Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
“Nós, não somos como uma simples folha seca, desprendida da sua haste, por não mais ser
necessário, solta ao vento sem direção a mercê de qualquer desígnio. Somos o equilíbrio da
Natureza, nos foi dada essa condição de integrar e ser integrado, de comungar em conjunto
novos significados, onde novas realidades são construídas sem que isso implique, na
descaracterização,ou inferiorização. Nós Povos da Floresta, vivenciamos essa
transcendência, sabemos da importância de estarmos ligados aos outros elementos
essenciais a Vida. Somos parte de um todo, mesmo com as nossas peculiaridades. Em nosso
vocabulário não existe o Eu, e sim, o Nós.’’ Yakuy Tupinambá, curso de extensão
Escutar o Outro, uma filosofia alternativa, Faculdade de Letras – UFRJ, 2010.
Os antigos falavam que quando o mundo foi criado a primeira coisa que existiu
foi escuridão enquanto não existia o dia. Narram por gerações sobre o
nascimento de todas as coisas da terra. Os raios de luz de kuarasy para o
tronco Tupi Guarani podem ser comparados a força da palavra que surge
depois do escuro céu. Muitas vozes emergentes como a luz ecoam ao
amanhecer e entardecer, antes sem rosto, invisíveis, agora tão fortes como as
estrelas que iluminam a noite. A palavra é espírito que emana forças dos
elementos da natureza em comunicação com os diferentes ecossistemas,
estações, planetas, formas de vida e tempos, vão muito além de cosmovisões
que transcendem a forma como não indígenas compreendem nosso mundo,
elas fazem parte de outras correntes de pensamento, lugar de fala e até
mesmo rompe com signos ao saírem da invisibilidade do discurso de outros,
fazem ressignificação de todas as coisas. A comunicação é uma extensão da
natureza e do nosso espírito, por isso a colonização da mídia e do audiovisual
indígena feito por não indígenas, ao impor uma ótica colonial na forma que
indígenas devem fazer seus trabalhos, rompe com o essencial para os
comunicadores indígenas, que é valorizar sua identidade, cultura e visão
própria. É impossível acontecer o empoderamento e autonomia entre os povos
originários por meio de pessoas sem origem indígena. Não que falte a elas
capacidade, mas o fato de que deve ser iniciativa dos próprios indivíduos
originários para que exista uma apropriação significativa e não uma relação
fruto de uma postura assistencialista. As mídias indígenas nascem na busca de
uma comunicação indígena descolonizadora, por meio da etnomídia, os povos
originários fortalecem suas culturas realizando novas formas de transmissão de
seus saberes para as futuras gerações.
Perfis nas redes sociais com presença indígena, blogs, sites, pessoas de povos
até mesmo com poucos anos de contato fazem parte de todo esse ambiente
cibernético, que cresce cada dia revelando formas de pensar e ser destes
indivíduos, como uma retomada não apenas do espaço físico, mas virtual,
produzindo territorialidades inimagináveis por muitos pesquisadores.
O site da Yandê com mais de 500 mil acessos desde sua criação, e escutado
em mais de 60 países como mostram as estatísticas do próprio portal, reforça o
fato de que estamos além das fronteiras, sem fronteiras geográficas, territoriais,
étnicas ou culturais. Com músicas indígenas tradicionais e contemporâneas em
gêneros como Rap, MPB, Rock, Reggae cantados em idiomas indígenas por
músicos de diferentes povos que não encontram espaço para divulgar suas
músicas e trabalhos. Por isso romper as fronteiras é fundamental não apenas
para levar comunicação indígena, músicas, para todos os continentes, mas
trazer espaço para diferentes etnias do mundo. Um fato não muito mencionado,
mas também somos a primeira empresa indígena de etnomídia e comunicação
no Brasil, pois quase todos os projetos com indígenas fazem parte do terceiro
setor de organizações não governamentais ou de grupos e instituições
indigenistas.
O protagonismo e pioneirismo da Yandê chega em um cenário e mercado no
qual produções de temáticas indígenas são realizadas e controladas em sua
maioria apenas por não indígenas. Por meio das oficinas em diferentes
estados, comunidades, escolas, universidades e espaços culturais,
percebemos que Yandê é como um grande laboratório, em que todos
aprendem uns com os outros, não existem fórmulas certas de como as coisas
devem ser mas é parte de um processo vivo, que se adequa ao local que está,
não tentando moldar um formato para quem das oficinas participa.
Em 1973, o ator Marlon Brando ao ganhar o segundo Oscar pelo papel de Vito
Corleone em O Poderoso Chefão, pediu para atriz nativa americana Sacheen
Littlefeather ir em seu lugar e explicar que ele rejeitava o Oscar de 'Melhor ator’
por causa da maneira que Hollywood tratava artistas indígenas em suas obras.
Ela foi impedida de ler o texto escrito pelo ator em protesto, mas deixou uma
mensagem em alguns poucos minutos. Nativos faziam protesto em defesa do
território sagrado de Wounded Knee naquele ano, o exército americano os
cercava com grande armamento.
Em 2008 tive contato pela primeira vez com etnocomunicação ao ser voluntária
da Rede Índios Online por convite e indicação da Maria José Amaral Bransfor,
conhecida como Yakuy Tupinambá de Olivença, grande comunicadora da
cultura de nosso etnia. Destacando que os Tupinambá de Olivença apenas
foram reconhecidos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em 2002/2003,
em um cacicado matriarcal inicial da Cacique Maria Valdelice, a Jamopoty com
apoio e mobilizações de diferentes famílias. A Rede Índios Online criada em
2004 foi uma das primeiras a fazer este tipo de trabalho no ciberespaço, era
um grupo intercultural composto em maioria por indígenas, da ONG Thydêwá,
coordenada pelo argentino, cineasta e empreendedor Sebastian Gerlic. Em
2001 os membros da organização Águia Dourada se dividiram e em 2002 foi
fundada a Thydewá “esperança da terra” no idioma Pankararu. A série de livros
Índio na Visão dos índios foi um dos sucessos da organização.
A necessidade de compartilhar saberes culturais por meio da escrita me fez
perceber que fortalece nossa identidade e ao mesmo tempo cumpria uma
função, rompendo histórias impostas por não indígenas a respeito das nossas
culturas. Reconheci na narrativa de Yakuy coisas que aprendi com minha avó
que nasceu em 1916, e ela também repassava o que sua avó ensinou.
Crescemos em regiões e épocas diferentes, mas recebemos os mesmos
saberes da cultura. Isso me impulsionou a não deixar a semente morrer,
chamava atenção que toda repressão sofrida por nossas famílias, separações
da vida em comunidade, o ambiente urbano e outros obstáculos não foram
mais fortes que a resistência da narrativa.
RAMOS, Alcita Rita. O índio Hiper-real. In.: Revista brasileira de Ciências Sociais, n.28, ano 10,
junho de 1995.
RAMOS, Alcida Rita. (1990a) "Vozes indígenas: o contato vivido e contado". Anuário
Antropológico n° 87/117-43.
NANDY, Ashis. (1983), The Intimate Enemy. Loss and Recovery of Self under
Colonialism. Delhi, Oxford University Press.
WEBER, Max. (1978), "Bureaucracy", in Economy and Society, 2° volume, pp. 956-1005.
Berkeley, University of California Press.
PEREIRA, Eliete da Silva “Nos meandros da presença étnica indígena na rede indígena”,
Bermúdez, Beatriz, Pueblos Indígena de América Latina y El Caribe: Catálogo de Cine y video,
Caracas: CLACPI, 1995.
Sanjinés, Iván, “Construyendo comunicación desde los pueblos indígenas”, en Catálogo del
VIII Festival Internacional de Cine y video de los Pueblos Indígenas, Raíz de la imagen. México:
CLACPI-Ojo de Agua Comunicación, 2006.
FRANCISCHI, Artur. Aquela vez em que uma indígena rejeitou o Oscar em nome de Marlon
Brando, Prosa Livre, 2016.
LESTER, Paul. Gil Scott-Heron: the revolution lives on.The guardian, 2015.
Indios Online
Rádio Yandê