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BITTAR, Eduardo. Curso de Filosofia do Direito. p. 769
abordagens surgem para reformular/repensar o Direito, distanciada do monismo
jurídico ora vigente2, preocupada em disseminar um direito plural3.
No Brasil, um dos muitos movimentos que buscaram pensar o direito fora
dos paradigmas jurídicos modernos foi o movimento teórico-político do “Direito
achado na Rua”. Idealizado pelo jurista Roberto Lyra Filho, teve como objetivos
alargar a ideia de justiça para além das normas e das formas instrumentais
tradicionais. Isso se traduz já mesmo na escolha da nomenclatura, pois a
expressão “Direito achado na rua” teve como inspiração os versos de Epigrama
hegeliano nº 3, de Karl Marx:
“Kant e Fichte buscavam o país distante pelo gosto de andar lá no mundo da lua
/ Eu por mim tento ver, sem viés deformante / O que pude encontrar bem no
meio da rua”.
Para Lyra Filho, deveria se pensar numa nova concepção de direito, que
emergisse dos movimentos sociais, do espaço público, da rua. Após a sua morte,
em 1986, o movimento teórico ganhou folego por meio dos esforços de Jose
Geraldo Sousa Junior.
Analisando o contexto do Direito achado na Rua frente ao Conceito de
profanação dado por Giorgio Agamben, percebe-se que há pontos que se
coadunam. Segundo o filósofo, a profanação implica na “neutralização daquilo
que profana”, pois após ter sido profanado, “o que estava indisponível e
separado perde a sua aura e acaba restituído ao uso”4. Nesse sentido, percebe-
se que o Direito achado na Rua pode ser lido como uma proposta de profanação
do Direito, na medida em que tenta devolvê-lo ao uso comum, tenta despi-lo de
todo aparato burocrático, tenta tornar comum o processo de legitimação do
direito que é dado de forma vertical pelo poder soberano, personificado no
leviatã.
2
O monismo jurídico é a concepção, consolidada ao longo da modernidade, segundo a qual o Estado é o
centro único do poder e o detentor do monopólio de produção das normas jurídicas. Enquanto sinônimo
de direito estatal, o direito encerra-se nos textos legais emanados do poder legislativo. Nesse contexto, a
lei vale pelo simples fato de ser a lei, de modo que sua legitimidade advém da mera observância dos
procedimentos previamente estabelecidos, isto é, das normas que regulamentam o processo legislativo
(CARVALHO in WOLKMER; VERAS NETO; LIXA, 2010, p.14).
3
“ Para começar há de se designar o pluralismo jurídico como a multiplicidade de práticas existentes num
mesmo espaço sociopolítico, interagidos por conflitos ou consenso, podendo ser ou não oficial e tendo
sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais (WOLKMER, 2001, p.219).
4
AGAMBEN, profanações, p. 68
Segundo Agamben, é necessário reler o mito da fundação da cidade
moderna, dado por Hobbes e Rousseau5. Para ele, o relacionamento jurídico-
político originário é dado pelo conceito de bando, e não um contrato ou
convenção que assinalaria a passagem da natureza ao Estado. Por esse motivo,
a democracia está condenada à impotência toda vez que enfrentar o poder
soberano e é “incapaz de pensar, verdadeiramente, na modernidade, uma
política não estatal”. 6
5
AGAMBEN, Poder soberano e vida nua, p. 115
6
AGAMBEN, poder soberano e vida nua, p. 116