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Editorial |
Editorial | PG 04
01 |
01 | GREGORY CORSO: A POESIA QUE NÃO PODE SER DESTRUÍDA | DESTRUÍDA | Ensaio de Márcio Simões (1979)
sobre Gregory Corso. | “Uma descrença e vontade demolidora com relações às ideias que comandam as
subjetividades perpassam seus poemas, onde se aliam à compreensão de que tudo que constrange o ser e o
impede de aceitar o instante de maneira plena é um mal à vida. Sua poesia valoriza a experiência sensível
imediata, não mediada por juízos de valor. Está empenhada em se ver livre de toda limitação de pensamento.” |
Texto completo.
completo. | PG 07
02 | GUSTAVE MOREAU Y LA EXQUISITA FEMINIDAD | Ensayo de Jorge Leal Labrin (1953) sobre
Gustave Moreau. | “Piel tersa, blanca transparente, sonrosada. El maestro de finísimas formas, de diosas
perfectas, conjuga lo carnal en el límite de lo celestial y de la lujuria; revela aquello exquisito en las mujeres: su
carne que manifiesta a susurros las más grandes fantasías y pasiones. Moreau, como ningún otro, pudo sentir en
las sombras la furia del color y su luminosidad en aquellas zonas de cuerpos palpitantes e irradiantes.” | Texto
completo.. | PG 12
completo
04 |
04 | JEAN-CLAUDE CARRIÈRE: O ROTEIRISTA E O BUDISMO | Betty Milan (1944) entrevista a Jean-
Claude Carrière (1931). | “Jean-Claude Carrière se diz um contador árabe e nos explica por que é tão necessário
contar, escrevendo: ‘Contar e matar, contar e morrer frequentemente parecem ligados. Por que Xerazade, com os
seus mil e um contos, afasta de si a morte? Pela equivalência existente entre a história e a vida, mas, sobretudo,
porque contar é matar e vencer a morte’.” | Texto completo.
completo. | PG 25
05 |
05 | MANUEL MONESTEL: MUDAR LA PIEL AL SON DEL CALYPSO LIMONENSE… | Alfonso Peña
(1950) entrevista al músico Manuel Monestel (1950). | “En Manuel Monestel, se distinguen dos vertientes bien
cimentadas: el investigador y el artista. A lo largo de treinta años, esta ósmosis lo ha llevado a divulgar el calypso
limonense en sus diferentes facetas: con su banda Cantoamérica
Cantoamérica y 12 producciones discográficas, donde el
calypso ocupa un lugar
lugar destacado; lo mismo se puede
puede argüir en su labor de rescate de las leyendas del calypso
limonense. Esto se advierte en la fina grabación y producción que realizó junto al pianista Manuel Obregón en
Leyendas
Leyendas del Calypso
Calypso Limonense
Limonense .” | Texto completo.
completo. | PG 32
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Editorial |
Editorial | PG 04
01 |
01 | GREGORY CORSO: A POESIA QUE NÃO PODE SER DESTRUÍDA | DESTRUÍDA | Ensaio de Márcio Simões (1979)
sobre Gregory Corso. | “Uma descrença e vontade demolidora com relações às ideias que comandam as
subjetividades perpassam seus poemas, onde se aliam à compreensão de que tudo que constrange o ser e o
impede de aceitar o instante de maneira plena é um mal à vida. Sua poesia valoriza a experiência sensível
imediata, não mediada por juízos de valor. Está empenhada em se ver livre de toda limitação de pensamento.” |
Texto completo.
completo. | PG 07
02 | GUSTAVE MOREAU Y LA EXQUISITA FEMINIDAD | Ensayo de Jorge Leal Labrin (1953) sobre
Gustave Moreau. | “Piel tersa, blanca transparente, sonrosada. El maestro de finísimas formas, de diosas
perfectas, conjuga lo carnal en el límite de lo celestial y de la lujuria; revela aquello exquisito en las mujeres: su
carne que manifiesta a susurros las más grandes fantasías y pasiones. Moreau, como ningún otro, pudo sentir en
las sombras la furia del color y su luminosidad en aquellas zonas de cuerpos palpitantes e irradiantes.” | Texto
completo.. | PG 12
completo
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04 | JEAN-CLAUDE CARRIÈRE: O ROTEIRISTA E O BUDISMO | Betty Milan (1944) entrevista a Jean-
Claude Carrière (1931). | “Jean-Claude Carrière se diz um contador árabe e nos explica por que é tão necessário
contar, escrevendo: ‘Contar e matar, contar e morrer frequentemente parecem ligados. Por que Xerazade, com os
seus mil e um contos, afasta de si a morte? Pela equivalência existente entre a história e a vida, mas, sobretudo,
porque contar é matar e vencer a morte’.” | Texto completo.
completo. | PG 25
05 |
05 | MANUEL MONESTEL: MUDAR LA PIEL AL SON DEL CALYPSO LIMONENSE… | Alfonso Peña
(1950) entrevista al músico Manuel Monestel (1950). | “En Manuel Monestel, se distinguen dos vertientes bien
cimentadas: el investigador y el artista. A lo largo de treinta años, esta ósmosis lo ha llevado a divulgar el calypso
limonense en sus diferentes facetas: con su banda Cantoamérica
Cantoamérica y 12 producciones discográficas, donde el
calypso ocupa un lugar
lugar destacado; lo mismo se puede
puede argüir en su labor de rescate de las leyendas del calypso
limonense. Esto se advierte en la fina grabación y producción que realizó junto al pianista Manuel Obregón en
Leyendas
Leyendas del Calypso
Calypso Limonense
Limonense .” | Texto completo.
completo. | PG 32
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09 | THOMAS RAIN CROWE FALA SOBRE CRACK LIGHT , OS MOUNTAIN POETS E O MEIO
AMBIENTE |
AMBIENTE | Entrevista de Bill Graham (1966) a Thomas Rain Crowe (1949) | “Eu cresci no condado de Grahan
falando o que é chamado agora de fala ou dialeto de Southern Moutain. É uma linguagem própria – quase uma
linguagem estrangeira, pelo menos pra quem chega nesta região vindo de outro lugar. É uma linguagem
maravilhosamente poética – cheia de imagens coloridas, metáforas e volteios idiomáticos no fraseado.” | Texto
completo:
completo: [1] Português
Português / / [2] Inglês
Inglês.. | PG 62
10 | TRÊS INCURSÕES NO ESCURO DA NOITE E DO SOL | Ensaio de Nicolau Saião sobre livros de
Arturo Pérez-Reverte, Bill Ballinger e Peter Wahloo | “As 3 análises seguintes, ainda que se refiram a livros
diferentes uns dos outros de autores de diferentes origens, apontam para algo que lhes é comum e que, a meu ver,
explicam um específico universo conceitual e societário em que hoje existimos nesta parte do mundo – a violência
camuflada da parte de setores privados, a “suave brutalidade” de cunho estatal.” | Texto completo.
completo. | PG 67
EDITORIAL
A Agulha Revista de Cultura surge em Consolidamos então um banco de dados – JP,
1999. A Internet era ainda motivo de espanto e Banda Hispânica e Agulha Revista de
descrença. Os primeiros números da revista Cultura –, boas articulações com
circularam graças ao carinho de Rodrigo de colaboradores, projetos paralelos com editores
Souza Leão, que generosamente me pôs um virtuais que começavam a surgir em outros
provedor à disposição. A revista tinha um países, como México, Costa Rica, Portugal…
design improvisado, eu tive que aprender em São ações valiosas que foram enriquecidas por
poucos dias a manejar as técnicas exigidas por uma espécie de caça ao tesouro: a criação de
esse mundo novo. E havia desafio ainda maior: um acervo de endereços eletrônicos. Esforços
como fazer frutificar essa aventura em termos comuns fizeram com que em 2004
de leitores. Quem seria o leitor virtual que contássemos com mais de 100 mil e-mails
teríamos que encontrar. cadastrados.
Poucos meses depois conheci Francisco Foi quando a Agulha Revista de Cultura
Soares Feitosa, ainda mais precursor do que resolveu ampliar seu ambiente de trabalho e
eu, que havia criado, em 1996, o Jornal de criamos uma seção dedicada à difusão de
Poesia, este sim, o primeiro banco de dados revistas de cultura, impressas e virtuais. Era
de circulação virtual dedicado à poesia de também uma maneira de propor integração
língua portuguesa. Graças ao JP a Internet entre esses dois mundos. Revistas impressas,
aprendeu a ler poesia. O trabalho que eu vinha em alguns países, costumavam ter a presença,
desenvolvendo, fora do mundo virtual, de a cada número, de um único artista plástico
difusão da literatura de língua espanhola, ilustrando a edição inteira. Havíamos adotado
coincidia com o sentido desbravador que então esta sistemática desde o primeiro número de
propunha o JP. Tratamos de reunir os dois Agulha Revista de Cultura. Por isso, Em
projetos em um mesmo provedor, que 2007, recebemos o Prêmio Antônio Bento, da
utilizamos até hoje. ABCA – Associação Brasileira de Críticos de
O passo seguinte foi dado pela recuperação Arte, por mérito na difusão das artes plásticas
casual de amizade, iniciada em 1983 e poucos no país. Neste mesmo ano fui convidado pelo
anos depois interrompida, com Claudio Willer. Governo do Estado do Ceará para ser o curador
Nossa afinidade com as vanguardas, em geral da Bienal Internacional do Livro do
especial o surrealismo, foi ponto decisivo para Ceará.
que Willer passasse a integrar a equipe da Embora a Bienal tenha se realizado em
Agulha Revista de Cultura, dividindo 2008, um ano antes realizamos em Fortaleza
comigo a direção da mesma. No ano seguinte, um primeiro encontro de promotores culturais
2001, trato de criar a Banda Hispânica, que da América Ibérica, cuja intenção era a de
era um equivalente, em língua espanhola, do redefinir a pauta de um evento existente há 14
que vinha realizando o JP em língua anos. Sem desgaste de público, embora
portuguesa. Considerando que a Agulha aceitável diante da ousadia, a aposta da Bienal
Revista de Cultura atendia à difusão de foi a de despertar a atenção para uma
textos críticos sobre arte e cultura em qualquer comunidade cultural envolvendo os idiomas
lugar do mundo, desde que publicados em português e espanhol. Neste sentido foi
português e/ou espanhol, tínhamos assim absolutamente atípica e lamento até hoje que
estabelecido um ambiente cultural cosmopolita institucionalmente não se tenha percebido a
que era absolutamente invulgar em termos de oportunidade de salto de qualidade em nossas
Internet. relações tão precárias com o continente do qual
No entanto, o desafio maior permanecia: o fazemos parte. Dentro do ambiente criado, em
da circulação de toda essa ousadia. A Internet 2009 reunimos em Fortaleza uma
não havia ainda descoberto uma ponte com o representação expressiva da diretoria da
mundo impresso, as duas mídias até hoje Fundação Casa das Américas, de Cuba, em
possuem seus não declarados pontos de atrito. comemoração aos seus 50 anos de existência.
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onde imagina um “inferno para as bombas”, acreditar, abraçar, morrer por, / algumas de
em que estas “sentam em pedaços e cantam valor, justas, com propósito –”, mas é “melhor
canções” das nações que as haviam detonado. desafiar todos os lados com vibrações
Outro bom exemplo dessa narratividade despertas / remédios alegres, soluções
delirante recuperada pela poesia corseana drásticas ou calmas –”.
(bem ao estilo de Maiakóvski, ao qual não Uma descrença e vontade demolidora com
estava alheio), é o poema Transformação & relações às ideias que comandam as
Fuga, constituído da narração de uma viagem subjetividades perpassam seus poemas, onde
imaginária. Nele, Corso chega num céu se aliam à compreensão de que tudo que
“excessivamente doce”, onde “tudo cheirava a constrange o ser e o impede de aceitar o
chocolate queimado” e Deus era um “papel- instante de maneira plena é um mal à vida. Sua
pega-moscas gigante”. Oprimido e nauseado, o poesia valoriza a experiência sensível imediata,
poeta luta para fugir do local, e depois de ser não mediada por juízos de valor. Está
capturado numa perseguição, aproveita um empenhada em se ver livre de toda limitação
descuido de Deus e rasga o próprio corpo para de pensamento. Corpo e sentido presentes
– espírito – fugir pelas brechas que foram importam mais que os ambientes mentais pré-
abertas: fabricados. Em vários lugares, Corso refere-se
à imaginação como recurso cognitivo para
(…) forçar uma abertura nos sistemas de mundo
Deus estava ocupado balançando as vigentes, com capacidade para – conforme
esferas de uma mão para outra. anota Michael Skau em seu substancioso A
Era hora. Clown in a Grave: [3] – “prover o poder de
Quebrei minhas mandíbulas. transcender os limites em direção a uma nova
Parti minhas pernas. consciência”, conforme aspiraram os Beats a
Me atirei de barriga sobre o arado certa altura de sua trajetória.
sobre o forcado
sobre a foice. A TERRA NÃO É SEQUER UMA ESTRELA |
Meu espírito escorreu pelas feridas. Com uma assinalada reverência pela vida, a
Um espírito todo encharcado. cosmovisão de Corso parece ter sido
Ressurgi da carcaça do meu tormento. influenciada pelo transcendentalismo norte-
Parei no limiar do céu. americano da geração de Emerson, Thoreau e
E juro que o Grande Território tremeu Whitman, [4] professando um anarco-
quando caí, livre. [2] individualismo iconoclasta e libertário, de
matiz espiritualista, jamais panfletário e
Sátira e paródia são recursos usuais da arredio a qualquer filiação. Denota o influxo
poesia de Corso. Este céu docemente opressivo das correntes de vanguarda, absorvendo
pode muito bem ser uma metáfora da vida nos técnicas tanto do surrealismo e do dadaísmo
subúrbios da classe média americana. Do como o exemplo romântico de valorização da
mesmo modo, em Casamento, com seu imaginação como elemento transformador da
tratamento cômico desta ocasião, Corso faz vida cotidiana. Os poetas românticos ingleses –
uma crítica acirrada às bizarrices das junto com os gregos clássicos – são influências
convenções sociais; Em, A Bagunça Toda… declaradas. Shelley foi especialmente querido
Quem Sabe, denuncia as grandes abstrações por ele, citado e parafraseado em inúmeros
que governam nossas vidas – Verdade, Deus, poemas, tais como Eu Segurei um Manuscrito
Esperança – atirando-as todas pela janela de de Shelley, ou, de forma mais velada, em
seu apartamento, ficando apenas com o Linhas Escritas em 22-23 de Nov. -1963- em
Humor. Corso desconfia, seja de forma Discórdia, ecoando as Estâncias Escritas Perto
alegórica ou declarada, de toda verdade de Nápoles, em Depressão, [5] de Shelley, para
definitiva, de toda ideologia e explicação que se ficar só em dois exemplos. Matt Hart, em seu
queira definitiva da sociedade e do universo. ensaio An Accidental Apreciation, [6] afirma
Conforme atestou em Sobre Minha Recusa em que Corso era “um poeta de vanguarda que….
Ser o Arauto de Cuba, acreditava que “existem resgatou valores poéticos tradicionais como
incontáveis posições para assumir / para Beleza, Expressividade e Sublimidade”.
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movimento, em meados dos 40, Corso foi consciência”. À margem entre marginais, fez
imediatamente reconhecido como um dos mais como disse de Shelley, imaginou a si mesmo e
talentosos do grupo, tanto pelos comentadores viveu o que imaginou.
do movimento quando do seu surgimento Sempre fiel a si mesma, sua poesia
público, como pelos seus próprios renovadora destila uma crítica alegre às
companheiros, dos quais seria amigo íntimo abstrações e limites da racionalidade, uma
pelo restante da vida. No entanto, apesar do amoralidade humanitária e pacífica,
escasso reconhecimento acadêmico, Ginsberg perpassada pela crença nos poderes libertários
anota que “sempre foi e continuará sendo um e restauradores da imaginação. Sua rebelião
poeta popular, despertador da juventude, em favor da individualidade e sua denúncia do
divertimento e prazer de bibliófilos idosos envenenamento realizado pelos dogmas
sofisticados”. Skau afirma que seu papel na ideológicos, aliadas à sua realização estética,
Beat foi o de uma “força disruptora – nos permitem colocar sua poesia entre a que de
autocentrada, imprevisível como uma melhor foi produzida no âmbito da literatura
tempestade de verão, desconcertando os Beat , seguramente uma das mais vitais, senão
padrões confortáveis de comportamento”, e a mais importante e expressiva da segunda
Patti Smith o chamou de “sua mais provocativa metade do século XX.
NOTAS
[1] In: Miles, Barry. Ginsberg: a biography. New York: Haper Perennial, 1990.
[2] As traduções de Corso são do autor e fazem parte do volume inédito Gregory Corso – Antologia
Poética.
[3] SKAU, Michael. A Clown in a Grave: Complexities and Tensions in the Works of Gregory Corso.
Carbondale: Southern Illinois University Press, 1999. [Tradução do autor nos trechos citados].
[4] Skau comenta: “Especialmente digno de nota são as similaridades entre os Transcendentalistas e
os Beats. Ambos envolveram um grupo frouxo ou comunidade de participantes dinâmicos, antes que
seguidores estritos de um conjunto de doutrinas sistemáticas. Ambos reagiram ao que percebiam
como uma fria, mecânica e sufocante estagnação das ideias e das crenças, e em cada caso buscaram
revitalizar o espírito e o intelecto. Cada movimento buscou uma “nova consciência” que elevaria o
individualismo e descortinaria o divino imanente ao ser humano. Rejeitaram a autoridade ortodoxa
e, com idealismo romântico, favoreceram a reforma social. Finalmente, ambos os grupos se
rebelaram contra o racionalismo dominante de seu tempo e em seu lugar depositaram a fé na
intuição e na espontaneidade”.
[5] SHELLEY. Ode ao vento oeste e outros poemas. Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo:
Hedra, 2009.
[6] Disponível em: www.octopusmagazine.com/issue06/html/essays_reviews/hart.html
[Tradução do autor nos trechos citados].
[7] Ginsberg, Allen. On Corso’s Virtues. In: Deliberate Prose: selected essays 1952-1995. New York:
Haper Perennial, 2001. [Tradução do autor nos trechos citados. Demais citações de Ginsberg daqui
em diante pertencentes ao mesmo texto].
Márcio Simões (Brasil, 1979). Poeta e ensaísta. É um dos editores de Agulha Revista de Cultura. Publicou uma
plaqueta, O Pastoreio do Boi (2008) e escreveu Os Dias de Pólen (poemas), inédito. Tem pronto para edição o
volume Gregory Corso - Antologia Poética, no prelo das Edições Nephelibata. Contato:
mxsimoes@hotmail.com.
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mujeres parecen traer consigo su propia luz, cercanía y cabalgata en ambos sentidos que
ellas pasan a ser parte de la exploración misma Gauguin – el disidente preferido de Alfred
en el misterio del color, que caracteriza a Jarry – quien dice al respecto: “Los
Gustave Moreau. impresionistas buscan alrededor del ojo y no
El artista es hierático en su forma de tratar en el centro misterioso del pensamiento”.
lo místico. Fue criticado por algunos de sus
contemporáneos quienes aludían a su SITUACIÓN HISTÓRICA DE GUSTAVE
persistencia en trabajar las formas clásicas y en MOREAU | Diversidad, es la palabra justa en la
el uso del claro oscuro, técnica calificada de plástica y en la literatura del Siglo XIX,
antigua; ciertamente esta opinión venía de los precisamente porque el artista es más libre y se
críticos adeptos al impresionismo quienes permite una mayor especulación filosófica. Las
habían batallado contra el apego a las más variadas visiones del mundo están en sus
tradiciones por parte del Salón Oficial. Pero pensamientos; se agrega también entre ellas, el
este artista es indiferente a los rumores y se éxito que tienen las teorías sicoanalíticas y una
retrae en su trabajo profundizando en aquello noción de mundo interior, que riñen con el
que le es bien querido: los rasgos propios del núcleo positivista. Hacen del artista un ser
Romanticismo, su apego a la naturaleza contradictorio en su manera de sentir. Si el
poética como fuente inspiradora o mágica; de Romanticismo abre el siglo, el Simbolismo lo
esta manera se levanta como uno de los cierra y es el viaducto al nuevo siglo, aquello de
impulsores de este sentimiento, llamado primitivo que parecía perdido por la marcada
tardío, que se acomoda bajo el nombre de sintonía de los movimientos positivistas en
Simbolismo, a fines del Siglo XIX. Al momento Europa. Tanto el Realismo como el
que el Impresionismo ocupaba la escena Impresionismo o el Modernismo, no acallaron
artística en Francia, nadie podía predecir el la furia poética de un Lautréamont, Cros,
renacer de un sentimiento que comulgaba con Rimbaud, o del mismo Mallarmé o Jarry, que
el pasado de los poetas románticos alemanes y sin duda oxigenaron la pintura con su poesía.
que en Francia, por medio de Víctor Hugo, se Se le critica al simbolismo su despreocupación
acrecentaría con interés de los jóvenes total por la “vida cotidiana o real”, en su afán
creadores por reanimar el lenguaje poético, de privilegiar la imaginación y los sueños.
donde la exaltación de lo bello lo hace más Después de todo, la puesta en práctica del
bello. Ciertamente el impresionismo tendrá positivismo y sus ideas en favor de una guerra,
una influencia importante pero muy relativa en con fines “expansivos y de desarrollo” dejo
los movimientos del nuevo siglo. Debido a que lamentablemente una realidad más real y
su preocupación es puramente visual, el ojo macabra, pues involucraba a la población
pasa a ser el órgano más desarrollado en el entera. La proclama del sentimiento lírico de
artista, y es el impresionismo por cierto los Simbolistas, se reanima y crece; ella se
poseedor de esta facultad, que privilegia expresa más tarde en los jóvenes artistas (Dada
exclusivamente la realidad exterior – todo está y Surrealistas), quienes pasarán al acto poético,
sujeto a ese órgano único, la visión de los como acción desacreditadora del “desarrollo”.
fenómenos físicos de la descomposición de la En efecto el Simbolismo surge como una
luz–. A tal aparente exactitud, vale citar a constelación de individuos libres pensantes
Odilon Redon quien habla de “El barco que no quieren otorgar total crédito ni ver
impresionista demasiado bajo de techo”. ciegamente el éxito, aquella euforia del
También me viene a la memoria el comentario progreso anunciada y proclamada por muchos
de Marcel Duchamp, quien con humor y artistas, poetas, filósofos, como el término
sarcasmo llama a todo lo que se le pudiera radical o total con el pasado y la puesta en obra
parecer, “pintura retiniana”. Para ser fiel a de algo absolutamente nuevo, “lo moderno”. Es
Duchamp, debo decir que muchos críticos han el tiempo de ideas y reflexiones, en que algunos
hecho mal uso de este concepto. Lo retiniano creen haber encontrado la panacea creativa en
puede aplicarse única y exclusivamente a este el desarrollo industrial y la tecnología de la
período y sus influencias, no a toda la pintura velocidad o en las teorías materialistas y
que emplea el color, sea ella figurativa o futuristas. Otros quieren sentirse libres en una
abstracta. Quién más autorizado por su bohemia espiritual y frecuentan los cafés de
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preguntarse si su arte sería para el futuro una totalmente una pintura que pretende recrear el
muestra de modernidad. En ese período de mundo en función de la necesidad interior que
término y comienzo de un nuevo siglo, lo siente el artista. Lo que prevalece ya no es
moderno representaba visualmente para entonces la sensación, sino los más profundos
muchos “poner la cabeza al viento”. En cambio deseos del espíritu y del corazón”.
para Moreau, todo esto pasaba por el concepto Su cábala son las mitologías greco-romanas,
del “verdadero eterno”, en el sentido que lo pasajes de la historia de la religión, ritos y
plantea Baudelaire: “lo nuevo significa fantasmologías, algo de las ciencias naturales –
diferente” quien agrega y rectifica tiempo en lo especifico la mineralogía –. Moreau fija
después, que en su época “el modernismo es en sus pinturas los temas desde lo celestial al
sólo un caso”. pecado original, en donde la tentación de las
Lo diferente en este artista fue musas suele conducir a la muerte que sólo el
precisamente esa vida aparte, marcada por un amor es capaz de vencer. (Observar la tela “Los
silencio apasionado y un trabajo consagrado a Pretendientes” que se encuentra en el tercer
la exploración del mito, desde la aparición de piso).
su esbozo en 1876 de “Júpiter y Sémele”, su Si alguno de ustedes pasa por París, que no
obra testamental, como lo señala el autor del dude en ofrecer a su espíritu tal provocación,
“Arte Mágico”, André Bretón, quien defendió aquellas imágenes que quedarán para siempre
siempre con elogios la obra de Moreau, en el en su memoria.
sentido de que más que la pintura de armonías Se dice que cuando cae la noche, en las
visuales, existía la obra de gran profundidad de habitaciones de la Rue de la Rochefoucauld, se
este artista: “A esta pintura – de disertación suele divisar al pintor atravesando los
ociosa sobre un mundo de pacotilla – se opone interiores, llevado por un centauro.
NOTAS
[1] Eliphas Levi, “La Llave de los Grandes Misterios”.
[2] Rimbaud, citado por André Bretón en “El Surrealismo y la Pintura”, Gallimard, 1965.
Jorge Leal Labrin (Chile, 1953). Artista plástico y ensayista. Ha publicado el libro objeto Mi Pintura, un
automatismo despierto (1993). Creador del proyecto metodológico educativo “Matta, un ser multifacético”
(2004). Ha publicado en Agulha – Revista de Cultura ensayos sobre Roberto Matta y otros temas. Contacto:
leallabrin@yahoo.fr.
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Aduanero Rousseau pintara en 1907. El cuadro carácter mágico con el ser humano. Es posible
de Rousseau inventó una naturaleza americana que los escritos muy leídos en su tiempo, de
a través de su fantasía de pintor “naive”, Leo Frobenius acerca del Africa donde
prosiguiendo la mirada de sus primeros habitaban seres-vegetales antropomórficos, los
exploradores. Guillaume Apollinaire pensó que hubiera influido. Si en el cuadro de Rousseau
Rousseau había visitado la América y así lo la encantadora parece impregnar la flora y la
consignó en un poema que le dedicara: fauna con sus melodías seductoras, éstas
seducen a su vez a los dos pintores y al poeta.
Tu te souviens, Rousseau, du paysage Paralelamente en Cuba, como veremos,
astéque, (sic) Wifredo Lam y Carlos Enríquez (pintor que se
Des forets ou poussaient la mangue et autodefinía como un “surrealista criollo),
l’ananas comenzaron a sentir esa misma simbiosis con
Des signes repandant tout la sang la naturaleza. En los Estados Unidos Georgia
pastéques O’Keefe deslumbrada por el paisaje del Oeste
Et du blond empereur qu’on fusilla lá-bas de su país, conjuntamente con el fotógrafo
Les tableux que tu peins, tu le vis au Ansel Adams, habían también incorporado una
Mexique. morfología vegetal y mineral a sus respectivas
obras. Por aquellos tiempos se respiraba en el
Te recuerdas, Rousseau, del paisaje azteca aire la magia que los surrealistas habían traído
De las selvas donde surgían los mangos y consigo desde una Europa asolada por la
las piñas, guerra.
De las manos derramando toda la sangre Si para el pensamiento simbólico de los
de las sandías primitivos el mundo se encuentra vivo y
Y del rubio emperador que fusilaron allá abierto, para la tradición occidental alimentada
abajo de corrientes herméticas, el cosmos era
Los cuadros que tú pintas, los vistes en concebido como un organismo viviente en
México. [3] armonía con el ser humano. De acuerdo con
Giordano Bruno, el vínculo con el mundo
Breton, Masson y Lam, encuentran en la exterior se produce mediante la atracción
Martinica un paisaje prefigurado en el poema erótico-mágica, que pasa por la puerta de la
de Apollinaire, dedicado a un pintor que desde imaginación. Martinique Charmeuse de
la distancia viera lo que los tres surrealistas Serpents contiene los elementos primordiales
contemplaran, maravillados, desde la cercanía. con los cuales los surrealistas habrían de
En el caso de André Masson, su obra ya identificarse erótica y mágicamente con la
venía configurando una “hermenéutica visual” naturaleza americana. En uno de sus textos
de la naturaleza, en cuadros pintados durante titulado “Antille”, Masson poetiza:
la década de los veinte. En los dibujos
antropomórficos realizados hacia 1938 En el cielo de tu frente el grito del
titulados “Mitologías de la naturaleza”, Masson flamboyán
llevó su interpretación a unas imágenes donde En el césped de tus labios la lengua
el mito y la poesía logran fundirse en un arrancada del hibisco
paisaje con tonalidades eróticas. Sus árboles y En el cálido campo de tu vientre los
figuras femeninas aparecen metamorfoseados cañaverales coronados de sabor
en ídolos o tótems, engendrando nuevos seres En las verduras agujereadas tus ojos de
que entraron a formar parte de la mitología luciérnagas
surrealista. Ese procedimiento lo utilizó frente A tus mamas la fineza del mango
a la naturaleza martiniquense, en compañía de Tus plátanos para tus nietas
Breton, quien experimentara la misma El árbol de pan para todos los tuyos
atracción apasionada del pintor hacia su Y el manzanillo para la bestia atrapada.
enmarañada belleza. La naturaleza se convierte
para ambos, como si hubiesen sido capturados Los ricos frutos y la fauna que Apollinaire
por algún espíritu primitivo, en un organismo cantara en su poema siguiendo el curso de la
viviente, capaz de crear una relación de visión de Rousseau, pasan a formar parte de
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las observaciones exaltadas de Masson, ser cantada en uno de los poemas definitivos
conformes al dictado kantiano que postulaba del siglo XX.
que para encontrar lo sublime había que pasar
por una transformación poética. PRELUDIO PARISINO: NEGRITUD Y
En el “Dialogue Creole” que mantuvo con SURREALISMO | La idea revolucionaria del
Breton dice: surrealismo atrajo a los negros súbditos del
colonialismo francés, residentes en Francia
La selva nos rodea, ella posee sus durante el período en que el surrealismo
sortilegios que ya conocíamos antes de hiciera irrupción en su ámbito cultural. La
nuestra llegada ¿recuerdas mi dibujo historia de ese proceso puede ser leída en el
“Delirio Vegetal”? Ese delirio se encuentra libro de Jean Claude Michel The Black
aquí, participamos en él y lo tocamos. Surrealists, [4] pero conviene antes recordar
Somos uno mismo con esos inmensos como lo hiciera María Clara Bernal Bermúdez
árboles, que semejan en las cavidades de que:
sus ramas, una huerta en miniatura con
toda la vegetación parasitaria injertada en La percepción del Surrealismo como
el tronco fundamental: ascendente, “fuerza liberadora” en América Latina,
retumbante, activo, pasivo, enjarciado quizá tiene su origen en José Carlos
desde lo alto hacia lo bajo en lianas de Mariátegui, quien ya en 1926 hablaba de la
flores estrelladas… misión liberadora del Surrealismo respecto
a la civilización capitalista, citando al autor
Observemos que Masson se refiere a su peruano a continuación:
conocimiento “anterior” del paisaje que La insurrección suprarrealista entra en
observara en la Martinica, como le sucediera a una nueva fase que prueba que este
Max Ernst frente al del suroeste movimiento no es un simple fenómeno
estadounidense años más tarde. El “delirio literario, sino un complejo fenómeno
vegetal” que muestra el cuadro de Rousseau, espiritual. No una moda artística sino una
también pertenece a una “mirada anterior” protesta del espíritu. Los suprarrealistas
premonitoria, alimentada por la imaginación pasan del campo artístico al campo
de los Cronistas de Indias. La feracidad de la político. Denuncian y condenan no sólo las
selva martiniquense favoreció una sincronía transacciones del arte con el pensamiento
que llevara al encuentro providencial que burgués, sino denuncian y condenan, en
habría de ocurrir. bloque, la civilización capitalista . [5]
de espera donde vivimos, afirmar que sólo sólo a algunos, buscamos todo lo que el
puede arder aquí o allá… [6] surrealismo nos ha enseñado que
descubrir. Estamos listos para utilizar la
La génesis de este trabajo tuvo que ver con vasta maquinaria que Freud ha puesto en
la publicación por parte de Pierre Naville, de movimiento para disolver la familia
un panfleto: La Revolution et les Intellectuels, burguesa… [7]
donde el surrealista y futuro líder trotskista, le
pidiera a sus compañeros que renunciaran al En los momentos en que los jóvenes
“idealismo” para militar a favor de la lucha intelectuales negros le brindaban su apoyo
obrera, encabezada por el partido comunista. incondicional al marxismo-leninismo, los
La experiencia surrealista de la vida interior surrealistas –Breton sobre todo– empezaron a
debería ser dejada de lado según este autor, dudar de su aplicación “victoriosa” en la Rusia
cuestión que Breton a pesar de sus estalinista. Pero lo importante es señalar en
inclinaciones hacia el marxismo, no estaba este caso, que el camino que eventualmente
dispuesto a tolerar. Esos choques iniciales en llevaría a Breton a descubrir a Cesaire, dio sus
contra de las tendencias de un partido que primeros pasos en Paris por unos jóvenes
habría de someterse a los dictados del provenientes de las colonias francesas, y por
estalinismo, ejercería profunda repercusión en otros nacidos dentro de una cultura que los
los ideales de los intelectuales negros. había asimilado a su conveniencia. La semilla
A pesar de su breve duración, Legitime de la “negritud” sembrada en las conciencias
Defense fue capaz de aunar a un grupo de de los “súbditos” franceses, comenzó a
jóvenes poetas negros cercanos germinar en esos escritores y en otros como
ideológicamente al surrealismo por una parte, Leopold Sedar Senghor cuyo peso se hizo
y al marxismo por la otra, sin olvidar sus sentir en la formación de Aimé Cesaire.
contactos con las teorías de Freud. Esa misma Los surrealistas hicieron lo posible por
posición la compartían los surrealistas en su romper con las ataduras de la mentalidad
deseo de aunar la revolución social con la colonialista, aunque conservaron sus
insurrección del espíritu, poniendo a Marx y a lineamientos expresivos, al igual que lo
Rimbaud pero también a Lautréamont y Freud, hicieran los negros cuando adoptaron el
en un mismo nivel combativo. Algunos de los lenguaje surrealista como un “arma milagrosa”
firmantes del manifiesto que aparecieran en la para expresar su rebeldía. Jean Paul Sartre en
revista como René Menil, Jules Monnerot o su introducción a la Anthologie de la nouvelle
Pierre Yoyotte habrían de formar parte de poésie negre et malgache de Sedar Senghor,
Tropiques años más tarde, mientras que titulada “Orfeo Negro”, llamó la atención sobre
Etienne Léro que despuntaba como uno de sus esa discrepancia entre las aspiraciones
poetas más originales, falleció a los 29 años de revolucionarias de los escritores negros y el uso
edad debido a un accidente. que hicieran del idioma francés:
En su declaración inicial sus redactores
afirmaron: Ahora bien, lo que amenaza con frenar
peligrosamente el esfuerzo de los negros
… aceptamos el materialismo dialéctico de para rechazar nuestra tutela es el hecho de
Marx liberado de todas sus que los anunciadores de la negrez se vean
interpretaciones engañosas y que han sido forzados a redactar en francés su
puestas victoriosamente en práctica por evangelio. La trata los dispersó por los
Lenin… igualmente aceptamos sin reservas cuatros puntos cardinales, y así los negros
al surrealismo con el cual se encuentra no poseen una lengua que les sea común.
nuestro destino ligado en 1932. Referimos Para incitar a los oprimidos a unirse deben
a nuestros lectores a los dos manifiestos de recurrir a las palabras del opresor… y
André Breton y a todas las obras de como las palabras son ideas, cuando el
Aragon, André Breton, René Crevel, negro declara en francés que repudia la
Salvador Dalí, Paul Eluard, Benjamín cultura francesa, toma con una mano lo
Péret y Tristan Tzara… y en Sade, Hegel, que rechaza con la otra e instala en sí
Lautréamont y Rimbaud, para mencionar
20
mismo, como una agramadera, el aparato de sus ideales. Fue así entonces que dentro de
de pensar del enemigo. [8] la atmósfera cargada de experimentos poéticos
y de ideologías revolucionarias, pudo nacer la
Lo que Sartre plantea nos llevaría por otros revista Tropiques en una isla sometida a la
caminos. Sabemos desde los tiempos en que férula del régimen de Petain, resueltamente
Antonio de Nebrija le dijera a los reyes hostil a sus postulados.
católicos, con motivo de la presentación de la
primera gramática escrita, que el lenguaje es el TROPIQUES | Los tres primeros números de
perfecto instrumento para la creación de un los catorce de Tropiques (Abril 1941-
imperio. Si la lengua francesa se apoderó de Septiembre 1945), dirigida por Aimé Cesaire,
sus colonias, la española, la portuguesa, y la su esposa Suzanne y René Menil, reflejaron el
inglesa hicieron lo mismo. El mestizaje de los influjo de Nietszche, Peguy, Claudel y otros
dos primeros con los indios y con los negros, poetas no cercanos a Breton. Pero en sus
creó al menos una fusión entre las razas, páginas también aparecieron los nombres de
mientras que el “creole” no llegó –como bien lo Mallarmé, Rimbaud y Lautréamont que
viera Cesaire– a constituirse como lenguaje cubrían el firmamento surrealista. A partir del
propio. Por otra parte, la adopción de la tercer número la dirección de la revista tomó
ideología marxista, surgida de la herencia otro rumbo gracias a la presencia de Breton, y
occidental y blanca, podría haber sido al hecho de que Suzanne y Aimé Cesaire ya
interpretada por el autor del “Ser y la Nada”, habían recibido la influencia surrealista.
como otro punto crítico acerca de la disyuntiva Dentro de ese cuadro el poeta confiesa en una
en que se encontraban los negros. A pesar de entrevista que le hicieran:
ello, la nota pesimista de Sartre no le impidió
saludar a los poetas de esa antología como ¿Cuál fue la aportación de Breton? Bueno,
grandes innovadores del lenguaje, al igual que la aportación de Breton fue el
Breton hiciera con Cesaire y Magloire Saint- atrevimiento; nos ayudó a formarnos una
Aude. opinión resuelta… Me percaté de que
Prosiguiendo con Legitime Defense, su Breton y el surrealismo ya habían resuelto
testimonio político quedó como un substrato la mayoría de los problemas que me
vivo anidado en el pensamiento de Cesaire. Al planteaba… Cuando lo conocí literalmente
mismo tiempo que esto ocurría, ya la primera me fascinó: era un hombre de una cultura
versión de su largo poema, había sido extraordinaria, con un asombroso sentido
publicada en Paris en 1939 por la revista de la poesía… era un estupendo
Volontés, sin atraer la atención de los críticos. averiguador, una especie de “buscador
De manera que la revolución literaria que mental”… el encuentro con Breton fue algo
Breton descubriera tras su lectura en Fort de MUY IMPORTANTE para mí, tanto como
France, aunque venía de fuentes originadas en mi encuentro con Senghor diez o quince
la misma ciudad donde el poeta de “Nadja” años antes… [9]
había creado las suyas, tuvo que esperar su
descubrimiento en las islas lejanas del Caribe. Si la presencia del poeta francés fue decisiva
Después de Legitime Defense aparece en para el desarrollo ideológico de la revista, la
1934 una segunda revista: L’Etudiant Noir, fuerza del poema de Cesaire que Breton había
dirigida entre otros, por Aimé Cesaire, León leído en Tropiques, contribuyó a renovar el
Damas y Leopold Sedar Senghor. De nuevo se discurso poético del surrealismo. Lo que abrió
plantean las mismas propuestas que en la poesía de Cesaire ante los ojos de Breton, fue
Legitime Defense, ahondando aún más en lo mismo que le abriera el paisaje
dirección del concepto de “negritud” que martiniquense: una feraz morfología que podía
habría de convertirse en el leit motiv de los ser trasladada al verbo o a la imagen, como lo
intelectuales africanos y de las indias hiciera de entrada Masson y poco tiempo
occidentales. Aunque el rechazo a los valores después Lam en sus “Junglas”. Para Breton el
occidentales fueron evidentes en sus escritos, audaz tratamiento del lenguaje por Cesaire,
sus redactores vieron en el surrealismo un implicaba una transfusión de oxígeno naciente
instrumento crítico valioso para el desarrollo dentro de la poesía surrealista. Cesaire aportó
21
una lujuriosa fauna y flora que respondía a la gusto que Pierre Mabille agudo comentarista
que Lautréamont había hecho aparecer en sus de su pintura, mencionara con relación a “La
Cantos abriendo el espacio de Una naturaleza Jungla” las lanzas que Paolo Uccelo pintara en
dominadora, sádica, que se traga a los su tríptico “La Batalla de San Romano”, como
hombres y a sus máquinas como las flores a tampoco que Breton en su estudio sobre Lam,
los insectos temerarios. [10] indicara la integración de las disciplinas del
arte europeo en sus obras. Lam realiza
WIFREDO LAM LLEGA A CUBA | Después de entonces algo similar a André Masson: una
su experiencia en la Martinica, Lam se traslada interpretación subjetiva del paisaje a través de
a Cuba. En la mayor de las Antillas, su pintura referencias míticas provenientes de fuentes
continúa nutriéndose de diversas fuentes: la diversas, sin excluir las herméticas. No es
primitiva debida a su herencia afro-china- posible entonces desestimar todas esas
cubana, la cual había comenzando a despuntar influencias, como bien lo explica Maria Clara
en Paris, y la surrealista originada también en Bernal Bermúdez en su ensayo
esa ciudad. El paralelo pues con los poetas de “Transculturación y Aculturación en la obra de
Legitime Defense y L’etudiant Noir es obvio. Wifredo Lam”. [13] Aunque lo negro se
La síntesis que hace eclosión en Cuba, prosigue encuentra presente en su pintura, lo
alimentándose de la flora y fauna que viera en maravilloso en su sentido surrealista, hace
la Martinica y del impacto de la poesía de irrupción trayendo en su corriente otras aguas
Cesaire, impacto que habría de crear un fuerte en las cuales bebió su amigo Cesaire. A pesar
lazo de amistad entre ambos. Recientemente de los esfuerzos que Alejo Carpentier hiciera
tuvo lugar en Paris una exposición: “Césaire & para desplazar a Lam de esas influencias,
Lam, Insolites Batisseurs” [11] donde arrimándolo a su concepción de lo
mostraban, entre otras obras, la serie de “maravilloso americano” que él elaborara, el
aguafuertes “Annonciation” (1982) que el término “transculturación” (proveniente del
pintor hiciera para los poemas de su amigo. etnólogo cubano Fernando Ortiz), es el
Realizados hacia el final de su vida, Lam adecuado para definir su proceso como pintor
retoma toda la fuerza exuberante de su surrealista.
bestiario para crear una serie de imágenes En Cuba Lam ilustra la traducción que
surgidas de uno de los poemas de Moi Lydia Cabrera hiciera del poema de Cesaire. La
Laminaire, que ilustrara el pintor cubano: segunda que realiza para un poeta surrealista.
La primera respondió al pedido de Breton en
Más albura Marsella, para su largo poema “Fata Morgana”.
Nada excepto un alba de huesos puros La metamorfosis de plantas en seres humanos,
De huesos que estallan campo grande de animales en plantas y la sexualización del
De huesos que estallan a los cuatro vientos paisaje (como lo hiciera Carlos Enríquez en sus
De huesos que danzan recién brotados del mejores cuadros), entró a formar parte de una
surco poesía compartida. En el libro de la autora
De huesos que gritan que aúllan colombiana, se hace referencia a un ensayo de
Que no perdamos en ellos Suzanne Cesaire reproducido en Tropiques,
Que no perdamos en ellos ninguno donde ella sostiene las teorías de Leo
De los huesos que movidos por la rabia se Frobenius acerca de esos seres híbridos,
apoderaron aplicándolos a su isla natal. Para esta autora,
De todo lo que queda de vida según Clara Bernal Bermúdez, no es cuestión
de sangre él no escribe meandros tan sólo de regresar al pasado africano sino, citando a
justamente el del centro de un verbo que da la esposa de Cesaire: por el contrario, se trata
a luz [12] de la movilización de todas las fuerzas vitales
combinadas en esta tierra, en donde la raza es
Lam introduce en su pintura a partir de su el resultado de un continuo mestizaje; se trata
estancia en Cuba, un paisaje transformado en de ser consciente de la formidable masa de
espacio mítico cuyas raíces iban lejos, hasta energías diversas que hasta ahora han sido
llegar a las estructuras que conformaron el arte atrapadas dentro de nosotros. En el fondo,
occidental desde el Renacimiento. No fue por podríamos añadir ¿Qué es el surrealismo sino
22
un continuo mestizaje entre imágenes, como lo Martines de Pasqually que arribó a sus costas
demuestra el collage? Finalmente Clara Bernal en 1772. Maestro de Louis Claude Saint Martin
nos dice: A juzgar por el cambio en su y autor de un libro apreciado por Breton,
lenguaje visual, es posible que Lam no sólo Tratado de la Reintegración de los Seres ,
leyó estos textos, sino que también quedó Pasqually introdujo cultos relacionados con la
fascinado con estos conceptos, los cuales masonería que Pierre Mabille conocía bien, y
parecen tener lugar en sus pinturas desde que proseguían observándose en la isla. El
entonces. [14] La presencia de Lam en Cuba segundo encuentro fue el del pintor Héctor
constituyó para este pintor, y para el Hypollite, allegado a las ceremonias del vodú,
surrealismo, una de sus instancias más cuya representación de divinidades dentro de
creativas. escenarios donde lo maravilloso se encuentra
presente, inspiró a Breton a escribir un ensayo
HAITI Y SANTO DOMINGO | Antes de sobre él, incluido en su libro Le Surrealisme et
regresar definitivamente a Francia en 1945, la Peinture. El tercer encuentro estuvo
Breton pasa cuatro meses en Haití (con breve relacionado con un poeta cuya breve obra
estancia en Santo Domingo), invitado poseía una quintaesencia verbal: Magloire
oficialmente por el gobierno francés para que Saint-Aude. Este poeta no se le escapó a la
diera una serie de conferencias en Port au mirada escrutadora de Breton. Su obra está
Prince. Allí se encuentra de nuevo con Wifredo situada, sin embargo, en las antípodas de la
Lam que había llegado para exponer en la opulencia discursiva de Cesaire. Límpida como
capital haitiana, y con Pierre Mabille quien a la el diamante, en su brevedad habita la piedra
sazón se encontraba en el Instituto de filosofal, como Breton intuyera. En el 2002,
Etnología Haitiano, donde entró en contacto Jorge Camacho publicó la traducción al
con los cultos del vodú. De inmediato Breton se español de su obra completa. [15] De su
acerca a los grupos de jóvenes poetas traducción extraemos el siguiente poema
relacionados con el surrealismo, entre éstos perteneciente a su poemario Tabú:
René Depestre, director de la revista La Ruche,
que habría de jugar un rol importante en los Solemne cual el jorobado de piedra,
acontecimientos que envolvieron a Breton en En el oasis de las calmas interinas,
una revuelta contra el dictador Lescot. El Los ojos abiertos,
incidente que ocasionara las conferencias de Los ojos al suelo,
Breton, ha sido relatado en todas las historias Yo no soy usted
del surrealismo y mencionado por el poeta en El ensayo, el celo, el ritual.
las entrevistas que le hicieran. Lo que vale la
pena subrayar, es que de nuevo se produjo un Haití representó para los surrealistas su
contacto entre el pensamiento surrealista y las última aventura americana. Comenzada en
corrientes de la negritud, esta vez en el primer 1936 con la visita de Artaud a México, seguida
país que proclamó su independencia en la por otra de Breton en 1938 y más tarde con el
América, a un costo que aún está pagándole a éxodo de muchos de ellos a distintas tierras del
las potencias que no le han perdonado ese acto continente, La Martinica y Haití fueron dos
de rebeldía por parte de “sus” esclavos. sitios de excepción. La punta de lanza de la
Los descubrimientos de Breton en Haití, poesía de Cesaire se plantó en las selvas de
además de sus contactos con poetas como René Lam, y terminó como un dardo envenenado, en
Depestre, Paul Laraque y René Belance entre los versos de Magloire Saint-Aude. En el medio
otros, fueron de tres órdenes: El primero que la palabra de Breton resonó como una voz de
le produjo una impresión duradera, fue la alarma provocando un renacimiento en ambas
oportunidad que tuvo, gracias a Pierre Mabille, islas, de carácter poético en la primera y
de presenciar varias ceremonias vodú. La político en la segunda. Al parecer el sueño
intensidad de las mismas, marcaron su espíritu surrealista de hermanar a Marx con Rimbaud
a pesar de que rebasaban su capacidad de dio algún resultado, aunque de corta duración,
asimilarlas en su totalidad, de acuerdo con lo en el país de Toussaint Louverture. Lam por su
que él confesara. Pero Haití era una tierra parte, exhibió durante la visita de Breton
marcada por la presencia de personajes como inspirándole al poeta palabras como éstas:
23
En un tiempo como el nuestro, no nos estancia caribeña, dedicado a Elisa y André
sorprenderá ver prodigarse aquí adornado Breton como recuerdo de su viaje a Santo
de cuernos, el loa Encrucijada –Elegguá en Domingo. Sobre este pintor Benjamin Péret
Cuba– que sopla sobre las alas de las pudo decir:
puertas. Testimonio único y siempre
estremecedor, como si fuera pesado en las Los seres que nos presenta parecen haber
balanzas de las hojas, vuelo de las garzas surgido de un mundo aún por descubrir.
frente al estanque donde se conjura el mito Esas formas ¿ pertenecen a otro tiempo o a
actual, el arte de Wifredo Lam se difunde a otro lugar donde nos conducen? Esos
partir de esa fuente vital, reflejando el espécimes de una fauna que habrá de venir
árbol misterio, quiero decir el alma –gallo-cuadrante solar, gallina-máquina
perseverante de la raza, para llover de coser, nos evocan los seres fabulosos que
estrellas sobre el PORVENIR que debe ser los primeros viajeros reconocieron en la
el bienestar humano. [16] América, como el pájaro-pince (“pacho del
cielo”)… [19]
INTERMEDIO DOMINICANO | Breton,
Masson y Lam ya habían visitado Santo El Surrealismo ha sido sometido a presagios
Domingo a su salida de la Martinica vía los necrológicos desde su nacimiento. Los
Estados Unidos los dos primeros y Cuba el “críticos” –Maurice Nadeau en su famosa
tercero. Pero durante su última estancia en historia del surrealismo fui uno de ellos–
Haití, tuvo ocasión de regresar a la capital anunciaron su fin a partir de la Segunda
dominicana donde trabó amistad con el Guerra Mundial. Algo similar hizo William S.
antiguo militante del POUM, el pintor y Rubin en la controvertida exposición
escritor Eugenio Granell. Granell fue uno de “Surrealism and their Heritage” que organizara
los animadores de la revista La Poesía en el Museo de Arte Moderno de New York en
Sorprendida, inclinada hacia la expresión 1968. Pero el Surrealismo se niega a morir,
surrealista. El relato de su encuentro con aferrado a lo que Breton un día proclamó: El
Breton forma parte del catálogo “El surrealismo es lo que será. De ahí que la
Surrealismo entre el Nuevo y el Viejo Mundo”. experiencia americana, le inyectara una nueva
[17] En el mismo el exiliado español reafirma corriente de sangre a un movimiento que ha
su adhesión al surrealismo, mostrándole a persistido en diferentes partes del planeta. El
Breton algunas de sus obras pictóricas, surrealismo pues, continuó siendo, y su razón
vibrantes de colores y de máscaras que le de ser se encuentra íntimamente vinculada a
llamaron la atención a Breton como más tarde los descubrimientos que hicieran en las tierras
a Péret. En 1951 publicó Isla Cofre Mítico, [18] de promisión sus primeros maravillados
suerte de reflexión histórico-poética de su exploradores.
NOTAS
[1] André Breton: Le Surrealisme et la Peinture, Gallimard, Paris, 1965.
[2] André Breton : Martinique Charmeuse de Serpents, avec texts et illustrations d’André Masson.
Jean Jacques Pauvert Editeurs, 1948.
[3] Guillaume Apollinaire: Oeuvres Poetiques, La Pleyade, Gallimard, Paris, 1965.
[4] Jean Claude Michel: Les Ecrivains Noirs et le Surrealisme, Edition Naaman, Quebec. Existe una
traducción muy descuidada, en inglés, The Black Surrealists, Peter Lang Editions, 2000.
[5] Maria Clara Bernal Bermúdez: Más allá de lo real maravilloso: el surrealismo y el Caribe.
Universidad de los Andres, Bogotá, Colombia, 2006.
[6] “Legitime Defense” en Point du Jour, Gallimard, Paris, 1934.
[7] Tomado de Refusal of the Shadow, Surrealism and the Caribbean , Edited by Michael Richardson,
translated by Krzysztof Fijalkowski and Michael Richardson, Verso, New York, 1996.
[8] La República del Silencio, Editorial Losada, Buenos Aires, 1960. Traducción de Alberto L. Bixio.
[9] Entrevista a Cesaire en Philippe Ollé-Laprune, Para leer a Cesaire, Fondo de Cultura Económica,
México, 2008.
24
[10] Prefacio de Benjamín Péret a la edición de Lydia Cabrera, Retorno al País Natal , La Habana,
1942.
[11] Césaire et Lam, Insolites Batisseurs, Daniel Maximin, Grand Palais ey HC editions, Paris, 2011.
[12] Cesaire en Philippe Ollé-Laprune, ibid.
[13] Ver “Capítulo Nueve” en María Clara Bernal Bermúdez, ibid.
[14] Ibid.
[15] Magloire Saint-Aude: Diálogo de mis Lámparas, Tabú, Desposeído, Colección Juan Ramón
Jiménez Poesía, Huelva, 2002.
[16] “La nuit en Haiti… ” en Le Surrealisme et la Peinture, ibid.
[17] Catálogo “El Surrealismo entre Viejo y Nuevo Mundo”, Sala de Exposiciones de la Fundación
Cultural Mapfre Vida, Abril 1990.
[18] Isla Cofre Mítico, Editorial Caribe, Puerto Rico, 1951.
[19] Benjamin Péret: “A la hauteur d’un cri… ” en Jean Michel Goutier, Benjamin Péret , Editions Henri
Veyrier, Paris, 1982.
Carlos M. Luís (Cuba, 1932). Poeta, ensayista y artista plástico. Ha dirigido en su país al Museo Cubano. Son
libros suyos de ensayo: Tránsito de la mirada (1991) y El oficio de la mirada (1998). Este ensayo forma parte del
libro Horizontes del Surrealismo (en preparación). Otros capítulos de este libro pueden ser encontrado en la fase
I de Agulha – Revista de Cultura (1999-2009): www.jornaldepoesia.jor.br/agindicegeral[C].htm.
Contacto: karmaluis1@bellsouth.net.
25
I. O ROTEIRISTA | Por ser diretor de um BM Será que você poderia falar sobre a
ateliê de formação de roteiristas na Fémis, relação entre o roteirista de cinema e o
Jean-Claude Carrière escreveu com Pascal contador de histórias, que você, aliás,
Bonitzer Exercice de scénario (“Exercício de estabelece no seu livro?
roteiro”), para ensinar a “captar e manter a
atenção do espectador”, ou seja, a regra J-CC O roteirista é o contador dos nossos
básica, porque vale para todas as histórias dias. Retomou, com os recursos de hoje, uma
concebíveis e mesmo para as não-histórias, função muito antiga, a de contar histórias. Isso
como as do nouveau roman. porque ele diz o que nem a poesia diz, nem a
Trata-se de um livro absolutamente cativante, filosofia e nem o romance. Graças ao cinema, a
fruto de trinta anos de experiência, simples, função de contar passou a atingir muito mais
mas profundo, que tanto focaliza Dom gente, mas isso significa que o contador do
Quixote e Tom Jones quanto As mil e uma século XX, o roteirista, deve conhecer a arte do
noites e nos introduz nas tradições ocidentais cinema. O contador tradicional era o autor e o
e orientais da arte de contar. intérprete do conto, ele mesmo criava e
Jean-Claude Carrière, aliás, se diz um transmitia. Bastava que conhecesse a arte da
contador árabe e nos explica por que é tão palavra e eventualmente a da música, que o
necessário contar, escrevendo: “Contar e acompanhava numa praça pública. Hoje, o que
matar, contar e morrer frequentemente o roteirista escreve vai se transformar num
parecem ligados. Por que Xerazade, com os outro produto e ser transmitido pelos atores,
seus mil e um contos, afasta de si a morte? de sorte que precisa conhecer as técnicas
Pela equivalência existente entre a história e a cinematográficas para saber como o que ele
vida, mas sobretudo porque contar é matar e escreve vai mudar de suporte. Trata-se, aliás,
vencer a morte. Matar aquele que deve te da operação mais misteriosa, a alquimia pela
matar quando a história já não o agradar. qual a gente transforma o chumbo em ouro,
Matar a criança estéril, impaciente, a passa do papel para a película.
jogadora – a má jogadora –, a que quer saber
tudo logo e, assim, não aguenta o tempo. BM Gostaria que você falasse da diferença
Matar, em suma, a criança que o narrador foi entre a escrita do roteirista e a do romancista.
e, contando – porque contar implica certa
sabedoria –, deixou de ser”. J-CC São radicalmente diferentes. O
Para ouvi-lo falar de O exercício do roteiro, fui cinema é uma arte objetiva. Contrariamente à
ao bairro mítico de Pigalle, à sua residência, frase de Proust, que é uma frase longa e
onde cada sala evoca um cenário e a deusa introspectiva, construída para penetrar em
indiana do amor, um centauro feminino, todos os meandros da alma humana, a frase do
surpreende quem entra. roteirista não comporta a introspecção. Não se
pode, por exemplo, escrever: “Jean-Pierre
26
pensa que” ou “sente que”. O roteirista só pode deixou cerca de 40 mil cartas e artigos. Todos
escrever o que pode ser mostrado numa tela: eles certamente escreviam com grande rapidez,
“Jean-Pierre parece preocupado” ou “ele anda mesmo porque quanto mais a gente escreve,
rapidamente em direção à porta”. Por outro mais rápido se torna.
lado, a escrita do romance termina com o
romance, enquanto a do roteiro dá início à BM O que é a Fémis e como é que você
verdadeira aventura cinematográfica. À treina os candidatos ao seu ofício?
diferença do romance, o roteiro é uma forma
efêmera, provisória, que vai desaparecer para J-CC A Fémis é uma escola feita para dar à
se tornar um filme ou uma peça de teatro, ele tecnica toda a sua dignidade. Surgiu com a
deve comportar todos os elementos necessários recusa da ideia de que o cinema é uma coisa
ao filme, como a larva, que não voa, mas tem fácil e, sobretudo, para transmitir os
tudo o que é preciso para que dela surja uma conhecimentos mais sofisticados no domínio
borboleta. da técnica. Por isso, temos sete departamentos,
que cobrem tudo na área do cinema e da
BM Em O exercício do roteiro você diz que televisão. Ou seja: direção, roteiro, imagem,
a imaginação é um músculo e precisa ser som, montagem, cenário e produção. Somos
treinada. Como foi que você treinou a sua contrários à ideologia de 68, segundo a qual
imaginação? cabe aos estudantes decidir o que vão aprender
– uma ideologia que deixou duas gerações
J-CC Tive a sorte de trabalhar com pessoas inteiramente despreparadas na França. Nós
mais velhas do que eu, verdadeiros mestres inauguramos a Fémis com o propósito de que o
que muito me ensinaram. Jacques Tati, o ensino fosse rigoroso. Chegamos a mandar
primeiro com quem trabalhei, me ensinou a embora um aluno por falta não-justificada.
relação com a realidade, a olhar, por exemplo, Trata-se de uma escola que custa muito caro ao
a rua, como se tudo que nela se passasse governo – cerca de 4 mil dólares por
estivesse destinado a se tornar um filme aluno/mês.
cômico. A gente se sentava no terraço de um
café, olhava as pessoas que passavam e se BM E o seu ensino na Fémis, o seu ateliê?
perguntava o que poderia ter acontecido de
engraçado com elas, como se o mundo inteiro J-CC O que a gente pode ensinar a um
existisse para dar origem a um filme. Mas roteirista numa escola é como se faz um filme,
existe outro tipo de trabalho, que aprendi com e isso nós ensinamos, fazendo-o fazer filmes. O
Buñuel, e era o de se isolar do mundo, de ir roteirista da escola aprende, no primeiro ano,
para um lugar calmo e se deixar invadir pelas todas as técnicas, para que tenha uma ideia do
imagens. que o roteiro vai se tornar depois que ele tiver
escrito. O meu ateliê dura quinze dias e diz
BM É por causa do treino que você respeito ao trabalho conjunto do roteirista e do
consegue escrever tanto? diretor, de como se desenvolve uma ideia. Nós
partimos da prática. Peço aos alunos que
J-CC Olha, eu não escrevo muito e bem encontrem uma situação em que haja um
menos do que Balzac ou Victor Hugo, para personagem que tenha um desejo e uma série
citar grandes exemplos. Balzac morreu com 51 de obstáculos tão fortes quanto o desejo. A
anos e havia escrito três vezes mais do que eu partir daí, começamos a trabalhar.
escrevi até hoje. Diderot escreveu uma peça de
três atos num fim de semana. Balzac e Diderot BM Qual a diferença entre a formação do
certamente sabiam se isolar melhor do que nós roteirista na Europa e nos Estados Unidos?
hoje em dia. Voltaire era prodigioso, escrevia
todas as manhãs uma centena de cartas que J-CC Não há muita diferença. O princípio
ditava para três ou quatro secretárias, o que do trabalho é o mesmo. Aqui na França, a
implica um treinamento incrível. Victor Hugo, relação entre o roteirista e o diretor tende a se
nos últimos quarenta anos da sua vida, aprofundar mais do que nos Estados Unidos,
escreveu em média cem cartas por dia. Balzac onde cada um trabalha sozinho e se procede
27
por etapas. O produtor tem uma ideia, faz o BM O que você pensa do teatro brasileiro?
roteirista trabalhar. O resultado é depois J-CC Com o teatro brasileiro acontece a
entregue a um diretor, e o filme é tirado das mesma coisa que no mundo inteiro. Há 25
mãos deste para ser entregue a um montador. anos, anunciou-se a morte do teatro. O que
aconteceu foi o contrário. De todas as formas
BM Glauber Rocha fez um cinema de de expressão, no Brasil como em outros
grande repercussão com “uma ideia na cabeça lugares, o teatro é a mais viva de todas.
e uma câmera na mão”, como ele gostava de Existem pelo menos quatro ou cinco grupos de
dizer. Isso ainda é possível hoje em dia? teatro fascinantes no Brasil. Cada vez que vou
lá, vejo pelo menos uma ou duas peças.
J-CC Glauber foi meu amigo e ele reunia
um grupo de pessoas que revolucionou o BM O Carnaval brasileiro é uma ópera de
cinema brasileiro, lhe dando nova vida. Isso rua, que o povo prepara durante o ano inteiro,
tornou Glauber conhecido no mundo inteiro. A é um evento dotado de um enredo significativo,
expressão “uma ideia na cabeça e uma câmera ilustrado com alegorias e fantasias
na mão” é, na verdade, uma expressão muito excepcionais e que é filmado como uma
profunda, porque só com uma ideia ou só com sucessão desconectada de imagens. Como é
a câmera a gente não faz absolutamente nada. que você filmaria o evento?
BM Mas você acha ou não que hoje se pode J-CC Acho que, se eu tivesse de filmá-lo,
fazer um filme como ele fazia? faria o contrário do que atualmente se faz,
essas reportagens curtas, que selecionam as
J-CC Os cineastas brasileiros que eu imagens em função do que há nelas de sexy ou
conheço me dizem que, na situação atual, fazer de barroco. Para fazer alguma coisa
um filme é uma empresa heroica. Seria preciso interessante sobre o Carnaval, seria necessário
reunir de novo um grupo de jovens cineastas seguir uma ou duas pessoas o ano inteiro,
decididos a fazer cinema e a encontrar o seu filmá-las rapidamente no dia do desfile e
público. Será que entre os milhões de depois reencontrá-las brevemente no dia
habitantes brasileiros não existe um público? seguinte. Só assim seria possível dar uma ideia
Tenho certeza de que existe para um cinema verdadeira de toda a metafísica secreta do
voltado para o Brasil, um país que vive Carnaval, dessa ópera de rua que também é
situações absolutamente extraordinárias. Nem uma grande alegoria da vida.
um só filme que fale delas! Se eu pudesse dar
um conselho aos jovens brasileiros, diria que é II. O BUDISMO | Depois de ter estudado
preciso juntar forças e formar de novo um longamente o hinduísmo para adaptar o
grupo, como foi o caso da Nouvelle Vague, do Mahabharata, Jean-Claude Carrière foi à
Cinema Novo, do Surrealismo, dos românticos Índia em 1994 para encontrar o principal
ou dos poetas elisabetanos. Inútil tentar uma representante do budismo, o Dalai Lama. Do
experiência solitária – ela será imediatamente encontro, resultou A força do budismo, livro
atacada pelo commercial empire, o império que o Dalai Lama assina com Jean-Claude
comercial americano. O Brasil faz cinema Carrière e que no Brasil ganhou como
desde 1908, portanto, há muito tempo; é um subtítulo “uma conversa sobre como viver
país competente na área do documentário, da melhor no mundo de hoje”. E lá fui eu de novo
ficção, e que teve um movimento como o entrevistá-lo na casa de Pigalle.
Cinema Novo. Em 1992, só conseguiu realizar
um filme, porque se deixou colonizar pela BM Na introdução do livro, você diz que
produção americana. No mesmo ano, fui ao tanto procurou evitar na relação com o Dalai
Equador, ao Peru, à Argentina. Em todas as Lama um respeito paralisante quanto um
salas de cinema só havia filmes americanos, à desrespeito inútil. Será que você poderia falar
exceção de Cyrano de Bergerac. Aqui na sobre o seu modo de proceder?
Europa, nós nos servimos frequentemente do
exemplo da América do Sul para nos defender. J-CC Trata-se de uma atitude que aprendi
no meu campo profissional. Sempre que
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abordamos um tema de outra cultura, como o ele só foi publicado em janeiro, por causa da
Mahabharata, por exemplo, devemos evitar revisão. Reencontrei o Dalai Lama duas vezes
tanto a veneração quanto a irreverência em Paris. Nós nos tornamos muito amigos. A
extrema. Se eu tivesse ficado de joelhos diante propósito do método de trabalho, eu gostaria
do Mahabharata, não teria transmitido nada. de dizer duas coisas. Para o budismo, a questão
Quando quis abordar o budismo, eu me disse do nível é fundamental. O Dalai Lama diz
que podia ter diante dele a mesma atitude que sempre que, para uma questão sábia, a
tive diante da epopeia indiana. Queria resposta deve ser sábia e para uma questão
encontrar um personagem verdadeiramente infantil, a resposta deve ser infantil. Se eu der a
representativo do budismo. Ninguém mais do uma questão sábia uma resposta infantil, eu
que o Dalai Lama. Primeiro nos vimos e ele me torno ridículo. Se a uma questão infantil eu
depois me pediu que eu lhe escrevesse der uma resposta sábia, será inútil. Portanto,
explicando exatamente o que desejava discutir encontrar o nível em que nós íamos falar era
e a maneira como o faríamos. Acredito que ele muito importante, porque a nossa conversa
tenha se decidido a fazer o livro por causa das estava destinada a se tornar pública. Tanto o
cartas que lhe enviei e também porque sou Dalai Lama quanto eu tínhamos em vista a
mais idoso do que ele. Interessava ao Dalai transmissão. Na Índia, esta se faz
Lama falar com um representante do Ocidente, frequentemente por meio de um guru, da
alguém que estivesse disposto a viajar para a linguagem oral – um guru que em geral só fala
Índia e conhecesse a tradição indiana. Nós, para uma ou duas pessoas. Era preciso achar
inicialmente, definimos os temas. Claro que outra forma. Para encontrar o nível, levamos
estávamos preparados para as surpresas, os mais ou menos uma hora.
desvios.
BM Foi rápido.
BM Como ao escrevermos um romance,
por exemplo. J-CC Era como se, durante aquela hora,
nós estivéssemos ajustando os ponteiros. A
J-CC Sim, ou quando adaptamos um segunda coisa que quero dizer é que no
romance para o cinema. É preciso estar sempre budismo tudo se liga. Se eu fizesse uma
pronto para a surpresa. pergunta sobre o meio ambiente, ele deveria
considerar o budismo inteiro para responder.
BM Você preparou longamente a Assim, eu logo me dei conta de que não podia
entrevista. deixar de tratar do budismo propriamente dito
no livro. Não podia me contentar com a ideia
J-CC O encontro. de só trocar ideias com o Dalai Lama sobre o
mundo de hoje. Portanto, eu propus a ele o
BM Sim, você o preparou e depois enviou seguinte: “Temos de abordar no livro as
os temas ao Dalai Lama. Quando o livro estava questões de doutrina, questões que o senhor
acabado, submeteu-o novamente a ele… Por conhece muito bem, eu um pouco, e o leitor
que esse procedimento? simplesmente desconhece. Mas, para ganhar
tempo (só tínhamos três semanas), proponho
J-CC Como o livro seria assinado por nós que eu não o interrogue sobre essas questões e
dois, era preciso que ele lesse. Ele leu algumas colha as informações necessárias nos livros
partes e outras foram lidas pelos seus anteriormente publicados pelo senhor”. Ele
assistentes. O texto francês foi lido por um topou imeditamente, o que me permitiu
tibetano que mora aqui em Paris e conhece ganhar tempo e também implicou imenso
bem o francês. Depois, foi traduzido para o trabalho de escrita, porque eu trabalhava com
inglês pelo mesmo tibetano, em colaboração quarenta livros à minha volta, livros que
com outros assistentes do Dalai Lama. Um guardei, sobretudo os que foram escritos por
livro assinado pelo maior representante vivo ele. A técnica de trabalho foi essa.
do budismo não pode ser criticado do ponto de
vista budista, e eu não sou uma autoridade. BM Você foi à Índia para saber o que o
Terminei de escrever o livro no mês de junho, e budismo pode nos ensinar. O budismo
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obviamente só pode ensinar o que formos é, por assim dizer, a mão, e o budismo é um
capazes de aprender com ele. Gostaria que você dedo, que sai do hinduísmo e indica o
dissesse o que nós, ocidentais, desconhecendo caminho. Quando fui à India encontrar o Dalai
as práticas budistas de meditação, podemos Lama, fui para escrever um livro; minha
aprender. preocupação era estritamente profissional. Não
queria deixar nada na sombra, queria
J-CC Existem muitas atitudes possíveis em compreender e transmitir bem.
relação ao budismo. Primeiro, a adesão total.
Se você decidir que vai pertencer a uma BM Você poderia falar sobre os conceitos
comunidade budista, deve mudar de vida e fundamentais do budismo?
entrar na universidade, onde ficará doze anos.
Deve inicialmente aprender três línguas – o J-CC Há um certo número de ideias
sânscrito, o páli (as duas línguas em que os inventadas pelo budismo que só pertencem ao
textos antigos foram escritos) e o tibetano. São budismo, como, por exemplo, o carma – o peso
muitos anos para aprender essas três línguas, dos nossos atos –, o nirvana, a reencarnação…
além da parte que o budismo chama de O Dalai Lama, o budismo atual, privilegia
“especulação” e corresponde a tudo que não é algumas ideias por considerar que podem nos
revelação, ou seja, o que o Buda disse. A ajudar. Posso citá-las, se você quiser…
especulação é a penetração em domínios do
saber que a revelação não abordou. Por BM Por favor, diga.
exemplo, a percepção, a memória, a vontade,
que não são tratados pelo Buda. Na J-CC Há quatro ideias. Duas que são
universidade, há departamentos para estudar clássicas e duas que são modernas. Entre as
cada um desses elementos. Só para estudar a clássicas, existe a impermanência, a ideia de
percepção na tradição budista a gente pode que tudo passa, nada permanece e nem mesmo
levar a vida inteira. o budismo. Se a gente se perguntar por que
eles insistem tanto nessa noção, a gente
BM Um campo do saber equivalente à percebe que é porque ela permite se opor ao
psicologia da percepção… integrismo, ao fundamentalismo. A
impermanência é uma arma oferecida pelo
J-CC Sim, digamos que é um manual de budismo.
filosofia enorme, no qual se encontram as
operações do espírito. Decidimos não tratar da BM Uma arma contra o dogmatismo. O
especulação no livro. O budismo distingue antidogmatismo do Dalai Lama é, aliás,
centenas de milhares de operações do espírito, surpreendente. Ele diz que, se a ciência
e mesmo um grande sábio como o Dalai Lama mostrar que há um erro nas Escrituras, é
não conhece todos. preciso mudar as Escrituras.
onipotência do desejo. A psicanálise ensina a J-CC Nenhum outro século viu tantas
conhecer o próprio desejo e a perseguir a sua pessoas deslocadas voluntária ou
realização. Como explicar a moda do budismo involuntariamente.
no Ocidente? BM O século XX terá sido também o dos
mestiços…
J-CC Não se pode dizer que o budismo
rejeite totalmente o desejo. O desejo de ser J-CC E eu me pergunto se a América
agradável a você, por exemplo, ou o desejo que Latina, que há mais de duzentos anos produz
alguém tem de auxiliar alguém é um obras belíssimas sobre a questão da
verdadeiro desejo para o budismo, que não é identidade, não virá a ser um continente muito
propriamente uma teoria da renúncia. O importante. O que foi considerado a fraqueza
budismo valoriza a ação, ele nos leva a auxiliar do continente – a mestiçagem – talvez venha a
os outros. Não digo que eu o faça, mas com ser a sua força. O mundo de amanhã será
este livro, fiz. necessariamente mestiço, e é possível que, para
isso, o continente latino-americano esteja mais
BM Como? preparado do que a Europa. Na América
Latina, só se falam duas línguas. Todos os
J-CC A maioria dos direitos autorais vão sistemas de produção e de coprodução podem
para o Tibete. ser facilitados. Quando Menem falou na
televisão brasileira, sequer houve tradução. A
BM Voltando à questão do desejo… barreira da língua não existe. São as mesmas
origens culturais. O mestiço, na história do
J-CC Tudo depende do sentido em que a mundo, foi considerado durante muito tempo
palavra “desejo” é utilizada. Quando se trata do um personagem inferior – Es un mestiso. Em
desejo de consumir, que a publicidade procura francês se diz métèque para alguém que não é
despertar, o Dalai Lama diz que é o mal do de raça pura. Ora, nós sabemos que as raças
Ocidente, porque é um desejo insaciável, leva à misturadas são mais resistentes do que as
frustração e à destruição do planeta. Já a noção outras e que os filhos dos mestiços tomam o
de desejo, tal como foi utilizada pelos que há de melhor em cada um dos pais.
surrealistas, não é contrária ao budismo. O Ademais, é possível que o mestiço seja mais
desejo surrealista é, por um lado, um desejo de tolerante.
conhecer uma realidade surreal, e, por outro,
de estar à escuta do mundo e de transformá-lo. BM A propósito do continente latino-
Os surrealistas foram, aliás, os primeiros no americano, você ouviu falar de um autor
Ocidente a denunciar o consumo. No que diz chamado Paulo Coelho?
respeito ao desejo no sentido sexual, a questão
é tão problemática no budismo quanto nas J-CC Ouvi, mas não li o livro dele.
outras religiões. Não cheguei a falar muito
sobre isso com o Dalai Lama. Existe uma BM Vendeu 300 mil exemplares aqui na
confusão entre o amor e o sexo que nunca foi França, apesar da crítica, que o caracterizou
resolvida. Felizmente, aliás, do contrário eu como um autor decidido a se inscrever no
não teria trabalho. As histórias de amor são registro do comércio e da Imaculada
essenciais à produção cinematográfica. Conceição. Pena que você não tenha lido, pois
eu gostaria que você me explicasse a razão do
BM Você diz no livro que o século XX terá sucesso dele num país cuja tradição é
sido o do exílio. Seria possível falar sobre isso? cartesiana.
Betty Milan (Brasil, 1944). Romancista, ensaísta e dramaturga. Colaborou nos principais j ornais brasileiros e
atualmente é colunista da revista Veja. Sua bibliografia inclui títulos como O papagaio e o doutor (1991), Paris
não acaba nunca (1996), Fale com ela (2007), e Quem ama escuta (2011). Esta entrevista integra o livro A força
da palavra. Reúne os artigos “A voz do guru Dalai Lama”. Folha de S. Paulo, 3/09/1995, e “Carrière diz que
roteirista é o narrador do século 20”, Folha de S. Paulo, 30/05/1993. Contato: bettymilan@free.fr.
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entonces era extraño para mí. Durante todo el MM Mi padre aficionado a cantar, me
curso compartimos juegos e historias, hasta acercó a la música de los grandes creadores
que un vergonzoso incidente, durante la “ fiesta negros del Caribe como Beny Moré, Miguel
de la alegría” , me enseñó con rudeza lo que Matamoros, La Sonora Matancera etc. Y así
era el racismo y el rechazo por lo diferente por escuché el son, el bolero, el cha cha chá y el
parte de un grupo de compañeros de curso mambo desde que tengo memoria. “ Pachito
contra mi amigo limonense. e´ché es un tipo popular…” rezaba una canción
Al siguiente año mi amigo ya no fue a de Beny con Pérez Prado que yo escuchaba a
aquella escuela y se mudó de barrio sin que yo mis seis años viviendo temporalmente en una
pudiera encontrarlo de nuevo. finca en Escazú y recuerdo aún antes otra del
Por otra parte y como antecedente, mi Beny: “Oye José, ven pa´cá, cuidao con la
madre, desde mi temprana edad me contaba culebra te muerde lo pie…” y yo con cinco años
sobre un viaje que ella hizo a Limón en los frente a un montasal en el jardín de mi abuelo
años 30 y una anécdota sobre algo que en Lourdes, pensando si no habría una
presenció por accidente. La escena por ella serpiente esperándome ahí para morderme. Mi
descrita era un grupo de gente negra en una padre solía invitar a la casa, especialmente los
calle de Limón, en la noche, cantando, tocando domingos, a varios amigos suyos que
tambores y bailando alrededor de un fuego. Su resultaron ser de los mejores guitarristas de
amiga afro limonense, que la acompañaba, le bolero, guaracha y son que ha tenido Costa
indicó que no debían pasar por ahí pues esa era Rica, entre ellos estaban el Negro Córdoba,
la gente de Pocomía. Años después entendí que requinto del Trío Alma de América y Güicho
Pocomía era una de las distintas formas de Porras de los Zafiros. Yo abría mis ojos de niño
religiosidad africana que se desarrollaron en el de diez años, admirado de la destreza de
Caribe y que llegó a Limón con las migraciones aquellas manos y de la belleza de aquellos
de la década de 1870 para la construcción del cantos.
ferrocarril a Puerto Limón. Esta práctica Cuando mi padre murió me heredó, además
espiritual fue radicalmente perseguida y del amor por la música, una pila de viejos
reprimida por la cultura dominante “blanca” de cancioneros de los años cuarenta y cincuenta
San José y por la élite negra emergente en que mostraban lo que popularmente se oía en
Limón. Creo que los limonenses perdieron la radio y lo que la gente de esas generaciones
parte de su alma cultural con la eliminación del cantaba.
rito de Pocomía, en él se sintetizaban cantos, Aquella semilla quedó plantada en mi
ritmos, danzas y sentimientos que hubieran memoria y años después me conectó con mis
enriquecido aún más la maravillosa expresión identidades latinoamericanas y fecundó mi
artística del pueblo limonense actual. creación musical, marcando profundamente
Mis padres aunque eran típicos habitantes las canciones que luego compondría.
del Valle Central, clase media baja, nunca me
inculcaron valores racistas, por el contrario, mi AP En los años setenta, cuando estás
madre y mi padre tenían amigos afro “rocanroleando”, vas a tener un encontronazo
descendientes que visitaban nuestra casa con decisivo con la Nueva Canción
alguna frecuencia. Latinoamericana… Eran años de conciencia
En ese contexto, y desde mi perspectiva de política y artística… Al poco tiempo, integrás,
paña (hispano descendiente), se gestó en mí un junto al cantautor nicaragüense, Luis Enrique
interés temprano por aquella cultura diferente Mejía, el grupo Tayacán. De esa época, se
pero tan interesante. puede afirmar que son tus primeros calypsos…
casa cantando una canción de Paul Simon, me aprendí para empezar mi nuevo y duradero
quedó resonado en la cabeza una frase de la proyecto que sería en el futuro Cantoamérica.
misma que decía algo sobre el “New Jersey
Turnpike” una autopista en Estados Unidos, AP En el segmento de la investigación de
ahí tomé conciencia de que yo cantaba sobre las raíces costarricenses y el tema sobre la
cosas y temas bastante lejanos de mi propia identidad va a ser muy importante tu relación
experiencia como joven costarricense. con la artista y folclorista Emilia Prieto.
Ya en los años 70, surge entonces mi Contanos de tus experiencias y saberes…
encuentro con el Movimiento de la Nueva
Canción Latinoamericana y sus implicaciones MM Paralelamente conocí a Emilia Prieto,
identitarias y políticas. quien además de recopiladora de canciones
Estando en la Universidad de Costa Rica, populares vernáculas, cantaba en La Casona
un amigo me prestó unos discos de unos del Higuerón, primer establecimiento en Costa
cantores desconocidos para mí en ese Rica donde se interpretaba La Nueva Canción
entonces, sin embargo, luego me Latinoamericana y la trova. Emilia me señaló
acompañarían por el resto de mi vida, se la importancia de recopilar música de los y las
trataba de Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui y viejas cantoras con el fin de entender nuestras
Víctor Jara. Los pioneros del Movimiento de la raíces de identidad para procesarlas e
Nueva Canción Latinoamericana. investigarlas.
Ese movimiento musical buscaba contribuir Tenía la imagen de una dulce abuelita pero
con los procesos de democratización en una con el corazón de un jaguar y la valentía de una
América Latina plagada de dictaduras luchadora política y cultural que fue ejemplo
militares. Paralelo al discurso político de sus vital para mí y para muchos de mi generación.
canciones, se buscaba el reforzamiento de las Aprendí con ella la importancia de revisar el
identidades latinoamericanas. En esa pasado para construir un presente rico y lleno
búsqueda me crucé de nuevo con la herencia de cultura identitaria.
africana en los cantos uruguayos, peruanos, La recuerdo a sus ochenta años desfilando
brasileños, venezolanos y cubanos, por citar por las calles de San José defendiendo los
algunos. derechos de los desposeídos y los silenciados
De regreso de un gran festival cultural en La de esta sociedad.
Habana en 1978 y estando en Panamá con La recuerdo a sus ochenta y cinco años en
Leda, mi querida amiga brasileña que conocí su lecho de muerte sonriendo y contándome
en Cuba, ella me regaló discos de Chico anécdotas y chistes. Murió un fin de semana
Buarque y Caetano Veloso, cantautores que mientras yo recopilaba calypsos en Cahuita, no
completaron el marco de referencia obligado pude ir a su funeral pero creo que su espíritu se
para entender el crisol de la canción alegró de saber dónde yo andaba y lo que hacía
latinoamericana. Escuchando A construção de en honor a lo que ella me enseñó.
Chico Buarque me asomé a una inmensa
ventana de posibilidades creativas en la AP A finales de los setenta dedicás mucha
canción, aún hoy sigo asomado a esa ventana energía y abordás de un modo impetuoso la
que Chico abrió para mí. Tuve el placer de investigación sobre el calypso y los diversos
conocerlo brevemente en el año 1983 en un matices de la cultura afrocaribeña… Hay que
festival en Managua. imaginarte caminando por los maravillosos
En el contexto costarricense, mi trabajo senderos de Cahuita, Puerto Viejo, Cocles,
musical de esa época, al lado del cantautor Manzanillo; o en Limón City donde los
nicaragüense Luis Enrique Mejía Godoy y el jeroglíficos linguísticos y la santería están
Grupo Tayacán me había acercado también al presentes en los predios, el tajamar, calles,
tema de la cultura afro descendiente y la barrios coloridos y misteriosos; de vez en
música limonense, pues Luis Enrique ya había cuando un acorde del blues o del jazz te llevan
compuesto algunos temas inspirados en a acercarte a alguna casa estilo caribeño…
literatura costarricense (de Abel Pacheco y de
Joaquín Gutiérrez) que había musicalizado con MM Hacia finales de los años 70 comencé a
ritmos de calypso. Con Tayacán me fortalecí y viajar a Puerto Limón y a otras localidades del
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litoral caribeño de Costa Rica con el fin de espontánea sobre la existencia de compositores
conocer más sobre su música y su cultura. Mis populares en la zona. A través del programa
primeras impresiones me llevaron a distintos “Somos como somos”, del Sistema Nacional
tipos o estilos de música que se movían desde de Radio y Televisión (SINART) pude
el blues, el swing, soul music hasta salsa, escuchar a varios cantantes de calypso como
merengue y reggae. Todos estos estilos Buda y Papa Tun.
musicales, de claro origen afroamericano, se AP En el peregrinaje por Limón vas a
escuchaban en radio, en bailes, en bares, encontrar diversos personajes vinculados al
cantinas, en las casas y en todo ambiente calypso; contanos cómo fue tu encuentro con
donde la música popular tuviera un espacio. dos extraordinarios cantantes: Buda y Papa –
Al blues y al swing, los encontré caminando Tun… En tu sondeo por los parajes limonenses
por la calle principal de Cahuita una tarde de llegás a conocer al maestro calypsonian Wálter
cielo nublado. Al oír unos elegantes acordes de Ferguson; él será un parámetro confiable y
guitarra me detuve en una casa esquinera con certero para ampliar tu conocimiento del
barandas y decoraciones caribeñas calypso; en el año 1997 grabás junto a tu banda
tradicionales y estuve escuchando ahí por Cantoamérica una colección de composiciones
algunos minutos hasta que por la ventana se de Segundo (Así se le llama a Ferguson) bajo
asomó una amable viejita que sonriendo me el título: “Calypsonians”.
invitó a pasar para que oyera mejor la música.
Al entrar, me encontré con un hombre ya en MM Como una lenta telaraña que se va
sus setentas que interpretaba viejas canciones tejiendo con el pasar de los años, fui
de blues con una guitarra eléctrica construida conociendo más música y más personajes,
por el mismo y amplificada con un viejo compositores, músicos y amantes de la cultura.
aparato de los años 50. El hombre se llamaba Conocí a Papa Tun por casualidad, una
Mr. Silvester Plummer. noche que fui a comer al Springfield en Puerto
Los bares y restaurantes de Cahuita, Puerto Limón y lo encontré “canjeando” calypsos por
Viejo y Puerto Limón ofrecían al turista un comida. Yo me senté en la barra del bar y me
repertorio de grabaciones de reggae (Bob concentré en escuchar aquellos cantos en una
Marley, Peter Tosh, Yabby You, etc.) y de salsa mezcla de inglés limonense y español, también
(El Gran Combo, Willie Colón, etc.). Muy poco limonense. Después de varias canciones él
o nada de música en vivo y menos aún de observó mi interés y sin más rodeos me dijo:
música limonense original. “You know music, right? Sing, sing!” Y
Mi experiencia de músico y compositor comenzó a enseñarme los coros de una canción
popular me señalaba que toda esa música que que decía: “Milly never live good life, Milly
llenaba muchos espacios sociales importantes, never live good life, Milly never live good life I
mostraba la ausencia de relación temática know she turn the sailaman wife”. Papa Tun
directa con el contexto limonense; esto es, que vivía en una especie de tugurio en el Barrio de
toda esa música se consumía, pero no se Cieneguita y se ganaba la vida afilando
producía en Limón. En ese sentido, la cuchillos y soldando ollas por las calles de
observación que hasta ese momento podía Puerto Limón. Murió como vivió, pobre y
hacer corría por los canales de la música olvidado, hasta que alguien recuerda su célebre
importada y, por tanto, impulsada por la calypso “Zancudo, Zancudo”, conocido por
industria cultural transnacional. todo limonense actual.
Ya, a esas alturas yo había escuchado En 1980 leí el libro What Happen, de Paula
música de calypso limonense en el restaurante Palmer, el cual recopilaba testimonios, relatos
capitalino Los Lechones, por medio de un y anécdotas dentro del marco de la historia
grupo conocido como El Combo Alegre, el cual oral del sur de la provincia de Limón,
tocaba los jueves en ese local. Este grupo era el específicamente el cantón de Talamanca. El
primero y el único de música afro limonense mismo mencionaba la existencia de Wálter
que se podía escuchar en San José hacia Ferguson, el músico de Cahuita.
mediados de la década de 1970. Por medio de Paula Palmer conocí al
Mi interés por conocer la música producida calypsonian que con el paso del tiempo
en Limón me llevó a indagar de manera llegaría a ser reconocido como uno de los más
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África y del Chantuelle, primigenio cantor del y “Carnaval day” del grupo Kawe Calypso…
Caribe durante el esclavismo. Podrías describir un día de carnaval…
AP En Limón se acostumbra llamar a los MM En el dia de carnaval Limón despierta,
que no son afro descendientes “paña”; ¿se ríe y baila. Ya no hay diferencias y todos
puede afirmar que eres un “ paña participan de la fiesta. El ritmo de los tambores
calypsonian”? recuerda aquella tierra transatlántica de donde
vinieron los ancestros africanos. Ferguson nos
MM Por la vía de mis procesos de dice: “El pobre Willie y su mamá Maymay,
culturalización temprana soy un paña, por la mírenlos empujando entre la multitud en el día
vía de mis procesos más recientes y conscientes de carnaval, no tienen qué comer, ni tienen qué
soy un hibrido genético que también contiene vestir, pero al carnaval ellos tienen que ir…”
la herencia africana. Soy un cantor de calypso y
de otros tipos de canción, me hubiera gustado AP Hace unos pocos meses apareció
ser un calypsonian pero no lo soy, apenas soy Centroamérica en una cajita de música; vos
un seguidor de los grandes cantores participás con el pianista Manuel Obregón y
limonenses. los calypsonians limonenses; a lo largo del Cd
se puede escuchar un desfile de voces y ritmos
AP La propuesta musical de Cantoamérica centroamericanos. Además del esfuerzo de
se fundamenta en fusiones de la música “rasgos de identidad”, el sello editor Papaya
afrocaribeña con el blues, jazz, rumba y Music, presenta una especie de “arte objetual”
expresiones de la batucada brasileña… Has en el diseño…
participado con Cantoamérica en conciertos y
presentaciones por Europa, Africa, Asia y Usa. MM Papaya es un fenómeno discográfico
¿Cómo digieren los espectadores las diversas enmarcado en un proceso a veces intangible de
propuestas musicales? acciones orientadas a revisar las identidades
costarricenses y centroamericanas. En las
MM Son ya muchas giras últimas tres décadas, un sector de artistas,
transcontinentales, en las cuales hemos podido investigadores sociales y productores
observar cómo la gente recibe con sorpresa culturales han emprendido la marcha hacia las
nuestro repertorio afro viniendo de un país raíces reales de la cultura en contraposición
como Costa Rica que siempre se proyectó como con las naciones inventadas como diría
un país “blanco”. La fuerza del calypso Benedict Anderson.
limonense, la ternura del bolero y la energía Hace algunos años Papaya surge como la
híbrida de nuestro repertorio, que resulta discográfica de lo invisible, de lo que no existía
costarricense en su temática y en la manera de para las grandes empresas del disco. De esa
interpretación de las raíces afroamericanas, manera el público costarricense e internacional
nos ha permitido una comunicación fluida con tiene acceso a Wálter Ferguson, Max
los públicos del mundo más allá de las Goldemberg o a las Leyendas del Calypso
fronteras lingüísticas. El año pasado en Benín, Limonense.
África, logramos compartir esas raíces con Su producción destaca no solo lo musical,
músicos de allá y grabamos un disco que inherente a su vocación de disquera, sino a la
hermana nuestros repertorios pues fusionamos plástica y el arte visual en función de esa
los cantos y los instrumentos con la fluidez de revisión estética de la cultura popular de la
quienes navegan por el mismo cauce. región.
AP Puerto Limón es conocido por sus AP Refirámonos a Calypso sinfónico; hubo
colores tropicales, la música, la gastronomía una presentación en días recientes (Junio,
sincrética, la belleza de sus playas texturadas, y 2011) en la explanada de la Catedral de
por sus carnavales que se llevan a cabo en el Limón... El protagonista fue el calypso
mes de octubre, desde hace varias décadas. limonense; participó Cantoamérica con la
Hay calypsos que homenajean al Carnaval de Banda de Conciertos de Limón… Los
Limón… Recuerdo “Los Carnavales en Limón” calypsonians convidados fueron Shantí, Cyrilo
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Silvan y Yuní… ¡Un espectáculo de lujo; en experiencias y recorrido por los pueblos
armonía con el entorno y la cultura limonenses y los encuentros y diálogos con los
afrocaribeña! calypsonians y otros personajes relacionados
MM Bueno pues, espectáculos como ese con la expresión musical limonense. El texto
son parte de los logros de un proceso de tres además hace referencia a las migraciones de
décadas de Cantoamérica y su relación con los las Antillas hacia Limón y la posterior jornada
calypsonians limonenses. En un afán de histórica del pueblo afro limonense en
colaborar con la visibilización del calypso y sus territorio costarricense.
creadores, hemos generado iniciativas en Posteriormente, con el pianista Manuel
distintos momentos para renovar, dentro de un Obregón y la empresa Papaya Music, grabamos
proceso de conservación, las expresiones el disco que captura el talento de los
ligadas al calypso limonense. calypsonians Lenkí, Silvan, Shantí incluyendo
En el 2004, para el Festival Nacional de la además a Roberto “Congoman” Watts y a
Artes que se llevó a cabo en Limón, se me Emilio Álvarez “Juní”, otros destacados
ocurrió reunir a estos viejos calypsonians y cantantes de calypso limonense. Este disco se
acompañarlos con mi banda Cantoamérica perfila como una antología del calypso de
para presentarnos durante el festival. Puerto Limón, impregnado de la cosmopolita
Organizamos un repertorio con lo más relación del puerto con otros puntos caribeños
representativo de Lenkí, Silvan y Shantí. El como Panamá, Jamaica, Trinidad y Nueva
impacto fue positivo tanto en público como en Orleans en Estados Unidos.
los medios de comunicación. Artículos, ensayos y otras grabaciones
Ya a estas alturas yo me encontraba discográficas han sido también parte de este
interactuando dentro de una especie de taller proceso, que a lo largo de décadas he recorrido
de investigación sobre la Africanía, promovido acompañado de músicos, de calypsonians y de
por la Doctora Rina Cáceres, desde el CIHAC, académicos, en un continuo ir y venir entre la
Centro de Investigaciones Históricas de práctica musical y la investigación cultural.
América Central, en la Universidad de Costa Dentro de esta perspectiva, lo más reciente
Rica. Fue allí donde empecé a elaborar una es la incorporación de una banda sinfónica al
tesis para la Maestría en Artes, dirigida por trabajo de Cantoamérica y los calypsonians. La
Rina, Lara Putnam y María Clara Vargas. Esa Banda Nacional de Limón nos invitó a hacer un
experiencia de intercambio investigativo con par de conciertos con ellos, –con un repertorio
distintas personas que como estudiantes o exclusivo de calypso– y la participación de las
profesores, discutíamos quincenalmente sobre leyendas del calypso: Silvan, Kenton y Juní. Un
el avance de los procesos de investigación de primer concierto en el Teatro Melico Salazar en
cada uno, intercambiando ideas de cómo San José y otro en la plaza de la catedral de
abordar el objeto de estudio o cómo resolver Limón. Excelente audiencia, el público y los
problemas metodológicos, propició en mi un músicos contentos y satisfechos y la
camino hacia la formalización de productos perspectiva de otros trabajos juntos. Esta es
investigativos y musicales que surgieron en una acción innovadora en tanto las Bandas
años posteriores. Nacionales, pertenecientes a la estructura
En el 2005 la editorial de la UNED publica oficial de la cultura, normalmente han
el libro “Ritmo, Canción e Identidad: Una manejado otro tipo de repertorio, más
Historia Sociocultural del Calypso Limonense”, conservador y excluyente de la cultura popular.
en el cual intento hacer una síntesis de mis
A lfonso Peña (Costa Rica, 1950). Escritor, editor y provocador. Entre algunos títulos publicados mencionamos:
Noches de celofan; La Novena Generación; Labios pintados de azul; Cartografía de la imaginación. Dirige la
revista Matérika ( www. materika.org). Entrevista realizada en agosto de 2011. Contacto:
manija05@yahoo.es.
39
O problema é que o grosso dos países africanos tem cultura ágrafa, e eu pergunto: antes da chegada
dos colonialistas, não curávamos a malária ou ela não existia? Havia dentistas no século treze? O
preto não sofria de dentes? Só começou a sofrer de dentes depois da colonização? Mas como nós não
tínhamos escrita, isso trouxe o problema da aculturação, da rejeição da cultura. Diz-se ser um
mundo supersticioso e eu digo não, esse mundo supersticioso tem o seu quê de racionalidade, para
sustentá-la, vi que a literatura é um caminho, e quem abriu esse caminho foram os latino-
americanos, eles tomaram aquilo que os ocidentais consideraram irracionalidade como uma base
para a racionalidade própria.
Ungulani Ba Ka Khosa
Uma, entre outras questões que se colocam Subjaz neste projeto um fundamento
ao ler-se o último romance de Ungulani Ba Ka existencialista, a ideia de que o fato dessas
Khosa, Choriro, é sobre o conhecimento. vozes vincularem-se ao universo da oralidade
Trata-se de um apelo a uma discussão não lhes permite afirmarem-se como um
epistemológica sobre os desafios que se discurso válido e promotor de um
colocam, num primeiro plano, à ciência conhecimento produzido a partir de dentro.
histórica, essa narração metódica de passados, Isto significa, ironicamente, que “os discursos
na produção do conhecimento a partir de um dos saberes”, a que Khosa se refere em alusão à
olhar local, de dentro. Esta proposta pode ler- epistemologia promovida pelo Ocidente,
se na nota que Khosa faz questão de colocar no produziram e promoveram um conhecimento
livro: sobre a “nossa” realidade a partir de fora,
portanto, não intercambiando os afetos, não
Este retrato de um espaço identitário, de ouvindo essas outras vozes, exatamente pela
uma utopia que se fez verbo, assentou na sua natureza ágrafa, imprecisa e dúbia.
rica e impressionante História do vale do Assim se entende por que, em Choriro, os
Zambeze no chamado período mercantil. A afetos em relação aos objetos observados são
intenção do livro foi a de resgatar a alma potenciados num jogo de racionalidades que se
de um tempo, a voz que não se grudou aos negam, alegorizando formas variadas de
discursos dos saberes. O fundamento conhecer e teorizar o próprio conhecimento.
histórico valeu-me como porta de entrada Veja-se o exemplo:
ao mundo de sonhos e angústias por que o
vale do Zambeze passou durante mais de Em geral, os indígenas, nas frequentes e
quatro séculos… animadas conversas em volta da fogueira,
de tanto acharem natural a beleza
Choriro, um lamento, uma espécie de circundante, não se extasiavam com o
exorcismo ao “epistemicídio” [1] africano; um intermitente luzir dos pirilampos, a
discurso que procura resgatar essas vozes miríade de estrelas abarrotando o céu, o
abafadas, silenciadas ao longo do processo de sussurro das folhas das árvores, ou o
produção desse conhecimento que temos sobre longínquo rugir de um leão na savana dos
nós próprios e sobre outros. predadores da noite. Eles pasmavam-se
com o encantamento de Chicuacha [o
40
padre branco] ante o nascimento, na Todorov. Esta teoria é repensada por Matusse
entrada abrupta da noite, das ilhas de fogo em função de determinados objetos, com os
com que os canoeiros e carregadores quais seguramente o teórico russo não
pintavam as noites ao longo do leito do contatou.
Zambeze. Na escuridão das águas, era-lhe A caracterização do fantástico, segundo
possível observar os intrigantes olhos dos Todorov, baseia-se na intervenção de
crocodilos que à direita e à esquerda fenômenos sobrenaturais em condições tais
perscrutavam os movimentos humanos. que provocam na(s) personagem(s) e no leitor
Seguros nos pequenos e confortantes implícito a hesitação sobre a sua natureza real
pedaços de terra, os canoeiros pouca ou ilusória. Assim, o fantástico situa-se entre o
atenção prestavam aos répteis das águas. maravilhoso e o estranho. [4] Entretanto,
Estes, silenciosos, reluziam os olhos referindo-se à prosa de Couto e Khosa,
enquanto as línguas de fogo iam, aos Matusse adverte para a necessidade de se
poucos, fenecendo com a madrugada que
ia abatendo as estrelas. considerar a noção de fantástico numa
perspectiva histórica, como uma noção
A naturalidade com que os indígenas relativa. Com efeito, o fantástico resulta da
observam a realidade circundante, a ponto de ocorrência de fenômenos que a experiência
se imiscuírem nela como um todo harmonioso humana julga como transgressores da
– repare-se que canoeiros e carregadores ordem natural, tal como essa experiência
deixam-se estar serenos no leito do rio, permite concebê-la. Não há, por
partilhando as mesmas águas com os conseguinte, um padrão válido para todas
crocodilos – é antítese da artificialidade as sociedades e civilizações a partir do qual
estampada no olhar de Chicuacha, para quem se possa traçar uma fronteira entre o que é
essa aliança não só não faz sentido como é e o que não é fantástico. As nossas
perigosa. Mas é exatamente a essa aliança a reflexões partem de uma visão do mundo
que Etounga-Manguelle (1991) se refere ao assente no modelo racionalista ocidental,
tentar caracterizar os valores de África, os mas os universos retratados nas obras
quais, exatamente por serem consubstanciais a pertencem a civilizações onde imperam
tudo a que à África diz respeito, caracterizarão outros modelos de pensamento, outras
a forma como o continente deverá (re)produzir crenças, enfim, outras concepções do que é
um conhecimento localizado. Essa a ordem natural.
epistemologia, entre outros valores, será
caracterizada por “uma inserção pacífica com o A reserva de Matusse em relação à
meio ambiente”. [2] Mas o que se entenderá aplicação da teoria do fantástico sobre o objeto
por tal inserção? em estudo é explicável à luz da afetividade e
Wellek e Warren (1948), na busca de uma reconhecimento culturalmente estabelecida e
ciência literária, fundamentam a sua existência que se desencadeia quando o crítico entra em
no que entendem como “fruição em estado de contacto com o objeto, o que lhe permitiu
simpatia” em relação aos objetos observados. tomar parcialmente aquela teoria, ou seja,
Parece estar aqui reforçado, de certa forma produzir esse conhecimento outro, localizado.
mais extensivamente, o pressuposto de Esse é, como dissemos, o desafio que Khosa
Etounga-Manguelle. Ora uma inserção pacífica coloca no seu Choriro. Esta é a questão
com o meio é o desejável, mas poucas vezes é primacial, uma questão metaforicamente
conseguida, sobretudo quando o investigador é sugerida pela “burla referencial”, para usar a
“estranho” à realidade observável e vice-versa. noção de Matusse em As poses indescritíveis.
A inserção torna-se, então, não raras vezes, Com efeito, ao fim das 145 páginas do romance
conflituosa, e essa conflitualidade determina o de Khosa, depois de levados, por esse mundo
tipo de conhecimento que se produz, um de sabedoria a resgatar, pelos olhares,
conhecimento pouco emancipador, que castra pensamentos e racionalidades que se cruzam e
o diferente. É prestando a devida atenção a muitas vezes se negam – porque esse o projeto
este “delírio uniformizador” [3] que Matusse – perguntamo-nos se Nhabezi [5] ou o branco
(1998) repensa a teoria sobre o Fantástico, de Luís Antônio Gregódio, depois de morto,
41
longo do tempo, numa visão mais humanista e do conhecimento, a qual faz predominar os
até pragmática: valores vitais sobre os valores intelectuais, [8]
A princípio a relação [entre Tyago e Alfai] onde a ação, a emoção, a paixão,
tendeu a azedar-se por Alfai querer desempenham os principais papéis. Contra a
registrar em letra os procedimentos do imagem duma investigação paciente,
fabrico da pólvora e das gogodas, fato que controlada, discutida, oferece-se o modelo de
irritou Tyago, pois só a ele e poucos outros, um saber direto, indecomponível, intraduzível,
cabia passar o testemunho, dizia o messiri. onde signos como símbolo, mito, imaginação
E esses testemunhos não se fixam em letras constituirão a porta de entrada para um
que tremem ao vento. Tudo deve estar na universo de conhecimentos que o mundo da
nossa mente. Papéis aqui não, Alfai, oralidade encerra e cuja validade deve ser
sentenciou Tyago. potenciada. Não há, portanto, na recusa de
Tyago, um pretenso monopólio científico,
Atente-se ainda no excerto seguinte: quiçá determinado pelo caráter mitológico ou
pelo secretismo a que se refere o narrador,
A relação entre Tyago e Alfai estreitara-se como se poderia pensar. Pelo contrário, a
tanto com o tempo que Chicuacha deixara epistemologia africana há de homogeneizar
gradualmente de ser o confidente próximo porque tudo deve estar na “nossa mente”,
no momento em que se deslumbraram com tornando possível a comunhão. O acesso ao
as técnicas de fabrico de pólvora e armas conhecimento pressupõe sempre uma espécie
de fogo. Fora lá, nas resguardadas oficinas de iniciação, seja qual for o paradigma e as leis
de fogo e a mando de Gregódio, que que gerem o conhecimento. Assim se entende
Chicuacha e Alfai se deram conta de outras que o monopólio científico aqui é evocado
capacidades que não divisavam nos pretos. como referência à epistemologia ocidental, de
Rodeadas de secretismo e rituais, as base escrita, exclusiva, seletiva e que cria a
oficinas de armas e utensílios de ferro noção de Poder. É a esta imagem caótica, do
encontravam-se interditas aos não- Poder, a que o autor nos pode arrastar
iniciados. A elas só os iniciados por discorrendo sobre o fim último da
Nhabezi, Makula, Tyago e alguns mais epistemologia ocidental.
podiam se iniciar nas artes de fabrico de A escrita, aqui entendida como metonímia
pólvora, armas de fogo e outros artefatos de epistemologia ocidental, criou e vai
letais e não letais. Tal como os que se perpetuando o Poder, a subordinação de uns,
dedicavam à caça, canoagem ou ao que não sabem ler e escrever em português,
comércio, a atividade ferreira tinha os seus aos que detêm esse poder e assim o
rituais. conhecimento que ele mesmo produz e veicula.
De fato, a palavra grafada reclama a sua
Depreende-se que Khosa evoca, por um individualidade e subjetividade, e subjuga
lado, e na linha de Granger (1955), aquela outros tons na cadeia sintagmática. Aqui está
concepção fixista da razão científica, que metaforizado o fundamento, a gênese e a
rompeu com os quadros habituais da natureza das nações africanas, que não se
percepção, como é o caso da “apreensão das acautelaram perante estas questões de modo a
qualidades sensíveis individuais” dos objetos. potenciar outros saberes e outras formas de os
É obliterando esta “fruição em estado de produzir, de modo a salvaguardar o equilíbrio
simpatia”, ou seja, a especificidade e o contexto que a educação trazida pela colonização não
em que os objetos em análise se inserem, que consegue. Importa destacar, entretanto, que
este tipo de pensamento científico determina esforços há no sentido de empoderar o cidadão
antecipadamente a natureza dos problemas analfabeto do ponto de vista da gramática das
científicos e os tipos de procedimentos que línguas não locais. Basta pensar-se em desafios
levam às respectivas soluções. [7] Ora sabe-se como o Ensino Bilíngue ou em iniciativas de
que tais soluções muitas vezes não respondem organizações que têm pedido proficiência em
aos problemas colocados. Por isso Khosa línguas bantu a candidatos a emprego. Estes
sugere-nos, por outro lado, e ainda na esteira exemplos devem aguçar a nossa atenção de
de Granger (1955), essa concepção romântica
43
NOTAS
[1] Santos e Meneses (2009).
[2] Citado por Miguel Lopes (2008).
[3] Miguel Lopes (2008).
[4] Matusse (1998).
[5] Doutor ou curandeiro em língua local, como refere o narrador.
[6] Santos e Meneses (2009).
[7] Granger, Gilles-Gaston (1955).
[8] Não obstante, o autor lembra que não há fronteiras estanques entre estes paradigmas.
Lucílio Manjate (Moçambique, 1981). Romancista e ensaísta. Autor de manifestO (2006) e Os silêncios do
narrador (2010). Contato: cicopi07@yahoo.com.br.
44
tradição do oprimido, é indispensável que a Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter
questão de povo, assim, seja uma questão feito mal nenhum”, frase marcada por uma
política, uma coletividade que não é regra sutil aporia, a de nos apresentar um
geral, que não é ela mesma um estado de personagem inocente, Josef K, por não ter feito
exceção, de vez que não se inscreve como mal a ninguém; e ao mesmo tempo detido,
gregarismo, como sujeito, pois, ainda com culpado, processado por inscrever-se no
Deleuze e Guattari: coração da aporia, definida, por Aristóteles,
como “uma igualdade de conclusões
Não há sujeitos, só há agenciamentos contraditórias”, tal que o oposto é seu igual.
coletivos de enunciação – e a literatura O processo aberto contra Josef K., o próprio
exprime esses agenciamentos, nas romance, constitui-se tal como a definição
condições em que não são considerados aristotélica de aporia, (uma igualdade de
exteriormente, e onde eles existem apenas conclusões contraditórias), pois se produz e
como forças diabólicas por vir ou como reproduz, literariamente, no jogo sem fim dos
forças revolucionárias por construir. contrários reversíveis, metamórficos, o de ser
inocente e de ser culpado, como uma palavra
Dizer, assim, que a literatura, como questão única, povo, posto que K é tanto mais inocente
de povo, faz-se como “forças diabólicas por vir quanto mais culpado e de igual forma é
ou forças revolucionárias por construir”, também tanto mais culpado quanto mais
relaciona-se, penso, com o argumento de uma inocente, tal que, diante desse círculo virtuoso,
revolução permanente, sem origem e fim, o mais que vicioso, a questão política emerge
próprio processo como desprocesso K., povo como agenciamento coletivo de enunciação:
sem povo que a si mesmo se revoluciona, sem todos, o povo, são inocentes, porque todos, o
cessar, como agenciamento coletivo de povo, são igualmente culpados.
enunciação, uma literatura menor, logo como Dessa forma, é possível interpretar que o
um não-sujeito, nem individual nem coletivo; romance O Processo constitui-se, não sem
um não-sujeito que se faz o tempo todo como ambiguidade, como a ficção de um processo
futuro diabólico e revolucionário; um futuro de jurídico-burocrático alimentado pela aporia
criação e autocriação permanentes, por mais culpado/inocente, o povo, de tal sorte que o
impossível que pareça, de vez que se constitui pronome indefinido “alguém”, sujeito da
pela não necessidade de tradição, sem regra sentença, “Alguém havia caluniado Josef K…”,
específica ou geral, sem estado de exceção define-se, e vale o paradoxo, como coextensivo
restrito ou geral; sem exceção; uma ao próprio romance, como narrativa ficcional
autoinvenção, portanto, sem opressor nem de um tribunal de exceção em que não apenas
oprimido. K é processado, mas K como a marca da
E aqui, na suposição de que nos afastamos literatura menor, como uma polifônica questão
da narrativa de Franz Kafka, novamente de povo, uma vez que:
chegamos ao processo de significação de O
Processo. Trata-se de uma narrativa (como de A letra k já não designa um narrador nem
resto o conjunto da literatura de Kafka) que uma personagem, mas um agenciamento
detém simultaneamente os três traços de uma muito mais maquínico, um agente muito
literatura menor, a desterritorialização de uma mais coletivo porque um indivíduo se lhe
grande língua, o alemão, para um judeu checo; encontra ligado na sua solidão (só em
a individualidade de um caso, o processo relação a um sujeito é que o individual
contra o protagonista K., que se torna um estaria separado do coletivo e cuidaria dos
processo – ou um desprocesso, conforme se seus próprios interesses).
verá – contra qualquer um, adquirindo, assim,
a potência de um agenciamento coletivo de Por outro lado, a polifônica questão de
enunciação, de vez que constitui um processo povo, inscrita na dimensão político-coletiva da
geral, contra e/ou a favor do devir povo. literatura menor, pode perder sua força de
E a literatura menor, em O Processo, agenciamento coletivo de enunciação,
evidencia-se já na primeira sentença da quando,com Deleuze e Guattari, o sujeito, no
narrativa: “Alguém certamente havia caluniado sentido egocêntrico, toma para si, e apenas
47
para si, a questão individual, não permitindo situações penosas que perpassam neste
que esta a si mesma se processe como romance, sobre todas as imerecidas
coletividade revolucionária e diabólica (porque desgraças, paira esta divisa: “Isto assim
de alteridades, sem nome próprio), situação não pode continuar.” Uma maneira nova,
que nos remete, de imediato, à problemática da muito diferente, de enraizamento tem de
apropriação judaico-hermenêutica da ser procurada.
literatura e da biografia de Kafka, como uma Se, tendo em vista o conceito de literatura
questão, no que diz respeito à letra K., não de menor, para alcançar o agenciamento coletivo
povo, mas de um povo escolhido, com nome de enunciação, a questão individual deve
próprio; um povo cujo sofrimento a si mesmo adquirir a potência de ser e de fazer-se
se escreve como único, incomparável, coletivamente, como uma questão comum ao
transcendental. conjunto das alteridades de classe, de gênero,
É de se esperar que essa possibilidade étnica, cultural, geográfica, de povos, restringir
receptiva, de destacar o lado judeu de Franz hermeneuticamente a literatura de Kafka à
Kafka, e constituir uma hermenêutica questão judia constitui uma nítida forma de
hebraico-religiosa de sua produção literária, apropriação sionista-ideológica-religiosa da
era, até certo ponto, previsível, tendo em vista potência povo inscrita na letra K., o
o fim do êxodo milenar do povo judeu, após a protagonista de O Processo e de O Castelo;
Segunda Guerra Mundial, com a definição da uma forma de confiná-la num estado de
Palestina como o lugar geopolítico, para não exceção identitário, transformando-a em uma
dizer geoestratégico, escolhido para abrigar a questão político-narcísica, porque evita e
nação judia; abrigo que implicou um esforço recusa tornar-se uma questão comum ao
enorme para conter, numa fronteira espacial, conjunto dos povos, nessa larga história da
uma multiplicidade de personalidades tradição de oprimidos, que é a que vivemos,
científicas, culturais, políticas e religiosas palestinos, judeus, os povos todos.
judias – e o conjunto de suas realizações –, Isto não significa, evidentemente, que a
com o objetivo de compor um mitológico literatura de Kafka não toque na questão do
mosaico estilhaçado de uma identidade largo exílio e do singular sofrimento dos
espalhada pelo planeta. judeus. Não é essa a questão, se é judia ou não
A literatura de Franz Kafka – e ele mesmo, judia, mas a potência comum, como
biograficamente falando – foi, pelas razões agenciamento coletivo de enunciação, inscrita
expostas, incorporada ao caudal cultural- no sofrimento por que passou o povo judeu,
literário da produção, em processo, da como índice geral do sofrimento de todos os
identidade imaginária da nação judia, o que é povos do planeta; e não como um sofrimento
possível ser evidenciado, por exemplo, na excessivo, de exceção, de um único povo,
biografia feita por seu amigo íntimo, Max religiosamente escolhido, razão pela qual “a
Brod, que conviveu com Kafka em seus últimos longa história do sofrimento dos judeus”
anos de vida, no período que tentava se curar constitui a história de todos os povos, na longa
da tuberculose, em consequência da qual o tradição de oprimidos, como regra geral.
autor de O Castelo morreu em 3 de junho de Especificamente em relação ao romance O
1924. Castelo, o fato de que K. não tenha conseguido
A propósito, num capítulo intitulado, não abrigo, ou sido aceito, nem pelos camponeses,
por acaso, Evolução Religiosa, analisando a nem tampouco pelos integrantes do castelo –
gênese de K., o personagem comum de O versão kafkiana, de nossa casa grande/senzala
Processo e O Castelo, Max Brod diz do – não significa que K. tenha falhado, como
protagonista K., tendo em vista a trama deste afirma o fragmento da biografia de Max Brod,
último, O Castelo: mas que, diversamente, na tradição do
oprimido, ocupar qualquer polo da aporia, a do
Na longa história dos sofrimentos dos inocente ou do culpado, a do opressor ou do
judeus já se ouviu tudo isso. K. falha de oprimido, como se fora um lugar de
maneira lastimosa e ridícula, embora identidade, constitui uma forma de naturalizar
tivesse empreendido tudo com tanta tal tradição, processando sem cessar a sua
seriedade e consciência. Sobre todas as exceção como regra geral.
48
No parágrafo seguinte, por sua vez, diante – Eu me submeto ao meu cliente – disse o
da constatação do pintor de que, sendo pintor.
inocente, tudo fica mais fácil, o narrador não
deixa de observar a surpresa de K., porque não Sem desconsiderar a possibilidade de
esperava que alguém, por ser da confiança do interpretar a passagem acima, tendo em vista
tribunal, pudesse ser tão insciente, pois, para o antes de tudo a última fala de Titorelli, “Eu me
tribunal, é possível deduzir que no mínimo submeto ao meu cliente”, como uma evidente
somos suspeitos. Logo não existe o mais fácil, crítica à submissão da arte aos ditames do
com a simples constatação de que somos mercado, leitura que constitui um restrito
inocentes. senso comum, o conjunto do fragmento diz
De qualquer forma, torna-se relevante muito sobre o lugar insciente de Titorelli, logo
analisar o motivo pelo qual o pintor, logo um da arte, no mundo.
artista, é tão insciente, mesmo e além de ser de Titorelli é insciente porque este é o lugar
confiança do tribunal. Evidentemente, social atribuído à arte, ser insciente, como se
Titorrelli não é um herdeiro dos pintores e dos fosse possível distanciar-se da aporia
poetas, aos quais Platão expulsou da cidade, culpado/inocente, em nome da constituição de
em conhecida passagem do livro A República, uma autonomia, a da obra da arte, com sua
na qual os acusava, o pintor e o poeta, de imanência autorreflexiva a falar de si mesma;
serem perigosos por produzirem, com suas como se fosse possível driblar e igualmente
artes, simulacros, cópias de cópias, que nada distanciar-se da suspeição que nos toca a
mais são que artifícios produzidos no mundo, todos, como questão política, como
materialmente, concretamente, o que poderia agenciamento coletivo de enunciação.
pôr em xeque o mundo sem mundos, este que Sua arte, assim, não se submete apenas ao
constitui o mundo arquetípico, idealizado por mercado, mas ao indefinido pronome
Platão. “alguém”, o tribunal, como instância
Titorelli é o pintor de juízes e funcionários suprassensível, platônica, transcendental. É,
do tribunal e, sendo da confiança deste último, pois, uma arte a serviço da soberania, essa
é, poderíamos dizer, um pintor platônico, entidade abstrata, tanto mais presente quanto
arquetípico, razão pela qual, ao invés de mais ausente, valendo também um vice-versa
simulacros, produz as imagens ideais para o aporético tal que é ausente quanto mais
tribunal, como a Deusa da Justiça e a da presente.
Vitória, pintadas ao mesmo tempo, por ele, Pintar o indefinido “alguém”, o tribunal,
formando uma figura híbrida, a justiça da corresponde, no meu entendimento, ao que
vitória ou a vitória da justiça? Certamente mais Luiz Costa Lima, em Limites da Voz, Kafka
uma aporia, dentre outras, cunhada a pedido (1993) diz sobre a literatura deste último, e
do tribunal, ou de sua rede sem fim de especialmente sobre O Processo, que a arte de
funcionários aporéticos. Kafka faz desaparecer as territorialidades
A certa altura, diz K, relativamente a esse estáveis, tal que tudo que parecia estável se
quadro de Titorelli, da Deusa da Justiça e da torna caótico.
Vitória combinadas: A propósito, apresento o mencionado
fragmento em que Luiz Costa Lima se
– Agora já a reconheço – disse K. – Aqui posiciona a respeito:
está a venda nos olhos e aqui a balança.
Mas com asas nos calcanhares e em plena O desaparecimento em Kafka de
corrida? territorialidades estáveis torna o que
– Sim – disse o pintor –, tive de pintar parecia firme parte de um jogo caótico,
assim por encomenda; na verdade é a cujas regras ou inexistem ou se
Justiça e a deusa da Vitória ao mesmo desconhecem. É como se, lançando-se mão
tempo. de uma categoria ainda não formulada nos
– Não é uma boa vinculação – disse K. anos de Kafka, os jogos de linguagem, a
sorrindo. – A justiça precisa estar em que Wittegenstein se referiria nas
repouso, senão a balança oscila e não é Investigações, houvessem de repente se
possível um veredito justo. desregulado e que, a partir de certa
51
manhã, cumprissem trajetos que ainda na poder na época de sua gestão totalitária
véspera não eram tolerados. Mas não das condições de existência. A aparência
esqueçamos que essa desregulagem vigora fetichista de pura objetividade nas relações
apenas para o Quixote peculiar que é espetaculares esconde o seu caráter de
Joseph K. relação entre homens e entre classes:
parece que uma segunda natureza domina,
Por mais, nesse sentido, que a arte de com leis fatais, o meio em que vivemos.
Titorelli pareça ilustrativa, fundada na cópia, Mas o espetáculo não é o produto
por pintar rostos de juízes e ícones clássicos da necessário do desenvolvimento técnico,
mitologia, como a Deusa da Vitória e da Justiça visto como desenvolvimento natural. Ao
combinadas, com Costa Lima compartilho o contrário, a sociedade do espetáculo é a
argumento de que essas territorialidades forma que escolhe seu próprio conteúdo
estáveis, marcadas platonicamente pela cópia técnico.
de idealidades, deixaram de ser, tendo se
tornado cópias de cópias, vale dizer, Vê-se, assim, que o argumento de Costa
simulacros abstratos de um tribunal que se Lima de que Kafka inscreve, em sua literatura,
espalha por todos os lados, destituindo a insubstancialidade da Lei, é procedente. O
inclusive o lugar da verdade e da ficção, razão Processo, sob esse ponto de vista, é a ficção da
pela qual o mesmo Costa Lima em seguida insubstancialidade da Lei, logo de um tribunal
aponte, relativamente à literatura de Kafka, à que não tem lugar, que é regra geral. Nesse
insubstancialidade da Lei, para concluir que o sentido, Tittoreli, é possível interpretar, é
fato de que vivemos numa civilização de insciente porque a insubstancialidade da Lei
imagens constitui uma evidência de que a deve ser igualmente insciente, no duplo
própria arte se espalhou, deixando, portanto, sentido de ser inconsciente e ao mesmo tempo
de ocupar um ponto no frágil equilíbrio da a positividade ingênua de uma segunda
República platônica, como coparticipante do natureza, nos termos de Debord, por se
verdadeiro filósofo, logo como produtora de apresentar como fatalidade, como
cópias, visto que o simulacro, em Platão, inevitabilidade, uma vez a insubstancialidade
constitui o lugar tanto do falso pretendente à da Lei deve ser produzida a partir de uma
verdadeira filosofia quanto da verdadeira aparência fetichista de pura objetividade nas
arte. relações espetaculares (DEBORD, 1997, p.20),
O estatuto da ficcionalidade de nossa motivo pelo qual, embora em outro contexto,
contemporânea civilização icônica, a que Guy Luiz Costa Lima diz:
Debord chamou, em livro homônimo, de
sociedade do espetáculo, deixou de inscrever Mas essa onipresença da ficção-sem-
cópias de idealidade e transcendências, como qualificativos não significa que o ficcional
no tempo da hierarquia entre arte erudita e deixou de ser controlado. Foi a hipótese do
popular, para produzir a totalidade social de controle do imaginário, tal como incidindo
simulacros de democracia de ficcionalidades, sobre seu produto por excelência, a obra
tal que, no interior da cultura de massa, somos ficcional, que de início nos atraíra para o
todos socialistas da ficcionalidade, estudo de Kafka. No curso deste
independente de nossa posição a priori de percebemos sua ligação com a
classe, pois, com alguma variação de gênero, a problemática kantiana. Ao analisá-la,
estilização da vida, sob o signo da plasticidade verificamos não só a possibilidade de
igualmente totalitária dos direitos civis – posto historicizar a questão de Kafka,
que passa a ocupar o lugar dos direitos relacionando-a com os Frühromantiker,
econômicos e sociais –, nos envolve a todos, como, ademais, no interior da Terceira
em tempo real, no espetáculo generalizado, a crítica, de levantar a presença de uma
respeito do qual Guy Debord diz: ambiguidade de que até então não
suspeitávamos, a ambiguidade entre
O espetáculo é o discurso que a ordem estetização e criticidade. A estetização
atual faz a respeito de si mesma, seu notada e seu desenvolvimento servirão de
monólogo laudatório. É o autorretrato do respaldo para o contemporâneo culto da
52
imagem. Assim pois, de maneira ainda No sentido mais amplo do progresso do
mais surpreendente, Kant e Kafka se pensamento, o esclarecimento tem
encontram: se o filósofo inicia a trilha perseguido sempre o objetivo de livrar os
sobre a qual se constituirá a estetização, homens do medo e de investi-los na posição
pela qual se legitima o culto da imagem, o de senhores. Mas a terra totalmente
escritor abre a possibilidade de retornar-se esclarecida resplandece sob o signo de uma
a criticidade, exaltada por Kant, que, no calamidade triunfal. O programa do
caso da literatura, foi cedo sufocada. esclarecimento era o desencantamento do
mundo. Sua meta era dissolver os mitos e
Em A crítica da razão pura, Kant apresenta substituir a imaginação pelo saber.
duas formas de conhecimento, o empírico, a
posteriori; e o puro, ou a priori . O primeiro O argumento de um conhecimento puro e a
deduz-se dos dados fornecidos pela experiência priori , de Kant, tal como a axiomática de
imediata (por exemplo, “uma mulher atravessa Aristóteles, igualmente fundada na crença de
a rua”); o segundo, por sua vez, não depende um conhecimento anterior a qualquer
de qualquer experiência sensível e, para Kant, é demonstração, está investido de posição
universal. senhorial, de modo que, o que nele se constitui
Diferentemente do primeiro, o como experiência, nada tem a ver com a
conhecimento empírico, que diz respeito a uma experiência comum, dos viventes, posto que
experiência particular, apreendida a constitui simplesmente uma experimentação
posteriori , porque fundada na apreensão de ou um dar-se à prova a partir de uma
acontecimentos vividos; o segundo é a priori , percepção senhorial em que a técnica se
como no exemplo de que “a menor distância sobrepõe e manipula o objeto, como a um
entre dois pontos é a linha reta”, porque não corpo a dissecar.
depende de vivências ou acontecimentos para Sob esse ponto de vista, a relação entre
ser aceito, razão pela qual, em tese, vale para estética e criticidade só faz sentido, em Kant,
todos os viventes; é universal. tendo em vista a primazia do conhecimento
Ao propor, entretanto, um conhecimento a puro, marca abstrata de um tribunal de
priori , universalmente oposto às experiências transcendências transcendentes, paroxismo
do cotidiano, Kant delineou um campo de que assim designo porque se trata de uma
transcendência de abstratas e matemáticas transcendência inspirada num evidente
propriedades; campo que precede e constitui a preconceito epistemológico, por ter a
base argumentativa para a relação sintética matemática e a física como saberes
entre estética e criticidade, desenvolvida em hierarquicamente inspiradores,
Crítica da Faculdade de Julgar, gancho teórico desconsiderando uma infinidade de outros
para Costa Lima relacionar Kafka a Kant, sob o saberes e outras epistemologias, não
argumento de que aquele, ao produzir uma eurocêntricas, marcadas por uma profusão de
literatura em que a estética e a crítica são possibilidades, fora da matemática e da física e
convergentes, dialoga com este e, por mesmo fora do imperialismo epistemológico
consequência, com os primeiros românticos. que tem colonizado e adestrado os saberes no
Considero, por sua vez, no que diz respeito sistema-mundo moderno.
a essa relação entre estética e criticidade, que Essa digressão foi necessária porque Kafka
Costa Lima realizou uma sutil performance realizou o inverso da proposta de Kant: sua
retórica, pois Kant, tendo o princípio do literatura parte do campo de imanência, cuja
conhecimento puro como referência fundante, base é uma complexa infraestrutura que tem
produziu um pensamento de base científica, uma constelação de particulares como
mas eurocêntrico e inscrito no campo das aglomerado ficcional, razão pela qual o
ciência naturais, no qual e através do qual o conhecimento a posteriori , empírico, é
mundo sensível é instrumentalizado e constituinte de sua narrativa de ficção, como
submetido, sob o signo do esclarecimento, tal premissa da insubstancialidade da Lei, que
como definido por Adorno e Horkeheimer: assim o é, assim como a literatura de Kafka,
porque nela não existe o a priori universal.
53
É, assim, nesse plano do mundo do aqui e por corroer a velha crença metafísica na
agora imanentes que Kafka realiza, em sua Verdade, abra caminho para uma ideia de
literatura, essa outra aporia, a da relação entre verdade menos majestática, menos
estética e criticidade, motivo pelo qual julgo imponente, histórica e culturalmente
mais procedente aproximar Kafka de Marx, cambiante, impotentes para o controle dos
este pensador da máquina imanente do discursos “não verdadeiros” .
capitalismo, cuja criticidade teórica procura
mostrar como isto que parece uma Verdade Assim como não é apenas o protagonista
transcendente, e profundamente estetizada, o Josef K. que desregula territorialidades
capitalismo, inscreve-se no plano da imanência estáveis, fundadas em Verdades
das relações de produção e, portanto, das transcendentes, mas todo o romance O
relações de poder. Processo, também não é possível compartilhar
Talvez não seja circunstancial que Costa com o princípio de esperança expresso no
Lima tenha afirmado que apenas o Quixote fragmento acima de Costa Lima, de uma
Josef K. seja o tributário, como personagem de possibilidade positiva a corroer a crença
O Processo, da desregulagem de metafísica da Verdade, na pressuposição de
territorialidades estáveis. Nada mais que Kafka, com O Processo, tenha antecipado o
equivocado, porque, como literatura de a fim dessa metafísica.
posteriori , de constelação de particulares Não existe no romance O Processo, assim o
universais, todo o romance O Processo, na interpreto, uma ruptura de época e o indício
verdade, tem a lei como insubstancial, que seja de outro começo. Kafka não é um
desancorada de qualquer regulagem territorial, escritor evolucionista. Só sob o ponto de vista
de qualquer metafísica da Verdade. de uma epistemologia positivista-
A questão aqui, nesse sentido, é de foco: evolucionista, logo transcendental, é possível
Costa Lima acerta em pensar a literatura de afirmar ou sustentar o argumento de
Kafka como insubstancial, tecida e entretecida antecipação, na suposição de que vivíamos
por desregulagens territoriais, mas erra ao antes da sociedade da entronização eletrônica
inscrevê-la como uma espécie de terceira via da imagem, num mundo de substancialidade
do primeiro romantismo alemão, através de da Lei, como sugere Costa Lima.
Kant, pela simples razão de que a Não existe e nunca existiu um mundo de
desregulagem territorial da literatura de Kafka substancialidade da Lei, da metafísica da
se dá no plano de imanência de agregados de Verdade, assim como, para acrescentar mais
acontecimentos, de passados e de presentes, outra aporia entre as demais, o mundo das
mas sempre imediatos, particulares, ou grandes civilizações, inclusive a nossa, da
universalmente particulares, para me valer de entronização eletrônica da imagem, nunca
mais uma aporia. deixou de ser o da Metafísica da Verdade ou da
É igualmente em nome da substancialidade da Lei.
insubstancialidade da Lei que Costa Lima O par substancialidade e insubstancialidade
afirma que Kafka antecipa a atual sociedade da da Lei constitui, portanto, uma aporia
entronização eletrônica da imagem, na estratégica do estado de exceção, que é
suposição de que esta última é insubstancial, igualmente regra geral. Para explicar essa
razão pela qual afirma: aporia, retomo um trecho já citado de Guy
Debord:
Poderá então ser que a obra maior de
Kafka indique menos um fim do que um A aparência fetichista de pura objetividade
outro começo. Podemos saber de que é o nas relações espetaculares esconde o seu
fim. (…) A questão consiste em saber se este caráter de relação entre homens e entre
jogo ainda tem regras. Mas, enquanto classes: parece que uma segunda natureza
houver sociedade humana, poderá ele domina, com leis fatais, o meio em que
deixar de tê-lo? Assim a crítica vivemos.
devastadora da entronização eletrônica da
imagem poderá ser cega a uma Embora obviamente se refira à sociedade
possibilidade positiva: a de que ela, mesmo do espetáculo, aproprio-me do fragmento
54
citado, a fim de destacar que a segunda vicioso que não leva senão a seu próprio
natureza humana, traduzida para o contexto da absurdo, como segunda fatal natureza, como
tradição do oprimido, é a da substancialidade se, ao ser caluniado, Josef K. não pudesse ter
da Lei como fundamento metafísico de outro destino senão o da morte assassinada,
aparência fetichista capaz de esconder o por um indefinido “alguém”; e tudo como
caráter de relação entre homens e classes, estado de exceção que se impõe como regra
logo, apto a escamotear a particularidade, geral.
igualmente a posteriori , do estado de exceção, É como se o romance, O Processo, em cada
cuja universalidade o é apenas sob o ponto de momento de sua produção absurda de
vista da substancialidade de sua própria Lei, sentidos, o próprio desenrolar da narrativa,
imposta, em última instância, à força, visto que nos mostrasse o quanto, na tradição do
a lei é sempre insubstancial. oprimido, toda produção de sentido é absurda;
É nesse sentido que Kafka constitui um é segunda natureza de farsesca imanente
escritor imbuído de criticidade, por apresentar transcendência, de vez que o estado de exceção
o estado de exceção da modernidade e na só consegue sê-lo através de um conjunto de
modernidade como uma estetização mundana estratégias e táticas de efeitos de verdades, que
e imanente, insubstancial, na qual o único se tornam tanto mais efeitos de poderes quanto
propósito das formações despóticas do mais conseguem se apresentar como efeitos de
tribunal, a que podemos chamar de impostora transcendência, motivo pelo qual o princípio
substancialidade da Lei, como um processo de esperança de Costa Lima, de uma sociedade
generalizado contra o devir povo, contra K., não fundada na metafísica da Verdade, embora
constitui o de “ocultar a ausência de fim e de marcada pela entronização de imagens
sentido de sua soberania com o fim orgânico da eletrônicas, não procede, tendo em vista
sua criação”. mesmo o romance O Processo, cujo devir
Insisto, portanto, que todo o romance O ficcional é este em que o sentido é sempre
Processo é imanente e, assim sendo, tudo nele transcendentemente imanente, na tradição do
é imanente, o indefinido “alguém” e o oprimido, posto que é sempre um sentido
personagem Josef K., como devir povo. O que fundado no estado de exceção, que é regra
se coloca, no romance, é o que opto em chamar geral, seja no regime das velhas Verdades
de transcendência imanente, na dimensão metafísicas, seja no regime das minúsculas e
mesma do indefinido “alguém”, e essa é mais provisórias verdades fugazes produzidas no
uma sutil ironia de O Processo, considerando interior da sociedade do espetáculo.
que designo como transcendente imanência o Pouco importa, assim, se o pintor Titorelli
fato simples de que o indefinido “alguém” pareça não ter conhecido as vanguardas
apenas estrategicamente se apresenta como artísticas do final do século XIX e do início do
transcendente, por ser o lugar que, para existir século XX, demonstrando, desse modo, ser tão
como regra geral do estado de exceção, deve insciente. Pouco importa se soe anacrônico
ocultar a ausência de sentido da reproduzindo, na época da fotografia, rostos de
substancialidade da Lei. juízes e obras artísticas da antiguidade clássica.
Assim, tendo em vista que O Processo Se tudo é imanência, se o tribunal está em todo
constitui um romance em que a imanência sim lugar, é uma exceção que é regra geral, talvez o
é regra geral, tudo, em seu enredo, soa absurdo que menos importe seja o pintor Titorelli, de
e ao mesmo tempo risível e debochado, vez que toda obra O Processo é uma sucessão
sobretudo se lemos a narrativa sob o ponto de de quadros-mundo, tal que o ateliê de Titorelli
vista do que aqui chamo de antiprocesso, em O é seu quarto, que é um cortiço; tal que K., ao
Processo, ou de o processo irônico-imanente perguntar a uma menina corcunda se sabia
do devir povo Josef. K. contra o indefinido- onde morava Titorelli e dito a ela que o
imanente “alguém, e inclusive a própria morte procurava para que este pintasse um retrato
matada deste último, Josef K. no último seu, de K., a corcunda menina tenha achado
capitulo da narrativa, constitui mais um estranho que um pintor pudesse pintar, pela
momento hilário desse absurdo mundo de simples razão de que essa menina, assim como
estado de exceção em que vivemos, cujo fim é o as demais que acompanhavam, em algazarra, a
começo e cujo começo é o fim, como círculo K. até o quarto de cortiço de Titorelli, não são
55
para arte, tornando-a fixa e inerte. Arrisco a dizer, como contraponto, “enquanto vida
hipótese, a propósito, de que, como romances realmente não vivida”. Já o procedimento de O
complementares, igualmente aporéticos, O Castelo, como complementar ao primeiro,
Processo e O Castelo utilizam respectivamente procura mostrar que a vivida (não) vida, só o é,
o primeiro e o segundo procedimentos, aos na tradição do oprimido, porque está a serviço
quais chamarei de efeitos de arte, como efeitos de um – ou vários – dentro-transcendência,
de dentro e de fora. que, aqui, equivale ao dentro castelo, razão
Sob esse ponto de vista, O Processo pela qual a mãe amamentando a filha constitui
inscreve-se, como técnica narrativa, usando, um verdadeiro quadro do castelo e/ou do
como procedimento, efeitos de fora, como se tribunal, por serem, estes últimos, igualmente
um a priori arte se transformasse num a alimentados pelo cotidiano: leite diário de todo
posteriori vida; como se a fixidez da arte, sob dentro transcendental.
uma moldura, se flexibilizasse a fim de É nesse sentido que é possível dizer que os
expressar todo o fora, que também é arte; é pedidos de quadro, feitos pelo tribunal ao
artifício. Por outro lado, no caso de O Castelo, pintor Titorelli, constituem bem mais que uma
a técnica utilizada por Kafka é a do efeito de demanda para quadros enquanto tais, como
dentro, da arte, tal que uma mulher efeitos de um dentro arte, porque o próprio
amamentando, estando no mundo, constitui, Titorelli é parte da demanda, como artista, um
no entanto, um quadro fixo de uma cena do fora da pintura por ele pintado, razão pela qual
mundo, embora não de qualquer mundo, mas Titorelli foi indicado como aquele que conhece
do mundo do estado de exceção como o tribunal, porque tem o tribunal dentro e fora
artificioso processo de inscrição de sua de si: dentro, como aquele que pinta o tribunal
limitada regra geral, constituída pelo jogo de e; fora, porque é também aquele que pinta o
exceções entre um castelo do qual se fala, pelo tribunal por trazê-lo em si, fora de sua pintura
qual se vive e através do qual toda uma vila é como resultado de uma arte castelã, de
marcada por uma espécie absurda e não transcendências, posto que ele mesmo,
declarada de toque de recolher. fisicamente, constitui-se como a pintura
Por outro lado, como o tribunal é andante do tribunal, como um Quixote às
onipresente, é dentro e é fora, os efeitos arte de avessas.
dentro e de fora constituem duas formas de Eis aí, portanto, o jogo entre o dentro e o
expressá-lo. De qualquer forma, o que fica fora; jogo que nos diz (é a constatação de K., o
patente, nos dois procedimentos, é o aqui e o povo) “que Titorelli é insciente”, e o é porque
agora do tribunal, como imanência, porque não consegue realizar sua pintura fora do
ambos apontam para a cotidianidade do tribunal, por ser ele mesmo, como pintor do
castelo /ou do tribunal. O primeiro, como tribunal, um efeito de fora deste último, mas
efeito de fora, levando o tribunal e/ou castelo não um fora de fato, uma vez que, no estado de
para a rua e, o segundo, por sua vez, como exceção, tudo é dentro do tribunal, seja o fora
efeito de dentro, empurrando o mundo para os Titorelli, por trazer dentro de si a reificação do
moldados quadros dos espaços fechados: as tribunal, pintado dentro dele; seja o dentro
instituições, os campos disciplinares, os arte que Titorelli produz, considerando a
valores, as identidades, de tal sorte que o pintura que realmente realiza, por constituir-se
tribunal (ou o Castelo) se faz como regra geral como pintura do próprio rosto do tribunal,
porque sua distância é apenas um efeito de retratista de juízes que é.
ilusão, efeito que se expressa no dentro e no De qualquer forma, apenas sob o ponto de
fora, na rua e na casa, no público e no privado, vista da existência do processo contra K. (de
pelos viventes do estado de exceção. um povo caluniado) é que é possível a
A técnica de O Processo consiste em existência paradoxal de um, digamos, pintor
espalhar a transcendência de um suposto fixo pintado, por ser ele mesmo um quadro carnal
dentro, como identidade estanque do tribunal, do tribunal. Assim, considerando a tradição do
para o cotidiano, demonstrando que o tribunal oprimido, como regra geral, tudo é estado de
está no fora, na vida, enquanto vida realmente exceção; tudo deve produzir um efeito de
vivida, embora como vida de exceção, da dentro, que produz um efeito de fora, e vice-
tradição do oprimido, donde seria possível versa, de tal sorte que o papel da função arte,
57
NOTA
[1] Walter Mignolo, a partir de uma proposta descolonizadora, pinta, para ficar no mesmo campo
semântico, o quadro platônico da história da formação dos padrões epistemológicos do
Ocidente.Para Mignolo, a colonização ocidental do planenta não pode ser pensanda fora dessa tripla
aliança, a do saber, do poder e do ser, que primeiro foi teológico-medieval, depois foi filosófica e em
seguida foi científica, de tal sorte que a religião esteve sempre presente, a aueolar o perfil
jurisdicional típico do mundo ocidental, cujo ser, sendo teológico, filosófico e científico, o é tendo
com base um saber igualmente teológico, filosófico e científico, sempre marcado e demarcado por
essa tripla aliança, a grande língua da colonização ocidental, a que chamamos de universal, isto é,
bem entendido, o único verso possível de um só e mesmo dentro, pintado com o ouro sequestrado, o
ouro de sua propria arrogância epistemológica. Cf. Os esplendores e as misérias da ciência:
colonialidade, geopolítica do conhecimento e pluri-versalidade epistêmica . In: SANTOS,
Boaventura de Sousa. Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as
Ciências revisitado (2004).
Luis Eustáquio Soares (Brasil, 1966). Poeta, escritor e ensaísta. Publicou Paradoxias (1999), Cor Vadia (2003),
José Lezama Lima, anacronia, barroco e utopia (2008), El evangelio según Satanás (2010). Contato:
artevicio@hotmail.com.
58
Segundo ainda Luiz Felipe Pondé, não é que qual vemos o próximo, mas não lhe podemos
esse “homem do subterrâneo” – ou do subsolo, falar e ouvi-lo. Nem todos, porém, vivem nessa
como prefiro chamar – seja antimoderno. Ele prisão-túnel: fora dele estão justamente o que
sem dúvida está preso aos instrumentos e em Dostoievski eram os “homens de ação”,
modos de refletir modernos, porém sua ruína esses seres mergulhados na inautenticidade, no
demonstra que a compreensão moderna do ser medo e no cinismo. O túnel é, assim, signo de
humano, bem como o típico homem de ação uma vitória trágica, de uma vitória na derrota:
que ela engendrou, não satisfaz, é falaciosa. Eis ele condena, mas afasta o condenado do
o que diz a personagem dostoievskiana: “ […] rebanho. Dentre os que vivem uma existência
Vou vivendo os meus dias em meu canto, inautêntica fora do túnel, especial asco é
incitando-me a mim mesmo com o consolo destilado aos críticos de arte, que Castel
raivoso – que para nada serve – de que um considera como nada menos que a escória da
homem inteligente do século dezenove precisa humanidade. E por quê? Supostamente porque
e está moralmente obrigado a ser uma criatura são pessoas que querem comunicar o que não
eminentemente sem caráter; e uma pessoa de entendem, em vez de se calarem. São seres que
caráter, de ação, deve ser sobretudo limitada” evitam a dura verdade da incomunicabilidade
(in: Memórias do subsolo, trad. de Boris se amparado em clichês de notória ineficácia.
Schenaiderman). O homem do subsolo, com Quanto María Iribarne Hunter (atente-se ao
orgulho e dignidade, opta heroicamente por ser sobrenome inglês!) compreende o enigmático
um derrotado, um pária jogado nos quadro de Castel, o racionalismo deste, com
subterrâneos da vida, a fim de não se juntar suas teses negativas sobre os homens e a
aos que ele considera os medíocres, isto é, os capacidade de comunicação entre eles, entra
homens de ação. em crise. Este fato poderia levar Castel, não
fosse ele um derrotado por escolha, a
III | Essa meteórica discussão sobre o “homem reconsiderar suas ideias: afinal, a situação grita
do subsolo” permitirá, agora, entender melhor que, se não é possível uma autêntica
o personagem Juan Pablo Castel, protagonista comunicação com todos, ao menos com uma
de O túnel . Castel, como o protagonista das pessoa, quem sabe com o ser amado, isso é
Memórias e como Raskolnikov, leva seus possível. Mas ele não aceita que o amor (sua
raciocínios e críticas às últimas consequências, identificação intensa com María) ou a arte (o
descobrindo um túnel que o separa dos quadro que os aproxima, porque só os dois
demais. Assim, isolado, ele se encontra sempre entendem o simbolismo profundo da cena
acima ou abaixo da escala humana, pintada) possam transcender nossas
dependendo do humor, e pode tanto falar da limitações, estabelecendo uma ponte segura
humanidade como se dela não fizesse parte entre mim e o outro. Esta possibilidade de
como pode defender como normais posições transcendência o assusta, o encontro com o
que repugnam ao grosso da humanidade. Logo outro lhe parece menos uma espécie de milagre
no primeiro capítulo, por exemplo, Castel que uma conspurcação. Daí sua estranha
defende que os criminosos são mais limpos e reação: “Existió una persona que podría
inofensivos que os cidadãos comuns e lamenta- entenderme. Pero fue, precisamente, la
se de estar preso por matar apenas uma persona que maté” ( El túnel , grifos do autor)
pessoa, quando deveria de matado pelo menos Neste sentido, Castel, como também o
umas seis ou sete. inominado homem do subsolo de Dostoievski,
Castel é artista, é pintor, mas sua arte, em podem ser considerados heróis trágicos
vez de lhe permitir comunicar o inefável, o não incompletos, se endossarmos a seguinte
passível de verbalização, serve apenas para ele observação do filósofo Karl Jaspers em O
comprovar a mediocridade do gênero humano. trágico:
Talvez ele não se considere gênio, e, portanto,
não pense que não lhe entendem por se A visão trágica é um modo pelo qual vemos
encontrar à frente de seu tempo. Na verdade, ancorada metafisicamente a aflição
as pessoas não lhe entendem porque humana. Sem fundamento metafísico há
simplesmente, na sua visão, todos nós vivemos apenas miséria, lamento, infelicidade,
num túnel, translúcido e hermético, através do
61
comunidades. Então, quatro de nós aqui na muito trabalhosa, foi também muito
região de Great Smoky Mountains estamos informativa e me ajudou a criar ideias novas
trabalhando juntos para montar um livro de que fomentaram o enredo quando estava
poemas e ilustrações para o pessoal da Voice, escrevendo o livro.
que quer publicar este livro em nossa região No começo, eu estava intimidado pela
até junho deste ano. Os outros dois poetas com perspectiva de escrever um livro tão grande em
quem estou trabalhando nesse projeto são um gênero que eu não tinha feito muito, se é
Brent Martin, que eu já mencionei, da que fiz algo, no passado. Mas depois que fui
comunidade Cowee no condado de Macon, e pegando o jeito e comecei a escrever, percebi
Barbara Duncan, que vive ao longo da fronteira que estava me divertindo – o que é sempre um
Qualla e trabalha no Museu Cherokee em bom sinal
si nal (risos). Quando terminei, e olhando
Cherokee. O artista do grupo é Robert para trás, percebi que não tinha sido tão difícil
Johnson, da comunidade Celo, na saída de afinal. Foi muito trabalhoso e exigiu muita
Burnsville e na parte de trás do Mt. Mitchell. disciplina – o que não é o meu forte –
Estamos nos divertindo preparando esse livro e incluindo largos períodos de tempo e
estamos criando novos trabalhos para ele. Para concentração a fim de “me perder” nos
mim, tem sido uma coisa boa na medida em personagens e na história. Ao final, estou
que me obrigou a escrever poesia novamente, satisfeito com o que fiz. Agora, se eu pudesse
que foi algo que eu não fiz nos últimos anos, convencer um desses agentes disso! (risos
pois a maior parte do meu foco nesse período novamente).
foi principalmente na prosa de livros de não-
ficção. BG Quem são os “poetas regionais” locais
que você recomendaria para nossos leitores?
BG Você escreveu em quase todos os
gêneros até hoje, exceto ficção. Nunca tentou TRC Responder esse tipo de pergunta é
mesmo a ficção? muito complicado, existem tantos poetas agora
em WNC que se corre o risco de deixar gente
TRC Engraçado você perguntar. (risos). de fora e produzir atritos, terminando por fazer
Passei a maior parte de 2009 e 2010 inimigos em vez de amigos.
escrevendo e revisando meu primeiro Quando me mudei de volta para WNC no
romance. Atualmente, e durante os últimos final dos anos 70, havia bem poucos escritores
seis meses, estive à procura de um agente, o aqui que haviam sido publicados e eram
que está provando ser uma tarefa tão reconhecidos como poetas pela comunidade
assustadora como foi escrever o livro. O regional. Desde então, com o enorme afluxo de
mercado de romances tornou-se muito restrito pessoas se mudando para as montanhas de
e não se pode nem mesmo esperar ter um WNC, a população de poetas e escritores
romance publicado numa grande editora explodiu. E muitos desses poetas e escritores
atualmente sem ser representado por um estão escrevendo sobre a região como seu tema
agente. Mas estou divagando… O romance que principal. Nós temos uma “riqueza”, creio que
acabei de terminar chama-se Like Sweet Bells se pode dizer, de escritores agora em WNC que
Jangled – que é algo que peguei de estão tornando a nossa região mais conhecida
Shakespeare e um dos solilóquios de Ofélia no – o que é uma faca de dois gumes, como digo,
Ato III de Hamlet – e refere-se à parte da isto está atraindo mais pessoas para as
história que é essencialmente: “Romeo & montanhas e temo que estejamos alcançando
Julieta colocados em uma comunidade Shaker rapidamente, se já não atingimos, a capacidade
em Kentucky em meados de 1800”. máxima de carga que esta região suportará em
Então, é uma história de amor, mas com um termos de população humana.
monte de coisa dos Shakers do século 19 e da E isto provavelmente também é verdade em
história dos Estados Unidos e um monte de relação ao número de escritores na região
referências literárias e nuances. É ficção (risos). Existem tantos agora que é difícil às
literária histórica, de modo que me exigiu uma vezes para pessoas que estão interessadas em
boa dose de investigação a fim de conhecer os ler mais “escritores regionais” separar o joio do
detalhes do período. Mesmo a pesquisa sendo trigo, por assim dizer. Então, permita-me não
66
citar muitos nomes aqui, exceto para reforçar o Atualmente estou lendo dois livros do poeta
óbvio em termos de escritores que são irlandês e autor espiritual John O’Donohue,
universalmente reconhecidos como sendo mais que é, descobri, um dos pensadores espirituais
do que somente competentes e que têm mais avançados do planeta atualmente. Seus
alcançado reputação nacional. O que inclui dois livros, Beauty e Anam Cara,
Cara, realmente
escritores (cuja escrita considero poética em prenderam minha imaginação e já estão cheios
sua proficiência) como Charles Frazier (que de marcas, sublinhados e anotações a lápis. Só
vive em Asheville), Ron Rash (em Cullowhee), recentemente terminei de ler a mais recente
Wayne Caldwell (em Candler), Pam Duncan coleção de contos de Ron Rash, que achei
(Cullowhee), Kay Byer (Cullowhee)… fascinante. Ele continua melhorando e
Veja, certamente deixei de fora pessoas em melhorando, mais e mais sombrio (risos).
quem provavelmente vou pensar no meio da Também estou relendo a coletânea de
noite mais tarde. Esses são escritores poemas e contos de Dylan Thomas, The map of
estabelecidos, por isso estou tranquilo de love.
love. Aqueles que não conhecem o trabalho de
nomeá-los aqui. Mas apenas para citar o nome Dylan Thomas com a prosa deveriam rever
de um poeta emergente da região, deixe-me isso, pois ele é um dos melhores na minha
citar Brent Martin, que vive na comunidade de humilde opinião. E terminei recentemente um
Cowee no condado de Macon e que é o romance de uma escritora chamado Karen
representante regional de The Wilderness Harper, que escreveu um romance maravilhoso
Society. Seus dois últimos livros de poemas, intitulado Mistress Shakespeare.
Shakespeare. O título diz
começando com Poems
com Poems From Snow Hill Road , tudo. E um livro do antropólogo James Tabor
da New Native Press, em 2008, realmente o chamado The Jesus Dynasty,
Dynasty, que conta a
estabeleceram, em um tempo muito curto, fascinante história verdadeira da descoberta de
como uma das principais vozes poéticas em um túmulo nos arredores de Jerusalém que os
nossa região tendo-a como tema. Gosto muito arqueólogos acham que pode, de fato, ser o
do seu trabalho. local de descanso final de Jesus e sua família. E
Michael Joslin, que ensina na faculdade Lees-
BG O que está atualmente em sua mesa de McRae perto de Boone e seu livro Appalachian
livro Appalachian
cabeceira? O que você está lendo no momento? Bounty.
Bounty. Michael é o guia certo para as
montanhas noroestes de WNC. E estou lendo a
TRC Antes de tudo, acabei de ler um prosa e a poesia do escritor sul-americano
romance maravilhoso que descobri em uma Roberto Bolano – que expressa toda a raiva
viagem recente que fiz à costa do Alabama e do dos dias de hoje, especialmente para os leitores
Mississippi chamado The Poet of Tolstoy Park e escritores mais jovens que estão começando.
de Sonny Brewer. É um romance baseado em E, finalmente, o livro mais recente de Howard
um personagem real de Fairhope, Alabama, Zinn, intitulado The Bomb,
Bomb, que é um alerta
que é onde Brewer vive também. É um livro sobre a proliferação de bombas nucleares no
magistralmente escrito e uma história clássica mundo.
no estilo de To Kill a Mockingbird . Classifico-o Aí está. Como pode ver, leio vários livros ao
como um clássico moderno do sul. Também li mesmo tempo. Não é uma prática que
recentemente um livro cativante do escritor recomendo. Mas, no momento, é assim que
australiano Tim Winton intitulado The riders.
riders. funciona.
Foi pré-selecionado para o Booker Prize de
1995 por uma boa razão!
Bill Graham (Estados Unidos, 1966). Designer e escritor. Fundador e editor do jornal regional on-line
The Tuckasegee Reader . Entrevista realizada em março de 2011. Traduzida ao português por Márcio Simões.
Contato: billgraham4@g
Contato: billgraham4@gmail.com
mail.com & info@tuckreader.com
info@tuckreader.com..
67
***
A mais bela artimanha do diabo
diabo é a de persuadir-nos de que não
não existe.
Baudelaire
A PROPÓSITO DE O MESTRE DE ESGRIMA: é dada como uma lição prática de esgrima: “Do
O SOL NEGRO DE ESPANHA | A obra assalto”, “Ataque simulado duplo”, etc.
epigrafada, de Arturo Pérez-Reverte, é uma Depois da introdução, o autor refere como
parábola sobre a sabedoria. de passagem que é uma “tragédia”. Tal como
Debrucemo-nos sobre este livro iniciático, sucede com outros detalhes capitais (o nome
que, aliás, nos fornece o exemplo de como de Cazorla, tio de dois dos alunos de Jaime
progride um texto discretamente apresentado Astarloa, que assim sabe da existência do
como um thriller
thriller histórico – e o autor fá-lo mestre de esgrima e das relações que este tem
com a sutileza que lhe permite ter o necessário com o marquês dos Alumbres, o que permite
impacto, como se verifica a uma releitura. Este perpetrar-se a armadilha que o irá aniquilar)
procedimento é usual e caracteriza, aliás, isso é dito dissimuladamente, escapando à
outras tragédias da literatura policial como, atenção dos leitores menos atentos.
por exemplo, “Versão original” ou “Um Aparentemente, portanto, o livro é uma
domingo esquecido”, respectivamente de Bill história de mistério ambientada num período
Ballinger e Fred Kassak. A sequência novelesca histórico determinado.
68
***
Obrigam-nos a engraxar sapatos e depois alegam que só servem para engraxadores.
Langston Hughes
SOBRE VERSÃO ORIGINAL: ENTRE OS (o título original é esse) iniciado numa noite do
FUMOS DO AMOR E DA MORTE DE BILL Illinois, nessa Chicago enevoada ou ardente de
BALLINGER | Chega-se ao fim desta novela sol, “quente e preguiçosa”, essa cidade também
discretamente temerosa, uma das mais belas e brumosa devastada anos atrás por um incêndio
perturbadoras da literatura de mistério, com que a História registrou.
uma sensação de perda e de amargura. De Mas a breve trecho o leitor suspeita, e
relativa surpresa, que, contudo possui uma acaba por concluir devido ao seu estatuto, que
indicação norteadora. a coisa de fato faz sentido, ou melhor: que há
Nesta tragédia poderosamente encenada e um sentido singular, ainda que temível, oculto
magnificamente urdida na sua progressão nesta novela que por seu turno, ao contrário da
enquanto matéria escrita, o acento tônico recai primeira que analisamos, resulta dos próprios
sobre a questão das realidades e dos enganos limites do conhecimento ou se debruça,
que estas podem ter em si, uma vez que não é digamo-lo desta maneira, sobre o que se pensa
dado ao Homem saber o que está além do que saber.
se toma por verdadeiro e afinal contém todo É por assim dizer, simbolicamente, uma
um universo de falsos indícios, de falsas representação desse labirinto ou desse fumo
indicações, de desconhecimento dos sulfuroso que se depara ao “laborator per
sentimentos que realmente forjam as relações ignem” numa fase em que este caminha para a
entre os seres. E que num outro contexto tudo Segunda Obra e em cujos meandros tem de
teriam de criativo e de salubre ultrapassando a enfrentar as figuras enganadoras ou sinistras
fábula dos desencontros. dos dragões velhos cuspindo lava ou lamas
“Se abro o bico sem ser com um tipo fixe, mefíticas.
estou liquidado. E, além disso, quem “Krassy Almauniski abriu os olhos e
acreditaria em mim?” pergunta-se o distendeu-se na cama. Ficou quieta uns
protagonista logo na abertura desta ópera de momentos antes de se espreguiçar de novo. –
dois tons em que o discurso pessoal é Dezessete de Março… Dia de São Patrick –
contraponteado no itálico dos capítulos que disse para si mesma com satisfação – o dia dos
explicitam o que, para além dele, vai meus anos! – Saltou da cama e caminhou sobre
sucedendo no quotidiano que o ultrapassa. “A o soalho nu até junto dum pequeno espelho
coisa não faz sentido. Não faz mesmo nenhum que estava suspenso de um fio passado num
sentido. Tenho pensado no assunto vezes sem gancho pregado à parede. Desabotoou a camisa
conta, debatido a coisa comigo mesmo. E no de seda de homem, passajada, que lhe chegava
fim só consigo obter vagas imagens” – até quase aos pés e despiu-a.
continua Dan April (Abril, significativo nome – A partir de hoje – disse para si mesma –
de mês) a questionar-se numa tentativa de as coisas vão modificar-se”.
entender os acontecimentos que o rodearam e
que se transformaram num “retrato de fumo”
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Porque vos ensinam eles a amá-los, se é para vos tratar assim? Porque não vos deixam eles em paz?
William Irish
O homem é perecível; pode ser. Mas pereçamos resistindo – e se ao fim o que nos reservam é o vazio
e o nada, façamos com que isso seja uma injustiça.
Étienne de Senancour
A PROPÓSITO DE EXTERMÍNIO NO 31º complacências em frente do fato de que uma
ANDAR: A AURORA BOREAL DE PETER vida de ressuscitado seria, afinal, tão
WAHLOO | Há livros assustadores. Uns pelo angustiante e repugnante como a degustação
espírito, como por exemplo o “Lázaro” de de uma refeição apodrecida. Outros pela letra,
Andreiev, que nos coloca de chofre e sem como o “Drácula” de Bram Stoker sobre o qual
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já se disse que só um leitor completamente individualidades. E o além está muito longe…
destituído de sensibilidade conseguirá ler mesmo quando ao virar da esquina.
numa casa deserta e pelas horas mortas da Mas há sempre alguém que, com
noite. impetuosidade maldosa, “sem olhar à
Outros, por seu turno – e é o caso desta felicidade social a que se conseguiu chegar”
“utopia negra” vazada nas luzes boreais que (sic), resolve meter um pauzinho na
conformam as sociedades escandinavas – engrenagem. Por puro sadismo (como se diz
porque o que nele se encena está a acontecer neste ocidente cristão, civilizado e culto) ou por
paulatinamente. E não só naqueles rincões. maldoso anarquismo (como há dias disse
O caso sucedido há um par de semanas na publicamente um comandante da polícia
politicamente correta Noruega, onde os metropolitana inglesa, que ao mesmo tempo
monstros particulares são produto de uma solicitou aos cidadãos britânicos que, e cito,
administração cuja tenaz cegueira é a prova do denunciassem os vizinhos que soubessem que
seu cinismo suave e perito em enterrar a perfilhavam ideias anarquistas – o que quer
cabeça na neve (e já não, como as avestruzes, que isto seja…)? Ou, ainda, por impiedade,
na areia do deserto) para sagração de um como se diz naqueles países do oriente que têm
oportunismo que finge supor que os cidadãos a dita de existir em teocracias?
são um resíduo angélico para que se não vejam Alguém, portanto, usando precisamente
as partes demoníacas do seu poder uma folha anexa não preenchida dum desses
governativo, mostra-o sem véus e sem diplomas, (uma vez que o papel é
disfarces. pacificamente controlado), endereçou às
Nesta obra de entrecho quase linear, duma autoridades uma carta inquietante, sugerindo
secura de estilo necessária para que a sugestão que inquietantes acontecimentos iriam dar-se.
resulte, Per Wahloo (que com sua mulher Maj E embora as forças vivas tenham essa carta por
Sjowal deu na época a lume um belo punhado eventual simples brincadeira, tal como uma
de polars bem inseridos no gênero, mas com outra insistência significante, nunca fiando – a
um timbre de novidade que os distinguiu) própria brincadeira indicaria já um escabroso,
segue passo a passo os sete dias duma quiçá injusto, desvio e Jensen – polícia
investigação que um inspetor da polícia efetua compenetrado e eficiente sofrendo, no entanto
para que naquela sociedade pacífica e onde o de um doloroso e crônico desarranjo gástrico
Estado mais ou menos cordial procura que o que nem a comida cientificamente
cidadão viva sem traumas (e onde o único confeccionada e posta à disposição dos
crime significativo e punido, aliás, sem muita cidadãos pelo ministério da saúde que tem a
violência expressa é a embriaguês, que, seu cargo as dietas racionais consegue
entretanto se multiplica) tudo continue a ser tranquilizar – mergulha num universo de
sereno. entrevistas e de encontros que pouco a pouco
Nesta sociedade o controle é exercido pela lhe patenteia os meandros do jornalismo, se
leitura: leitura de revistas e de jornais com jornalismo se lhe pode chamar, e da criação
visão positiva, onde o próprio fenômeno escrita quando a criação escrita é apenas um
desportivo (fautor de paixões e frequentemente simulacro que ora leva ao suicídio dissimulado
de conflitos) não recebe muita atenção a não (ou assistido) ora à entrega a um ambiente de
ser a que possibilita que se possa epigrafar mundanidade, de sucesso e de notoriedade
televisivamente o sucesso das vedetas que o bastante semelhantes ao que usa utilizar-se
integram. nesta Europa das pátrias e, suspeito-o com
O consórcio que o domina é constituído por alguns tremores relativos, nas sociedades
gente esclarecida e de “boa formação” alfabetizadas de outros continentes…
partidária e propugnadora de uma igualdade Homem sério e bom profissional, ético
social estabelecida de maneira amena e que até tanto quanto as circunstâncias peculiares o
quando despede dos empregos o faz permitem, nesta viagem iniciática de uma
cordatamente: o indivíduo ou indivídua em semana nem sequer negra em que a
causa recebe uma reforma razoável e um desesperança do protagonista é irmã colaça da
diploma por bons serviços, assinado por altas desesperança sentida pelo leitor enquanto
mergulha na naturalidade do relato, a regra da
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(nosso) perambular pela areia na beira-mar, ou das nossas ocasionais intenções, neste caso o
por entre os artefatos ali deixados à espera de centro está exatamente aqui. Eis, porém –
serem novamente utilizados no verão. como salientava antes –, que esta imagem
Daquele encontro lembro a afabilidade (eu emblemática irrompe de maneira fulminante e
naquela época tão avarento de palavras…) e a é como se explicasse tudo, para depois fechar-
amigável proximidade de Luciano quando se novamente em si, no seu isolamento, única e
tentava explicar aos fotógrafos amadores irreproduzível. Exatamente como acontece
locais, seus companheiros, a diferença que como os símbolos. O realismo do sujeito e a
existe entre um passeio no campo por hobby e violência do claro-escuro o tornam um
por abandono estético, e a oportunidade de episódio revelador, mas separado da
fazer nascer um diálogo interior com as coisas iconografia que distingue Bonuccelli; apesar do
aparentemente humildes e mudas, para fixar corte da composição se refazer àquele tipo de
aquela tensão expressiva que para ser liberada enquadramento que ele opera normalmente
seria necessário recorrer a imagens realmente diante das coisas. Neste sentido não tem
“sentidas” nossas. continuação uma ilha que talvez seja também
Hoje, que os caminhos se cruzam uma fortaleza, para impedir de se ir além, de
novamente com Luciano – e isto, devo entrar demais dentro. Uma visão, uma ferida;
reconhecer, graças principalmente a ele, àquele um enfoque que arrasta a um tumulto de
seu tipo de “perseguição” que leva lembranças na busca de um sinal na
pacientemente ao outro lado do fio – percebi visibilidade. Abrange tudo e se impõe a quem
que todo o seu trabalho fotográfico apoia-se vem antes do fotógrafo, isto é, o filho. É o que
ainda insistentemente naquelas premissas, está na base e domina toda a série intitulada “A
naquele seu querer sair a qualquer custo do minha Terra”, mas que também mexe
diletantismo domingueiro e de seus vagos indiretamente todas as peças apanhadas pelo
antagonismos, buscando assumir as novas fotógrafo neste tabuleiro.
direções expressivas e as articulações que Como tento evidenciar na continuação
estavam se desenvolvendo no final daqueles destas linhas – e que creio resulte claro a todos
vibrantes anos 70, e que o arrastaram para os que se deparam com os tipos de sujeitos e
dentro do mundo da expressão fotográfica. É tratamentos formais assumidos por Bonuccelli
daqueles anos uma foto que é uma ilha – no – não é certamente das garimpagens
sentido literal e emblemático de isolamento, impiedosas da realidade e sua aspereza, mas
separada do resto – é o retrato em branco e antes do cuidado na ordem que a mente dirige
preto da mãe. Refiro-me naturalmente àquela aos objetos e às matérias, à sua dimensão
imagem dos pés envolvidos e como que arquitetônica e espacial, que deve ser vista a
contorcidos em sua própria carne, na inclinação figurativa e ao mesmo tempo
deformação e corrosão daquelas unhas que “abstrata” de Bonuccelli (uma conversa a parte
foram como mordidas pela terra dos campos merece os “Retratos”, que mesmo em sua
longamente trabalhados por toda a vida. diversidade representativa estão ligados ao
Origem esta verdadeira e decisiva do episódio resto pela marca daquela identidade à qual
humano de Bonuccelli e ao mesmo tempo acenava no início). De qualquer forma, a sua
emblema representativo daquela origem. Uma fotografia, a sua expressão, reúne-se ao redor
foto poderosa onde uma parte, um chamado de uma forma estabilizadora que é
detalhe, chega a evocar e – diria eu – simultaneamente um jardim e um recinto.
atravessar aquele todo do qual é tirada. Uma Reconcilia as contradições, ou de qualquer
imagem cujo impacto emocional imediato forma esforça-se por fazê-lo, e chega a acenar
harmoniza todos, o poeta Luzi (e desta sua harmonias lá onde outros partiriam armados
admiração vocês terão uma prova numa outra com a força das dissonâncias.
parte desta publicação) e também o mais
distraído dos leitores habituado a contemplar UM ÚNICO TERRITÓRIO DA MENTE |
por cima as fotografias. Se há em cada trabalho As séries fotográficas mais consistentes de
expressivo um ponto onde a nossa identidade, Bonuccelli – porque sustentadas por um
o que somos e de onde viemos, cruamente sobe desenvolvimento representativo pessoal
ao ápice de uma visão reveladora, para além maturado pelos anos (tempo provavelmente
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substancialmente é, mais do que sobre como se ponto de vista que se define desde deslocações
apresenta. mínimas calibradas na objetiva até o corte da
Ao contrário, os fermentos que agitam os composição final – vê-se aqui obrigado a
trabalhos que me parecem mais sólidos, prestar contas da frequente impossibilidade do
ultrapassam aquela dimensão um pouco fotógrafo encurtar as distâncias a seu gosto,
esteticista que, em outros casos, corre o risco como quando o confronto é com um muro de
de se cristalizar e impedir um desenvolvimento tijolos ou uma rocha. Trata-se de dois tipos
fotográfico a todo campo, como no exemplo de totalmente diferentes de tomadas,
“A minha Terra”, que abrange não apenas diametralmente opostos, como é fácil intuir.
enredos autobiográficos, mas também Por mais que a agressividade da objetiva seja
investigações ambientais que vão além do dado minimizada por um fotógrafo sensível como
estreitamente local e transitório e se Bonuccelli (de cujas intrínsecas características
configuram num todo em que descrição e não poderia se eximir), lograr que ela se
abstração, aparato cognitivo e evocação insinue no canto escuro do refúgio de um
simbólica, encontram um eficaz equilíbrio. poeta, presumivelmente habituado à solidão e
Voltando aos “Retratos”, parece-me claro ao silêncio, não é exatamente a mesma coisa
que o homem precedeu o fotógrafo no que apontá-la sobre pedras ou para explorar
envolvimento, a ponto do módulo rebocos nos muros! Sujeitos, portanto, esses
representativo, em muitos outros casos artistas – presumivelmente fugazes e
mantido estreitamente sob controle, aqui delicados, carrancudos e de comportamentos
felizmente deixar transparecer frestas, como se intratáveis – que certamente tentaram manter
a emoção que o fotógrafo está vivenciando no à devida distância o intrometido olho de
estreito contato com o objeto de sua admiração Polifemo. Sem falar no fato conhecido que a
ditasse suas condições, em alguns casos fotografia de alguma forma evoca a
chegando a subverter as regras da composição preocupação pela imagem que se “afastou” de
planejada. E isto ocorre justamente porque do nós, e que não sabemos com antecedência
outro lado da lente não há uma matéria quando irá aderir àquela que se deseja dar aos
inanimada que se deixa capturar docilmente outros (caso tenhamos uma exata na cabeça) –
pelo cerco mental de quem a está fixando. Pelo principalmente quando se trata de artistas
contrário. O artista que está do outro lado da pertencentes a esta geração, supostamente
lente – em suma o observado especial – que avessos à notoriedade ou a qualquer forma de
em virtude da própria sensibilidade e cultura divulgação de imagens que os representem.
presumimos estar familiarizado com o mundo Repito, portanto, “animais” difíceis de serem
das imagens e das aparências, não pode deixar enquadrados sobre os quais Luciano logrou
de ter uma sadia desconfiança da máquina não assentar nem o peso do julgamento, nem a
fotográfica. E deste enfrentar-se de entidades gaiola da moldura.
opostas – ou seja, o autoritarismo decisivo da
máquina na escolha da imagem “certa” de um OS RETRATOS OU DA IMPOSSIBILIDADE
lado, e a sadia desconfiança da outra parte DE EMOLDURAR “FEIXES DE NERVOS…” |
contra esse irreal “pedaço” extraído do fluxo de Entre os muitos retratos impressionantes pela
aparências que se arroga o direito de ser feliz escolha do momento, da posição e da luz,
“verdadeira” – que derivam todos esses no meu parecer (que muitos outros
contínuos arranjos, mudanças de rumo e apreciadores compartilham comigo) destacam-
ajustes de tiro que não permitem que um se os de Carli, de Durbé e de Vigorelli, ou da
módulo representativo possa ser aplicado extraordinária “Zorria” enrolada no balandrau
conforme um esquema pré-estabelecido. Lucra preto que atravessa a objetiva daquele jeito
com isto a espontaneidade do encontro, a penetrante e enigmático ao qual assistimos.
frescura do evento como que apanhado ao vivo. Rostos como relevos montanhosos onde em
Lucra a sensação de “verdade”. uma certa altura abrem-se fendas como que
O formato quadrado, que em outros implodidas em si mesmas, que chupam nossos
trabalhos torna-se funcional pela escolha olhares. Garboli, referindo-se com grande
mediata da posição a ser assumida no espaço agudeza a esses retratos, os define como “força
divisório entre sujeito e objeto – ou seja, do muscular bruta, porque para Bonuccelli as
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pessoas são em primeiro lugar forças, feixes de exatamente da especificidade formal e técnica
nervos e de músculos dos quais se desprende que o distingue e que poderíamos resumir
uma energia impenetrável”. Essas forças, essas desta forma:
energias, Luciano consegue fazê-las brotar – e 1. Permite uma observação clara e ativa,
este me parece seu grande mérito – de uma disposição mediata, pelos elementos da
situações fundamentalmente imprevisíveis, composição numa situação cênica frontal;
enquanto está todo tenso para manter sob 2. O enquadramento quadrado permite um
controle o irromper instantâneo dos mil maior equilíbrio nas diretrizes
acidentes que se sucedem e imediatamente verticais/horizontais que atravessam o espaço
esvanecem no tempo e no espaço da cena cênico envolvendo um sujeito apanhado de
assumida. frente (ideal em situações bidimensionais);
3. A maior ampliação e a melhor definição
SOBRE A IMPREVISIBILIDADE OU SOBRE da imagem no visor – em relação ao menor
A OBEDIÊNCIA DO SUJEITO | Ele sabe que formato retangular – permite observar melhor
no fim é ele próprio verdadeiro vigiado especial as texturas, as tramas de detalhes (e micro
e tem a sensibilidade e o cuidado de não armar detalhes) de que é constituída a realidade
arapucas para imobilizar aqueles espíritos que material;
escolheu exatamente em virtude de sua 4. A instrumentação que subentende este
dimensão criativa, do comportamento livre, formato é menos intrusiva em relação à
informal, por vezes extremamente contrário ao realidade que retrata: reduz a embaraçosa
convencional. Assim eles podem ficar em suas presença do fotógrafo e, portanto, tende a
planícies com as portas dos recintos bem exercer uma menor influência no
abertas. Depois o evento ocorre como deve comportamento que as pessoas focadas
ocorrer, sem forçar nada. Dizia da assumem (receber no “peito” ou na “barriga” a
imprevisibilidade: que diferença em relação fotografia, assumindo uma postura inclinada,
aos materiais imóveis e tranquilamente quase respeitosa, evidentemente não é a
ajustáveis como as “Pedras”! Os “Retratos” mesma coisa que estender sobre o sujeito o
nadam na dimensão fenomenológica e “olho de vidro” e a parte alta do corpo,
psicológica da perda (o instante que já voou) e causando uma situação que incumbe);
do desconhecido, do imprevisível (o instante 5. Do ponto de vista do efeito visual e de
que está chegando, e não se pode apanhar), e suas derivações na esfera estética e psicológica,
se resolvem, portanto, principalmente na o formato quadrado substancialmente projeta
intervenção fatídica sobre o tempo (o fundo, o sobre os elementos da imagem em que estão
“pano de fundo”, pode ajudar a definir o tipo contidos aquelas atribuições de perfeição, de
de personalidade, mas não é determinante). As equilíbrio, de harmonia, ligáveis ao alto valor
“Pedras” ou os “Muros” são ao contrário psicológico que a nossa tradição cultural
porções de matérias obedientes, observadas no atribui à forma geométrica do quadrado.
decorrer de prazos temporais alongáveis ou Dito isto, cabe salientar a dificuldade na
procrastináveis a próprio gosto, com o aplicação da moldura quadrada ao instantâneo
fotógrafo esperando aquele evento luz que é e caótico irromper dos eventos, dos múltiplos
determinante no consubstanciar de formas e acidentes que simultaneamente golpeiam a
cromatismos, isto é, o dado estético no seu realidade tridimensional, do jeito como a
conjunto. Neste último caso o fotógrafo está percebe a nossa visão ocular (que emoldura
tranquilo ao abrir ou fechar a moldura a seu circularmente o visível). Utilizar de maneira
limite de margens. Formas e cores já profícua a forma quadrada (ou também a
identificadas pelo olhar no ato de desfilar, circular) para conter os elementos do visível,
esperando, enfim, apenas o toque criativo da que são quase sempre afins ou ligados às
luz para a definição conclusiva do conjunto. formas retangulares, aciona uma especial
disciplina do olhar e da composição;
AS ATRIBUÇÕES DO QUADRADO | Parece- certamente não pode ser uma moldura
me evidente que a fotografia de Luciano paspartout a ser utilizada sempre, boa para
adapta-se muito bem ao formato quadrado, e à todos os sujeitos. Os componentes ideais do
instrumentação que o subentende, em razão caráter de Luciano e a configuração equilibrada
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do seu ver fotográfico justificam plenamente a arquitetônica aqui referida em seu máximo
utilização difundida deste modelo de grau de desenvolvimento e potencialidade. O
enquadramento para os sujeitos aos quais se substrato de geometrias mentais põe em ordem
dirige. e ergue essas arquiteturas pobres muito acima
do nível de conflito: prova evidente é a repetida
A MINHA TERRA | É dentro de “A minha fascinação pelas simetrias. Tudo isso aponta
Terra”, uma daquelas séries que duram toda para o enquadramento, a decantação, a
uma vida, que entrevejo os elementos sublimação, isto é, para aquela corrente
portadores do aparato expressivo de Luciano dominante que atravessa todo o trabalho de
(desde os êxitos fotográficos verdadeiramente Bonuccelli.
diferentes em relação àqueles dos “Retratos”). Mas existem outros fenômenos em “A
É um trabalho que permaneceu longo tempo minha Terra” que tentam subtrair-se a essa
desmembrado porque atravessado por várias e mente ordenadora e que de dentro manifestam
sucessivas abordagens expressivas da temática suas tensões. A espessura visual da série fica
que enfrenta; assim é para o fio de uma bastante enriquecida. Refiro-me àquelas forças
instalação estratificada que tenta recompor os que vemos irromper particularmente nas
diferentes fragmentos simbólicos. Mas este fotografias das páginas 17, 60, 64, 66, 67, 69,
creio que seja também o charme desse trabalho 79 e 86. O quadro geral denuncia rupturas, o
intratável e difícil de ler, encaminhado edifício bem-construído deixa escapar energias
naqueles anos 70 que absorviam em si que não podem ser controladas, onde talvez se
motivações e pesquisas de amplo fôlego. reflitam as contradições que Luciano, acredito,
O tema enfrenta as novas transformações tenha vivido na relação com sua terra e seu
que baralham a identidade e a essência daquele passado. São sensações que tirei da observação
campo onde Luciano nasceu o se criou, e rumo dessas imagens e que tenho dificuldade em
ao qual dirigiu sua objetiva desde o início. Vai transmitir por palavras e ligá-las a um discurso
desde os episódios autobiográficos envolvidos lógico: talvez sejam apenas fruto da minha
nas lembranças da infância e da adolescência – imaginação! Mas observemos, por exemplo, a
aos quais se refere o emblema dos pés da mãe imagem da página 78 onde as massas informes
de que falávamos no início – até a tomada de daquilo que deveriam ser plantas, envolvidas
consciência amadurecida em volta do em plástico, parecem como que reanimadas
transtorno sem retorno dos valores que pelos feixes de luz que caem do alto:
expressavam, num tempo passado, o mundo pressionam de baixo, empurram para romper
agrícola e natural. Sobre aqueles negros os laços. Ou então a imagem da capa. Para
torrões e sobre aqueles horizontes abertos além dos vidros de uma imponente estufa cujo
ressaltam agora as estufas, os galpões, as tiras telhado lembra a forma das asas de uma
de plástico que parecem envolver escuras borboleta há um flutuar de luzes e de sombras:
massas vegetais, e todos os anexos e conexos como se uma espécie de nuvem gasosa
(inclusive os inevitáveis postes da eletricidade) pressionasse de dentro para fora. Duas
que sempre acompanham estas estruturas fotografias que poderiam levantar um enigma.
transitórias e muitas vezes ruinosas. Talvez algo de indefinível agita-se e recusa-se a
Havia aqui todos os elementos úteis para deixar-se conter nas tiras de plástico, coloca
que um certo tipo de fotógrafo pudesse realizar questões às estruturas da mente do autor, que
um trabalho documentário capaz de levantar são assim reenviadas à do espectador. Ou pelo
essa particular problemática ambiental, talvez menos, como gostaria que fosse claro, à minha
até em molde jornalístico. Mas não é isto – imaginação.
como já deve resultar claro da natureza e da
cultura do Luciano. Prevalece a caracterização
Roberto Salbitani (Padova, Itália, 1945). Fotógrafo e ensaísta. Publicou os seguintes livros: Immaginesimo (1974),
La Città Invasa (1978), Incontri con animali straordinari (1992), Il viaggio (1994) e Minatori dell’argento. Lotte
agli alogenuri in camera oscura (1994). Contato com Roberto Salbitani: info@scuolafotografianatura.it.
Contato com Luciano Bonuccelli: lucianobonuccelli@gmail.com.