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O Direito achado na rua como forma de profanação do Direito

A delimitação temporal no o ser humano está inserido durante a sua


vivência dificulta visualizar os processos do seu entorno. Isso porque o
observador é contemporâneo aos fatos que analisa, e por isso não consegue
sentir de forma concreta as rupturas e as transformações, que geralmente
ocorrem de forma paulatina. A transição se dá ao longo do tempo e a vida do
pesquisador é fugaz, prejudicando a sua análise. Tanto é que, ao se prostrar de
forma extemporânea, as diferenças e similaridades tendem a se tornam mais
agudas, e a analise, mais precisa. Nesse sentido, ao se intentar uma análise
acerca da concretização do Estado Democrático de Direito, a opacidade do olhar
do pesquisador, contaminado pela sua contemporaneidade, deve ser levada em
consideração.
A modernidade, ao romper com o medievo, legou ao mundo a Revolução
Francesa, a quebra do absolutismo, as declarações de direitos, a formação do
Estado, a expansão do liberalismo econômico, a consolidação do positivismo
jurídico e etc. Especificamente no campo de Direito, o direito moderno se
consolidou a partir de vários pressupostos, dentre eles o do estado de Direito,
que tem como principais elementos o império da lei, a separação dos poderes e
a prevalência dos direitos individuais fundamentais.
Porém, é recorrente, na vivência do tempo presente, a sensação e a
percepção de volatilidade, de desmanche, de que as estruturas estão em
constante mudança. Nesse período, que pode ser compreendido como pós-
modernidade, há um processo de revisionismo das heranças modernas. Essa
sensação também alcança o Direito, que se encontra em meio à um revisionismo
frente às suas insuficiências na modernidade jurídica.
Isso se deve ao fato de que “os tradicionais paradigmas que serviram bem
ao Estado de Direito do século XIX não se encaixam mais para formar a peça
articulada de que necessita o estado Contemporâneo para a execução de
políticas públicas efetivas”1. Sobre os escombros da modernidade novas

1
BITTAR, Eduardo. Curso de Filosofia do Direito. p. 769
abordagens surgem para reformular/repensar o Direito, distanciada do monismo
jurídico ora vigente2, preocupada em disseminar um direito plural3.
No Brasil, um dos muitos movimentos que buscaram pensar o direito fora
dos paradigmas jurídicos modernos foi o movimento teórico-político do “Direito
achado na Rua”. Idealizado pelo jurista Roberto Lyra Filho, teve como objetivos
alargar a ideia de justiça para além das normas e das formas instrumentais
tradicionais. Isso se traduz já mesmo na escolha da nomenclatura, pois a
expressão “Direito achado na rua” teve como inspiração os versos de Epigrama
hegeliano nº 3, de Karl Marx:
“Kant e Fichte buscavam o país distante pelo gosto de andar lá no mundo da lua
/ Eu por mim tento ver, sem viés deformante / O que pude encontrar bem no
meio da rua”.
Para Lyra Filho, deveria se pensar numa nova concepção de direito, que
emergisse dos movimentos sociais, do espaço público, da rua. Após a sua morte,
em 1986, o movimento teórico ganhou folego por meio dos esforços de Jose
Geraldo Sousa Junior.
Analisando o contexto do Direito achado na Rua frente ao Conceito de
profanação dado por Giorgio Agamben, percebe-se que há pontos que se
coadunam. Segundo o filósofo, a profanação implica na “neutralização daquilo
que profana”, pois após ter sido profanado, “o que estava indisponível e
separado perde a sua aura e acaba restituído ao uso”4. Nesse sentido, percebe-
se que o Direito achado na Rua pode ser lido como uma proposta de profanação
do Direito, na medida em que tenta devolvê-lo ao uso comum, tenta despi-lo de
todo aparato burocrático, tenta tornar comum o processo de legitimação do
direito que é dado de forma vertical pelo poder soberano, personificado no
leviatã.

2
O monismo jurídico é a concepção, consolidada ao longo da modernidade, segundo a qual o Estado é o
centro único do poder e o detentor do monopólio de produção das normas jurídicas. Enquanto sinônimo
de direito estatal, o direito encerra-se nos textos legais emanados do poder legislativo. Nesse contexto, a
lei vale pelo simples fato de ser a lei, de modo que sua legitimidade advém da mera observância dos
procedimentos previamente estabelecidos, isto é, das normas que regulamentam o processo legislativo
(CARVALHO in WOLKMER; VERAS NETO; LIXA, 2010, p.14).
3
“ Para começar há de se designar o pluralismo jurídico como a multiplicidade de práticas existentes num
mesmo espaço sociopolítico, interagidos por conflitos ou consenso, podendo ser ou não oficial e tendo
sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais (WOLKMER, 2001, p.219).
4
AGAMBEN, profanações, p. 68
Segundo Agamben, é necessário reler o mito da fundação da cidade
moderna, dado por Hobbes e Rousseau5. Para ele, o relacionamento jurídico-
político originário é dado pelo conceito de bando, e não um contrato ou
convenção que assinalaria a passagem da natureza ao Estado. Por esse motivo,
a democracia está condenada à impotência toda vez que enfrentar o poder
soberano e é “incapaz de pensar, verdadeiramente, na modernidade, uma
política não estatal”. 6

5
AGAMBEN, Poder soberano e vida nua, p. 115
6
AGAMBEN, poder soberano e vida nua, p. 116

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