem compreendê-la
em seu contexto social e no mundo da produção concreta da
vida, pode levar a um reducionismo da prática pedagógica e
padronizar o comportamento. Desta forma, situa-se a
necessidade de olhar as crianças e a infância dentro do
contexto histórico, político, social e econômica. Ter presente
essa e outras análises implica no caráter e desenvolvimento
de uma ética pedagógica. É uma forma de olhar esse sujeito
existente no mundo e quais perspectivas a seu respeito são
traçadas para a autonomia com potencial de criação
participante ou para consumidor.
Como afirma Franco (2002, p. 11):

Sendo a infância uma construção histórico-social é


impróprio ou inadequado supor a existência de uma
população infantil homogênea, pois o processo histórico
faz perceber diferentes populações infantis em processos
desiguais de socialização.
188 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Os registros das crianças das classes populares,


segundo Kuhlmann Jr. (2007b, p. 28), “[...] estão num amplo
conjunto de documentos no âmbito da vida pública,
envolvendo as iniciativas destinadas ao atendimento aos
pobres e trabalhadores”.
Considerar esse recorte na Educação Infantil
imprime a necessidade de olhar nessa história, a história da
criança, quem é esse sujeito, na possibilidade de reconhecê-la
nas relações sociais, seu lugar, seu tempo, sua cultura na
construção histórica da humanidade, na busca de uma
identidade da criança na sua singularidade, identidade social.
Quem realmente é essa criança que vem para a instituição
infantil, de compreender e analisar aquilo que é a sua
realidade.
Fazer no cotidiano pedagógico espaço que a ouça
que possa exercer seu jeito de ser criança na escolha, nas
decisões e nos interesses. Uma prática pedagógica que
considera o sujeito-criança histórico precisa estar atenta a
esse fazer pedagógico. Segundo Kuhlmann Jr. (2007b, p. 31):

Pensar a criança na história significa, [...] perceber que as


crianças concretas, na sua materialidade, no seu nascer, no
seu viver ou morrer, expressam a inevitabilidade da
história e nela se fazem presentes, nos seus mais
diferentes momentos.

O processo de orientação pedagógica pautava-se na


pertinência dada às bases das ciências, mas, principalmente,
na sistematização da realidade social através de pesquisa,
compreendida como ponto de partida, instrumento
problematizador para a organização de temas geradores na
construção do planejamento.
Passar então a entender a criança, a partir do
contexto, representa admitir que ela não aprenda sozinha,
que necessita das relações sociais, da cultura, de espaços que
sistematize conhecimento que inclua a sua participação
O movimento de reorientação... 189

como sujeito histórico. Neste sentido, Rocha (1999) chama a


atenção à necessidade de compreender o conhecimento
pedagógico a partir da contribuição das diferentes áreas, para
fornecer bases ao processo de produção do saber e
compreensão das influências de contextos e
desenvolvimento humano.

Processos, procedimentos pedagógicos para a Educação Infantil

A partir da história da Educação Infantil no Brasil,


pode-se verificar os diferentes contornos e interpretações
que marcam momentos de grande importância na afirmação
de políticas implementadas para essa área. E serviram de
referência no delineamento de práticas introduzidas nas
ações educacionais locais, gerando ordenamento e diferentes
contornos curriculares e expressando diretrizes e bases
educacionais.
Em relação às orientações pedagógicas, Chapecó
vivenciou na administração, gestão de 1997 a 2004, uma
experiência de Educação Popular. Esse processo se deu por
opção de uma Educação com Participação Popular. Os
princípios e diretrizes dessa educação deram o Norte ao
Projeto Político-pedagógico da rede municipal, gerado a
partir de problematizações e diagnósticos da realidade
municipal apontando para uma Educação Infantil que se
distanciasse do debate e prática local com perspectivas
espontaneístas, compensatória e assistencialista.
Num processo embasado em observações das
práticas e tendo como referencial a Educação Popular
Participativa. Com muitos desafios, limites e tensões, a partir
da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, iniciou-se uma
ampla discussão, envolvendo professores(as),
coordenadores(as), pais e crianças, a pedagogia adotada nas
instituições públicas do município de Chapecó, o currículo,
revendo os tempos, os espaços, os conteúdos, a formação. À
190 A atualidade das ideias de Paulo Freire

medida que crescia o debate filosófico e pedagógico da


Educação Popular, indicações e possibilidades concretas de
ter as crianças e comunidade escolar como sujeitos da prática
de uma educação transformadora, acentuavam-se
necessárias.
Tais questões pautam-se em Freire (1998, p. 77):
“Toda prática demanda a existência de sujeitos, um que
ensinando aprende outro que aprendendo ensina”. Neste
sentido, consolidar uma prática em que as crianças e os
educadores envolvidos fossem de fato parte da ação
pedagógica, requer a dialogicidade que, segundo Freire
(2000, p. 53), “[...] quando o educador-educando se
encontram em uma situação pedagógica, quando aquele se
pergunta em torno do que vai dialogar com este”. Este
processo pedagógico problematizador requer uma busca de
conhecimento sobre o mundo em que se encontra o sujeito.
Foi pautando-se nas ações vivenciadas e cotidianas,
na história e na realidade da criança, de suas famílias e
comunidade, que se buscou material concreto para o
planejamento. São nesses primeiros contatos sociais e
culturais da criança que, imersa no contexto da sociedade,
trazem um universo de temáticas pertinentes a serem
problematizadas e estudadas nos Centros de Educação
Infantil.
As indicações para a Educação Infantil pautaram-se,
então, nas ideias de que as representações feitas às crianças
sobre o mundo do trabalho e as práticas de vida, de
mudanças, de transformação podem estar na caminhada,
como escreve Freire (1979), da heteronímia para autonomia
e que se materializam as formas de como o outro se expressa
com elas, no gesto, na fala, no dar, no ter, no ser, nas
significações do mundo físico, material e social, das relações
que se estabelece, da troca adulto/criança, na prática de
concebê-las sujeito ou não, que pensa com natureza infantil,
O movimento de reorientação... 191

que é expressa por ela na fala, gestos ou palavras e no


brincar.
Afirma-se, também, a Educação Infantil como
espaço público e coletivo que reúne a infância num mesmo
espaço e tempo, que precisa construir um olhar diferenciado
da criança, pois as mudanças que estão em curso no país, as
relações de trabalho, as formas de organizações sociais e
culturais e de produção reordenam necessidades e
impulsionam o olhar, o sentimento, as relações dos sujeitos
em seus contextos.
Esse meio, no qual a criança vive e atua, segundo
Muniz (1999), apresenta-se para Vygotsky como um lugar
carregado de significados, carregado de ideologia, história e
cultura, em que não cabe pensar num ser abstrato,
naturalizado. O aprendizado humano “[...] pressupõe uma
natureza social específica e um processo pelo qual as
crianças penetram na vida intelectual daqueles que a cercam”
(MUNIZ, 1999, p. 258). Esse movimento precisava ser
registrado, analisado, problematizado.
Um referencial construído para a elaboração de
pesquisa socioantropológica foi sendo construído, a partir da
necessidade existente nos coletivos de professores durante o
processo de formação continuada, como também, à medida
que se aprofundava o debate sobre a especificidade infantil,
outras necessidades impulsionavam o trabalho nos
momentos de parada para planejamento. Construíram-se
pautas para estudo e reorganização da prática pedagógica
com atenção às diferenciações entre o jeito de planejar para
berçário, maternal e pré-escola, compreendendo os sujeitos
nas suas necessidades a partir de seus referenciais sociais.
Em síntese, esse movimento buscou,
fundamentalmente, partir de necessidades práticas,
desencadeando uma orientação curricular na Educação
Infantil, considerando os sujeitos: criança, comunidade,
professores, servidores e famílias no processo educacional.
192 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Para referenciar essa categoria, destaco os cinco


momentos da investigação temática levantada por Silva
(2004), por representar o desenvolvimento da prática
pedagógica, vivida no período de 1997 a 2004: 1)
levantamento preliminar da realidade selecionada para
estudo; 2) análise das situações e escolha das codificações –
falas; 3) diálogos decodificadores – delimitar temas e
contratemas; 4) redução temática – rede; 5) preparação para
a sala de aula.
No âmbito das instituições infantis, do município,
era comum encontrar afirmações emitidas por professores,
como também em documentos que sistematizam propostas,
reiterando que, para a construção do planejamento, deve se
levar em consideração a criança sócio-histórica, a partir da
realidade dela. Essa construção é resultado de um rico
processo na Educação Infantil que, gestada na sociedade,
revela avanços no pensar sobre esse sujeito, a partir de
considerações teóricas pertinentes aos avanços realizados
nessa área.
Para compreender como esses aspectos se
desenvolveram no movimento de reorientação, a partir da
prática dessa proposta, a subcategoria Processos e
procedimentos pedagógicos foram agrupados por diferentes
momentos, a partir da investigação temática apontada por
Silva (2004). As unidades de registros expressam como
aconteceu o desenvolvimento do movimento do currículo
popular crítico, na Educação Infantil e as interpretações
daquele momento:

1) Levantamento preliminar da realidade selecionada


para estudo, significa desencadear uma pesquisa
sociocultural para buscar, pedagogicamente, falas da
comunidade e das crianças que expressem situações
significativas, temas geradores a partir de um olhar crítico
O movimento de reorientação... 193

dos professores: No documento Revista em Discussão a


Educação Infantil Pública de Chapecó (CHAPECÓ, 2004):

- Então como trabalhamos com o tema gerador,


pesquisamos as situações dos diferentes sujeitos que
convivem com a criança, buscamos informações, tensões,
contradições, práticas culturais vividas conceitos que estão
colocados nas relações do mundo adulto simultaneamente
ao mundo da criança nos espaços da casa, da igreja, da
praça, interpretando a forma como esses adultos junto
com a criança vivem seus cotidianos (p. 14);
- A pesquisa vai do berçário à pré-escola porque
entendemos que ignorar a realidade das crianças é um
desrespeito aos saberes do grupo social a que elas
pertencem. É a partir delas que educadores estabelecem
prioridades no trabalho com as crianças (p. 16);
- A criança vai expressando seus saberes e suas práticas
sociais. Isso é ponto de partida para o trabalho
pedagógico com a criança (p. 15);
- O trabalho pedagógico com a criança não pode ser
distanciado da realidade local, da vida da criança, da
família e da comunidade. Para chegar ao contexto da
criança, percorremos um longo caminho, temos feito
diversos estudos, buscamos na antropologia, na sociologia,
na psicologia e na história, subsídios para analisar e
interpretar as diferentes realidades que são representadas
nas vozes infantis.

No documento Revista Ler e Escrever a Realidade para


Transformá-la (CHAPECÓ, 1998b, p. 23), esse movimento
está assim descrito:

- Pautadas nas ações vivenciadas na realidade cotidiana


das pessoas é que buscávamos os conteúdos e temáticas
sistematizadas por uma compreensão crítica e
contextualizada desta realidade numa dimensão de
totalidade.
194 A atualidade das ideias de Paulo Freire

- Inicia-se a pesquisa, que tinha como intenção conhecer e


reconhecer a comunidade [...] na comunidade com
pessoas adultas, nas visitas, nas rodas de chimarrão, nas
conversas com pais na porta da sala, as falas foram nos
mostrando o ‘caldo cultural’ onde estas pessoas estavam
inseridas. Com as crianças encontramos algumas
dificuldades, por serem tão pequenas e ainda não
conseguirem falar e expressar com nitidez sua realidade,
foi necessário planejar intervenções [...] a organização de
espaços se tornou um mecanismo pedagógico
fundamental (simulação do cotidiano da criança, materiais
de vivência dela) [...] registramos as visões de mundo
construídas na criança por seu grupo social.

No documento Proposta Pedagógica da Educação Infantil


da Rede Municipal de Chapecó (CHAPECÓ, 1999, p. 26):

Para aprender a realidade e suas contradições, a lógica


estabelecida nas falas de cada pessoa e o relacionamento
estabelecido com os outros, é necessário investigá-lo. A
pesquisa participante realizada nos CEIs tem essa
intenção. O educador se torna pesquisador, visitando as
famílias da comunidade promovendo encontros com as
lideranças, participando das rodas de chimarrão e dos
encontros informais para desvelar as relações.

2) Análise das situações e escolha das codificações –


falas, esse percurso implica em, coletivamente, os
professores, a partir da pesquisa realizada, selecionarem falas
significativas dentro de um quadro geral de análises (que
tenha dados qualitativos e quantitativos), falas descritivas,
analíticas e propositivas e recolocá-las em quadro de
problematizações e explicações dos problemas levantados.

No documento Proposta Pedagógica da Educação Infantil


da Rede Municipal de Chapecó (CHAPECÓ, 1999, p. 25), lê-se:
O movimento de reorientação... 195

Na análise, estão às explicações do senso comum, mais


diretamente ligado às práticas, menos articulado
teoricamente, com soluções limitadas e imediatas e as
explicações do conhecimento científico, de caráter
processual, sistemático e universal, presente nas visões de
mundo do educador, da comunidade e da criança.
A realidade é tomada como ponto de partida para a
elaboração do planejamento pedagógico, quando o
coletivo do CEIM, faz análise dos dados qualitativos e
quantitativos, contextualizando-os nas relações sociais,
econômicas e culturais que determinam a realidade.

3) Diálogos decodificadores – delimitar temas e


contratemas, os temas estão na visão de mundo, no
pensamento e percepção da realidade, da comunidade, da
criança. Definido o Tema Gerador, constrói-se o
contratema, ou seja, o contraponto, em relação aos limites
explicativos (visão de mundo que tem o caráter de
estabelecer relações e construir outra visão sobre
determinado problema). Questões geradoras, diálogo entre
tema/contratema orientando os professores no percurso
pedagógico programático, a partir da rede temática:
documento Revista Ler e Escrever a Realidade para Transformá-la
(CHAPECÓ, 1998b, p. 24):

Cada Centro de Educação Infantil Municipal construiu


com auxílio da Secretaria de Educação e Cultura, seu tema
gerador definindo as problemáticas centrais de cada
comunidade observando com maior atenção falas e
registros vindos das crianças.

Pois o que diz o documento, Proposta Pedagógica da


Educação Infantil da Rede Municipal de Chapecó (CHAPECÓ,
1999, p. 25):

A busca do tema gerador da comunidade e da criança nos


traz as situações limites presentes nas falas da comunidade
196 A atualidade das ideias de Paulo Freire

e os problemas por eles vividos [...] O tema gerador, na


lógica do mundo infantil, é o reflexo do problema
apresentado pela comunidade. É o contratema que
constitui o ponto de chegada da programação. São os
educadores que expõem ali sua visão de mundo numa
explicação ampla e contextualizada do problema.

4) Redução temática – rede, contextualização da realidade


local a partir das falas problematizadas e selecionadas,
identificando as tensões entre os conhecimentos presentes
da realidade local e análises relacionais da micro e macro-
organização social, realizadas pela comunidade escolar,
expressas em diferentes relações entre aspectos
socioculturais da infraestrutura local, inserindo-a em um
contexto mais amplo, propiciando as compreensões dos
conflitos como contradições sociais passíveis de superação, a
partir da prática dos sujeitos envolvidos.

Documento Proposta Pedagógica da Educação Infantil da


Rede Municipal de Chapecó (CHAPECÓ, 1999, p. 25) traz:

A rede compõe um mapa pedagógico construído pelos


educadores, onde estes propõem uma relação entre as
explicações das crianças, da comunidade e dos elementos
da organização social, buscando uma leitura coletiva da
realidade. É na rede que se estabelece o diálogo entre as
diferentes visões de mundo, numa análise relacional
envolvendo dimensões da micro e da macroestrutura.

5) Preparação para sala de aula, está pautada em um


trabalho coletivo de construção curricular do planejamento,
da realização de práticas para a sala de aula de
acompanhamento e avaliação, a partir da práxis
compreendida como dinâmica dialógica sistematizada em
três momentos: Estudo da Realidade (ER), Organização do
Conhecimento (OC) e Aplicação do Conhecimento (AC).
O movimento de reorientação... 197

Esse movimento está representado em dois documentos,


Revista Ler e Escrever a Realidade para Transformá-la
(CHAPECÓ, 1998b):

Significar o saber, para que esse interviesse de fato nas


explicações dadas pelas crianças às coisas, permitindo
abstrações e generalizações mais amplas acerca da
realidade, modificando sua relação com o mundo; que a
lida com o conhecimento contribuísse na formação de
crianças (p. 23).

Não esquecendo que em nossa especificidade lidamos


com crianças de 0 a 6 anos e que entendemos como
construção de novos conhecimentos, a ampliação de visão
de mundo, as mudanças cotidianas estabelecidas com os
outros e com o grupo [...]. A intervenção pedagógica da
Educação Infantil precisa possibilitar um olhar e um
pensar diferente sobre essa realidade (p. 24).

A organização do conhecimento na Educação Infantil


dentro da proposta do tema gerador intensifica as
primeiras discussões feitas na rede pela Administração
popular sobre a forma de chegarmos a crianças tão
pequenas. A história infantil reconstruída numa dimensão
histórica, a brincadeira intencionalmente conduzida, cada
aula parte de uma fala... (p. 25).

E Proposta Pedagógica da Educação Infantil da Rede


Municipal de Chapecó (CHAPECÓ, 1999, p. 26):

Estudo da Realidade (ER) em que se problematiza as


explicações da comunidade e da criança, analisando a
situação da realidade local. Organização do
Conhecimento (OC) cujos conteúdos selecionados para
construir a ruptura da situação inicial (ER), são
enfatizados. As histórias construídas e reconstruídas, a
organização do espaço, o passeio, o desenho, o texto, o
filme, a entrevista, o teatro, a dramatização, o canto, a
198 A atualidade das ideias de Paulo Freire

brincadeira, as informações que o(a) professor(a) quer


organizar com as crianças são planejadas, estrategicamente,
com a intenção de superar as explicações das situações
problematizadoras, construindo uma nova compreensão.
Aplicação do Conhecimento (AC), essa organização
metodológica, enfatiza o diálogo e o pensamento crítico
sobre a vivência cotidiana da criança e da família e,
reafirma a construção histórica e coletiva do
conhecimento que vem sempre em resposta a uma
necessidade concreta de homens, mulheres e crianças.

A proposta de organização da educação, aqui


apresentada pelos documentos, aponta como leitura à sua
construção, a partir da Educação Popular, como indica o
documento Proposta Pedagógica da Educação Infantil da Rede
Municipal de Chapecó (CHAPECÓ, 1999, p. 21) “a Educação
Infantil tem como princípio fundamental a Educação
Popular”, indicando a pedagogia libertadora de Paulo Freire.
A sua construção para a área da Educação Infantil emerge de
um contexto social e político do município de Chapecó, no
período em que a cidade passa a ser governada pela
Administração com Participação Popular, assim denominada
(1997-2004) e referenciada pelos documentos:

O significado dessa construção encontra-se na avaliação


crítica de situar a Educação Infantil nos parâmetros
sociológicos, culturais, políticos e econômicos que passam
a compreender e perpassar os encaminhamentos, a partir
da Educação Popular, desencadeando todas as ações
pedagógicas, a partir de princípios que são cidadania,
democracia, trabalho coletivo, autonomia (CHAPECÓ,
1999, p. 14).

A leitura que se fez naquele movimento, a partir


desses princípios, trouxe a necessidade de reescrever e
vivenciar uma retomada da organização dos espaços de
Educação Infantil, situando a democracia, a cidadania e o
O movimento de reorientação... 199

trabalho coletivo como orientadores das mudanças


estruturais e pedagógica.
Tomar como referência esses princípios
compartilhados pela imaginação de organizar espaços
pedagógicos, que aproximem professores(as) com as
crianças, na possibilidade de entrar no tempo “mundo
infantil” entrelaçar caminhos, é provocar a produção de
diálogo com o conhecimento, a partir da realidade social e
cultural das crianças e famílias, o que implica, segundo o
documento Proposta Pedagógica de Educação Infantil da Rede
Municipal de Chapecó (CHAPECÓ, 1999, p. 15-19),
caracterizar os espaços de Educação Infantil da seguinte
forma:

[...] atender os interesses da classe popular; vivência da


cidadania; organizar espaço público com relações
democráticas; espaço de reconstrução de valores da
organização da vida; espaço de qualidade essencial, na
construção de conceitos científicos e desenvolvimento
das crianças.

O documento Revista em Discussão a Educação Infantil


Pública de Chapecó (CHAPECÓ, 2004, p. 11-13) indica que a
organização de espaços:

[...] que respeitem os olhares das crianças precisam ser


pensados, a partir da vida cotidiana das crianças, do
brincar, do dormir, de sair [...] que respeitem a criança
como criança, [...] espaço necessariamente planejado,
pensado, de relações, de atividades que reorganizem
situações coletivas para os problemas.

O documento Revista Ler e Escrever a Realidade para


Transformá-la (CHAPECÓ, 1998b, p. 22) traz presente “[...] a
criança como ser social, o espaço desafiador, instrumento do
conhecimento, professor como mediador das relações”. As
200 A atualidade das ideias de Paulo Freire

indicações afirmam a necessidade da organização dos


espaços como processo pedagógico, e devem ser construídos
a partir de uma lógica que tenha presente a criança, e
também como forma de reduzir a distância entre as pessoas
que circulam nas instituições infantis, explicitando o
pertencimento, o reconhecimento, a inserção das crianças
nas famílias, como forma de humanizar os espaços, a rotina
e qualificar as relações entre adultos e crianças. O sujeito
prescrito nessa proposta caracteriza-se a partir das
considerações de uma produção histórica e social, que
impulsiona tomar a criança como sujeito histórico-social, na
descoberta de ser humano com a vocação de criar e
transformar, intencionalmente, o seu mundo. Tomar a
realidade e o conhecimento significa a possibilidade de
perceber que a realidade pode ser mudada pela ação e não
como condição determinada. Nesse sentido, o documento
Proposta Pedagógica da Educação Infantil da Rede Municipal de
Chapecó (CHAPECÓ, 1999 p. 13) indica que:

[...] compreender a criança como sujeito sócio-histórico,


significa, antes de tudo, realizar a leitura das relações
sociais, nas quais se insere e se constituem os seres
humanos, [...] desmistificar essas relações [...], mas
também aquilo que acomete no cotidiano [...] as
contradições, a luta de classe, o jogo ideológico e a
produção de valores comportamentais, trama das relações
que compõem a sociedade humana.

Esse núcleo de sustentação de uma educação calcada


no ser humano implica na concepção de uma teoria do
conhecimento, em Paulo Freire, identificada por Damke
(1995, p. 72) “[...] na formulação do conhecimento que
engloba as teorias do ensino, aprendizagem e da pesquisa, e
se completa com a teoria da transformação da realidade”.
Nesse sentido, a organização do processo do conhecimento
interdisciplinar implica ter como ponto de partida para a sua
O movimento de reorientação... 201

construção, a realidade social, cultural e a sistematização


consciente dos dados, escolher situações significativas, a
caracterização de temas geradores e contratemas
sistematizados na rede temática, elaboração de questões
geradoras, construção de programação e preparação das
atividades para a sala de aula.
Esse caminho indicado, para a busca do
conhecimento significativo, na Educação Infantil, remeteu à
construção e reorganização da formação permanente com os
professores, implicando em organizar oficinas de temas
geradores, a construção de pautas para a pesquisa na
comunidade e com as crianças, a organização coletiva para
análises de falas, a partir da pesquisa e construção de rede
temática, organização de programações para os diferentes
níveis: berçário, maternal, pré-escola e preparação de
atividades para a sala de aula, observando o desenvolvimento
ensino e aprendizagem das crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em busca de compreender os princípios e


orientações de um currículo popular crítico para Educação
Infantil, a elaboração deste trabalho de pesquisa procurou
identificar os pressupostos pedagógicos da proposta
freireana do município de Chapecó e suas implicações para
orientações didáticas e práticas. O foco de análise esteve
voltado para documentos sistematizados, publicados a partir
do movimento de reorientação curricular, na gestão de 1997
a 2004. Selecionados os documentos, definiram-se as
categorias e subcategorias que permitiram extrair dos
documentos os conteúdos de análise desta pesquisa.
Para captar o contexto social-político-educacional
existente neste município, com relação à Educação Infantil,
foram realizadas algumas entrevistas e revisados
documentos, com o objetivo de destacar pontos de
202 A atualidade das ideias de Paulo Freire

referência e orientações epistemológicas já existentes nessa


área. A partir do registro do contexto, foi possível identificar
as primeiras formas de trabalho realizadas com as crianças de
zero a seis anos de idade no município. Em relação às
creches, o desenvolvimento dessa política, inicialmente,
percorreu programas desenvolvidos com vínculo direto da
esfera federal e estadual, pautadas numa perspectiva de
assistência social.
Em relação às ações realizadas pela Secretaria
Municipal de Educação, no período anterior ao delimitado
para este estudo, foram identificadas duas as principais
influências na Educação Infantil: o programa PROEPRE
(1980), dirigido para a pré-escola e Proposta Curricular do
Estado de Santa Catarina (1991), envolvendo creches e pré-
escolas.
No que se diz respeito à democratização, há um
rompimento com a tradição política anterior, com uma
valorização dos serviços públicos, principalmente em relação
à educação, que foram enfatizadas pelo FOMDEP,
consolidando uma maior abertura e participação por parte da
comunidade escolar, no que se referem ao destino da escola
pública, construções democráticas de participação nas
decisões e encaminhamentos pedagógicos dos profissionais,
espaços de participação democráticos (como a escolha dos
membros do conselho municipal, e as eleições para escolha
dos dirigentes das escolas e CEIs).
Historicamente, as políticas públicas, no contexto da
cidade de Chapecó, situaram-se dentro de um modelo de
decisões feitas em gabinetes, sem consultas democráticas à
população.
Essa pesquisa, que teve como objeto de estudo a
Educação Infantil, construída a partir de um projeto de
Educação Popular, evidenciou uma ruptura com os modelos
pedagógicos convencionais, elementos significativos deste
processo, tais como a participação e o conhecimento da
O movimento de reorientação... 203

realidade das crianças, como ponto de partida para a


orientação e desenvolvimento da ação educativa.
A gestão do governo popular (de 1997 a 2004) abriu
a possibilidade de uma Educação com Participação Popular,
definindo princípios gerais centrais para a organização em
todos os níveis educativos: democracia, cidadania e
autonomia, que forjaram uma prática pedagógica coletiva e
participativa. O conceito de participação indica um
movimento que colocou em debate educacional o processo
de relação entre escola, CEIs, crianças, professores, alunos e
Secretaria Municipal de Educação.
A democracia aparece como eixo essencial e
organizador da política, subscrevendo a participação como
prática para a vivência e construção das bases orientadoras
do movimento de reorientação curricular para uma
Educação Popular.
Voltando o olhar para a área da educação, o processo
educacional delineado no período aponta para a necessidade
de abertura de canais de participação, via educação,
expressadas pelas demandas populares e constatadas no
âmbito das unidades escolares e CEIs. Esse referencial, no
movimento de educação com participação popular,
construído no período estudado, permeou modalidades da
educação em diferentes âmbitos: planejamento, avaliação,
organização do espaço, formação dos professores e gestão.
Via-se nisso, uma das possibilidades de abrir o contexto
institucional, desenvolvendo outras possibilidades de
inclusão e participação da população.
A construção da gestão democrática também é
expressa através de instrumentos que levam à participação da
comunidade escolar e indicam a forma de vivenciar os
princípios indicados, por meio de Orçamento Participativo,
conferências, elaboração de Projeto Político-Pedagógico (da
rede como um todo e em cada instituição), construção do
Plano Municipal de Educação e das propostas pedagógicas,
204 A atualidade das ideias de Paulo Freire

diferentes fóruns como possibilidade de abertura para


debates e decisões, envolvendo os sujeitos que fazem parte
das instituições, direcionando e significando um processo
democrático via escola e CEIs. O planejamento participativo
e a formação continuada, a partir da abordagem temática,
constituíram-se como práticas democráticas, indicadas de
modo geral pelos documentos, que articulam a relação entre
as ações do poder público constituído e a realidade social.
Estes espaços e formas de participação são
indicativos da intenção de construir um modelo pedagógico,
contrário aos convencionais, pautado na participação dos
diferentes sujeitos, identificados, que fazem parte desse
processo: professores(as), servidores(as), coordenadores(as),
pais e famílias, entre eles a criança, que são caracterizados
como: sujeitos participativos, ativos no processo, sujeitos de
espaço público para aprender a ser cidadão, através da
prática.
A partir da formação permanente, produziram-se
discussões e teorizações a respeito da realidade e suas
contradições, principalmente no campo educacional em que
foram pautando os debates e as orientações pedagógicas.
A Educação Infantil, na sua especificidade, de
aproximação com o mundo concreto das crianças. Revelam,
nesse processo, as perspectivas de compreender as crianças,
a partir das relações sociais em que elas vives, aponta-se para
um processo pedagógico pautado em relações dialógicas e
ações coletivas, e uma formação pedagógica orientada para a
pesquisa participante. A participação efetiva de todos os
sujeitos nessa construção é indicada como condição básica
para se conseguir desenvolver uma educação de qualidade,
em que toda a ação coletiva deve criar oportunidade de
reflexão.
Concretamente, a participação é evidenciada no
processo pedagógico, a partir do Tema Gerador, numa
organização curricular que toma a pesquisa participante
O movimento de reorientação... 205

como instrumento organizador e criador do processo


educativo. A participação dos sujeitos foi se revelando
efetivamente necessária, no sentido de aproximar o contexto
da realidade local, das famílias e do mundo infantil.
Representando naquele período a importância de
compreender a criança, a partir do contexto social e cultural,
seu jeito, seus modos, seus costumes e as representações da
realidade, no sentido de inseri-la num contexto de
participação e pesquisa. Percebe-se que, a partir dessas
elaborações, o vínculo da Educação Infantil com uma
perspectiva freireana se dá na construção de espaços de
participação, olhando para o sujeito-criança e o professor,
enquanto autor de sua prática, rompendo com a perspectiva
de mero executor de tarefas pedagógicas.
Esse movimento de pesquisa participante,
desenvolvido na Educação Infantil, imprimiu uma direção
problematizadora sobre quem são esses sujeitos, como
também a função do espaço, redirecionando o contexto
pedagógico institucional e as práticas pedagógicas,
planejamentos e seus desdobramentos para definição do
brinquedo e da brincadeira na rotina da avaliação e
organização de espaços circunscritos e a participação da
família e da comunidade.
Ao desencadear o processo de construção e
implementação da Proposta Curricular, orientaram-se os
processos pedagógicos de formação permanente dos
professores em torno de alternativas pedagógicas contrárias
às tradicionais, identificando caminhos e possibilidades para
a construção de uma prática educativa participante, em
oposição a concepções autoritárias, individualistas e
classificatórias.
No que se refere ao currículo que norteou o período
estudado, situa-se como uma prática social, um currículo
vivo, reafirmando a ação humana. Essas expressões
evidenciam a força e a importância que se dava à
206 A atualidade das ideias de Paulo Freire

participação dos sujeitos. Indicam, também, por onde se


inicia a articulação do diálogo, na produção de
conhecimento significativo, da realidade social e com
sujeitos, como forma de afirmar a participação e as
possibilidades da ação criativa e autônoma na produção da
prática pedagógica.
O Tema Gerador, como forma de consolidar um
conhecimento significativo da realidade (micro e
macroestrutura social) e estabelecer uma relação dialética
entre os conhecimentos e seus limites explicativos, que
indicam parâmetros epistemológicos do projeto pedagógico
interdisciplinar naquele período. Essa concepção de
interdisciplinaridade também privilegiou a socialização, o
diálogo entre os professores e seus diferentes saberes e
conhecimentos, a busca profissional, a organização coletiva
para o planejamento e desenvolvimento de outras ações
pedagógicas, previstas na política de formação continuada.
Apostava na autonomia, na socialização do conhecimento e
na capacidade de sujeitos educadores criativos.
Esse processo de reorientação curricular exigiu
desdobramentos em momentos mais específicos,
destacando-se o diálogo com as crianças, as famílias, os
educadores, através do registro das suas falas, manifestações,
pesquisas sobre a realidade das comunidades e as situações
reais do cotidiano das crianças e da comunidade, a partir das
quais são apontadas as bases do movimento de
reorganização curricular.
A organização desse movimento começa na busca
“visão de mundo” dos envolvidos a partir da realidade, isso
implica em fazer pesquisa. Todo o conjunto de informações
obtido durante a pesquisa passa então a ser trabalhado,
discutido e analisado pelos professores, num processo de
sistematização em busca de situações significativas,
problemas e necessidades vividas. Destacando-se os
O movimento de reorientação... 207

possíveis temas geradores que serão tomados como diálogo


na continuidade da pesquisa.
A necessidade de um trabalho coletivo impulsionado
pelo processo de organização, sistematização e análise da
realidade, na organização, produção e negociação coletiva de
redes temáticas, temas geradores, recortes do conhecimento
necessários àquela realidade, exigiu um reordenamento do
perfil da formação, implicando na decisão política de
construir um processo de formação continuada para toda a
rede municipal de ensino.
A investigação temática passou a fazer parte da
organização do currículo, estabelecendo a intenção
pedagógica, os procedimentos como o levantamento da
realidade local através de pesquisa socioantropológica,
imprimindo, assim, para cada espaço educativo um ponto de
partida para a organização pedagógica, entrelaçando os
saberes e recriando práticas institucionais. A realidade
pesquisada é a possibilidade de diálogo com os diferentes
sujeitos e uma das possibilidades de participação da
construção do currículo.
A sistematização dos dados em forma de rede
temática a partir da realidade, com elaboração de programas
construídos coletivamente pelas equipes, especificamente na
Educação Infantil, pelos professores, aborda, direciona os
caminhos que se possa trabalhar na organização do
planejamento identificando conceitos a serem trabalhados e
possíveis mudanças no cotidiano das crianças, nas
instituições, no processo ensino-aprendizagem.
Os planejamentos realizados nos CEIs mantinham
estrutura de organização coletiva, no desenvolvimento de
cada especificidade e buscavam compreender e encaminhar,
com criatividade e imaginação, o processo pedagógico com
as crianças, definidos como: Estudo da Realidade,
Organização do Conhecimento e Aplicação do
Conhecimento.
208 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Essa dinâmica dialógica de sala de aula, que


necessitou a busca de aprofundamentos sobre como a
criança aprende, a construção de canais de comunicação
com o mundo infantil concreto, na área da expressão,
literatura, brincadeira, organização dos espaços dentro e fora
da sala, música, reorganização de oficinas e construção de
objetos que contribuíssem na relação entre os professores e
as crianças, no processo da aprendizagem. Inaugura um
diferencial pedagógico no movimento de reorientação
curricular via Tema Gerador, um novo olhar para educação
infantil.
Esse processo demarca um diferencial em relação ao
que se vinha construindo, ao planejamento que, situado
numa concepção dialógica, imprime a necessidade de um
trabalho que não termina quando se encontram os
“conteúdos” a serem trabalhados, mas iniciam um processo
de compreensão que relaciona conhecimento e realidade da
criança como sujeito histórico. Na dinâmica geral, pode-se
extrair que as bases teóricas do currículo popular crítico,
transcrito e vivenciado pela rede municipal de educação de
Chapecó, especificamente para a Educação Infantil, situam-
se numa perspectiva sociológica da prática educativa,
imprimindo um novo olhar para a área, no campo
educacional.

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O movimento de reorientação... 209

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Coordenadoria de Ensino. Proposta Curricular: uma
contribuição para a escola pública do pré-escolar, primeiro
grau, 2º grau e educação de adultos. Florianópolis, 1991.
II

AS EXPERIÊNCIAS DAS ESCOLAS DO CAMPO NO


CONTEXTO DA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO
POPULAR NO MUNICÍPIO DE CHAPECÓ/SC
(1997-2004)

Jane Suzete Valter

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objeto de estudo a


experiência de educação popular junto às escolas do campo,
desenvolvida no período de 1997 a 2004, no município de
Chapecó, em Santa Catarina. A pesquisa se ateve a analisar
os pressupostos teórico-metodológicos da proposta de
educação popular para as escolas do campo; avaliar o
contexto de implementação da proposta e a base real de
sustentação na vida material e organizativa das comunidades;
refletir sobre o papel da educação escolar na perspectiva
popular e seus limites nas vias institucionais.
Nas últimas décadas, alguns movimentos sociais
organizados no campo, tem lutado pelo direito à educação e
à escola, colocando-se numa posição de enfrentamento à
lógica da educação predominante no Brasil, a qual é
expressão do sistema nacional: elitista, constituindo-se ainda
em privilégio social, sem conexão com a forma de vida e de
organização do conjunto da população, especialmente do
campo.


Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina e
docente do Curso de Licenciatura em Pedagogia do IFC – Campus
Videira. E-mail: jane.valter@ifc-videira.edu.br.
212 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Neste contexto, também emergiram experiências de


educação popular em administrações municipais e estaduais
de esquerda. Visando compreender as contradições desse
processo (uma educação popular no âmbito de instituições
formais), ou seja, sob controle do Estado, procurou-se
desenvolver um estudo sobre a experiência de educação
desenvolvida no município de Chapecó, tendo como foco a
educação do campo.
No ano de 2006, após ter vivenciado a experiência
como professora na proposta de Educação Popular, uma das
inquietações, não somente minha, mas de várias colegas
educadoras, era perceber que todo o processo educacional
construído pela Administração Popular vinha
intencionalmente sendo aniquilado. Por ter atuado como
professora em escola do campo no período de construção da
experiência de educação popular, é que surgiu o desafio de
pesquisar e registrar essa experiência; é com essa intenção
que se propõe este estudo.
Considerando a pesquisa um instrumento de
investigação da realidade, o trabalho de campo foi
desenvolvido tendo como referência a pesquisa qualitativa,
que possibilita conhecer a produção do conhecimento
visando ampliá-lo ou até mesmo superá-lo. De acordo com
Chizzotti (2001, p. 79), na abordagem qualitativa

[...] o conhecimento não se reduz a um rol de dados


isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito
observador é parte integrante do processo de
conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes
um significado.

Tendo o entendimento dessa importância, para a


realização deste texto utilizou-se três fontes referenciais ou
metodológicas.
Visando analisar a experiência educacional da
administração popular do município de Chapecó,
As experiências das escolas... 213

desenvolveu-se pesquisa bibliográfica, documental e de


campo. Na pesquisa documental teve-se como fonte de
pesquisa documentos da Secretaria Municipal de Educação,
do Fórum Municipal em Defesa da Escola Pública e
registros das escolas do campo, a intenção foi compreender
como ocorreu a construção da experiência, bem como as
contradições evidenciadas no processo. Ao buscar sintetizar
o processo de construção da experiência, encontrou-se
algumas dificuldades como o acesso aos registros da
proposta desenvolvida nos espaços escolares. Pois, com a
troca de administração, grande parte dos registros (redes
temáticas, programações de aulas, pesquisas...) que haviam
sido arquivados nas escolas não foram encontrados e esse foi
um dos limitadores no desenvolvimento deste trabalho.
Entretanto, considerando a importância de registrar essa
experiência, procurou-se identificar as mudanças efetuadas
na educação do campo, bem como os avanços e limites
apontados, constituindo-se dialeticamente num movimento
de construção e reconstrução e não como algo pronto e
acabado.
Na pesquisa de campo realizou-se entrevistas
semiestruturadas com pais de alunos, membros do conselho
escolar, professores e coordenadores de escolas do campo,
além de entrevista com o secretário de educação do
município no período pesquisado.
As entrevistas foram indispensáveis, pois
possibilitaram maior conhecimento da realidade e a análise
da experiência de educação do campo construída no
município. Como critério para seleção dos entrevistados,
buscou-se os sujeitos que tinham um determinado grau de
envolvimento e participação no período pesquisado. Foram
entrevistados cinco professores e duas coordenadoras que
acompanharam o processo de construção da proposta,
quatro pais de alunos que estudavam no campo, dos quais
dois faziam parte do conselho escolar; o responsável pelo
214 A atualidade das ideias de Paulo Freire

transporte escolar, um agricultor que foi sócio de uma


cooperativa, além do secretário de educação que atuou no
período inicial da construção da proposta. Optou-se por
realizar a pesquisa com pessoas de diferentes escolas do
campo, pois as diversas realidades poderiam trazer maiores
contribuições à pesquisa. Visando preservar a identidade das
pessoas que colaboraram com a pesquisa atribui-se a elas
nomes fictícios

A EDUCAÇÃO DO CAMPO

O debate entre educação do campo e da cidade, na


maioria das vezes, vincula-se à simples transposição da
educação da cidade para o campo, desconsiderando-se
totalmente a realidade e as especificidades dos sujeitos que
vivem no campo.
Com a criação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, aparecem elementos que tratam
especificamente da Educação do Campo. O artigo 28
propõe adequações da escola à vida do campo, mas não traz
grandes novidades e avanços.
O que historicamente se evidencia é que a educação
nunca foi prioridade e muito menos teve a intenção de
atender os camponeses. Sabe-se que é nas estruturas
capitalistas que se mantêm, a lógica é de manutenção e
somente teremos mudanças radicais na educação se
rompermos com esse sistema. Nesse sentido, Mészáros
(2005, p. 25) afirma:

Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os


processos sociais mais abrangentes de reprodução estão
intimamente ligados. Consequentemente uma
reformulação significativa da educação é inconcebível sem
a correspondente transformação do quadro social no qual
as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as
As experiências das escolas... 215

suas vitais e historicamente importantes funções de


mudança.

Tendo essa compreensão e entendendo que a


educação não poderia mais estar a serviço de uma elite, é que
alguns movimentos sociais desenvolvem suas experiências
educacionais, defendendo que os processos educativos
devem ir além da educação escolar. Foi na defesa de seus
direitos (entre eles a educação) que alguns movimentos
sociais (juntamente com entidades e organizações) iniciaram
um movimento nacional de luta e defesa da educação
pública para os povos do campo e realizaram a I
Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo.
Esta foi resultado de um processo iniciado no final
do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da
Reforma Agrária (ENERA), realizado em Brasília e
promovido pelo MST, em julho de 1997, no qual foi
colocado o desafio para as entidades promotoras de realizar
um trabalho mais amplo sobre a educação, levando-se em
conta o contexto do campo (RIBEIRO, 2008, p. 13-14).
Nesse período, o MST tinha uma coordenadoria
especializada para a Educação do Campo, e foi um dos
principais movimentos a organizar e reivindicar esse direito.
Esse movimento tinha como objetivo primeiro a luta para
ter escolas nas áreas de Reforma Agrária, num processo
dialético de construção envolvendo o debate teórico com as
vivências. Esse processo foi ajudando a constituir uma
pedagogia, a qual denominou Pedagogia do Movimento.
Desta forma, a Educação do Campo foi construída
juntamente com os trabalhadores do campo, discutindo-se
desde o acesso até a concepção de educação que se queria
construir:

O movimento inicial de Educação do Campo foi o de


uma articulação política das organizações e entidades para
denúncia e luta por políticas públicas de educação no
216 A atualidade das ideias de Paulo Freire

campo, e para mobilização popular em torno de um novo


projeto de desenvolvimento. Ao mesmo tempo tem sido
um movimento de reflexão pedagógica das experiências
de resistência, constituindo a expressão e, aos poucos, o
conceito de Educação do Campo (CALDART, 2004, p. 3).

Os movimentos sociais, ao construir a experiência de


Educação do Campo, têm a concepção de que é necessário
que ocorram mudanças no sistema de ensino. Porém, tem
claro que não basta mudar a educação, pois esta por si só
não resolve os problemas, mas, combinada com outras
ações, pode contribuir para a transformação do atual modelo
social. Como afirma Vendramini (2000, p. 201):

Se, por um lado, o Movimento dos Sem Terra procura


inovações e reforma no interior do sistema econômico e
político existente, através de um ensino inovador, com
seus claros limites para se constituir enquanto tal, por
outro lado, constrói pela sua ação uma educação não
formal, que pode resultar numa consciência de classe,
fundamental para os movimentos que prosseguem na
transformação estrutural de sociedade.

Mesmo com algumas experiências que se


contrapõem à lógica capitalista, que é o caso de alguns
movimentos sociais, percebe-se que é o modelo econômico
quem dita as regras, o qual está diretamente ligado ao
modelo de agricultura e a escola tem dificuldades em
construir uma educação crítica, pois sua forma de
organização vem na lógica de manter o controle social.
Conforme afirma Frigotto (1999, p. 170-171):

O que estamos querendo enfatizar é que a forma de


organização escolar e o uso das próprias técnicas, na
análise que estamos efetivando, já vêm articulados à
determinação e a interesses de classe. Interesses estes cujo
compromisso não é a elevação dos filhos dos
As experiências das escolas... 217

trabalhadores aos níveis mais altos de cultura e do próprio


saber processado na escola, mas a elitização do processo
escolar como mecanismo de reprodução das relações
econômico-sociais que perpetuam a desigualdade.

Mais uma vez, a escola parece reproduzir


hegemonicamente a ideologia dominante, ou seja, a serviço
do sistema econômico capitalista. Para inverter esse papel,
Freire (1981) acredita que a educação seja capaz de ajudar o
oprimido a se libertar do opressor, pois é através do
conhecimento de sua condição que o oprimido vai lutar para
mudar a realidade. Assim:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado


para entender o significado terrível de uma sociedade
opressora? Quem sentirá, melhor do que eles, os efeitos
da opressão? Quem, mais que eles, para ir
compreendendo a necessidade de libertação? Libertação a
que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca;
pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de
lutar por ela (FREIRE, 1981, p. 32).

Outra perspectiva é apontada por Mészáros (2005),


na qual a educação formal, por si só, não garante a superação
ou manutenção de um sistema, mas ela é parte integrante
dessa totalidade de processos educacionais da sociedade,
podendo trazer contribuições. Conforme afirma Mészáros
(2005, p. 45):

A educação formal não é a força ideologicamente primária


que consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz
de, por si só, fornecer uma alternativa emancipadora radical.
Uma das funções principais da educação formal nas
nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou
‘consenso’ quanto for capaz, a partir de dentro e por meio
dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente
sancionados.
218 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Concordando com Mészáros, o qual afirma que a


educação institucionalizada no atual modelo de Estado,
historicamente tem contribuído na perspectiva de
manutenção da sociedade capitalista e mesmo quando
desenvolvida com a intencionalidade de conscientizar, não
consegue “tocar” as estruturas. Portanto, não esperemos que
através da educação consigamos grandes transformações,
embora ela possa contribuir na conscientização das pessoas,
quando trabalhada numa perspectiva emancipatória.
Com a intencionalidade de enfrentar a forma de
organização desse sistema, tanto no que se refere ao espaço,
quanto na construção do conhecimento, é necessário pensar
o campo não apenas como um espaço de produção para
valorização do capital, mas como lugar de vida, de
reorganização, tanto na distribuição populacional, quanto no
acesso aos bens necessários a uma vida digna.
Nesse sentido, Cury (1992, p. 130) contribui
declarando que a tarefa educativa deve estar associada às
relações sociais e à transformação da realidade. Afirma que,
se a educação esteve mais comprometida com os interesses
dos grupos dominantes do que com os interesses da classe
trabalhadora, isto não é uma fatalidade, pois assim como ela
coopera com a reprodução das estruturas vigentes, ela
mescla no conjunto de uma ação social transformadora que
se opõe ao sistema capitalista. Mas, para tanto, é necessário
construir uma teoria mais elaborada sobre a prática
educativa, que ajude a revelar os elementos decisivos de sua
superação.
As experiências das escolas... 219

A EDUCAÇÃO DO CAMPO E AS POLÍTICAS


PÚBLICAS

Esse processo de debates e mobilizações, citado


anteriormente, em torno da construção de uma educação do
campo oposto à educação rural também desencadeou a luta
para torná-la política pública. A aprovação das Diretrizes
Operacionais para Educação Básica das Escolas do Campo,
aprovada em 2001, foi considerada um importante avanço,
principalmente por contemplar as reivindicações e a
concepção defendida pelos movimentos sociais.
A partir da II Conferência Nacional de Educação do
Campo, de acordo com Munarim (2006, p. 12),

[...] na medida inversa do cumprimento de uma agenda,


por parte do MEC, agenda esta determinada pela
Articulação Nacional, o Movimento de Educação do
Campo começa a dar sinais de arrefecimento.

Nesse contexto, conforme Munarim (2006), foi


instituída, na estrutura do MEC, a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), a qual
tinha, entre outras tarefas, de atender a Educação do Campo.
Com esse objetivo foi criada uma Coordenação de Educação
do Campo, que se encarregou de organizar os seminários
estaduais de educação do campo.
Com o Projeto de Resolução que fixa as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo,
criou-se uma expectativa de avanços efetivos com relação à
educação do campo. Porém, houve uma distância muito
grande entre o que estava no papel e sua efetivação na
prática, a qual equivale, segundo Munarim (2006, p. 10): “[...]
entre estar no comando do Poder Executivo um governo
minimamente disposto ou contrário a fazer valer uma
concepção de educação e de sociedade democráticas”.
220 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Mas considerando que o Estado está a serviço da


reprodução do capital, no momento em que a educação do
campo está ligada a este aparato, esta pode perder suas bases
de construção tornando-se mais uma forma de reprodução
da sociedade atual. Nessa direção, Vendramini (2008, p. 8)
afirma que:

[...] a luta por uma educação do campo corre o risco de


ficar atrelada ao âmbito do Estado e das políticas públicas,
perdendo sua dimensão fundamental da educação como
estratégia de interiorização de valores contrapostos à
lógica individualista, liberal, competitiva, funcional que
nos conforma e que cria um consenso generalizado em
torno do consumo.

Assim, pelo fato da educação do campo fazer parte


das políticas públicas, é possível que ela se torne mais um
dos programas oficiais, desvinculada da intencionalidade que
tinha quando na sua constituição inicial.
As diversas experiências desenvolvidas no âmbito
institucional implicam em políticas públicas, como foi no
município de Chapecó, que, através da Administração
Popular, procurou-se implementar uma experiência de
educação do campo com a intencionalidade de construir
outra sociabilidade.

AS MUDANÇAS INSTITUÍDAS NA EDUCAÇÃO DO


CAMPO EM CHAPECÓ

Historicamente, as escolas isoladas foram o meio


encontrado para universalizar as primeiras letras com os
filhos dos agricultores, já que um grande número de pessoas
habitava os lugares mais distantes. O difícil acesso, a
precariedade das estradas e a falta de transporte escolar
fizeram com que, por muito tempo, a escola isolada fosse a
única solução para as comunidades.
As experiências das escolas... 221

Propagou-se a ideia de que o desenvolvimento, a


vida fácil e a qualidade de vida estão na cidade e que o
campo é lugar de “atraso”, de abandono, dos menos
capazes. Essa visão, que apresenta o Brasil como “atrasado”,
foi propagada principalmente pelo personagem do Jeca Tatu,
criado por Monteiro Lobato, em 1951. Conforme Fiod
(2007, p. 3):

Jeca Tatu é exemplar do caboclo brasileiro. Um grande


preguiçoso, símbolo do atraso e da miséria, um genuíno
representante do campo [...] Ele não planta árvores
frutíferas, hortas ou flores. Apenas retira coisas que a
natureza espalha pelo mato, o que lhe custa apenas o
gesto de espichar a mão.

Assim, percebe-se que esta visão preconceituosa em


relação ao caboclo brasileiro não veio do acaso, mas foi
construída e, certamente, com uma intencionalidade,
segundo Fiod (2007). O que “espertou” o caboclo no Brasil
foi o assalariamento, ou a impossibilidade de viver sem
vender sua capacidade de trabalhar. Como crítica a essa
ideia, Oliveira (2003) traz a análise sobre as bases
econômicas no processo de industrialização, no Brasil, em
que a agricultura de subsistência e de seu excedente se
articula com a acumulação do capital, formando um
processo combinado, ou seja, a produção das relações
capitalistas “modernas” vai se apoiar no “atraso”, expressado
pelo setor agrícola.
Esse preconceito em relação ao espaço do campo, é
também evidenciado na educação. Conforme Vieira (1999,
p. 50), as escolas do campo são:

Tratadas como uma espécie de resíduo da organização


educacional brasileira, as escolas do campo apresentam
ainda outros problemas básicos, tais como: inexistência de
infraestrutura adequada para esta finalidade, projeto
222 A atualidade das ideias de Paulo Freire

político e pedagógico alheio a um projeto alternativo de


desenvolvimento social e aos interesses dos trabalhadores
e trabalhadoras do campo, aos seus movimentos e suas
organizações.

Em Chapecó, ao mesmo tempo que se evidencia o


crescimento econômico e populacional, também aumentam
os problemas sociais, o que não é diferente da realidade
nacional, pois nesse sistema capitalista a tendência é cada vez
maior de concentração da riqueza e aumento da pobreza.
Essa situação fica clara no contexto geral do município, mas
no campo é ainda mais grave, com falta de políticas públicas,
de distribuição de renda, de acesso à terra e a uma vida
digna. Percebe-se, portanto, que há um descaso, inclusive
com relação à educação dessa população.
De acordo com o diagnóstico elaborado pela
Secretaria Municipal de Educação, um ano depois de assumir
a Administração Popular (1997), a realidade das escolas do
campo era de abandono da estrutura de grande parte delas,
em estado de degradação, com falta de merenda de
qualidade, ausência de formação e acompanhamento dos
educadores, muitos sem formação para a área de atuação.
Conforme Santin (2003, p. 9-10):

Em 1997 era comum situações em que o/a professor/a


não ia à escola quando chovia, cultura que se prolongou
por vários anos em que os alunos nos dias de chuva não
vinham para a escola com medo de não encontrar o/a
professor/a. Nas cozinhas dessas escolas era comum em
muitas delas as merendas conviverem com predadores e
alimentos estragados. A carne era à base de carcaça (ossos
de frango), sopas prontas e alimentos enlatados à base de
conservantes prejudiciais à saúde humana.

Nesse período, a maioria das escolas do campo eram


vinculadas ao sistema municipal de educação. Foi após a Lei
As experiências das escolas... 223

de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996) e o Plano Nacional de


Educação que, diante desse quadro, em relação à educação
presente no campo, os municípios passam a seguir
orientação do Ministério da Educação e do Desporto para
organizar a estrutura e o funcionamento dessas escolas. De
acordo com Brzezinski (1997, p. 176), pode-se perceber que:

A primeira tarefa do município deveria ser a de escolher a


melhor forma para sua organização, como uma das
tarefas do Poder Público responsável pelo processo
educativo. Isto quer dizer que a LDB oferece a
oportunidade de o município poder optar pela forma que
julgar mais adequada para a organização de seu sistema de
ensino.

Com a tarefa de cada município organizar o seu


sistema de ensino, de acordo com o que entendesse ser mais
apropriado para a sua realidade educacional, houve
diferentes direcionamentos, principalmente no que se refere
à decisão de manter ou não as escolas no campo.

O AGRUPAMENTO DAS ESCOLAS DO CAMPO


EM CHAPECÓ – NUCLEAÇÃO

O processo de agrupamento das escolas do ensino


fundamental do campo é uma iniciativa do poder público, na
intenção de organizar o ensino nessas escolas; essa forma de
organização é denominada de nucleação. Nesse sentido,
diferentes projetos de nucleação foram implementados nas
redes de ensino dos municípios do Oeste do Estado de
Santa Catarina. A maioria dos processos ocorreu com a
ausência de discussões com a população do campo.
Em Santa Catarina, o Sistema Estadual de Educação do
Estado, no capítulo X, estabelece:
224 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Art. 66. O Poder Público dispensará especial atenção à


oferta de educação básica para a população rural,
pesqueira, indígena e carcerária que será adaptada às suas
peculiaridades, mediante regulamentação específica e
levará em conta:
I – o envolvimento dos órgãos municipais de educação [...]
da agricultura, [...] famílias e a comunidade na formulação
de políticas educacionais específicas e na oferta de ensino;
II – a elaboração de currículos com conteúdos
curriculares apropriados para atender às reais
necessidades e interesses dos alunos [...];
III – adoção de metodologias, programas e ações voltadas
para a superação e transformação das condições de vida
nos meios rural e pesqueiro e nas comunidades indígenas,
proporcionando a estas a autossustentação e
autodeterminação (SANTA CATARINA, 1998, [s.p.]).

Além desses aspectos, a Lei também aborda as


condições didático-pedagógicas, manutenção do transporte
escolar e organização de cursos para estes espaços.
Fundamentado nessa Lei, é que o estado de Santa Catarina,
em conjunto com os municípios, desencadeia o processo de
nucleação.
Nessa reorganização das escolas do campo,
orientado pela LDB, muitos municípios optaram por levar
os alunos do campo para a cidade, o que, de certa forma,
interferiu ainda mais no processo de o urbano se sobrepor
ao rural, pois a educação acabou priorizando o espaço da
cidade, não considerando a realidade e os conhecimentos
dos alunos que vem do campo. Reportando-nos à nova
LDB, verifica-se, no capítulo IX, que as disposições
transitórias aparecem da seguinte maneira:

É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a


partir da publicação desta Lei. Parágrafo 1°. A União, no
prazo de um ano a partir da publicação desta Lei,
encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional
As experiências das escolas... 225

de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos


seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre
Educação para Todos (BRASIL, 1996, Art. 87).

A partir dessa disposição, os estados, o Distrito


Federal e os municípios, em colaboração, deveriam
apresentar ao Congresso Nacional o referido plano, até o
final de 1997 (SAVIANI, 1998). Percebe-se que a aprovação
da LDB e a construção do Plano Nacional de Educação
estão vinculadas às exigências mundiais e, certamente, com a
intencionalidade de cumprir metas de educação definidas em
nível internacional.
O Plano Nacional de Educação, ao referir-se ao
ensino fundamental, no item 3, aborda a questão do
agrupamento das escolas do campo, denominada nucleação.
Outro fator que incentiva os municípios a optarem pela
nucleação é o financiamento que dispõe sobre o FUNDEF,
que regulamenta a distribuição do salário educação, em que
um dos critérios de recebimento dos recursos é o número de
matrículas do ensino fundamental e educação especial, o
que, de certa forma, encaminhou a nucleação. Nesse sentido,
comentando sobre o Programa de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental, Vieira (1999, p.
56) afirma:

No parágrafo 1°, somente podem participar deste


programa, escolas públicas do ensino fundamental com
no mínimo 21 matrículas. Este critério ‘força’ as
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação a
agruparem as escolas com menos de 21 alunos
matriculados, formando a nucleação.

Nesse contexto, a política educacional, desenvolvida


pelos administradores estaduais para as escolas do campo,
esteve na lógica da descentralização, o que culminou na
municipalização da grande maioria das escolas rurais de 1ª a
226 A atualidade das ideias de Paulo Freire

4ª série e encaminhamento para que fossem reagrupadas. Ao


assumir a Administração Popular, em Chapecó, esse
processo já estava em andamento, mas, conforme
documento, foi retomado com a seguinte perspectiva:

Em Chapecó, procuramos uma reorganização das escolas


rurais buscando a superação do isolamento geográfico e
político-pedagógico dos professores e alunos das escolas
isoladas/multisseriadas, viabilizando escolas com
melhores condições pedagógicas mantidas em
comunidades do meio rural, com perspectiva de
ampliação do atendimento até conclusão do ensino
fundamental (CHAPECÓ, 1999c, p. 18).

A Administração Municipal de Chapecó, ao tomar a


decisão de nuclear as escolas, mantendo-as no campo, de
certa forma, acabou considerando aspectos como: currículo,
realidade do campo, identidade das comunidades, entre
outros.
A partir da elaboração da proposta de nucleação, a
Secretaria de Educação organizou discussões com as
comunidades sobre o assunto. De acordo com Santin (2003),
esta proposta foi amplamente debatida elencando pontos
positivos e negativos da nucleação. Nesse sentido, ficava
garantida a possibilidade de a escola permanecer e fortalecer
cada comunidade, mas se explicitavam as contradições de
como responder a alguns desafios: Como garantir espaço
físico adequado? Qual o envolvimento do professor com a
comunidade? Como organizar para que o professor não
ficasse com todas as tarefas, inclusive de serviços gerais e
administrativos?
Esse processo culminou na nucleação da maioria das
escolas, onde se definiram as comunidades estratégicas para
manter e organizar a ampliação do atendimento. A
organização dos espaços foi a seguinte:
As experiências das escolas... 227

Em Chapecó, as 68 escolas isoladas foram reagrupadas


em 18. Em 8 dessas escolas, foi ampliado o atendimento
do ensino fundamental [...]. O atendimento no Ensino
Fundamental completo, no ano de 1996 era oferecido em
apenas uma escola do campo, no ano de 2000 passou a
ser em 7 escolas nucleadas, além da Educação de Jovens e
Adultos (CHAPECÓ, 1999c, p. 18).

Nesse debate, a Secretaria de Educação


acompanhava a discussão e a aprovação, ou não, da
nucleação que se dava por parte das comunidades
envolvidas, estando em constante avaliação com as
dificuldades e avanços dessa iniciativa. Sobre o processo de
nucleação um pai que pertence a uma das comunidades da
escola citada anteriormente relata:

Quando a Secretaria de Educação veio com a proposta da


nucleação, foram feitas reuniões, primeiro com cada
comunidade e depois juntaram todas as comunidades para
as decisões (Paulo, 2008).

Outro aspecto a ser considerado, a partir da


nucleação das escolas do campo, foi a questão do transporte
escolar, pois até 1997, com exceção de uma escola (Escola
Agropecuária), todas as outras ofereciam somente as séries
iniciais; e somente os filhos dos agricultores que tinham
condições de pagar o transporte continuavam a estudar na
cidade, os demais cursavam as séries iniciais do ensino
fundamental. Conforme relato do professor responsável pela
organização do transporte escolar, naquele período:

Antes da nucleação os alunos que quisessem concluir o


ensino fundamental tinham que se deslocar até os bairros
ou centro de Chapecó e pagar 50% do valor de seu
transporte. [...] Com a implantação de oito núcleos
escolares, os alunos passaram a estudar nas comunidades
rurais e ter acesso ao transporte gratuito [...]. Assim o
228 A atualidade das ideias de Paulo Freire

transporte escolar passou a contemplar aproximadamente


4.500 alunos (José, 2008).

Se, por um lado, a nucleação trouxe alguns avanços


para a educação nas escolas do campo, por outro lado,
apresentou-se como um problema, pois muitos alunos
acabaram tendo que viajar de ônibus até uma hora, para se
deslocarem de suas residências até a escola nucleada.
Sobre os pontos positivos da nucleação, um pai
relata que aproximou as comunidades, que anteriormente
quase nem se conheciam e com a nucleação passaram a
conviver. Segundo ele:

Pra mim um ponto positivo da nucleação foi na relação


dos alunos das diferentes comunidades [...]. Essa
aproximação se deu também pela participação no
Orçamento Participativo, em que nós tinha que se unir
para reivindicar e decidir o que era prioridade para cada
comunidade (Pedro, 2008).

Embora indicadores apontem que houve melhora do


atendimento educacional, também houve reclamação por
parte de algumas comunidades, visto que a escola
multisseriada era um, quando não o único, espaço coletivo
da comunidade, em que as famílias se encontravam para
rezar, fazer reuniões, atividades de lazer, entre outras. O que
acabou, de certa forma, isolando ainda mais algumas
comunidades, cuja escola foi fechada para ser deslocada para
outra comunidade. No relato de um pai, constatamos que:

Houve uma desmotivação, pois antes o pessoal se reunia


por causa da escola e quando ela foi fechada não se reuniu
mais. Os pais vão para a comunidade onde está a escola
nucleada e até as mercearias, bodegas foram para esta
comunidade (Felipe, 2008).
As experiências das escolas... 229

Ao mesmo tempo que se avalia a nucleação como


um processo positivo, no que diz respeito à melhoria no
ensino, também se percebem aspectos negativos, como a
diminuição de organização e de encontro coletivo das
comunidades, onde as escolas foram fechadas.
No processo de nucleação, algumas comunidades
optaram por manter as escolas na comunidade, como já
relatado anteriormente, mas na política do governo
municipal, incluía-se a melhoria no atendimento dos alunos
do campo e mesmo não nucleando, essas escolas passaram
por uma reestruturação, que ia desde infraestrutura até
aspectos pedagógicos.
Em 1997, as escolas do campo, em grande parte,
encontravam-se numa situação de precariedade. Conforme
relato da professora Suzane (2008): “As condições de
trabalho naquele período eram difíceis, pois o professor
tinha que fazer tudo”. Também, de acordo com a
professora, não havia acompanhamento pedagógico por
parte da Secretaria de Educação, que, de acordo com a
professora, ia à escola somente para fiscalizar.
Ainda, segundo essa professora, mesmo nas escolas
não nucleadas, as mudanças a partir da Administração
Popular foram grandes:

Mudou tudo, a escola tava acabada, não tinha material


didático e nem equipamentos, a merenda era péssima. A
escola foi reformada, foram adquiridos equipamentos,
também veio material didático e pedagógico (Suzane,
2008)

Percebe-se que houve um redimensionamento da


educação nesses espaços, não somente na infraestrutura, mas
na própria relação que se estabeleceu com as comunidades,
pois estas passaram a fazer parte do processo, discutindo,
opinando, avaliando e, certamente, esses fatores deram outro
caráter à educação, pois esta passou a ser feita com a
230 A atualidade das ideias de Paulo Freire

comunidade, numa perspectiva mais democrática e coletiva.


Na conversa com a professora, ela ainda relata que essa
forma de trabalhar na escola com a participação e
envolvimento dos pais foi muito interessante, pois
organizaram-se várias atividades na escola: com os
sindicatos, grupos de mulheres, os sem-terra. Tanto é que
quando a Secretaria de Educação queria fechar a escola e os
pais não deixaram: “bateram o pé” e não aceitaram! Hoje
eles sabem que têm direitos.
Percebe-se que toda essa política de investimento e
valorização do campo, conforme explicitado nos registros da
escola, possibilitou um espaço ativo de participação coletiva,
o que representou melhorias significativas na qualidade da
educação.

MUDANÇAS NA INFRAESTRUTURA DAS


ESCOLAS DO CAMPO

Como já mencionado neste trabalho, as escolas do


campo estavam em completo estado de abandono, sem as
condições mínimas de infraestrutura. Entre as decisões da
Administração Municipal, incluía-se a política de valorização
do campo e a educação era um dos seus aspectos.
Nessa perspectiva, houve grandes investimentos na
infraestrutura das escolas do campo, entre eles: compra de
equipamentos, aquisição de material pedagógico, compra de
material didático de uso dos professores e alunos, reforma e
construção do espaço físico, ampliação do quadro de
funcionários, garantiu-se tempo para o planejamento e
estudo dos professores, melhoria na qualidade da merenda
escolar e a instalação de laboratório de informática em uma
escola do campo, o que, segundo a secretária de Educação,
do período,
As experiências das escolas... 231

[...] na escola do campo foi muito questionada, pois


atenderia um número pequeno de alunos se comparado
com a cidade, mas como havia a política de valorizar,
também, este espaço, manteve-se a decisão (Luciana,
2008).

Também na perspectiva de que o brincar é


importante para o desenvolvimento das crianças,
construíram-se parques alternativos em todas as escolas
nucleadas e em algumas não nucleadas, já que,
anteriormente, não havia em nenhuma escola do campo.
Com relação ao quadro de funcionários das escolas
do campo, houve uma significativa ampliação, o que
significou um aumento de 43,36%, inclusive com a
constituição de Diretores em dez escolas, eleitos, de forma
democrática, por segmentos de pais, funcionários e alunos
maiores de dez anos. Além disso, as turmas eram
constituídas, em média, por 17 alunos nas escolas do campo;
e 20% a 25% da carga horária dos professores era destinada
ao planejamento das aulas e estudo (SANTIN, 2003, p. 8).
Ampliou-se o atendimento na educação infantil de
95 alunos em 1996, para 246 alunos em 2004. Na Educação
de Jovens e Adultos não havia turmas em 1996, sendo que,
em 2004, havia 265 alunos matriculados e durante esses oito
anos mais de mil alunos dessa modalidade estudaram nas
escolas do campo. Os dados demonstram, também, que
houve uma diminuição no atendimento do Ensino
Fundamental, o que se deve ao atendimento nas escolas
estaduais (CHAPECÓ, 1999c).

A REORIENTAÇÃO CURRICULAR NAS ESCOLAS


DO CAMPO

Em 1997, o trabalho pedagógico e os conteúdos nas


escolas do campo e da cidade seguiam os mesmos padrões:
pensados e organizados por pessoas que não conviviam com
232 A atualidade das ideias de Paulo Freire

as diferentes realidades, mais direcionado ao espaço urbano,


conteúdos predeterminados, enfim, organizavam-se na
mesma perspectiva que, historicamente, manteve-se no
Brasil.
Nesse contexto, a Secretaria de Educação propõe
repensar, também, a educação para as escolas do campo:

Queremos pensar qual é a função social da educação do


campo, isto é, só tem sentido pensar um projeto
educacional para o campo se este de fato contribuir para
que se ‘desenhe’ uma vida melhor aos trabalhadores
agricultores(as) filhos(as) do campo. Compreendendo
assim, que a educação não transforma a sociedade, mas
transforma os sujeitos e serão estes que enquanto classe
poderão modificar seu cotidiano e a sociedade como um
todo (CHAPECÓ, 1998, p. 30).

Com essa intencionalidade, o currículo na educação


do campo foi organizado a partir da realidade deste espaço,
em que se construiu o Projeto Político-Pedagógico de cada
unidade escolar, mas em consonância com o Sistema
Municipal de Ensino. Nessa perspectiva, Cury (1992, p. 111,
grifos nossos) diz que, para organizarmos o currículo, não
basta pensá-lo, simplesmente, na lógica de levantamento de
conteúdos para as diversas disciplinas, pois

[...] o currículo é um meio relevante para a consolidação da


função política na educação, manifesta ou não. É um
instrumento que responde ao o que fazer para se atingir
determinado objetivo.

Dessa forma, um aspecto reorganizado em relação ao


currículo nas escolas do campo foi a metodologia de ensino,
através do Tema Gerador, em que o ponto de partida era a
realidade social dos sujeitos, ou seja, através da pesquisa nas
comunidades para se perceber as principais problemáticas e,
As experiências das escolas... 233

a partir daí, organizar o Tema Gerador, o contratema, a rede


temática e os recortes do conhecimento a serem trabalhados.
Esse, a julgar pelos depoimentos, foi o grande diferencial.
De acordo com o depoimento do Secretário de Educação:

Num momento em que a lógica do país era em outra


direção, mas como nossa diretriz pedagógica era de
construir o planejamento e o conteúdo escolar
considerando a realidade da comunidade escolar, acho que
essa foi a diferenciação, porque a realidade que os
professores construíram era a partir da realidade escolar,
se a comunidade escolar era do campo, eu acho que era a
grande questão até porque a educação do campo tem que
ser a inversão, não pode ser uma educação direcionada
pra formar agricultores, exclusivamente, especialmente da
educação básica e educação infantil e ensino fundamental
ela tem que ser universal, agora a grande conquista foi no
sentido que se tinha um processo democrático e uma
metodologia de ensino diferenciada (Leandro, 2008).

A estrutura curricular também está ligada à forma


como se desenvolve o planejamento e é importante a
utilização do método para se chegar a determinado fim, pois
este sempre tem uma intencionalidade. Segundo Saviani
(1998, p. 67), é através do método que os currículos ganham
movimento:

É o uso dos métodos adequados que irá impulsionar os


conteúdos curriculares na direção dos objetivos propostos.
Na relação dialética objetivos-currículos-métodos [...] cada
um desses elementos é a um tempo condição e
consequência do outro, o que quer dizer que eles se
contrapõem e se compõem num todo único.

Com o objetivo de desenvolver uma ação pedagógica


que levasse em conta os interesses dos grupos dominados, a
metodologia de trabalho ocorria com a intenção de superar a
234 A atualidade das ideias de Paulo Freire

consciência espontânea. Nessa perspectiva, segundo a


professora, o trabalho era desenvolvido da seguinte maneira:

Nós pesquisávamos, fazíamos análise e discussão com os


pais e a partir daí organizávamos o trabalho. A gente
envolvia também os pais, levava em conta as necessidades
do campo, orientava sobre os direitos que os agricultores
tinham. Através do currículo escolar, instrumentalizava o
povo a exercer a cidadania e reivindicar seus direitos na
saúde, na educação, na aposentadoria, para conseguir terra,
até abaixo-assinado nós ajudamos a fazer para a prefeitura
arrumar as estradas [...] eu penso que isso é cidadania. Ou
você é educado para ser sujeito ou para ser sujeitado
(Marizete, 2008).

Após a organização do trabalho, acima descrito, em


algumas escolas apresentava-se, em assembleia, a proposta
definida pelos professores para discussão e aprovação pela
comunidade. A exemplo disso, a professora relata:

A construção do planejamento se dava coletivamente com


a contribuição da equipe pedagógica. A temática
trabalhada era apresentada em assembleia para ser
discutida com os pais e aprovada (Kátia, 2008).

O encaminhamento de discutir com a comunidade


era orientação da Secretaria de Educação para todas as
escolas, porém, ao serem questionados sobre como ocorria
esse debate com os pais, os educadores entrevistados
afirmam que nem todas as escolas conseguiam organizar
desta forma, dependendo principalmente, do grau de
envolvimento dos professores e da comunidade escolar. Por
ser um processo democrático, muitas vezes se evidenciavam
os conflitos entre os que acreditavam construir uma
proposta com os princípios da Educação Popular e os que
não acreditavam, e resistiam em construir o novo, ficando
As experiências das escolas... 235

presos a práticas que tiveram durante toda a sua experiência.


Nesse sentido, a coordenadora das escolas do campo afirma:

Acredito que era um processo democrático, pois na


maioria das decisões de secretaria passavam por
debates/discussões nos espaços escolares por meio de
assembleias, reuniões. A sala de aula era espaço de dois
campos em conflito: um grupo de professores que se
agarravam à velha forma de ensinar que carregava
religiosamente o livro didático e outro grupo de
educadores que estavam abertos à construção curricular
fundamentada nos princípios citados da Educação
Popular (Marizete, 2008).

O que se evidencia nesse processo são as


contradições, em alguns casos, mesmo com a definição
coletiva dos temas geradores, surgiam limites, no sentido de
trabalhar determinados conteúdos em sala de aula, pois
como era uma construção e não algo pronto e acabado,
também era desafiador, no sentido de construir outras
relações que superassem a lógica transmissiva de conteúdos.
Mas, embora com limites, a maioria dos professores
considera que foi um processo único e rico: “A avaliação é
que foi um processo rico de identidade, de troca de saberes,
de respeito com o outro, enfim uma construção coletiva
mais humana” (Solange, 2008).
Com relação aos encaminhamentos para a
organização do planejamento, tanto nas escolas do campo,
quanto da cidade, a pesquisa era algo indispensável na
construção dos temas geradores. Portanto, sendo a pesquisa
investigativa na base da construção curricular, o educador
detém-se na tarefa de entender os grupos sociais, levando
em consideração as relações de trabalho, as vivências, as
resistências, enfim todas as formas que organizam a vida dos
sujeitos. É nesse contexto que vem à tona algumas questões:
Como criar práticas pedagógicas ligadas às práticas sociais,
236 A atualidade das ideias de Paulo Freire

dentro do espaço escolar? Como relacionar a prática escolar


com a pedagogia do trabalho, da cultura, do movimento
social? Nesse sentido é necessário que o professor seja um
pesquisador permanente, com sensibilidade de querer
aprender e ensinar:

Foi um grande desafio, tudo era novidade, pesquisa


participativa, Tema Gerador... Mas creio eu que foram os
anos que mais estudei, aprendi muito com os meus
colegas a buscar, pesquisar, ouvir as pessoas e como fazer
a diferença. Ser humilde, mesmo que muitas vezes
pensava em desistir porque o novo mexe com as pessoas e
nesse caminho encontramos algumas pessoas resistentes à
mudança. Hoje quatro anos depois sei o quanto foi
fundamental o trabalho que fizemos, pois deixamos
marcas nas comunidades nos professores e alunos e em
nós mesmos de que é possível melhorar a vida das
pessoas mesmo que nas pequenas coisas (Inês, 2008).

Nessa perspectiva, a prática pedagógica deve


estabelecer uma relação dialógica entre o trabalho
desenvolvido na escola e a problemática da comunidade,
conforme tese aprovada na Segunda Conferência Municipal
de Educação:

Tese nº 71 - A pesquisa investigativa se dará no decorrer


de todo o ano letivo observando as conversas de alunos,
pais e comunidade e registrando todas as falas, expressões
e manifestações que forem necessárias para definir a
problemática central, ou no decorrer do ano para dar
continuidade ou redimensioná-la. A definição da
problemática percebida a partir da pesquisa deve ser
definida com a participação de todos os segmentos da
comunidade escolar (CHAPECÓ, 1999c, p. 37).

Na intencionalidade de pesquisar para conhecer a


realidade e as problemáticas das comunidades, no início do
As experiências das escolas... 237

ano letivo, nas escolas do campo, organizava-se um plano de


pesquisa nas diferentes comunidades, e, conforme a
necessidade, o coletivo da escola utilizava três a quatro dias
para visitar as famílias. Registravam as falas, depoimentos,
observações e, após esse processo, retornavam à escola para
organizar o planejamento das aulas.
É importante ressaltar que o ponto de partida na
organização do trabalho pedagógico é a realidade dos alunos,
das comunidades, já que no desenvolvimento do trabalho
pedagógico este é o ponto de partida, mas em hipótese
alguma se deve ficar somente na realidade social. É
necessário a mediação do professor, com os conhecimentos
já produzidos, historicamente, para ampliar a visão de
mundo dos alunos, fazendo com que eles construam
relações tanto no nível micro, quanto no macro. Assim, não
bastava apenas entender a realidade, mas era necessário
apropriar-se dos conhecimentos científicos, construindo
relações com a totalidade. Giroux (1997, p. 29) aponta o
papel da mediação afirmando que:

Enquanto intelectuais combinarão reflexão e ação no


interesse de fortalecerem os estudantes com habilidades e
conhecimento necessários para abordarem as injustiças e
de serem atuantes críticos comprometidos.

Com o trabalho partindo da pesquisa da realidade


social dos alunos e da comunidade, houve uma inversão na
maneira de trabalhar os conteúdos, pois até então esses já
vinham predeterminados da Secretaria de Educação e,
normalmente, construídos por pessoas do espaço urbano
que, muitas vezes, tinham pouco conhecimento do espaço
do campo. Com o trabalho de pesquisa e construção do
Tema Gerador, a definição dos conteúdos se dava a partir da
realidade em que os alunos estavam inseridos.
Embora a Lei do Sistema Municipal de Ensino
indicasse a possibilidade de, na educação no meio rural,
238 A atualidade das ideias de Paulo Freire

elaborar uma proposta curricular envolvendo as diversas


instituições ligadas a esse local, além de atender às reais
necessidades e interesses do aluno, um limite apontado pelos
pais foi com relação às disciplinas que faziam parte do
currículo, pois, segundo eles, sempre sugeriam a inclusão de
uma disciplina voltada às questões específicas do campo e
isso não ocorreu na prática, conforme nos relata um pai:

A nossa ideia na época era que o currículo escolar da


escola do campo fosse mais voltado pra agricultura
mesmo, para nossa realidade assim tipo que se existisse
uma matéria pra agricultura, hoje a gente se vê que um
agricultor ou uma pessoa que entenda na agricultura tem
que se formar fazer uma agronomia, sendo que isso aí pra
um filho de agricultor que tenham baixa renda não tem
condições de fazer. [...] Por exemplo, um técnico agrícola
hoje simplesmente ele vai ensinar quanto de adubo tem
que comprar, quanto de adubo tem que pôr na planta, [...]
simplesmente a serviço das empresas então eles não vão
estudar para fixar no campo, simplesmente para ir servir
ou trabalhar para uma agroindústria (Pedro, 2008).

Nesse depoimento, percebe-se a preocupação do pai


em buscar alternativas de incentivo para que os filhos
mantenham a relação com a terra, uma vez que na lógica
colocada vem se desenvolvendo o oposto, isto é, a saída do
campo, já que as condições de sobrevivência estão cada vez
mais difíceis para os pequenos agricultores.
É importante ressaltar que a escola do campo tem as
suas especificidades, porém, deve-se ater para o fato de que,
historicamente, a lógica da educação se funda numa
dualidade, conforme a classe social. Portanto, ao ressaltar a
necessidade de a escola do campo ter especificidades, estas
devem apontar no sentido de elementos que determinam o
ponto de partida a ser superado; pois, ao enfatizar o
isolamento e a fragmentação das escolas do campo, estaria se
As experiências das escolas... 239

mantendo a dualidade entre campo e cidade, além de outros


aspectos.

As oficinas pedagógicas nas escolas do campo

A preocupação em reorganizar os tempos de


aprendizagem dos alunos, no sentido de que não fosse
apenas uma mudança de nome da seriação para os ciclos,
mas que realmente possibilitasse o atendimento das
necessidades, fez com que, em muitos espaços, educadores,
juntamente com a Secretaria de Educação, organizassem
alternativas para ajudar os educandos a superarem suas
dificuldades.
No campo, como o número de alunos com
dificuldades de aprendizagem não era grande, organizavam-
se oficinas por necessidade, ou seja, fazia-se um
levantamento das principais dificuldades dos alunos,
organizando grupos conforme a grande dificuldade
(independentemente da turma em que estudasse) e
desenvolviam-se atividades diferenciadas para ajudar a
superar essas dificuldades.
Com relação às escolas do campo, alguns professores
avaliam que a falta de uma turma ou professor, para ajudar
os alunos a superarem as dificuldades, limitou a proposta,
pois somente as oficinas pedagógicas não garantiam os
avanços necessários aos alunos com dificuldades de
aprendizagem, conforme relato da professora:

Para mim, um limite da proposta foi o avanço


progressivo, porque muitos alunos não tiveram os
reforços paralelos e aí avançavam com dificuldades em
relação à turma (Kátia, 2008).

O avanço progressivo ocorria durante os três anos de


cada ciclo e no final desse período, caso o aluno não tivesse
condições de “acompanhar” a turma, era retido e
240 A atualidade das ideias de Paulo Freire

encaminhado à turma de progressão para ser,


posteriormente, enturmado. Nas escolas do campo, a falta
da turma de progressão era um problema, pois em alguns
casos os alunos não avançavam para o próximo ciclo e em
outros avançavam com dificuldades. A tentativa de superar
as dificuldades ocorria nas oficinas pedagógicas:

Aconteciam oficinas entre alunos das diferentes turmas e


diferentes áreas com a contribuição dos professores, da
coordenação e da direção. Também na sala de aula havia
uma troca (Kátia, 2008).

Nesse processo, envolvia-se todo o coletivo da


escola, o que permitia o trabalho com um número menor de
alunos e a possibilidade de contribuir mais individualmente,
conforme a necessidade do aluno. De acordo com a
avaliação dos professores, as oficinas contribuíam
significativamente no processo ensino-aprendizagem e eram
desenvolvidas semanalmente, ou conforme as dificuldades
dos alunos.

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO


CAMPO

A Educação de Jovens e Adultos, em Chapecó,


anterior a 1997, tem características semelhantes à história da
Educação de Jovens e Adultos do Brasil, promovendo uma
política paliativa, voltada para o atendimento da demanda do
mercado. Essa proposta privilegiava as Suplências I e II, ou
seja, até a 4ª série do ensino fundamental, entendida como
escolarização compensatória tardia, qualificação para o
mercado de trabalho. Portanto, não era de ser vista como
um direito.
Durante o ano de 1997, com um processo contínuo
de formação de educadores, surgiu a necessidade de
reorganizar a estrutura existente até então, desde as
As experiências das escolas... 241

nomenclaturas até a forma de desenvolver a ação


pedagógica. A Educação de Jovens e Adultos inicia uma
construção própria, com suas especificidades e voltada aos
interesses de uma parcela da população que, historicamente,
foi excluída da educação escolar. Estes alunos trazem ricas
experiências de vida e a educação vai adquirindo uma
concepção diferente da que se desenvolvia até esse período.
Os índices de analfabetismo, no município, eram elevados,
conforme dados apresentados:

Os dados expostos nas pesquisas, sobre a população do


Município de Chapecó/SC, aproximadamente 145.000
habitantes e, segundo o IBGE de 1991, 16,19%
analfabetos, a Administração Popular 1997-2000 define a
EJA como uma das prioridades do governo. Na segunda
Administração Popular a EJA continua sendo prioridade,
pois entende-se que a educação é um direito de todos.
Iniciou-se esta com 6,37% de analfabetismo, conforme
IBGE/2000, em uma população de 146.967 habitantes
que corresponde a 8.452 jovens e adultos analfabetos
(CHAPECÓ, 2002, p. 10).

No campo, para dar conta dessa demanda, também


se elaborou uma proposta específica para Jovens e Adultos,
pois era necessário proporcionar uma educação em
consonância com a realidade social e os interesses dessas
populações. Organizaram-se coletivos de professores
habilitados nas diferentes áreas do conhecimento, os quais
formavam grupos para atenderem as diversas comunidades.
Isso só foi possível devido à implantação do transporte que
garantiu a locomoção dos professores. Essa mobilidade
passou a ser chamada pela comunidade de EJA Itinerante.
Esse coletivo contava com a assessoria da Secretaria de
Educação que se reunia um dia por semana para estudo,
planejamento e pesquisa (CHAPECÓ, 2004).
242 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Foi nesse movimento, conforme depoimento da


professora, que muitos se despiram da ideia de que é o
professor quem detém o conhecimento e se colocaram na
condição de pesquisadores. Foi um grande aprendizado
tanto para mim como para os alunos:

Nessa proposta eu enquanto professora precisava


pesquisar e estudar, pois tinha que entender as relações
que se estabelecem nas diferentes áreas e não somente a
minha área (Lúcia, 2008).

Essa metodologia do trabalho pedagógico, a partir da


realidade, possibilitou a construção de relações mais
solidárias entre os sujeitos envolvidos no processo.
Considerando essa realidade da comunidade escolar da rede
pública municipal do campo, cuja maioria é formada por
pequenos proprietários, empregados rurais, arrendatários e
desempregados, o trabalho desenvolvia-se da seguinte
forma:

O currículo da EJA do Campo é construído a partir da


pesquisa socioantropológica junto aos alunos e a
comunidade, a partir da metodologia do Tema Gerador
na concepção Freireana. A partir das ‘falas’ são definidos
os temas/problemáticos denunciados na pesquisa, e após
essa constatação, constrói-se a Rede Temática. A partir
disso, são organizadas as programações das áreas do
conhecimento contemplando as problematizações e
recortes do conhecimento em diferentes dimensões
(CHAPECÓ, 2004, p. 38).

Desta forma, visualizam-se as diferentes


problemáticas pertinentes à realidade do campo, o que vem
contribuir na qualificação da educação do campo, porém não
se pode ficar somente na realidade, é necessário conhecê-la
para transformá-la, conforme Pinto (1986, p. 104):
As experiências das escolas... 243

Entenda-se não somente a modificação dos conteúdos da


consciência, mas, sobretudo, de sua dinâmica, de sua
forma de apreender a realidade. A ‘conscientização’ será,
pois, entendida como um processo de construção de
conhecimentos que há de levar a ver a realidade social
como uma totalidade determinada, na qual avulta a
contradição entre o capital e o trabalho o que permite
compreender os interesses objetivos da classe
trabalhadora.

Tendo essa compreensão da possibilidade de


mudanças na visão de mundo dos sujeitos envolvidos no
processo, a escola passou a ser referência em muitas
comunidades, principalmente pelo trabalho desenvolvido na
Educação de Adultos. Este contribuiu na organização das
comunidades, como na organização da cooperativa dos
cortadores de erva-mate, hortas comunitárias e associação de
artesões. Esse processo possibilitou a integração entre as
escolas do campo, a participação dos alunos nos
movimentos sociais, nos sindicatos, associações, entre outros
(CHAPECÓ, 2004). De acordo com o depoimento da
professora:

A educação tem que atender a demanda da população


menos privilegiada, de maneira que ajude a ter
informações e contribua para que as pessoas conheçam a
realidade e possam transformá-la (Kátia, 2008).

Nessa perspectiva, os trabalhadores do campo foram


sendo incentivados e instrumentalizados, no sentido de
buscarem respostas coletivas para seus problemas. Embora a
Administração Municipal tivesse criado algumas políticas
públicas de incentivo à busca de melhores condições de vida
e permanência dos agricultores no campo (feiras, produção
agroecológica, hortas comunitárias...), elas acabam sendo
momentâneas e paliativas, pois não resolvem as questões de
244 A atualidade das ideias de Paulo Freire

fundo, como a desigualdade social, gerada pela atual política


desenvolvida no país.

FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO E A


RELAÇÃO COM OS MOVIMENTOS SOCIAIS

A formação de professores do campo, até o período


de 1997, ocorria com uma reunião mensal para tratar de
assuntos administrativos e duas a três vezes no ano
aconteciam grandes palestras com toda a rede municipal.
Percebe-se que não havia de fato uma política voltada à
formação para qualificar o trabalho pedagógico.
A escola, enquanto um dos espaços educativos, deve
construir um processo de formação dos profissionais para
que deem conta de mediar a construção do conhecimento.
Nesse sentido, um dos objetivos da Administração Popular
foi:

Fortalecer o programa de educação continuada dos


trabalhadores em educação, valorizando a práxis da ação-
reflexão-ação na construção da política educacional,
buscando suporte teórico e troca de experiências junto às
instituições e movimentos sociais que tenham como base
de suas propostas e práticas, a Educação Popular
(CHAPECÓ, 1999b, p. 33).

Buscando avançar no processo de construção da


educação na rede municipal, os professores necessitavam de
um programa de formação continuada, já que a perspectiva
pretendida na educação não era algo pronto/acabado, mas
uma experiência a ser construída. Assim, havia a necessidade
de estudar, pesquisar, trocar experiências.
A formação dos professores do campo ocorria em
diferentes momentos: um na formação geral da rede
municipal, nos seminários, conferências e debates, onde
ocorriam estudos e elaboração das diretrizes da educação.
As experiências das escolas... 245

Outro momento ocorria com a formação mais específica


para os professores do campo, com encontros pedagógicos
mensais em que havia momentos de estudo, diálogos,
reflexões, trocas de experiências, elaboração e socialização
do planejamento para ser analisado pelo coletivo e
acrescentadas sugestões. Além desses momentos citados, a
formação também ocorria em consonância com a
construção da proposta Por uma Educação do Campo, que
vinha sendo discutida e elaborada naquele período.
O envolvimento com os movimentos sociais e
entidades que organizavam uma educação a partir das
experiências vivenciadas no campo, foi, em grande medida,
formativo. Conforme relato da professora, essas vivências
foram essenciais no processo formativo:

A educação era pensada para todos e ocorria troca de


saber entre o científico e o popular e esse processo
produzia conhecimento nos mais diversos espaços da
comunidade, nos movimentos sociais, embora eu avalie
que o envolvimento com os movimentos sociais pudesse
ter sido maior, pois eu aprendi mais com os movimentos
sociais do que na universidade. Eu aprendi tantas coisas
nas caminhadas, nas lutas... eu participei de lutas do MST,
do MMA que hoje é MMC, da Consulta Popular e do
Sindicato (Marizete, 2008).

A primeira participação de professores de Chapecó


em ações dos movimentos sociais ocorreu na 1ª Conferência
Nacional Por uma Educação do Campo, em que foram
eleitos representantes para essa participação. Entre os vários
debates dessa conferência, criou-se um expressivo
movimento pedagógico, com experiências escolares que
tinham como pano de fundo a concepção de Educação
Popular, ligada às matrizes culturais do campo (SANTIN,
2003, p. 34).
246 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Esse período é marcado por intensos debates e


tentativas que visavam à superação da fase “rural” na
educação escolar, em que se busca construir uma outra
perspectiva de educação, a qual passa a ser denominada “do
campo”. Mas essa não se deu de forma hegemônica no país,
foram experiências desenvolvidas no âmbito de movimentos
sociais e algumas administrações. A Secretaria Municipal de
Educação de Chapecó, através da coordenação e professores
das escolas do campo, envolveu-se nesse processo. Segundo
Santin (2003, p. 35): “Há uma mobilização local, regional,
estadual e nacional na luta para garantir uma “[...] educação
básica do campo, portanto com novas metodologias
principalmente a freireana”.
Em 1999, após a participação na Conferência
Nacional, no município de Chapecó foi organizado um ciclo
de debates em quatro etapas com a participação de
assessorias ligadas aos movimentos sociais e à concepção da
Educação do Campo, que se estava construindo em nível
nacional. Também houve envolvimento na organização e
participação das 1ª, 2ª e 3ª Conferências Estaduais Por uma
Educação do Campo e no Seminário da Região Sul, em que
grande parte dos professores do campo participaram.
Em 2002, houve participação de representantes das
diferentes escolas do campo do município no Seminário
Nacional Por uma Educação do Campo e, em 2004, um grupo
de professores também participou de um Seminário Estadual
de Educação do Campo, organizado pelo MEC. Esses
processos formativos foram contribuindo com a formação
dos professores, conforme afirma a professora:

A formação dos professores do campo se dava a cada 15


dias em que se estudava e refletia sobre a prática e
planejava-se com a participação da Secretaria de
Educação. Com várias atividades, como: ciclos,
Seminários e outros. Foi maravilhoso! Um processo
criativo, formador e libertador (Salete, 2008).
As experiências das escolas... 247

Portanto, a formação dos professores do campo


esteve voltada a aspectos que pudessem, de fato, contribuir
com a construção do conhecimento específico, visando
possibilitar uma atuação mais voltada à realidade dos
sujeitos, conforme a Tese aprovada na II Conferência
Municipal de Educação a seguir:

A formação continuada dos educadores necessita garantir


os encontros por áreas, com troca de experiências e
socializações dos materiais produzidos e pesquisados e
aprofundamento específico (CHAPECÓ, 1999b, p. 33).

Percebe-se que na formação dos professores do


campo, além das trocas de experiências, aprofundamento
teórico, também houve a preocupação de dar conta das
especificidades do contexto, pois, além de estar vinculada
aos movimentos sociais do campo, havia a preocupação de
uma formação voltada à transformação da sociedade atual.

ESCOLA DO CAMPO: ESPAÇO DE


PARTICIPAÇÃO

Construir um processo de participação nas escolas


do campo não foi algo que ocorreu de um momento para
outro, pois, de acordo com informações obtidas em
conversas informais, tanto de pais, quanto de professores, os
pais estavam acostumados a serem chamados na escola para
receber a avaliação, para reclamações sobre comportamento
dos filhos e para ajudar na limpeza de pátio. No momento
em que a administração municipal buscou construir um
processo de participação efetiva nas escolas, houve
necessidade de outra postura tanto das pessoas que
trabalhavam na escola como dos pais, sendo um trabalho
persistente e desafiador, como indica a entrevistada:
248 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Tínhamos autonomia, nos víamos enquanto protagonistas,


deixávamos de ser passivos e participávamos. Uma
disciplina completava a outra no trabalho, pois
conseguíamos trabalhar coletivamente, dialogando, se
ajudando. Era legal, a gente vivenciava a democracia
escolhia, votava, todos opinavam e saía os
encaminhamentos. Tanto nós como os alunos podiam
questionar, reclamar, fazíamos debates (Lúcia, 2008).

A experiência de educação do campo desenvolvida


durante os oito anos do governo popular distingue-se das
anteriores, especialmente por ter uma intencionalidade e
princípios voltados aos interesses das classes populares.
Historicamente, a democracia tem sido utilizada
como um preceito liberal, mas Wanderley (1986, p. 67)
atenta para essa discussão, mais recentemente, dizendo:

O que há de importante hoje é que a discussão na


América Latina sobre a democracia passa do nível
ideológico para o nível das ciências sociais, ou seja, ela se
dá ao nível das necessidades fundamentais de
sobrevivência e de reprodução da população, quer no
plano econômico, quer nos planos políticos e sociais. [...]
Em outros termos, democracia, fundamentalmente,
significa justiça social. [...] significa a extensão dos direitos
democráticos e a produção dos sujeitos capazes de
exercê-los; significa, enfim, uma forma de vida.

Embora a estrutura de Estado limite as


possibilidades de democratização e participação popular, a
perspectiva desenvolvida no município, no período
estudado, aponta para a ampliação de espaços mais
democráticos e participativos. A democracia com
participação, para além da democracia burguesa, perpassa
diversos momentos na construção da proposta educacional,
desenvolvida nas escolas do campo, as quais foram objeto
deste estudo. Nessa perspectiva, Pinto afirma que uma
As experiências das escolas... 249

prática pedagógica da educação popular, requer a


participação popular:

A participação da população na Educação Popular não é


acessória, mas essencial. Entenda-se participação como
‘assumir a parte que lhe toca por direito’, isto é, em
termos concretos, ‘defender o trabalho’. Essa participação
não pode dar-se somente em alguns momentos do
processo de educação, mas em todos. [...] Não se trata,
pois, de fazer com que a população (o povo) participe no
projeto do Estado, orientado ao desenvolvimento do
capital. Trata-se de que o povo assuma prioritariamente o
controle do seu próprio projeto de desenvolvimento
(PINTO, 1986, p. 105).

Portanto, a participação ocorria nos diversos


momentos, espaços, segmentos da comunidade escolar. De
acordo com educadoras do campo entrevistadas, é consenso
que houve mudanças significativas na educação do campo, a
partir da Proposta de Educação Popular, em que se destacou
a participação e o envolvimento dos pais na escola,
conforme elucidado no depoimento:

Um grande avanço foi a participação dos pais porque os


pais não eram chamados só para discutir, mas eles
vivenciavam o processo, se sentiam parte, então
ajudavam, participavam. [...] Se pensava a educação do
campo para o campo, este espaço era valorizado
(Marizete, 2008).

Os pais também destacaram o envolvimento e a


participação nas diferentes atividades desenvolvidas na
escola:

A participação dos pais e das comunidades era muito


grande porque tinha mais atração, por exemplo, quando se
fazia assembleia reunia bastante gente, os pais eram
250 A atualidade das ideias de Paulo Freire

convocados pra assembleia tinha várias apresentações. [...]


Os pais se sentiam bem na época. Quando mudou a
administração, eu lembro que um dia de uma atividade até
eu tive que entrar pra ajudar fazer uma apresentação,
porque não tinha ninguém que apresentasse (Pedro, 2008).

Além da participação dos segmentos nas atividades


escolares, também houve um período de ampliação e maior
democratização nas tomadas de decisões, em que a
comunidade ajudava a decidir as prioridades de
investimento, através do Orçamento Participativo, além do
Conselho Escolar ser o órgão máximo, com poder de
decisão no espaço escolar.
De acordo com a Lei Municipal de Criação dos
Conselhos Escolares, estes são constituídos por
representantes eleitos pelo segmento de pais, alunos,
professores e funcionários encarregados de discutir e
elaborar o planejamento da escola, passando a ter funções
pedagógicas, administrativas, consultivas e fiscalizadoras
como editar, modificar e aprovar o orçamento da escola,
criar e garantir mecanismos de participação efetiva e
democrática da comunidade escolar na construção do
Projeto Político-pedagógico da escola. Para que os
representantes desempenhassem melhor sua função, a
Secretaria de Educação organizou encontros de estudo com
debates referentes à atuação e participação dos conselheiros
no Conselho Escolar (CHAPECÓ, 1999a).
Culturalmente, porém, pais e alunos foram
acostumados à ideia de que pessoas que tem estudo sabem e
eles não sabem. Constatamos, em conversas informais, que
em alguns espaços, mesmo com a criação dos conselhos
escolares, não houve a democratização das decisões e do
poder, pois acabaram ficando centralizadas nas direções e
nos professores da escola. Já em outros espaços, os
conselhos escolares se constituíram atuantes e fortes na
gestão. Ajudaram a organizar a participação de pais e alunos
As experiências das escolas... 251

na definição do currículo escolar (dos temas a serem


trabalhados), na avaliação, na construção do Projeto
Político-pedagógico, na aplicação de recursos recebidos,
entre outros. Sobre a função do conselho escolar, um
membro que dele fazia parte relata:

Na Administração Popular, o conselho tinha espaço para


discutir a proposta pedagógica, participar nos congressos
e seminários, ajudar a organizar a proposta de trabalho da
escola, auxiliar na parte administrativa que envolvia
professores, alunos e servidores (Paulo, 2008).

Ao observar as atas das reuniões do Conselho


Escolar, a partir de 2004, inicialmente, percebe-se que os
membros do conselho se posicionam em relação às
mudanças e às perdas de direitos conquistados, como a
Eleição de Diretores, mas mesmo assim o Poder Público
manteve as mudanças definidas pelo mesmo.
Na perspectiva de construir um processo educacional
com maior participação é importante que os conselhos
escolares atuem nos diversos aspectos, conforme orientação
do MEC:

O Conselho Escolar, como parceiro de todas as atividades


que se desenvolvem no interior da escola, elege a essência
do trabalho escolar como sua prioridade. Para tanto, sua
tarefa mais importante é a de acompanhar o
desenvolvimento da prática educativa e,
consequentemente, do processo ensino-aprendizagem
(BRASIL, 2007, p. 50).

Percebe-se, nas conversas informais, que na maioria


dos espaços havia participação do conselho escolar, não
somente na perspectiva de contribuir com aspectos
administrativos, mas também com o pedagógico da escola.
252 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Porém, essa perspectiva de gestão mais democrática


rompeu-se com a mudança de administração.
Considerando os processos que foram construídos a
partir da Administração Popular, constatamos avanços
importantes na educação do campo, por conta de decisões
políticas de construir práticas educacionais e ações que
pudessem contribuir com as pessoas daquele espaço.
Embora com limites circunstanciais e estruturais, apontados
no decorrer da pesquisa, percebemos que foi uma grande
experiência, pois possibilitou organizar espaços e sujeitos da
educação sob a perspectiva de emancipação humana.
Observando as práticas desenvolvidas nas escolas do
campo, no município de Chapecó, constatamos que quando
as pessoas têm oportunidade de vivenciar processos de
democracia participativa, não são aceitas passivamente
práticas de imposição, normalmente consideradas como
“naturais”; e passam a questionar e cobrar ações que são de
responsabilidade do poder público.
Mas, analisando a experiência desenvolvida, o
impasse volta, talvez, a uma das questões cruciais desse
debate sobre os limites de ações que possibilitem a
emancipação humana, no âmbito do Estado burguês.
Embora a experiência desenvolvida no município de
Chapecó tenha construído práticas voltadas a uma
sociabilidade opostas à da escola capitalista; estas até se
mantêm com rupturas temporárias, mas quando envolvem
uma abrangência maior, esbarra-se nas impossibilidades de
ações. Para ilustrar esse processo, citamos a experiência
construída em Chapecó, sobre a participação dos pais e
comunidade que, com a mudança de administração, foi
deixando de acontecer e de forma intencional, pois não é
interesse dos representantes da classe dominante que a
população participe efetivamente das decisões.
As experiências das escolas... 253

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerar o contexto e os processos históricos


que desencadearam a possibilidade de uma Administração
Popular assumir o governo municipal em Chapecó, percebe-
se as relações de poder que se estabeleceram no processo de
colonização, o que resultou numa cultura de mandonismo
local e de aceitação – por parte da classe trabalhadora – dos
desmandos dos representantes da burguesia local, bem como
o uso da máquina pública a serviço de alguns.
Na construção da experiência de Educação do
Campo desenvolvida no município, a educação apresentou-
se como uma das possibilidades de construir práticas na
direção da emancipação humana, contrapondo-se à educação
capitalista. Mas teve suas limitações, principalmente, por
estar sendo constituída na via institucional na estrutura de
uma sociedade que predomina o Estado burguês.
Ao avaliar a experiência construída no município,
verificamos que a Administração Popular conseguiu certa
ruptura temporária, ou seja, até que se manteve à frente da
administração e, por um período subsequente, conseguiu
adesões da população na luta pela permanência de alguns
direitos conquistados. Porém, com o empenho dos
representantes da burguesia local em destruir todo o
processo construído (desarticulação dos coletivos, ameaças e
perseguições explícitas...), as resistências foram diminuindo
com o passar dos tempos. Cabe evidenciar que o projeto
alternativo da administração, no espaço do campo, foi
aprovado através do voto, que continuou sendo favorável à
administração popular. No entanto, as populações do campo
são a minoria e não conseguem ultrapassar a hegemonia da
população urbana.
Olhando para o processo desenvolvido, considero
que foi uma grande experiência, porém, por estar atrelada às
vias institucionais do Estado burguês, acabou ficando
254 A atualidade das ideias de Paulo Freire

comprometida, pois no momento em que venceu nas urnas


o projeto conservador, pessoas com projetos diferentes
assumem o poder e de forma autoritária e intencional
interrompem os processos democráticos. Nesse sentido,
tanto os ensinamentos de Marx e Engels, quanto Mészáros,
entre outros, justificam que uma educação para além do capital
não cabe na estrutura da sociedade capitalista.
É importante ressaltar que esse processo trouxe
contribuições para a vida de muitas pessoas que, após terem
vivenciado uma experiência, como esta que foi descrita,
certamente entenderam com maior clareza as contradições
do atual sistema e deixaram de ser indiferentes às relações
desiguais e injustas. Nesse processo, também se entende que
a educação, por si só, não garante a transformação da
sociedade, mas a participação de sujeitos conscientes e
organizados pode contribuir nessa perspectiva, embora
dentro dessa estrutura de sociedade capitalista tenha limites.
Cabe destacar também que não se rompe definitivamente
com um “modelo” e se implementa outro, mas é um
processo contraditório que vai se construindo no decorrer
da caminhada, em que teorias e práticas se mesclam entre as
que existiam e as que vão se constituindo.
Nesse processo contraditório, experiências como
estas podem estar contribuindo com a construção de outra
sociabilidade, embora esbarrando nas limitações da
sociedade capitalista.

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III

O “OUTRO” NA ESCOLA: A BUSCA POR UMA


PROPOSTA PEDAGÓGICA INCLUSIVA

Ivanete Fátima Solivo Pavan

INTRODUÇÃO

A inclusão faz parte da realidade nas escolas da rede


municipal de educação de Chapecó. No entanto, estas têm
demonstrado, em suas práticas pedagógicas, dificuldades em
dar conta de sua função social no que se refere às políticas
inclusivas. Torna-se necessário aprofundar o debate sobre a
proposta pedagógica a ser trabalhada com toda a
comunidade escolar, bem como o debate sobre a
diversidade. Isso implica em buscar compreender a
heterogeneidade, as diferenças individuais e coletivas, as
especificidades do humano e, sobretudo, as diferentes
situações vividas na realidade social e no cotidiano escolar.
No município de Chapecó, os educandos, pais,
educadores, enfim, toda a comunidade da rede municipal de
ensino puderam vivenciar e participar das duas Propostas
Político-Pedagógicas desenvolvidas pela rede. Ambas muito
distintas em sua organização e seu prisma étnico, social e
cultural. Neste momento, fazer análise comparativa entre
ambas significa a busca por propostas pedagógicas
curriculares que demonstrem a nossa capacidade de nos
mobilizarmos para pôr fim ao paternalismo, ao


Mestre em Ciências da Educação pela Universidad Politécnica y
Artística del Paraguay (UPAP), atua como professora na Educação
Infantil da rede pública municipal. E- mail: ifspavan@gmail.com.
260 A atualidade das ideias de Paulo Freire

protecionismo e a todos os argumentos que pretendem


justificar a nossa incapacidade de fazer jus ao que todo e
qualquer educando merece uma escola capaz de oferecer-lhe
condições de aprender, na convivência com as diferenças e
que valorize o que consegue entender do mundo e de si
mesmo.
Presencia-se, atualmente, uma crise paradigmática
que aponta para a falência do modelo educacional
tradicional, arcaico e excludente. A escola não pode
continuar negando o que acontece ao seu redor, oprimindo,
excluindo e marginalizando as diferenças.
Ao longo do processo histórico no Brasil, percebe-se
que o atendimento da educação especial, enquanto sistema
de ensino, tem sido de assistência às crianças e jovens
deficientes, e não o de educação de alunos que têm
necessidades educativas especiais.
A concepção e os princípios da educação inclusiva,1
dentro de um contexto mais amplo que dizem respeito à
estrutura da sociedade, encontram-se associados aos
movimentos de garantia dos direitos, exigem a
transformação dos sistemas de ensino em relação à
fundamentação, à prática pedagógica e aos aspectos do
cotidiano da escola.

1 Educação Inclusiva: direito a diversidade – Programa iniciado em 2003,


pelo Ministério da Educação – Secretaria de Educação Especial que
contou com a adesão de 144 municípios-polo que passaram a atuar como
multiplicadores da formação para mais 4.646 municípios da área de
abrangência. O objetivo geral do programa é garantir o acesso de todas
as crianças e adolescentes com necessidades educacionais especiais ao
sistema educacional público, bem como disseminar a política de
construção de sistemas educacionais inclusivos e apoiar o processo de
implementação nos municípios brasileiros. O município de Chapecó
passou a desempenhar a função de multiplicador do programa aos
municípios da região, onde representantes da Secretaria de Educação
passaram a receber formação junto ao Ministério de Educação – Brasília.
O “outro” na escola... 261

A educação inclusiva, orientada pelos princípios dos


direitos humanos e pela proposta pedagógica de que todos
podem aprender, passa a contrapor o paradigma tradicional
da organização do sistema educacional, que conduzia
políticas especiais para pessoas com deficiência definidas no
modelo de segregação e de integração, com ênfase na
abordagem clínica. Seguindo a lógica de escolas especiais,
organizadas a partir da identificação da deficiência ou do
encaminhamento desses alunos para classes especiais, essas
políticas conduziram a espaços segregados, entendidos como
seu lugar de destino, que acabam por discriminar e excluir
alunos em razão de deficiências, desvantagens, dificuldades e
atitudes.
A partir dessa compreensão, os professores, na sua
relação com a comunidade, podem identificar elementos que
contribuam na elaboração de estratégias pedagógicas,
favorecendo a intervenção no enfrentamento da exclusão
educacional e social. Uma tarefa fundamental é organizar as
escolas para a eliminação das barreiras, o fortalecimento das
relações entre a escola e a família, o acesso aos serviços
sociais da comunidade, o planejamento participativo, a troca
de experiências no trabalho pedagógico e o desenvolvimento
de mecanismos de gestão que priorizem a inclusão
educacional.
As raízes históricas e culturais do fenômeno
deficiência sempre foram marcadas por forte rejeição,
discriminação e preconceito. A educação inclusiva, como
diretriz para a transformação na estrutura da escola, foi
definida pelo Ministério da Educação como política pública
que assumiu sua disseminação por meio do Programa
Educação Inclusiva: direito à diversidade, iniciado em 2003.
Essa ação conduziu um processo amplo de reflexão nos
sistemas educacionais sobre as formas tradicionais do
pensamento pedagógico e de ruptura com a concepção
262 A atualidade das ideias de Paulo Freire

determinista da relação entre condições históricas,


desvantagens sociais, deficiência e a não aprendizagem.
O programa afirma o direito de todos à educação, o
acesso dos alunos com necessidades educacionais especiais à
rede regular de ensino; e introduz o debate sobre a
diversidade na formação de gestores e educadores, de forma
que as práticas do cotidiano escolar não reforcem as
desigualdades pela limitação das perspectivas e expectativas
de aprendizagem e participação; que passem a compreender
as diferenças como parte da identidade de cada sujeito e não
como um problema aos sistemas de ensino e as propostas
educacionais.
O processo de inclusão social prevê um novo tipo de
sociedade, com transformações em todos os seus espaços.
No Brasil foi se construindo, neste processo histórico, a
consciência acerca dos direitos das pessoas com deficiência,
criação de instrumentos legais e gradativas implantações de
sistemas educacionais com objetivos mais inclusivos.
O Programa de Educação Inclusiva: Direito à
Diversidade, considerado avanço histórico no país, onde o
Ministério de Educação buscou desenvolver a política de
educação inclusiva pressupondo a transformação do Ensino
Regular e da Educação Especial. Nessa perspectiva, são
implantadas diretrizes e ações que reorganizam os serviços
de Atendimento Educacional Especializado oferecido aos
alunos com deficiência, visando a complementação da sua
formação e não mais a substituição do ensino regular. O
município de Chapecó passou a ser agente multiplicador
como cidade-polo e os participantes, agentes multiplicadores
com apoio do Ministério da Educação. Desenvolvia-se, na
época, como Política Educacional de Educação Popular –
Tema Gerador, pautada nos ensinamentos de Paulo Freire,
processo este que foi interrompido com a eleição para o
governo municipal, em final de 2003. Foi percorrida uma
caminhada de oito anos de governo popular em Chapecó,
O “outro” na escola... 263

com grandes esforços e avanços significativos na educação


como um todo. Enquanto processos sociais, tinham a
filosofia de inclusão como possibilidade de uma sociedade,
onde se pudesse viver de fato o direito à cidadania,
independentemente das diferenças sociais, de cor, raça,
gênero, deficiências, onde os excluídos não sejam o outro na
sociedade, mas que haja equiparação de oportunidades.
A ética na educação está relacionada ao desejo de
realizar a vida, desejo este que nos leva enquanto educador a
fazer opções político-pedagógicas, direcionando as nossas
ações enquanto educador. Segundo Freire (1996, p. 17):

Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da


decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos,
transformadores, a não ser assumindo-nos como sujeitos
éticos.

Os educadores necessitam ter ciência de que o fazer


pedagógico é fortemente influenciado e determinado por
nosso contexto histórico, e esse contexto social ao qual
estamos inseridos nos leva a acreditar que o respeito às
diferenças é algo supremo, no entanto, também precisamos
ter ciência de que a sociedade em sua prática prega
constantemente, de uma forma sutil, a desigualdade, a
individualidade, a competitividade e a exclusão.
O processo de inclusão, como enfatiza
constantemente Sassaki (1997), é um processo de construção
de uma sociedade para todos, e dentro dessa sociedade um
dos direitos básicos de todo ser humano é a aspiração à
felicidade ou, como outros lhe preferem chamar, à qualidade
de vida.
Na sociedade em que vivemos, julgamos aos outros a
partir de nossas experiências, convivências, enfim, a partir de
nós, vistos como seres “normais e perfeitos”. Então como se
deu a construção social da identidade do anormal? Para a
sociedade, quem é o anormal?
264 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Como nos escreve Bueno (1993, p. 159):

A identidade social do anormal, como uma construção


histórica, mantém alguma continuidade no transcurso da
civilização, é a de que, em todas as épocas, o meio social
identificou, por algum critério, indivíduos que possuíam
alguma(s) característica(s) que não fazia(m) parte daquelas
que se encontravam entre a maior parte desse mesmo
meio – não pela simples presença de uma diferença, pelas
consequências de tais diferenças acarretavam às
possibilidades de participação desse sujeito na construção
coletiva de sobrevivência e reprodução de diferentes
agrupamentos sociais, em diferentes momentos históricos.

Desta forma, a sociedade moderna julga-se o modelo


padrão da “normalidade” e passa a integrar os cidadãos (os
outros) “anormais” como dificuldades escolares e sociais,
pregando um paradigma de sociedade democrática.
Dentro dessa perspectiva podemos afirmar que a
anormalidade não é um conceito abstrato, mas construído
historicamente pela sociedade e pelos homens.
Na escola os princípios educativos também estão
alicerçados nos critérios de valores que a sociedade já
construiu. À medida que esta diferença hierarquiza, exclui,
controla, se encarrega de estar a serviço de uma sociedade
desumana e excludente.
Os tempos em que vivemos caracterizam-se por uma
grande crise do que acreditamos enquanto valores,
sentimentos. A sociedade naturaliza o individualismo, o
consumismo, a perversão da subjetividade, onde os
indivíduos valem pelo que consomem e só tem que
preocupar-se com ele mesmo.
Que significado teria a postura “Ética” nesta
sociedade? E o “outro” enquanto sujeito diferente nesta
sociedade como constrói sua alteridade?
O “outro” na escola... 265

Precisamos compreender o que é “alteridade”. Alter


– significa o outro, nossa relação com o outro, eu sou o que
o outro não é, o outro é aquilo que eu não sou e este outro é
que me define. Então alteridade é a formação da identidade a
partir do outro:

O indivíduo afirma-se em sua alteridade. Mas hoje se tem


a impressão que o indivíduo e suas máquinas funcionam
em circuito integrado e que a ordem que se funda é a
ordem homogênea. Assiste-se não a inclusão, mas a um
integrismo. Perde-se a lógica da diferença, para se
mergulhar na indiferença a mais radical (MARTINS et al.,
2008, p. 47).

A “inclusão” deve presumir a inclusão de sujeitos em


sua totalidade, dando-lhe a possibilidade de se construir,
nunca em sua individualidade, mas por suas diferenças e
diversidades.
Dussel (1980) também estabelece outra visão de
diferença identitária baseada na “diversidade distinta” e na
relação “distinção-convergência” a alteridade.
As características individuais são apresentadas por
pessoas específicas, na medida em que as destacamos e lhes
atribuímos significações de desvantagem e de descrédito
social, não são mais diferenças e sim rótulos, estereótipos de
exclusão social:

A ética da inclusão está centrada na valorização da


especificidade, das particularidades de cada indivíduo. São
as especificidades, as diferenças que dão sentido à
complexidade dinâmica do ser humano. Isto também quer
dizer que a inclusão supõe o direito à integridade; as
diferenças e especificidades de cada indivíduo constituem
os elementos integrantes de sua singularidade humana. É
exatamente a riqueza da singularidade dos indivíduos que
torna fecunda a sua heterogeneidade (MARTINS et al.,
2008, p. 49).
266 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A sociedade está mais complexa a cada dia, com isso,


imperceptivelmente, muda também a forma de
compreendermos o mundo e os próprios semelhantes.
Cada ser humano é sempre distinto, na sua existência
real é como “outro”, como exterioridade e alteridade. Dessa
forma, o horizonte não é o “ser” identitário e sim o Outro
como Outro, rompendo a unidade do mesmo e apontando
para um novo conceito de identidade, dinâmico, processual,
histórico e cultural, que supõe um sujeito ativo, capaz de
constituírem-se a si mesmos nas suas relações
intersubjetivas, sociais e históricas (OLIVEIRA, 2004).
Este é o novo paradigma – viver a igualdade na
diferença. A partir desta nova visão paradigmática
precisamos refletir sobre as concepções de educação de
escola e de sujeito. Debater sobre diferenças que se
completam em vez de se excluírem mutuamente, é pensar a
existência de “um outro”. Um outro que se apresenta com
uma realidade que se impõe, gradativamente, no dia a dia;
um outro concreto com identidade, com história, um
“outro” gente. Desta forma neste artigo discutimos: Quais
pressupostos filosóficos das duas propostas filosóficas, entre
as duas propostas pedagógicas desenvolvidas na rede
municipal de ensino do município de Chapecó (SC), que
contempla de forma integral a inclusão e a integração do
outro na escola?

METODOLOGIA

A pesquisa é de cunho qualitativo, bibliográfica, com


análise de documento e comparativa. Conforme Lüdke e
André (1986, p. 57), a pesquisa do tipo qualitativa pode ser
caracterizada como uma pesquisa que se preocupa mais com
o processo do que com o produto. Além de estar atenta aos
significados que as pessoas dão às coisas e à sua vida, que
são os focos de atenção dado pelo pesquisador. O estudo faz
O “outro” na escola... 267

parte da dissertação de mestrado intitulada O ‘outro’ na escola:


uma análise comparativa das propostas da Educação Popular e da
Escola Forte Gestão de Excelência em Educação no município de
Chapecó-SC, em 2011. Para isso foram entrevistados:
prefeitos (Administração Popular e Escola Forte gestão em
excelência em Educação), vereadores (um de cada
administração), secretários de educação (um de cada
administração), gestores/diretores de escola (um em cada
administração) e um pai de um aluno com deficiência que
frequentou a escola nas duas administrações e um que
passou a frequentar somente na atual administração
municipal.

EDUCAÇÃO POPULAR X ESCOLA FORTE


GESTÃO EM EXCELÊNCIA EM EDUCAÇÃO

O governo popular vence a eleição municipal em


1996, em Chapecó, onde se inicia um processo de rupturas
com as forças conservadoras que historicamente ocuparam o
governo municipal. Inicia-se a busca de um novo projeto
social e político desenvolvido a partir das lutas sociais, da
experiência cotidiana da classe trabalhadora. Este foi eleito
com o compromisso de democratizar e ampliar as políticas
públicas de responsabilidade do município, com um olhar
especial para as vozes até então silenciadas e excluídas por
uma política conservadora representada pela burguesia e por
representantes das grandes agroindústrias local e regional.
A concepção de Educação Popular utilizada pelo
governo popular desta época foi a partir de Paulo Freire
entendendo “popular” numa perspectiva de intencionalidade
política, outra qualidade que revela interesses populares
pelos desfavorecidos, outra forma de conceber o papel
cultural, social, com compromisso político e pedagógico.
Referindo-se a um currículo popular crítico. Assim,
podemos definir a Educação Popular como uma teoria de
268 A atualidade das ideias de Paulo Freire

conhecimento referenciada na realidade, com metodologias


incentivadoras à participação e ao empoderamento das
pessoas, permeado por uma base política estimuladora de
transformações sociais e orientado por anseios humanos de
liberdade, justiça, igualdade e felicidade.
Neste processo, a Secretaria Municipal de Educação
passa a construir com as classes populares, com educadores,
pais, alunos e comunidade escolar, um projeto de educação
comprometido com a cidadania e com a inclusão na escola
pública municipal. Caracterizando-se como opção político-
filosófica e pedagógica a reorganização estrutural e da prática
pedagógica. Tendo como principal a utilização do saber da
comunidade, seus conflitos e problemas sociais, culturais,
políticos e econômicos, como matéria-prima para o ensino.
É aprender a partir do conhecimento do sujeito e ensinar a
partir de falas, ações, manifestações e temas geradores do
cotidiano dele. A Educação era vista como ato de
conhecimento e transformação social, tendo um cunho
político. O governo popular foi reeleito tendo como
mandato até o ano de 2004.
Missão: A concepção de educação que as escolas do
município vinham desenvolvendo até 1997 era advinda de
uma trajetória marcada por um processo permanente de
exclusão, com repetidos fracassos, com abandono, com
defasagem idade/série; consequências da falta de
investimentos necessários e do modelo e concepção de
escola construída no sistema seriado, que contribuía para o
afastamento de crianças e adolescentes da escola e do
processo de aprendizagem.
A construção da Educação Popular2 inicia quando é
possibilitado pela administração um repensar da Educação
Formal e a possibilidade de construir uma educação

2 Publicação da Secretaria de Educação e Cultura de


Chapecó/Administração Popular. Uma proposta de Educação Popular, ano 1,
n. 1, dez. 1998.
O “outro” na escola... 269

consciente de sua função social diante da sociedade atual


(opressor e oprimido) vêm questioná-la e acreditar na utopia
da construção de um novo projeto histórico como condição
para a superação dessa realidade desigual, que discrimina,
domina, marginaliza e explora. Dessa forma, a Educação
Popular caracteriza-se com uma opção política da Rede
Municipal de Educação que vem romper com o modelo
excludente de educação e propõe a construção de uma nova
estrutura baseada na concepção do materialismo histórico-
dialético, comprometida com a cidadania e com a inclusão
das classes populares atendidas pela escola pública.
A construção, de forma coletiva, do Projeto Político-
Pedagógico para a Rede Municipal de Ensino a partir da
Educação Popular, tendo como diretrizes a Qualidade
Social, a Cidadania, a Democracia, a Autonomia e o
Trabalho Coletivo. Neste processo, os educadores, os(as)
alunos(as) e os(as) pais/mães passam a participar, pensar e
repensar a prática pedagógica e social.
Redimensionar a função social da escola; valorizando
os saberes que as crianças e suas comunidades possuem,
reorganizando os tempos e os espaços sob uma lógica que
respeite os processos de construção do conhecimento e
socialização, os ritmos de aprendizagem, as idades culturais,
cognitivas e sociais e que acima de tudo considere as
múltiplas dimensões dos sujeitos; o que se busca de fato, é a
superação da concepção autoritária, individualista e
classificatória de um modelo de escola que, apesar de
“universalizar” o ensino, não se preocupa com o que faz no
dia a dia com os alunos.
Visão: Reconstrução das práticas de sala de aula,
com enfoque central na aprendizagem, tendo como ponto
de partida o sujeito que faz a aprendizagem como este
constrói o conhecimento e não mais para as disciplinas com
um “rol” de conteúdos predeterminados. Neste processo, os
conteúdos escolares devem estar a serviço dos sujeitos e os
270 A atualidade das ideias de Paulo Freire

educadores são os articuladores/mediadores centrais do


processo, para construir/reconstruir conhecimentos no
confronto dos saberes entre o senso comum e o
conhecimento científico.
Nesta perspectiva, com base nas leituras de Paulo
Freire e outros autores, iniciou-se uma reorganização
curricular, a partir da concepção metodológica que constrói
a prática de sala de aula num processo interdisciplinar,
considerando o sujeito humano em sua totalidade, ou seja:
parte-se da prática concreta (realidade) dos
homens/mulheres teoriza-se esta prática, buscam-se recortes
do conhecimento científico para análise dessa realidade e
para a construção de uma nova ação. Essa concepção
metodológica foi construída na Rede Municipal de Ensino
de Chapecó na EJA, Ciclos de Formação e na Educação
Infantil, respeitadas as especificidades de cada nível, tendo
como princípio a Educação Popular, que traz para a
construção do conhecimento o caráter político da prática
pedagógica.
Para efetivar-se como construção democrática da
construção do conhecimento consciente, a pesquisa, o
diálogo autêntico, a palavra verdadeira, o respeito, são
condições imprescindíveis para a efetivação da metodologia
por temas geradores, da prática interdisciplinar, da avaliação
emancipatória, formação continuada e da gestão
democrática.
Na Educação Popular o professor tem uma função
política, com responsabilidade social, para a construção de
uma nova sociedade onde a escola coloca-se a serviço da
conscientização da população que historicamente foi sendo
excluído do processo educacional, político, econômico e
social.
Numa perspectiva freireana, busca-se a construção
de um currículo popular crítico; pressupõe um processo
ideológico de humanização a partir de um contexto real em
O “outro” na escola... 271

que o sujeito está inserido, organizado num processo


democrático, dialógico e com a pedagogia que tem o
compromisso com a vida, com a justiça e com a libertação.
Compreender o paradigma freireano na prática
pedagógica da escola é desvelar a realidade do mundo da
criança através do processo de diálogo entre os diferentes
sujeitos. Portanto, a construção do Tema Gerador parte de
um paradigma dialógico e de conscientização dos sujeitos
sobre o mundo. Não basta ficar no nível da consciência, é
necessário construir conscientização, porque é nela que se
concentra a ação e intervenção do sujeito na realidade.

ESCOLA FORTE GESTÃO EM EXCELÊNCIA EM


EDUCAÇÃO

Aconteceram mudanças no cenário político, a gestão


popular perde a eleição e, a partir de 2005, assume o governo
municipal o candidato da direita (PFL), atual (DEM). Neste
processo acontecem grandes mudanças na educação em
termos estruturais e pedagógicos. No Projeto Politico
Pedagógico (PPP) consta ser necessário que os
conhecimentos, já sistematizados pela humanidade, auxiliem
na articulação da ação pedagógica, e é nesse sentido que se
opta pela Concepção Histórico-Cultural para fundamentar a
prática pedagógica das Escolas Básicas Municipais de
Chapecó. No decorrer desse processo, ao mesmo tempo que
os educadores presenciavam, vivenciavam, sentiam grandes
mudanças, que foram sendo discutidas, implementadas,
impostas como: o fim da eleição para diretores das escolas
que passa a ser indicação do prefeito, a mudança da
organização de ciclos, para novamente seriado, a avaliação
que era descritiva, retrocede a nota e ainda passam a negar a
pesquisa participante, a qual servia para levantar a realidade
social dos educandos. Em meio a tantas alterações concretas
ainda muito se ouvia/se ouve, colegas, gestores dizerem que
272 A atualidade das ideias de Paulo Freire

não têm diferenças entre as propostas pedagógicas, o que as


diferencia é o compromisso de cada um enquanto educador.
Missão: Buscam-se, a partir da Concepção
Histórico-Cultural, reflexões que auxiliem na construção de
uma prática pedagógica ressignificada. Acredita-se na
vertente russa da psicologia com seus princípios. Apoiam-se
nos pressupostos marxistas, pois acredita-se que o ser
humano desenvolve-se a partir do trabalho sobre a natureza,
que dá origem à cultura e às relações sociais. Segundo a
Proposta Político-Pedagógica, o ensino deve ter como ponto
de partida os conhecimentos espontâneos, já construídos
pelos educandos e, a partir da intervenção do educador,
serem ampliados até a aproximação dos conceitos
científicos. O processo inverso também é permitido desde
que seja assegurada a ponte entre o já conhecido e o novo.
Na prática pedagógica, essa concepção se constrói a partir da
atenção, do desenvolvimento da memória, da observação, da
abstração, da capacidade de estabelecer comparações e
sínteses, o que desenvolve constantemente a atividade
mental por parte do aprendiz e não se concretiza a partir de
um ensino verbalista de transmissão de conceitos.
Visão: Segundo a Proposta Político-Pedagógica, a
escola é uma instituição social com organização
sistematizada, inserida num contexto social repleto de
contradições e mudanças. Esse contexto social exige uma
escola que atenda às reais necessidades da população e
contemple relações diversificadas de ensinar e aprender,
evidenciando o compromisso na divulgação de uma
concepção de mundo que contribua para a formação dos
educandos e para a vida sociopolítica e cultural, além de
compreender que a escola é um direito inquestionável de
todas as pessoas.
A escola, ao exercer sua função social de ensinar e
educar, deve estar atenta às dimensões que envolvem os
conhecimentos que serão trabalhados. Assim, os educandos
O “outro” na escola... 273

buscarão, nas diferentes áreas do conhecimento, abordar as


dimensões das diferenças individuais, da estética, do
conhecimento, da ludicidade e de possibilidades axiológicas,
política, social, humana relacional, didática, pedagógica e
familiar.
Desenvolver ações educativas com estas dimensões
significa ultrapassar as fronteiras do tecnicismo fragmentado,
transcender as práticas escolares conservadoras e enxergar
horizontes pedagógicos inseridos nos modelos
epistemológicos que ressaltam a capacidade de criar, de
construir e de compreender o mundo.
Atualmente, as escolas que buscam desenvolver uma
prática de qualidade estão atentas à formação intelectual e
global, que proporcionam aos educandos a vivência da
criatividade, da ludicidade, da relação escola-família, da
cooperação e o exercício da cidadania.
O importante é que a escola reconheça sua função
social de agentes formadores de pessoas, na sua totalidade,
abertas ao mundo, buscando a formação de educandos
críticos, alegres, humanizados e solidários capazes de
construir um mundo com mais justiça social. Para esse fazer
pedagógico é importante trabalhar nas mais diversas
dimensões do conhecimento.

ANALISANDO OS PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS


E A PROPOSTA

A inclusão está sendo uma inovação que implica


esforços do conjunto de toda a sociedade e todos os
envolvidos com o processo educacional. A fim de elaborar a
análise comparativa, foi necessário buscar a opinião dos
seguintes segmentos: prefeitos (Administração Popular e
Escola Forte gestão em excelência em Educação),
vereadores (um de cada administração), secretários de
educação (um de cada administração), gestores/diretores de
274 A atualidade das ideias de Paulo Freire

escola (um em cada administração) e um pai de aluno com


deficiência que frequentou a escola nas duas administrações
e um que passou a frequentar somente na administração
municipal seguinte. As análises desenvolvidas, nesta seção,
visam compreender quais das duas propostas pedagógicas
proporcionam, de fato, a inclusão do sujeito deficiente na
rede municipal de educação em Chapecó.
Neste momento, fazer análise de discurso dos
envolvidos nos dois processos é a busca por respostas a
tantas dúvidas, angústias na efetivação de uma educação
verdadeiramente democrática e inclusiva. Conforme Freire e
Faundez (1985, p. 59):

[...] uma sociedade desafiada pela globalização da


economia, pela fome, pela pobreza, pelo tradicionalismo,
pela modernidade e até pós-modernidade, pelo
autoritarismo, pela democracia, pela violência, pela
impunidade, pelo cinismo, pela apatia, pela desesperança,
mas também pela esperança.

É nessa realidade que se encontra a educação


popular e o desafio da formação de uma cultura político-
democrática e cidadã das classes populares: “A
conscientização é uma das fundamentais tarefas de uma
educação realmente libertadora e por isso respeitadora do
homem como pessoa” (FREIRE; NOGUEIRA, 2002, p.
45).
Analisam-se neste momento as falas dos prefeitos,
que, enquanto gestores público, acredita-se desempenhar
papel fundamental na implantação e implementação de
políticas públicas voltadas à inclusão.
1) Ao ser questionado: Quais as características
presentes na Proposta Político-Pedagógica voltadas com o
olhar para esses sujeitos, ou seja, para a inclusão? Posiciona-
se argumentando:
O “outro” na escola... 275

A ideia central é que a proposta pedagógica não estava


focada naquela criança que tem problema, ou naquela
criança que não tem problema. A proposta central era
construir uma outra sociedade, com cidadania, com
democracia, com inclusão de todos num processo social,
cultural, econômico e como cidadão, com qualidade de
vida. [...] Então, o conjunto da Proposta Político-
Pedagógica, estava voltada para transformar o conjunto
da sociedade, para diminuir os problemas da sociedade.
Neste contexto que nós entendemos que a proposta
pedagógica [...] queria emancipar, queria transformar e
não só integrar a eles, a essa sociedade, pra que essas
pessoas pudessem se transformar em sujeitos da história.

No decorrer de sua fala, cita ações realizadas na sua


administração, que acredita contemplar de forma concreta a
inclusão. Percebe-se, em seu relato, a preocupação constante
da inclusão não ser algo único e exclusivo da sala de aula,
com os educandos deficientes, e sim uma inclusão social de
todos os excluídos socialmente.
Podemos concluir que a educação é um ato político a
partir do pressuposto que é um ato humano, ou seja,
confirmando Aristóteles que disse que “o homem é um
animal político”, todas as suas ações são políticas na medida
em que são ações tomadas dentro de uma coletividade,
tendo as influências da aplicação dessas ações também nessa
coletividade.
Segundo Mantoan (2006, p. 47):

O ensino individualizado/diferenciado para alunos que


apresentam déficit intelectual e problemas de
aprendizagem é uma solução que não corresponde aos
princípios inclusivos, uma vez que não podemos
diferenciar um aluno por sua deficiência. Na visão
inclusiva o ensino diferenciado continua segregado e
discriminando os alunos dentro e fora das salas de aula.
276 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Conforme a Revista Educação com Participação Popular 3


(2009, p. 14), produzida pela administração popular, uma das
questões mais conflitantes da escola era encontrar respostas
significativas para um dos maiores problemas a serem
enfrentados: a superação das dificuldades de aprendizagem
ou os problemas de aprendizagem daqueles alunos que não
acompanhavam “os ritmos médios ou normais de
aprendizagem”, ou como atender os educandos com
necessidades especiais. Até então, a reprovação resolvia o
problema da escola e do professor porque permitia manter a
acomodação dos alunos na estrutura rígida do sistema
seriado, em que o aluno reprovado permanecia na mesma
série e no ano seguinte o professor poderia trabalhar o
mesmo conteúdo com toda série independentemente se ali
houvesse ou não crianças que já tinham ouvido lido,
copiado, memorizado e repetido aqueles conteúdos.
Com a implantação dos Ciclos de Formação, foi
encarada esta questão. Dificuldades e problemas de
aprendizagem deixam de ser um problema só do aluno e
passam a ser da escola, do professor, dos pais ou
responsáveis e da Secretaria de Educação. O problema sai do
âmbito individual do aluno para o âmbito do coletivo da
escola, da rede, da Secretaria de Educação. Passam também a
ser problema do Poder Público como responsável pela
política pública de Educação.
2) O prefeito (B) posiciona-se, quando questionado
que sujeito o Projeto Político-Pedagógico almejava construir:

3 REVISTA Educação com Participação Popular. Chapecó: 2ª


Conferência Municipal de Educação e Cultura de Chapecó, 2009. Traz
uma visão mais completa da política de educação baseada em quatro
pilares: a democracia, a cidadania, a autonomia e o trabalho coletivo.
Traz conhecimentos sobre a forma de fazer Educação, a partir do Tema
Gerador, um pouco do trabalho realizado nas escolas e números de
aumento de vagas, redução da evasão e repetência.
O “outro” na escola... 277

O que nós pretendemos e é o nosso desejo, é construir


um sujeito decidido, qualificado, que saiba o que quer não
revolucionário, mas sim, alguém que tenha o desejo de
prosperar na vida, não podemos, e não queremos, [...]
Então a proposta nossa é uma proposta propositiva, [...] é
preparar essas crianças, esses adolescentes que sejam
realmente profissionais independentemente da função e
da profissão que escolham, então a proposta nossa é essa,
tornar esses meninos e essas meninas os futuros
empreendedores da nossa cidade, de nosso Estado, esse é
o desejo.

Segundo Anjos et al. (2004, p. 647), revoltado


significa que se revoltou ou se rebelou. Diz-se pessoa
inconformada, que se sente alvo de injustiça. Empreendedor
é um conceito correspondente ao setor financeiro que vem
de encontro à satisfação econômica e pessoal. Marx Weber
(1930) identificou o sistema de valores como um elemento
fundamental para a explicação do comportamento
empreendedor. Via os empreendedores como inovadores,
pessoas independentes cujo papel de liderança nos negócios
inferia uma fonte de autoridade formal.
Trata-se simplesmente do vocabulário de quem
subordina a educação à lógica perversa do mercado, do
lucro, do individualismo, da dualização de um projeto
neoconservador. Evidencia-se também no próprio nome
dado à Proposta Político-Pedagógica: Escola Forte Gestão e
Excelência em Educação.
Enguita (2004, p. 158-159) escreve que “[...] ‘a
insistência na excelência’ e na ‘qualidade’ simboliza o passo
de preocupar-se com a educação da maioria a fazê-lo com a
educação da minoria”. A ideia de excelência trata de mobilizar
a competitividade entre as escolas e entre os alunos,
organizando a educação, como um campo de provas, cujo
objetivo principal é a seleção dos melhores.
278 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A ideia da busca da excelência parte, explícita ou


implicitamente, da aceitação da imagem de uma sociedade
dual. Para a maioria, para os que ocuparão os postos de
baixa qualificação, sem espaço para a iniciativa nem
capacidade de decisão, qualquer educação serve. No diálogo
com o Prefeito (B) fica explícita a negação do caráter político
no fazer pedagógico, pregando uma certa neutralidade não
existente, quando se refere que não deseja criar revoltados.
Segundo Freire (1996, p. 71):

Em nome do respeito que devo aos alunos não tenho que


me omitir, por que ocultar a minha posição política,
assumindo uma neutralidade que não existe. Esta, a
omissão do professor em respeito ao aluno, talvez seja a
melhor maneira de desrespeitá-lo. O meu papel, ao
contrário, é o de quem testemunha o direito de comparar,
de escolher, de romper, de decidir e estimular a assunção
deste direito por parte dos educandos.

Acredita-se que a função do legislativo municipal é


de grande relevância, quando este se preocupa com a
necessidade da comunidade e percebe-se enquanto
representante legítimo dessa. Buscou-se também, na
entrevista com os vereadores, perceber como esses
compreendem, como veem o sujeito que necessita ser
incluído.
Vereador (A):
1) Nessas duas políticas, nestes dois jeitos de fazer,
como você percebe o processo de inclusão neles? Referindo-
se ao cidadão excluído do processo social:

Projeto Político-Pedagógico depende de quem coordena.


No governo passado ele era construído de forma
democrática. Então a inclusão de fato ela se dava com a
saída da escola até onde estava a pessoa. Havia uma
corresponsabilidade de todos os seguimentos com a
O “outro” na escola... 279

escola inclusive na gestão da escola, na aplicação dos


recursos, na discussão do PPP, na eleição direta de
diretores, nas atividades extracurriculares, havia um
movimento bem maior na comunidade, [...] porque isso
respingava na comunidade, essa vida na escola, isso se
dava também na associação de moradores, no grupo de
mulheres, na organização do próprio orçamento
participativo, [...] A escola era o caldeirão que
impulsionava a vida da comunidade [...], era outra forma
de fazer educação, de fazer política pública, de fazer
participação popular.

A participação popular se encontrava no centro da


construção dessa política pública de educação em Chapecó.
Para tanto, criou-se instrumentos de participação intensa dos
segmentos da comunidade escolar na construção da
Educação Popular.
A partir das diretrizes do projeto popular, foram
construídos diversos espaços e instrumentos de participação
popular: o Orçamento Participativo, o Conselho Municipal
de Educação com representantes eleitos, as Conferências
Municipais de Educação, a eleição dos dirigentes das Escolas
e CEIMs, a composição de Conselhos Escolares como órgão
máximo da escola, o Fórum dos Dirigentes eleitos, os
coletivos de professores, a avaliação descritiva com a
participação dos professores, pais, alunos, a construção
participativa do Projeto Político-Pedagógico e a metodologia
do Tema Gerador, construído o trabalho e o currículo
escolar a partir da pesquisa participante (REVISTA
EDUCAÇÃO..., 2009, p. 7).
Uma escola que quer avançar na direção da
orientação inclusiva precisa de apoio, tanto por parte do
sistema, quanto da própria gestão de suas autoridades
imediatas. Se não houver interesse das autoridades,
lideranças, somente o esforço, empenho dos educadores não
280 A atualidade das ideias de Paulo Freire

será o suficiente, dificilmente modificará a cultura da escola


de forma significativa.
Para a gestão democrática, as ações são resultados de
discussões coletivas, em que se considera os cidadãos
sujeitos de direitos. Significa mudança de cultura, no sentido
de compreender a escola como espaço de produção de
conhecimento.
Conforme Freire (1996, p. 22, grifo no original),

[...] assumindo-se como sujeito da produção do saber, se


convença definitivamente de que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção
ou a sua construção.

Vereador (B): Realizou-se entrevista com vereador


eleito pela primeira vez, somente nesta administração, este
líder do atual governo na câmara de vereadores.
1) Quais os avanços percebidos na educação
voltados para a inclusão dos sujeitos com deficiência?

Vejo as escolas parques que foram construídas fazem


parte de uma estrutura melhor, principalmente nesses
bairros mais distantes para as pessoas mais carentes [...].
Quanto aos projetos que vem geralmente a gente é
chamado né pela secretaria, pelo prefeito, [...] porque não
é o prefeito[...] às vezes quem faz é lá no gabinete, [...]
Então vejo que, no caso, quando a essas crianças especiais,
eu vejo que infelizmente o poder municipal passa para
APAE, né? O município praticamente não tem nada, [...]
o que tem que fazer, nós, o governo, tem que ajudar, por
exemplo, passar dinheiro pra APAE dá condições aonde
já tem, né? Pra que cada vez melhore mais.

O vereador (B) deixa explícito que a política pública


do governo, o qual representa, é centralizadora, de projetos
realizados em gabinete, pouco democrática e participativa.
Centra a preocupação em amenizar as carências sociais
O “outro” na escola... 281

existentes, não demonstrando conhecimento sobre as


políticas de inclusão no município e no país.
O preconceito revela-se, muitas vezes de forma
perversa, em atitudes paternalistas e de caridade. Segundo
Aquino (2000, p. 123):

Na atitude paternalista de praticar aquilo que é


considerado como caridade, na moralidade cristã, nem
sempre há o reconhecimento do outro como igual. Ao
contrário, a caridade é a própria prática da desigualdade. É
por reconhecer o outro em condição inferior e por nos
considerarmos superiores que, por vezes, podemos nos
colocar em posição de ajudá-los ou não. Nesse sentido a
prática de caridade é que a atitude paternalista contém o
preconceito.

Buscou-se entrevistar, da mesma forma, a ex-


secretária de Educação do Governo – Educação Popular e
também a secretária de Educação do governo atual, pois
acredita-se que a Secretaria de Educação é o carro-chefe da
política educacional a ser desenvolvida; é ela que media,
articula, constrói o Projeto Político-Pedagógico junto às
escolas.
1) Secretária de Educação (A): Como secretária na
administração popular: como a PPP foi construída olhando
para esse sujeito que é diferente, buscando a construção do
conhecimento por todos os envolvidos num único espaço?

Então assim, nós partimos do pressuposto de que a escola


não é uma junção de alunos iguais, a escola precisa
explicitar e permitir o espaço da diferença, essa diferença
não se dá apenas na cor, não se dá apenas em quem tem
uma necessidade física ou não tem. Mas essa diferença
tanto se dá nos diferentes tipos e jeitos de aprender. Se a
gente parte desse pressuposto diríamos que não pode
existir um tratamento discriminatório, pra quem tem uma
deficiência, mas precisa ter um tratamento diferenciado
282 A atualidade das ideias de Paulo Freire

porque as pessoas aprendem de formas diferentes, [...].


Como se dá a aprendizagem, como as pessoas aprendem.
Todos aprendem do mesmo jeito? Diferentes momentos,
em que tempo cada um aprende.

Discutir sobre educação inclusiva implica em refletir


sobre práticas educacionais. Conforme Mantoan (1997), para
que a inclusão de fato ocorra, nós educadores devemos ter
novos posicionamentos, transformando nossas práticas para
que, de fato, todos aprendam. Para isso, há de se reconhecer
que as dificuldades que os alunos deficientes ou não
apresentam, não são apenas deles, mas resultam em grande
parte do modo como o ensino é ministrado, a aprendizagem
é concebida e avaliada.
É fundamental pensar a formação docente na
perspectiva inclusiva em que a celebração das diferenças seja
algo possível e desejado. Esta formação é primordial ao
abrigar a necessidade de ter uma percepção clara das
diferenças e especificidades de saberes e práticas na direção
de um trabalho pedagógico, pautado em parcerias que
contribuam para a coletividade.
A proposta pedagógica, desenvolvida neste período
em Chapecó, fundamenta-se na visão de que o ser humano
se desenvolve em sua totalidade, em todas as suas
dimensões, com diferentes ritmos entre as pessoas, em ciclos
com tempos mais longos que o considerado pelo sistema
seriado e que a aprendizagem e o desenvolvimento são
processos contínuos; sendo que o papel da escola é criar
condições para atender as diferentes necessidades e
possibilidades de cada aluno.
No Ensino Fundamental organizado em ciclos de
formação, com base na idade e no ciclo, o aluno não fica
retido (reprovado), ele avança conforme sua idade e
aprendizagem necessária para cada etapa (Ciclo) de Ensino
Fundamental. No decorrer do ano letivo, através da
avaliação descritiva, os professores da turma acompanham o
O “outro” na escola... 283

desenvolvimento de cada criança. A organização do trabalho


escolar considera as dificuldades e os avanços de cada aluno;
e, quando necessário, são organizadas novas e diferentes
oportunidades de aprendizagem, de forma que a criança em
dificuldades tenha a possibilidade de acompanhar a turma
dentro do Ciclo. Para os alunos que necessitarem de outros
recursos além do trabalho das turmas regulares do ciclo, são
oferecidos SAPS, APAE, CAP, turmas de progressão e
oficinas pedagógicas (REVISTA EDUCAÇÃO, 2009, p. 13).
Seria um equívoco considerar o ciclo como uma
proposta voltada àqueles que não aprendem, ou que
fracassam. Não se trata de inventar algo para acabar com a
repetência. Educação por ciclos de formação é uma
organização do tempo escolar, de forma a se adequar melhor
às características biológicas e culturais do desenvolvimento
de todos os alunos. Não significa, portanto, “dar mais tempo
para os mais fracos”, mas, antes disso, é dar o tempo
adequado a todos. A ideia de ciclos confere ao processo de
aprender o que ele é: um trabalho com conteúdos do, assim
chamado, conhecimento formal, simultaneamente, ao
desenvolvimento de sistemas expressivos e simbólicos, à
formação (aquisição, transformação e reformulação) de
formas de atividades humanas que levam à construção do
conhecimento (atividades de estudo) e à possibilidade de,
realmente, se trabalhar no nível de transformação de funções
psicológicas superiores; que se dá pela introdução e pelo
processo de significação de novos instrumentos culturais
(LIMA, 2002, p. 9-10).
Podemos, então, dizer que a definição de currículo
está atrelada à concepção de cidadão e de indivíduo
sociocultural que é subjacente à política educacional. Não há,
portanto, currículo ingênuo: ele sempre implica em uma
opção e uma definição do que seria o processo de
humanização (LIMA, 2002, p. 21).
284 A atualidade das ideias de Paulo Freire

2) Secretária de Educação (B): Como se deu a


construção da PPP, de forma que contemple a construção
do conhecimento voltada à inclusão ou a integração?

A construção de nossa proposta pedagógica ela se deu de


forma coletiva, foi com muita discussão, com muito
estudo [...]. A questão da inclusão é um assunto um tanto
novo. Há muito tempo se vem tentando desenvolver um
trabalho, mas a gente sabe que tem muita coisa que
precisa ser melhorada. A questão do conhecimento, nós
entendemos [...] que precisa ser garantida
independentemente de quem é o ser humano que está lá
na escola. [...] Percebe-se uma necessidade de maior
envolvimento de toda a comunidade nas discussões sobre
a inclusão, ainda essa formação fica muito restrita aos
educadores, há necessidade urgente de se ampliar a todos
os segmentos da escola com participação ativa da
comunidade escolar.

Concepção de qualidade em educação, na busca de


uma educação, de fato, inclusiva implica respeito ao outro,
ao direito de sermos diferentes, ao direito de aprendermos e
avançarmos conforme nossas potencialidades; tendo sempre
valorizados os nossos avanços, por menor que sejam, na
conquista do saber.
Acredita-se que cabe à Secretaria de Educação dar o
Norte pedagógico, com fundamentação teórica e prática a
partir do Projeto Político-Pedagógico a ser desenvolvido,
tendo sempre em mente que não há neutralidade política em
nossas ações concretas.
Ao relatar sobre a formação voltada à inclusão, ficam
explícitos na fala da Secretária de Educação (B) os limites e
dificuldades encontrados para que, de fato, envolva toda a
comunidade escolar. O Projeto Político-Pedagógico que tem
caráter político e cultural deve ser construído no âmbito da
O “outro” na escola... 285

escola observando as necessidades educacionais especiais


dos alunos.
A transformação da escola não é, portanto, uma
mera exigência da inclusão de pessoas com deficiências ou
dificuldade de aprendizado. Assim sendo, ela deve ser
encarada como um compromisso inadiável de todos os
envolvidos, que terá a inclusão como consequência:

A inclusão não prevê o uso de práticas de ensino escolar


específica para esta ou aquela deficiência e/ou dificuldade
de aprendizagem [...] Não se trata de uma aceitação
passiva do desempenho escolar, e sim de agirmos com
realismo e coerência e admitirmos que as escolas existem
para formar as novas gerações, e não apenas alguns de
seus futuros membros, os mais capacitados e privilegiados
(MANTOAN, 2006, p. 47).

Buscou-se realizar entrevistas com diretora de escola


que atuou na Educação Popular, esta eleita pela comunidade
escolar num processo democrático, atualmente professora de
sala de aula e também um gestor/vice-gestora 4 de escola,
este atualmente indicado pela administração municipal.
Uma educação de qualidade para todos implica
também em mudanças relativas à administração e os papéis
desempenhados pelos membros da organização escolar,
gestores e coordenadores; e que o teor controlador,
fiscalizador e burocrático dessas funções seja substituído
pelo trabalho em equipe, de apoio, de orientação, ao
professor e toda a comunidade escolar. Ainda que seja
descentralizadora com maior autonomia pedagógica aos
professores, onde estes possam participar opinar e sugerir

4 A entrevista foi realizada na Escola Parque Cidadã Ciro Sosnosky,


indicada pela própria Secretaria de Educação. No momento da entrevista
participaram o gestor e a vice-gestora, ambos responsáveis pelo
estabelecimento de ensino.
286 A atualidade das ideias de Paulo Freire

sobre os recursos financeiros e suas necessidades


pedagógicas.
A diretora (A) relata, em sua fala, os avanços
acontecidos de forma democrática no período de Educação
Popular e, para ela, o retrocesso dos avanços na atual
administração. Então perguntamos: 1) Se você tivesse que se
posicionar, de qual das duas propostas você faria a defesa?

Com certeza Educação Popular, porque é realmente você


ser sujeito de seu trabalho. [...] Eu não consigo me ver na
lógica de ser simplesmente um repassador de conteúdos,
isso me frustra. O currículo – quando você tem um rol de
conteúdo todo mundo é igual, [...] Pra mim o currículo é
tudo aquilo que acontece na escola. Na Educação Popular
o conteúdo, ele partia da realidade, era feita a pesquisa
com a comunidade, com os alunos, aí se fazia os recortes
do conhecimento para construir os conteúdos. [...] hoje
cursos de formação oferecido pela secretaria vêm de
encontro de como trabalhar com a cartilha. Então, é uma
forma para mim de infantilizar o sujeito. [...] Hoje você
não tem pessoas que vem contribuir contigo na
construção do conhecimento como sujeito realmente,
vem sim como forma de fiscalizar, [...] Na administração
popular nós descrevíamos o processos, como cada sujeito
estava, [...] Hoje temos uma política extremamente
tradicional de manutenção da sociedade, do sujeito ser
preparado para o mercado de trabalho para visar lucro ao
capitalismo, é a lógica de dominar algumas habilidades pra
dar conta do mercado, é realmente, é fazer o sujeito estar
preparado para o mercado.

Na concepção freireana, o diálogo é a interlocução


com o mundo. Podemos entender o Tema Gerador como
um objeto que compreende o fazer e o pensar, o agir e o
refletir, a teoria e a prática, ou seja: parte-se de uma
realidade, da leitura de mundo no nível de senso comum,
busca-se recortes do conhecimento científico e leva-se à
O “outro” na escola... 287

reflexão dessa ação, teorização, provocando rupturas,


ampliações na visão inicial, apresentada pelos educandos e
levando-os, assim, a uma ação transformadora. Essa
metodologia constitui-se, então, num processo de ação-
reflexão-nova ação.
A fala da professora/diretora (A) vem de encontro à
fala do prefeito (B), quando afirma que em sua proposta de
educação se almeja formar empreendedores para a
sociedade, e não revoltados.
A lógica do mercado, do lucro, é que dita as normas,
regras de competitividade, pregando a igualdade de
oportunidades. Esta, numa política de sociedade excludente,
não condiz:

O indivíduo afirma-se na alteridade, mas hoje se tem a


impressão que o indivíduo e suas máquinas funcionam em
circuito integrado e que a ordem que se funda é a ordem
homogênea. Assiste-se não a inclusão, mas um integrismo.
Perde-se a lógica da diferença, para se mergulhar na
indiferença a mais radical (VASCONCELLOS, 2008, p. 46,
grifo no original).

A escola tem a função de produzir saberes sobre a


realidade, é o lugar de aproximação com a realidade, como
possibilidade de superação de conflitos e preconceitos. A
educação tem a função do fortalecimento do sujeito para sua
intervenção transformadora, não só de sua realidade social,
mas do mundo.
Da mesma forma, buscou-se entrevistar um Gestor
(B) da atual administração. No momento se encontravam o
gestor e a vice-gestora que foram respondendo aos
questionamentos realizados juntos. Trata-se de uma escola-
parque com atendimento integral.
Gestor/Vice-Gestor (B): 1) Quanto a avaliação dos
alunos com deficiência, você dizia que é de forma
diferenciada, nós sabemos que hoje a PPP prevê a nota.
288 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Eles têm avaliação descritiva e a avaliação por nota,


enquanto os outros têm uma avaliação, [...]. Nós temos
vários critérios para a avaliação, nos construímos a partir
da proposta da UNESCO de inclusão e dos critérios que
a gente avaliou com o coletivo da escola que eram
importantes estar sendo desenvolvidos. O currículo
estabelece algumas coisas, o restante precisamos criar [...]
tem muitas crianças que a gente considera que está só
integrando e por outro lado precisamos buscar
alternativas. [...]. Nós estamos aprendendo no processo
por que nós não tivemos formação, muitos professores
tiveram que buscar formação fora do horário de trabalho
[...]. E o tempo desse professor aprender? [...] muitos
professores ainda resistentes. Ele até integra na turma,
mas ele não consegue incluir, então a gente tem muita
resistência ainda.

Os gestores (B) demonstram preocupação e


seriedade com o processo de inclusão e também dificuldade
de realizar o trabalho pedagógico a partir da necessidade do
educando.
Percebe-se, novamente, um avanço no processo de
construção do conhecimento no grupo de educadores,
quando se busca estabelecer critérios para a avaliação,
procurando descrever os avanços dos educandos; confirma-
se que a avaliação numérica somente não dá conta da
inclusão dos educandos com deficiência, de forma efetiva.
Conforme Mantoan (2006, p. 50):

Quando se ensina a turma toda, é indispensável suprir o


caráter classificatório de notas e de provas e substituí-lo
por uma visão diagnóstica da avaliação escolar. Para ser
coerente com essa novidade, o professor deve priorizar a
avaliação do desenvolvimento das competências dos
alunos diante de situações-problemas, em detrimento da
memorização de informações e da reprodução de
O “outro” na escola... 289

conhecimentos sem compreensão, cujo objetivo é apenas


tirar boas notas e ser promovido.

Novamente os gestores (B) relatam dificuldades


encontradas quanto à formação de todos os professores, e
não apenas de alguns. Ainda relatam que os professores se
sentem obrigados a buscar fora de seu horário de trabalho
formação, qualificação para trabalhar com o educando com
deficiência. Avalia-se que, enquanto Secretaria de Educação,
essa tem a responsabilidade de proporcionar formação
efetiva de qualidade a todos os educadores,
preferencialmente em seus horários de trabalho.
A partir da fala dos gestores (B) fica explícita a
necessidade de maior diálogo entre a Secretaria de Educação,
a comunidade escolar para a construção de uma proposta
inclusiva de forma participativa e democrática de todos os
envolvidos.
A entrevista seguinte foi realizada com educador
efetivo que atuou/atua nas duas administrações e também é
responsável por sua irmã que frequentou a Educação de
Jovens e Adultos (EJA) na Educação Popular e continua
frequentando na proposta atual.
Educador (A): 2) Você vivenciou as duas propostas
trabalhadas na rede municipal de educação, ambas muito
distintas. Então, se você tivesse que se posicionar, de qual
das duas propostas você faria a defesa quanto à inclusão?

Na perspectiva da construção do conhecimento, nessa


perspectiva da responsabilidade social que a educação tem,
eu não tenho dúvida que a educação popular. Eu trabalhei
com a educação popular na educação de jovens [...] você
conseguia fazer o processo metodológico com muita
tranquilidade, que era muito empolgante, muito motivador.
[...] hoje os alunos estão integrados não estão num
processo de inclusão. Por quê? Porque a escola olha pra
aquilo que está preestabelecido, então definitivamente isso
290 A atualidade das ideias de Paulo Freire

não é inclusão. Inclusão tem a perspectiva da


aprendizagem, mas a escola quer que ela aprenda, aquilo
que a escola quer que ela aprenda, o que está no rol de
conteúdos preestabelecidos, anacronicamente.

Para ensinar a turma toda, devem-se propor


atividades abertas e diversificadas, ouvindo as sugestões dos
alunos; de que forma eles gostariam de realizar determinada
atividade ou resolver determinada situação problema, em
que não se destaquem os que sabem mais ou que sabem
menos. As atividades passam a ser exploradas, segundo a
possibilidade e interesses dos alunos.
Professora (B): 1) O PPP possibilita o acesso,
permanência e igualdade na construção do conhecimento
por todos?

Não, a gente tem que organizar atividades para fazer com


as crianças. Aqui na prática na hora do trabalho mesmo é
que a gente encontra as dificuldades, um segundo
professor ajudaria [...] lado aprendizagem mesmo fica
pendente [...] eu tenho uma estagiária que está terminando
o 2º grau, ensino médio, tem 16 anos, ela não tem uma
preparação, [...] pra mim deixar o restante da turma para
atender ele não é fácil e deixar ele também é difícil. A
gente sente um pedacinho aí sem atendimento e isso
angústia, muito, muito. Às vezes choca até...

A professora relata sua angústia e falta de preparo


para trabalhar com um de seus educandos com deficiência.
Constata-se um grande desânimo por parte da educadora;
sente-se só, angustiada, com pouca preparação e apoio ao
atender educandos com deficiências. Somente a partir de
2010 obtiveram-se avanços quanto ao auxílio de estagiárias
para auxiliarem na Educação Infantil, nas turmas que havia
crianças com deficiências. As estagiárias não têm formação
específica, são estudantes do ensino médio, sendo ainda hoje
O “outro” na escola... 291

uma grande dificuldade para a inclusão dos pequenos. Já no


ensino fundamental passou-se a contratar um segundo
professor para as turmas que possuem crianças incluídas
com deficiência, sendo este professor com habilitação em
Educação Especial e/ou Pedagogia.
Já se vivenciou na rede, na proposta de Educação
Popular, que o trabalho coletivo é de fundamental
contribuição para que os educadores se sintam fortalecidos
em busca da solução de problemas a serem enfrentados. O
trabalho coletivo requer a construção de relações
democráticas, em que o sujeito, sem perder sua
individualidade, constrói-se no grupo. O compromisso com
um projeto requer que pensamos juntos as “ações”, ações
essas que serão desenvolvidas para cada membro do grupo
de forma individual, tendo presentes os princípios definidos
coletivamente.
Da mesma forma, buscou-se realizar entrevistas com
familiares de educandos sendo um que foi aluno nas duas
propostas pedagógicas desenvolvidas no município de
Chapecó – Educação Popular e Escola Forte Gestão e
Excelência em Educação; e outro que participa do projeto de
educação oferecido pela atual administração.
Acredita-se que as famílias têm muito a contribuir no
processo pedagógico, pois é ela que tem o maior
conhecimento sobre o desenvolvimento de seus filhos. No
entanto, precisam ser ouvidas e valorizadas por suas
contribuições. A escola ainda pode servir como mediadora,
articuladora das ações em prol da inclusão junto à
comunidade escolar.
Responsável por aluna matriculada nas duas
administrações (irmã): 1) Participou das duas propostas de
educação: da educação popular e a atual, desenvolvida hoje
na rede. O que você percebe de diferente, semelhante, nas
duas propostas voltadas à inclusão?
292 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Na outra, ela uma vez fez uma fala num seminário, falou
acho que uns cinco minutinhos sobre o prazer de estudar
na EJA. [...] Se você disser assim na perspectiva das duas
propostas, pra [...], acho que a outra, tinha mais
sociabilidade [...], para mim inclusão tem a ver com a
presença, com a participação e com o aprendizado. [...] A
escola não se movimenta para outras coisas, eu acho que
teria que ter dança na escola... Mas a escola fica às quatro
horas do início ao final querendo ensinar a ler e escrever.

A escola para todos extingue as práticas escolares em


que todos os alunos têm de dominar as mesmas
aprendizagens, no mesmo ritmo e através dos mesmos
métodos de ensino.
Segundo a fala do responsável pela aluna matriculada
nas duas administrações, a proposta de Educação Popular
ainda era mais participativa, flexível e tinha mais
sociabilidade. No entanto, as duas propostas não deram
conta da necessidade de sua irmã, tanto a Educação Popular,
quanto a Escola Forte Gestão e Excelência em Educação
atuaram de forma linear, tentando ensinar o que a escola
tradicional sempre se propôs, o ler e o escrever. A segunda
proposta foi ainda mais excludente com o processo de
reprovação.
Responsável por aluna matriculada somente nesta
administração (mãe): “A [...] é aluna do ensino fundamental,
tem dez anos, vai para a escola desde os cinco anos, sempre
em escola de ensino regular”.
2) Enquanto mãe, como você se sente em ter sua
filha numa sala de ensino regular?

Eu acho bom, né?, porque com essa inclusão social que a


gente pode levar no colégio junto com as outras crianças é
muito bom [...] A escola foi muito boa porque se a gente
precisa trabalhar sabe que tá bem lá. [...] Eu acho que
O “outro” na escola... 293

minha filha aí junto com as outras crianças, ela aprende


mais.

A aluna frequentando a escola no meio social onde


vive é um dos pontos positivos. Pois, é neste meio depois de
sua própria família que vai concretizar suas relações sociais.
No entanto, não pode ser apenas o facilitador da vida da
família em função do trabalho, esta deve atender às
necessidades do processo ensino-aprendizagem em sua
totalidade pelo educando.
Os sistemas de ensino deverão garantir não somente
a matrícula e a permanência de todos seus alunos,
independentemente de suas deficiências ou necessidades
educacionais especiais, organizando-se para oferecer, além da
escolarização, atendimento educacional especializado aos
alunos que dele necessitarem. É um desafio aos sistemas de
ensino para que revejam seus paradigmas e reencontrem
alternativas educacionais que de fato contribuam com o
processo de ensino-aprendizagem de todos.
Segundo Freire e Faundez (1985), é preciso rejeitar
de qualquer forma estas atitudes discriminatórias, pois a
prática preconceituosa ofende a substantividade do ser
humano e nega radicalmente a democracia.
Todos os envolvidos no espaço da escola, gestores,
coordenadores, perde o caráter fiscalizador; todos têm
função pedagógica, conforme afirma Freire (1996, p. 23):

[...] estou convencido da importância, da urgência da


democratização da escola pública, da formação
permanente de seus educadores e educadoras entre eles
incluo vigias, merendeiras, zeladores. Formação
permanente, científica, a que não falte, sobretudo, o gosto
pelas práticas democráticas, entre as quais a de que resulte
a ingerência crescente dos educandos e de suas famílias
no destino da escola.
294 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Isso implica na reorganização do cotidiano escolar,


da forma como se trabalha na sala de aula, trabalho coletivo,
utilizando a aprendizagem cooperativa é um meio de
minorar as dificuldades que derivam da competitividade e do
trabalho individualizado; é o reconhecimento da diversidade
dos talentos. O aluno aprende apenas quando ele se torna
sujeito da sua aprendizagem; e, para tornar-se sujeito da sua
aprendizagem, ele precisa participar das decisões que dizem
respeito ao projeto da escola, que faz parte também do
projeto de sua vida.
É inegável que, pelos sistemas de ensino estarem
pautados para atender o aluno idealizado e ensinando a
partir de um projeto escolar elitista, meritocrático e
homogeneizador, nossas escolas produzem quadros de
exclusão a partir da forma de avaliação adotada, que têm,
injustamente, prejudicado a trajetória educacional de muitos
educandos. A avaliação escolar é uma forma de rotular e
diferenciar os capazes e os incapazes. O processo de
avaliação deve ser contínuo, flexível, que leve em
consideração as necessidades específicas dos educandos,
respeitando o tempo individual de aprendizagem.
Estas mudanças exigem vontade política,
investimentos contínuos e Propostas Político-Pedagógicas
que deem suporte às mudanças legislativas. A educação
inclusiva pode ser considerada um avanço significativo para
a efetivação de educação de qualidade, desde que este
movimento de inserir alunos nas classes de ensino comuns
seja paralelo à transformação da escola, com investimentos
na saúde e na educação.
Esses desafios estão sendo constantemente anulados,
contemporizados por políticas educacionais, diretrizes,
currículos, programas compensatórios (reforço, aceleração
entre outros). Falsas saídas têm permitido às escolas comuns
e especiais escaparem pela tangente e livrarem-se do
enfrentamento necessário com a reorganização pedagógica,
O “outro” na escola... 295

ideológica e estrutural da escola como um todo. A inclusão


implica também em uma transformação considerável no
espaço escolar. Implica quebrar e vencer paradigmas, buscar
atender à diversidade humana com ajuda de recursos
materiais, humanos e financeiros. O desafio é conseguir
quebrar o esquema de homogeneidade.
No entanto, a escola precisa se abrir para políticas de
ensino verdadeiramente democráticas e participativas. Sua
Proposta Político-Pedagógica precisa ser real, mas também
utópica e sonhadora. Que se baseia na mudança de postura
perante a heterogeneidade humana, mediante a valorização
da diversidade como um elemento enriquecedor do
desenvolvimento pessoal e social. Espera-se que haja um
empenho de toda a sociedade escolar para que, num futuro
próximo, a diversidade deixe de ser um desafio para tornar-
se uma conquista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A opção deste artigo foi pelo tema “O ‘outro’ na


Escola: uma análise comparativa das propostas da Educação
Popular e Escola Forte Gestão em Excelência em
Educação”, desenvolvidas pela rede municipal de educação
da cidade de Chapecó. Trata-se da busca por propostas
pedagógicas, curriculares que demonstrem possibilidades,
prática concretas, para a efetivação de uma educação pública,
de qualidade para todos, com transformação da sociedade de
forma mais justa, solidária, humana e que celebre as
diferenças.
Ao analisar a Educação popular, pode-se perceber
que ela se caracterizou como uma opção política da Rede
Municipal de Educação que veio romper com o modelo
excludente de educação e propõe a construção de uma nova
estrutura baseada na concepção do materialismo histórico-
dialético, de cunho marxista, comprometida com a cidadania
296 A atualidade das ideias de Paulo Freire

e com a inclusão das classes populares atendidas pela escola


pública. Educação Popular é uma educação diretiva, os
projetos são a não diretividade da prática, deve ter cunho
gnosiológico, objetivos e conteúdos claros, utopia,
intencionalidade prática.
Segundo o olhar da pesquisadora, conclui-se que a
Educação Popular se apresentou como uma das
possibilidades para se construir práticas na direção da
emancipação humana, contrapondo-se à educação
tradicional, capitalista e excludente. Seu Projeto Político-
Pedagógico fazia parte de um projeto de sociedade, que
queria transformar o conjunto das relações sociais,
econômicas, culturais, políticas, para construir uma
sociedade justa, com igualdade. Ainda, como possibilidade
de construir autonomia e democracia dos envolvidos
destacando-se pelo envolvimento da comunidade com
participação ativa na escola e elevando a consciência da
classe e o senso crítico de seus educandos e educadores.
A Escola Forte possui apoio e recursos do governo
federal que busca ampliar e efetivar de forma concreta a
Educação Inclusiva conforme Programa Educação
Inclusiva-Direito à Diversidade.
As duas propostas, embora tenham pressupostos
filosóficos diferenciados, buscam incluir o “outro” em sala
de aula, primando pelo direito constitucional que é inerente a
todo cidadão brasileiro, bem como procurando cumprir os
acordos firmados em declarações de cunho internacional que
tratam sobre a inclusão e a integração, presentes na educação
para diversidade, tão discutida mundialmente.
A luta pela inclusão não pode ser meramente a
hipocrisia do discurso frente ao direito do educando
deficiente; e sim a análise social, política e cultural que reflita
uma luta maior de educação de qualidade para todos.
Enquanto sujeito político e social que somos, não podemos
nos esquecer de que vivemos em uma sociedade com valores
O “outro” na escola... 297

antagônicos que se relacionam diferentemente com os meios


de produção estabelecidos pelo modo de produção
capitalista.
A inclusão expressa uma dimensão de direitos
humanos e justiça social que pressupõe o acesso pleno e a
participação de todos nas diferentes esferas da estrutura
social, a garantia de liberdade e direitos iguais e o
estabelecimento de princípios de equidade.
Portanto, as transformações nas relações das pessoas
com deficiências e a sociedade se efetivam, em condições
concretas, no bojo, nas lutas gerais empreendidas também
por outros segmentos marginalizados, como negros, índios,
mulheres e trabalhadores camponeses. Desses grupos,
muitos deles, a maioria em termos quantitativos, e minorias
que vem desenvolvendo, historicamente, lutas objetivas
como agentes políticos contra o Estado e setores
exploradores que, por força de pressões, buscam respostas
às necessidades sociais e políticas desses grupos espoliados,
como forma de desenvolver novas estruturas de poder,
visando a sua hegemonia. Conclui-se, portanto, que a
inclusão, dialeticamente, é um processo contínuo e histórico
que se confunde na busca de mudanças estruturais de um
sistema econômico-político e social desigual e injusto.

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alteridade: representações sociais sobre o aluno com
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300 A atualidade das ideias de Paulo Freire
O “outro” na escola... 301

PARTE IV – O TEMA GERADOR NO CURRÍCULO


ESCOLAR
302 A atualidade das ideias de Paulo Freire
I

A PESQUISA-AÇÃO COMO ESTRATÉGIA


METODOLÓGICA PARA OS TEMAS GERADORES
NOS PRESSUPOSTOS FREIREANO

Leusa Possamai

A Rede Pública Municipal de Educação do


município de Chapecó (SC), no período de (1997/2004),
implementou nas escolas uma política de reorientação
curricular crítico-emancipado1 fundamentada no pensamento
de Paulo Freire. Uma Educação Popular 2 comprometida
com a solidariedade, a justiça social e com a transformação
social. Uma educação libertadora 3 pautada por princípios


Mestre em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC), atua como técnica em assuntos educacionais no Instituto
Federal de Santa Catarina campus Chapecó (IFSC). Participa como
pesquisadora do grupo de ensino e pesquisa em Currículo Integrado do
IFSC, cadastrado no CNPq. E-mail: leusafatima@gmail.com.
1 Fundamentada em autores que trabalham na perspectiva crítico-

emancipadora, tais como Silva (2000, 2004), Saul (2012), Freire (1987a,
1998), Saul; Silva (2009, 2011), que visa construir a unidade teoria-
prática, constituindo a práxis. No materialismo histórico-dialético por
entender a realidade social como resultado da ação do ser no contexto de
estruturas históricas.
2 Os alicerces desta concepção podem ser mais bem aprofundados em

Freire (1985, 1987b, 1994), Brandão (1999, 2002), Pontual (2003).


3 A educação libertadora baseia-se na Pedagogia da Libertação (Freire,

1987a, 1987b). A Pedagogia Libertadora na Rede Pública Municipal era


concebida como unívoco da Educação Popular. Defendia que as classes
populares têm o direito de tomar decisões, ter iniciativas, optar,
expressar-se e recriar-se culturalmente. Direito de construir a autonomia
intelectual e produzir criticamente a realidade em que estão inseridas,
modificando as práticas sociais existentes, tornando-se sujeito histórico
304 A atualidade das ideias de Paulo Freire

educativos como: cidadania, democracia, trabalho coletivo e


autonomia.
Durante este processo, vários aspectos foram
alterados na organização e na estrutura do funcionamento
escolar, provocando significativas reflexões enquanto
proposta curricular. Buscava, como propõe Severino (1995),
transformar a escola em um lugar onde é possível superar a
fragmentação da prática, tornando-se um Projeto
Educacional. Um conjunto articulado de propostas e planos
de ações, baseados em valores previamente explicitados e
assumidos, fundados numa intencionalidade do coletivo de
educadores e comunidade escolar.
O Movimento de Reorientação Curricular que foi se
constituindo na rede pública municipal de educação foi um
processo amplo de construção coletiva com o envolvimento
de diferentes grupos: educadores de diferentes áreas do
conhecimento, direções, especialistas, comunidade e
educandos, de adesão das escolas a organização curricular via
temas geradores. Primou pela autonomia das escolas, a
valorização e a criação de práticas de experiências
curriculares que estimulavam a diversidade na unidade, bem
como a unidade teoria-prática no movimento de prática-
teoria-prática. Exigiu mudanças de valores e práticas dos
educadores e a disponibilidade para o trabalho coletivo,
também a democratização da gestão e a formação
permanente dos educadores.
Para auxiliar no entendimento de como se deu a
reorientação curricular, mencionaremos aqui entrevistas com
educadoras 4 daquele período, as quais revelaram que, para

atuante – Revista da Secretaria Municipal de Educação de Chapecó,


Movimento de Reorganização Curricular (CHAPECÓ, 2001, p. 3).
4 Foram realizadas entrevistas, para produção da Dissertação de

mestrado, com cinco educadoras da rede pública municipal de educação


de Chapecó com posterior transcrição das falas. O critério para seleção
das educadoras entrevistadas foi terem vivenciado a reorganização.
A pesquisa-ação como estratégia... 305

elas, no início, colocar em prática a proposta foi difícil,


sofrido, assustador e que exigiu uma mudança radical de suas
práticas porque essa perspectiva era inovadora. Que estavam
acostumadas a ficarem fechadas cada uma na sua sala de
aula, que tinham pouco contato com os colegas, mais era
nos intervalos das aulas, mas era cada um na sua, nas suas
atividades, sem um opinar no trabalho do outro.
Ainda conforme as educadoras, antes dessa proposta
elas já haviam tentado, experimentado trabalhar de jeitos
mais significativos para os educandos, mas em nenhum
momento haviam vivenciado uma mudança do todo.
Afirmam que para elas a educação tradicional já estava
superada, que buscavam coisas diferentes para melhorar o
trabalho, mas de forma solta, desconectada. E mais, que a
nova proposta as ajudou a mudar as relações em sala de aula
com os educandos e com o conhecimento, tornando-se uma
proposta político-pedagógica que proporcionou construir
relações entre a realidade e os conhecimentos mediatizados
por elas e pelos educandos e, não mais apenas atividades
desconectadas, soltas.
Outro aspecto que mencionam é que foi naquele
período que mais se sentiram realizadas no seu trabalho
porque se sentiam desafiadas, tinham que estudar bastante,
sair de uma prática individualista e se construir no coletivo.
Que mudou a relação delas e da escola com a comunidade
escolar, que esta deixou de ser chamada apenas para ajudar
nos eventos e passou a estar presente também na definição
curricular. Além disso, como desafio de grande impacto nas

curricular crítico-emancipadora via abordagem temática no período de


(1997/2004), ter disponibilidade para a entrevista e contemplar uma de
cada área do conhecimento. A Dissertação foi apresentada no Programa
de Pós-Graduação em Educação PPGE/FAED/ UDESC, com o título:
“Contribuições da pesquisa-ação na produção de conhecimentos
escolares: experiências curriculares na Rede Pública Municipal de
Educação de Chapecó” (1997-2004), ano de 2014, autora: Leusa Fátima
Lucatelli Possamai.
306 A atualidade das ideias de Paulo Freire

práticas docentes, foi trabalharem os conteúdos a partir do


senso comum dos educandos, e não mais dos conteúdos
definidos a priori nos livros didáticos ou prescrições não
produzidas pelos educadores e muito menos a partir da
realidade dos educandos.
Outra mudança significativa apontada foi a visão
delas em relação aos educandos, pois passaram a vê-los e
tratá-los como pessoas com direito à palavra, às
manifestações e a conhecimentos significativos. Entenderam
que os conhecimentos deveriam ajudar os educandos a
tornarem-se críticos e reflexivos em relação ao porquê dos
problemas que vivenciavam, percebendo que essa era a
verdadeira função social da escola.
Enfrentaram o desafio de organizar as aulas a partir
da realização de um diagnóstico da realidade local,
desenvolvido a partir de pesquisas com os educandos e
comunidade, que objetivava conhecer o que esses segmentos
ligados à escola pensavam e o que tinham como “verdades”
e/ou necessidades para, a partir desse diagnóstico, definir os
conteúdos a serem trabalhados em sala de aula. Que esse foi
o maior impacto de todos e também o que mais realizava as
educadoras no trabalho. Que aprenderam, na prática, a
trabalhar a partir do que realmente iria fazer a diferença na
vida dos educandos, no sentido de estarem opinando,
avaliando seus problemas e entendendo-os à luz dos
conhecimentos. Uma das educadoras afirma que, até então, a
educação sempre tinha sido no sentido de um repasse de
conteúdo, encher a cabeça das crianças, quanto mais enchia
caderno era melhor. Deixar essa prática, estudar mais,
trabalhar coletivamente, partir mais da vida da comunidade,
dos educandos para trabalhar os conhecimentos, reformular
conceitos, desmistificar verdades foi a experiência vivenciada
nesta proposta.
A proposta implementada requereu muitas
mudanças, tanto individuais, quanto estruturais das escolas e
A pesquisa-ação como estratégia... 307

Secretaria de Educação. Neste capítulo abordarei três


aspectos, dentre os vários alterados na proposta de
reorientação curricular, que são indissociáveis ao trabalhar
com os temas geradores. Primeiramente, será aclarado qual o
conceito de realidade que permeou a reorientação curricular
da rede municipal. Em segundo lugar, elucidar o que são os
temas geradores na perspectiva freireana; e, por último,
explicitar o uso da pesquisa-ação (PA) como instrumento
metodológico na identificação dos temas geradores; e,
consequentemente, um redimensionamento dos conteúdos
escolares.
A construção curricular crítica, popular e
emancipatória, orientada a partir do Tema Gerador, da
realidade concreta e objetiva, como objeto pedagógico
crítico, revela conflitos, tensões e intenções, onde suas
contradições permitem planejar e construir novas ações.
Enquanto escola, permite rever e replanejar a relação
educando educador, a lógica dos conteúdos escolares e a
função social da educação.
Freire (1987a) e Saul e Silva (2009, 2011) afirmam
que trabalhar com os temas geradores é desenvolver uma
educação pautada essencialmente na prática, mas sempre
uma prática intencionada, que vai se constituindo em
paradigmas expressos em concepções pedagógicas e de
conhecimento escolar, em que os conhecimentos escolares
contribuem para produzir modos de ser e de viver conforme
mencionado por uma das educadoras ao afirmar que,
algumas vezes, através da realização da pesquisa chegaram ao
Tema Gerador do consumismo e, ao irem trabalhando esse,
percebiam mudanças nas crianças, no sentido de não
chegarem em casa e ficarem pedindo o tempo todo para os
pais que queriam tal coisa, a tal Barbie ou outras coisas;
percebiam outra relação com o consumismo.
Logo, o processo de ensino e aprendizagem se torna
uma práxis intencionada, não neutro e inserido em contextos
308 A atualidade das ideias de Paulo Freire

históricos atravessados por diferentes valores que perpassam


a sala de aula.
Para apropriarem-se da concepção de ensino e
aprendizagem como práxis, foi necessário desencadear um
processo de formação permanente, que procurou colocar a
ciência e os conhecimentos a serviço da humanização dos
sujeitos no processo ensino-aprendizagem. O que demandou
um trabalho em equipe, tanto nas escolas, quanto na
Secretaria Municipal de Educação 5 ; com intencionalidade
capaz de explicitar a realidade que, embora seja cognoscível,
não se dá direta nem imediatamente. Portanto, requereram
relações democráticas, o exercício do diálogo, das
explicitações dos conflitos e contradições. Da participação
efetiva dos educadores, educandos, pais, mães nas escolas e
um exercício permanente da práxis, do pensar sobre o fazer
e, redimensioná-lo conforme as necessidades.
As entrevistadas são unânimes em afirmar que os
momentos de estudos proporcionados pela Secretaria de
Educação tornaram-se mais profundos, que aprenderam
muito e em várias áreas, compreenderam muitos aspectos

5 Na Secretaria Municipal de Educação, foi constituída a equipe de


coordenação pedagógica, composta de profissionais de todas as áreas do
conhecimento (Português, matemática, história, geografia, ciências, artes,
pedagogia, educação física e língua estrangeira), buscando ser uma equipe
interdisciplinar. Seu fazer constituía-se em problematizar, mediar e
subsidiar, com embasamento teórico-prático, o trabalho das escolas e
Centros de Educação Infantil Municipais (CEIMs), visando à construção
das diretrizes da Secretaria Municipal de Educação definidas no Projeto
Político-Pedagógico. Desencadeou, também, um processo de formação
permanente nos envolvidos, tanto da Secretaria Municipal de Educação,
como e especialmente nos educadores das escolas de serem os sujeitos
da práxis, como propõe Saul e Silva (2009, p. 227): “localizar os pontos
críticos que requerem fundamentação, revisão e superação da prática”.
Isso, ao analisar os dados, permite afirmar que significou pensar,
problematizar e teorizar criticamente sobre o seu fazer, sobre os acertos
e desacertos que estavam ocorrendo no currículo que efetivamente
estava sendo construído nas escolas (POSSAMAI, 2014, p. 58).
A pesquisa-ação como estratégia... 309

dos problemas que envolvem os educandos e em alguns os


próprios educadores. Que passaram a buscar, juntamente
com pais, educandos e os outros educadores envolver-se em
ações que visavam mudar a realidade. As educadoras dizem
que vivenciaram, experimentaram e aprenderam a refletir e
teorizar seu fazer, aprenderam a ser questionadoras, a
problematizar e repensar suas concepções a partir dessas
reflexões.
As afirmações das educadoras explicitam que a
proposta implementada pautou-se no que propõe Freire
(1987a), são as “situações-limites” 6 de compreensão que a
comunidade possui de sua realidade, que se apresentam
como se fossem determinantes históricos e que diante dos
quais não tem alternativa senão adaptar-se. Diz ele:

O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da


educação como prática da liberdade. É o momento em
que se realiza a investigação do que chamamos de
universo temático do povo ou o conjunto de seus temas
geradores (FREIRE, 1987a, p. 87).

6 Conceito esse cunhado por Freire (1987a, p. 90-91) e também por


Álvaro Vieira Pinto (1960, p. 284). Freire define que: As “situações –
limites” são dimensões concretas e históricas de uma dada realidade e
que não devem ser tomadas como se fossem barreiras insuperáveis. São
dimensões desafiadoras dos homens em lugar de implicarem sua
aceitação dócil e passiva. Superação que só existe nas relações homens-
mundo, da ação dos homens sobre a realidade concreta em que se dão as
“situações-limites”. Portanto, se dão historicamente como seu
enfrentamento e superação também só podem ser feitos historicamente.
Não são as “situações-limites”, em si mesmas, geradoras de um clima de
desesperança, mas a percepção que os homens tenham delas num dado
momento histórico, como freio a eles, como algo que eles não podem
ultrapassar. Somente a percepção crítica que se instaura e desenvolve um
clima de esperança e confiança leva os homens a se empenharem na
superação das situações-limites.
310 A atualidade das ideias de Paulo Freire

E propõe que “[...] a partir da situação presente,


existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do
povo, poderemos organizar o conteúdo programático da
educação ou da ação política” (FREIRE, 1987a, p. 86).
Esse momento, na experiência investigada e objeto
deste estudo, se materializava na realização da pesquisa-ação,
preparada e encaminhada pelos educadores. Conforme
Freire (1987a, p. 86),

[...] temos que propor ao povo, através de certas


contradições básicas, sua situação existencial, concreta,
presente, como problema que, [...] o desafia e, assim, lhe
exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da
ação.

Por isso, constatamos que o fazer educacional


reafirmava o que propõe Freire (1987a, p. 88):

[...] o que se pretende investigar, realmente, não são os


homens, como se fossem peças anatômicas, mas o seu
pensamento-linguagem referido à realidade, os níveis de
sua percepção desta realidade, a sua visão de mundo, em
que se encontram envolvidos em seus ‘temas geradores’.

E também o que Thiollent (2011) afirma, que a


função política da pesquisa-ação está intimamente
relacionada com o tipo de ação proposta e com seus atores,
pois a investigação está inserida numa política de
transformação.
Considerando a investigação sugerida por Freire
(1987a) e a função da PA, segundo Thiollent (2011), na rede
pública municipal no período de (1997/2004), investigava-se
a realidade, esta que, segundo Marx e Engels (1986), Kosik
(1976), Paulo Freire (1987a), Konder (1981, 1998, 1992),
entre outros, é uma construção histórica, portanto, humana.
Por ser humana é contraditória e também é desigual. A
A pesquisa-ação como estratégia... 311

história da sociedade se confunde com a história da luta de


classes, que opressores e oprimidos vivem em permanente
conflito entre si, ora abertos, ora camuflados.
A sociedade burguesa mantém os antagonismos
sociais e políticos. Revoluciona os meios e as relações de
produção e todas as relações sociais. Cultiva a subversão
contínua da produção, e o abalo constante de todo sistema
social. Mantém uma permanente agitação e insegurança
suprimindo todas as relações estáveis, como afirma Marx e
Engels (1986, p. 22): “O que parecia sólido desaparece; o
que era sagrado é profano, e finalmente, os homens são
obrigados a encarar, com serenidade, suas condições de vida
e suas relações recíprocas”.
Ela imprime um caráter cosmopolita à produção e ao
consumo, por meio da exploração do mercado mundial, da
globalização. A propriedade pessoal tornou-se um simples
valor de troca balizado pela liberdade do comércio que se
caracteriza por uma exploração aberta, cínica, direta e brutal.
Esta mesma realidade sujeitou o campo à cidade e produziu
os aglomerados urbanos. Submeteu os países pouco
evoluídos aos civilizados, os povos do Oriente ao Ocidente.
Impôs a centralização de meios de produção e concentrou
em mãos de poucos a propriedade (MARX; ENGELS, 1986,
p. 23).
Segundo Marx e Engels (1986), nesta realidade a
burguesia também foi capaz de gerar forças produtivas mais
variadas e potentes do que todas as gerações precedentes
juntas. Além de controlar as forças naturais pelo homem,
emplacou a livre concorrência com a organização
sociopolítica própria, sob o predomínio econômico e
político da burguesia e a classe de operários modernos:

Esses operários, obrigados a se venderem diariamente,


transformam-se em mercadorias e artigos de comércio e
por isso sujeitos a todos os trâmites da concorrência, a
312 A atualidade das ideias de Paulo Freire

todas as oscilações de mercado (MARX; ENGELS, 1986,


p. 24).

Esta realidade, para Kosik (1976), não se mostra aos


homens à primeira vista, e os indivíduos enquanto seres
sociais no trato prático-utilitário com as coisas em que a
realidade se revela, criam suas próprias representações das
coisas e produzem todo um sistema correspondente que
capta e fixa o aspecto fenomênico da mesma. Captá-la
requer ser compreendida como uma totalidade concreta,
onde os problemas mais específicos, aparentemente mais
isolados, só podem ser compreendidos como partes do todo.
Carminati e Meksenas (2008, p. 139) afirmam que:

O real não é apenas aquilo que ocorre aqui e agora ao


meu lado, como também o é condicionado ao que
acontece ali e acolá, distante de mim. Não só o ocorrido
hoje, como também o ontem, pois o real contém a força
do passado e do presente.

Na reorientação curricular-crítico emancipadora via


abordagem temática desenvolvida naquele período, o
trabalho em sala de aula tornou-se o compromisso em
“captar” esta realidade e potencializar uma educação
libertadora, porque carregava em seu significado o sentido
de que é tarefa da educação contribuir para que os
educandos passem a “[...] assumir a posição de sujeito
cognoscente, comunicar-se e estabelecer relações consigo,
com os outros sujeitos e com a natureza” (DAMKE, 1995,
p. 54).
Logo, veio ao encontro do que propõe Freire
(1987b, p. 15), que a sala de aula não pode se limitar a
palavras, conteúdos soltos, desconectados da realidade, do
mundo, por isso propõe que “ler mundo” e “ler palavra”,
implicam “reescrever” o mundo, a leitura da palavra deve ser
inserida na compreensão da transformação do mundo, que
A pesquisa-ação como estratégia... 313

provoca a leitura dele e deve remeter-nos, sempre, à leitura


de novo do mundo. Uma das estratégias que ele propõe são
os temas geradores, porque estão presentes na realidade dos
educandos e comunidade escolar.
Compreender os temas geradores presentes na
realidade dos educandos que propõe Freire é entender que o
Tema Gerador “gera dor”. E “gera dor para o outro”, neste
caso, para os educandos, o que também pressupõe
compreender que não são os educadores que definem os
temas geradores, mas a realidade dos educandos. São
problemas vivenciados por eles, porém, sua compreensão
ainda não está clara, encontra-se no nível do senso comum.
O Tema Gerador sobre o consumismo, abordado por uma
das educadoras entrevistadas, ajuda-nos a entender a “dor do
outro”, ou seja, neste caso específico, não conseguir
satisfazer as necessidades de consumo dos filhos gerava a
dor da impotência, da incapacidade e da culpabilidade dos
pais.
Entretanto, não são todos os problemas que são
temas geradores, pois os alunos carregam consigo, bagagens
práticas de seu cotidiano, que, para Freire (1987b, p. 14),

[...] indiscutivelmente, há uma sabedoria popular, um


saber popular que se gera na prática social de que o povo
participa, mas, às vezes, o que está faltando é uma
compreensão mais solidária dos temas que compõem o
conjunto desse saber.

Compreendê-los requer conhecer bem como


funciona a realidade, bem como relacioná-los com o
conjunto do saber, ou com a totalidade do conhecimento
produzido.
Os problemas que se caracterizam como temas
geradores estão relacionados e vinculados aos elementos da
estrutura socioeconômica da sociedade de classes.
Vinculados aos núcleos temáticos, como a moradia, a saúde,
314 A atualidade das ideias de Paulo Freire

o transporte, a educação, a convivência, o saneamento, o


trabalho, o lazer, o abastecimento, a comunicação, a política,
as leis, entre outros, onde “[...] todas as regiões da realidade
objetiva são sistemas, isto é, conjunto de elementos que
exercem entre si uma influência recíproca” (KOSIK, 1976,
p. 46).
Ou seja, os temas geradores são problemas
construídos historicamente pelos seres humanos, pelas
relações e interesses desiguais, ou até injustos. Estão
relacionados a aspectos da organização da sociedade e são
vivenciados pelos alunos e comunidade escolar com limite
de compreensão por estes. O Tema Gerador é um problema
para os alunos.
Nesse sentido, os educandos vivenciam “a dor” dos
problemas, mas não têm ainda todos os elementos e
conhecimentos necessários para saber compreendê-la. Logo,
definem os problemas como sendo de responsabilidade
individual, atribuindo a suas “incapacidades”, ou a
atribuições divinas, mágicas, entre outras. Suas explicações se
dão de forma estanque. Para solucionar estes problemas e
superar “a dor”, os educandos e a comunidade escolar
propõem soluções isoladas e pontuais, caracterizando o
senso comum. Uma das educadoras entrevistada ao
exemplificar o Tema Gerador do desemprego, ou o medo,
de perder o emprego, afirma que para dar conta de saber
trabalhar esse tema tinham que estudar e entender os
conteúdos para explicar o porquê do desemprego, o que
provoca essa situação, no que esse problema está
relacionado com a forma da sociedade estar organizada.
Os temas geradores proporcionam trabalhar com o
que propõe Kosik (1976), que em muitas situações os seres
humanos possuem uma intuição prática da realidade, uma
práxis utilitária, ou seja, o senso comum. Mesmo no senso
comum se orientam no mundo, se familiarizam com as
coisas e as manejam, mas não significa que compreendem as
A pesquisa-ação como estratégia... 315

coisas e a realidade. Para exemplificar ela afirma que: “[...] os


homens usam dinheiro e com ele fazem as transações mais
complicadas, sem ao menos saber, nem ser obrigados a
saber, o que é o dinheiro” (KOSIK, 1976, p. 14).
A partir da análise da realidade e definição dos temas
geradores, a preparação das aulas requeria dos educadores o
diálogo e a visão das diferentes áreas de conhecimento em
relação àquele problema, buscando parâmetros
epistemológicos balizados pelas estruturas de pensamento e
pela capacidade argumentativa dos educadores, ou seja,
requeria a definição do contratema 7 . Isso exigiu, dos
educadores, trabalhar de forma coletiva e também exigiu
reorganizar as escolas para possibilitar esse trabalho.
Para elucidar, apresento o depoimento de uma das
educadoras entrevistadas:

Eu já não trabalhava matemática pura, só que antes partia de


mim e não da pesquisa, da necessidade dos educandos [...]. Daí em
noventa e sete eu comecei a trabalhar o inverso, partia do
conhecimento deles, dos educandos e da comunidade
também. Os conhecimentos passaram a ser definidos a
partir da necessidade dos educandos e, também eram
articulados às outras áreas que numa relação dialógica e por decisão
dos coletivos de professores, após a realização da pesquisa na
comunidade, da análise de falas 8 coletadas, transformavam-se em

7 Se o Tema Gerador é a visão dos educandos e da comunidade em


relação aos problemas vivenciados, o contratema é a visão dos
educadores em relação aos mesmos problemas vivenciados, de tal forma
que se ambos estão “percebendo” o problema da mesma maneira, não é
Tema Gerador.
8 Denominava-se falas significativas, pois, ao realizar a pesquisa, os

educadores da rede municipal coletavam falas significativas junto aos


educandos. As falas significativas apresentavam limites de compreensão
para os problemas vivenciados pelos educandos que, ao referirem-se os
problemas vivenciados, os descreviam, os analisavam e propunham
soluções, mas sempre na perspectiva do senso comum, carecendo de
outros conhecimentos e análises. Após análise destas falas, os
316 A atualidade das ideias de Paulo Freire

temas geradores que, no âmbito da sala de aula gerariam


novas problematizações e mediações voltadas ao fazer de
cada conteúdo, um modo de compreender a vida e o
conhecimento em suas complexidades (POSSAMAI, 2014,
p. 76, grifos nossos).

Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), os


temas geradores compreendem o fazer e o pensar, o agir e o
refletir, a teoria e a prática; pressupondo o estudo da
realidade, desta que emerge uma rede de relações entre
situações significativas individual, social e histórica que
orienta a discussão, interpretação e representação da
realidade; pode-se dizer que é uma prática que tem no
método dialético sua efetivação.
Os autores Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002,
p. 166) apresentam cinco princípios como sendo da natureza
dos temas geradores, porque estes proporcionam exercitar a
práxis, partir da prática, refletir, entender e problematizar
essa prática, estabelecendo relações entre problemas e
contextos locais e amplos.
Como primeiro princípio, afirmam que os temas
geradores requerem uma visão de totalidade. Relacionar os
problemas da realidade local com um contexto mais amplo,
como um todo articulado, atravessado por contradições que
se relacionam.
Naquele período, para desencadear a análise do
Tema Gerador (visão da comunidade), com a visão de
totalidade, realizar a análise destes com os contratemas
(visão dos educadores), construía-se a rede temática ou rede
de relações 9 . Em uma das entrevistas, foi afirmado que

professores organizavam os conteúdos conforme as necessidades


levantadas pelas mesmas, especialmente nos aspectos que se
apresentavam como contraditórios, faltando compreensão, informação,
conhecimento.
9 A rede temática ou rede de relações é o exercício dialético do coletivo

de professores que ocorre após definição dos temas geradores e dos


A pesquisa-ação como estratégia... 317

depois que trabalharam com a pesquisa, com o Tema


Gerador e com a rede temática, enxergavam o problema na
totalidade, buscavam perceber essas implicâncias nos vários
setores, nos vários aspectos, entender o porquê que
passaram a compreender melhor o mundo, suas intenções.
Que os problemas não são naturais, eles têm uma razão de
ser, que alguém está sendo beneficiado e é isso que as
pessoas às vezes têm dificuldade de compreender.
O segundo princípio propõe a ruptura com o
conhecimento no nível do senso comum. Trabalhar a partir
da realidade dos educandos requer mergulhar nela para
compreender os nexos lógicos que produzem desigualdades
e injustiças para desmistificá-la. Elucidando também com o
depoimento de uma das educadoras entrevistadas ao afirmar
que passaram a estudar muito, que respeitavam o senso
comum dos alunos, mas que tinham que mostrar outras
possibilidades. E ainda, que começavam pela realidade, pelo
conhecimento que os alunos traziam e, desse conhecimento,
iam construindo um conhecimento mais elaborado, que esta
era a função dos educadores.
No terceiro princípio apresentam o diálogo nas
relações de ensino-aprendizagem como sua essência. Para
Freire (1987a), o diálogo como exigência existencial não é
um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, tampouco
tornar-se simples troca de ideias, mas é o encontro dos seres
humanos mediatizados pelo mundo como ato de criação e
de amor, de coragem, de compromisso com as causas da

contratemas, e é necessário construir a relação entre ambos. Construir a


visão das diferentes áreas do conhecimento, definir e negociar diferentes
caminhos para abordar os conteúdos. Essa é a função da rede temática,
ela explicita as relações daquele problema com outros, com a realidade
objetiva, com os conhecimentos produzidos historicamente do micro
(local) para o macro (global). É o exercício da práxis. Os educadores
construíam a análise partindo do mais simples para relacionar com
análises mais complexas permitindo retornar ao simples, mas com outras
apreensões.
318 A atualidade das ideias de Paulo Freire

libertação dos oprimidos, o diálogo é tarefa de sujeitos, em


criar as condições de superar o conhecimento no nível do
senso comum para o nível da análise. Uma das educadoras
entrevistadas afirma que tudo o que fazia, que nenhum
exercício, nenhuma folha, nenhum vestígio que se levasse
para a sala de aula era sem ter uma intenção. Tinha que ser
sempre algo que problematizasse com o aluno. A partir do
Tema Gerador, então não podia levar na sala de aula, uma
folha para eles pintarem, simplesmente para passar tempo,
tudo tinha que ser realmente pensado e planejado de forma
diferente.
O quarto princípio é que os educadores tenham uma
postura de crítica, de problematização constante, de
distanciamento, de estar na ação e de se observar e se criticar
nessa ação. Freire (1987a) afirma que a educação
problematizadora, aqui sendo concebida como construída a
partir dos temas geradores, parte do caráter histórico e da
história dos seres humanos, por isso reconhece como seres
que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, assim
como também a realidade que, por ser histórica, é inacabada.
Nesse sentido, a educação é um fazer permanente na razão
da inconclusão dos homens e do devir da realidade. Para ser
tem que estar sendo. Numa das entrevistas encontramos que
este é um processo contínuo. Que os educadores vão
retomando, reorganizando. Que coletivamente construíam
uma rede de relações, mas depois iam “recheando”,
complementando, mudando conforme o trabalho ia se
desenvolvendo. Era um processo dinâmico e contínuo e que
o fato de terem que complementar, “rechear” a rede de
relações, era por respeitar e considera o Outro um sujeito
também. Que os Outros (alunos) também eram seres
humanos e não estavam ali apenas para sentar e absorver,
não eram esponjas, mas seres que interagiam, questionavam,
exemplificavam, entendiam outra coisa e isso precisava ser
considerado sem perder o foco das aulas.
A pesquisa-ação como estratégia... 319

E o quinto princípio os autores propõem que os


temas geradores devem apontar para a participação,
discutindo no coletivo e exigindo disponibilidade dos
educadores. Exemplificando, uma das entrevistadas diz que
podiam não saber direito para onde ir, não saber que rumo
tomar, que conteúdo escolher. Podiam ficar perdidas, mas
pediam ajuda e tinham respaldo. Que ao definirem um Tema
Gerador construíam a rede de relações e iam observando o
que artes, o que português, o que matemática, o que cada
área do conhecimento poderia seguir e explicar aquele
problema, qual era o caminho na rede temática; e um
ajudava o outro.
Corroborando com os cinco princípios elencados
acima, Freire (1987a, p. 98) afirma que: “Investigar o tema
gerador é investigar [...], o pensar dos homens referido à
realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua
práxis”. Requerendo uma metodologia de investigação, onde
ambos, investigadores e investigados, façam-se sujeitos, não
reduzindo a investigação a um ato mecânico.
Exemplificando, a professora entrevistada afirma:

Na conversa com a comunidade, a gente ia explorando,


pedindo, perguntando e conduzindo eles a falarem. A
gente ouvia muito eles, para que falassem dos problemas
que viviam, a gente falava pouco (POSSAMAI, 2014, p.
52).

A investigação

[...] tem de constituir-se na comunicação, no sentir


comum uma realidade que não pode ser vista
mecanicistamente compartimentada, simplistamente bem
‘comportada’, mas, na complexidade de seu permanente
vir a ser (FREIRE, 1987a, p. 101).
320 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Freire (1987a) diz que são as representações


concretas de ideias, valores, concepções e esperanças e
também os obstáculos ao ser mais dos homens que
constituem os temas de cada época. Esses não têm como
serem surpreendidos isolados, soltos, desconectados,
coisificados, parados, mas em relação dialética com outros,
seus opostos. Como também não há outro lugar para
encontrá-los que não seja nas relações dos seres humanos
com o mundo.
Para proporcionar aos educandos a compreensão
mais ampla de seus problemas, de seus temas geradores, eles
precisam ser trazidos para dentro da sala de aula. Diante
destes, os educadores, de forma coletiva, selecionam os
conteúdos escolares e/ou os conhecimentos, que serão
trabalhados nas aulas, dando condições aos alunos de
superar o senso comum nas explicações dos mesmos.
Portanto:

O momento de buscar é o que inaugura o diálogo da


educação [...] é o momento em que se realiza a
investigação do que chamamos de universo temático do
povo ou o conjunto de seus temas geradores (FREIRE,
1987a, p. 87).

A pesquisa-ação10, como estratégia metodológica na


definição e organização dos conhecimentos escolares,

10 Para identificar os temas geradores, na rede pública municipal de


educação, adotou-se inicialmente a pesquisa participante como estratégia
metodológica. Thiollent (2011, p. 13-14) afirma que frequentemente usa-
se pesquisa participante e pesquisa-ação como sinônimos e não o são.
Ainda segundo este autor, a pesquisa-ação vai além da participação e
supõe uma forma de ação planejada com caráter social, educacional,
técnico ou outro, que nem sempre se encontra em propostas da pesquisa
participante.
Neste processo, a pesquisa participante foi encaminhada por contemplar
a forma de ação planejada, buscando na realidade local problemas a
A pesquisa-ação como estratégia... 321

possibilitou assumir a posição de sujeitos cognoscentes,


aspectos da pedagogia freireana; implicou olhar para as
situações vivenciadas pelos educandos, suas experiências de
vida, sua realidade concreta, seu pensar e as significações que
davam para esse cotidiano, para estas serem “[...] colhidas,
estudadas, compreendidas e transformadas em conteúdo
mediador de novas interpretações de mundo” (ALVES,
2012, p. 15).
Também a PA proporcionou potencializar um dos
traços fundamentais da consciência, a abertura para o novo,
para o desafiador, um permanente processo de busca, de
superação e conquista pessoal e do mundo. Explicitando o
que afirma Damke (1995, p. 54): “[...] o ser humano como
um ser inacabado e, ao mesmo tempo, como alguém capaz
de refletir e de tomar consciência da sua incompletude”.
Para Brandão (1999) a pesquisa-ação recria de dentro
para fora formas concretas de grupos e classes participarem
do direito e do poder de pensarem, produzirem e dirigirem
os usos de seus saberes, superando a divisão entre o lado
“popular” e o lado “científico”. Segundo Thiollent (2011),
corroborando com Brandão (1999), sem abandonar o
espírito científico a pesquisa-ação é concebida e realizada
“em estreita associação com uma ação e com uma resolução
de problema coletivo” (THIOLLENT, 2011, p. 20), em que
pesquisadores e pesquisados constituem-se como “sujeitos
de um mesmo trabalho, ainda que com condições e tarefas
diferentes” (BRANDÃO, 1999, p. 11) e envolvem-se de
modo cooperativo ou participativo na construção e
apropriação do conhecimento.
O pesquisador observa e interpreta a partir de sua
formação e suas experiências anteriores, não substituindo a

serem mais bem compreendidos na relação da sala de aula e construindo


sua superação. Entretanto, por não se restringir ao que problematiza
Thiollent, pesquisa-ação e pesquisa participante aqui serão tratadas como
sinônimos.
322 A atualidade das ideias de Paulo Freire

objetividade na pesquisa, mas respeitando, por meio de um


controle metodológico, a descrição verbal minuciosa de um
diálogo aberto, que consiga captar o que o povo pensa e fala
(os temas geradores) de forma mais dialógica. De tal forma
que: “O qualitativo e o diálogo não são anticientíficos”
(THIOLLENT, 2011, p. 30).
Após definir a estratégia, os educadores vão para a
coleta de falas significativas que também é um “ouvir
atento”, mas, ao mesmo tempo, problematizador com os
entrevistados; levando-os a falarem mais e com o maior
número de informações possíveis, explicitando suas visões
em relação aos problemas vivenciados. O depoimento de
uma das educadoras corrobora, exemplificando um pouco
desse processo, ao mencionar que primeiro coletavam as
falas de alunos e da comunidade, depois saíamos para as ruas
a fazer visitas nas casas, não só de pais de alunos, mas de
toda a comunidade, do loteamento todo. Conversavam com
todas as pessoas que estavam nas casas, ouviam-nas para
compreenderem a realidade em que estavam inseridos. Que
todos os professores faziam isso.
Ter a realidade como ponto de partida, esta ser
apreendida através da pesquisa-ação, que identifica os temas
geradores, permite alterar a definição dos conteúdos de sala
de aula; não seguindo mais, de forma “acrítica”, os temas
dos livros didáticos. Permite superar a lógica depositária de
conteúdos nos educandos. Também possibilita não ter
conteúdos definidos a priori e, consequentemente,
proporciona aos educandos, mas também aos educadores,
que “[...] o meu ‘destino’ não é dado, mas algo que precisa
ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir”
(FREIRE, 1998, p. 58). Que o depoimento de uma das
professoras entrevistadas em Possamai (2014, p. 114) mostra
um pouco dessa relação que desenvolviam e vivenciavam:
A pesquisa-ação como estratégia... 323

Os alunos, eles chegavam em casa e eles conseguiam


conversar com os pais sobre o que a gente foi trabalhando
na escola, sobre o que a gente foi construindo na escola,
eles conseguiam passar uma nova visão sobre o problema,
uma nova visão de mundo ou do porque estava tendo
aqueles problemas. Saía daquela lógica do senso comum,
porque você realmente trazia elementos de reflexão e não
era a tua ideia imposta para as crianças, mas através do
conhecimento historicamente construído, você fazia as
reflexões, problematizações. Conseguia problematizar a
situação vivenciada. Ou seja, não era mais uma coisa pré-
definida, era uma dúvida, gerada pelo conhecimento em
relação ao que antes era um problema, uma verdade que
antes era entendido que era causado por alguma coisa do
além do acaso.

Ao realizar a pesquisa junto aos educandos e


comunidade, compreendiam-se suas vivências, culturas,
problemas e visões de mundo que se perpetuavam no senso
comum, requerendo compromisso com os entrevistados,
pois o diálogo dava-se entre seres históricos, que mesmo
cada um sendo um ser único, o jeito de ver o mundo resulta
e faz parte de uma teia social.
A pesquisa-ação no currículo crítico visava à
construção do conhecimento como processo que ocorre a
partir da prática de pesquisar, o que tornava o processo de
ensinar e aprender mais significativo. Provinha de posturas
investigativas dos educadores, que proporcionam
compreender os nexos lógicos entre contextos e problemas
reais, que mediados por intencionalidades, por projetos,
numa relação de totalidade produz-se o conhecimento.
A construção curricular em processo, que propõe
Saul e Silva (2009, p. 230), valendo-se da pesquisa-ação
como estratégia na definição dos temas geradores e na
organização dos conhecimentos escolares, supera a
dissociação entre conhecimento escolar e cidadania.
324 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Considerava conteúdos escolares a realidade local dos


educandos, como aspectos de uma totalidade de um
contexto sócio-histórico mais amplo, quanto o próprio
processo de ensino-aprendizagem, que se dava no diálogo
entre os saberes dos educandos, dos educadores e dos
conhecimentos sistematizados. A apreensão dos
conhecimentos acontecia de forma coletiva a partir da
análise das contradições vivenciadas na realidade local dos
educandos. E, por conseguinte, o fazer pedagógico passou a
ser o próprio exercício da cidadania crítica, contextualizado e
processual, consistente e emancipatório. Nesse sentido, vem
ao encontro do que propõe Freire (1998, p. 102):

Toda investigação temática de caráter conscientizador se


faz pedagógica e toda autêntica educação se faz
investigação do pensar. Quanto mais investigo o pensar
do povo com ele, tanto mais nos educamos juntos.
Quanto mais nos educamos, tanto mais continuamos
investigando. Educação e investigação temática, na
concepção problematizadora da educação, se tornam
momentos de um mesmo processo.

Ao realizar a pesquisa como estratégia metodológica


na organização e produção do conhecimento, exercita-se o
movimento dialético de não isolar a realidade dos conteúdos,
de estar diretamente ligadas às preocupações e experiências
cotidianas dos educandos, mas também de não usar os
conteúdos para ajustar à realidade e, sim, exercitar a análise
crítica e relacional dos problemas vivenciados com a ciência
produzida.
Nesse sentido, Freire (1998, p. 32) afirma que:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino [...]


enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando.
Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e
me indago. Pesquiso para constatar, constatando,
A pesquisa-ação como estratégia... 325

intervenho intervindo educo e me educo. Pesquiso para


conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade.

A PA proporciona o rumo do trabalho, alude não ter


conteúdos preestabelecidos, mas reconhece-os como uma
produção histórica, de acordo com a necessidade dos temas
geradores, faz-se um recorte dos conhecimentos científicos,
para dar conta de proporcionar o “alargamento” da
compreensão dos problemas por parte dos educandos. A
educação torna-se um ato cognoscente, pois parte das
relações homens-mundo e possibilita sua apreensão e,
consequentemente, a inserção crítica de ambos educadores e
educandos neste mundo, visando sua superação.
As educadoras entrevistadas expressam que
realizavam as entrevistas tendo um fio condutor, uma
estrutura de base ligada ao núcleo temático a ser pesquisado,
para não atirar para todas as direções. Que antes de ir a
campo realizar a pesquisa, preparavam-se e levantavam
hipóteses do que avaliavam ser problemas para a
comunidade. Também organizavam as perguntas, as
problematizações a serem feitas no momento da conversa
com os pais. Os assuntos giravam em torno de núcleos
temáticos em relação aos elementos da estrutura
socioeconômica da sociedade, como moradia, saúde,
transporte, educação, convivência, saneamento, trabalho,
lazer, abastecimento, comunicação, política, entre outros.
Que faziam a pesquisa e coletavam as falas para saber qual
que era a visão de mundo deles, que problemas eles sentiam
e como que eles analisavam aqueles problemas. Que após a
pesquisa voltavam para a escola com as falas e faziam a
análise das mesmas e, a partir daí é que se selecionavam os
conteúdos para ir para a sala de aula, montavam o Tema
Gerador e a rede de relações.
326 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Realizar a pesquisa-ação para coletar os temas


geradores era enxergar as dimensões visíveis, mas também as
ocultas na trajetória da vida das pessoas, desnudar a realidade
em suas contradições, perceber os limites explicativos dos
educandos aos problemas vivenciados, onde muitas
situações percebidas e explicadas pelos educandos são

[...] diferentes e muitas vezes absolutamente contraditórias


com a lei do fenômeno, com a estrutura da coisa e,
portanto, com o seu núcleo interno essencial e o seu
conceito correspondente (KOSIK, 1976, p. 14).

Elucidando, as educadoras entrevistadas afirmam


que, no momento da pesquisa, consideravam não só o dito
explicitamente, mas a maneira de dizer, as inflexões, as
hesitações, as pausas, os silêncios, porque tudo dizia muito.
Aspecto importante a ser considerado, pois, geralmente,
nessas hesitações, silêncios, pausas do discurso é que estão a
ambiguidade e a contradição entre o pensar e o agir; e que é
importante captar e desvelar. O “não dito” e o “mal dito”,
por medo, pudor, desconfiança ou porque por dizê-lo seria
doloroso demais, por isso, são tão ou mais importantes
quanto às outras respostas.
As educadoras entrevistadas revelam que se
preparavam antes de ir para a pesquisa. Que tinham
objetivos ao realizar a pesquisa. Que além de captar as falas,
também conheciam a comunidade para conseguir intervir
naquela realidade. Que não tinha como trabalhar
independente da sociedade e da comunidade.
Definir os conhecimentos escolares a partir da
pesquisa-ação implicava reafirmar o compromisso social e
científico desta, orientando-se em função da resolução de
problemas do mundo real e/ou de objetivos de
transformação e não de modo retórico ou simbólico, já que
por trás dos problemas há sempre uma série de
condicionantes sociais, apontados anteriormente, a serem
A pesquisa-ação como estratégia... 327

evidenciados pela investigação. Para dar conta de


problematizar, entender e situar os problemas necessitava-se
compreendê-los não como algo isolado frente aos contextos.
Era preciso “[...] penetrar na lógica deste objeto/problema,
para poder com ele dialogar adequadamente e estabelecer
sínteses superadoras do conhecimento acumulado”
(JANTSCH; BIANCHETTI, 1995, p. 178).
Ao trabalhar a partir da realidade dos educandos, dos
temas geradores percebidos na realização da PA, na ação
sobre o mundo os educadores criavam o domínio da cultura
e da história, constituindo-se em seres da práxis. A práxis
que, sendo reflexão e ação verdadeiramente transformadora
da realidade, era fonte de conhecimento reflexivo e de
criação. Como seres em permanente ação transformadora da
realidade, simultaneamente, criavam a história e se faziam
seres histórico-sociais.
Logo, para os educadores, o conhecimento é
significativo quando possibilita compreender os contextos, a
realidade como social, como construção humana, como
processo, como uma totalidade. Também, entender como os
educandos, os pais, explicitam em suas ideias, em suas
representações esse real. Quais concepções são a força
motriz de seu fazer e fazer-se ao estar com seus pés fixados
em uma realidade de sobreposição de uma classe sobre a
outra, de interesses também contrários e de conhecimentos
que servem a valores antagônicos.
A pesquisa cumpre a tarefa de buscar no real
imediato o senso comum, em que:

Tomar o imediato como realidade significa ater-se aos


elementos emitidos pela percepção primeira dos objetos.
Assim, o fenômeno passa a ter significado e sentido real.
Para o senso comum, e para quem se guia por ele,
realidade é a primeira manifestação do fenômeno e esta
constitui sua visão de mundo. Sua ‘criticidade e ação
refletida’ têm o limite da não percepção da totalidade,
328 A atualidade das ideias de Paulo Freire

porque não percebe que a realidade é maior que o


fenômeno percebido (CARMINATI; MEKSENAS, 2008,
p. 141).

Após a realização da pesquisa junto aos educandos e


comunidade, interdisciplinarmente, os educadores devem
analisar e organizar as programações e as aulas de cada
disciplina, buscando suscitar dúvidas sobre as certezas e
verdades absolutizadas pelos educandos e que carecem de
fundamentação científica para melhor serem compreendidas
e desmistificadas. Constata-se que realizar a pesquisa-ação
para compreender a visão de mundo dos entrevistados exige,
dos educadores, perspicácia, intencionalidade, curiosidade,
inquietude e muito trabalho coletivo para não definir as
problemáticas a partir da ótica destes.
A produção do conhecimento, à luz da perspectiva
freireana, remete os pesquisadores a um compromisso social,
ético e político, interferindo para melhorar a qualidade de
vida e as relações sociais especialmente dos marginalizados e
dos excluídos. A produção do conhecimento requer
explicitar a responsabilidade social, proporcionar avanços
científicos e humanos produzidos por sujeitos reais,
concretos, históricos, que sofrem, choram, se emocionam,
tomam posições, amam e odeiam, que tem as marcas da
história, das condições de vida, da capacidade ou não de
problematização em todo seu desenvolvimento, aspectos
estes presentes em cada sala de aula.
A pesquisa explicita a contradição de que assumir o
fenômeno como imediato que oriente suas vidas, carece de
reflexão e de sentido que estabeleça relações. Em Freire
(1987a, p. 77), podemos entender quando afirma que “[...]
não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer
a palavra verdadeira seja transformar o mundo”. Que
pressupõe criticidade, ou seja, o exercício pelo qual a
consciência vai se apropriando do conhecimento do mundo
A pesquisa-ação como estratégia... 329

de modo cada vez mais rigoroso, em que os homens


ultrapassam as “situações-limites”, o senso comum e, através
da sua ação sobre a realidade concreta em que estas se dão e,
ao serem superadas, outras surgirão, pois é próprio dos
homens estarem com a consciência de si e do mundo, em
uma relação de enfrentamento com sua realidade que,
historicamente se dão as “situações-limites”.
A metodologia da pesquisa-ação na rede pública
municipal (1997/2004) constituiu-se ao que propõe Brandão
(1999) por tornar-se uma proposta político-pedagógica que
buscou realizar uma fusão entre o estudo dos processos de
mudança social e o envolvimento dos pesquisadores numa
dinâmica que segue uma dupla postura de observador crítico
e de participante ativo, visando disponibilizar os
conhecimentos científicos a serviço dos seres e organizações
com os quais estavam envolvidas, potencializando a
aquisição de uma consciência crítica para que assumissem
com maior lucidez e autonomia o papel de protagonistas
sociais.
Os educadores proporcionavam que os
conhecimentos trabalhados na escola oportunizassem aos
educandos a discussão sobre seus direitos de participar, não
sendo meros receptores de ideias prontas e palavras vazias.
Desenvolveram um trabalho educativo que possibilitava a
passagem de uma compreensão mágica ou ingênua da
realidade para predominantemente crítica, fruto do
pensamento organizado e reflexivo através da apropriação e
da produção dos conhecimentos.
Pode-se afirmar que havia uma intenção na
realização da pesquisa-ação não a reduzindo às preocupações
de Thiollent (2011) que, em muitos casos, realizar pesquisa, é
chegar a muita participação e pouco conhecimento. E que é
necessário ter a pesquisa-ação fundamentada dentro de uma
perspectiva de investigação científica, de modo aberto. Que
ciência não seja sinônimo de positivismo mesmo a pesquisa-
330 A atualidade das ideias de Paulo Freire

ação não deixando de ser uma experimentação em situação


real em que os pesquisadores intervêm conscientemente e
onde os participantes desempenham um papel ativo.
A reorientação curricular crítica popular, via
abordagem temática construída a partir dos temas geradores,
definidos a partir da pesquisa-ação, concretizaram na rede
municipal, naquele período, a concepção de currículo que
propõe Freire (1987a), ou seja, que dialogando entre os
diferentes sujeitos, mediatizados pela realidade e pelo
conhecimento científico construíram uma concepção crítica
da realidade enquanto totalidade, visando à sua
transformação.
Em Freire (1987a, p. 116-139) encontramos a
proposta metodológica completa da proposta implementada
naquele período. Ele definiu cinco momentos: 1)
Levantamento preliminar da área selecionada para trabalho;
2) Análise das situações e escolha das codificações; 3)
Diálogo decodificador; 4) Redução temática; 5) Preparação
de atividades para sala de aula. Que Silva (2004, p. 7)
reestruturou-os, aprofundando-os e, em Chapecó, foram
adotados esses procedimentos metodológicos na
organização e implementação do currículo popular crítico
via abordagem temática. Sendo: 1) Levantamento preliminar
da realidade local (este o procedimento que implica a
realização de pesquisas sendo tanto qualitativa como
quantitativa); 2) Escolha de situações significativas; 3)
Caracterização dos temas e contratemas geradores
sistematizados na rede temática; 4) Elaboração de questões
geradoras; 5) Construção da programação; 6) Preparação das
atividades para sala de aula.
Portanto, realidade, temas geradores e pesquisa-ação
desencadearam relações de sujeitos, educadores e educandos,
outra forma de trabalhar com os conteúdos escolares,
deixaram de usar conceitos como partir da realidade dos
educandos, trabalhar de forma interdisciplinar apenas como
A pesquisa-ação como estratégia... 331

processos elucidativos para, de fato, mergulhar na lógica do


real e, a partir desta, definir e organizar os conteúdos
escolares; o que exigiu também outra reorganização das
escolas bem como da Secretaria Municipal de educação.

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II

O TEMA GERADOR NO ENSINO DE HISTÓRIA

Maristella Müller Drews

INTRODUÇÃO

Trabalhar a realidade do educando como ponto de


partida e como questão central no processo de ensino
adquiriu uma forma mais concreta a partir do contato com a
concepção do Tema Gerador1. Essa orientação foi adotada
na Rede Municipal de Ensino de Chapecó (SC), no
Movimento de Reorientação Curricular implantado entre os
anos de 1998 a 2004. Cabe considerar que, após este
período, o Movimento de Reorganização Curricular não teve
prosseguimento, dada uma nova conjuntura política que se
estabeleceu no município.
A educação na Rede Municipal de Ensino de
Chapecó foi modificada a partir do ano de 1997, quando o
poder local foi assumido por uma administração vinculada
ao Partido dos Trabalhadores (PT). A partir de então, os
princípios da Educação Popular foram adotados como
diretrizes pedagógicas do Movimento de Reorientação
Curricular, que, por meio de debates com os educadores,
pretendeu mudar a educação municipal. Foram implantadas
diversas reformas, dentre elas, os Ciclos de Formação, a
Avaliação Emancipatória e as Totalidades de Conhecimento
na Educação de Jovens e Adultos... Em relação ao currículo


Mestre em Educação pela Universidade do Oeste de Santa Catarina
(UNOESC).
1 Como Tema Gerador é categoria fundamental deste trabalho, optei por

utilizá-lo com iniciais maiúsculas para destacá-lo ao longo do texto.


336 A atualidade das ideias de Paulo Freire

e a seleção dos conteúdos, a orientação que passou a ser


adotada foi a de trabalhar o Tema Gerador como articulador
de programações.
Trabalhar a realidade com Tema Gerador, no
entanto, pressupõe uma concepção de mundo em que a
transformação é possível. A educação transformadora, na
concepção de Freire (1987, p. 85), organiza seus currículos
através “[...] da devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe
entregou de forma desestruturada”.
Em que se constituem os temas geradores? De
acordo com Corazza (1992, p. 11), “[...] é, pois, aqui, em
nossa realidade e na consciência que dela temos, que Freire
situa o lugar, por excelência, de procura do conteúdo
programático da educação que se pretende conscientizadora
[...]”, ou o lugar onde estão os temas geradores.
Segundo Freire (1987, p. 92-3), “tema” é “[...] a
representação concreta de ideias, valores, concepções,
esperanças, como também os obstáculos ao ser mais dos
homens [...]”; “situações de opressão”, explicita Corazza
(1992, p. 17); ou ainda, para Hurtado (1993, p. 69), “o que
expressa a realidade a ser analisada”. São “geradores” por
“[...] conterem em si a possibilidade de desdobrar-se em
outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas
tarefas que devem ser cumpridas” (FREIRE, 1987, p. 93).
Os depoimentos dos professores são fundamentais
para um melhor entendimento da organização curricular
através do Tema Gerador, pois, segundo Besse e Caveing
(2002, p. 164), “[...] sem o retorno constante à prática o
processo do conhecimento se detém [...], não contribuindo
para superações dos limites encontrados no fazer cotidiano”.
O estudo pretende apresentar as possibilidades e
dificuldades do trabalho com o Tema Gerador na área de
História. Na elaboração de programas e seleção de
O tema gerador... 337

conhecimentos, conteúdos para a disciplina no terceiro ciclo


(séries finais do Ensino Fundamental).

O PROCESSO DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR


EM CHAPECÓ NO PERÍODO DE 1997 A 2004

Quando, no ano de 1997, assume a Administração


Popular em Chapecó, a Secretaria de Educação do
Município iniciou uma redefinição da educação oferecida até
então. Desencadeou um trabalho de construção dos
Princípios Político-Pedagógicos. Buscava

[...] a superação da concepção autoritária, individualista e


classificatória de um modelo de escola que apesar de
‘universalizar’ o ensino, não se preocupa com o que se faz
no dia a dia com os alunos (CHAPECÓ, 1998a, p. 8).

Entre os princípios que orientaram o


desenvolvimento do PPP nos coletivos das escolas estão:

A noção de aprender a partir da realidade do sujeito


popular; - A noção de ensinar a partir de temas geradores;
- A educação como ato de conhecimento e transformação
social: - A politicidade da educação (GADOTTI;
TORRES, 1992, p. 115).

A organização de currículos, programações e


trabalhos de sala de aula encaminharam para a

[...] construção de programas dentro de uma proposta


interdisciplinar que considera fundamental o estudo da
realidade local, o levantamento das situações significativas
de cada comunidade e a codificação-descodificação dos
Temas Geradores (CHAPECÓ, 1998a, p. 9).
338 A atualidade das ideias de Paulo Freire

O trabalho com Temas Geradores foi realizado com


a assessoria do professor Antônio Fernando Gouvêa da
Silva2.
O problema que gerou os questionamentos das
entrevistas se refere às possibilidades de construção de
programações da área de História, a partir dos Temas
Geradores.

O TEMA GERADOR E A DISCIPLINA DE


HISTÓRIA: ANÁLISE DE UMA PRÁTICA

O contexto deste estudo é a prática de professores


que trabalharam com Temas Geradores na área de História.
A pesquisa de campo e a coleta dos depoimentos foram
através de entrevistas realizadas nos meses de outubro,
novembro e dezembro do ano de 2004. As entrevistas
seriam com professores que atuassem especificamente na
área de História no 3º ciclo de formação (o terceiro ciclo de
formação corresponde às séries finais do Ensino
Fundamental, ou seja, 6ª, 7ª, e 8ª séries), que tivessem
experiência docente na disciplina de história. Foram
realizadas oito entrevistas. Dos professores que
concordaram em participar do trabalho, apenas um quis
manter o anonimato. Por esse motivo foram adotados
nomes fictícios para todos os entrevistados.
Durante as entrevistas, os professores sentiram-se à
vontade e demonstraram segurança em suas respostas; em
geral, tinham muito a falar. As entrevistas não seguiram o
roteiro de questionamentos de forma rígida, foram
informais, não se caracterizando como perguntas e
respostas; caracterizando-se mais como conversas sobre o

2Antonio Fernando Gouvêa da Silva, doutor em Educação - Currículo –


PUC/SP. Licenciado em Ciências Físicas e Biológicas, em Biologia,
Bacharel em Ciências Biológicas, pós-graduação em Genética de
Populações.
O tema gerador... 339

tema das perguntas. O roteiro das entrevistas gerou novas


perguntas como forma de esclarecimentos ou
aprofundamentos dos temas.
Na organização da pesquisa, o problema proposto
foi abordado por um objetivo geral: “Verificar as
possibilidades do uso do Tema Gerador na elaboração de
programações no ensino de História”, e dos seguintes
objetivos específicos: evidenciar a construção do Tema
Gerador e a forma que organiza programações para a
disciplina de História; destacar o ponto de partida para a
elaboração do Tema Gerador e das programações de
História, da seleção dos conteúdos da disciplina; caracterizar
a participação dos membros da comunidade escolar no
processo do Tema Gerador; identificar limites da proposta e
possíveis mudanças, avanços.
Em relação ao roteiro das entrevistas, este versou
sobre o problema da pesquisa orientado pelos objetivos,
organizado com os seguintes pontos: Identificação; Tempo
de trabalho como professor; no trabalho anterior ao ano de
1996 como era o currículo da área de História? Como eram
selecionados os conteúdos da disciplina? A partir de 1998,
com o processo de reorientação curricular, o que muda
efetivamente na área de História? Como se realiza a seleção
dos conteúdos? Como é a organização da área de História?
Qual o ponto de partida da organização do currículo
orientado pelo Tema Gerador? Como é definido o que é
específico na área de História? Como funciona o trabalho
com os conceitos nessa organização curricular? Qual a
avaliação que você faz dessa forma de organização curricular
(avanços, dificuldades, necessidades)?
Após a realização das entrevistas, foram feitas
diversas leituras do material com o objetivo de perceber
categorias que agrupavam os relatos dos professores. Uma
vez que o roteiro não foi seguido de forma rígida, os
depoimentos narraram os temas, ora de forma analítica, ora
340 A atualidade das ideias de Paulo Freire

de forma mais objetiva. Ao serem analisadas as entrevistas e


o roteiro das mesmas, os professores abordaram o problema
“da construção de programações de História via Tema
Gerador no processo de reorientação curricular”, formando
os seguintes eixos: o ensino de História anterior ao processo
de reorientação curricular; o trabalho coletivo, a
interdisciplinaridade e o processo do Tema Gerador; a
definição dos conteúdos na área de História; mudanças
percebidas.
Partindo-se do princípio de que não é possível
construir um diálogo fragmentado, uma vez que os temas se
complementam, a abordagem da pesquisa através destes
eixos foi uma forma de organizar o diálogo entre os
depoimentos. Estas abordagens procuram apenas construir
encaminhamentos e análises para trabalhar o problema deste
estudo, mas são as falas que devem apresentar os
argumentos.

O ENSINO DE HISTÓRIA ANTERIOR AO


PROCESSO DE REORIENTAÇÃO CURRICULAR

A organização do ensino da área de História, na


Rede Municipal de Ensino de Chapecó, anterior a 1997, teve
como referência a Proposta Curricular do Estado de Santa
Catarina. Sua adoção foi feita com o objetivo de padronizar
o currículo em nível de Ensino Fundamental, municipal,
estadual e particular atuantes no município. A primeira
publicação data de 1991 e “se propõe superar a concepção
de história tradicional” (PEREIRA, 2000, p. 103). Nas suas
caminhadas de professores de História, que atuaram antes da
Reorientação Curricular, alguns fazem considerações a
respeito do trabalho da área que tinha como referência a
Proposta Curricular de Santa Catarina. Assim se
expressaram: “[...] nós trabalhávamos muito na lógica
positivista da história...” (Professor César).
O tema gerador... 341

Em relação aos programas, conteúdos por série, é


descrito um processo linear e adotado sem debates ou
formação. E, ao afirmar que o trabalho tem uma linha
positivista, há uma contradição em seu depoimento, uma vez
que a Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA
CATARINA, 1991) se define pelo materialismo histórico-
dialético. O que foi constatado, de acordo com os
professores, foi a adoção das listagens de conteúdos por
série contidos na proposta.
Embora de forma restrita e individual a disciplina já
recebia algumas influências de outras concepções. Porém, o
trabalho não avançava devido à falta de debates, como relata
o professor: “[...] eu não me lembro, de nós professores do
município sentar e fazer uma discussão de como é que se
trabalhava a área, aprofundar, fazer um trabalho mais
consistente” (Professor César).
A organização da área e do ensino de História,
anterior a 1996, trabalhava com currículos prescritos,
conhecimentos prontos, desvinculados da realidade vivida,
ou, de acordo com Silva (1982, p. 21), a “exclusão da história
vivida”. Uma história que torna o aluno passivo, sem
qualquer projeção ou iniciativa em relação à realidade vivida
e seus problemas.

AÇÃO COLETIVA E O TRABALHO


INTERDISCIPLINAR NA CONSTRUÇÃO DO
TEMA GERADOR

Após o ano de 1997, os professores foram chamados


para planejamento coletivo de todas as áreas ou de áreas
afins. É por meio do trabalho coletivo que os envolvidos
deixam de ser sujeitos passivos, para se tornarem sujeitos
ativos, críticos frente ao processo de ensino-aprendizagem,
“[...] exercendo um papel de pesquisadores do
conhecimento, numa perspectiva participativa e de interação
342 A atualidade das ideias de Paulo Freire

com o conhecimento” (CHAPECÓ, 1998b, p. 11). O


trabalho coletivo, ao organizar os professores em torno do
Tema Gerador, revelou fragilidades; colocou o grupo no
movimento em que: “[...] chega a ser como um critério a
capacidade de trabalho com o outro, a organização do
coletivo” (Professora Roseli).
Além da organização do grupo, o trabalho coletivo
tem a dimensão de amparar a interdisciplinaridade necessária
no desenvolvimento de currículos com o Tema Gerador. A
interdisciplinaridade proposta vai além do conceito
tradicional de “afrouxamento das fronteiras rígidas entre as
disciplinas”; vai trabalhar a questão de como se produz o
conhecimento e seus fins, bem como a criação de novos
conhecimentos para transformação da sociedade (TORRES;
O’CADIZ; WONG, 2003, p. 119).
Trabalho coletivo e interdisciplinaridade constroem a
capacidade de dialogar com o outro. Os diálogos em torno
do conhecimento passam a ser num outro patamar, não
trabalham conhecimentos prontos, acabados, mas sim “[...]
você passa a construir e buscar conhecimento, pesquisar
conhecimento, o que antes não se fazia. Há situações em que
você tem que produzir o texto” (Professor César). É através
da pesquisa e de diálogos interdisciplinares do coletivo de
professores que, elaborando relações e buscando
contribuições dos diferentes conhecimentos de áreas sobre
um tema, surge uma “visão multifacetada da realidade”
(DELIZOICOV; ZANETIC, 1993, p. 14).
Assim, trabalho coletivo torna-se condição de
trabalho interdisciplinar. O tripé – trabalho coletivo,
interdisciplinaridade e conhecimento – tem a intenção de
criar currículos dialógicos da área de História que
ultrapassem a fragmentação em relação às diferentes áreas.
Busca, principalmente, a relação do conhecimento com a
realidade vivida visando sua possível transformação.
O tema gerador... 343

Para a concretização do trabalho com Temas


Geradores, a pesquisa e a organização da rede temática
também foram tema de análise dos professores de História.

A pesquisa na comunidade

A ação investigativa é um elemento-chave em


trabalhos de reorientações curriculares interdisciplinares com
Temas Geradores. A pesquisa é uma ferramenta que
alimenta de forma permanente o trabalho.
Trabalhar Temas Geradores significa investigar a
realidade. Não uma pesquisa de sujeito e objeto, mas uma
pesquisa em que “pesquisador e pesquisado se encontrem
como sujeitos que dialogam sobre o mundo” (BORDA,
1990). É tomar a realidade para a sua transformação através
dos princípios de uma educação popular “ligada aos reais
interesses populares” (VALE, 1996, p. 58). Mas como ter a
realidade como ponto de partida comum para as ações e
disciplinas do currículo?
A pesquisa inicia com a delimitação da área de
trabalho. Em seguida a coleta de diferentes informações
existentes sobre o local. Poderia ser a história do bairro
construída através de diferentes fontes, contada por
moradores mais antigos, atas de reuniões, reportagens de
jornais, trabalhos de alunos. São informações sobre bairro
apresentando uma visão geral onde está a comunidade
escolar, caracterizando o todo ou partes da comunidade.
Este dossiê tem como objetivo organizar as informações
sobre o ponto de partida do trabalho – a realidade local – e
aos poucos vai sendo ampliado com outros dossiês que
contextualizam, de forma mais ampla, esse lugar; como
município, zona rural e urbana, região, estado, país, entre
outras escalas do real.
Só então iniciam os contatos com os moradores na
busca de opiniões, expectativas, ressentimentos e
344 A atualidade das ideias de Paulo Freire

preocupações do dia-a-dia. São depoimentos, anotações, os


mais variados registros sobre tudo, com o objetivo de: “[...]
entender o mundo que essas pessoas vivem, as visões de
mundo deles, o que pensam, como percebem o espaço em
que vivem” (Professora Vanda).
A postura investigativa torna-se importante nas
observações diretas e no envolvimento com a situação em
estudo. Isto porque, segundo André (1997), “o eixo de
referência é o universo investigado”, ou seja, o local e o
grupo em estudo devem ser investigados a partir de seus
pontos de vista; e o investigador deve ultrapassar seus
métodos e valores observando que há outros entendimentos
e explicações para o mundo.
No entanto, quando da implantação da Reorientação
Curricular, o desconhecimento do processo de investigação
foi tomado como um grande desafio. Não foi algo tranquilo,
conforme se vê no depoimento a seguir:

No início estávamos meio apavorados com a história de


sair da escola e fazer pesquisa nas casas. [...] E nós temos
que reconhecer de que houve um choque. E a diferença
estava nisso (na pesquisa) (Professora Roseli).

Passado o momento do choque, os professores


passam a realizar suas pesquisas já com maior desenvoltura,
considerando que o tempo de pesquisa acaba sendo “[...]
muito legal na rede. Nós conseguirmos sair da escola e ir
para as comunidades onde a gente trabalhava” (Professor
César).
De acordo com o professor, nos diferentes espaços
em que se desenvolveu o trabalho com o Tema Gerador
houve “maior ou menor” envolvimento das escolas com
suas comunidades. Esse contato com a comunidade durante
as pesquisas de campo foi assim descrito:
O tema gerador... 345

Quando nós saímos começamos conversando com eles.


Há quanto tempo moram aqui, porque vieram para cá, do
que vivem? Procurando uma coisa mais informal para as
pessoas não se sentirem retraídas na hora de falar.
Procuramos não anotar na frente das pessoas, fazíamos
anotações depois. Fomos em grupo pois facilitava a
retenção do que foi dito e depois tudo era digitado
(Professora Cledi).

Esse comportamento é o que Freire (1987, p. 104)


denomina como “[...] observadores simpáticos, [...] com
atitudes compreensivas em face do que observam”. Esses
comportamentos simpáticos dos pesquisadores contribuíram
para um entrosamento maior entre comunidade e escola,
pois:

Nós íamos com a disposição de ouvir. [...] E a gente era


bem recebida. [...] E que desapontamento das famílias que
não recebiam visitas. Elas falavam: ‘porque não foi na
minha casa professora?’ [...] Então foi algo bem visto pela
comunidade – a presença do professor e a pesquisa
(Professora Roseli).

Sendo um trabalho realizado por educadores,


funcionários da escola, educandos e comunidade, a pesquisa
do Tema Gerador desencadeia “o diálogo da educação como
prática da liberdade” (FREIRE, 1987, p. 87). Uma educação
que considera todos como sujeitos, capazes de participar, de
contribuir. A comunidade era um foco da investigação,
outro era o grupo de alunos e com eles o processo “acontece
mais na sala mesmo, o trabalho acontece mais na escola”
(Professora Vanda).
Os encaminhamentos com os alunos, segundo a
professora, estão mais restritos ao espaço escolar. Mas por
que buscar as falas dos alunos? Pesquisar com os alunos na
escola e fora dela é uma forma de construir o Tema Gerador
346 A atualidade das ideias de Paulo Freire

de acordo com cada grupo de trabalho. Pois a forma de ver


o mundo, de pensar sobre os problemas, é vista de forma
diferente para cada fase de vida. Mesmo assim, as falas da
comunidade são importantes, pois são elas que
contextualizam, dão suporte, explicam ou contradizem as
falas dos alunos.
A pesquisa busca conhecer a realidade da
comunidade e o que pensam as pessoas que vivem nesse
local, suas visões de mundo; e “estudar em que nível de
percepção delas se encontra os moradores da área”
(FREIRE, 1987, p. 106). Essas percepções são captadas
através das falas e da forma como estas são proferidas, pois
“[...] a atitude, o comportamento. Alguns processos que
acontecem e às vezes você consegue não só visualizar, mas
perceber de uma forma as vezes emocional” (Professora
Evelin). Em se tratando de pesquisa-ação, de acordo com
Oliveira e Oliveira (1990, p. 17), pode-se constatar que “[...]
não é unicamente aquilo que é dito explicitamente que é
significativo. A maneira de dizer, as inflexões, as hesitações,
as pausas e os silêncios dizem muita coisa”.
De posse dos resultados da pesquisa – as falas
contextualizadas, os professores passam para a etapa de
redução temática3.

Da definição do Tema Gerador à redução temática (organização da


rede)

Tendo em mãos o resultado da pesquisa, os


educadores passam a selecionar e analisar as falas. A seleção
do problema é feita junto à comunidade e alunos no

3O trabalho do Tema Gerador não se restringe a estas duas etapas:


pesquisa e redução temática. Durante a pesquisa com os professores o
objetivo não foi pormenorizar etapa por etapa da construção de temas
geradores, mas ouvir e registrar de que forma os professores
organizavam seus planejamentos da área de História.
O tema gerador... 347

confronto entre análises do contexto local, estatísticas e


pesquisas quantitativas realizadas. Quanto à seleção do
problema, de acordo com os professores, eram feitas várias
reuniões. No início, com a comunidade; depois, discussões
em sala com os alunos e, por fim, com todos. Durante o
processo de análise das falas, selecionado o problema pela
comunidade ou alunos, escolhe-se aquela que melhor
representa o problema – o Tema Gerador. Considerando
que o Tema Gerador é a expressão de uma coletividade, a
seleção será feita na tentativa de representar a todos os
envolvidos.
As falas a serem utilizadas, de acordo com os
professores, devem ser significativas. Reveladoras de
“conflitos” (contradição) ou “o que o morador não entende”
(limite explicativo), de acordo com a professora Eloísa.
Buscando a explicação nos depoimentos, a professora Vanda
nos diz que “[...] a fala, ela geralmente aponta um problema,
ela diz o porquê desse problema e muitas vezes as pessoas
dão até sugestões de soluções para esses problemas”.
Quanto à análise das falas e da forma como abordam
os aspectos da realidade, estas são classificadas em:

Descritivas quando se limitam a uma exposição de


acontecimentos; – Analíticas quando trazem explicações
sobre os fatos, decompondo-os em partes e relações; –
Propositivas quando apontam possibilidades de ações
transformadoras do real (SILVA, 2000).

Podemos citar, como exemplos dessa classificação,


as falas analisadas no quadro a seguir:
348 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Quadro 3 – Falas analisadas pela equipe pedagógica da


Secretaria de Educação
Fala Tipo de fala Significado
“O que a gente ganha não
dá para comprar tudo o É uma fala sem contexto.
que a gente precisa. Aqui Descritiva Apenas apresenta o
em casa todo mundo problema.
come a mesma coisa”.
“Tinha uma mulher que
morava nesse porão, um
dia ela brigou com o
marido, e ele quis Fala com contexto, situa o
esfaquear ela, nós local.
ouvimos tiros, ficamos na Descritiva. Apresenta o problema
nossa, nesses casos a Analítica. (descreve) e analisa
gente não pode se meter, Propositiva colocando a sua posição
tem que fazer de conta perante o problema
que não vê nada”, (propositiva).
(Adolescente filho de
dona de casa, rua Princesa
Izabel).
Fonte: Equipe Pedagógica Encadernação de Estudos (2002).

São as falas que balizam todo o processo, uma vez


que as análises das mesmas fazem com que o trabalho
avance, retroceda ou tome novos rumos. Também é através
dessas análises que se constrói o posicionamento dos
professores sobre o problema. A visão dos educadores
representa a intervenção do conhecimento universal
sistematizado, que será colocado a serviço do problema
apresentado pelo Tema Gerador.
No quadro anterior foi apresentada a classificação
das falas na forma como elas abordam a realidade. O quadro
a seguir apresenta a análise das falas por parte dos
educadores, destacando o entendimento que a comunidade
tem, ou sua visão de mundo. Destaca também a visão de
mundo do educador e os elementos por ele apresentados:
O tema gerador... 349

Quadro 4 – Fala analisada pelo coletivo do terceiro ciclo da


EBM Jardim do Lago no ano de 2001
Elemento
Elementos
Visão s
Visão de presentes na
de presentes
Fala mundo do visão de
mundo na visão
educador mundo do
do outro de mundo
educador
do outro
A falta de
Hoje uma
emprego para
pessoa sem
todos não é
estudo não
apenas
arranja
decorrente da
trabalho
As falta de
porque não
pessoas estudo, mas
aprendeu
não têm devido à
tudo que Educação
emprego política social
precisava. O reprodutora.
por falta e econômica
estudo Educação
de Estudo. adotada no
também ajuda transformadora
estudo, Emprego. País.
a melhorar a .
tendo O estudo é
vida porque Política social e
estudo se necessário
se você está econômica.
consegue para a
desempregad
emprego compreensão
o e tem
. e
estudo
transformaçã
necessário,
o da realidade
você
na qual
consegue um
estamos
trabalho.
inseridos.
Fonte: Planejamento do terceiro ciclo da EBM Jardim do
Lago (2001).

Os elementos presentes nas falas são utilizados na


organização da rede temática4.
Os relatos dos professores abordaram: “seleção de
falas, do Tema Gerador, e elaboração do contratema

4 A rede temática completa encontra-se no Anexo 1.


350 A atualidade das ideias de Paulo Freire

(intencionalidade), para então montar a rede”. Descrevem


também seus significados:

[...] o Tema Gerador é o conflito presente na comunidade;


o contratema é o conhecimento científico que explica o
conflito, e a questão geradora que são as duas visões de
mundo colocadas em xeque.

O contratema é a intencionalidade que orienta o


ponto de chegada em relação ao Tema Gerador; e, ao
mesmo tempo, o processo de construção da rede temática.
A questão geradora

[...] são as duas visões, a visão do conflito dada pela


comunidade que é o Tema Gerador e a explicação dada
pelo conhecimento científico. As duas visões são
colocadas em xeque, em questão (Professora Eloísa).

É uma pergunta que o coletivo de professores faz a


partir da problemática local. Tem o objetivo de colocar em
dúvida a explicação dada pela comunidade; e visa chegar à
superação apontada pelo grupo de educadores. É um
questionamento que, ao mesmo tempo, descreve, analisa e
propõe acerca do problema: “Procura responder, mesmo
que parcialmente, questões existenciais, utilizando os
recortes do conhecimento universal, gerando, portanto,
conteúdos” (EQUIPE PEDAGÓGICA, 1998).
Passava-se, então, para a elaboração da rede
temática5. Mas o que é uma rede temática? Qual o seu papel
na organização de uma programação? Qual o seu
significado? O depoimento da professora Roseli observa
alguns aspectos da organização da rede, bem como analisa o
seu significado: A rede ela tentava organizar “[...] temas que

5 Não é objetivo deste trabalho detalhar esse processo, a elaboração da


rede temática.
O tema gerador... 351

vinham das falas, [...] da realidade da comunidade, [...]


ligando o micro ao meso e ao macro” (Professora Roseli).
Os elementos representam na rede temática
organizações, instituições, equipamentos de uso coletivo que
articulam a representação gráfica da rede temática. São
aspectos coletivos, questões físico-ambientais, questões
socioculturais, políticas e econômicas. Os elementos,
presentes nas falas da comunidade ou dos alunos, abordam,
na maioria das vezes, questões da microestrutura, da
comunidade, do local. Surgem também, na visão dos
educadores, quando analisam as falas, podendo ter uma
dimensão micro, mas de suas análises surgem principalmente
os elementos da organização meso e macro da rede6.
Os professores analisaram as dificuldades de
trabalhar a elaboração da rede quando os elementos que
organizam a vida da comunidade, ou abordados pelos
professores, são tomados como fixos. Alguns dos elementos
são uma constante em diferentes redes, porém, o
conhecimento e a criatividade do grupo é que fazem com
que o processo não se cristalize. Sobre a dificuldade na
mudança dos elementos na composição da rede temática,
houve avanços na caminhada construída pelos coletivos,
quando: “a modificação dentro do processo coletivo ela tem
que ir amadurecendo” (Professora Roseli). Mesmo
considerando as dificuldades, a rede temática foi sendo
incorporada e utilizada como orientação do processo
pedagógico. Na construção de programações: “[...] no
momento em que volto para a rede, vejo [...]. O que já
trabalhei e que eu ainda preciso trabalhar” (Professora
Cledi).
O diálogo que a rede temática constrói de forma
relacional contemplando movimentos da realidade

6São as diferentes escalas do real: micro – a realidade local vivenciada;


meso – o contesto maior de inserção do local – o Estado, o país; macro
– contextos globais, modelos sociais, políticos, econômicos...
352 A atualidade das ideias de Paulo Freire

desencadeia o processo pedagógico entre as áreas e diálogos


na construção de planejamentos dialógicos da área de
História, como nas demais áreas7, buscando conteúdos que
contextualizam, analisam, explicam e aprofundam o tema. A
rede temática é: “Uma síntese da questão da
interdisciplinaridade, da questão da escolha do conteúdo. E
realmente ela te dá uma base para você se situar e saber por
onde andar” (Professora Evelin).
O depoimento da professora aponta a rede temática
como um mundo de diferentes relações que aparecem nas
falas de forma explícita ou implícita. As relações na rede
temática não são aleatórias, são construídas a partir do Tema
Gerador e da visão dos educadores orientadas pelos
contratemas.
A rede funciona como mapa, para o professor se
situar num movimento que inicia, tem meio, fim e retorna à
realidade. O conteúdo a ser trabalhado torna-se significativo
por organizar o pensamento em função do problema, num
movimento dialético. Na construção da rede temática,
estabelecem-se relações que partem da fala e da dimensão
local para outras dimensões, que servirão como trajetos de
orientação. E ainda, para a relação entre diferentes
conteúdos e áreas do conhecimento, ou para
aprofundamentos necessários que a fala demanda.
A interdisciplinaridade no projeto de Reorientação
Curricular, de acordo com Torres, O’Cadiz e Wong (2003, p.
117), “[...] refere-se ao conceito de que o currículo não deve
dividir o conhecimento em disciplinas separadas, mas que
todo conhecimento está inter-relacionado”. Ou seja, uma
área isolada não consegue explicar o problema do Tema
Gerador.

7Todas as áreas de conhecimento ou disciplinas passaram por processos


de construção de programações a partir do Tema Gerador, da mesma
forma como analisado neste trabalho para a área de História,
considerando suas especificidades.
O tema gerador... 353

Ao ter a rede temática construída de forma


interdisciplinar, o passo seguinte, que é a organização das
programações dialógicas da área de História. Mas como a
área de História, bem como as demais são visualizadas,
percebidas?

PROGRAMAS DIALÓGICOS DE ENSINO DE


HISTÓRIA E A SELEÇÃO DE CONTEÚDOS

No trabalho com Temas Geradores para elaboração


de planejamentos dialógicos para sala de aula, não é o
problema que determina os conteúdos, mas as visões de
mundo da comunidade e dos educadores sobre o problema.
E as programações são elaboradas a partir das falas
contextualizadas e não do problema em si. São as relações
construídas ou não pelos moradores do bairro, ou
elaboradas pelos educadores, a partir do Tema Gerador, que
inserem o local em contextos mais amplos, apontando
conteúdos de área.
Sobre esta fase em que se organizam e selecionam os
conhecimentos das áreas, encontramos a seguinte orientação
desenvolvida no Movimento de Reorientação Curricular na
cidade de São Paulo:

Ao nível da planificação curricular, na fase conhecida


como de Organização de Conhecimento 8 , os

8 O projeto Inter, como foi denominado em São Paulo, compreendia


quatro fases: a primeira fase o debate e consideração sobre a participação
no projeto, a segunda fase envolvia o estudo da realidade (ER) até a
definição do Tema Gerador. Na terceira fase os professores organizavam
o conteúdo e os métodos das suas diversas disciplinas em torno do Tema
Gerador; a isto chamava-se organização do conhecimento (OC). Na
quarta fase os professores criavam exercícios, atividades e projetos,
através dos quais os alunos aplicavam o conhecimento – conhecida
como aplicação do conhecimento (AC) (TORRES; O’CADIZ; WONG,
2003, p. 139).
354 A atualidade das ideias de Paulo Freire

professores que trabalham no currículo interdisciplinar


por meio do Tema Gerador utilizam os dados e a
informação do Estudo da Realidade para daí retirarem
as questões geradoras para cada uma das suas áreas
disciplinares, a partir das quais se determinam os
conceitos e conteúdos específicos a ensinar em cada
ano de aprendizagem (TORRES; O’CADIZ; WONG,
2003, p. 147).

Inicialmente, para a construção de programações das


áreas/disciplinas, Silva (2004, p. 272) propõe

[...] a construção de questões geradoras de área para [...]


orientar o percurso programático a ser seguido pela área,
na perspectiva de, transitando pelas relações estabelecidas
pela rede temática, contribuir em sua especificidade.

A questão geradora é uma pergunta que a área de


História faz, problematizando o Tema Gerador, e que
orienta as escolhas de conhecimentos de história para as
programações.
Outro critério usado pelos professores como
referência para perceber na fala, na rede o que é pertinente
para a área sócio-histórica (história e geografia) são as esferas
da existência humana 9 . As esferas da existência humana
auxiliam na organização das disciplinas em grandes áreas.
Atuam como portas de entradas das disciplinas em relação às
falas. Tais esferas foram tornadas práticas na organização das

9 Esfera produtiva em que, pelo trabalho, os homens interferem na


natureza, com vistas a prover os meios de sua existência material,
garantindo a produção de bens e a reprodução da espécie. Esfera
simbolizadora na qual as relações produtivas e sociais são simbolizadas
em nível de representação e de apreciação valorativa, no plano subjetivo
visando a significação e a legitimação da realidade social e econômica
vivida pelos homens. Esfera social é aquela em que os homens ao
produzir seus meios de subsistência, estabelecem entre si relações
funcionais e caracterizadas de poder (SEVERINO, 1994, p. 26).
O tema gerador... 355

áreas e usadas como forma de dar mais visibilidade ao que


cada uma trabalha. Aos poucos, esse critério foi sendo
traduzido para um linguajar mais próximo de cada área. Para
a dimensão social política que compreende a área de História
foi construída a seguinte caracterização

[...] ao produzir seus meios de subsistência os homens


estabelecem entre si, na dimensão do espaço, relações
funcionais carregadas de poder. Percebe como as
sociedades em seus diferentes tempos e espaços se
organizam para suas necessidades no concreto. São as
diferentes interações na sociedade, nas diferentes
organizações sociais. Está na dimensão do contexto
procurando resgatar as origens, as diferentes experiências
dos problemas vividos (CHAPECÓ, 2004c).

Ao abordar o Tema Gerador, as falas apresentam-se


numa, noutra ou nas três esferas de existência. Na área da
História temos as práticas sociais que

[...] são as contradições sociais, os problemas sociais, [...]


que a disciplina de História vai ter que se preocupar em
compreender a origem, a formação e a possibilidade [...]
(Professora Mariana).

Ainda na lógica de selecionar conteúdos da área,


outro trabalho realizado na Rede Municipal de Chapecó, a
exemplo de São Paulo e Porto Alegre, foi o desenvolvimento
e uso dos conceitos. Foram construídos conceitos “que
transitam nas diferentes áreas como: Tempo, Espaço,
Sujeito” (CHAPECÓ, 2004b, p. 40). Aqueles específicos da
área de História, construídos pelos professores na rede
municipal de Chapecó eram: poder, Estado, política, sujeito
histórico, processo, tempo, conflito e transformação.
Na organização de currículos por meio dos Temas
Geradores os conceitos estão presentes com a função de
356 A atualidade das ideias de Paulo Freire

estabelecer relações, entre os recortes de conhecimentos de


cada disciplina e atuar como critério de seleção. São as
respostas às questões geradoras, problematizações dirigidas
às falas e ao Tema Gerador, que “determinam os conceitos e
conteúdos específicos a ensinar em cada ano aprendizagem”
(TORRES; O’CADIZ; WONG, 2003, p. 147). O trabalho
com os conceitos, nas redes de ensino que passaram pelo
processo de Reorientação Curricular via Tema Gerador 10 ,
foram acompanhados por amplos debates e formação dos
professores sobre o papel e a função dos conceitos em geral,
dos conceitos de área e sua aplicação.
No caso da disciplina de História, em Chapecó, esse
processo culminou com a edição do Caderno de Áreas de
História elaborado pelos professores da rede, em que
descrevem: “Os conceitos básicos são instrumentos de
trabalho, para a análise e compreensão da realidade,
permitem perceber a interligação dos fenômenos”
(CHAPECÓ, 2004b, p. 39). Enfim, os conceitos atuam
como ferramentas de análise, contribuindo no
estabelecimento de relações e gerando necessidade de
conteúdos.
Na etapa de elaboração das programações, questões
geradoras, conceitos e esferas da existência humana se
efetivam como balizas do processo das Áreas do
Conhecimento no diálogo interdisciplinar. No entanto, todo
o debate específico das áreas

[...] deve ser submetido à apreciação e avaliação final do


coletivo dos educadores que sempre terá o poder
decisório sobre a pertinência das abordagens específicas e
das articulações conceituais interdisciplinares (SILVA,
2004, p. 274).

10Pode-se citar, como exemplo, a produção em cadernos de áreas de


Porto Alegre e São Paulo, que constam da bibliografia.
O tema gerador... 357

Todos esses recursos utilizados na problematização


das falas, questionamentos, perguntas-análise geram
respostas, indicam conhecimentos em torno do problema –
os conteúdos. O quadro a seguir é um exemplo de
problematização de fala apresentando tópicos do
conhecimento da área de História.

Quadro 5 – Problematização de falas realizada por


professores do terceiro ciclo
Tópico do
Fala Problematização
conhecimento
Meu bairro falta
dinheiro, porque – O que é renda?
existem muitas – De onde vem a renda? – Modelo de
pessoas – O que gera o sociedade capitalista.
desempregadas e desemprego? – Políticas de
sem dinheiro as – O modelo sócio geração de emprego.
coisas ficam econômico é o único – Políticas
difíceis, não tem o responsável pelo compensatórias.
que comer vestir, desemprego?
se divertir.
Fonte: Planejamento do terceiro ciclo da EBM Zélia Roque
de Lima Munzi, 2004.

Quando a seleção de conhecimentos, conteúdos da


área de História são elaboradas a partir dos Temas
Geradores, da realidade e inseridas em contextos mais
amplos, relacionam o presente ao passado, passando a se
constituir como possibilidade e não determinação. São
conhecimentos que, transitando em diferentes tempos e
espaços, buscam fundamentações para contribuir na
formação de um aluno crítico, atuante no seu dia a dia, que
relaciona o conhecimento de sala de aula com necessidades
do cotidiano.
358 A atualidade das ideias de Paulo Freire

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão central deste estudo foi a verificação de


limites e possibilidades do uso do Tema Gerador no ensino
de História, para elaboração de programações e conteúdos.
Inicialmente os depoimentos desvelaram uma área
em movimento através das pesquisas de campo. Outra face
desta mobilização foi o envolvimento de pais, educadores e
alunos em diferentes etapas de construção do Tema
Gerador. O Tema Gerador desestabilizou a organização da
escola, mas mostrou o quanto a comunidade é capaz de
retribuir quando envolvida nos processos de educação
escolar. A comunidade demonstrou um comportamento
acolhedor durante as visitas. Os professores destacaram a
oportunidade de conhecer a realidade de seus alunos,
entender comportamentos. Enfim, como forma de inserção
do educador na comunidade estreitando laços de construção
de responsabilidade das partes.
O Tema Gerador, ao orientar a seleção dos
conhecimentos de história, constrói mediações entre sujeitos
e saberes, tempos, sociedades, organizações sócio-políticas,
econômicas e culturais com o objetivo de fundamentar
entendimentos. É nessa complexidade que se elaboram
programações formadas de conteúdos que jamais serão
mínimos, pré-requisitos ou descontextualizados. Os
conteúdos de história serão nesta perspectiva, “no mínimo
úteis, algo que você vai usar para a tua vida” (Professora
Evelin).
O trabalho da área de História, aos poucos, passa a
fazer sentido por estar a serviço de sujeitos e de mudanças
para o homem e sua vida cotidiana, que fora esquecido pela
disciplina em favor dos heróis. É uma história que desvela o
passado, que denuncia e constrói possibilidades. É uma
história revisitada por todos, uma vez que o trabalho é
O tema gerador... 359

interdisciplinar, ora como contexto, ora como


fundamentação ou possibilidade.
Os relatos definiram a seleção de conteúdos “a partir
da visão de mundo que o aluno tem” (Professora Vanda).
Enfatizaram o papel da rede temática na construção de
programações. Por fim, trouxeram outros elementos –
conceitos de área, questões geradoras de área e a
caracterização das práticas sócio-históricas – como critérios
que organizam e orientam a área de História na seleção de
conteúdos específicos.
A interdisciplinaridade construída pelo Tema
Gerador aponta para diálogos entre História e Geografia.
Estas disciplinas trabalharam organizadas em uma grande
área – a área sócio-histórica. Foi por meio do processo
interdisciplinar que os professores conseguiram avaliar as
lacunas de suas respectivas disciplinas, fato demonstrado na
preocupação em dominarem os conhecimentos e práticas da
área de História.
Com base nos aspectos destacados pelos professores,
esse estudo é uma contribuição para quem deseja
desenvolver trabalhos da área de História a partir da
realidade. Os conteúdos prescritos, o uso exclusivo do livro
didático, foram aos poucos sendo superados na medida em
que os professores de História perceberam não mais a
possibilidade, mas a concretização de planejamentos
dialógicos em que todo recurso, fonte, metodologia ou
procedimento serão usados de acordo com as demandas que
o Tema Gerador compreende.
Uma dificuldade percebida no desenvolvimento do
estudo, senão a dificuldade maior, foi a tentativa de
visualizar a área de História separada do todo. Mas, em
função do trabalho interdisciplinar, do trabalho coletivo e
das relações exigidas pelo Tema Gerador, essa dificuldade
contribuiu para a superação da fragmentação no trabalho
desenvolvido, e construiu um diálogo com o todo. Diálogo
360 A atualidade das ideias de Paulo Freire

limitado, pouco crítico pela inexperiência de lidar com


depoimentos, pesquisa e produção a partir dessa, mas
diálogos que podem ser reconstruídos.
O trabalho de Reorientação Curricular não foi aceito
passivamente. Foi considerado difícil pelos professores da
área de História pelo volume de mudanças, pelas deficiências
da formação acadêmica e falta de domínio de alguns
conhecimentos. Em seus depoimentos, lançaram como
desafios: a capacidade de ser investigador; o domínio de área;
o trabalho coletivo; a sistematização de programações; ser
educador popular e trabalhar educação popular; a superação
da reprovação de fato; trabalhar a resistência; um trabalho
em permanente reconstrução, entre outros. Foram estes
mesmos desafios que colocaram os professores de História
no movimento de construção de programas dialógicos da
área, e em movimento para perceber e buscar a superação
dos limites.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. E. D. A. Antropologia e educação. Cadernos


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364 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Anexo A – Rede temática


O tema gerador... 365

PARTE V – EDUCAÇÃO, ARTE E CULTURA


366 A atualidade das ideias de Paulo Freire
I

CENTROS ARTÍSTICOS DE CULTURA POPULAR:


AS INTER-RELAÇÕES ENTRE EDUCAÇÃO E
CULTURA NO GOVERNO DA FRENTE POPULAR
EM CHAPECÓ (1997-2004)

Marinilse Netto

Neste trabalho são projetados dois campos, a


educação e a cultura. Trata-se de um estudo que tem como
foco uma proposta cultural, desenvolvida no âmbito da
política pública com concepções educativas. Nessa
compreensão, a noção de popular ganha sentido como
instrumento de consciência às massas e é projetada na
metodologia histórico-crítica, que tem Paulo Freire como
precursor de um movimento que propõe a educação pautada
em um processo dialógico e crítico:

A concepção de liberdade [...] é a matriz que dá sentido a


uma educação que não pode ser efetiva e eficaz senão na
medida em que os educandos nela tomem parte de
maneira livre e crítica (FREIRE, 2005, p. 59).

A área cultural desenvolvida nessa esfera tem por


pretensões conceber e disseminar o ideário político de
consciência popular, proposto pela administração pública
através de atividades artísticas (dança, teatro e música)
desenvolvidas em diversos locais no município de Chapecó,


Mestre em Educação e doutora em Engenharia e Gestão do
Conhecimento. Docente do curso de Artes Visuais - Licenciatura da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó.
368 A atualidade das ideias de Paulo Freire

por um projeto vinculado a área cultural, os chamados


Centros Artísticos de Cultura Popular (CACPs).
A criação dos CACPs teve como inspiração os
Centros Populares de Cultura (CPCs), projeto desenvolvido
por movimentos sociais nos anos de 1960. O CPC torna-se
um movimento contra hegemônico pensado e articulado
pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e pela União
Nacional dos Estudantes (UNE), apoiados, de modo
significativo, por representantes do Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (ISEB) e da vanguarda artística. A
relação entre os intelectuais do ISEB no campo cultural e no
desenvolvimento da concepção de “nacional popular” é
assim destacada por Ortiz (2003, p. 68):

Para o ISEB os intelectuais têm [tinham] um papel


fundamental na elaboração e na concretização de uma
ideologia do desenvolvimento; são eles que devem
explicitar o processo de tomada de consciência, e, por
conseguinte, viabilizar o projeto de transformação do país.

Neste sentido, o movimento que deu origem ao


CPCs se propõe a “chegar ao povo” e construir uma
unidade de pensamento político social. É no Anteprojeto do
Manifesto dos CPCs que se percebe a premissa da
construção de uma arte revolucionária, que tem como
concepção a teoria marxista, através dos escritos de Antonio
Gramsci. Essa concepção proporciona à arte cepecista
característica de direção cultural e política de consciência às
massas:

Ocorre que, na virada dos anos 50 para os 60, configurou-


se no Brasil um debate intenso em torno da ideologia do
nacionalismo, debate esse que influenciou inúmeras
instituições, partidos políticos e movimentos sociais. Essa
articulação se concretizou, na área da produção artístico-
cultural, na constituição de uma pedagogia estética voltada,
Centros artísticos... 369

sobretudo, para a classe média intelectualizada e na


adaptação do ‘nacional-popular’. (GARCIA, 2004, p. 129).

O Manifesto do CPC propõe um “atrelamento” entre


arte e política. Como forma de compreender os conceitos que
envolvem esses dois contextos – arte e cultura revolucionária
–, o manifesto refuta a arte do povo e a arte popular:

A arte do povo é predominantemente um produto das


comunidades economicamente atrasadas e floresce de
preferência no meio rural ou em áreas urbanas que ainda
não atingiram as formas de vida que acompanham a
industrialização. O traço que melhor a define é que nela o
artista não se distingue da massa consumidora. Artista e
público vivem integrados no mesmo anonimato e o nível
de elaboração artística é tão primário que o ato de criar
não vai além de um simples ordenar os dados mais
patentes da consciência popular atrasada. A arte popular,
por sua vez, se distingue desta não só pelo seu público
que é constituindo pela população dos centros urbanos
desenvolvidos, como também devido ao aparecimento de
uma divisão de trabalho que faz da massa a receptora
improdutiva de obras que foram criadas por um grupo
profissionalizado de especialista (HOLLANDA, 2004, p.
147).

A arte engajada constitui a base das ações políticas


do CPC e a linguagem artística foi usada como instrumento
de aproximação, articulação e de comunicação com o povo,
motivo esse que levou os artistas à criação de espaços
públicos e coletivos de arte, a uma nova concepção de
dramaturgia com a realização de teatro de rua, divulgação de
oficinas de arte e exposições.
A criação dos CPCs e as discussões em torno do
nacional popular não se davam fortuitamente. Nos anos de
1960, o Brasil passava por um forte processo industrial e, em
consequência, estava sob dependência da economia
370 A atualidade das ideias de Paulo Freire

estrangeira. O povo, em número considerável de não


alfabetizados, vivia à margem da modernização e de uma
elite burguesa que apoiava a política brasileira, de caráter
populista, comprometida às suas demandas. A par disso, vale
dizer que, no início dos anos 1960, fervilhava em nosso país
uma vontade de mudança em todos os níveis.
O nacional-popular, preconizado pelo Anteprojeto
do Manifesto do CPC, conforme já mencionamos, defende a
construção e desenvolvimento de uma arte de caráter
pedagógico-político. Para os cepecistas, numa leitura
reducionista de intelectual orgânico da teoria gramsciana, o
intelectual artista revolucionário opta por ser povo, numa
“[...] missão assumida como tal: trata-se de um dever, de um
compromisso com o povo e com a justiça vindoura – a
revolução nacional e popular” (HOLLANDA, 2004, p. 31).
Para os ideólogos do CPC, o popular é a fonte a
partir da qual a arte popular revolucionária ‘encontra o seu
eixo mestre’: “[...] o conceito do movimento dialético
segundo o qual o homem aparece como o próprio autor das
condições históricas de sua existência” (HOLLANDA, 2004,
p. 152).
Essa noção de autoria consciente de vida (ou
conscientização) constitui-se a base da ideia de ‘educação do
povo’, ou do caráter educativo intrínseco à própria arte e
cultura popular; conforme consta no Manifesto:

[...] nossa arte revolucionária pretende ser popular quando


se identifica com a aspiração fundamental do povo,
quando se une ao esforço coletivo que visa dar
cumprimento ao projeto de existência do povo
(HOLLANDA, 2004, p. 150).

Nos anos de 1990, o município de Chapecó rompe


com a tradição política local, elegendo para o governo um
grupo partidário de filiação ao ideário de esquerda, o qual
imprimiu no município uma forma própria de administração
Centros artísticos... 371

política. Comprometida com os ideais de representatividade


da classe trabalhadora, contraria uma situação de hegemonia
colocada pela política desenvolvida até então. Os princípios
de inclusão social, emancipação crítica e comprometimento
com uma educação popular se estendem por todos os
campos da administração, incluindo o campo cultural.
Foi nos anos de 1997 a 2004 que a administração
pública municipal, através de um governo que defende
programas ideologicamente calcados pela participação
popular, elege políticos representantes da Frente Popular.
Esse governo “[...] se coloca como o ‘novo’ no campo
político, envolvendo rupturas em relação às práticas políticas
tradicionais [...]”, imprimindo

[...] uma nova forma de administração pública, instituindo


formas alternativas de relacionamento entre Estado e
sociedade civil em âmbito municipal, conjugando a
democracia representativa e a democracia direta (HASS;
WERLANG, 2003, p. 16).

Conforme citado, a política desenvolvida pela Frente


Popular tem premissas da participação do povo na
administração dos projetos e recursos públicos. Tal visão
institui, na administração municipal, o programa Orçamento
Participativo (OP) 1 , que tem como principal campo
articulador, o diálogo com a sociedade civil. Deste modo,
criam-se, como modo inovador, espaços diretos de
participação e decisão do povo nos destinos da cidade. Em
relação a essa forma própria de administração e as
expectativas geradas na sociedade civil, Hass e Werlang

1 Orçamento Participativo (OP) é uma prática governamental


reconhecida mundialmente, criada no intuito de submeter o destino de
parte dos recursos públicos à consulta pública, através de reuniões
comunitárias abertas ao público, onde primeiramente são coletadas
sugestões, depois votadas às prioridades, e encaminhadas ao governo
para que ele atenda a solicitação através de investimento público.
372 A atualidade das ideias de Paulo Freire

(2003, p. 22), analisando o comportamento político dos


chapecoenses, afirmam:

Geralmente, quando questionados a respeito dos aspectos


positivos da administração municipal, os eleitores
estabeleceram uma correlação entre os aspectos positivos
da administração em suas áreas de atuação e as
prioridades do próximo governo. Destacam-se
preferencialmente os investimentos na área da saúde,
educação, empregos, estradas, agricultura, com poucas
alterações nesta ordem.

Do modo como foi exposto, mostrou-se que até o


ano de 1996 a política local tinha a hegemonia de grupos e
partidos políticos ditos ‘conservadores’. Com a ascensão de
partidos políticos de esquerda e de centro esquerda,
apoiados pelos movimentos sociais2 nas eleições municipais
em 1996, esse cenário é revertido, causando uma ruptura na
hegemonia política local.
A partir daí, tem-se no município uma gestão
administrativa pautada no ideário de um novo modelo de
sociedade. Nesse novo processo, a educação, tomada como
possibilidade de emancipação e de construção de consciência
crítica, torna-se um elemento central, sendo objeto de uma
reforma significativa.

2“Igrejas, principalmente a igreja católica liderada pelo Bispo D. José


Gomes, os sindicatos ligados à CUT – Central Única dos Trabalhadores,
os movimentos populares, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra – MST, o Movimento das Mulheres Agricultoras – MMA, a
União Brasileira das Mulheres – UBM, o Movimento dos Atingidos por
Barragens – MAB, Organizações Estudantis, UMES – União Municipal
dos Estudantes, DCE – Diretório Central dos Estudantes da UNOESC,
agora UNOCHAPECÓ, o movimento popular das pessoas com
necessidades especiais, do qual destacam-se a Fraternidade Cristã de
Doentes e Deficientes, FCD - Chapecó/SC, entre outras” (SANTOS,
2006, p. 27).
Centros artísticos... 373

A Educação Popular na Rede Municipal de educação de


Chapecó caracteriza-se como uma opção político-
filosófica e pedagógica, que vem rompendo com o
modelo excludente de educação e propõe a construção de
uma nova práxis educacional comprometida com a
transformação da realidade sociocultural e econômica
vigente (CHAPECÓ, 2001a, p. 3).

A Secretaria Municipal de Educação e Cultura adota


como proposta pedagógica a Educação Popular e a
organização curricular em ciclos de formação, conforme Lei
Complementar n. 48, de 22 de dezembro de 1997. A
substituição do sistema seriado pelo sistema de ciclos não
foi, contudo, apenas uma questão organizativa ou
metodológica. Como se pode notar no documento citado
acima, a mudança visava, entre outros aspectos, a superação
dos processos seletivos e excludentes que, historicamente,
caracterizam a educação brasileira e a proposta educacional
local. Em consonância com esse novo princípio
organizativo, a Secretaria de Educação adotou também uma
nova orientação teórico-metodológica na definição dos
currículos de ensino: a pedagogia de Paulo Freire passou a
ser a principal referência, e os temas geradores tornam-se o
princípio básico de sua organização.
Esta pedagogia se concretiza com a Lei
Complementar n. 48, de 22 de dezembro de 1997, e a partir
daí o processo de construção nas escolas municipais inicia-se
num ritmo acelerado, pois era preciso desconstruir uma
prática curricular histórica e fixar as bases para a proposta
que estava por vir:

Essa opção revela o compromisso político-pedagógico


com a superação das contradições sociais opressoras,
impostas pelo sistema capitalista e pela política neoliberal;
explicita uma educação voltada às classes populares, que
busca um processo educativo que considere as diferentes
374 A atualidade das ideias de Paulo Freire

possibilidades de aprender e de ensinar de cada um,


respeitando as diferenças que constituem os seres e
propõe ações pedagógicas que respeitem os diferentes
tempos do desenvolvimento humano em suas formas:
cognitivo, social, afetivo, psicológico, corporal (SANTOS,
2006, p. 27).

Essa ideia da arte como espaço de ‘conscientização


do povo’ apresenta nexos com a noção de conscientização
difundida pelo educador Paulo Freire, nos movimentos de
Educação Popular 3 como proposta de mobilização e
conscientização política, social e cultural às massas,
desenvolvido no início dos anos 1960:

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade.


Quanto mais conscientização, mais se desvela a realidade,
mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente
ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por essa mesma
razão, a conscientização não consiste em estar frente à
realidade assumindo uma posição falsamente intelectual
[...] por isso mesmo a conscientização é um compromisso
histórico (FREIRE, 2005, p. 30).

Para o autor citado, não existe uma educação neutra


no sentido de ser completamente desvinculada dos fatores
ideológicos pertencentes a uma classe. Nesse sentido, Freire
converge com o pensamento gramsciano, para quem a

3 O movimento começou, em 1962, na região Nordeste, onde cerca de


trezentos trabalhadores foram alfabetizados em 45 dias. Com o apoio do
governo federal, o método foi desenvolvido durante o período de junho
de 1963 e março de 1964, com cursos de capacitação para professores
dos estados da Guanabara (Rio de janeiro), Rio Grande do Norte, São
Paulo, Bahia, Sergipe e Rio Grande do Sul. O plano para 1964 previa a
instalação de vinte mil Círculos de Cultura capazes de formar, no mesmo
ano, por volta de dois milhões de alunos. Estava prevista para iniciar na
zona urbana e depois alcançar a zona rural. O movimento teve seu fim
durante golpe de 1964.
Centros artísticos... 375

educação representa um instrumento a hegemonia é


reconhecida como um processo, um meio para a elaboração
de uma concepção de mundo.
Etimologicamente grega, a palavra hegemonia quer
dizer: guiar, conduzir, mandar, governar, ser chefe. O
substantivo etimológico significa a ação de ir à frente, ser
guia, condutor. O conceito de hegemonia é também
referência para Gramsci discutir a questão da cultura popular
e o nacionalismo. Para o pensador italiano, o conceito de
hegemonia pressupõe correlação ou oposição de forças,
operando em dois níveis: direção cultural e direção política
(CHAUÍ, 1984, p. 18).
Discutindo o conceito de hegemonia, Jesus (1989, p.
18) considera que se esta “é a capacidade de direção cultural
ou ideológica de uma classe sobre o conjunto da sociedade”,
é preciso considerar que é também uma

[...] relação de dominação entre dirigentes e dirigidos,


responsáveis pela formação de um grupo orgânico e
coeso em torno de princípios e necessidade defendidos
pela classe dominante.

Sendo direção política-ideológica do povo,


hegemonia não se confunde, contudo, com governo (como
instituição política, uso de força), nem com ideologia
(sistema abstrato e invertido de representações, normas,
valores dominantes): “Não é forma de controle sociopolítico
nem de manipulação ou doutrinação, mas uma direção geral
(política e cultural) da sociedade” (CHAUÍ, 1987, p. 18-19).
Assim, a energia que move a substituição de uma
hegemonia por outra está vinculada a fontes econômicas,
políticas e culturais, amarradas a um processo pedagógico.
De acordo com Gramsci (1989, p. 56),

[...] é neste sentido que as relações hegemônicas são


pedagógicas, e como a realização de uma tarefa
376 A atualidade das ideias de Paulo Freire

pedagógica implica a compreensão das contradições para


transformá-las em concepção de mundo unitária e
coerente, as relações pedagógicas são igualmente
hegemônicas.

A hegemonia precisa de seus elementos diretivos


tanto para sua implantação como para sua manutenção:
poder-direção ou dominação-consenso. Hegemonia não é
ausência de poder ou de autoridade, ao contrário, os
elementos de dominação coexistem dialeticamente com os
elementos de direção, como polos de uma só relação.
Tomando-se como ponto de partida uma classe dominada,
esta usará de meios pedagógicos (elementos diretivos) para
desmascarar e vencer as contradições; uma vez dominadora,
ela procurará ocultar as contradições que ameaçam a sua
hegemonia, tentando assegurar pela construção das
consciências, as relações de dominação:

Isto significa, por um lado, que a hegemonia determina o


modo como os sujeitos sociais se representam a si
mesmos e uns aos outros, o modo como interpretam os
acontecimentos, o espaço, o tempo, o trabalho e o lazer, a
dominação e a liberdade, o possível e o impossível, o
necessário e o contingente, as instituições sociais e
políticas, a cultura em sentido restrito, numa experiência
vivida ou mesmo refletida (CHAUÍ, 2004, p. 90).

O trabalho educativo desenvolve-se tanto na


hegemonia, quanto na contra-hegemonia, visando às relações
sociais que incluem o homem como sujeito que pode
modificar ou manter certa estrutura social. Nessa direção,
Gramsci (2004, p. 43) compreende o homem como sujeito
histórico, concreto,

[...] vivo em uma série de relações ativas processuais, a


humanidade que se reflete em cada individualidade é
Centros artísticos... 377

composta por diversos elementos: 1) o indivíduo; 2) os


outros homens; 3) a natureza.

O homem produz e transforma bens em nível de


estrutura ou de superestrutura na relação com os demais
homens e com a natureza; nessa relação o processo
educativo tem a função de ‘moldar’ o consenso, a energia
de uma ação consciente. Em sua dupla dimensão,
individual e social, o homem modifica e renova o mundo
pela educação ao mesmo tempo em que se renova e se
modifica em busca da hegemonia (GRAMSCI, 2004, p.
43).

No segundo mandato da Frente Popular, nos anos


de 2000 a 2004, a área da cultura assume a importância de
associar-se às orientações políticas de cunho democrático-
popular, tal escolha encontra-se mais fortemente assimilada
pelo projeto dos Centros Artísticos de Cultura Popular
(CACPs), objeto dessa pesquisa.
Conforme apresentado, a administração da Frente
Popular constrói, no município de Chapecó, uma
experiência de gestão orientada a partir dos princípios de
emancipação e inclusão social. Princípios estes vinculados ao
pressuposto de que a participação direta do povo,
compreendido como sujeito social coletivo organizado, deve
ser o principal meio a partir do qual as políticas públicas
podem ser definidas, implementadas e controladas.
Na organização dessa pesquisa seguiu-se um
percurso de investigação compreendendo: a) revisão de
literatura que trata das relações entre educação, cultura,
movimentos e projetos populares; b) coleta, seleção e
classificação dos documentos relacionados com a área da
cultura; e c) análise dos documentos selecionados mediante a
técnica de Análise de Conteúdo (AC).
Nas etapas de seleção, os documentos foram
classificados de acordo com sua pertinência aos objetivos da
378 A atualidade das ideias de Paulo Freire

pesquisa. Desse modo, definiu-se por documentos


“centrais”, que constituem efetivamente o corpus de análise e
documentos “complementares”, que não foram submetidos
diretamente à análise, mas constituem-se importante apoio,
pois permitem esclarecer informações necessárias ao
entendimento e análise dos documentos “centrais”. É
consenso na literatura que a AC se consolidou como um
método de tratamento de dados, tendo como referência o
desenvolvimento e o emprego de técnicas sistemáticas de
análise de dados (FRANCO, 2005; CHIZZOTTI, 2008;
GIL, 2011).
Empregada originalmente em pesquisas sobre o
conteúdo de jornais, a AC foi utilizada, primeiramente, em
investigações sobre opinião pública e propaganda,
posteriormente, passou também a ser usada para identificar
características do conteúdo de obras literárias, didáticas e
científicas, em campos como a sociologia e a psicologia. É
hoje uma das técnicas mais comuns nas investigações
empíricas desenvolvidas nas áreas das ciências humanas e
sociais (FRANCO, 2005).
Aplicada como instrumento metodológico em
discursos diversificados, a AC consiste no tratamento de
mensagens ou falas significativas como forma de reflexão
qualitativa do conteúdo. Segundo Chizzotti (2008, p. 113),
por suas características, a AC aproxima-se da linguística, da
semiótica, da hermenêutica e é usada “a fim de se extrair
significados expressos ou latentes de um texto”.
A característica qualitativa se dá pela análise das
categorias como reflexão dos núcleos de sentidos ou
significados latentes. Para o pesquisador que utiliza a análise
de conteúdo ‘os vestígios’ são decodificados através de
dados e fenômenos obtidos na investigação, descritos e
interpretados, tendo a inferência como mediação.
Na primeira etapa deu-se a coleta de documentos
para a sistematização e seleção do corpus de análise da
Centros artísticos... 379

pesquisa. Nessa etapa, percebemos uma enorme escassez de


registros documentais dos projetos ou ações
projetadas/desenvolvidas na área da cultura, de uma forma
geral, em todo o acervo (memória) da administração pública
local. Os documentos mais recentes e que demonstram as
atividades desenvolvidas pelo setor cultural a partir de 1997
foram encontrados em arquivos da Secretaria de Educação.
A seleção dos documentos está assim dividida: a)
Principais: referem-se ao projeto CACPs, projeções, ações e
atividades desenvolvidas de 1999 até o ano de 2004; b)
Complementares: documentos que indiretamente trazem
informações ou contribuições à compreensão de ações
culturais no município, nas quais se evidencia a criação dos
CACPs apresentados nos quadros 1 e 2.

Quadro 1 – Documentos selecionados para análise


Nº TÍTULO DO DOCUMENTO/ORIGEM DATA
Lei Orgânica do Município – referente à organização da
01 1990
esfera cultural na cidade de Chapecó
Proposta Político-Pedagógica da Secretaria Municipal de
02 1992
Educação/Departamento de Educação de Chapecó
Plano Decenal de educação para Todos - Secretaria da
03 1993
Educação e Cultura
04 Plano Setorial Secretaria da Educação e Cultura 1993
Relatórios e planejamentos-Cultura/Escola de
05 Artes/Departamento do Patrimônio Histórico e 1994
Memória/Secretaria da Educação e Cultura
Proposta Político-Pedagógica - Departamento
06 Patrimônio Histórico, Memória e Cultura - Secretaria da 1996
Educação e Cultura
Plano de Governo para a Área da Cultura -
07 1996
Administração 1997/2000
Secretaria da Educação e Cultura - Lei Orgânica do
Município - Emenda LOM n. 3/97, Lei Complementar
n. 48 de dezembro de 1997 e parecer 010/98 e Lei
08 1997
Complementar n. 67 de 03 de dezembro de 1998, que
organiza a educação municipal em ciclos - Gabinete do
Prefeito
09 Movimento de Reorganização Curricular s.d.
380 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Projeto Político-Pedagógico - Educação Popular -


10 1997
Secretaria de Educação e Cultura
Relatório das atividades realizadas pelo Departamento da
11 1997
Cultura - Departamento da Cultura
Relatório das ações realizadas pelo Departamento de
12 Juventude e Lazer no período de janeiro a julho de 1998 1998
- Secretaria de Esporte, Cultura e Lazer
Propostas para Cultura, Esporte e Lazer Secretaria de
13 1999
Esporte, Cultura e Lazer
Plano de Governo dos candidatos à administração
14 pública municipal (2º mandato) - Frente 2000
Popular/PT/PCdoB/PSB/PAN
15 Plano de Ação da cultura - Departamento da Cultura 2001
Mensagem nº 1740/02 - propõe o projeto de lei
16 complementar em 20 de maio de 2002 - criação da 2002
Fundação Cultural no município - Gabinete do Prefeito
Plano Plurianual 2002/2005 - Secretaria de Educação e
17 2002
Cultura
18 Agenda Cultural 2002 - Departamento da Cultura 2002
Relatório das atividades desenvolvidas pelos Centros
19 2002
Artísticos de Cultura Popular - Departamento da Cultura
Projeto de Lei que cria o Conselho de Cultura no
20 2003
município - Gabinete do Prefeito
Relatório das atividades desenvolvidas pelos Centros
21 Artísticos de Cultura Popular - Fundação Cultural de 2003
Chapecó
Relatório das atividades/2004 - Fundação Cultural de
22 2004
Chapecó
Fonte: Material coletado pela autora.

Após esse levantamento selecionou-se àqueles


documentos considerados centrais para os objetivos da
pesquisa, quais sejam, àqueles diretamente relacionados ao
projeto objeto de nossa análise, os Centros Artísticos de
Cultura Popular.
Quadro 2 – Documentos constituintes do corpus de análise
Nº DOCUMENTO ORIGEM DATA
Propostas para
Secretaria de Esporte, Cultura e
01 Cultura, Esporte e 1999
Lazer
Lazer
Plano de Governo
dos candidatos à
Frente
02 administração pública 2000
Popular/PT/PCdoB/PSB/PAN
municipal (2º
mandato)
Plano e Ação da
03 Departamento de Cultura 2001
Cultura 2001-2004
Plano Plurianual Secretaria da Educação e
04 2002
2002-2005 Cultura
Relatório das
Atividades Coordenação dos Centros
05 desenvolvidas no Artísticos de Cultura Popular 2002
período de março a – Departamento de Cultura
dezembro de 2002
Relatório 2003 -
Centros Artísticos de
Cultura Popular -
06 Coordenação e Departamento de Cultura 2003
professores dos
Centros Artísticos de
Cultura Popular
Relatório das
07 Fundação Cultural de Chapecó 2004
atividades/2004
Fonte: Material coletado pela autora.

Como já mencionado, a análise de conteúdo propõe


a interpretação das representações ou sinais de linguagem
(conteúdo manifesto/latente), embutidas nas ações como
projeções ideológicas. Os resultados da AC devem refletir os
objetivos da pesquisa e ter como apoio indícios manifestos e
capturáveis no âmbito das mensagens emitidas.
O Projeto dos CACPs foi implementado e
desenvolvido no período de 2000 a 2004, na área cultural do
município de Chapecó, estado de Santa Catarina. Evidencia-
382 A atualidade das ideias de Paulo Freire

se, em especial, a centralidade deste na política cultural da


Frente Popular, suas formas de organização e de diálogo
com a sociedade. A fidelidade ao ideário marxista e as
concepções de consciência às massas via cultura indica
pontos de convergência entre o projeto aqui citado (os
CACPs), e aquele desenvolvido nos anos de 1960, sob a
coordenação da UNE e de setores da esquerda brasileira: os
CPCs. A partir dessa contextualização, busca-se discutir as
convergências analisando, então, as concepções orientadoras
do Projeto dos Centros Artísticos de Cultura Popular.
As análises da concepção de arte e cultura e da
concepção de educador popular, orientadoras dos CACPs,
tiveram como base documentos produzidos no âmbito da
administração municipal – documentos do orçamento
participativo, produzidos nas áreas de educação e, mais
especificamente, na área de cultura.
Tem-se como objetivo apreender as concepções que
o orientavam analisando as relações entre estas e as práticas
culturais realizadas, identificando, ainda, o caráter educativo
das mesmas. Parte-se do pressuposto, apoiando-se na
perspectiva gramsciana, que os processos culturais são
sempre intencionais, portanto, politicamente orientados e,
nesse sentido, podem contribuir para manter ou transformar
as relações sociais vigentes. Dessa perspectiva, analisa-se o
projeto Centros Artísticos Cultura Popular – “carro chefe”
do governo popular, na cidade de Chapecó –, interrogando
sobre a orientação político-pedagógica do mesmo, seu
delineamento como política cultural de caráter popular e
suas filiações político-ideológicas com o movimento cultural
dos Centros Populares de Cultura, desenvolvido no Brasil
nos anos de 1960.
Nesse estudo, procura-se apresentar também dados
sobre o processo de construção, implementação e
desenvolvimento dos CACPs busca-se apreender as
contradições que o moveram no município de Chapecó. Os
A pesquisa-ação como estratégia... 383

CACPs, organizados a partir de atividades culturais


diversificadas, tais como dança, teatro e música, desde sua
origem até o fim das atividades (1999-2004), caracterizaram-
se como principal programa público na área de cultura
durante a administração popular1.
Até a criação e implementação dos CACPs em
diversos pontos da cidade, a difusão artística cultura era
centrada nas atividades desenvolvidas pela Escola de Artes.
Criada em 1º de maio de 1979, pela Lei Municipal n. 052/79,
denominada inicialmente de “Escola de Belas Artes”, teve
sua origem vinculada à efervescência cultural vivida pelas
elites nas décadas de 1970 e 1980, momento em que eram
promovidos na cidade, grandes eventos artístico-culturais;
como salão de artes plásticas, recitais, globais de arte,
intercâmbios com a capital do estado, mediados pelo
Conselho Estadual de Cultura. Na lei de sua criação, são
definidos os objetivos da escola, os quais dão ênfase à
formação de ‘produtores’ e ‘apreciadores’ das artes. Os
alunos que a frequentam dispõem de recursos para compra
de instrumentos de música, material didático e roupas
apropriadas ao exercício das atividades, além de pagamento
de mensalidades, compondo assim um público específico, ou
seja, as classes média e alta.
No que tange à estrutura cultural da cidade, até 1997,
portanto, antes do 1º Mandato da Frente Popular, a cultura
ficava vinculada, como departamento específico, à Secretaria
Municipal de Educação. Quando a Frente Popular assume,
cria a Secretaria da Juventude, Esporte, Cultura e Lazer,
1O Governo Popular, articulado a partir da “Frente Popular”, teve como
força majoritária o Partido dos Trabalhadores; além deste, participaram o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Socialista Brasileiro
(PSB), o Partido Popular Socialista (PPS) e o Partido dos Aposentados
da Nação (PAN). Essa frente exerceu o governo municipal por dois
mandatos: o primeiro, entre 1997-2000, e o segundo entre 2001-2004,
quando foi substituída por uma coligação de direita, liderada pelo PFL e
PSDB.
384 A atualidade das ideias de Paulo Freire

sendo este departamento transformado em uma diretoria


dentro dessa nova Secretaria, ali permanecendo até o início
do 2º mandato (2001-2004).
Em função da adoção da proposta de educação
popular e dos ciclos pela Secretaria de Educação, a cultura
volta a ser um departamento desta Secretaria (posto que já se
gestava também o projeto dos CACPs), orientada por
princípios similares aqueles da educação. A área cultural
permanece vinculada a área da educação até 2003, ano de
criação da Fundação Municipal de Cultura.
Como já mencionado, a administração da Frente
Popular instituiu mudanças na área da educação já nos
primeiros meses após ter assumido a política local, porém,
na área cultural foi preciso ainda dois anos para que a
proposta popular fosse efetivada, fato esse verificado no
Documento “Propostas para Cultura, Esporte e Lazer do
ano de 1999”, onde se faz menção ao projeto cultural
chamado “Arte Popular”, com os seguintes objetivos:

Difundir, incentivar e ampliar o fazer artístico-cultural,


valorizar e resgatar a cultura local. Implantar, construir,
em locais existentes nas localidades centros populares de
artes, em 10 locais de Chapecó, destinados a oferecer
oficinas, aulas de musicalização, dança, teatro, artes
plásticas e outras (CHAPECÓ, 1999, [s.p.]).

O projeto “Arte Popular”, criado a partir da ideia da


descentralização da cultura e dos preceitos dos movimentos
de educação e cultura popular, dará, posteriormente, origem
à criação dos Centros Artísticos de Cultura Popular.
No Plano de Governo dos candidatos à
Administração Pública Municipal (2000), onde se
apresentam indicadores do primeiro mandato e se traçam
orientações e proposições para o segundo mandato da
Frente Popular (2001-2004), é possível verificar que, no final
da primeira gestão, já estavam em funcionamento diversas
A pesquisa-ação como estratégia... 385

atividades, fazendo-se menção ao número de alunos que as


frequentavam, ainda no âmbito do Projeto Arte Popular.
Desenhavam-se desde então, as orientações que se
presentificariam posteriormente, de forma mais
sistematizada, no projeto dos CACPs.
Como mencionado, o projeto Arte Popular dá o
empurrão inicial para a proposta do desenvolvimento, na
área cultural, de atividades de cunho popular, originando
então os CACPs e durante os anos de 2001 a 2004, na
segunda gestão do governo popular ocorre sua
implementação e desenvolvimento. Conforme consta no
Plano de Governo dos Candidatos à Administração Pública
Municipal, tinha como objetivo: “Ampliar os Centros
Artísticos de Cultura Popular nas diversas regiões município,
que hoje atendem gratuitamente três mil alunos”.
Nos anos seguintes, pode-se verificar no Documento
“Plano de Ação para a Cultura 2001/2004”, datado de 14 de
maio de 2001 – o projeto CACPs figura como proposta
central na área cultural do município, pois é apontado como
prioridade nos investimentos públicos pela comunidade,
definida através do orçamento participativo, conforme
registro: “Ampliação dos Centros Artísticos de cultura
popular (conforme demanda reivindicada pelo orçamento
participativo)” (CHAPECÓ, 2001b, [s.p.]).
O documento, acima mencionado, articula-se a partir
de três seções orientadoras, conforme segue:
• Sonho de Mundo e Sociedade: discute-se aqui questões
relacionadas à preservação da cultura e a produção
artística como valorização e resgate das manifestações da
cultura local;
• Sonho de Política Cultural: delineia-se e aponta-se para a
construção de uma política cultural com uma concepção
libertadora, pautada no diálogo entre as diferentes
culturas e entre diferentes sujeitos;
386 A atualidade das ideias de Paulo Freire

• Desafios: são estruturados tendo como base quatro


grandes eixos: 1) Resgate, organização, preservação e
socialização da memória histórica; 2) Ampliação do
acesso da população ao conhecimento, formação e
produção artística/cultural; 3) Criar, fomentar e/ou
apoiar empreendimentos culturais; e 4) Criação da
Fundação Municipal de Cultura.

Em continuidade ao projeto cultural delineado no


“Plano Plurianual 2002-2005”, evidencia-se um conjunto de
ações voltadas à área cultural do município, fortalecendo-se
a ideia dos Centros Artísticos como proposta de inclusão
social e como programa de governo. Viabiliza-se a
construção dos espaços físicos destinados às atividades e à
criação da Fundação Municipal de Cultura, como garantia,
aos chapecoenses, de acesso à política cultural. Conforme o
documento já citado:

O município possui uma estrutura de serviços públicos na


área cultural constituída pela Escola de artes, biblioteca
Pública Municipal, 19 Centros Artísticos de Cultura
Popular que atendem mais de 5.000 pessoas em atividades
educativas nas áreas de música, dança, artes plásticas e
artes cênicas. O Departamento da Cultura organiza e
desenvolve eventos culturais que envolvem a participação
de milhares de pessoas como o carnaval popular, teatro da
paixão, dia do desafio, mostras culturais, mateadas, etc. O
Departamento da Cultura resgata, organiza e preserva a
memória histórica através dos museus, murais e
monumentos (CHAPECÓ, [s.d., s.p.]).

Cabe ainda ressaltar que, nesse documento, são


firmadas as diretrizes e ações voltadas a uma política cultural
de âmbito popular, conforme segue:
A pesquisa-ação como estratégia... 387

Aprofundar a gestão democrática da política cultural


incluindo o Orçamento Participativo, o Conselho
Municipal de Cultura e os Conselhos da Escola de Artes e
dos Centros Artísticos de Cultura Popular e a participação
popular em todo o processo cultural (CHAPECÓ, [s.d.,
s.p.]).

O Projeto CACPs, como já salientado, vinha sendo


desenvolvido no âmbito do Projeto “Arte Popular”.
Contudo, como o Projeto não dispunha de uma
coordenação, funcionou, nesse período, com pouca
visibilidade; sem um suporte que o impulsionasse e
sistematizasse suas diretrizes e atividades. Havia a carência
de uma sustentação teórica mais sólida, que possibilitasse
uma compreensão aprofundada da cultura, no âmbito de
uma administração popular.
Como reflexo desse processo, muitas improvisações
ocorreram, inclusive, no que se refere à contratação de
professores para as atividades, a maioria sem qualificação
técnica-formal, sobretudo, muitos deles, pouco partilhando
os preceitos político ideológicos da então administração
popular. Sem essa vinculação maior com o projeto político
que estava na base dos CACPs, muitos professores
desenvolviam suas atividades de acordo com sua ‘própria
vontade e direção’, fato esse agravado ainda pela ausência,
no departamento da cultura e no projeto dos CACPs, de
uma unidade de pensamento, no que se referia a uma
proposta popular na área. Como consequência desse
processo, muitas atividades artísticas desenvolvidas
voltavam-se mais para o aspecto de entretenimento.
As atividades desenvolvidas pelos CACPs aparecem
mais detalhadas, nos documentos analisados, registrados a
partir de 2002. No Relatório das Atividades Desenvolvidas no
Período de março a dezembro de 2002, por exemplo, aparece a
indicação de atividades de planejamento nos Centros
Artísticos, conforme é mencionado: “Planejar em conjunto
388 A atualidade das ideias de Paulo Freire

com a equipe de professores, as ações educativas a partir das


necessidades e vivências de cada grupo, dentro das
linguagens música, teatro e dança” (CHAPECÓ, 2002).
Estabelecer o planejamento das atividades dos CACPs como
um dos objetivos expressa as mudanças que foram
ocorrendo nesse período, em especial, a introdução de uma
concepção de caráter mais pedagógico, e não apenas de
entretenimento, para as atividades em curso.
Vinculados, então, à Secretaria da Educação, os
CACPs passam a adotar, também em sua prática, a
perspectiva da educação popular, assimilada por essa
Secretaria. Fundamentado no ideário de Paulo Freire e na
sua concepção de conscientização pela educação, os CACPs
inspiram-se, por um lado, nessas experiências educacionais e,
por outro, resgataram preceitos do movimento dos CPCs,
desenvolvidos nos anos de 1960, em especial a concepção
do caráter transformador e revolucionário da arte.
Ancoradas nessas referências, as atividades, no
âmbito dos CACPs, passam a ser mais organizadas,
prevendo-se, por exemplo, espaços de reflexão e formação
destinados aos educadores atuantes no Projeto.
O objetivo era que os professores 2 se tornassem
agentes disseminadores de mudanças nos padrões
2 Os professores que atuavam nos CACPs eram contratados pela
Secretaria da Educação, através de edital público, apresentando além de
currículo com habilidade na área pretendida, um projeto apresentando as
linhas gerais no desenvolvimento das atividades artísticas ou aulas. Os
candidatos às vagas eram avaliados pelo currículo (horas de
atividade/capacitação) e são contratados por 11 meses a contar do início
do ano letivo nas escolas municipais, no mês de fevereiro. O professor é
contratado em regime temporário para os meses de fevereiro a dezembro
com carga horária de 8h diárias, podendo ser contratado de 20h a 40h
semanais. Possuem, em sua maioria, ensino médio completo e alguns
iniciando cursos em nível superior. Ainda é possível verificar que o
quadro possui professores sem o nível médio completo, sendo
contratados como estagiários, com carga horária de 20h semanais. Como
o recrutamento se dá por edital aberto, é possível verificar também uma
A pesquisa-ação como estratégia... 389

tradicionais estabelecidos pela elite chapecoense,


constituindo-se, nesse sentido, como uma contra hegemonia.
As ações voltadas para os professores, conforme
consta no Relatório das atividades desenvolvidas nos períodos de
março a dezembro de 2002, são assim definidas:

Formar um grupo de professores com perfil indicado


para um trabalho popular em arte e cultura com
qualificações a seguir: comprometido com as políticas
educacionais nas ações desenvolvidas para com o
educando; tenha postura de educador, percebendo o
aluno como um ser pensante, com vontade e sonhos; que
seja desafiado e desafiante; que organize e articule a
comunidade onde atua, sendo elo de ligação entre o aluno,
a comunidade e cultura e que se sinta responsável pelo
crescimento do CACP. Em 2003, com o trabalho de
coordenação chegando ao seu primeiro ano, foi possível
verificar nos CACP’s o processo de reflexão e capacitação
realizado (CHAPECÓ, 2002, [s.p.]).

O Relatório dos Centros Artísticos produzido em dezembro de


2003 traz informações em relação à implementação
pedagógica. Em síntese, a criação de uma coordenação
específica e os encaminhamentos pedagógicos mediados pela
secretaria da educação, proporcionou ao Projeto uma nova
fase com organicidade nas atividades realizadas,
evidenciando, ainda, comprometimento da administração
com o mesmo.
A criação da Fundação Cultural, em 2003, também
contribuiu para dar novo impulso aos CACPs, seja em
relação à sua difusão ou descentralização para os diversos
bairros da cidade. A partir disso, são estabelecidos canais
diretos de diálogo com a comunidade para a definição das
atividades que comporiam o projeto em cada localidade.

certa rotatividade de professores. Entretanto, há professores que


desenvolvem as atividades desde a origem do projeto CACP.
390 A atualidade das ideias de Paulo Freire

As crises internas, provocadas pelas dissonâncias de


ordem política, acabaram por interferir no andamento dos
projetos e, em especial, ao grupo de professores dos CACPs,
com prejuízos para a continuidade dos trabalhos de
formação e capacitação. Com a substituição do corpo
administrativo em 2004, último ano da gestão da Frente
Popular, o Projeto CACPs ganha novos contornos,
conforme verificamos nos documentos referentes a este
período.
Essas mudanças se refletiram, inclusive, na
sistematização da documentação do Projeto; os dados
referentes a 2004 encontram-se esparsos, reunidos em uma
pasta-arquivo, tratando-se mais de registros espontâneos do
que documentos de planejamento, diretrizes ou avaliação.
Não há, nesta pasta, nenhum registro documental realizado
pela coordenação que forneça dados consistentes sobre o
desenvolvimento das atividades deste ano, os documentos se
constituem de registros feitos pelos professores, de
atividades realizadas e de expectativas futuras. Contudo,
esses documentos, mesmo prejudicados, expressam os
encaminhamentos dados aos CACPs, em especial, pela
mudança na orientação do planejamento das atividades a
serem desenvolvidas que passam, então, a serem elaborados
por área, pelos professores responsáveis, evidenciando a
ausência de uma orientação pedagógica orgânica e unitária.
Nota-se, também, a carência de documentos que indiquem,
de modo organizativo, as atividades desenvolvidas no
período.
Em que pesem as contradições presentes em
projetos dessa natureza, é importante registrar seu caráter de
ruptura com a orientação política predominante até meados
da década de 1990, para a área cultural. Até esse período,
perdurava na cidade a presença de uma política chamada de
“direita”, comprometida com o poder econômico local,
A pesquisa-ação como estratégia... 391

priorizando os interesses privados desses setores como


orientação para a administração do município.
Em 1997, com a vitória da Frente Popular, inicia-se
uma série de mudanças de ordem político-social em
Chapecó, tendo como principal marca a implementação do
orçamento participativo, a administração popular via este
como o principal instrumento para definições políticas a
partir das necessidades e demandas públicas; difunde-se a
ideia e a prática da decisão coletiva na distribuição dos
investimentos públicos, haja vista que as plenárias públicas
constituíram-se nos principais espaços de discussão e
deliberação popular.
Essa nova concepção de administração expressou-se
também nos âmbitos da educação e cultura, dando a estas
uma nova direção: conscientização popular, dialética,
inclusão social, emancipação. Essas áreas ganham destaque
numa perspectiva destinada à inclusão social, trazendo para
o cenário municipal, propostas de participação popular,
inspiradas no ideário marxista.
Os CACPs têm origem na esfera pública municipal
como um projeto descentralizador, com princípios de
inclusão e sensibilização através das linguagens artísticas. Na
medida em que se desenvolve, cumpre a função proposta em
sua origem: tornar o campo cultural do município um campo
popular, usar a arte como uma linguagem de aproximação
com o povo, visando criar junto ao povo consciência crítica
em relação à sua realidade, ao contexto sociopolítico,
provocando a transformação social do sujeito e contexto. A
arte engajada dos CACPs tem nos CPCs a inspiração de
origem, pois ambas, em seu desenvolvimento, têm o
objetivo de promover a possibilidade de consciência crítica e
a visão de mundo ao público participante.
Os Centros Populares de Cultura também
reivindicavam uma renovação cultural no contexto brasileiro
da década de 1960. Almejavam produzir uma arte
392 A atualidade das ideias de Paulo Freire

essencialmente política, tomando o povo como criador,


retirando-o, portanto, de sua condição de espectador.
Conforme Garcia (2004, p. 63), “[...] baseada na atuação com
os grupos sociais, estava voltada para a união e formação do
povo, não somente como recebedor, mas também como
criador de cultura”.
Como projeto desenvolvido dentro de uma esfera
pública, que tem concepções políticas de inclusão e
participação social, os CACPs, diferentemente dos CPCs
cujo núcleo fomentador se constituía de artistas, intelectuais
e movimentos sociais, orientam suas atividades para esse
fim, pois recebem respaldo teórico da Secretaria de
Educação, já comprometida com a educação popular,
criando assim dentro do município uma unidade de
pensamento nos campos de atuação.
O projeto CACP apresenta em seus objetivos,
diferentes concepções acerca da função social da arte e da
cultura. Tais concepções evidenciam a dinâmica de
estruturação por que passava. A arte é vista como bem
público social através da garantia do “acesso da população
ao conhecimento, formação e produção artística/cultural”;
arte como meio para conscientização do povo “a arte na
busca da consciência e do desenvolvimento popular na
busca da liberdade e igualdade”; e arte como resgate da
memória popular “resgatar, preservar e socializar a memória
histórico-cultural do povo chapecoense” (CHAPECÓ,
2001b, [s.d.]).
Tais concepções convergem para o desenvolvimento
de uma política que expressa a valorização pelo povo através
da criação e desenvolvimento de espaços populares de
cultura, atribuindo ao povo o poder de renovação cultural.
Dentro do Projeto CACPs, o campo cultural adquire
uma função educativa, formalizada pelos centros como aulas
de dança, de teatro e de música e o profissional, onde atuam
professor(a) educador(a) e aluno/aluna. A arte configura-se
A pesquisa-ação como estratégia... 393

como atividade não acadêmica, tem características de


expressividade e liberdade de criação, visa uma “[...] cultura
que motive e respalde a produção artística e a liberdade das
diferentes formas de criação” (CHAPECÓ, [s.d., s.p.]).
Essa função educativa, atribuída à arte e à cultura no
Projeto em análise, configura-se como proposta de
conscientização popular, o que se expressa tanto nas
referências às bases teóricas da educação popular, em
especial as contribuições de Paulo Freire, como em sua
própria sistemática de organização, criando as possibilidades
de participação direta da população de cada comunidade na
definição do “formato” do projeto em seu local. Nos
objetivos dos CACPs, essa intenção educativa assim se
expressava:

A arte na busca da consciência e do desenvolvimento


popular na busca da liberdade e igualdade.
Construir uma política cultural com uma concepção
libertadora onde o diálogo entre as diferentes culturas seja
entre sujeitos (CHAPECÓ, [s.d., s.p.]).

Ao preconizar para os CACPs essa função de


mediação na construção de uma consciência social crítica,
observa-se uma aproximação com aquelas funções atribuídas
aos CPCs, nos anos de 1960, pelos seus realizadores.
Discutindo essa intenção de conscientização das massas dos
CPCs, Hollanda (2004, p. 23), destaca:

Trata-se, claramente, de uma concepção, da arte como um


instrumento de tomada de poder. Não há lugar aqui para
os ‘artistas de minorias’ ou para qualquer produção que
não faça uma opção de público em termos de ‘povo’.

A dimensão coletiva é um imperativo e a própria


tematização da problemática individual será
sistematicamente recusada como politicamente
394 A atualidade das ideias de Paulo Freire

inconsequente se a ela não se chegar pelos problemas sociais.


Dizendo de outro modo, a proposta de arte desenvolvida
pelos Centros Artísticos de Cultura Popular nasce com um
caráter inclusivo (trazer o povo para reflexão e manifestação
no campo cultural) cultivo e tradição (reconhecer e valorizar
as manifestações culturais locais) e promove nas
comunidades a consciência crítica da sua realidade.
A função da arte dos CACPs está pautada pela
possibilidade de mudança em nível social, operando nas
comunidades como meio para a emancipação social. Como
já mencionamos anteriormente, a forte referência em Paulo
Freire, em sua concepção de educação popular e libertadora,
vinculava também aos CACPs a direção implementada para
a educação pública municipal, que passou desde a assunção
da Frente Popular do poder, a adotar uma nova proposta
teórico-metodológica baseada, em termos curriculares, nos
temas geradores. Nesse sentido, havia uma unidade de
pensamento tanto em termos da direção mais ampla da
Frente Popular, como em termos da relação concebida entre
educação e cultura.
Os conceitos construídos de arte e cultura durante a
administração da Frente popular, arte como inclusão social e
arte como conscientização nos apontam os caminhos pelos
quais as linguagens artísticas se inserem nos centros e o
percurso educativo que os professores desenvolvem nas
comunidades através das atividades de dança, teatro e
música.
No âmbito dos CACPs, os professores/educadores
começam estudos a partir dos escritos de Paulo Freire, em
especial os livros Pedagogia do oprimido e Pedagogia da libertação.
No documento 6 [Relatório de Atividades de 2003],
encontramos a seguinte menção:

Paulo Freire é legitimado pelo grupo como pesquisador,


pedagogo, estudioso de uma proposta fundamentada na
A pesquisa-ação como estratégia... 395

práxis, na dialogicidade, no contato com as diferentes


realidades e sua transformação a partir de um trabalho
emancipatório.

Ainda, no documento citado acima encontramos


evidências do trabalho de reflexão sobre as atividades
realizadas:

O que se propõe o projeto Centros Artísticos de Cultura


Popular - A inclusão através da Arte? A sensibilização às
linguagens artísticas? Espaço de reflexão de quem somos
(em nossa cidade, em nossa região, o que representamos
no país, no mundo) e o que produzimos culturalmente?
Disseminar uma ideologia partidária? O reconhecimento
de nossa cultura local e seus condicionantes históricos?
(Relatório de Atividades de 2003).

A relação entre educação e conscientização tão


presente na obra de Freire, conforme expressa o autor
quando afirma que “[...] uma educação deve preparar, ao
mesmo tempo, para um juízo crítico das alternativas
propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher seu
próprio caminho [...]” (FREIRE, 2005, p. 23), tem a
conscientização, processo pelo qual o cidadão se torna
libertário e liberto, como principal vetor, também na
arte/cultura, para a tomada de consciência, como
compromisso histórico. A construção de uma unidade de
pensamento dentro do campo cultural em consonância com
outros setores da gestão popular gerou, portanto, a
necessidade de formar nos professores ou agentes culturais,
o caráter de comprometimento, de engajamento, visando à
construção do campo cultural como um campo de reflexões.
Este objetivo está expresso no Documento 3 [Plano de ação
da Cultura 2001-2004], quando determina como pré-
requisito à exigência de uma “habilitação mínima para
396 A atualidade das ideias de Paulo Freire

ingresso e programa de formação continuada aos servidores


da cultura” (CHAPECÓ, [s.d., s.p.]).
A partir desse contexto, a arte desenvolvida no
interior dos CACPs concebe também espaços de discussão e
de formação para o grupo de professores. Fazendo
referência a esse caráter político-educativo que as
experiências culturais podem proporcionar e, fazendo
referência particular às experiências realizadas em gestões
populares, Chauí reafirma o caráter emancipatório da cultura
e da arte, uma vez que a

[...] capacidade de decifrar as formas da produção social


da memória e do esquecimento, das experiências, das
ideias e dos valores, da produção das obras de
pensamento e das obras de arte, sobretudo, é a esperança
racional de que dessas experiências e ideias, desses valores
e obras surja um sentido libertário, com força para
orientar novas práticas sociais e políticas das quais possa
nascer outra sociedade (CHAUÍ, 2006, p. 8).

Por esse aspecto, podemos inferir o caráter de


engajamento da arte nas atividades desenvolvidas com os
alunos e os CACPs se tornam também referências para o
coletivo, por suas características de envolvimento
comunitário, movimento de luta e de inclusão.
No CPC o artista revolucionário popular é
concebido como aquele que opta por ser povo, que, para
Hollanda (2004, p. 30),

[...] sua opção é moral. Sua ação política é um problema


de honra e doutrina [...] trata-se de um dever, de um
compromisso com o povo e com a justiça vindoura – a
revolução nacional e popular.

Nos CACPs, o agente cultural, denominado por


professor/educador popular, deve-se ter aptidões artísticas e
A pesquisa-ação como estratégia... 397

capacitação na linguagem desenvolvida dentro do campo


cultural, um leitor crítico de mundo e sociedade, que perceba
o aluno como um ser pensante, com limites e
potencialidades a serem desenvolvidas, numa pedagogia
dialética, que para Freire (1999, p. 28) se traduz num
processo gnóstico de: “dodiscência – docência-discência”.
Os CACPs apresentam no ano de 2002 a projeção
para formação de um grupo de professores com perfil
indicado para o trabalho popular em arte e cultura, “é um
debate a ser feito mediante a contratação dos professores
para o próximo ano” (CHAPECÓ, 2002, [s.p.]). Vejamos
qual é o perfil escolhido para o educador popular:
• Comprometido com as políticas educacionais nas ações
desenvolvidas com o educando;
• Que tenha postura de educador, percebendo o aluno
como um ser pensante, com vontades e sonhos;
• Que seja desafiador e desafiante;
• Que perceba, organize e articule a comunidade onde
atua, sendo elo de ligação entre o aluno – comunidade –
departamento de cultura;
• Que se sinta responsável pelo crescimento do projeto
centros artísticos (CHAPECÓ, 2002, [s.p.]).

No trabalho de formação com os professores,


tomaram-se, além de Paulo Freire, também as contribuições
de Henri Giroux. Este último, na tentativa de construir um
modelo teórico, aproxima-se também dos estudos de Paulo
Freire e Mikhail Bakhtin esboçando uma pedagogia
emancipatória. O uso da linguagem, considerado por
Bakhtin como um ato eminentemente social e político,
aprofunda a compreensão sobre a natureza da criação,
fornecendo subsídios para análise de como as pessoas
concebem valores e a partir de diferentes níveis do discurso.
Para Henry Giroux, Paulo Freire amplia e aprofunda
o projeto de Bakhtin, pois a experiência de Freire está
398 A atualidade das ideias de Paulo Freire

enraizada em uma visão da linguagem e de cultura na qual o


diálogo e o significado estão fortemente unidos a um projeto
social que enfatiza o campo político, além de trabalhar como
central na noção de fortalecimento social e político de uma
luta coletiva por uma vida sem opressão. Tanto Bakhtin,
quanto Freire trabalham a partir de uma visão de linguagem,
de diálogo, de cronotipo e de diferença, rejeitando uma
concepção totalizante da história.
Ambos fornecem um modelo pedagógico que se
inicia com as experiências concretas da vida diária. Os
autores percebem a necessidade de analisar como as
experiências humanas são produzidas, contextualizadas e
legitimadas dentro da dinâmica do cotidiano da sala de aula.
Conforme sublinha Freire (1978, p. 13), a arte popular se
desenvolve em oposição às classes dominantes, nascendo do
seio da cultura popular negada, sendo permanentemente
regida pela análise crítica dos valores, pois essa ação é
transformadora e se transforma sempre. Giroux (1988)
argumenta a favor do desenvolvimento de uma pedagogia
radical como forma de política cultural. Ainda para o autor:

A escola é a incorporação, histórica e estrutural, de


formas de cultura que são ideológicas. Ela dá significado à
realidade pelo modo como é frequente e ativamente
contestada e pelas diferentes maneiras como é
experienciada por indivíduos e grupos (GIROUX, 1988, p.
82).

O autor, citando Paulo Freire e Mikhail Bakhtin,


associa a pedagogia radical a uma forma de política cultural,
onde a linguagem, o significado e as práticas sociais
envolvidas num movimento dialético produzem um projeto
social que enfatiza a pedagogia emancipatória. A formação e
a qualificação dos professores, para atuar nos CACPs,
passavam por concepções de cultura como espaço de
formação humana. Conforme já mencionado, as atividades
A pesquisa-ação como estratégia... 399

culturais nos Centros eram desenvolvidas no formato das


aulas, sendo organizadas em termos de horas/aula, e turmas
estruturadas a partir de faixa etária. Nesse sentido,
poderíamos dizer que sua estrutura didática está inspirada no
caráter formal da educação. Tais contradições encontram
sentido na medida em que o projeto, como atividade inédita
está sendo construída com o grupo de professores e com a
relação nas comunidades.
Assim como a arte, os elementos culturais ganham
novos significados de acordo com o contexto social, de tal
forma que a cultura acaba se constituindo num conjunto de
sistemas de símbolos que articulam significados novos a cada
reelaboração, pois a arte como produção social é sempre
histórica, geradora de impulsos que modificam e
transformam tanto o contexto socioeconômico quanto o
contexto sociocultural.
Como já mencionado, até o início da gestão da
Frente Popular, a cultura do município é constituída por
concepções geradas pela elite chapecoense, na produção de
uma arte formal, com espaços definidos pela classe artística.
Contrapondo-se a essa perspectiva, a implementação do
Projeto dos Centros Artísticos de Cultura Popular
representou, do ponto de vista político, uma proposta
renovadora, com intenções transformadoras.
Os CACPs apresentam-se na esfera cultural de
Chapecó, como um projeto que propõe a popularização da
arte e da cultura, contrapondo-se à arte desenvolvida no
campo cultural do município até fins da década de 1990, que
tinha na Escola de Artes, na classe artística chapecoense, em
especial, nas artes visuais, nos escritores e em algumas
atividades na área privada, seus principais representantes. O
setor cultural mantém-se, por décadas, na reprodução de
uma arte acadêmica formal, não criando políticas públicas de
fomento à produção local; salvo algum tipo de apoio
400 A atualidade das ideias de Paulo Freire

institucional em nível estadual, na organização de mostras de


artes plásticas ou lançamento de livros.
A política cultural, apresentada pela Frente Popular a
partir de 1997 até 2004, promove no município uma
renovação em termos de concepções no setor;
implementando um projeto que tem, na arte, a linguagem de
aproximação com o povo e, na cultura, o espaço de
participação popular. As atividades artístico-culturais
desenvolvidas pelos CACPs, as aulas de dança, teatro e
música cumprem função de construir novos conceitos
pautados pela concepção de emancipação. As concepções de
engajamento político e articulação de consciência e
emancipação do indivíduo como mediação para consciência
crítica têm como fonte de inspiração os pressupostos dos
Centros Populares de Cultura da década de 1960, concebido
como proposta de renovação do cenário sociocultural
brasileiro, provendo reflexões em torno da arte nacional e
popular destinada à conscientização das massas.
Conforme já mencionamos, o OP constituiu-se no
mais importante canal de participação popular, e as
demandas para a área cultural ocorriam também no âmbito
das plenárias do mesmo. Uma vez apresentadas e definidas
as demandas culturais pela comunidade, constando,
portanto, no orçamento para o período, o líder comunitário
tornava-se o elo entre a comunidade e o setor cultural, tanto
na organização de espaço físico para a realização das
atividades (salões comunitários, salas anexas a igrejas,
escolas, programas socioeducativos etc.), como na
divulgação junto à comunidade. O processo de
descentralização das atividades culturais foi mantido até
2004, ocorrendo nesse ano a inclusão de novas comunidades
e a supressão de outras.
No que se refere às atividades desenvolvidas,
observa-se ainda o predomínio das atividades de dança,
seguidas daquelas relacionadas ao aprendizado da música em
A pesquisa-ação como estratégia... 401

diferentes instrumentos musicais. Ainda no que tange a


atuação da Fundação Municipal de Cultura e sua presença
junto à área cultural da cidade, vale registrar que, em que
pese à importância de sua criação, sua atuação nesse período
foi dificultada por problemas de ordem estrutural e política.
Por exemplo, a descontinuidade administrativa – num curto
espaço de tempo, menos de um ano de sua criação, a
presidência da Fundação já havia sido substituída três vezes
– fato que demonstrava conflitos, de ordem político-
administrativa, dentro do governo municipal. Outro fato a
mencionarmos é a destinação orçamentária, sempre restrita
quando destinava a atender as demandas culturais da cidade.

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404 A atualidade das ideias de Paulo Freire
II

O ENSINO DA ARTE NA PERSPECTIVA CRÍTICA


E A POSSIBILIDADE DE EMANCIPAÇÃO DOS
SUJEITOS

Sônia Maria Serena

INTRODUÇÃO

A visão contemporânea do currículo da área da Arte


tem colocado a necessidade de resgatar o valor da arte nas
escolas, como um saber e um fazer passível de reflexão e de
construções cognitivas; um conhecimento que pode ser
aprendido e ensinado também na escola (SERENA, 2012).
Moreira e Silva (1997) defendem a concepção de
currículo como um elemento que não é neutro na
transmissão do conhecimento social, cuja constituição é de
cunho cultural, social e histórico.
No entanto, ao analisarmos as políticas educacionais,
estas historicamente foram pautadas na perspectiva de
obedecer às demandas do mercado, com currículos
determinados por uma equipe de especialistas.
No Ensino da Arte temos várias concepções que
acompanharam a área ao longo dos tempos, ora como
conhecimento técnico, ora como concepção espontânea,
perdendo-se de vista a sua totalidade (BARBOSA, 1991).
Um exemplo clássico da concepção técnica do Ensino da
Arte foi o acordo MEC-USAID que orientava as políticas
educacionais no Brasil, na década de 1960.


Professora efetiva da EBM Severiano Rolim de Moura.
406 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Serena (2012) destaca a resistência a essa lógica que


emergiu, na década de 1960, com os estudos de Paulo Freire
a partir da inserção na educação de sua obra intitulada:
Pedagogia do oprimido. Na década de 1990, os estudos de
Barbosa (1991) aproximam-se de uma perspectiva crítica no
Ensino da Arte, gerando avanços no campo metodológico
visando à estética do cotidiano, a compreensão histórico-
cultural dos alunos, tendência que no Brasil recebe o nome
de Metodologia Triangular.
No Brasil, a Metodologia Triangular (BARBOSA,
1991) tem como pressuposto tratar Arte como um
conhecimento que pode ser abordado na conjunção das
ações de leitura de imagens, contextualização e fazer
artístico.
No período de 1997 a 2004, na vigência do
Movimento de Reorientação Curricular, o currículo de artes,
a partir do olhar popular crítico, buscou a construção de um
novo olhar, de um olhar mais sensível diante da arte; onde
esse olhar pressupõe incluir reflexões que venham a permitir
que educadores e alunos problematizem a realidade e passem
a atuar de forma mais consciente em seu cotidiano;
articulando-o com o saber acumulado, comparando-os,
analisando-os, assimilando conteúdos a serem incluídos na
prática social.
O movimento de reorientação curricular abrangeu os
diferentes níveis e áreas de ensino, entre eles, o ensino das
artes que iniciou um debate discutindo tempo, espaço,
sujeitos, conceitos, conhecimento, ensino-aprendizagem
junto à comunidade escolar (SERENA, 2012). Assim, a
Educação Popular, na perspectiva freireana, possibilitou o
repensar do currículo através da inserção da criança, jovem
ou adulto, no mundo social ou histórico como produtores
do saber. Nas palavras de Freire (2008, p. 81):
O ensino da arte... 407

[...] a educação como prática da liberdade ao contrário


daquela prática de dominação implica na negação do
homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo,
assim, também na negação do mundo como uma
realidade ausente do homem.

Nesta perspectiva, o currículo popular crítico buscou


dialogar com os diferentes saberes, a fim de construir
compreensões críticas da totalidade, com ênfase na
transformação social.
Partindo desta concepção no Ensino da Arte,
buscou-se desenvolver nos sujeitos a criticidade através do
pensar criticamente a prática e analisar qual a função do
conhecimento científico na educação dos sujeitos pensantes
e atuantes na e sobre a realidade em que vivem.
Buscando compreender a interferência deste
processo na formação dos educadores na área do Ensino da
Arte elaborou-se a seguinte questão de estudo: Como o
planejamento curricular da Arte a partir da realidade pode
superar conflitos e emancipar os sujeitos?

CONSTRUÇÃO CURRICULAR POPULAR CRÍTICA


NO ENSINO DA ARTE

A defesa de uma educação de qualidade social


suscitou a necessidade de construir uma educação inclusiva
de qualidade para as classes populares partiu de uma dessas
políticas, onde desencadeou na rede um movimento de
Reorganização Curricular nos diferentes níveis de
modalidade de ensino, dentre eles o Ensino de Arte.
Repensar o currículo naquele período, exigiu um movimento
interdisciplinar e coletivo que abrangeu todas as áreas do
conhecimento, incluindo o Ensino de Artes, o que envolveu
estudos e aprofundamentos teórico-metodológicos durante
o processo.
408 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Serena (2012) destaca que a opção pela Educação


Popular ganhou corpo a partir das discussões por uma
educação que garantisse, de fato, a formação da cidadania
das classes populares. Esta participação efetivou-se nos
diferentes fóruns, destacando o compromisso com a
democratização da escola pública e o intuito de desmobilizar
e desconstruir o modelo excludente de educação. Como
princípio da Educação Popular, a democracia é a condição
essencial para o envolvimento popular e a educação
libertadora, no sentido de construir uma nova práxis
educacional comprometida com a transformação da
realidade; seja ela social, cultural, política e econômica.
Neste sentido, o fazer pedagógico na Educação
Popular provocou um Movimento de Reorientação
Interdisciplinar, via Tema Gerador, desenvolvido nos
diferentes níveis de ensino (Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Educação de Jovens e Adultos).
Ao repensar um currículo, a partir da concepção
freireana, foi preciso buscar sua origem que se tornaram
conhecidas nos anos 60, principalmente com a publicação de
suas obras: Educação como prática da liberdade (1968) e Pedagogia
de oprimido (1975), onde a educação dos homens como
processo de libertação da opressão, da qual se encontravam,
foi proposta por Freire.
De acordo com o documento 5 (SÃO PAULO,
1992), quanto à área ainda chamada de Educação Artística,
foi produzindo um documento preliminar com a visão de
área. A visão de área, ora encaminhada aos educadores, veio
com o objetivo de ampliar a discussão sobre o Ensino da
Arte nas escolas propondo parâmetros para a construção de
programas pelos educandos.
Quanto a concepção de área, o movimento defende
o documento 5 (SÃO PAULO, 1992), que:
O ensino da arte... 409

Na instituição escolar, o trabalho artístico deve ter a


mesma naturalidade cultural que a do meio onde a escola
está inserida. O que se pretende é que se traga para a
escola a arte produzida na comunidade e que se
estabeleçam relações com o conhecimento universal em
arte.

Neste contexto, considera-se a arte como patrimônio


de todas as culturas e sociedades seja ela brasileira,
estrangeira, popular, erudita, primitiva, infantil, entre outros;
sem perder de vista sua contextualização histórica e seus
questionamentos contemporâneos. Tinha-se entendimento
que o ensino da arte teria uma estrutura dinâmica ou em
outras palavras, em constante mutação no sentido de estar
pretendendo refletir sempre através das mais diversas
possibilidades que as linguagens artísticas oferecem.
Na busca de tornar o Ensino da Arte uma tarefa
emancipadora, surgiu a necessidade de formular alguns
questionamentos para orientar a prática educativa com o
intuito de ser crítica e comprometida:

- Que conhecimentos se privilegiam ao ensinar?


- Qual o enfoque dado à disciplina?
- Estimula-se a capacidade criadora dos alunos para,
levantar hipóteses concluir e reelaborar conclusões?
- Qual a visão social que está subjacente aos conteúdos
apresentados? (SÃO PAULO, 1992).

Nesse sentido, o objetivo de conhecimento é a


própria arte, suas várias linguagens e códigos. Através de o
processo sentir, pensar, construir e expressar, o indivíduo
chega à produção artística. As experiências acumuladas
articulam o antigo e a nova constituição, assim, uma
aprendizagem significativa onde professores, colegas e o
meio desempenham um papel de mediação cultural e de
410 A atualidade das ideias de Paulo Freire

intervenção em área de “desenvolvimento potencial de


aluno” (VYGOTSKY, 1984).
Trazer presente a dialogicidade, a criticidade
epistemológica de Freire para o Ensino de Arte, exige um
esforço no sentido de entender qual a concepção de
educação o autor defende e como relacioná-la com o Ensino
da Arte. Nesse sentido, o desafio era como encaminhar um
movimento de reorientação curricular comprometido com a
melhoria da qualidade do ensino da escola pública voltado à
emancipação das comunidades excluídas? Como tendo em
vista o ensino da Arte, partir da superação das práticas
pedagógicas convencionais, perceber o processo de
conquista da autonomia da unidade escolar e a formação
permanente dos educadores se dando a partir de uma
construção coletiva?
Freire (2008) enfatiza o diálogo como um
pressuposto que antecede uma situação pedagógica, ou seja,
começa quando o educador se questiona em torno do que
vai dialogar. Sendo assim, a problematização passa a ser
parte do processo de construção do diálogo entre sujeito e
objeto. Entende-se que a tarefa do educador é problematizar
o conteúdo e não “despejá-lo” sobre os educandos. Como
observa Freire (2006, p. 81):

A tarefa do educador, então, é a de problematizar aos


educandos o conteúdo que os mediatiza, e não de
dissertar sobre ele, de dá-lo, de estendê-lo, de entregá-lo,
como se tratasse de algo já feito, elaborado, acabado,
terminado.

A partir do momento que o educador problematiza


os educandos, ao mesmo tempo, ele também se sente
problematizado e firmando, assim, como um ato dialético e
reflexivo. Ele ajuda pensar criticamente sobre o conteúdo. A
problematização tem a função de envolver os educandos na
O ensino da arte... 411

tarefa de pensar criticamente e de tirar suas próprias


conclusões sobre os fatos.
Na prática, o ato de problematizar envolve
procedimentos metodológicos que ajudam na organização de
um currículo crítico em relação aos sujeitos eticamente
envolvidos. Ao trazer presente o sujeito neste enfoque,
significa partir do reconhecimento do “outro” como ser
humano autor-reflexivo e autônomo. Nesse sentido, para
Freire (2006), é responsabilidade do processo educacional
assumir a transformação de situações desumanizadoras. A
prática educativa é entendida como possibilidade de
transformação das negatividades concretas do real. Ou seja,
a fala significativa, nesta concepção, é vista como ponto de
partida para um verdadeiro trabalho educacional.
Dessa forma, ao falar de um Ensino de Arte de
forma crítica e próxima da realidade dos alunos, a
problematização e a dialogicidade são categorias
fundamentais para a concretização do mesmo.
O conhecimento histórico sistematizado tem ênfase
partindo de situações-problema dicotomizadas pela
problematização. Portanto, organizar um currículo baseado
na investigação da realidade via Tema Gerador faz parte da
metodologia freireana.
Partindo dessa perspectiva, a Construção Curricular
popular crítica do Ensino da Arte em Chapecó provocou
outro olhar para o conhecimento e para a área, exigindo
muitos questionamentos, como: Por que ensinar Arte? Qual
a contribuição da área no entendimento dos problemas
vivenciados pela comunidade? Que sujeito se quer construir?
Que relações seriam estabelecidas com o ensino da arte e
com a aprendizagem? Qual seria a função do Ensino da Arte
e o comprometimento com a transformação social? A partir
dessas problematizações, buscou-se construir uma abertura
para o diálogo, tendo em vista estabelecer orientações para a
ação educativa.
412 A atualidade das ideias de Paulo Freire

O diálogo foi fundamental na busca do


conhecimento a ser trabalhado e foi preciso que a área se
colocasse a serviço da compreensão da realidade vivida pelos
educandos.
Organizar o fazer pedagógico, tendo como ponto de
partida os sujeitos, suas necessidades e suas visões de mundo
é preciso a investigação da realidade na qual os homens estão
inseridos. Investigação temática que, para Freire (2008, p.
116),

Se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais


crítica quanto, deixando de perder-se nos esquemas
estreitos das visões parciais da realidade, das visões
‘focalistas’ da realidade, se fixe na compreensão da
totalidade.

A Investigação Temática desafia refletir sobre a


sociedade que se tem e a sociedade que, de fato, se quer
construir através da tomada de consciência dos sujeitos e da
capacidade de no mundo intervir.
No Movimento de Reorientação Curricular,
trabalhou-se a partir da Investigação Temática proposta por
Freire (2008) com os aprofundamentos de Silva (2004),
sendo as etapas do processo organizados da seguinte forma:

a) Levantamento preliminar da realidade local;


b) Escolha de situações significativas;
c) Caracterização dos temas/contratemas geradores
sistematizados na rede temática;
d) Elaboração de questões geradoras;
e) Construção de programações;
f) Preparação das atividades para a sala de aula (SILVA,
2004, p. 7).

A construção curricular popular crítica do Ensino da


Arte, em Chapecó, levou em consideração estes
O ensino da arte... 413

aprofundamentos realizados por Silva (2004), referendando a


concepção freireana, utilizando-se da pesquisa participante,
da investigação temática; relacionando, assim, todas as áreas
do conhecimento.
A intenção deste movimento pedagógico foi
desafiadora para perceber que o conhecimento,
historicamente produzido, deve estar disponível de tal forma
que qualquer sujeito faça uso dele e para isso deve ser
apreendido.
Essa proposta apostou na capacidade de os
educadores construírem o próprio material didático
contrapondo-se aos que defendem o já pronto e acabado.
Foi essa dinâmica que influenciou e possibilitou a
reorganização curricular do Ensino da Arte no município de
Chapecó (SC).

METODOLOGIA

A pesquisa é de caráter qualitativo, pois se refere a


uma atividade de aproximação sucessiva da realidade, que
inclui uma combinação de teoria e dados, pensamento e ação
em contínuo movimento (MINAYO, 2007). O estudo faz
parte da dissertação de mestrado intitulada: “Currículo
Popular Crítico do Ensino da Arte a partir da realidade:
conflitos e possibilidades de emancipação dos sujeitos”
(SERENA, 2012).
A pesquisa é de caráter documental, sendo analisados
todos os documentos produzidos pela Secretaria de
Educação na gestão (1997-2004), a saber: Marco Referencial:
Marco Situacional e Princípios (1997); Revista Ler e Escrever a
Realidade para Transformações (1998); Revista Educação de Jovens e
Adultos (1998); Revista Educação com Participação Popular (2000);
Revista Movimento de Reorganização Curricular (2001); Caderno de
Áreas (Arte): uma reflexão sobre o conhecimento (2004).
414 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Os dados coletados nos materiais produzidos,


durante a vigência do Movimento de Reorientação
Curricular trouxeram subsídios para a reconstrução do
processo e análise do objeto de estudo. Os dados foram
interpretados e categorizados a partir da análise de conteúdo
(BARDIN, 1977), possibilitando a contextualização dos
fatos que envolveram o processo. Desta forma, foram
definidas as seguintes categorias: Participação como
princípio da democracia na educação; Currículo Popular
Crítico; Área da Arte no processo educacional numa
proposta de Educação Popular.

CATEGORIAS DE ANÁLISE

No tecer das relações, foram encontrados elementos


necessários que fundamentaram o processo de construção
curricular, entre eles, o trabalho coletivo, a participação, a
interdisciplinaridade e os princípios da Educação Popular.
Os estudos e trabalhos referentes à proposta
curricular foram pautados pela concepção freireana, cuja
intenção era desenvolver processos visando uma educação
que possibilitasse a participação dos diferentes sujeitos
envolvidos como ferramenta para pensar uma nova escola
com relações humanizadas.
A democracia aparece como eixo essencial e
organizador da política destacando a participação como
prática para a consolidação deste princípio sendo destacado
no documento Revista Educação com Participação Popular
(CHAPECÓ, 2000, p. 8), “[...] a democracia, no sentido
pleno, como princípio, meio e fins da política educacional.
Esta diretriz é condição essencial para a participação popular
e educação libertadora”.
Intensificou-se a participação dos segmentos da
comunidade escolar na construção da Educação Popular,
reafirmando o compromisso político, possibilitando uma
O ensino da arte... 415

maior abertura para o debate e decisões envolvendo os


sujeitos. O processo educacional apontou para a necessidade
de abertura de canais de participação colocando a escola a
serviço da conscientização da população que historicamente
foi excluída do processo educacional, político, econômico e
social.
A prática pedagógica e social passa a ser pensada
nesse processo pelos educadores, pais e estudantes,
mediados pela dialogicidade; revelando e possibilitando a
aproximação e compreensão da construção do
conhecimento.
As relações dialógicas, a ação coletiva em que os
sujeitos são ativos e exercem o papel de pesquisadores é
reconhecido no documento Revista Educação de Jovens e Adultos
(CHAPECÓ, 1998a), onde o processo da prática, teoria e
prática possibilitou aulas mais significativas tornando os
educandos mais participativos. De modo geral, as unidades
de registros apontam um “[...] sujeito participativo, que deixa
de ser agente passivo para tornar-se ativo ao processo de
ensino-aprendizagem, exercendo um papel de pesquisador
do conhecimento” (CHAPECÓ, 1998a, p. 11).
A perspectiva da participação popular, como
princípio para o desenvolvimento do trabalho pedagógico,
despertou uma importância significativa no entrelaçamento
entre sujeitos, contextos e processos, pautando uma nova
forma de construir o conhecimento.
A reorientação curricular foi construída numa
dinâmica pedagógica coletiva a partir de situações e relações
dialógicas e reflexivas fundamentadas na participação, nos
princípios da Educação Popular envolvendo todos os
sujeitos. Esta prática, portanto, representou desafios na
dinâmica pedagógica, no sentido da participação dos sujeitos
pautados na leitura da realidade sociocultural, estabelecendo
relações dialógicas na construção de práticas mais
transformadoras.
416 A atualidade das ideias de Paulo Freire

b) Currículo Popular Crítico;


Registros referentes às Bases e Orientações
epistemológicas da Arte pelo documento Revista ler e escrever a
palavra para transformá-la (CHAPECÓ, 1998b, p. 8) traz
presente a necessidade do envolvimento de outras práticas
pedagógicas para a construção de um currículo, afirmando
que:

Torna-se fundamental para a construção de uma outra


prática pedagógica ter presente a história dos movimentos
não oficiais de reorientação curricular, dos movimentos
de resistência dentro das redes pública, da Educação
Infantil à Universidade e de experiências pontualizadas
em todo o país.

Reafirma a importância de observar e problematizar


o trabalho no dia a dia dos sujeitos descrevendo a educação
como mediadora para a construção da democracia e que o
saber não deve ser algo padronizado a que os ciclos de
formação têm, conforme consta na Revista Ler e Escrever a
Realidade para Transformá-la (CHAPECÓ, 1998b, p. 28):

[...] como princípio fundamental compreender os sujeitos


não se desenvolvem de forma igual e ao mesmo tempo;
que o conteúdo de sala de aula não é predeterminado,
pois a criança não vive numa única realidade.

O diálogo passa a ser o processo de teorização e não


uma técnica para a instrumentalização, envolvendo
construção e formação coletiva e não transmissão de forma
individual.
Com a investigação participativa, buscou-se
problematizar e sistematizar as negatividades que aparecem
em redes e conceitos entendendo que essa apreensão crítica
da realidade é, de fato, a teorização que propicia planos de
O ensino da arte... 417

ação intervencionistas. O conhecimento surge da


necessidade do homem em procurar respostas, gerando
questionamentos para conhecer e intervir na realidade. Essa
metodologia pressupõe o acreditar no crescimento do
indivíduo no grupo, na pergunta, no conflito, na participação
como forma de apropriação, construção e reconstrução do
saber.
A Educação Popular possibilitou o sujeito a
inquietar-se, curiosidade e sentir-se ligado ao projeto coletivo
e histórico de homem. Mulher e sociedade que deseja
construir.
A reflexão sobre o conhecimento focou o currículo
como movimento que provoca descoberta, transforma e
mexe com os educadores. Destaca-se no documento
caderno de áreas:

Concebe-se o currículo como conjunto de práticas


socioculturais que, de forma explícita ou implícita,
consciente e intencional, ou incorporada de maneira
acrítica, se inter-relacionam nas diferentes instâncias e
momentos de espaço/tempo escolar, assumindo uma
intervenção pedagógica emancipatória na prática
educativa convencional. Parte-se do conflito para chegar a
um currículo significativo e contextualizado (CHAPECÓ,
2004a, p. 7).

Esse movimento é reflexo da política educacional


que naquele momento colocou em pauta questões
educacionais, como acesso, permanência, qualidade de
ensino para as classes populares. O movimento de
reorientação curricular caracterizou-se pela valorização das
práticas pedagógicas já existentes na rede, do trabalho
coletivo, da formação dos educadores, tendo na práxis o
processo de desconstrução/reconstrução crítica de cada
espaço.
418 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Faz-se necessário desenvolver atividades que,


problematizadas, desenvolvem as contradições presentes na
prática pedagógica tradicional. A pesquisa sociocultural
precisa ser desencadeada como necessidade pedagógica para
buscar falas na comunidade que, de fato, expresse situações
significativas e conflitantes, concebidas como situações
limites, temas e contratemas; partindo sempre do olhar dos
educandos.
A Educação Popular é vista como um organismo
vivo, uma estrutura dinâmica construída por uma autonomia
que conduz para a prática da libertação e transformação. E o
educador não é somente aquele que desenvolve sua aula
recebendo receitas de um grupo, trabalho de sala de aula
exige espaços de construção coletiva sobre ações educativas,
onde o educador possa criar, recriar, pensar a sua própria
prática construindo-a através da teorização.
A escola deve ser planejada coletivamente, desde as
grandes até as pequenas ações do dia a dia. Uma escola sem
esse planejamento não possibilita a transformação. O Caderno
de áreas: uma reflexão sobre o conhecimento (CHAPECÓ, 2004a, p.
10) cita que

[...] o processo de construção curricular coletiva demanda


registrar concepções de mundo e sistematizar discussões
em seus diferentes momentos de análise da realidade
problematizada.

Nesta perspectiva, pensar na educação de forma


coletiva é muito mais que pensar na escola. É se colocar na
posição de quem ajuda construir um novo projeto de
sociedade. É pertinente que enquanto espaço de
organização, a escola tem que ter objetivos coletivos que
levem à construção de tal projeto. Pensar com antecedência
os momentos de estudo, planejamento e avaliações onde as
reflexões sejam contidas e sistematizadas. Dessa forma,
O ensino da arte... 419

educadores e educandos conseguem fazer a relação do


“micro” para o “macro” da construção social.
A Educação Popular enquanto prática surge, neste
contexto, como uma opção política que rompe com o
modelo excludente de educação e desafia propondo a
construção de uma nova estrutura baseada na concepção do
materialismo histórico-dialético. Os documentos apontam
que a própria opção foi um processo que veio se
construindo nos movimentos de estudos, debates e decisões
coletivas, definindo a Educação Popular como um fio
condutor de toda a proposta teórico/prática/prática da Rede
Municipal de Educação.
A escola coloca-se a serviço da conscientização da
população. O professor passa a ter função política com
responsabilidade social acreditando na autonomia dos
sujeitos. O documento Educação com Participação Popular
(CHAPECÓ, 2000, p. 36) indica que “[...] a prática da
Educação Popular valoriza e considera o conhecimento que
o indivíduo traz consigo [...]” e, mediado pela dialogicidade,
respeita os diferentes saberes e diferentes culturas protegidas
pelos grupos populares.
A pesquisa participante como forma de conhecer a
realidade, os conteúdos e temáticas sistematizadas a partir da
realidade são consideradas como práticas, reafirmando que o
conhecimento se constrói a partir da relação com o outro; e
com a função de se colocar a serviço da justiça e da
cidadania (SERENA, 2012). Considera que esta prática
resulta num currículo vivo que reafirma a ação humana e
pauta a participação dos sujeitos, articulando a produção de
conhecimentos significativos.
Partindo da sociedade, o currículo popular crítico
pressupõe uma prática organizada a partir do Tema Gerador,
onde o conhecimento significativo da realidade local, os
níveis micro e macrossociais, a dialética entre conhecimentos
420 A atualidade das ideias de Paulo Freire

e seus limites explicativos foram indicativos, como


parâmetros epistemológicos para um projeto pedagógico.
Sendo assim, os programas construídos
coletivamente, a sistematização dos dados, as redes temáticas
direcionaram os caminhos para cada especificidade e
possibilitou identificar conceitos a serem trabalhados com
crianças, jovens e adultos contribuindo com as possíveis
mudanças no cotidiano de cada sujeito, nas instituições e no
processo de ensino-aprendizagem (SERENA 2012). Nesta
perspectiva de educação emancipatória, popular crítica,
comprometida com a denúncia das negatividades, procura
ressignificar e devolver à prática sociocultural seu caráter de
humanização coletiva, desvencilhando de seu papel
alienador.
A problematização curricular desvela as disputas
presentes na comunidade, atuando no sentido de descobrir
historicamente os conflitos, buscando através da organização
coletiva uma nova forma de selecionar e produzir
conhecimentos na comunidade escolar. Para Silva (2004, p.
205),

[...] o conflito, ao explicitar diferentes concepções sobre


uma mesma realidade em confronto, pode facilitar o
distanciamento epistemológico do real vivenciado,
ampliando as possibilidades e os horizontes de apreensão.

Podemos, dessa forma, compreendê-los, não os


restringindo a um enlace entre as representações culturais,
mas também como paradigmas de percepção e
representação social onde as práticas sociais são organizadas.
Portanto, este é o diferencial de um currículo
popular crítico, pautando a valorização dos sujeitos como
agentes ativos no processo curricular onde a prática
pedagógica procura ser um movimento dinâmico e
questionador. Esta concepção de construção curricular
voltada à Educação Popular relaciona prática e teoria à
O ensino da arte... 421

construção do conhecimento, num processo crítico para


entender a realidade.
Um currículo crítico a partir da realidade,
necessariamente é preciso refletir sobre o papel social da
escola e de todas as áreas do conhecimento, fundamentado
por Freire (2006, p. 95):

A educação crítica é a futuridade revolucionária [...]. Ela


se identifica, portanto, com o movimento que
compromete os homens como seres conscientes de sua
limitação, movimento que é histórico e que tem o seu
ponto de partida, o seu sujeito, o seu objetivo. Esse ponto
de partida encontra-se nos próprios homens. Mas já que
os homens não existem fora do mundo, fora da realidade,
o movimento deve começar com a relação homem-
mundo.

Torna-se fundamental o conhecimento da realidade


porque pensar o currículo envolve discutir as concepções
entre educadores que, para Freire (1998, p. 31), reforça a
importância do papel do educador problematizador que não
se limita apenas no ensinar, mas no pensar certo. Conforme
Silva (2004), todo o currículo pressupõe uma concepção de
sujeitos, contextos e processos para que as práticas sejam
organizadas.
A área da Arte no Município de Chapecó, numa
perspectiva crítica, apontou para a necessidade da formação
de organização coletiva e no diálogo reflexivo, onde o
conteúdo da Arte ganhou outra dimensão enquanto área do
conhecimento.

c) A área da Arte no processo educacional numa


proposta de Educação Popular.
As afirmações, referências das ocorrências quanto ao
Ensino da Arte, enfocam a necessidade de compreendê-lo
primeiramente dialogando em outra concepção como
422 A atualidade das ideias de Paulo Freire

destaca o documento Revista Educação de Jovens e Adultos


(CHAPECÓ, 1998a, p. 21). Concepção mediada pelo
diálogo tem o Tema Gerador como objeto de estudo para
ter compreensão entre uma ação e reflexão, entre teoria e
sua prática:

Parte-se de uma realidade, da leitura do mundo no nível


de senso comum, busca-se recortes do conhecimento
científico e leva-se à reflexão, dessa ação, teorização,
provocando assim rupturas, ampliações na visão inicial
apresentada pelos educandos e levando-os assim a uma
ação transformadora (CHAPECÓ, 1998a, p. 21).

Optar por uma prática pedagógica voltada à


Educação Popular não é tarefa fácil. Significa despojar-se de
alguns hábitos, dogmas e percorrer o caminho inicial
ouvindo o outro. Aprender incluir o outro através do
diálogo e com atividades desafiadoras efetivando essa prática
que, parafraseando Freire (2008, p. 91), deve ser “um ato de
criação”. Nesse sentido, o trabalho como o Tema Gerador
ressalta o diálogo como interlocução e como ponto de
partida do conhecimento. Freire (2008, p. 96) ressalta que:

Para essa concepção como prática da liberdade, a sua


dialogicidade comece, não quando o educador/educando
se encontra como educando/educador em uma situação
pedagógica, mas antes, quando aquele se perguntar em
torno do que vai dialogar com estes. Essa inquietação em
torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno
do conteúdo programático da educação.

O trabalho com o Tema Gerador torna-se um


referencial que pode desencadear uma leitura mais crítica da
sociedade, entendendo que o conhecimento só constrói a
partir da relação com o outro e com o objeto a ser
conhecido na ação-reflexão-ação. Portanto, conhecer a
O ensino da arte... 423

realidade local torna-se pertinente no processo ensino-


aprendizagem, mas como princípio básico para estabelecer
um diálogo consistente entre os sujeitos que procuram
compreender melhor a realidade vivida em seus problemas,
necessidades e conflitos.
Partindo desse enfoque, o documento Movimento de
Reorganização Curricular (CHAPECÓ, 2001, p. 33)
redimensiona a área da arte e sua função:

Recuperar a arte como forma de conhecimento, trabalho,


expressão, é buscar esta totalidade para dar conta da
necessidade humana de expressão, afirmação e interação
com a realidade através do trabalho artístico.

Trabalhá-la a partir da realidade pressupõe romper


com a tradução cultural seletiva e colocar o acervo dos
conhecimentos sistematizados não só da arte, mas, enfim, de
todas as áreas à disposição dos sujeitos (SERENA, 2012).
Daí a necessidade de problematizar e priorizar o que
realmente é pertinente para os educandos ou comunidade
escolar como um todo.
O documento Movimento de Reorganização Curricular
(CHAPECÓ, 2001, p. 3) coloca que, sendo assim,

[...] o processo de construção do conhecimento por seu


caráter político educativo está a serviço da justiça da
inclusão crítica, da vivência plena da cidadania,
comprometido com a humanização da sociedade.

O ensino da arte foi ressignificado a partir da


concepção freireana, trabalhando mais a sua totalidade a
partir de questões, diálogo, aprofundamento teórico focando
para uma ação educativa. A arte mais próxima do povo e
este se sentindo capaz de também produzi-la.
O documento Caderno de Áreas: uma reflexão sobre o
conhecimento referencia que:
424 A atualidade das ideias de Paulo Freire

A arte faz parte das formas do conhecimento humano.


Seu lugar na escola pública, em todas suas linguagens,
música, plástica, teatro e dança é inquestionável, porque
uma proposta de Educação deve considerar e vivenciar o
conhecimento artístico como direito de todos
(CHAPECÓ, 2004a, p. 21).

E sendo direito, ela possibilita refletir sobre as


mudanças da vida contemporânea contribuindo na
conscientização dos sujeitos. O mesmo documento coloca
que a arte faz parte das formas do conhecimento humano,
com todas as suas expectativas, considerando que:

O ensino da arte é um processo de articulação da


experiência, da relação do indivíduo consigo mesmo, pois
através da criação, diálogo com a experiência acumulada
pelo sujeito em ação, relaciona o antigo e o novo através
de uma transformação que respeita o sujeito e o objeto a
ser conhecido (CHAPECÓ, 2004a, p. 26).

Este novo jeito de olhar a arte foi possível criar


novas visões de mundo e de sociedade, onde produzida pela
comunidade estabeleceu relações entre os saberes. Pois,
conforme cita no Caderno de Áreas (CHAPECÓ, 2004a, p.
26), “[...] o ensino da arte deve ter uma estrutura dinâmica,
mutável, com muitas reflexões nas diferentes linguagens
artísticas [...]”, que, de forma interdisciplinar, compõe com
conteúdos próprios, claros, respeitando a evolução e o
processo de construção do conhecimento de cada indivíduo.
Pode-se afirmar que a concepção freireana possibilita
o registro do diálogo reflexivo e analítico entre os olhares e
linguagens, entre pensamentos e concepções de realidade.
Sendo assim, o ensino da arte, conforme o documento
Caderno de Área (CHAPECÓ, 2004a, p. 27), “deve estar em
consonância com a contemporaneidade”. Ou seja, o espaço
de aprendizagem deve ser o laboratório, o atelier onde as
O ensino da arte... 425

pesquisas, as técnicas são criadas e recriadas. A criatividade é


redimensionada porque o processo criador é vivo e
dinâmico. Partir da realidade significa que tanto a pesquisa,
quanto a construção do conhecimento são valores para
educando e educadores. O rompimento com a relação
sujeito/objeto do ensino tradicional desafia o ensino da arte
a estar necessariamente ligado ao interesse de quem deseja
aprender.
Portanto, essa concepção metodológica de conceber
o ensino da arte rompe barreiras de exclusão destacando a
prática educativa não como um dom, mas sim como
capacidade de experiência de cada sujeito. A capacidade de
desenhar, escrever, representar, dançar, tocar, declamar,
discursar é estimulada pela vivência aonde cada um vai
sentindo-se seguro e capaz. Partindo desse princípio, o
interesse pelas atividades aumenta e os participantes se
reconhecem como construtores de seus próprios caminhos.
A unidade de registro do Caderno de Áreas lembra
que:

A concepção da arte no espaço implica numa expansão


do conteúdo de cultura, ou seja, toda e qualquer produção
e as maneiras de conceber e organizar a vida social são
levadas em consideração. Cada grupo inserido nestes
processos considera-se pelos seus valores e sentimentos e
são atores na construção e transmissão dos mesmos [...].
A cultura está em permanente transformação, ampliando-
se e possibilitando ações que valorizam a produção
(CHAPECÓ, 2004a, p. 28).

Dessa forma, reafirma o elo entre teoria e prática


tornando o ensino e a aprendizagem da arte uma prática
significativa para quem dela participa.
A arte deixa finalmente de ser apêndice pedagógico e
toma seu lugar enquanto conhecimento, enquanto criação,
estética e produção humana.
426 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Uma proposta educacional onde o espaço público


está a serviço do interesse comum do sujeito coletivo, a
prática o torna autores capazes de recriar a realidade escolar.
Desafiam-se nesse caminhar as perspectivas, diretrizes ético-
críticas e político-epistemológicas e pressupostos capazes de
permear a política educacional comprometida com a
construção dialógica do Projeto Político-Pedagógico com
práticas transformadoras e humanizadoras. A proposta
considera o educando como um sujeito que aprende
construindo, produzindo e reconstruindo saberes e
conhecimentos a partir de suas experiências de vida.
O movimento de reorganização curricular popular
crítico precisa fazer parte da política de formação
permanente dos segmentos da comunidade.
Necessariamente deve ser dialógica, fundamentada na análise
crítica e transformadora da realidade social.
Tratando-se de Ensino da Arte, o documento Revista
Movimento de Reorganização Curricular indica que:

O Ensino da Arte, de acordo com a concepção, é um


processo de articulação da experiência, de significação, da
relação com o indivíduo e consigo mesmo. O que se
pretende é que se traga para a escola a arte produzida na
comunidade estabelecendo relações com o conhecimento
universal da arte (CHAPECÓ, 2000, p. 33).

Portanto, para construir uma articulação reflexiva da


realidade levando em conta a construção dos indivíduos
enquanto sujeitos críticos e conscientes, de suas
possibilidades de alterar o contexto social e de sua prática
pedagógica, desafia-nos a fazer um movimento de
problematização da realidade. E o melhor ponto de partida,
segundo Paulo Freire, é a inclusão do ser humano. Discutir o
sujeito é preciso compreender, refletir, perceber a
organização social, o que vai sendo modificado ao longo do
tempo. Como um sistema econômico político social de
O ensino da arte... 427

reprodução interfere na educação, na comunidade, nos


signos e significados, na expressão até simbólica dos
indivíduos, na formação de conceitos, nas suas escolhas
pessoais, nas relações sociais e no seu jeito de criar, sentir e
vivenciar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise desta pesquisa esteve voltada


prioritariamente para os documentos sistematizados e
publicados na gestão de 1997 a 2004, onde se constatou a
implementação de processos do movimento de
reorganização curricular popular crítico.
No estudo, tendo como objetivo o Ensino da Arte, a
construção e sua implementação a partir da concepção
freireana, percebeu-se uma ruptura com os modelos
pedagógicos convencionais. Alguns pontos foram
significativos neste processo, sendo destacados o
conhecimento da realidade como ponto de partida, as redes
temáticas para seleção e recortes do conhecimento a serem
trabalhados em sala de aula. Outro elemento fundamental foi
o trabalho coletivo e interdisciplinar permeado com o
diálogo dos saberes tanto dos educandos como dos
educadores.
A partir do momento que o coletivo escolar foi
assumindo conscientemente a autoria da própria prática e
seu papel na construção social, percebeu-se um rompimento
com a tradição política anterior anunciando novos
significados dessa prática. Ou seja, anunciava-se uma
abertura e maior participação pela comunidade escolar,
construções democráticas de participação das decisões e
encaminhamentos pedagógicos, eleições para escolha de
dirigentes e valorização dos serviços públicos.
Porém, nesta perspectiva constatou-se que só foi
possível a construção e organização de uma teoria crítica
428 A atualidade das ideias de Paulo Freire

capaz de superar a demanda que essa prática propõe, com


sujeitos coletivos e necessariamente envolvidos na ação
educativa. Esse movimento não foi linear, mas sim pautado
com tropeços e recuos, intercalados com avanços e
dificuldades em sua construção.
A participação democrática e efetiva de todos os
envolvidos nesse processo revela-se como condição básica
para construir-se e desenvolver uma educação capaz de criar
oportunidades reflexivas nas ações coletivas de forma
qualitativa.
A participação é evidenciada no processo pedagógico
a partir do Tema Gerador onde possibilitou um
reordenamento do espaço sociocultural escolar resgatando o
papel humanizador da pedagogia, tomando a pesquisa
participante como instrumento organizador e criador do
processo educacional.
As análises realizadas revelam a importância da
pesquisa participante e desenvolvida quanto ao Ensino da
Arte apontando uma direção problematizadora sobre quem
são os sujeitos, que funções têm os espaços pedagógicos e a
importância do trabalho coletivo na construção de propostas
com trocas de experiências, estudos e aprofundamento
teóricos e práticos.
As análises realizadas destacam o projeto
interdisciplinar via Tema Gerador, sendo orientado pela
intervenção crítica na prática educativa, concebendo um
currículo como processo e não como produto. Consolidou
conhecimento significativo da realidade (micro e macro)
estabelecendo uma relação dialética entre os conhecimentos
e os limites explicativos do projeto interdisciplinar.
A epistemologia curricular, que foi sendo construída
coletivamente com enfrentamentos de conflitos, expôs
limites e contradições das práticas cotidianas, mas também
ofereceu alternativas que partiram dos sujeitos,
O ensino da arte... 429

possibilitando espaços de reflexão e disputas entre as


concepções e diferentes interesses.
A organização curricular foi permeada pela
investigação temática, estabelecendo a intencionalidade
pedagógica pela pesquisa socioantropológica, possibilitando
o diálogo com os diferentes sujeitos na construção de um
currículo participativo.
É importante destacar que esse processo direcionou
caminhos para cada especificidade, identificando conceitos
possíveis de trabalhar com os educandos nos diferentes
níveis, desafiando mudanças no cotidiano, seja no processo
ensino-aprendizagem, seja nas instituições e na postura dos
sujeitos envolvidos.
A gestão democrática passou a ser uma necessidade
pedagógica e, por assim ser, demarca um diferencial entre o
que se vinha fazendo, imbuído de uma concepção dialógica,
ressaltando a necessidade de um trabalho que não termina
quando se encontram os “conteúdos” a serem trabalhados,
mas inicia um processo relacional incorporado como um
sujeito histórico.
No contexto geral do processo da construção
curricular pode-se destacar que as bases e orientações
epistemológicas do currículo popular crítico vivenciado e
construído pela Rede Municipal de Educação de Chapecó,
especificamente para o Ensino da Arte, edificou-se numa
perspectiva sociológica da prática educativa, incitando um
novo olhar para todas as áreas do campo educacional.
O currículo Popular Crítico construído a partir da
concepção freireana situa-se a participação no campo
pedagógico como um eixo fundamental na organização
curricular focando a criança, jovens, adultos, professores,
pais como sujeitos participantes. A partir da problematização
das práticas e da lógica escolar, foi-se construindo outro
olhar para a educação em Chapecó. As práticas pedagógicas
a partir da dialogicidade, da metodologia dialética do
430 A atualidade das ideias de Paulo Freire

conhecimento, do planejamento coletivo, da realidade,


constroem sujeitos pensantes e atuantes sobre os fazeres.
Portanto, só é possível estabelecer um processo de
transformação que efetive a vivência da autonomia escolar
com um trabalho coletivo comprometido com a participação
dos diferentes segmentos. Ou seja, o diálogo com os
movimentos sociais, Igrejas, sindicatos, associação de
moradores precisa fazer parte das decisões pedagógicas.
Uma das formas de iniciar esse diálogo na busca de construir
práticas curriculares pode ser a pesquisa sociocultural na
comunidade. Compreender o currículo dessa forma implica a
consolidação de uma base teórica interdisciplinar de apoio à
ação pedagógica.
Enfim, o movimento de reorientação curricular a
partir de uma abordagem dialética exige um diálogo
constante com as diferenças, com os conflitos e
contradições, mas com uma postura aberta para as
transformações. É neste contexto que a construção de um
currículo crítico, comprometido com a emancipação das
comunidades, através da prática educativa, se configurou
como um diferencial no período de 1996 a 2004 em
Chapecó. Diferencial que fez repensar nossa prática e nos
tornou sujeitos mais criativos, críticos e humanizados e o
conhecimento da Arte mais expressivo, mais dinâmico, mais
significativo, mais próximo da comunidade como um novo
olhar: um olhar mais popular, mais crítico.
Para concluir, ressalto como observação que esse
movimento educacional ousado, foi vivenciado com muitas
dificuldades, conflitos e tensões, mas, todavia, constitui-se de
uma grandeza sem tamanho, com indicadores que ampliaram
o conceito de qualidade educacional. Caracterizou-se como
testemunho da possibilidade de construir currículo numa
perspectiva crítico-transformadora. Serviu de debate e de
fonte investigativa para educadores de diversos municípios
refletirem suas práticas e acreditar que é possível sermos
O ensino da arte... 431

sujeitos das próprias ações e capazes de construirmos a


própria história de forma criativa, dialógica, humana e
emancipatória.

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AS ORGANIZADORAS

Nadir Castilho Delizoicov – Graduação em Ciências


Biológicas. Mestre e Doutora em Educação pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina (PPGE/UFSC). Professora na Universidade
Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) onde atua
no Curso de Mestrado em Educação. Professora
Colaboradora no Programa de Educação Cientifica e
Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina
(PPGECT/UFSC). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa
Ensino e Formação de Professores, (Unochapecó)
cadastrado no CNPq.
436 A atualidade das ideias de Paulo Freire

Geovana Mulinari Stuani – Graduação em Ciências


Biológicas. Mestre e Doutora pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação Científica e Tecnológica da
Universidade Federal de Santa Catarina (PPGECT/UFSC).
Membro do Grupo de Pesquisa PALAVRAÇÃO
(Unochapecó), cadastrado no CNPq.
A organizadoras 437

Suzi Laura da Cunha é Mestre em Educação pela


Universidade Comunitária da Região de Chapecó
(Unochapecó), onde atua como professora na Licenciatura
em Pedagogia. Participa como pesquisadora do grupo de
pesquisa Ensino e Formação de Professores, cadastrado no
CNPq.
438 A atualidade das ideias de Paulo Freire
A organizadoras 439
440 A atualidade das ideias de Paulo Freire

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