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O livro do Cântico dos Cânticos é o relato de


uma história de amor entre o rei Salomão e
um donzela chamada Sulamita. Que relação
isso tem concsco? Por que esse livro foi
incluído na Bíblia Sagrada?
Em Cântico dos Cânticos — Os Oito Estágios
do Crescimento Espiritual, Dong Yu Lan
mostra que esse livro poético é, na verdade,
o registro de nossa experiência espiritual, da
salvação até a plena maturidade. Em
linguagem simples, mas profunda, ele
apresenta um caminho prático para “que
todos cheguemos à unidade da fé e do pleno
conhecimento do Filho de Deus, à perfeita
varoniüdade, à medida da estatuía da
plenitude de Cristo” (Efésios 4: 13).

tfjfe editora
bSáÁRVORE DA VIDA
Rua TUiuti, 1372 - Tatuapé
E P 03081 -000 - São Paulo - SP Brasil
OS OITO ESTÁGIOS DO
CRESCIMENTO
ESPIRITUAL

Dong Yü Lan

editora
ÁRVORE DA VIDA
© 1996 Editora Árvore da Vida

Ia Edição - Fevereiro/1996 - 10.000 exemplares

Todos os direitos reservados à


Editora Arvore da Vida

Impresso no Brasil pela


Copiadora Árvore da Vida

Editora Árvore da Vida


Rua Tuiuti, 1372 - Tatuapé - CEP 0 3 0 8 1 -0 0 0
Tel.: (011) 2 1 8 -5 3 9 9 - São Paulo - SP - Brasil
ÍNDICE

Capítulo Página

Prefácio........................................................ 5

1 Vivendo na Esfera Natural......................... 7

2 Vivendo na Esfera da Alma...................... 33

3 Vivendo na Introspecção ......................... 51

4 Vivendo em Triunfo.................................69

5 Vivendo na Ascensão................................95

6 Derramando-se por Libação...................115

7 Vencedor...................................................135

8 Plena União com o Senhor..................... 159


Prefácio

O Espírito Santo foi muito sábio ao escolher cada um


dos livros que fazem parte da Bíblia Sagrada. Em cada um
deles, há uma revelação especial de Deus para Seu povo
neotestamentário. O livro de Cântico dos Cânticos, por
exemplo, é um dos mais curiosos livros da Bíblia. Ele é um
poema de amor, onde o nome de Deus nem sequer é
mencionado e no qual não há referência à oração ou ao
louvor a Deus. Que faz um livro assim na Bíblia?
Dong Yu Lan responde a esta pergunta. Em Cântico
dos Cânticos — Os Oito Estágios do Crescimento Espi-
ritm l, ele mostra que esse poema de Salomão é um registro
didático do crescimento espiritual de um cristão. Didático,
porque mostra, passo a passo, todos os estágios pelos quais
passamos em nossa caminhada com o Senhor, incluindo as
dificuldades, derrotas e encorajamentos. Por trás de tudo
isso, há o amor de nosso Amado Senhor Jesus, que nos
atrai para prosseguir com Ele, dia a dia.
As mensagens que compõem este livro foram dadas
pelo autor em Sumaré, SP, e complementadas com as
proferidas em Santiago do Chile, em setembro de 1995.
Nelas, o autor não teve a preocupação de estabelecer
doutrinas profundas, mas de apresentar aos cristãos sequi­
osos um caminho prático e vivo para prosseguirem no
conhecimento do Senhor, até atingirem a maturidade. O
quanto foi possível, mantivemos o estilo informal usado
pelo autor ao ministrar a Palavra de Deus. Recomendamos
aos leitores que leiam também os livros indicados ao longo
deste texto. Elçs ajudarão a compreender muitos pontos
que aqui serão apenas mencionados ou tratados sem mai­
ores detalhes.
Nossa oração é que todos os que amam o Senhor
encontrem neste livro auxílio para continuar em sua carrei­
ra espiritual, aguardando e apressando a vinda do dia de
Deus.

Os Editores
Fevereiro de 1996

Nota do Redator
Neste livro o leitor encontrará várias vezes a expressão viver na
esfera natural e expressões afins. De maneira simples, viver na esfera
natural significa usar as habilidades, capacidades e sabedoria inatas
do homem, aquelas que temos independentemente de termos sido
regenerados ou não. Ou seja, viver na esfera natural significa expressar
as características do velho homem e viver segundo ele.
Há também neste livro a expressão viver na esfera da alma e
expressões correlatas. Viver na esfera da alma significa deixar-se guiar
pelas três partes da alma (mente, vontade e emoção), sem permitir que
o Espírito Santo tenha domínio sobre elas. Quando cada uma das
partes de nossa alma é enchida com o Espírito Santo, de modo que
Ele domine sobre ela, o Espírito nos rege e dirige interiormente, e
temos, assim, o que a Bíblia chama de viver no espírito.

Todas as citações bíblicas neste livro foram extraídas da Versão


Revista e Atualizada de Almeida, primeira edição, salvo quando
indicadas pelas seguintes abreviações:
IBB-Rev.: Imprensa Bíblica Brasileira, versão Revisada
VRC: Versão Revista e Corrigida de Almeida
RV: Reina Valera (versão em espanhol)
BJ: Bíblia de Jerusalém
NVI: Nova Versão Internacional
Capítulo Um

VIVENDO NA ESFERA NATURAL

Leitura da Bíblia: Ct 1:1-11

Os Livros Poéticos
No Antigo Testamento há cinco livros chamados de
poéticos: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cântico
dos Cânticos. Em sua aplicação espiritual, podemos dizer
que esses livros referem-se à experiência individual dos
cristãos. Neles não encontramos muita ênfase à experiên­
cia coletiva, mas, sim, uma clara preocupação com o
relacionamento individual com Deus, ainda que este
- esteja relacionado à vida no Corpo de Cristo no Novo
Testamento.
No livro de Jó encontramos a história de um homem
^eto e íntegro, porém orgulhoso e autoconfiante. T>eiiS'
levou Jó a passar por sérias tribulações, para que ele
percebesse que sua integridade sem Deus de nada valia.
Ao fim, encontramos um homem transformado, confes­
sando que conhecia a Deus apenas de ouvir (Jó 42:3-6).
Isso indica a experiência pela qual todos precisamos
passar: mesmo que sejamos muito retos e justos, devemos
reconhecer que precisamos de Deus e que somente Nele
temos a verdadeira retidão e integridade. ,- —
Os Salmos retratam várias experiências de relaciona­
mento com Deus. Há confissão de pecados, reconheci­
mento do perdão e da misericórdia de Deus, há sofrimen-
8 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

tos e alegrias, há louvores e fé. Podemos dizer que isso


retrata nosso dia-a-dia com Peus. O livro de Provérbios,
por sua vez, é um registro de sabedoria. Se lido do ponto
de vista do homem, é apenas um livro de sabedoria
humana, falando de guardar a lei e de toda a ética
humana, visando aperfeiçoar o caráter do homem, tor-
nando-o uma pessoa moralmente justa. Mas se lido com
revelação espiritual, veremos que a verdadeira sabedoria
é Cristo. Portanto, quem tem Cristo dentro de si e Dele
se utiliza para viver, terá uma vida humana elevada,
perfeita, totalmente agradável a Deus, como a que Cristo
teve na terra (Mt 3:17; 1 Pe 2:21-23).
O próximo livro poético é Eclesiastes. Aparentemen­
te ele é negativo e desencorajador. O autor diz que tudo
debaixo do sol é vaidade, é sem sentido e vazio. No
entanto, se formos os que buscam as coisas lá do alto (Cl
3 :1 ,2 ), se tivermos nossa meta em Deus, nada em nossa
vida será vaidade e sem sentido. Cada fato, cada dificul­
dade terá valor diante de Deus, pois certamente terá sido
permitido por Ele a fim de que nossa conformação ao Seu
Filho se realize (Rm 8:29).

O Cântico dos Cânticos


*v

Por fim, temos o Cântico dos Cânticos. Esse livro foi


escrito por Salomão. Ele escreveu 1.005 cânticos (1 Rs
4:32), mas o Espírito Santo fez Com que apenas esse
cântico fosse registrado na Bíblia. Por que isso terá
ocorrido? Como veremos* Cântico dos Cânticos expres­
sa, como nenhum outro livro na Bíblia, todos os estágios
pelos quais passamos em nossa vida cristã.
Nesse cântico uma donzela chamada Sulamita é
mencionada. Se essa pessoa existiu ou não realmente, não
1
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 9

há como saber, pois a Bíblia nada registra a respeito dela na


história de Salomão. Particularmente cremos que ela não
tenha existido e que tenha sido uma mulher idealizada por
Salomão para descrever o anelo de seu coração por uma
pessoa amável e perfeita. O p ró prio nome Sulamita é
especial, j>ois é a forma fémmjiiajío nome Salomão. A
escolha desse nome para a amada indica que o desejo
máximo de Salomão era encontrar alguém com quem ele
se identificasse totalmente, alguém que participasse de sua
vida e de seus interesses. É isso o que Deus espera de cada
um de Seus filhos.

O Registro de Nossa História

O livro de Cântico dos Cânticos descreve oito estági­


os de nossa experiência pessoal com o Senhor, por meio
de muitas ilustrações e figuras. Devemos acrescentar que
esses estágios não são necessariamente sucessivos. Na
verdade, ao longo de toda a nossa vida, poderemos ter ao
mesmo tempo características dos vários estágios, especi­
almente dos três primeiros. Essa divisão em estágios é
apenas “didática”, e visa ajudar-nos a compreender nossa
experiência cristã. T-
A compreensão desse livro e nossa “identificação”
com ele pode variar de pessoa para pessoa, pois isso está
ligado à experiência espiritual e ao desfrute que temos de
Cristo. Alguns podem estar no estágio inicial ali apresen­
tado e, portanto, terão mais facilidade de compreender o
relato referente a essa experiência. Outros estão numa
etapa um pouco mais avançada, e talvez haja os que
estejam no estágio final da experiência com Deus. Na
verdade, ninguém pode dizer que chegou à plena matu­
ridade, mas precisamos almejar sempre progredir no co­
10 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

nhecimento do Senhor (Os 6:3), buscando a maturidade


espiritual.
Nesse livro não há nada que descreva nossa salvação;
não há menção ao fato de que estávamos mortos em
nossos delitos e pecados e que fomos justificados. Todas
as experiências aqui descritas ocorrem após a salvação,
após termos sido regenerados em nosso espírito, e men­
cionam também a experiência com a igreja.
De maneira geral, a experiência dos cristãos é idên­
tica: logo que são regenerados, seu coração se enche de
gratidão a Cristo e passam a testemunhar Dele como seu
Salvador. Infelizmente, a experiência da maioria dos
cristãos pára nessa etapa, no conhecimento de Jesus
como o Salvador. Mas é preciso avançar. Se continuar­
mos a buscar a Cristo, especialmente depois de sermos
conduzidos à igreja, pouco a pouco começaremos a
perceber que Ele não é somente nosso Salvador, mas é
também nosso Senhor. Se conhecemos o Senhor Jesus
apenas como Salvador, isso demonstra que nossa experi­
ência espiritual ainda é superficial, demonstra que ela
não avançou desde o seu início. Precisamos progredir no
conhecimento vivo de nosso Senhor. Se O buscarmos
diligentemente, nós O conheceremos cada vez mais e
seremos, por isso, mais e mais atraídos por Ele. Cada dia
veremos o quanto Ele nos ama, quanta misericórdia tem
de nós: concedeu-nos tamanha graça em nossa salvação,
fomos ressuscitados juntamente com Ele e com Ele fomos
assentados nos lugares celestiais! Que tamanho amor
demonstrado por pecadores tão caídos como nós! Por
causa de Seu grande amor por nós, somos atraídos pelo
Senhor. Quanto mais atraídos, mais nos maravilhamos
com o fato de Ele considerar Sua amada alguém como
nós. Assim, por sermos atraídos pelo Senhor, começamos
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 11

a anelar por Sua Pessoa, e este anelo nos faz correr após
Ele, buscando-0 cada vez mais.
Se não formos alguém que busca realmente o Senhor,
o que está registrado em Cântico dos Cânticos não terá
muita relação conosco, pois esse livro manifesta os
sentimentos e as experiências de uma pessoa que busca
seu amado. Portanto, nosso entendimento desse livro
depende de nosso crescimento na vida espiritual, e isso
depende de quanta experiência temos com o Senhor.
Mesmo que hoje nossa experiência seja superficial, não
podemos desanimar. Ao estudarmos esse livro, seremos
encorajados a buscar continuamente ao Senhor e a per-
mitir-Lhe crescer em nós. Devemos ter como meta, a
cada dia, avançar mais um passo no conhecimento vivo
de Cristo. Desse modo, passo a passo, Cântico dos
Cânticos tornar-se-á o registro de nossa própria vida com
Deus, até a maturidade.

Reconciliados!

Cântico dos Cânticos 1:2 diz: “Beije-me ele com os


beijos da sua boca” (IBB-Rev.). O beijo representa recon­
ciliação. “Nós, quando inimigos, fomos reconciliados
com Deus mediante a morte do seu Filho” (Rm 5:10), e
agora que fomos reconciliados com Deus, podemos ser
beijados por Ele. Vamos usar uma ilustração simples para
entender o que é reconciliação. Imagine que um pai tenha
dois filhos. Certo dia, o mais novo quebrou um vaso de
muito valor. Ele está arrependido do que fez, mas não
tem como comprar um vaso novo. O filho mais velho
intervém e dispõe-se a comprar outro vaso, devolvendo-o
ao pai em nome do filho mais novo. O problema está
resolvido, mas o pai ainda está irado com o filho caçula.
12 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Então, novamente o filho mais velho age e convida os


dois para almoçarem juntos, promovendo, assim, sua
reconciliação.
Algo semelhante o Senhor Jesus fez por nós. Por um
lado, Ele pagou um alto preço por nossos pecados,
morrendo na cruz em nosso lugar. Apesar disso, ainda
estávamos afastados de Deus, pois éramos pecadores.
Então Jesus apresentou ao Pai Seu sacrifício por nós,
promovendo, assim, a reconciliação. Agora, por estar­
mos plenamente reconciliados com Deus, podemos ser
beijados por Ele.
Há uma condição necessária para que sejamos plena­
mente reconciliados com Deus: nosso arrependimento.
Jesus enfatizou isso ao iniciar Seu ministério. Ao pregar
o evangelho, Ele dizia: “Arrependei-vos, porque está
próximo o reino dos céus” (Mt 4:17).
Arrependimento não significa lastimar o passado nem
dispor-se a ser uma pessoa diferente; arrependimento é
uma mudança de mente que resulta em pesar, é uma
mudança de propósito. Antes de ouvir o evangelho, talvez
pensássemos não ter cometido pecados, mas quando
recebemos a luz de Deus vimos nossa situação caída e
abominável diante Dele, vimos que éramos pessoas cheias
de trevas e vimos nossa pecaminosidade. Então nos arre­
pendemos, voltamos para o Senhor e pedimos Seu perdão,
e fomos por Ele perdoados. Antes de recebermos o perdão
de nossos pecados éramos pessoas comuns, vivíamos no
mundo como qualquer outra pessoa e agíamos como
qualquer pessoa, mas, por termos sido perdoados, fomos
também santificados, isto é, fomos colocados por Deus em
uma posição santa. Essa é a experiência cristã inicial, e o
arrependimento é o primeiro passo para ela.
Em Cântico dos Cânticos não encontramos referên­
cia a arrependimento, perdão de pecados, santificação ou
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 13

justificação, mas o beijo do Amado na amada indica que


houve a reconciliação (cf. Lc 15:20) após a confissão dela
e o perdão de Deus.

Melhor do que o Vinho

Esse amor, tão docemente demonstrado no perdão e


na reconciliação, leva a amada a dizer de seu Amado:
“Melhor é o seu amor do que o vinho” (Ct 1:2b - IBB-
Rev.). Após sermos salvos, podemos desfrutar e perceber
plenamente o amor de Deus por nós, e O louvamos por
Seu amor.
Na Bíblia, o vinho representa tudo o que nos oferece
prazer, alegria e alguma satisfação. Antes de nossa rege­
neração, tínhamos prazer apenas nas coisas mundanas e
até mesmo pecaminosas. Mas agora temos o Senhor e, ao
tocar genuinamente em Seu amor, declaramos: “Ele me
amou tanto! Por isso, abandono o vinho do mundo para
ganhar mais desse amor tão doce”. Essa experiência é
muito espontânea logo que ganhamos o Senhor. Mas e
hoje, tanto tempo depois de ter conhecido o Senhor, a
quem você ama mais? Você ama o vinho do mundo ou
ama o Senhor? Você ama os prazeres deste mundo para
dar ânimo à sua alma ou você prefere amaro Senhor para
dar desfrute ao seu espírito? Quando você provar o amor
do Senhor, descobrirá que só Ele pode dar-lhe a verdadeira
satisfação e, portanto, é melhor do que qualquer outra
coisa.
O beijo que nos é dado por Deus, manifestação de
Seu amor por nós, prova que houve reconciliação e que
Ele nos quer apenas Seus. Quando somos beijados pelo
Senhor, percebemos: Seu amor é muito melhor do que o
vinho do mundo. Nossa reação deve ser: “Senhor, Tu me
atraíste. Por causa do Teu amor, abandono o mundo.
14 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Antes de ter sido tocado por Ti, eu tinha apenas os prazeres


transitórios do pecado. Eu os escolhia porque não havia
provado Teu amor. Mas agora rejeito todos os prazeres do
mundo, porque Tu já me beijaste com os beijos da Tua
boca, já demonstraste Teu amor por mim. Eu desfruto Teu
amor, e nada no mundo se compara a ele!”
O apóstolo Paulo teve essa experiência. Ele disse que
considerava as coisas do mundo e as da carne, mesmo as
boas e louváveis, como refugo, como lixo (Fp 3 :4-8). Sem
dúvida, Paulo tocou no amor do Senhor (v. 8). A maior
prova desse amor foi o fato de Jesus ter morrido por nós
(Jo 3:16; Rm 5:8). Mas a morte não foi o fim! Ele
ressuscitou (G11:1) e agora vive para interceder por nós
(Hb 7:25). Por amar-nos, Cristo não vive para Si mesmo,
mas vive para nós. Isso é amor! Quando desfrutamos
desse amor, reconhecemos que ele é melhor do que
qualquer prazer que o mundo possa nos dar.

O Aroma de Seu Nome

Após falar do amor de Salomão, a amada diz: “Suave


é o aroma dos teus ungüentos” (Ct 1:3). Em Êxodo 30 é-
nos apresentada a composição do ungüentoí. QuatrÕêspe^x
jciariasTeram usãâas: mirra fluidãT^inãmomo^odoroso, 1
cálâmo e cássia (vs. 2 3 ,7 4 ). Todas elas eram especiarias^

cadiveres4J 0_çáíamQ>xpor sqa vez, representa a ressurrei­


ção, pois era um junco que nascíã^empâhfanosTTõdas
essas especiarias eram colocadas no azeite de oliveira,
formando, assim, o ungüento aromático, usado para ungir
sacerdotes e reis, além do tabernáculo e seus utensílios.
O aroma dos ungüentos do amado (Ct 1:3a) refere-
se a reconhecermos que o Senhor Jesus é o Ungido, o
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 15

Cristo (Cristo, em grego, corresponde à palavra hebraica


Messias, que significa ungido (cf. Lv 4:3, 5 ,1 6 ; Jo 1:41;
4:25)). O ungüento foi derramado sobre o Senhor Jesus
por Deus, que O comissionou para Seu ministério. O
mesmo ocorria quando o sumo sacerdote era ungido,
como mencionado no Salmo 133:2.
Na segunda parte de Cântico dos Cânticos 1:3 outro
ungüento é mencionado: “Como ungüento derramado é
o teu nome”. Enquanto o primeiro ungüento mencionado
era derramado sobre a cabeça, com o objetivo de estabe­
lecer alguém em um ministério, o segundo ungüento tinha
a única função de perfumar, de espalhar seu aroma.
Em João 12:1-3 lemos sobre o derramamento desse
ungüento. Por amar ao Senhor, Maria, irmã de Lázaro,
“tomando uma libra de bálsamo de nardo puro, mui
precioso, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com os seus
cabelos”. Quando Maria fez isso, “encheu-se toda a casa
com o perfume de bálsamo” (v. 3). O bálsamo derramado
não produz resultados visíveis, tampouco produz algo
audível, mas é possível sentir sua fragrância; mesmo sem
podermos vê-lo ou ouvi-lo, ele é muito real.
Assim é o nome do Senhor. Esse nome representa uma
Pessoa viva. Não conseguimos ouvi-Lo, não podemos vê-
Lo nem tocá-Lo, mas invocar Seu nome torna-0 muito
real para nós. Quando dizemos: “Ó Senhor Jesus!”, experi­
mentamos a doçura do Seu nome e da Sua Pessoa. Nós não
provamos a doçura do Seu nome com o paladar nem vimos
Seu nome diante de nossos olhos, mas podemos afirmar que
o nome do Senhor é muito doce! Como? É difícil explicar,
mas há em nós um sentido espiritual, um “olfato” espiritual
que nos permite sentir a fragrância do Senhor, o doce aroma
do Seu nome. Apesar de nunca termos visto nem ouvido o
Senhor, nós experimentamos e provamos que Ele é real e
vivo (cf. 1 Pe 1:8).
16 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

As Donzelas

Por causa da excelência e doçura do nome de Salomão,


não apenas a amada foi atraída por ele, como também
muitas donzelas (Ct 1:3c). Humanamente, isso é inad­
missível, mas a realidade espiritual é maravilhosa! Quem
essas donzelas, essas virgens representam? Representam
os cristãos, cada um de nós que recebeu a Jesus como
Senhor e Salvador. Diante de Deus, todos somos virgens!
Paulo usa essa figura em 2 Coríntios 11:2. Os cristãos
em Corinto estavam sendo preparados por ele a fim de
serem apresentados como virgem para o Senhor. Por um
lado, havia uma preparação individual, por outro, toda a
igreja em Corinto, como uma virgem corporativa, cole­
tiva, estava sendo preparada para o Senhor. Essa é a idéia
apresentada em Cântico dos Cânticos 1:3 c: “as donzelas”
referem-se a essa virgem coletiva, que inclui todos os
cristãos.
Por que amamos tanto ao Senhor? Por que amamos
tanto Alguém a quem nunca vimos? Isso é resultado de
invocarmos Seu nome. O nome do Senhor é doce, e todas
as vezes que o invocamos, tocamos em Sua Pessoa e
somos constrangidos por Seu amor. Quanto mais invoca­
mos o nome do Senhor, mais doce ele se torna. “Por isso
as donzelas te amam”.

Atraídos pelo Amado

Em Cântico dos Cânticos 1:4 lemos: “Atrai-me;


correremos após ti” (RV). Quando invocamos: “Ó Senhor
Jesus”, somos atraídos por Seu amor e, por isso, corremos
após Ele. O amor do Senhor atrai-nos e faz-nos correr para
Ele, faz-nos segui-Lo por onde for (Ap 14:4). Não temos
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 17

com Ele uma relação baseada no medo, mas, constrangidos


por Seu amor, confiamo-nos ao Seu cuidado e O seguimos
sempre.
A amada acrescenta: “O rei me introduziu nas suas
recâmaras” (Ct 1:4):' Isso significa que quando recebe­
mos o Senhor Jesus, Ele levou-nos a habitar Nele mesmo.
Além disso, Ele veio habitar em nós! Nós e o Senhor
temos essa mútua habitação. Isso é claramente apresen­
tado em João 15, onde o Senhor Jesus menciona várias
vezes que Ele permanece em nós e nós permanecemos
Nele. A palavra “permanecer” pode também ser traduzida
para “habitar”; portanto, nós e o Senhor somos uma
mútua habitação. Que fato glorioso e maravilhoso!
Na segunda parte de Cântico dos Cânticos 1:4, a
pessoa que fala muda de “eu”: “O rei me introduziu nas
suas recâmaras”, para “nós”: “Em ti nos regozijaremos e
nos alegraremos”. Essas são as donzelas falando, fazendo
coro à declaração de amor da amada. Por um lado,
amamos ao Senhor individualmente, por outro, sempre
devemos amá-Lo juntamente com outros irmãos.
O coro das donzelas conclui: “Do teu amor nos
lembraremos, mais do que do vinho; não é sem razão que
te amam” (v. 4b). Isso mais uma vez nos faz lembrar que
devemos deixar todos os prazeres do mundo. Não é uma
lei: “Agora que você aceitou a Jesus tem de jogar fora
todas as coisas do mundo”, mas é o resultado espontâneo
de tocarmos no doce amor de nosso Senhor. Espontane­
amente deixamos todas as coisas do mundo — não
queremos mais esse vinho — porque obtivemos algo
muito melhor. O amor do Senhor é insondável e ultrapas­
sa todas as coisas. Antes o vinho do mundo nos animava,
mas agora ele não é mais suficiente. Hoje precisamos do
amor do Senhor. E não é sem razão que nós O amamos,
18 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

pois Ele é totalmente amável. Constrangidos pelo amor


de Cristo, de bom grado deixaremos todos os prazeres
mundanos para ganhá-Lo mais (Fp 3:7, 8).

As Tendas e as Cortinas

Apesar de não estar claramente indicado em Cântico


dos Cânticos, parece que a amada foi criticada por
algumas filhas de Jerusalém por buscar o rei Salomão.
Talvez isso tenha ocorrido por ser ela uma moça simples,
de algum povo de pastores nômades, e principalmente
por ser morena. A essas filhas de Jerusalém, ela responde:
“Eu sou morena, mas formosa” (v. 5 - IBB-Rev.). 1
Há vários fatos espirituais prefigurados aqui.'Em
Gálatas 4 lemos que há uma Jerusalém celestial, que é a
igreja nesta era (vs. 25-28). Por isso, podemos dizer que
as “filhas de Jerusalém” (Ct 1:5) referem-se a cristãos,
como também “a amada” refere-se a um.cristão individu­
almente. Pela resposta dada pelo cristão prefigurado pela
amada, percebe-se que ele deve ter recebido, ou pensa ter
recebido, uma crítica mais ou menos nestes termos:
“Você era um pecador tão caído! Pensa que pode buscar
um Senhor santo? Como uma pessoa assim pode dizer
que ama tanto o Senhor?”
A referência ao pecado está implícita na afirmação da
amada sobre ser ela morena. Na Bíblia, ser mordno
representa a condição de pecado do homem. Isso pode
ser depreendido de Jeremias 13:23 , que diz: “Pode acaso
o etíope [povo de pele morena] mudar a sua pele, ou o
leopardo as suas manchas? Então poderíeis fazer o bem,
estando acostumados a fazer o mal”. Um pecador é
alguém que está acostumado a fazer o mal; pecar é
espontâneo nele, tão natural como o etíope ter pele
escura e o leopardo, manchas.
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 19

P.or ter consciência dos muitos pecados que cometera


antes de ser salvo, esse cristão pensa que os irmãos o estão
criticando por sua busca ao Senhor, como se houvesse
esquecido que era um pecador. Realmente ele era um
peCador, mas o Senhor o salvou, o Senhor o lavou de seus
pecados com o sangue redentor. Agora ele pode buscar o
Senhor.: Esta experiência é comum a todos os cristãos:
todòs temos a natureza pecaminosa e, por causa dela,
ocasionalmente cometemos pecados, mas fomos com­
prados e redimidos pelo sangue de Cristo. Apesar de
serjnos pecadores, somos formosos aos olhos de nosso
amado Senhor.
Na segunda parte de Cântico dos Cânticos 1:5, a
amada menciona duas comparações para mostrar ser ela
morena e formosa. De acordo com esses exemplos, o
versículo 5 deve ser lido da seguinte maneira: “O filhas
de Jerusalém, eu sou morena como as tendas de Quedar,
porém sou formosa como as cortinas de Salomão”.
Quedar era um povo nômade descendente de Ismael,
filho de Abraão (Gn 25: 13), que pastoreava rebanhos de
ovelhas e de camelos (Is 60:7; Ez 27:21). Quedar,
provavelmente, significa muito escuro ou tenda escura.
Isjso porque suas tendas eram feitas das peles dos animais
que criavam, e devido à exposição ao sol, ficavam
escuras. Sem «dúvida, suas tendas, exteriormente, eram
muito, feias, de aspecto grosseiro. Isso bem descreve a
situação de uni pecador diante de Deus antes de experi­
mentar a regeneração. Um pecador é alguém em trevas e
sua situação é abominável diante da santidade e justiça de
Deus. ,
i M a s há as cortinas de Salomão! Não é possível
determinar se^ssas são as cortinas do palácio de Salomão
ou se são as cortinas do templo que ele edificou.,Em
ambos os casos, elas indicam beleza, honra e glória.
20 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Em Mateus 6:29 há uma referência às vestes de


Salomão, indicando que suas roupas eram muito bonitas.
Além disso, indica que Salomão tinha muita glória. Se
essas se referem às cortinas de seu palácio, certamente
deveriam manifestar toda essa beleza e glória. Caso sejam
as cortinas do templo, a referência deve ser ao véu entre
o Santo Lugar e o Santo dos Santos. Esse véu era de linho,
e nele havia querubins bordados (2 Cr 3:14). O linho
representa pureza e justiça (Ap 19:8), e os querubins
representam a glória de Deus (Ez 1 0 :1 8 ,1 9 ; 11:22; Hb
9:5). Por sermos pecadores, somos feios como as tendas
de Quedar, mas por termos sido regenerados, somos
formosos como as cortinas de Salomão!

A Culpa é do Sol!

“Não olheis eu ser morena: foi o sol que me quei­


mou” (Ct 1:6a - BJ). Às filhas de Jerusalém que a
criticavam por causa da cor de sua pele, a amada respon­
deu: “Eu não tenho culpa de ser morena. Eu vivo debaixo
do sol, cuidando das ovelhas. Então, eu fico morena. Eu
não queria ser assim, mas a culpa é do sol”.
Devemos lembrar que o cristão representado pela
amada está no primeiro estágio da vida espiritual, no qual
ele vive na esfera natural, vive de acordo com os mesmos
conceitos que tinha antes de ser salvo. As pessoas que não
conhecem a Deus de maneira real, costumam culpar os
outros pelos erros e pecados que cometem. A culpa nunca
é delas, é sempre do “sol”. Essa é uma desculpa de acordo
com o velho homem. Não é o ambiente ao nosso redor
que nos faz pecar, mas é o pecado, a natureza pecaminosa
que está em nós. Paulo, em Romanos 7:15-23, descreve
sua percepção acerca da lei do pecado: ele desejava fazer
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 21

o bem, mas dentro dele, em seus membros, havia essa lei


que o impelia a pecar. Isso não nos exime da culpa por
nossos pecados, pois cabe a nós dominar o desejo do
pecado em nós (Gn 4:7), mas sempre que pecamos isso
é o resultado da ação do pecado em nós.

Uma Aplicação Prática

Talvez os outros irmãos, representados pelas filhas


de Jerusalém, tivessem a percepção espiritual de que o sol
era apenas uma desculpa, mas eles falharam, como
veremos, ao desprezarem a amada e indignar-se contra ela.
Há uma lição muito prática e importante aqui: não
podemos desprezar ninguém por causa de seu passado.
Há irmãos que tiveram um passado de pecado e hoje
reúnem-se conosco. Como nós, eles também foram atra­
ídos pelo amor do Senhor. Por isso, não podemos desprezá-
los por seu passado, antes devemos ver ali uma pessoa que
foi comprada pelo sangue do Senhor. Seus pecados, assim
como os nossos, já foram lavados pelo sangue precioso de
Cristo. Quanto maior for o pecado, maior é a experiência
com o sangue. Quanto maiores forem os pecados que
tenhamos cometido, maior será nossa experiência com o
amor de Deus e com Seu perdão. Portanto, se Deus
escolheu alguém e perdoou seus pecados, não temos o
direito de desprezar essa pessoa nem de acusá-la por seus
pecados passados.
Além disso, devemos amar os irmãos que ainda não
vivem de acordo com a determinação de Deus em relação
à igreja — uma cidade, uma igreja. Não aceitamos as
divisões entre os cristãos, mas não podemos desprezar os
irmãos que lá estão. Por vezes, menosprezamos alguém
por causa do conhecimento que temos da Bíblia, o que
22 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

manifesta nosso orgulho. Nossa oração deve ser não


apenas que eles conheçam a verdade sobre a igreja, mas
que cresçam espiritualmente mais do que nós, que tor­
nem-se cristãos mais úteis e maduros do que nós. Devef
mos orar: “Senhor, há muitos filhos Teus mais sèquiosos
do que eu, que Te buscam e amam Tua Palavra mais do
que eu. Senhor, revela-lhes Tua igreja, e usa-me para
apresentar-lhes, com amor, essa verdade”.

Os Filhos da Promessa ■
“Os filhos de minha mãe se indignaram contrá mim”
(Ct 1 :6b). Por que a aniadanão se refere à “filhos de mèú
pai”?Aqui há, novamente, uma verdade neotestamentária.
Todos os cristãos têm o mesmo Pai, que é Deus, dé
quém nascemos ao recebermos Jesus como nosso Senhor,
Salvador e nossa vida (Jo 1:12, 13). isso corresponde a
nascer do Espírito Santo (3:5). Por outro ladó, nossa mãe
é a promessa (G1 4:28). A que se refere es‘sá píoriièssa?
! Gálatas 3:13, 14 registra: “Cristo nós rfesgâtou da
maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em
nosso lugar, porque está escrito: Maldito todo aqüélé
que for pendurado em madeiro; para que a bênção de
Abraão Chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, à fim dè
que recebêssemos pela fé o Espírito prometido”.' Portan­
to, a promessa é o Espírito Santo; por meio do qual nós
nascemos de Deus. " ;! i- r; -
No Antigo Testamento, a promessa réferia-se ato
juramento de Deus feito a Abràão de que ele teria uma
descendência numerosa como o pó da terra e como as
estrelas do céu (Gn 13:16; 15:5). Como Deus cumpriria
Sua promessa, se Abraão é Sara, sua mulher, eram velhós
e sem filhos? A Deus, Abraão disse: “A mim não me
cóncedestê descendência, e um servo nascido ria minha
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 23

casa será o meu herdeiro” (v. 3). Esse servo era Eliezer, a
quem Abraão tomara como filho adotivo. “A isto respon­
deu logo o Senhor, dizendo: Não será esse o teu herdeiro;
mas aquele que será gerado de ti, será o teu herdeiro” (v.
4). Como Sara não lhe dava filhos, Abraão decidiu “aju­
dar” Deus a cumprir Sua promessa: coabitou com Hagar,
uma escrava egípcia, gerando a Ismael (Gn 16). Por esse
motivo, ele perdeu a presença de Deus por treze anos (Gn
16:16; 17:1). Ao final desse tempo, Deus veio a Abraão e
lhe fez a promessa de que depois de um ano, Sara geraria
a Isaque, de quem surgiria sua grande descendência (v. 21).
Depois da morte de Sara, Abraão casou-se com Quetura,
que lhe gerou seis filhos (Gn 25:1, 2).
Apesar de ter nove filhos, incluindo Eliezer, o filho
adotivo, além de filhos de concubinas, quem era o
genuíno filho de Abraão? Apenas Isaque. Quando provou
Abraão, pedindo-lhe que apresentasse Isaque como
holocausto, Deus disse-lhe: “Toma teu filho, teu único
filho, Isaque” (22:2). Deus reconhecia apenas a Isaque
como filho de Abraão. O próprio Abraão entendia assim,
pois “deu tudo o que possuía a Isaque. Porém aos filhos
das concubinas que tinha, deu ele presentes” (25:5, 6).
Portanto, “os filhos da minha mãe” são os filhos da
promessa. Eles não são apenas cristãos, pois, em certo
sentido, todos os filhos de Abraão representam cristãos.
Os filhos da promessa são ,os cristãos que desfrutam a
melhor parte da herança de Abraão, dada a Isaque, e não
apenas os “presentes” que ele distribuiu para os outros
filhos. O melhor da herança de Abraão é a igreja, é, a
manifestação da igreja em uma cidade. Quando cristãos
reúnem-se simplesmente como a igreja em uma cidade,
eles estão desfrutando “tudo o que Abraão possuía” e que
ele deu a Isaque, o filho da promessa. ,.
24 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Indignaram-se
Os “filhos de minha mãe”, portanto, são cristãos que
estão reunindo-se como o testemunho da unidade da
igreja em uma cidade. No entanto, eles não trataram com
sabedoria e amor a esse novo irmão, antes, indignaram-
se contra ele. Por que teriam agido dessa maneira?
A razão está implícita no relato da amada: “E me
puseram por guarda de vinhas; a vinha, porém, que me
pertence não a guardei” (Ct 1:6). Por ser um cristão
imaturo, que age de acordo com seus conceitos naturais,
esse irmão ainda era muito individualista. Talvez ele dese­
jasse cuidar apenas de sua própria vinha, de sua vida
espiritual, de um pequeno grupo de irmãos a quem pregara
o evangelho, e não estivesse muito disposto a servir na
igreja juntamente com outros irmãos. Ele prefere fazer as
coisas sozinho: orar sozinho, pregar o evangelho sozinho,
cuidar de pessoas sozinho, desenvolver sua salvação sozi­
nho. Apesar de ter contato com outros irmãos, ele ainda
não está “misturado” com eles. Ser individualista é uma
característica do velho homem, e esse cristão age assim,
sem mesmo perceber o dano que isso pode trazer à igreja.
Por isso os outros irmãos indignaram-se contra ele.

A Vida da Igreja

Constantemente encontraremos cristãos assim. Por


serem imaturos, são individualistas. Como agir com eles?
Não podemos desprezá-los nem rejeitá-los por sua imatu­
ridade. Como viver a vida da igreja com irmãos assim?
Efésios 4 apresenta detalhes práticos sobre a vida da
igreja. Ali é-nos dito que no relacionamento com os
irmãos devemos ser humildes, mansos, pacientes e supor­
tar-nos mutuamente em amor (v. 2). Isso é a igreja na
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 25

prática. Como aplicar isso ao irmão imaturo? Por exem­


plo, a igreja marca um horário pela manhã para todos os
irmãos orarem juntos por determinada necessidade, mas
esse irmão não vem participar, pois prefere orar sozinho.
Em lugar de recriminá-lo, devemos ir à sua casa orar com
ele. Se ele está cuidando apenas da sua própria vinha,
vamos cuidar dela junto com ele. Desse modo, com man­
sidão, humildade, paciência e amor, nós lhe mostraremos
a necessidade de preocupar-se com os outros também.

Cuidar das Vinhas

Com amor e paciência, nós ajudamos os irmãos a


perceberem que não é errado preocuparem-se com sua
vinha, mas que é necessário cuidar de outras vinhas. Não
podemos exigir que ele deixe sua própria vinha para
cuidar da vinha de outros. Na verdade, todos devemos
cuidar da vinha uns dos outros. O Novo Testamento
enfatiza muito a reciprocidade, a mutualidade no cuida­
do e no encorajamento entre os cristãos (Rm 12:10;
14:13; 1 5 :7 ,1 4 ; G15:13; Ef 4 :2 ,3 2 ; 5:21; Cl 3 :1 3 ,1 6 ;
1 Ts 4:18; 5:11). Isso é a verdadeira vida da igreja.

Apascentar os Rebanhos

Por causa da indignação dos irmãos, esse cristão


decide orar ao Senhor para saber como proceder. Ele
preocupa-se com seus “cabritos” (Ct 1:8b), com irmãos
novos de quem cuida, e deseja saber como apascentá-los.
Ao Senhor, ele pergunta: “Dize-me, ó amado de minha
alma: Onde apascentas o teu rebanho, onde o fazes repou­
sar pelo meio-dia, para que não ande eu vagando junto ao
rebanho dos teus companheiros?” (Ct 1:7).
26 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

v Meio-dia é a hora de as ovelhas descansarem. Os


pastores não levam o rebanho para pastarao meio-dia, mas
quando o sol nasce. Nesse horário, o pasto ainda está tenro
e úhiidopelo orvalho; as ovelhas pastam e depois o pastor
as leva para beber água. Ao meio-dia, alimentadas e sacia­
das, elas se deitam para descansar nos pastos verdejantes.
Nesse descansoy as ovelhas ruminam: o pasto que engoli-
ram volta à boca, elas o mastigam novamente, engolem, ele
volta mais uma vez, novamente mastigam e engolem..., e
isso.por quatro vezes, até o alimento ser totalmente dige­
rido. Qual a aplicação espiritual disso?
Os cristãos são considerados pelo Senhor como ove­
lhas (Mt 10:16; 26:31; Jo 1 0 :2 ,3 ; 2 1 :1 6 ,1 7 ; 1 Pe2:25).
Uma das características da ovelha é ser um animal
“coletivò”: ela gosta de èstar em rebanho; de viver junto
com outras. Outra característica é que,ela é um ruminan­
te: ela come algo e fica um longo tempo num processo de
“mastigar, engolir, mastigar, engolir” até que o pasto seja
totalmente'digerido, e seus nutrientes tornem-se parte
dela. Como cristãos, precisamos desenvolver essas duas
características: ter prazer em estar com outros cristãos e
ruminar ,a Palavra de Deus. E nessas situações que O
Senhor nos apascenta. Quando estamos ruminando a
Palavra de Deus, meditando nela sob a Sua luz, estamos
recebendo o cuidado do Senhor, estamos sendo alimen­
tados por Seu Espírito e Sua vida (Jo 6:63).
: O cristão representado pela amada quer que o Senhor
lhe mostre mais sobre o Seu rebanho, sobre esses irmãos
que ruminam a Palavra. Ele não quer mais ficar isolado,
mas. não sabe exatamente çomo agir. Percebe que todas as
outras ovelhas estão juntas, desfrutando do Senhor e de
Sua Palavra. Por um lado, esse çristão gostaria de poder
ficar isolado, cuidando de sua vinha; por outro, ele sente
que precisa ser apascentado pelo Senhor junto com o
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 27

restante do rebanho. Que fazer? Ele age da maneira correc­


ta: busca o Senhor. Sempre que tivermos dúvidas sobre
nossa vida espiritual ou sobre nosso relacionamento com
os irmãos, deVemos perguntar ao Senhor, pois Ele certa­
mente irá responder-nos. ' .: ‘ '5-fV

Seguir as Pisàdaá dós Rebanhos

Pela pergunta desse cristão ao Senhor, podemos en­


tender que os irmãos exigiram dele alguma atitude espiri­
tual ou exigiram que participasse em algum serviço na
igreja, sem, no entanto, orientá-lo adequadamenté. Ele
está em uma situação difícil, pois inicialmente foi despre­
zado por ser um pecador, e agora indignaram-se contra ele
por guardar apenas sua própria vinha. Então exigiram-lhe
que cuidasse de outras vinhas, que se envolvesse com os
outros irmãos e com os serviços da igreja, más nao lhe
explicaram como fazer isso. “Que eu faço agora?”
Ao buscar o Senhor sobre esse assunto, Ele lhp diz:
“Se tu não o sabes, ó mais formosa entre as mulheres,.sai-
te pelas pisadas dos rebanhos, e apascenta os teus cabritos
junto às tendas dos pastores” (Ct 1:8). Quando não
soubermos como proceder na igreja, o Senhor sempre
nos dirá: “Siga o rebanho, siga a igreja, siga os irmáos”.
Não podemos ser individualistas, mas devemos unir-nos
ao rebanho. Não devemos pensar que há uma orientação
do Senhor específica para cada um de nós separadamen­
te, diferente da que Ele tem dado para a igreja. Sempre
que seguirmos o rebanho encontraremos caminho para
nosso progresso espiritual. E é justamente por estarmos
com o rebanho que o Senhor nos considera formosos.
O Senhor sabe que a preocupação desse cristão é com
seus cabritos, representando irmãos novos de quem ele
cuida ou um pequeno grupo de irmãos com quem ele se
28 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

identifica. Por isso, o Senhor lhe responde: “Se você não


sabe como cuidar desses cabritinhos, há irmãos que
sabem e podem ajudá-lo. Procure-os, leve seus cabritinhos
para conhecerem outros ‘pastores’. Não faça tudo sozi­
nho, mas envolva-se com a igreja”.

Uma Egua

Porque esse cristão buscou a comunhão com o Se­


nhor, o Senhor usou essa oportunidade para iluminá-lo
um pouco, para mostrar-lhe sua infantilidade e seu modo
de agir de acordo com seu conceito natural. “A uma égua
dos carros de Faraó eu te comparo, ó amada minha” (Ct
1:9 - IBB-Rev.). Que representa uma égua ou um cavalo
do Egito? O Salmo 147:10 mostra que o cavalo é um
animal dotado de muita força. O Senhor, com essa
comparação, está dizendo que esse cristão tem muita
força e disposição naturais, que ele não depende de Deus
ao servi-Lo, mas usa sua habilidade e capacidade natu­
rais. Por esse motivo, ele teve problemas com os irmãos,
ofendendo-se tão facilmente quando pensou ter sido
criticado e por não ter conseguido perceber a necessidade
de servir na comunhão com os outros irmãos.
Deuteronômio 17 também menciona os cavalos do
Egito. Ali é dito que os reis de Israel não poderiam ter
muitos cavalos, nem fazer o povo voltar ao Egito para
multiplicar cavalos (v. 16). Voltar ao Egito significa
voltar ao mundo, voltar ao pecado, voltar à situação em
que estávamos antes de conhecer o Senhor e da qual Ele
nos salvou. O Egito representa o mundo, onde as pessoas
vivem de acordo com o velho homem, o homem natural,
a velha criação. Por “melhores” que sejam os cavalos do
Egito (cf. 1 Rs 10:28, 29), eles ainda são do Egito, ainda
são mundanos e naturais.
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 29

De maneira muito amorosa, o Senhor estava dizendo


ao cristão representado pela amada: “Você tem muita
força, muita disposição, muita capacidade para Me servir.
E bom que queira servir-Me, mas você precisa perceber
que tem usado seu ser natural, sua capacidade natural.
Você tem seguido conceitos que aprendeu no mundo, que
adquiriu no Egito. Essas coisas não podem ser usadas na
igreja”. O fato de o Senhor estar expondo a situação desse
cristão é, na verdade, Seu amor e misericórdia. Quando o
Senhor nos ilumina, Ele está nos dando uma oportunidade
de arrependimento. Vemos isso na carta à igreja em Éfeso,
registrada em Apocalipse 2. Após elogiar essa igreja, o
Senhor diz: “Tenho, porém, contra ti que abandonaste o
teu primeiro amor” (v. 4). Ele expôs que a igreja, apesar de
ter muitas boas obras, não as fazia por amor ao Senhor.
Então, Ele acrescentou: “Lembra-te, pois, de onde caíste,
arrepende-te” (v. 5).

Num Carro
O Senhor é muito sábio ao tratar conosco. Ele não
apenas nos expõe, como também nos proporciona cami­
nhos práticos para sermos transformados. Ao comparar
Sua amada a uma égua, o Senhor relembra o que lhe dissera
anteriormente sobre seguir os passos do rebanho. E como
se Ele dissesse: “Minha amada, sei que você é muito
natural, por isso Eu coloquei você num carro, junto com
outros cavalos. Assim, juntos, um restringindo e ajudando
ao outro, serão todos transformados”.

Tranças e Colar
O Senhor continua falando à Sua amada, iluminando-
a: “Formosas são as tuas faces entre as tuas tranças” (v. 1 Oa
- IBB-Rev.). Na Bíblia, os cabelos representam submissão e
30 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

glória (1 Co 11:10,15). Portanto, a referênciaàs tranças


indica que esse cristão tem certa experiência de submissão.
No entanto, essa submissão ainda é essencialmente natural,
fato esse comprovado por terem sido as tranças menciona­
das logo após a comparação à égua de Faraó. -v :
: . O Senhor usa ainda outra figura referente à submissão
no versículo 10b: “E formoso o teu pescoço1com os
colares.” Na Bíblia, pescoço ou cerviz são tambérh usados
para referir-se à submissão. A Israel, Deus chamou “povo
de dura cerviz” (Ê x 3 2 :9 ; 33:3, 5; 34:9; Dt 9:6, 13(
31:27;. 2 Cr 3.0:8; Jr 17:23; At 7:51), por sua constante
indisposição em submeter-se aos desígnios divinos e por
murmurar constantemente contra Deus, especialmente
na peregrinação pelo deserto. Na verdade, o Senhor está
dizendo que esse cristão tem uma cerviz dura^ tem
dificuldade em obedecer ao que o Senhor determina para
a igreja por meio dos irmãos. Apesar disso, já há nele um
sinal do trabalhar de Deus, representado pelo colar.
As tranças e o colar indicam que, apesar de esse
cjistão submeter-se a Deus de acordo com sua disposição
njatural, Deus tem operado nele alguma transformação.
No entanto, isso ainda é insuficiente, pois depende muito
da disposição natural, da “boa vontade” desse cristão. Que
é preciso para ter-se uma submissão totalmente agradável
a Deus, ou, em outras palavras, como podemos submeter-
nos a Deus se nossa natureza é espontaneamente rebelde ?
Precisamos da natureza de Deus. ;v .

Tranças de Ouro

“Nós ,te faremos umas tranças de ouro” (Çt 1:11a -


IBB-Rev.). Por sua pureza e glória, o ouro, na Bíblia,
simb.oliza a natureza de Deus. Assim, precisamos ter mais
VIVENDO NA ESFERA NATURAL 31

da natureza de Deus adicionada.a nós. Desse modo, nossa


submissão torna-se a submissão que houve em Cristo,
que foi obediente até a morte (Fp 2:5-8). Quanto mais
recebermos da vida e natureza de Deus (cf. 2 Pe 1:4), por
meio de ler a Bíblia com oraçãos de confessar nossos
pecados,: dé usar nosso espírito para termos comunhão
com Deus (Jo 4:24), mais-teremos da submissão que
havia em Jesus; ■, — -
:r, “Nós te faremos” indica que esse é um trabalho
conjunto entre Deus e nós. De Sua parte, Deus está
sempre disponível, dispensando-se por meio do Seu
Espírito, a fim de transformar-nos. De nossa, parte,
devemos buscar a transformação, permitindo ao Senhor
trabalhar em nós, usando todas as situações para negar­
mos a nós mesmos, dando-Lhe oportunidade de crescer
em nós. Isso nos fará realmente formosos para Deus.
“Nós te faremos” também indica que o trabalho de
fazer tranças é constante. Diariamente Deus nos propor­
cionará situações onde um pouco mais de Sua natureza
será dispensada a nós. Sempre que exercitarmos a sub­
missão na dependência do Senhor, um pouco mais de
ouro estará sendo acrescentado às nossas tranças.

Pregos de Prata

Em Seu cuidado amoroso, Deus providencia ainda


outro instrumento para transformar-nos: pregos de prata
(Ct 1:11b - VRC). No Antigo Testamento, a prata era
usada para o resgate de pessoas (Lv 27:3-7). Por isso, ela
simboliza a obra da redenção de Cristo. Com Sua reden­
ção, Cristo “pregou” esse cristão. Onde? “Junto às tendas
dos pastores”, pregou-o na igreja. Essa é uma experiência
muito prática, apesar de não ser muito fácil explicá-la.
32 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Muitas vezes, por causa de nossa imaturidade espiritual,


indispomo-nos com o Senhor e com os irmãos, pensando,
até mesmo, em deixar a igreja, deixar o convívio com os
irmãos. No entanto, algo dentro de nós impede-nos.
Quanto mais nos envolvemos com os irmãos, mais perce­
bemos que a igreja é exatamente o lugar onde o Senhor
quer que estejamos e que, apesar de quaisquer dificulda­
des, não queremos nem conseguimos deixá-la. Estamos
definitivamente “pregados” na igreja. E “pregados” na
igreja, receberemos transformação: pouco a pouco dei­
xaremos de viver por nosso ser natural, gradualmente
amadureceremos e conheceremos mais o Senhor.
Capítulo Dois

VIVENDO NA ESFERA DA ALMA

Leitura da Bíblia: Ct 1:12 — 2 : 7

Um Resumo do Primeiro Estágio

O livro de Cântico dos Cânticos, por meio do roman­


ce entre Salomão e a Sulamita, descreve a experiência de
amor entre um cristão e o Senhor. Nossa experiência com
o Senhor começou com a regeneração. Naquela ocasião,
vimos nossa situação pecaminosa. Fomos, então, condu­
zidos pelo Senhor ao arrependimento e, por isso, fomos
lavados com Seu sangue, recebendo Seu perdão. Como
resultado, fomos tirados de nossa posição caída e comum
no mundo, e levados pelo Senhor para uma posição santa.
Apesar de termos sido santificados e justificados, nosso
relacionamento com o Senhor não era ainda muito íntimo.
Por isso, precisamos ser reconciliados com Deus. Isso é
representado em Cântico dos Cânticos pelo pedido da
donzela: “Beije-me ele com os beijos da sua boca” (1:2 -
IBB-Rev.). Nossa dívida de pecado com Deus era impagável,
mas Cristo morreu em nosso lugar, pagando a Deus nossa
dívida. Além disso, fomos também reconciliados com o
Pai.
Apesar de termos experimentado a reconciliação
quando fomos salvos, precisamos experimentá-la cons­
tantemente. Sempre que fizermos algo que desagrada a
34 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Deus, sempre que pecamos ou Lhe desobedecemos, nós


0 ofendemos e somos devedores à Sua justiça e santida­
de. Por isso precisamos mais uma vez ser reconciliados
com Ele. Paulo falou sobre isso em sua segunda carta aos
coríntios, capítulo 5. Nos versículos 18 e 19, Paulo
refere-se à reconciliação que recebemos na regeneração,
e no versículo 20 ele acrescenta: “Em nome de Cristo,
pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus”. Se dese­
jamos ter uma vida cristã normal e que se torne cada dia
mais madura, precisamos praticar buscar a reconciliação
com Deus constantemente.
Que nos motiva a desejar estar sempre reconciliados
com Deus? Seu amor por nós. Nossos pecados eram
vermelhos como a escarlate (Is 1:18), mas Ele, por amar-
nos, enviou Seu único Filho para morrer por nós (Jo
3:16). Essa foi a manifestação do amor de Deus (Rm 5:8;
1 Jo 4:9,10). Ao vermos isso, somos atraídos por tal amor
e abandonamos todos os prazeres do pecado e do mundo
(Ct 1:2b, 4c). Por causa desse amor, tudo o que buscáva­
mos antes tornou-se refugo, pois queremos ganhar a
Cristo e Seu amor (Fp 3:8).
Além de proclamar a excelência do amor de seu
amado, a donzela de Cântico dos Cânticos fala também
da fragrância dele. Isso representa o doce aroma de
Cristo, por ser Ele o ungido de Deus (SI 133). Além desse
aroma, há ainda o perfume do Seu nome, como ungüento
derramado (Ct 1:3). E por sermos atraídos dessa maneira
pelo Senhor, nós corremos após Ele (v. 3b - RV).

Amor, Morte e Ressurreição

Ao final do primeiro estágio, o cristão representado


pela amada já havia sido um pouco transformado, e fora
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 35

“pregado” pelo Senhor na igreja. O versículo 12 de


Cântico dos Cânticos 1 marca o início de um novo estágio
na experiência espiritual desse cristão. Nesse estágio, ele
experimenta mais profundamente o amor do Senhor na
igreja, e entrega-se ao Senhor por amá-Lo.
O Novo Testamento faz muitas referências ao amor
do Senhor por nós. Esse amor, que é derramado em nosso
coração (Rm 5 :5), nos constrange a segui-Lo (2 Co 5:14)
e a amá-Lo, não com nosso amor, mas porque Ele nos
amou primeiro (1 Jo 4:10, 19). A quem Ele amou? A
pecadores, pessoas que estavam mortas em seus delitos e
pecados (Ef 2:1), que eram inimigas de Deus (Rm 5:10).
No entanto, fomos amados de tal maneira (Jo 3:16) que
Jesus morreu por nós na cruz (Rm 5:8). Quão insondável
é o amor de Deus por nós!
A amada do rei Salomão em Cântico dos Cânticos era
uma moça campesina, provavelmente pastora de ove­
lhas, alguém bem diferente do rei. O mesmo ocorreu
conosco: quando o Senhor nos amou, éramos pecadores,
absolutamente contrários à santidade de Deus. Mas Ele
nos escolheu e nos redimiu. Como não amá-Lo?
O livro de Ester também relata uma história de amor
semelhante. O grande rei Assuero escolheu Ester para ser
sua rainha. Ester era uma israelita, e, conseqüentemente,
pertencia a um povo que se havia tornado cativo do reino
de Babilônia que, por sua vez, tornara-se escravo da Pérsia.
Portanto, Ester era escrava de escravos. Como poderia ser
ela a escolhida de um rei? r -
Podemos perceber que houve duas etapas na escolha
de Ester. Primeiramente, ela foi levada à casa do rei (Et
2:8), o que representa ser levada à igreja. Quando
recebemos o Senhor, somos feitos membros de Seu
Corpo, a igreja. Essa é a primeira etapa, relacionada ao
36 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

primeiro estágio da experiência espiritual em Cântico


dos Cânticos. No entanto, para que pudesse entrar na
presença do rei, houve a segunda etapa desse processo:
por doze meses ela precisou ser embelezada— seis meses
com óleo de mirra e seis meses com especiarias, perfumes
e ungüentos. No versículo 8 do Salmo 45 vemos que essas
especiarias eram aloés e cássia.
Na Bíblia, a mirra refere-se à morte, pois os judeus a
usavam na preparação dos mortos para o sepultamento
(Jo 19:39, 40), enquanto aloés e cássia representam a
ressurreição. Isso significa que para podermos avançar na
experiência cristã, para podermos conhecer mais o Se­
nhor, precisamos experimentar morte e ressurreição. A
morte é operada por meio de tomarmos a cruz e negar­
mos a nós mesmos (Mt 16:24). Isso levará à morte nosso
ego e nossa vida da alma, e permitirá que a vida e natureza
de Deus sejam mais adicionadas a nós.
Essa é uma experiência progressiva e diária. Nunca
poderemos dizer que “morremos” totalmente ou que não
agimos mais de acordo com nosso ser natural ou segundo
nossa carne. Todos somos homens naturais, e em nossa
natureza caída há uma aversão espontânea à morte, ao
operar da cruz de Cristo. Não queremos morrer; quando
ouvimos sobre a necessidade de morrer, mais vivos
ficamos, mais tentamos soluções naturais que aparentem
estarmos mortos e, como resultado, causamos problemas
aos irmãos e à igreja.
Se amamos o Senhor e a igreja, devemos receber com
alegria a cruz de Cristo. Não há necessidade de buscar
situações nas quais devamos morrer, pois o Senhor
sempre permitirá que situações assim ocorram conosco
diariamente. Será esse o momento de negar a nós mesmos
e tomarmos a cruz. Esse é o único caminho para progre­
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 37

dirmos no conhecimento vivo de Cristo. Essa é a experi­


ência espiritual que vimos em Ester.

O Aroma do Nardo
“Enquanto o rei está assentado à sua mesa, o meu
nardo exala o seu perfume” (Ct 1:12). Esse nardo é o
ungüento derramado, mencionado no versículo 3. Ma­
ria, irmã de Marta e de Lázaro, experimentou isso.
Naquele banquete ocorrido em Betânia, na casa de
Simão, o leproso, Maria, movida de amor pelo Senhor,
tomou um frasco de alabastro cheio de nardo puro, e
ungiu com o perfume “os pés de Jesus e os enxugou com
os seus cabelos; e encheu-se toda a casa com o perfume
do bálsamo” (Jo 12:3).
Marcos 14 acrescenta outros detalhes a essa cena. Ali
é dito que Maria trouxe “um vaso de alabastro com
preciosíssimo perfume de nardo puro; e, quebrando o
alabastro, derramou o bálsamo sobre a cabeça de Jesus”
(v. 3). O perfume de nardo era colocado em vasos de
alabastro. Esses vasos tinham um gargalo comprido e
fino, e eram tampados e selados, impedindo, assim, que
o perfume evaporasse. Para que o perfume pudesse ser
utilizado, era preciso quebrar esse vaso. Foi o que Maria
fez: quebrou o vaso de alabastro, e com o nardo ungiu os
pés e a cabeça do Senhor Jesus.
O vaso de alabastro representa nosso ser natural;
quebrá-lo significa quebrantar nosso ser. Todos nós preci­
samos passar por esse quebrantamento. É necessário que
nossas características, comparadas à égua dos carros de
Faraó, sejam quebradas — precisamos permitir que Deus
trabalhe em nossa disposição e força. Nossa submissão
natural — nossas “tranças” — precisa ser quebrada,
precisa ser tocada por Deus.
38 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Diariamente passamos por situações que nos dão opor­


tunidade de quebrar nosso vaso. Tomemos o exemplo de
uma irmã que não se submete ao marido. Quando ele cobra
submissão, ela pode alegar que não se submete porque ele
não a ama, e que se ele a amar mais, ela se submeterá. Isso
é apenas uma justificativa segundo o velho homem. Não há
submissão porque não há quebrantamento. Seu ser natural
está intacto, intocável. Para que o nardo, o conhecimento
de Cristo, exale seu perfume a partir de nós, precisamos ser
quebrados. Aceitemos o tratamento do Senhor por meio
das circunstâncias que Ele amorosamente prepara para
nós. Somente dessa maneira, o bom perfume de Cristo será
manifestado. . •
O quebrantamento também precisa ser uma experiên­
cia contínua. Se hoje experimentamos certo quebranta­
mento e submetemo-nos a ele, porém o ressaltamos ex­
cessivamente como se essa fosse a obra definitiva de Deus
em nossa vida e não buscamos novas e mais profundas
experiências de quebrantamento, é como se estivéssemos
colando o vaso. Inegavelmente, houve certo quebranta­
mento; é possível ver em nós as trincas, os sinais da quebra,
mas estamos novamente inteiros. Isso indica que o vaso
não foi quebrado o suficiente. Se realmente amamos o
Senhor, se somos comovidos interiormente por Seu amor,
permitiremos que Ele nos quebrante vez após vez, para que
esse doce aroma se manifeste.

Amor e Perdão
Lucas 7 narra um fato semelhante ao registrado em
João 12. Ali vemos Jesus jantando na casa de um fariseu.
“E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que
ele estava à mesa na casa do fariseu, levou um vaso de
alabastro com ungüento; e, estando por detrás, aos seus
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 39

pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava


com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os Ungia
com o ungüento” (vs. 37,3 8). A Bíblia nada diz sobre essa
mulher, a não ser que era uma pecadora, provavelmente
bastante conhecida das pessoas daquela cidade. Podemos
inferir também que ela estivesse acompanhando o minis­
tério de Jesus, vendo as curas que Ele fazia e ouvindo Suas
palavras cheias de luz e de amor. Isso comoveu aquela
mulher. Mesmo consciente de seus pecados, ela aproxi­
mou-se de Jesus e O ungiu. Por ter sido tocada por Seu
amor, ela chorava e regava os pés do Senhor com suas
lágrimas e os enxugava com os cabelos.
Por que ela fazia isso? A palavra do Senhor ao fariseu
indica que ela foi movida por amor: “Perdoados lhe são os
seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele
a quem pouco se perdoa, pouco ama” (v. 47). Por amar ao
Senhor, ela foi perdoada por Ele, e por ter sido perdoada,
mais amou o Senhor. Essa é nossa experiência: quando
fomos perdoados pelo Senhor, passamos a amá-Lo, e por
amá-Lo, constantemente vamos a Ele, arrependendo-nos
de nossos pecados. Assim, somos por Ele perdoados, e isso
gera em nós mais amor. Isso é quebrar nosso vaso, é
derramar-nos pelo Senhor.

Desperdício!

Mateus 26:6-13 é um relato paralelo a João 12:1-8.


De acordo com Mateus, após Maria ter derramado o
nardo sobre o Senhor, “indignaram-se os discípulos e
disseram: Para que este desperdício?” (v. 8). João 12:5
diz que o perfume poderia ser vendido por trezentos
denários, o que eqüivale ao salário de um ano de trabalho.
Portanto, dizer que Maria cometeu um desperdício é
& CÂNTICO DOS CÂNTICOS

como se os discípulos estivessem dizendo: “Jesus não vale


isso. Para que desperdiçar tanto dinheiro com Jesus? Se
esse dinheiro fosse gasto com os pobres, é compreensível,
mas desperdiçá-lo com Jesus?!”
Você já não ouviu conselhos assim: “Não exagere
tanto. Está certo que devemos seguir a Deus, mas você
não acha que está exagerando? Reuniões todos os dias,
pregação do evangelho para todas as pessoas, leitura da
Bíblia, leitura de livros espirituais?! Você está desperdi­
çando sua vida!” Especialmente os jovens cristãos são
alvo de comentários desse tipo. Seus colegas de escola,
por não conhecerem o Senhor, insistem em que eles
devam viver a vida e não jogar fora sua juventude com
Jesus e a Bíblia.
Esse é o parecer do mundo, mas que disse o Senhor
sobre Maria? “Por que molestais esta mulher? Ela praticou
boa ação para comigo (...) Em verdade vos digo: Onde for
pregado em todo o mundo este evangelho, será também
contado o que ela fez, para memória sua” (M t2 6 :10,13).
Aos olhos dos homens, nossa consagração ao Senhor pode
parecer desperdício, mas para Ele é uma boa ação.
Por causa do Senhor, por causa da preciosidade de Seu
amor, não podemos ponderar sobre o valor do nardo que
temos para derramar. Diante do amor do Senhor por nós,
somos constrangidos a nos ofertar. Precisamos ser como
Maria: ao ofertar-nos, não fiquemos calculando o “des­
perdício”, mas simplesmente façamos essa boa ação pelo
Senhor. Ela fez isso porque amava o Senhor, e deu-Lhe o
que tinha de mais precioso. Maria derramou o bálsamo na
cabéça do Senhor, o que já é muito louvável, mas a mulher
pecadora ungiu os pés do Senhor com o perfume. Isso,
sim, é “desperdício”, mas ela achava que valia a pena. Dar-
nos ao Senhor sempre valerá a pena.
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 41

Como resultado de ter-se consagrado ao Senhor, Maria


ganhou Dele uma palavra de louvor. Que importa mais: a
opinião dos homens sobre nosso desperdício ou a satisfa­
ção e o louvor do Senhor?
É esse o quadro que vemos em Cântico dos Cânticos
1:12, e essa deve ser a descrição de nossa experiência
constante com o Senhor. Enquanto nosso amado Senhor
está assentado, enquanto vivemos a vida da igreja na Sua
presença, nosso nardo exala o seu perfume. Nós nos
oferecemos totalmente a Deus, quebramos nosso preci­
oso vaso de alabastro, já nos derramamos por Ele e
ungimos Seus pés. Comovidos por Seu amor, nós chora­
mos, pois Seu amor é melhor que o vinho. Choramos
sobre os pés do Senhor e os enxugamos com nossos
cabelos, ou seja, submetemo-nos a Ele e damos-Lhe toda
a glória. Isso é o evangelho.

Saquitel de Mirra

Nesse banquete de amor, após a experiência de


derramar-se pelo Senhor, esse cristão declara: “O meu
amado é para mim um saquitel de mirra, posto entre os
meus seios” (Ct 1:13). Como vimos, a mirra representa
a morte. Portanto, por causa do nosso Amado, de bom
grado aceitamos a morte, aceitamos ser quebrados. Mes­
mo que o vaso de alabastro tenha muito valor, aceitamos
quebrá-lo, pois queremos que em nós haja o perfume da
mirra. Precisamos declarar ao Senhor: “Eu quero ser
levado à morte por amor de Ti. Senhor, quero que
sempre encontres mirra em mim”.
Ao escrever aos coríntios, o apóstolo Paulo fez referên­
cia ao “tesouro em vasos de barro” (2 Co 4:7). O tesouro é
Cristo e o vaso de barro somos nós. Como esse tesouro
42- CÂNTICO DOS CÂNTICOS

pode ser manifestado? Quando “somos entregues à morte


por causa de Jesus* para que também a vida de Jesus se
manifeste em nossa carne mortal. De modo que em nós
opera a morte; mas em vós, a vida” (vs. 11,12). Quanto
mais experimentamos do morrer deJesus, mais da Sua vida
será manifestada por meio de nós. Desse modo, o tesouro
que há em nós poderá ser visto pelas pessoas.
í \ - -* ■. •

Flores no Deserto
“Como um racimo de flores de hena nas vinhas de En-
Gedi, é para mim o meu amado” (Ct 1:14). Na praia
ocidental do Mar Morto há um deserto, no qual há uma
fonte de água quente, chamada En-Gedi, que deu origem
a um oásis cheio de vegetação e notável por suas palmeiras
e vinhas. En-Gedi significa fonte do cordeiro. O Senhor
Jesus é o Cordeiro de Deus que, ao ser crucificado, tornou-
se para nós uma fonte de vida e de redenção. Essa vida que
venceu a morte é uma vida de ressurreição, pois pode gerar
vida no deserto. As flores das vinhas quase não são vistas,
pois duram muito pouco, logo tornando-se fruto, mas as
flores de hena são viçosas e perfumadas.
Esse cristão reconhece e prova que o Senhor é a
ressurreição após a morte. Como vimos em Ester, após
passarmos pela morte, imediatamente desfrutamos a
ressurreição; em Cântico dos Cânticos, logo após o
saquitel de mirra temos En-Gedi. Como veremos, essa
declaração leva o Amado a elogiar Sua amada.
Há ainda outra aplicação prática decorrente dessa
figura. Quando estava fugindo de Saul, Davi foi “para os
lugares seguros de En-Gedi” (1 Sm 23:29). Saul, então,
estava passando por aquela região, e entrou na caverna
onde Davi estava escondido. Os homens que estavam
com Davi lhe disseram: “Hoje é o dia, do qual o Senhor te
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 43

disse: Eis que te entrego nas mãos o teu inimigo e far-lhe-


ás o que bem te parecer. Levantou-se Davi, e furtivamente
cortou a orla do manto de Saul. Sucedeu, porém, que
depois sentiu Davi bater-lhe o coração, por ter cortado a
orla do manto de Saul; e disse aos seus homens: O Senhor
me guarde de que eu faça tal cousa ao meu senhor, isto é,
que eu estenda a mão contra ele, pois é o ungido do
Senhor” (24:1-6).
E significativo que essa história tenha ocorrido no
deserto de En-Gedi. O deserto representa a morte, por sua
sequidão. Nesse deserto, porém, havia um oásis com lindas
vinhas, representando a ressurreição. Assim, aplicando o
que ocorreu com Davi a nós, podemos dizer que somente
quando experimentamos genuinamente morte e ressurrei­
ção, temos uma adequada percepção sobre os ungidos de
Deus, aqueles irmãos a quem o Senhor delegou Sua
autoridade para governarem por Ele. Se temos vivido de
acordo com a morte e ressurreição de Cristo, não ousare­
mos sequer criticar os ungidos de Deus.

Simples como as Pombas


A declaração de amor da amada desperta no rei a
admiração por ela: “Eis que és formosa, 6 querida minha,
eis que és formosa; os teus olhos são como os das
pombas” (Ct 1:15). O rei já havia elogiado a beleza de sua
amada no primeiro estágio, no entanto, naquela época
ela ainda era muito natural. Mas agora ela já foi trabalha­
da por Deus — seus cabelos têm ouro e ela foi pregada na
igreja. Mesmo que queiram expulsá-la da igreja, ela não
sairá, pois está pregada a ela, com pregos de prata. Por
amor ao Senhor, esse cristão O ungiu quando Ele estava
sentado à mesa. Naquela ceia em Betânia havia outros
discípulos, mas somente Maria derramou-se pelo Senhor.
44 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Isso significa que ela leva seu próprio ser à cruz, que aceita
o operar da morte do Senhor nela, tornando-a formosa aos
olhos do Amado.
Que leva um cristão a quebrantar-se assim? Que o
motiva a negar-se a si mesmo, a tomar a cruz tão alegremen­
te, colocar-se na morte, não lastimando, mas com gozo e
muito desfrute? Isso é devido a seus “olhos de pomba”. As
pombas têm uma característica interessante: elas fitam os
olhos em apenas uma coisa de cada vez. Isso significa que
precisamos ter visão espiritual (cf. Ef 1:18)— precisamos
olhar apenas para o nosso Amado, e nada mais (Hb 12:2).
Se tivermos olhos singelos como os das pombas, se não nos
distrairmos com quaisquer Outras coisas, se olharmos
apenas para nosso precioso Senhor, então saberemos dar
valor ao que realmente tem valor — Ele mesmo. O nardo
era preciosíssimo, mas para Maria ele era inútil se não fosse
derramado sobre Jesus. Por vezes, aos nossos olhos natu­
rais, consideramo-nos muito valiosos, mas nossos olhos de
pomba revelam-nos que precisamos ser quebrados e que
esse “desperdício” é realmente valioso.
Há um ciclo de vida aqui: quanto mais morrermos,
quanto mais aceitarmos o quebrantamento do Senhor,
mais singelos serão nossos olhos espirituais. Quanto mais
simples for nossa visão espiritual, olhando somente para
Jesus, mais desejo teremos de ser quebrantados e de nos
derramar pelo Senhor. Quão doce e prática é essa expe­
riência espiritual!

Descanso e Desfrute

Por ter sido chamada formosa, a amada retribui, decla­


rando ser o rei formoso e amável, e acrescenta: “O nosso
leito é de viçosas folhas” (Ct 1:16b). O leito é um lugar de
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 45

descanso, e viçosas folhas indicam novidade de vida (Rm


6:4). Onde podemos descansar? Na realidade, nosso ge­
nuíno e único descanso é o próprio Senhor Jesus. Ele
mesmo disse: “Vinde a mim todos os que estais cansados
e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11:28), enquan­
to o apóstolo Pedro ensina que devemos nos humilhar sob
a poderosa mão de Deus, lançando sobre Ele toda a nossa
ansiedade (1 Pe 5 :6 ,7).
Nosso Deus é sempre novo, e Sua vida nos traz
renovação. Cada manhã, Suas misericórdias se renovam
a nosso favor (Lm 3:22, 23), denotando que Sua vida é
sempre viçosa, sempre cheia de frescor. Por isso, somente
Nele podemos encontrar verdadeiro descanso.
“As traves da nossa casa são de cedro, e os seus caibros
de cipreste” (Ct 1:17). Na Bíblia, os vegetais e as madei­
ras representam, normalmente, a natureza humana. O
hissopo, por exemplo, representa uma natureza humana
muito comum e baixa, enquanto o cedro e o cipreste, por
serem árvores altas, representam uma natureza humana
elevada, com alto padrão de justiça e retidão. Assim,
tanto o cedro como o cipreste referem-se à humanidade
elevada do Senhor Jesus, o homem perfeito.
Essas duas madeiras foram usadas por Salomão na
construção do templo emJerusalém. O cedro foi usado para
revestir as pedras das paredes e o cipreste para cobrir o piso.
O cedro vinha das montanhas do Líbano, por isso refere-se
a uma humanidade sobrepujante, E o cipreste, por ter sido
usado no piso, refere-se à morte do Senhor. Como homem,
Jesus foi colocado, primeiramente, no ponto mais baixo,
como um piso: nasceu em um estábulo, viveu como um filho
de carpinteiro e morreu pendurado num madeiro como um
criminoso. Mas por fim, por meio da Sua ressurreição, Ele
foi feito Senhor sobre todo o universo.
46 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Por ser esse homem perfeito e vitorioso Jesus pode ser


nosso descanso, como o leito, e nossa proteção, como as
traves e os caibros. Isso é a igreja e isso é o Senhor: nosso
lugar de descanso.
Uma Rosa Comum e um Lírio entre Espinhos

Depois de falar de seu Âmado, esse cristão diz de si


mesmo: “Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales” (Ct
2:1). A rosa de Sarom era, provavelmente, uma flor silves­
tre, muito abundante naquela planície, não tendo, por isso,
muito valor. O mesmo se aplica ao lírio dos vales, uma flor
frágil em um lugar de difícil acesso. Isso indica que esse
cristão considera-se uma pessoa desprezível e sem valor.
Mas como lhe respondeu o Senhor?
“Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha querida
entre as donzelas” (v. 2). O Senhor reconhece que esse
cristão é um lírio. Essa é uma flor branca, que se assemelha
a uma boca aberta. Podemos dizer que parece uma boca
louvando ao Senhor. Em Mateus 6:28-30 lemos que os
lírios não preparam roupas para si e são muito frágeis, no
entanto, com nada se preocupam. Portanto, os lírios
representam uma vida pura, por causa da cor branca, e
confiante em Deus, rendendo-Lhe louvores a todo tempo.
Apesar de o Senhor concordar que esse cristão é üm lírio,
Ele não o chama de lírio dos vales, mas chama-o de lírio
entre os espinhos. Que isso significa?
Como já vimos, na Bíblia os vegetais, de modo geral,
representam a natureza humana, e os espinhos represen­
tam a vida natural do homem. Em Gênesis 3 lemos que,
por causa do pecado do homem, a terra passou a produzir
espinhos e abrolhos, ambos plantas rasteiras e espinhosas
(Gn 3 :1 8 - IBB-Rev.). A terra deve produzir alimento para
o homem, mas os espinhos são um empecilho para isso.
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 47

Espiritualmente, podemos dizer que a vida natural é sem­


pre um obstáculo para o crescimento da vida divina.
Quando chamou Moisés, Deus mostrou-se a ele como
uma sarça, uma moita de espinhos que queimava, mas
não se consumia. Isso demonstra que Deus não usa a vida
natural, pois ela é um impedimento para o crescimento
da vida divina.
Em Mateus 13 encontramos nova referência a espi­
nhos: eles sufocaram a semente que entre eles caiu. Isso
também comprova que os espinhos representam algo que
impede o crescimento da vida divina. O Senhor Jesus disse
que eles são os cuidados do mundo e as fascinações das
riquezas (v. 22), fatos relacionados à vida natural.
Portanto, a declaração do Senhor é um elogio à Sua
amada: “Apesar de todas as dificuldades da vida natural,
apesar de todos os obstáculos que se levantam ao seu
redor, tentando impedir seu crescimento, você é um lírio
entre os espinhos. Entre tantas pessoas corruptas nesse
mundo, há um lírio louvando-Me e confiando em Mim”.

Sob a Sombra do Amado

Esse elogio do Senhor desperta em Sua amada uma


nova declaração sobre Ele: “Qual a macieira entre as
árvores do bosque, tal é o meu amado entre os jovens” (Ct
2:3). A macieira é uma árvore frondosa e está sempre
verde, suas folhas não caem e dá frutos constantemente.
Há um hino que diz que o Senhor é sempre novo. Ele é
“verdejante”, sempre cheio de novidade de vida. Por esse
motivo, a amada acrescenta: “Com grande gozo sentei-me
à sua sombra” (v. 3b - IBB-Rev.). O Senhor é para nós essa
árvore que produz uma boa sombra, refrescante e proteto­
ra, e frutos para a nossa satisfação.
48 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Sala do Banquete
“Leva-me à sala do banquete, e o seu estandarte sobre
mim é o amor” (v. 4). No início deste segundo estágio, “o
rei está assentado à sua mesa” (Ct 1:12), e agora, no final
do mesmo estágio, ele levou sua amada à sala do banque­
te. Podemos dizer, em primeiro lugar, que quando
saímos do primeiro estágio, somos ajudados a sair do
nosso individualismo e egocentrismo para desfrutar o
Senhor na igreja. A vida da igreja é-nos apresentada como
o lugar onde há uma mesa farta, à qual está o Rei
assentado, festejando com Sua amada. Nossa vida com o
Senhor na igreja dever ser uma constante festa, onde
desfrutamos das Suas riquezas insondáveis como nosso
suprimento. Assim, somos finalmente introduzidos por
Ele à sala do banquete. Se diariamente desfrutarmos da
vida divina como fonte de suprimento, como uma rica
mesa para nós, nas reuniões da igreja certamente teremos
a “sala do banquete”. Se na vida de cada cristão não
houver a “mesa”, não esperemos haver a “sala do banque­
te” nas reuniões da igreja.
O rei levou sua amada para o banquete, e ela assen­
tou-se aos seus pés para desfrutar de Seu amor e de Sua
doce pessoa, Seu fruto doce (v. 3), à Sua sombra. Ao
estender Seu estandarte sobre esse cristão, o Senhor está
desejando trazê-lo para uma posição mais elevada, ao Seu
lado, nesse banquete. No entanto, ele se contenta em ficar
sentado aos pés do Senhor, como Maria. Aleluia! É muito
gostoso participar do Senhor assim!

Doente de Amor
Essa profunda manifestação de amor do Amado por
essa donzela, leva-a a pedir: “Sustentai-me com passas,
VIVENDO NA ESFERA DA ALMA 49

confortai-me com maçãs, pois desfaleço de amor” (v. 5).


Esse cristão sente-se amado demais e ama demais ao Se­
nhor, a ponto de sentir-se doente. Pede, então, que o
Senhor lhe dê passas e maçãs, que representam aspectos
do Senhor como o pão da vida e fruto da vida.
Essa declaração da amada indica que seu amor pelo
Senhor ainda é predominantemente da esfera da alma, de
uma emoção ainda não totalmente permeada pelo Espí­
rito Santo. Apesar disso, o Senhor sustenta-lhe a cabeça
e a abraça (v. 6 - BJ). Em João 13:23 lemos sobre um
discípulo que se reclinou sobre o peito do Senhor (IBB-
Rev.). Isso é o desfrute do amor, como visto em Cântico
dos Cânticos.
A

E Hora de Despertar!?

Mas talvez algumas filhas de Jerusalém tivessem


recriminado aquela donzela por estar tão próxima do rei,
sendo abraçada por ele. Que lhes respondeu Salomão?
“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e
cervas do campo, que não acordeis nem desperteis o
amor, até que este o queira” (Ct 2:7).
Gazelas e cervas são animais muito ariscos, que por
qualquer coisa fogem, pulando rapidamente. Especial­
mente quando têm cria, esses animais são muito vigilantes,
estando sempre prontos para fugir. Isso significa que a
experiência espiritual desse cristão, apesar de ainda ser
bastante imatura, é para ele muito importante, e ninguém
deve exigir-lhe que avance mais rapidamente. Ele é como
uma gazela: se for “assustado”, em lugar de crescer, poderá
fugir. Ainda que alguém possa ser considerado infantil em
relação à sua maturidade espiritual, não podemos ter.
pressa em que ele cresça. O Senhor não permite que
50 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

tentemos apressar a maturidade, mas espera que a própria


pessoa acorde e perceba a necessidade de prosseguir para
outro estágio de vida. Essa é mais uma manifestação de
amor do Senhor.
Inegavelmente, não há como explicar tão profundo
amor do Senhor por nós. Somos todos pesados de língua,
incapazes de descrever plenamente esse grande amor.
Por isso, graças a Deus por Cântico dos Cânticos, que nos
ajuda a entender esse insondável amor.
Capítulo Três

VIVENDO NA INTROSPECÇÃO

Leitura da Bíblia: Ct 2:8 — 3:5

Um Resumo dos Dois Primeiros Estágios

O livro de Cântico dos Cânticos representa o relaci­


onamento individual dos cristãos com o Senhor. A expe­
riência ali relatada inicia-se com a reconciliação. Após
isso, fomos atraídos pelo Senhor e corremos após Ele.
Mas logo após a nossa salvação, ainda vivemos em nós
mesmos e julgamos os irmãos de acordo com nossos
sentimentos.
Na sala do banquete, na igreja, o cristão representado
por essa donzela derramou-se pelo Senhor, quebrantan-
do-se. Por isso o Senhor a elogia, e desfrutam juntos do
amor. Esse cristão, por fim, descansa nos braços do
Senhor. Por sua imaturidade, o cristão aqui representado
pensa que essa experiência é o melhor que o Senhor lhe
pode dar, por isso não quer sair dos braços do Senhor, mas
quer ali permanecer. Outros irmãos supõem que devem
exigir desse irmão novo mais crescimento e maturidade,
mas o Senhor os alerta de que não devem despertá-lo até
que ele mesmo o queira, até que ele mesmo deseje amadu­
recer. Esse cristão ainda vive totalmente por seus próprios
sentimentos, por sua própria alma. Por esse motivo, de
nada adianta explicar-lhe que ele precisa crescer e avançar
espiritualmente, mas é preciso esperar que desperte.
52 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Chamada para a Ressurreição

Essa é a orientação do Senhor para os outros irmãos,


mas Ele mesmo deseja que cresçamos. Por isso não
podemos usar nosso estado de “não podemos ser desper­
tados” como justificativa para não querer amadurecer.
Individualmente, precisamos ter um profundo desejo de
maturidade espiritual, de sair do estágio em que estamos
e conhecer mais o Senhor.
Não há dúvidas de que o estágio de repousar nos
braços do Senhor é muito bom, mas o Senhor quer que
avancemos. Em Mateus 17 encontramos um fato relaci­
onado a isso. O Senhor levou alguns de Seus discípulos,
Pedro entre eles, para um monte. Ali, Ele foi transfigura­
do, e apareceram, conversando com Ele, Moisés e Elias.
Pedro, admirado com o que via, disse: “E muito bom
estarmos aqui. Vamos fazer três tendas, uma para Jesus,
uma para Moisés e outra para Elias, e ficar aqui?”. Pedro
errou em dois aspectos: primeiro, ele igualou o Senhor
Jesus, o mediador da nova aliança, a Moisés e Elias,
representantes máximos da velha aliança. Seu segundo
erro foi pensar que permanecer ali com o Senhor era o que
Este tinha de melhor para ele. Na verdade, Jesus precisava
que Pedro O servisse após descer do monte, pois era lá
embaixo que estavam as multidões escravizadas por Sata­
nás (vs. 14-21).
Por um lado, o Senhor deseja que repousemos nos
Seus braços e nos assentemos aos Seus pés. Isso é impor­
tante para recebermos Sua Palavra, a fim de que ela opere
em nós. Por outro lado, o Senhor deseja que cresçamos
no conhecimento e na experiência espirituais. Contudo,
de nada adiantam exortações e repreensões dos irmãos,
exigindo que esse crescimento ocorra da forma como eles
VIVENDO NA INTROSÍPEÇÇÃO 53

desejam. Há irmãos que gostam de aconselhar e exortar a


outros: “Na igreja você tem de servir como Marta. Não
pode ficar o dia inteiro apenas desfrutando da Palavra e
orando. Você precisa deixar de ser tão espiritualmente
infantil”. No entanto, o próprio Senhor diz a esses
irmãos: “Deixe que esse irmão cresça a seu tempo. Não
o desperte nem o repreenda. Deixe, pois Eu mesmo o
levarei a crescer”. De que maneira o Senhor faz isso? Ele
nos atrai mostrando-nos o poder da ressurreição..

Acima de Toda Dificuldade

“A voz do meu amado! eis que vem aí, saltando sobre


os montes, pulando sobre os outeiros. O meu amado é
semelhante ao gamo, ou ao filho do veado” (Ct 2:8, 9 -
IBB-Rev.). Já dissemos que animais como gamos ou
corças são muito ágeis e saltitantes. A menção deles aqui,
no entanto, tem um significado ainda mais profundo.
Para cantar o Salmo 22, os israelitas deveriam usar a
melodia Corça da Manhã. Esse é um salmo profético, que
descreve a morte e ressurreição do Senhor. Até o versículo
21 temos a descrição de Sua morte, concluindo todo o
Seu sofrimento, o desprezo dos homens e o julgamento
de Deus Pai sobre Ele. Os versículos 22 a 31 falam de Sua
vida e atos após a ressurreição. Assim, podemos dizer que
um gamo saltando sobre os montes representa o Senhor
Jesus que, em ressurreição, venceu todas as coisas. A vida de
ressurreição tem o poder de vencer todas as coisas, de
sobrepujar todos os principados e potestades, e dominadores
deste mundo tenebroso (Ef 6:12), de derrotar qualquer
ação maligna do passado, do presente e até do porvir.
Há um claro exemplo na história da restauração de
Jerusalém. Os judeus foram libertados do cativeiro
54 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

babilônico para reedificar o templo e a cidade de Jerusalém.


No entanto, por causa da oposição de seus inimigos, eles
facilmente desistiram da obra. A Zorobabel, líder dos
judeus, Deus disse: “Quem és tu, ó grande monte?”,
referindo-se às dificuldades; “diante de Zorobabel serás
uma campina” (Zc 4:7). No versículo anterior, Deus
havia dito que a edificação não ocorreria pelo uso da
força ou do poder do povo, mas pelo operar do Espírito
Santo. E hoje, nós podemos experimentar o Espírito
Santo graças à ressurreição de Cristo, pois foi pela
ressurreição que Ele se tornou o Espírito que dá vida (1
Co 15:20,45 - BJ). Pela ressurreição, que nos é feita real
pelo Espírito, todo monte tornar-se-á uma planície dian­
te de nós.

A Experiência de Paulo

Podemos pensar que a vida de ressurreição visa tão-


somente resolver nossos problemas ou ajudar-nos a superá-
los. Todavia, essa é uma compreensão imatura sobre o
assunto. O apóstolo Paulo teve profundas experiências
com a ressurreição. Ao vislumbrar o poder da ressurrei­
ção, ele entendeu que não era preciso temer passar pela
morte, pelo tratamento da cruz, pois o resultado disso
seria, certamente, a ressurreição. O Senhor Jesus foi
crucificado e, como resultado, ressuscitou. Isso garantia
a Paulo que toda a experiência de cruz pela qual passasse,
iria levá-lo à ressurreição. Além disso, ao ver o poder da
ressurreição, Paulo foi constrangido a ter comunhão nos
sofrimentos do seu Senhor a favor da igreja, conforman­
do-se com Ele na Sua morte.
Em Filipenses 3:3-11, Paulo descreve sua vida antes de
conhecer o Senhor. Ele desfrutava o vinho da religião, o
VIVENDO NA INTROSPECÇÁO 55

vinho da justiça da lei, onde tinha seu maior prazer. Mas


um dia ele teve contato com o amor de Cristo. Por causa
Dele, Paulo considerou tudo como perda, especialmente
as coisas positivas. Nada lhe importava a não ser conhe­
cer mais a Cristo. Ele escolheu a melhor porção: ganhar
mais de Cristo. Ele rejeitou sua justiça própria, suas
justificativas, como as da amada no primeiro estágio; seu
desejo era ser achado em Cristo. Tudo isso Paulo fazia
para conhecer mais a Cristo e o poder da Sua ressurrei­
ção, além de poder ter comunhão, poder participar de
Seus sofrimentos a favor da igreja (v. 10; Cl 1:24). Paulo
não estava preocupado em ter seus problemas resolvidos;
o que ardia em seu coração era a edificação da igreja. Por
essa razão, ele aceitava qualquer dificuldade ou provação
que o levasse à morte, pois sabia que isso redundaria em
mais experiências com a ressurreição, o que resultaria em
mais edificação.

Enclausurada

O cristão representado em Cântico dos Cânticos,


então, viu o poder da ressurreição do Senhor. No entan­
to, há um problema: esse cristão enclausurou-se em si
mesmo, entrando num estado de introspecção. Isso é o
que significa a frase: “O meu amado (...) está detrás da
nossa parede” (Ct 2:9).
Depois de ter passado pelos sofrimentos do primeiro
estágio e de ter experimentado a doçura do segundo
estágio, esse cristão trancou-se em um “quartinho”,
visando apenas garantir seu próprio gozo. Embora o
Senhor lhe tenha mostrado o poder da ressurreição, indi­
cando que não há por que temer as dificuldades ou temer
perder novamente o desfrute do Amado, esse cristão
56 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

preferiu enclausurar-se, deixando o Senhor do outro lado


da parede. Ele gostaria de poder encerrar o Senhor tam­
bém, não precisando, assim, ter mais contato com o mun­
do, com os deveres cotidianos ou as tribulações, algo
semelhante ao que Pedro manifestou no monte da transfi­
guração. O Senhor veio para ver Sua amada, para chamá-
la, mas ela o deixou do outro lado da parede. Há porta,
porém aporta está fechada. Mas nosso Senhor certamente
tem um jeito de conseguir falar com Sua amada. Primeira­
mente Ele olha pela janela. No entanto, há grades nessa
janela; então o Senhor olha pelas grades.
A introspecção é um mal terrível para a vida cristã.
Watchman Nee diz que “entre os filhos de Deus não há
nada mais pernicioso para a alma do que a introspecção.
Tenhamos em mente que a coisa mais destrutiva para a
alma é voltarmos nosso olhar para dentro de nós mesmos.
A introspecção é uma doença”1. Introspecção é conside­
rar todos os fatos de acordo com os nossos sentimentos:
se estamos alegres, concluímos que estamos na presença
de Deus; se estamos tristes, procuramos algum pecado
que justifique esse sentimento; se o dia nasceu ensolarado,
acordamos com disposição de buscar o Senhor; se ama­
nheceu chuvoso ou frio, nossa disposição de ter comu­
nhão com o Senhor desaparece.; Cristãos introspectivos
são os que sempre consideram o “eu acho, eu sinto, eu
não sinto”; são os que, por sentirem-se bem, supõem que
Deus lhes está preparando uma tragédia, ou que, ao
passarem por um dia de tribulação, dormem com a certeza
de que “o amanhã será melhor”.
Se buscarmos o Senhor apenas de acordo com nossos
sentimentos, nossas sensações, corremos o risco de cair

1 N. do R.: Extraído do livrete Encargo e Oração , publicado por esta Editora


VIVENDO NA INTROSPECÇÃO 57

em introspecção, por não sermos suficientemente madu­


ros para discernir o que procede de nossa alma daquilo
que procede do espírito* Precisamos também reconhecê-
Lo em todas as circunstâncias exteriores (Pv 3:6).

Uma Janela!

Apesar de a amada estar fechada em si mesma, há


janelas com grades em sua parede (Ct 2:9). Isso indica
que ela não está de todo fechada para a comunhão com
o Senhor; ela, na verdade, almeja prosseguir com o
Senhor, mas, por causa de seus sentimentos infantis, aca­
bou por cair em introspecção. Por outro lado, o Senhor
sempre providenciará uma “janela”, ainda que “com gra­
des”, em nossa vida, pela qual possa falar-nos. Por vezes,
ficamos um tanto indiferentes ao Senhor, não dando
ouvidos à Sua Palavra ou ao Seu falar interior em nós. No
entanto, Ele usará uma pequena janela para falar-nos, para
chamar-nos a sair de nós mesmos e a usar o poder de Sua
ressurreição para vencermos nossas dificuldades, das quais
a principal somos nós mesmos.

Chegou a Primavera!

Como o Senhor chama esse cristão para sair da


introspecção? “Levanta-te, querida minha, formosa mi­
nha, e vem. Porque eis que passou o inverno, cessou a
chuva e se foi” (C t2 :1 0 ,11). O inverno representa morte
e sofrimento. Por causa do frio rigoroso, temos a impres­
são de que tudo morre no inverno. Há muitos animais que
passam o inverno em sua toca, hibernando, por não haver
abundância de alimento nessa estação e para economizar
ao máximo suas forças. A chuva na primavera ou no
58 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

outono é boa, pois ajuda o crescimento das plantas. A


chuva no inverno, por sua vez, é fria e cortante. Essa chuva
simboliza nossas provações. Quando passamos por situa­
ções de morte, somos provados; Deus usa essas situações
para provar-nos, a fim de que conheçamos o que está em
nosso coração (Dt 8:2; 2 Cr 32:31).
Com essas comparações, o Senhor está dizendo que
as situações de morte e as provações já passaram e que a
ressurreição, representada pela primavera, já está dispo­
nível. Não há mais necessidade de ficarmos trancados em
nosso “quartinho”, na introspecção. É correto repousar­
mos por algum tempo nos braços do Senhor, mas quando
isso nos leva à introspecção, precisamos levantar-nos e
sair após o Senhor. Sua vida de ressurreição é nossa
garantia de que os problemas não nos abaterão mais.
O Senhor apresenta ainda outras comparações para
motivar Sua amada a sair da introspecção: “Aparecem as
flores na terra, chegou o tempo de cantarem as aves, e a
voz da rola ouve-se em nossa terra” (Ct 2:12). O desabro­
char das flores indica a ressurreição, o surgimento da vida
após a morte. As aves cantam, pois há vida novamente, e
seu canto é como um louvor ao Senhor por Sua vitória
sobre a morte. Tudo isso indica as muitas riquezas da
ressurreição do Senhor. As rolas acasalam-se durante a
primavera — esse é seu tempo de amores. Isso indica que
em ressurreição somos levados a uma experiência mais
profunda de amor com o Senhor.
“A figueira começou a dar seus figos, e as vides em flor
exalam o seu aroma; levanta-te, querida minha, formosa
minha, e vem” (v. 13). As árvores estão prontas para dar
frutos assim como nós, depois de termos passado pela
morte, estamos prontos para dar frutos espirituais em
ressurreição. Para isso, não podemos continuar trancados
VIVENDO NA INTROSPECÇÃO 59

em nós mesmos, antes devemos ouvir o doce chamado do


Senhor: “Levanta-te, querida minha, formosa minha, e
vem”.

Nos Penhascos e nos Rochedos

Ao chamar a amada de pomba (v. 14), o Senhor está


lembrando-lhe sua necessidade de visão espiritual. Essa
donzela que tinha um olhar singelo, que olhava apenas
para o Amado, por um instante passou a olhar para si
mesma, caindo, assim, em introspecção. O Senhor está
chamando-a a voltar a olhar somente para Ele.
“Pomba minha, que andas pelas fendas dos penhas­
cos, no esconderijo das rochas escarpadas” (v. 14a). As
fendas dos penhascos e as rochas escarpadas representam
a cruz, as experiências de morte. Isso é muito positivo e
necessário, mas o problema está no fato de esse cristão
estar continuamente andando pelas fendas dos penhascos
e ter feito das rochas escarpadas um esconderijo. Em
outras palavras, esse cristão experimentou a morte, mas
não quer sair dela, não quer provar a ressurreição, antes
preferindo ocultar-se em sua situação de sofrimento e de
cruz. O Senhor vem, então, chamá-lo para sair da morte,
a fim de experimentar a ressurreição.
Colossenses 3 :3 diz que nossa vida está oculta junta­
mente com Cristo, em Deus, mas o versículo 4 acrescenta
que quando Cristo se manifestar, nós deveremos manifes-
tar-nos com Ele. Manifestar-se aqui significa não ocultar
em demasia a obra que o Senhor fez em nós; precisamos
sair de nós mesmos para dar testemunho. E muito sábio e
correto ocultar-nos, ocultar nossas experiências espiritu­
ais, mas quando o Senhor nos chama à ressurreição, então
não é mais necessário continuarmos no esconderijo.
60 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Nesse momento, o Senhor clama: “Mostra-me o teu


rosto, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce,
e o teu rosto amável” (Ct 2:14b). Nosso rosto é amável
quando manifesta o Senhor, e nossa voz Lhe é doce
quando testemunhamos Dele, quando O manifestamos
por nosso falar.
Raposinhas

Apesar do chamamento do Senhor e do Seu


encorajamento, Sua amada não reage, permanecendo em
sua introspecção. Em lugar de atender à voz do Amado,
ela Lhe apresenta suas dificuldades, como que justifican-
do-se para não sair da introspecção: “Apanhai-me as
raposas, as raposinhas, que devastam os vinhedos, por­
que as nossas vinhas estão em flor” (v. 15). As raposinhas
representam nosso ego, com suas peculiaridades, e a
introspecção. As raposinhas não são tão temíveis como
um leão que ruge ao nosso redor, querendo devorar-nos
(1 Pe 5:8). De um leão nós prontamente fugimos, mas, de
uma raposinha! ? — é apenas um filhote, um bichinho tão
bonitinho e inofensivo! Mas essas raposinhas destroem as
flores das vinhas, ou seja, elas impedem que a vida se
reproduza. Se não atentarmos para o perigo representado
pelas raposinhas, poderemos passar mais uma “tempora­
da” infrutíferos.
Foram as peculiaridades desse cristão que o levaram
à introspecção. O fato de ele dar atenção às exigências e
sentimentos de seu ego, acabou levando-o a fechar-se para
o Senhor. Por isso, precisamos estar atentos e perceber que
nosso ego é nosso maior inimigo. Fatos exteriores que
tentam impedir nosso crescimento espiritual são facilmente
percebidos e evitados, mas muitas vezes “acariciamos” nos­
so ego, sem dar-nos conta do inimigo que ele é. Quando
VIVENDO NA INTROSPECÇÃO 61

damos atenção ao nosso ego, em lugar de negá-lo (Mt


1 6:24), isso o “alimenta” e nos torna orgulhosos e arrogan­
tes, considerando-nos superiores aos outros. Isso nos obriga
a justificar constantemente nossas atitudes e peculiaridades,
gerando muitos problemas na igreja. Desse modo, o poder
da ressurreição não pode manifestar-se, pois há a enorme
barreira do ego.
Paulo instruiu os filipenses a considerarem cada um
os outros superiores a si mesmo (2:3). Isso se constitui em
um exercício constante de negar-nos, de não dar razão ao
ego, de não atender às suas exigências. Se honramos aos
outros, muitas sementes de divisão e muitas raízes de
amargura na igreja são exterminadas.
Precisamos ser sérios nesse assunto. Quando perce­
bemos qualquer peculiaridade em nós, qualquer atitude
que manifeste egoísmo ou arrogância, precisamos tratar
imediatamente com isso por meio da cruz. Não podemos
permitir que nosso ego prejudique nosso crescimento
espiritual ou que traga qualquer dano à igreja. E uma
grande bênção para a igreja um irmão capaz de reconhe­
cer quando manifesta seu ego ou age segundo ele, e que
aplica a cruz ao ego.
A cruz de Cristo é um fato. Nela nosso velho homem
foi crucificado. Mas isso é apenas um fato objetivo,
exterior a nós. Precisamos buscar a experiência, buscar
tornar esse fato objetivo em realidade subjetiva. Isso
implica que nós temos de tratar com as raposinhas, com
nosso ego caído e suas exigências e peculiaridades. O
Senhor já consumou Sua obra; Ele morreu e ressuscitou, e
na cruz eliminou todas as coisas negativas do universo,
incluindo o velho homem, e em ressurreição, por meio
do Espírito que dá vida, possibilita-nos ter hoje a realidade
da obra na cruz. Portanto, sejamos sérios com o Senhor, e
62 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

tratemos imediatamente com toda manifestação de nosso


ego.
Se, por outro lado, percebemos que há em nós
alguma “raposinha” mais difícil de matar, devemos agir
como a donzela de Cântico dos Cânticos: pedir ajuda ao
nosso Amado: “Senhor, eu quero crescer e dar muitos
frutos espirituais, mas vejo em mim tantas raposinhas,
tantas coisas do meu ego, tantas peculiaridades que não
consigo resolver. Senhor, eu não as quero mais em mim,
por isso, apanhe-as, remova-as de mim”. Certamente o
Senhor ouvirá essa oração e nos ajudará para que nós
mesmos as removamos.

Apascentar entre os Lírios

Como vimos por meio da vida de Paulo, o Senhor nos


quer como Seus cooperadores na edificação da igreja. Ele
nos permite ficar algum tempo apenas desfrutando de
Sua Pessoa e de Sua Palavra, mas chega o momento em que
Ele nos chama para praticar o que temos recebido, com o
fim de salvarmos as pessoas, apascentá-las e levá-las a viver
a vida da igreja. O Senhor está sempre trabalhando com
esse objetivo, está sempre procurando cristãos dispostos
a atender ao Seu chamado.
E o que vemos no versículo 16 de Cântico dos
Cânticos 2. O cristão aqui representado ficou envolvido
em suas considerações infantis, em seu desejo egoísta de
desfrutar o Senhor, e não atendeu ao Seu chamamento
para a ressurreição. O Senhor o estava chamando para
apascentar com Ele os Seus rebanhos (v. 16). Este rebanho
está entre os lírios, indicando que o Senhor deseja que
apascentemos, que cuidemos e alimentemos os irmãos
novos até eles se tornarem lírios, pessoas que constante­
VIVENDO NA INTROSPECÇÃO 63

mente louvam ao Senhor com gratidão e que abram a boca


para falar palavras úteis para a edificação de outros irmãos,
transmitindo, assim, graça aos que ouvem (Ef 4:29).

Separação

Mas por estar trancada em si mesma, quando o


Senhor espreitou pelas grades Sua amada e chamou-a
para sair, ela não obedeceu à Sua voz prontamente. Além
disso, não agiu rapidamente para tratar com seu ego, com
as raposinhas, mas exigiu que o Senhor o fizesse. Enquan­
to isso, Ele a aguardava. Mas como a amada continuou
em sua introspecção, seu Amado foi apascentar sozinho
Seu rebanho. Por isso, de dentro de seu claustro, ela
clama: “Volta, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo
ou ao filho dos veados sobre os montes de Beter” (Ct 2:17
- IBB-Rev.).
Beter significa separação. A amada deseja voltar ao
momento em que o seu Amado a chamou para a ressur­
reição, a fim de sair de sua introspecção, mas ela não
atendeu. Foi o momento de separação entre os dois. Ela
agora deseja uma nova oportunidade. Por não atender­
mos aos sucessivos chamamentos do Senhor e insistirmos
em permanecer na introspecção, Ele, então, vai apascen­
tar entre os lírios, entre os que deixam o Senhor fluir por
meio deles. Quando, finalmente, acordamos e começa­
mos a buscá-Lo, lamentamos por nossa própria atitude e
desejamos poder voltar no tempo e recomeçar.

Noite após Noite

“De noite, no meu leito, busquei o amado de minha


alma, busquei-o, e não o achei” (Ct 3:1). (A expressão “de
64 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

noite” seria melhor traduzida para “noite após noite” ou


“durante as noites”. Ela é a mesma palavra hebraica traduzida
“durante as noites” no Salmo 92:2.) Esse cristão continua
em si mesmo, o que é representado por estar deitado em
seu leito. Sua busca ao Senhor não é prática; ele apenas fica
pensando no Senhor, no fato de ter perdido Sua presença,
e tem um vago anelo por Sua volta. Por ser essa busca
apenas mental ou emocional, não há como encontrar-se
realmente com o Senhor.
Para um cristão, não existe sofrimento maior do que
perder a presença do Senhor. Por ter gerado Ismael de sua
escrava Hagar, Abraão perdeu a presença do Senhor por
treze anos (Gn 16:16; 17:1). Quando, por qualquer
razão, nossa comunhão com o Senhor for interrompida,
precisamos desesperar-nos e buscar restabelecê-la imedi­
atamente. Se tivermos um desejo genuíno de buscá-Lo,
ainda poderemos encontrá-Lo. A reconciliação com Deus
não é apenas uma experiência restrita ao primeiro está­
gio; sempre que houver qualquer ofensa ou qualquer fato
que nos separe de Deus, precisamos rapidamente voltar
a Ele, arrepender-nos, buscando a reconciliação.
Após ficar algum tempo nessa situação, finalmente a
amada toma uma atitude prática: “Levantar-me-ei (...)
buscarei o amado da minha alma” (Ct 3:2). Aleluia! E
como se esse cristão dissesse: “Eu perdi a presença do
Senhor por ficar considerando tudo de acordo com meu
ego. Agora, quanto mais penso nisso, mais difícil é sair de
mim mesmo. Mas chega, não posso mais ficar trancado
em mim mesmo, não posso mais ficar vivendo por minha
vida da alma, baseado nos meus sentimentos tão egoístas.
Preciso reencontrar-me com o Senhor, preciso responder
ao Seu chamamento”.
“Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade, pelas ruas
e pelas praças; buscarei o amado da minha alma. Busquei-
VIVENDO NA INTROSPECÇÃO 65

o, e não o achei” (v. 2). A cidade prefigura a igreja; as mas


representam reuniões pequenas, familiares, com poucos
irmãos, enquanto as praças podem simbolizar reuniões
grandes, quando reúnem-se todos os irmãos de uma
igreja. Por ter perdido a presença do Senhor, esse cristão
não consegue “tocá-Lo”, não consegue ter contato com
Ele, mesmo reunido com outros irmãos. Apesar disso, ele
não desiste de procurar o Senhor, pois almeja profunda­
mente ter restabelecida sua comunhão com seu Amado.

Os Guardas da Cidade

“Encontraram-me os guardas, que rondavam pela


cidade. Então lhes perguntei: Vistes o amado da minha
alma?” (Ct 3:3). Esses guardas representam os irmãos
que, na igreja, têm a função de cuidar do rebanho. Em
Hebreus 13:7,17 eles são chamados de guias. Em Efésios
4 eles são apresentados como apóstolos, profetas,
evangelistas e pastores-mestres. É importante frisar que
esses não são títulos que alguém deva ostentar, tampouco
são posições a que se chega na igreja; antes, são funções,
são serviços ministrados ao Corpo de Cristo. Esses guias
não dominam o rebanho, mas servem os irmãos, especi­
almente por meio de seu exemplo (Hb 13:7; 1 P e 5 :2 ,3).
Eles são as “sentinelas” da igreja, que estão atentos
para impedir a entrada de qualquer pessoa ou ensinamento
que traga dano aos irmãos. Nas cidades antigas havia
guardas que, de tempos em tempos, proclamavam em
alta voz a hora da noite e que tudo estava bem. Esses
irmãos também agem assim. Quando estamos “na noite”,
quando nos falta luz sobre determinada situação, pode­
mos recorrer a esses irmãos.
Encontrar os guardas é como perguntar aos irmãos:
“Irmãos, ajudem-me, eu não tenho conseguido ter comu­
66 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

nhão com o Senhor. Eu O tenho procurado, mas sinto que


não consigo entrar na Sua presença, que não consigo tocar
em Sua Pessoa, tocar em Seu amor. Que devo fazer? Como
devo proceder para voltar à comunhão normal com meu
Amado? Eu quero desfrutar plenamente do meu Senhor
de novo; que fazer?” A Bíblia não registra a resposta que
lhe foi dada, mas algo aconteceu.

Não O Deixarei Ir Embora!

“Mal os deixei, encontrei logo o amado da minha


alma” (Ct 3:4a). Aleluia!
Muitas vezes pensamos que buscar orientação com
um irmão maduro espiritualmente significa encontrar
nele todas as respostas, ouvir dele um manual de “faça-
isso-não-faça-aquilo”. Na verdade, nem sempre esse
irmão tem a resposta, e mesmo quando tem, ele não deve
dizê-la, pois nós, individualmente, é que precisamos
receber a orientação do Senhor. A melhor ajuda espiritu­
al que podemos receber é ser levados à presença do
Senhor. Talvez os “guardas” tenham apenas orado com
aquele irmão, ou lido alguns versículos da Bíblia, ou
tiveram alguma comunhão que lhe trouxe luz sobre sua
situação. De qualquer modo, foi ele mesmo quem encon­
trou o Senhor.
O versículo 4 diz que esse cristão encontrou o
Senhor, mas na verdade é o Senhor quem se deixa achar
(cf. Jr 3 1 :3). Ele é misericordioso, e galardoa-nos quando
O buscamos (Hb 11:6), permitindo-se achar, mesmo que
tenhamos sido nós os culpados por Ele ter de afastar-se.
“Agarrei-me a ele e não o deixei ir embora” (Ct 3 :4b).
Esta é a reação mais espontânea de alguém que perdeu o
contato vivo com o Senhor: agarrar-se a Ele com deses­
pero, para que isso nunca mais ocorra.
VIVENDO NA INTROSPECÇÃO 67

É importante lembrar que isso ocorreu porque esse


cristão permaneceu por algum tempo em introspecção, e
que sua introspecção foi resultado do “sucesso” do estágio
espiritual anterior. Ao querer manter sua experiência, esse
cristão acabou por deter-se nas considerações de seu ego.
Essa é uma experiência comum entre os cristãos, decorren­
te da infantilidade no início da vida espiritual. Por isso, é
importante aprendermos as lições apresentadas em Cântico
dos Cânticos, para que não passemos pelo sofrimento de
perder a presença do Senhor. Devemos orar sempre para
que o Senhor nos faça sair de nós mesmos, tão logo Ele nos
chame. Como vimos, nem sempre é fácil restabelecer a
comunhão com o Senhor, e quanto mais tempo ficarmos
envolvidos com nossas considerações, mais distante do
Senhor permaneceremos.
A amada narra o que fez após encontrar seu amado:
“Não o deixei ir embora, até que o fiz entrar em casa de
minha mãe, e na recâmara daquela que me concebeu” (v.
4b). Nós fomos regenerados pelo Espírito Santo em
nosso espírito (Jo 3:6). Assim, a casa e a recâmara
representam nosso espírito, onde desfrutamos o Senhor.
Se desejamos ter comunhão com o Senhor, não o conse­
guiremos por meio do exercício de nossa mente; a
genuína comunhão com o Senhor só é possível em nosso
espírito (Jo4:24).
Repouso

Depois de passar pelo sofrimento de perder a presença


do Senhor, a amada deseja uma vez mais repousar, e uma
vez mais o Senhor diz que ela não deve ser despertada até
que queira (Ct 3:5). Não só a experiência espiritual desse
cristão é agora mais madura e elevada, mas até mesmo seu
repouso é mais maduro. Nos estágios anteriores, a amada
68 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

vivia totalmente em si mesma, por isso a presença do Senhor


para ela estava muito ligada aos seus sentimentos: “Eu sinto
a presença do Senhor”, “eu não sinto a presença do Se­
nhor”. Agora, no entanto, a presença de seu Amado é real.
A princípio, ela sentia apenas o aroma de seu Amado, mas
agora no espírito ela tem com Ele uma comunhão muito
genuína e profunda. Por isso o Senhor diz: “Não a desper­
tem, não tenham pressa em que ela avance. O que ela
experimentou até aqui vai levá-la, espontaneamente, a dese­
jar amadurecer mais”.
Capítulo Quatro

VIVENDO EM TRIUNFO

L eitura da Bíblia: Ct 3:6 — 4:6

Uma Experiência Progressiva

O livro de Cântico dos Cânticos é o relato detalhado


de nossa experiência espiritual. Vemos ali que nosso
Senhor não apenas nos ama, como também tem miseri­
córdia de nós. Ele conhece nossa condição espiritual e,
por isso, conduz-nos sempre de acordo com ela. O
Senhor nunca exige de nós algo que Ele mesmo ainda não
tenha trabalhado e produzido em nosso ser interior.
Quando tocamos no amor do Senhor, o nosso único
desejo é descansar Nele e permanecer até inertes no desfru­
te do Seu amor. Entretanto, isso pode parecer aos irmãos
que se preocupam conosco, que não desejamos avançar no
crescimento de vida. Mas o Senhor que nos conhece e sabe
da nossa fragilidade, pede que eles não nos despertem
nessa circunstância. Ele espera, até que nós mesmos dese­
jemos prosseguir para alcançar novos estágios de matu­
ridade. Este também é o desejo do Senhor. Em Cântico dos
Cânticos, vemos como o Amado está sempre chamando o
cristão, representado pela amada, a prosseguir com Ele. Mas
esse cristão alega haver muitas raposinhas, muitos obstácu­
los impedindo seu crescimento espiritual. Com isso, ele está
impondo condições ao Senhor para levantar-se e crescer. O
70 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Senhor já lhe havia mostrado o poder de Sua ressurreição,


indicando-lhe que a vida de ressurreição, a vida que vence
toda dificuldade e toda morte, é a capacidade de que ele
precisa para prosseguir. Mas por causa dessas alegações e
introspecção, a amada perdeu a presença do Senhor.

Um Novo Chamamento

Após reencontrar seu Amado, a amada uma vez mais


descansa Nele. Essa, porém, ainda não é a experiência
mais elevada que o Senhor tem para ela. Conhecer o
poder e as riquezas da ressurreição, vencendo assim a
introspecção, é uma experiência excelente, mas ainda é
possível e é preciso prosseguir. O Senhor deseja introdu­
zi-la na experiência de Seu triunfo. Como cristãos, nós
morremos, fomos sepultados e fomos ressuscitados jun­
tamente com Cristo. Então, assim como Cristo venceu
todas as coisas, Nele nós também vencemos. A maior
vitória de Cristo foi sobre nós mesmos; Ele é capaz de
tirar-nos de nossa introspecção, de ficarmos olhando
para nós mesmos, de considerarmos tudo segundo nossos
conceitos e sentimentos naturais e da alma. Isso nos
capacita a seguir a Cristo, proclamando Seu triunfo.

Coluna
“Quem é esta que sobe do deserto, como colunas de
fumo, perfumada de mirra, de incenso, e de toda a sorte
de pós aromáticos” (Ct 3:6 - VRC). Essa descrição da
amada mostra que ela está mais madura após as experi­
ências porque passou. Ela sobe do deserto, significando
que está saindo da esfera natural, emotiva e introspectiva
em que viveu até agora. Sua aparência agora é de coluna de
fumo. Há muitas e preciosas aplicações espirituais nessa
figura.
VIVENDO EM TRIUNFO 71

De acordo com Joel 2:28-32, as colunas de fumo são


um sinal de Deus para o final dos tempos. Esses versículos
foram citados em Atos 2:17-21, logo após o dia de
Pentecoste, indicando também que essas colunas têm im­
portante função na era da igreja. Por um lado, é
bastante provável que as colunas de fumo de Joel 2:30 se
refiram literalmente à fumaça, porém, à luz de Cântico
dos Cânticos, podemos afirmar que elas se referem a
pessoas consagradas a Deus.
Na Bíblia, as colunas têm duas funções principais:
sustentar construções (Jz 16:26) e servir de testemunho
(2 Cr 3:15-17). Quando as colunas referem-se a pessoas,
como aqui em Cântico dos Cânticos, as duas funções
ocorrem simultaneamente: os cristãos-colunas susten­
tam a igreja, a casa de Deus, e dão testemunho de Deus
diante dos homens.

No Santo dos Santos

No tabernáculo, entre o Santo Lugar e o Santo dos


Santos, havia quatro colunas sustentando o véu (Êx
3 6 :3 5 ,3 6 ). No Santo dos Santos havia apenas a arca do
testemunho, sobre a qual estava a tampa propiciatória,
lugar onde Deus encontrava-se com Seu povo (Êx 25:10-
22). A arca representa Deus em Cristo, que hoje está em
nosso espírito, este representado pelo Santo dos Santos.
Todo o viver cristão tem sua origem no espírito, no
Santo dos Santos. As colunas do Santo dos Santos, então,
podem ser comparadas aos irmãos a quem Deus tem
encarregado de cuidar de Seu rebanho, os quais têm a
função de chamar-nos a viver no espírito. Esses irmãos não
têm uma posição especial, mas são simplesmente cristãos
que vivem no Santo dos Santos e, por isso, podem encora­
jar-nos a ter tal tipo de viver.
72 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Em Gálatas 2:9 encontramos referências a cinco após­


tolos, que eram colunas na igreja primitiva: Tiágo, Cefas
(Pedro), João, Paulo e Barnabé. Este último, depois de ter
discordado de Paulo com respeito a Marcos, opinando
que ele deveria acompanhá-los em uma viagem, não é mais
mencionado no Novo Testamento (At 15:36-40), por
haver-se separado daquele a quem Deus chamara para
ministrar aos gentios. Portanto, restaram quatro colunas.
De acordo com o relato do Novo Testamento, especialmen­
te do livro de Atos, esses quatro irmãos foram realmente
colunas, dando direção às igrejas e estabelecendo um mode­
lo para o rebanho de Deus por meio do viver que tinham.

Nova Reconciliação
Esse viver no espírito é a reconciliação com Deus a que
Paulo se refere em 2 Coríntios 5:20. Como vimos no
primeiro capítulo, Romanos 5:10 relata nossa primeira
experiência de reconciliação com Deus — éramos Seus
inimigos e por meio de Cristo fomos reconciliados com Ele
após a salvação. Em 2 Coríntios 5:18,19, Paulo menciona
o ministério da reconciliação que nos foi dado por Deus,
e no final do versículo 20 ele diz: “Rogamos que vos
reconcilieis com Deus”. Ele está dizendo isso a cristãos,
pessoas que já haviam sido reconciliadas à época da sua
salvação. No entanto, a reconciliação aqui refere-se ao
viver no espírito, refere-se a sairmos de nosso viver natural
e segundo a alma, que caracterizava a igreja em Corinto, para
vivermos no espírito. Os embaixadores de Cristo que fazem
esse rogo são como as colunas no Santo dos Santos: eles
próprios estão no Santo dos Santos, vivendo no espírito, e
chamam-nos a viver como eles vivem.
No Antigo Testamento, o sumo sacerdote só podia
entrar no Santo dos Santos uma vez ao ano, no dia da
VIVENDO EM TRIUNFO 73

expiação. No entanto, Moisés podia ir à presença de Deus


no Santo dos Santos a todo tempo. Naquela época, para
poder encontrar-se com Deus, Moisés precisava ir ao
tabernáculo, passar pelo átrio exterior e pelo Santo Lugar
para, então, entrar no Santo dos Santos, com sangue e com
incenso. No Novo Testamento, porém, para encontrar­
mos Deus basta-nos voltar ao espírito, onde Deus hoje
habita. Essa é a reconciliação de que necessitamos a todo
tempo.
Hebreus 3 revela que Moisés era um apóstolo, assim
como as colunas mencionadas em Gálatas 2 e como os
embaixadores mencionados em 2 Coríntios 5. Portanto,
Moisés também era uma coluna, sustentando o testemu­
nho de Deus no Antigo Testamento.
Outra importante referência a colunas está em Nú­
meros 14:14. Ali é dito que Deus ia adiante de Seu povo
no deserto, guiando-o por meio de colunas de nuvem e
de fogo. A nuvem, assim como a fumaça, é facilmente
dispersada pelo vento, mas como uma coluna ela é firme
e pode conduzir o povo de Deus. Isso também pode ser
visto nos cristãos-colunas. Como pessoas que vivem no
Santo dos Santos, pessoas que vivem constantemente
reconciliados com Deus, eles podem guiar o povo de
Deus. Além disso, Deus também falava por meio da coluna
de nuvem (Ex 33:9; Nm 12:5). As colunas hoje são os
embaixadores, por meio de quem Deus fala a Seu povo.

Fumaça de Aroma Agradável

No Antigo Testamento, a fumaça é mencionada mui­


tas vezes juntamente com as ofertas apresentadas a Deus,
especialmente os holocaustos. Quando Noé saiu da arca,
ele “levantou um altar ao Senhor, e, tomando de animais
74 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

limpos e de aves limpas, ofereceu holocaustos sobre o altar.


E o Senhor aspirou o suave cheiro” (Gn 8:20, 21). A
fumaça proveniente da queima das ofertas tinha, para
Deus, um aroma agradável (Êx 29:18). O fato de as ofertas
terem de ser completamente consumidas pelo fogo repre­
senta nossa consagração absoluta a Deus. Quando nos
damos a Deus (Rm 12:1), quando nos ofertamos sobre Seu
altar, permitindo que o fogo nos consuma totalmente,
então, tornamo-nos uma fumaça de aroma agradável a
Deus. A oferta absoluta de Cristo a Deus foi um sacrifício
assim (Ef 5 :2), bem como a oferta que os filipenses envia­
ram para Paulo (Fp5:18).

De Fumaça para Coluna

A fumaça é facilmente dispersada pelo vento, mas


aqui há referência a uma coluna de fumaça. Qual é o
significado espiritual disso? No início de nossa vida
cristã, certamente somos uma “fumaça” para o Senhor.
Por termos experimentado Seu amor, nós O seguimos e
nos entregamos a Ele. Mas essa experiência, como vimos
nos três primeiros estágios de Cântico dos Cânticos,
ainda é muito superficial, muito inconstante: ora corre­
mos após o Senhor, ora fechamo-nos em nós mesmos e
nem mesmo atendemos à Sua voz; ora ouvimos que
devemos seguir os passos do rebanho, ora deixamos
nosso Amado ir pastorear Seu rebanho sozinho... Essa é
uma fumaça ainda tênue, inconstante, que se permite
dissipar com facilidade.
No entanto, após todas essas experiências e após
atender ao chamamento do Senhor e desfrutar as riquezas
de Sua ressurreição, esse cristão torna-se uma coluna. Para
isso, é preciso ter muita comunhão com o Senhor no Santo
VIVENDO EM TRIUNFO 75

dos Santos. Essa comunhão nos enche do aroma do


conhecimento vivo de Cristo, e esse conhecimento, que
é resultado de contemplar o Senhor face a face no Santo
dos Santos, transforma-nos de glória em glória (2 Co 3 :5-
18). Apesar de Moisés ter o privilégio de poder contem­
plar Deus, a glória que ele recebia era desvanecente, pois
lhe era exterior. No Novo Testamento, entretanto, a
glória que recebemos em nosso espírito é interior e
permanente (vs. 6-11). Quanto mais contemplamos o
Senhor, quanto mais comunhão viva temos com Ele,
quanto mais desfrutamos de Sua Pessoa, quanto mais
comemos de Sua Palavra na Sua presença, mais da Sua
glória recebemos. E de glória em glória somos transfor­
mados na própria imagem do Senhor (v. 18). Aleluia!
Podemos, assim, tornar-nos colunas na casa de Deus.

Perfumada

Mirra

Em Cântico dos Cânticos 3:6 é dito que essa coluna


de fumaça é perfumada de mirra, de incenso e de pós
aromáticos. Como já vimos, a mirra representa a morte
do Senhor. Portanto, se desejamos ser uma oferta de
aroma agradável ao Senhor, se desejamos crescer espiri­
tualmente, passando de frágil fumaça para forte coluna,
precisamos provar mais da morte de Cristo.

Incenso

O incenso também é um item de profundos significa­


dos e aplicações espirituais. Em Êxodo 30:34-38 encon­
tramos a formulação do incenso sagrado. Quatro substân­
76 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

cias odoríferas deveriam ser adicionadas ao incenso puro,


todas em igual quantidade, para formar esse perfume que
deveria ser usado sobre o altar de incenso.
O altar de incenso representa as orações dos cristãos
(Ap 8:3, 4), enquanto o incenso representa o próprio
Cristo. Se desejamos que nossas orações alcancem o
trono de Deus, para que Ele as ouça, elas precisam ter
origem em Cristo e estar cheias de Cristo. Não é pelo
muito falar nem pela quantidade de citação de versículos
que nossas orações serão ouvidas, mas pela “quantidade”
de Cristo que nelas houver. Em Apocalipse 5 :81 lemos
sobre “taças de ouro cheias de incenso, que são as orações
dos santos”. Vemos aqui o mesmo princípio do altar:
tanto o altar como as taças são um recipiente para conter
o incenso, que é Cristo. Nem o altar nem as taças podem
chegar à presença de Deus, mas o doce aroma do incenso
pode. E o que ocorre com nossas orações: se elas não
tiverem origem em Cristo e não O tiverem como conteú­
do, não chegam a Deus, não tocam Seu coração nem
movem Seu braço.
Uma oração sem Cristo é bastante comum na situa­
ção de introspecção. Como naquele estágio estamos
envolvidos por nossas “raposinhas”, por nossas conside­
rações e sentimentos egoístas e instáveis, as orações têm
origem em nós mesmos e são carentes de Cristo. Como
a amada, passaremos várias noites sem encontrar o
Senhor, por não conseguirmos voltar genuinamente ao
espírito. Após gerar Ismael, Abraão passou por treze anos
de noites, pois perdeu a presença do Senhor ao tentar
gerar, por seus próprios meios, o descendente que Deus
lhe prometera (Gn 16:16; 17:1). Podemos dizer que ele

1N. do R.: Um estudo mais detalhado sobre essas duas passagens pode ser encontrado
no livro Estudo-Vida de Apocalipse, de Witness Lee, publicado por esta Editora.
VIVENDO EM TRIUNFO 77

teve certa experiência de introspecção: olhou para si mes­


mo e usou de seus próprios meios para fazer a vontade de
Deus. Quando estamos em situação semelhante, não con­
seguimos tocar o Senhor, pois não conseguimos voltar
genuinamente ao espírito. Precisamos, então, tomar uma
decisão séria de levantar-nos, de deixar nossas considera­
ções e sentimentos, de buscá-Lo a partir de nosso espírito
e exercitar nossa fé. Somente assim, haverá incenso em
nossas orações.
Incenso Mo ido

Êxodo 30 fala ainda de um segundo tipo de incenso.


Ali é dito que uma parte do incenso deveria ser reduzido
a pó e ser colocado diante do Testemunho [a arca, que
ficava no Santo dos Santos] na tenda da congregação (v.
3 6). Que significa esse tipo de incenso, que é pulverizado,
moído? Como vimos, o incenso representa Cristo. Pode­
mos dizer que esse é um Cristo “cru”, um Cristo “em
barra”, O qual conhecemos, mas não de maneira profun­
da. O incenso moído representa o conhecimento vivo de
Cristo, resultado de labor e de sofrimento. Quanto mais
moído era o incenso, mais aroma ele exalava. Do mesmo
modo, quanto mais conhecermos Cristo em nossos sofri­
mentos, quanto mais tivermos contato de maneira viva
com a Bíblia, quanto mais tempo permanecermos no
Santo dos Santos, mais do aroma do Seu conhecimento
nós teremos.
Termos a experiência com o primeiro tipo de incenso
(v. 35) não exige muito de nós; no entanto, para termos
o incenso moído (v. 36) é preciso labor e sofrimento.
Precisamos gastar tempo no espírito e na Palavra do Se­
nhor para termos esse aroma. Enquanto a função do
primeiro incenso era “levar” as orações dos santos até
Deus, o incenso moído era para perfumar. Quando o sumo
78 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

sacerdote entrava no Santo dos Santos, ele deveria espalhar


o incenso ali. Quanto mais moído o incenso, mais aroma;
quanto mais incenso, mais aroma, e quanto mais tempo o
sumo sacerdote permanecia no Santo dos Santos e quanto
mais incenso ele usava, mais impregnado de aroma ele
ficava. Ao sair do tabernáculo, pela fragrância que ele
exalava, as pessoas poderiam dizer: “Esse homem esteve
na presença de Deus”.
Paulo diz que nós somos o bom perfume de Cristo, e
que podemos manifestar em todo lugar a fragrância do Seu
conhecimento (2 Co 2:14, 15). Esse não é um conheci­
mento doutrinário, um conhecimento sobre Cristo, mas é
um conhecimento vivo, que vem de um contato pessoal e
íntimo com Ele. Esse incenso moído só poderia ser usado
no Santo dos Santos. Isso também demonstra que para
conhecermos mais e mais a Cristo precisamos estar em
nosso espírito, precisamos contatar Cristo no espírito e
nele permanecer.
A menção de mirra e incenso juntos também significa
que esse Cristo experimentou a morte e a ressurreição.
Conhecer a Cristo está intimamente ligado a sermos
conformados à morte do Senhor e conhecer o poder da
Sua ressurreição (Fp 3:8-10).

Pós Aromáticos

Cântico dos Cânticos 3:6 acrescenta que a amada era


perfumada também de “toda sorte de pós aromáticos do
mercador”. Podemos dizer que esse mercador é o próprio
Senhor Jesus. Em Mateus 13:45, 46, o Senhor Jesus se
apresenta como um negociante especialista em pérolas.
Podemos, assim, aplicar isso, dizendo que o Senhor tem a
melhor mercadoria, que é Ele mesmo. O que Ele nos
VIVENDO EM TRIUNFO 79

“oferece” é o conhecimento vivo de Sua Pessoa, represen­


tado pelos pós aromáticos. Por serem pó, eles também
indicam um conhecimento refinado e profundo de Cris­
to, fruto de labor. Como um mercador especialista,
Cristo reconhece nesses pós aromáticos o que há de
melhor na experiência com Ele.

A Procissão Triunfante

Resumindo a aplicação de Cântico dos Cânticos 3:6,


a amada, após sair da introspecção, entrou em uma nova
experiência com o Senhor, sendo levada por Ele ao Santo
dos Santos. Lá ela experimenta Cristo como os dois tipos
de incenso, perfumando-se com o aroma de Seu conhe­
cimento. Por conhecer a morte e a ressurreição de Cristo,
a experiência desse cristão, antes superficial e instável,
agora tornou-se mais sólida, fazendo dele uma coluna na
casa de Deus, sustentando-a e dando testemunho de seu
Amado.
O versículo 6 é uma pergunta, e a resposta no
versículo 7 é bastante estranha: “E a liteira de Salomão”.
Liteira é uma espécie de cama, ao longo da qual eram
colocados dois varais para que ela fosse carregada por
animais. Ela era usada para as viagens do rei e para seu
descanso à noite. E ao redor dessa liteira havia sessenta
valentes de Israel.
A liteira e os valentes representam a procissão triun­
fante de Cristo, mencionada por Paulo em 2 Coríntios
2:14-16. Nos tempos de Paulo, quando um general roma­
no conquistava uma cidade, ele voltava para Roma seguido
de várias pessoas, muitas delas segurando incensários. Os
que haviam aceitado submeter-se a ele eram conservados
com vida, enquanto alguns inimigos conquistados eram
80 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

executados quando o desfile chegava ao Capitólio. Para


eles, o aroma do incenso era um “cheiro de morte para
morte”; para os outros, cuja vida era preservada, era um
“aroma de vida para vida”. Do mesmo modo, por onde
quer que caminhem os cristãos, os que foram derrotados
por Cristo, haverá um desfile triunfal, pelo qual Deus
celebra Seu triunfo sobre os inimigos. Com isso, muitas
pessoas são atraídas para participar desse séquito. Quanto
mais aroma de Cristo manifestamos, mais pessoas são
atraídas para segui-Lo conosco.
Após sair da introspecção e após experimentar o
Senhor de maneira mais profunda, esse cristão tornou-se
a vitória de Cristo. Ele agora manifesta a vitória de
Cristo, principalmente sobre seu ego e sobre sua alma.
Agora o Senhor pode repousar nele, pois venceu seu ser
natural. Assim, juntos, Cristo e nós, exibimos a vitória de
nosso Amado.
A menção ao número sessenta (Ct 3:7) também é
muito importante. Na Bíblia, sessenta é formado por
doze vezes cinco. Doze representa totalidade ou
completação (por exemplo, doze tribos, são a totalidade
do povo de Israel), enquanto o número cinco representa
responsabilidade. Podemos ver um exemplo prático dis­
so em nossa mão, que tem cinco dedos. Para pegarmos
um copo com firmeza, precisamos usar cinco dedos. Com
isso, é difícil para outra pessoa arrancar o copo de nós. Se
segurarmos apenas com quatro dedos, sem usar o pole­
gar, não há firmeza e é fácil o copo cair ou ser tirado de
nós. Com cinco dedos, seguramos com firmeza, com
responsabilidade. O número cinco, por sua vez, é formado
por quatro mais um. O número quatro representa as
criaturas, especialmente o homem, e o número um repre­
senta o Deus único. Isso indica que a verdadeira responsa­
VIVENDO EM TRIUNFO 81

bilidade temos apenas quando a vida de Deus é adicionada


a nós, conforme vimos na questão das tranças de ouro, no
primeiro estágio. Assim sendo, o número sessenta repre­
senta a responsabilidade completa.
Sobre quem pesa a responsabilidade de exibir o triunfo
de Cristo? Àqueles que se deixam vencer por Ele. E
preciso, primeiramente, haver a plena mistura de Deus
com o homem: nossa submissão precisa ser mesclada
com Deus, para ser genuína e permanente. Depois,
juntamente com Deus, assumimos Seu testemunho nesta
terra. Os que seguem o Senhor são valentes para lutar
contra si mesmos, valentes para aceitar a cruz de Cristo
e as situações de morte que Ele amorosamente providen­
cia. Muitos imaginam ser valentes para fazer coisas para
Deus, mas muitos são “covardes” diante da cruz e do
sofrimento. Por serem valentes em lutar contra seu ego e
para viver no Santo dos Santos, esses “sessenta” cristãos
exalam a fragrância do conhecimento de Cristo por onde
quer que vão.
A Espada

Cântico dos Cânticos 3:8 diz que todos os valentes


“sabem manejar a espada e são destros na guerra; cada um
leva a espada à cinta, por causa dos temores noturnos”.
Cada cristão deve ser um desses valentes, que não apenas
proclama o triunfo do Senhor, como também maneja a
espada, que é a palavra de Deus (Ef 6:17). A descrição dos
valentes parece indicar que eles tinham duas espadas: uma à
mão, pronta para a guerra, e outra à cinta. Isso conduz a uma
dupla aplicação espiritual da espada.
Primeiramente, significa que esse cristão recebe a Pala­
vra de Deus constantemente como alimento para sua vida
espiritual. Gideão foi usado por Deus para livrar o povo de
82 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Israel dos ataques dos midianitas. A um destes, Deus deu


um sonho: “Eis que um pão de cevada rodava contra o
arraial dos midianitas, e deu de encontro à tenda do
comandante, de maneira que esta caiu, e se virou de cima
para baixo, e ficou assim estendida. Respondeu-lhe o
companheiro, e disse: Não é isto outra cousa, senão a
espada de Gideão” (Jz 7:13, 14). Portanto, a espada de
Gideão é um pão de cevada, é uma espada que serve para
alimento. O Senhor Jesus é a Palavra de Deus e é também
o pão da vida (Jo 1:1; 6:35 - NVI), portanto é uma espada
que é pão. Como cristãos, precisamos ter a Palavra de
Deus principalmente como alimento espiritual. Ao ter
contato com a Bíblia, precisamos encontrar nela Aquele
que é a própria Palavra de Deus e o pão da vida. Saber
manejar a espada é saber encontrar na Bíblia o próprio
Cristo como o pão da vida.
O outro significado de espada em Cântico dos Cânti­
cos 3 :8 é explicado por Hebreus 4:12: “A palavra de Deus
é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de
dois gumes, e peneira até ao ponto de dividir alma e
espírito, juntas e medulas, e apta para discernir os pensa­
mentos e propósitos do coração.” Em seu tempo de
imaturidade espiritual, o cristão representado pela amada
não sabia distinguir alma de espírito. Ele vivia de acordo
com sua alma e pensava estar vivendo no espírito. Isso
retrata perfeitamente a situação atual de muitos cristãos.
Quantas vezes pensamos estar no espírito, agindo segundo
Deus, mas, na verdade, estamos na alma, agindo por nós
mesmos. Por vezes estamos muito empolgados ou conten­
tes em nossa alma e confundimos isso com gozo espiritual.
Precisamos estar alertas para tal fato.
Como podemos distinguir o que procede da alma
daquilo que tem origem no espírito? Precisamos da Palavra
VIVENDO EM TRIUNFO 83

de Deus para isso; ela pode abrir nosso ser interior e expor
a fonte de todas as coisas. Não precisamos de empolgação na
alma, mas precisamos da alegria no espírito. Como distin-
gui-las ? Somente por meio da luz que recebemos na Palavra,
tomada como uma espada viva.
A amada permitiu que essa espada, a Palavra, penetras­
se nela, e agora consegue separar o que procede da alma do
que procede do espírito. Ela maneja bem a Palavra de Deus
(2 Tm 2:15), de maneira viva, ganhando, assim, mais
aroma de Cristo e atraindo outros a participar da procissão
triunfante.

A Armadura de Deus

A espada do Espírito, em Efésios 6:17, é um dos itens


da armadura de Deus mencionada naquele capítulo.
Como cristãos “valentes de Israel”, precisamos usar toda
essa armadura (v. 11). A armadura de Deus não é nossa
habilidade natural de lutar por Ele, porém o primeiro
passo para nos revestirmos dessa armadura é sermos
fortalecidos no Senhor e na força do Seu poder (v. 10). Há
os que pensam que lutamos contra heresias ou contra
pessoas, mas nossa luta não é contra o sangue e a carne
(v. 12). Mesmo em nossa vida espiritual, precisamos
avançar também nessa questão. Inicialmente, nossa mai­
or luta é contra o homem natural, contra a introspecção.
No entanto, o Senhor nos chama para Sua ressurreição e
ascensão, a fim de lutarmos com Ele contra as ciladas do
diabo, “contra principados e potestades, contra os
dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal nas regiões celestes” (vs. 11,12).
Após mostrar o alvo de nossa luta, Paulo diz uma vez
mais que devemos tomar toda a armadura de Deus (v. 13).
84 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Todos os “valentes de Israel” precisam estar firmes, tingi­


dos com a verdade, vestidos com a couraça da justiça,
calçados com a preparação do evangelho da paz,
embraçando sempre o escudo da fé e tomando o capacete
da salvação e a espada do espírito, que é a palavra de Deus
(vs. 14-17). Como manejar a Palavra de Deus? “Com
toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espíri­
to” (v. 18). Tomar a Palavra com oração pode ser
chamado “orar-ler”. Isso é feito simplesmente usando-se
o próprio texto da Bíblia como as palavras de nossa
oração. Assim, tomando uns poucos versículos, repetin­
do-os com ênfase e procurando tocar no espírito, extrai­
remos da Palavra luz, vida e Espírito. Dessa maneira viva
é que a Palavra de Deus é capaz de separar a alma do
espírito. Os valentes de Deus devem aprender a manejar
a Palavra dessa maneira.2

Um Palanquim

“O rei Salomão fez para si um palanquim de madeira


do Líbano. Fez-lhe as colunas de prata, o estrado de ouro,
o assento de púrpura, o interior carinhosamente revesti­
do pelas filhas de Jerusalém” (vs. 9, 10 - IBB-Rev.). O
palanquim era um veículo coberto, conduzido por meio
de dois varais, um de cada lado, apoiados nos ombros de
dois, quatro ou seis homens, ou, como as liteiras, condu­
zido por dois camelos, cavalos ou mulas. As acomodações
internas permitiam viajar-se sentado ou reclinado. O
palanquim também representa a amada.
Ele era feito de madeira do Líbano. A madeira, na
Bíblia, diz respeito à natureza humana. O Líbano era uma

2N. do R.: O livrete Orar-lendo a Palavra, de Witness Lee, publicado por esta Editora,
mostra de maneira simples como ter essa prática espiritual tão saudável.
VIVENDO EM TRIUNFO 85

região montanhosa, por isso sua madeira representa a


humanidade elevada, a natureza humana da melhor
“qualidade”. As árvores do Líbano cresciam muito lenta­
mente, mas eram muito fortes e resistentes às intempéri­
es. Eram a melhor madeira que se podia usar. A prata,
usada nas colunas do palanquim, diz respeito à redenção
realizada por Cristo. O ouro do estrado, do piso, denota
que a base é a natureza de Deus.
O assento do palanquim era de púrpura. Essa cor era
obtida de conchas marítimas. Como cada concha produ­
zia pequena quantidade do líquido usado para obter a
cor, isso tornava os tecidos com ela tingidos muito caros,
sendo acessível apenas a pessoas muito ricas. Por isso,
púrpura denota nobreza. O Senhor Jesus é o Rei dos reis
(Ap 17:14; 19:16), e o Rei do reino dos céus, como
mostrado em todo o Evangelho de Mateus. Por fim, a
ornamentação interior do palanquim foi feita com amor
pelas filhas de Jerusalém.
Que significa esse palanquim? Por um lado ele é o
cristão representado pela amada. Sua vitória tem por base
a natureza de Deus — ele começou realmente a amadu­
recer a partir do momento em que passou a receber mais
da vida de Deus. Esse triunfo é sustentado pela redenção
de Cristo, não por boas obras ou pela força natural. Tudo
isso proporciona ao Senhor, nesse cristão, um trono, uma
posição adequada para manifestar Sua vitória. Isso des­
perta o amor dos outros cristãos, que também participam
da procissão triunfante de Cristo. Vemos isso quando
Jesus entrou em Jerusalém montado em um jumentinho.
As pessoas, de maneira muito espontânea, foram movi­
das a estender suas roupas pelo caminho para receber o Rei
(Mt 21:1-11). Por outro lado, o palanquim ou a liteira são
a própria procissão. Juntamente com os sessenta valentes,
86 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

por onde passam, o aroma do conhecimento de Cristo é


manifestado.

A Coroa de Salomão

Como resposta à procissão de Cristo, surge um


convite: “Saí, ó filhas de Sião, e contemplai ao rei
Salomão com a coroa com que sua mãe o coroou no dia
do seu desposório, no dia do júbilo do seu coração” (Ct
3:11). O texto parece indicar que neste momento Salomão
está firmando o noivado com sua amada, está recebendo
sua coroa de júbilo.
No Novo Testamento também encontramos referên­
cia à coroa. Quando escreveu sua segunda carta a Timó­
teo, Paulo lhe disse: “Quanto a mim, estou sendo já
oferecido por libação, e o tempo da minha partida é
chegado. Combati o bom combate, completei a carreira,
guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada,
a qual ^ Senhor, reto juiz, me dará naquele dia; e não
somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua
vinda” (4: 6-8). Paulo não havia ainda recebido a coroa,
mas tinha certeza de que a havia ganho. Ele teve essa
percepção pouco tempo antes da sua morte, indicando
que o processo de maturidade é longo e gradual. Paulo
podia fazer essa afirmação, pois já estava maduro espiritu­
almente, após passar por todas as situações de sofrimento
que Deus permitia que lhe sobreviessem.
Ao escrever aos filipenses, ele não ousava afirmar isso:
“Não que eu o tenha já recebido, ou tenha já obtido a
perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que
também fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, quanto
a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma cousa faço:
esquecendo-me das cousas que para trás ficam e avançan­
VIVENDO EM TRIUNFO 87

do para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo,


para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo
Jesus” (3:12-14). Mas durante o tempo que separa essas
duas cartas, cerca de três anos, Paulo foi plenamente
amadurecido, chegando à convicção de que já era um
vencedor. No entanto, mesmo que partisse naquele mo­
mento, ele sabia que não ganharia a coroa que lhe estava
preparada, pois essa coroa, essa premiação, é coletiva.
Diante do tribunal de Cristo, quando todos os cristãos
forem julgados, os vencedores receberão sua coroa: parti­
cipar com Cristo de Seu reino milenar. Paulo está esperan­
do por aqueles que amam a vinda do Senhor, para juntos
poderem receber a coroa3.
Usando a figura da coroa e aplicando-a aos cristãos de
T essalônica (1 Ts 2:19,20), Paulo indica que nessa coroa
há alegria e esperança, assim como a coroa de Salomão
era de júbilo. Além disso, por Salomão representar o
Senhor Jesus, podemos dizer que a “coroa que lhe deu sua
mãe” representa a humanidade do Senhor. A natureza
divina do Senhor Ele a recebeu de Deus, enquanto Sua
natureza humana Lhe foi dada por Maria, Sua mãe.
Cristo assumiu a humanidade para unir-se ao homem, a
fim de trazer o homem de volta para Deus. Cristo hoje
está ascendido e já foi, por isso, coroado. Ele não tem
apenas a coroa da glória, mas também a coroa da alegria.
Por quê? Porque há um grupo de pessoas, aqueles que o
Pai Lhe deu, que já alcançaram certo nível de maturidade
espiritual. No entanto, não atingiram ainda a maturidade
completa, e o Senhor quer levar esses cristãos a avança­
rem mais, dando-Lhe ainda mais glória e alegria.

* N. do R.: Mais detalhes sobre esse assunto podem ser encontrados nos livros O
Grande Prêtnio, compilado por Pedro Dong, Estudo-Vida de Apocalipse, de Witness
Lee, A Plena Salvação de Deus, de Dong Yu Lan, e na coleção O Evangelho de Deus,
de Watchman Nee, publicados por esta Editora.
88 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

A Beleza da Nova Criação

Depois de tornar-se parte da procissão triunfante de


Cristo, fazendo-se, assim, descanso e coroa de glória para
Ele, a amada é novamente louvada por seu Amado (Ct
4:1-5). Na primeira vez em que foi elogiada (1:8-10), a
amada ainda conservava muitas características de sua
vida natural. Ela foi comparada a uma égua egípcia, por
causa de sua força e habilidade; ela tinha tranças e colares
no pescoço, denotando sua submissão natural. Essa era a
beleza da velha criação. Agora, porém, após experimen­
tar morte e ressurreição, após submeter-se ao Senhor e
segui-Lo como cativa em Seu séquito, sua beleza é total­
mente segundo a nova criação. O mundo exalta a vaidade,
especialmente a das mulheres, mas isso é apenas a beleza da
velha criação, que não tem nenhum louvor do Senhor. Se
você realmente deseja ter a beleza da nova criação, precisa
experimentar morte, ressurreição e ascensão. Em ascen­
são, somos a nova criação, somos um novo homem. Como
veremos, nesse estágio a amada começa a experimentar a
ascensão junto com o Senhor, o que se tornará mais sólido
no estágio seguinte.

Olhos de Pombas e Véu


“Como és formosa, querida minha, como és formo­
sa! Os teus olhos são como os das pombas, e brilham
através do teu véu” (v. 1). Já dissemos que os olhos das
pombas são singelos, pois olham somente em uma direção.
E um olhar fixo e que olha para longe, dando uma impres­
são de singeleza e brandura. Isso indica que os cristãos que
têm genuína visão espiritual, devem olhar exclusivamente
para o Senhor (SI 141:8; Hb 12:2). Mas não são todas as
pessoas que conseguem ver esses olhos, pois eles estão
atrás de um véu.
VIVENDO EM TRIUNFO 89

Quando percebia que a glória de seu rosto, recebida por


avistar-se com Deus face a face, se desvanecia, Moisés cobria-
o com um véu, para que os filhos de Israel não vissem que
isso ocorria (2 Co 3:13). Ele somente tirava o véu quando
ia à presença de Deus. Diante dos homens, ao desvanecer a
glória, usava um véu, mas diante de Deus seus olhos eram
como os das pombas. Os filhos de Israel não podiam ver o
rosto de Moisés, por estar coberto com o véu, mas quando
entrava no Santo dos Santos, ele contemplava a arca, que
representa Cristo, com olhos de pombas.
Essa deve ser nossa experiência. Muitos cristãos preo-
cupam-se mais em serem vistos pelos homens do que por
Deus; muitos exibem seus dons espirituais diante dos
homens, mas permanecem pouco tempo na presença de
Deus, no Santo dos Santos, contemplando a face do
Amado. Nenhum valor há em sermos espiritualmente
formosos aos olhos dos homens, se não tivermos a
realidade de sermos formosos para Deus por contemplá-
Lo. Que Deus seja misericordioso conosco e nos livre de
buscar apenas a aprovação dos homens, esquecendo-nos
de nossa comunhão com Ele (cf. Lc 16:15).

Cabelos e Cabras
“Os teus cabelos são como o rebanho de cabras que
descem ondeantes do monte de Gileade” (Ct 4:1). Os
cabelos representam submissão, glória e força (1 Co 11). O
monte de Gileade ficava ao leste do rio Jordão, porção de
terra que coube em herança às tribos de Rúben e de Gade
e à meia tribo de Manassés. As pastagens nessa região eram
muito boas, por isso havia ali muitos rebanhos de cabras,
especialmente nas encostas dos montes de Gileade. As
cabras eram usadas para o sacrifício, como oferta pelos
pecados (Lv 4:28; 5:6; 22:19). Além disso, as cabras e
90 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

bodes são animais menos dóceis e mais ariscos que as


ovelhas. Portanto, comparar os cabelos desse cristão a um
rebanho de cabras indica que ele, antes um desobediente e
rebelde, foi agora subjugado pelo Senhor, submetendo-se
a Ele, sem buscar sua própria glória.

Dentes e Ovelhas

“São os teus dentes como o rebanho das ovelhas


recém-tosquiadas, que sobem do lavadouro, e das quais
todas produzem gêmeos, e nenhuma delas há sem crias”
(Ct 4:2). Na Bíblia, a lã representa a vida carnal do
homem. As ovelhas recém-tosquiadas representam cris­
tãos que eliminaram sua vida carnal, e subiram do lavadou­
ro, isto é, foram lavados e purificados pelo Espírito Santo
e pela Palavra (1 Co 6:11; Ef 5:26). As ovelhas normal­
mente dão uma só cria, mas aqui todas produziram gême­
os. Isso representa a abundância da vida divina operando
nesses cristãos (Jo 10:10). A referência aos dentes das
ovelhas também é importante. Só podemos ver os dentes
de alguém quando essa pessoa está falando, sorrindo ou
cantando. Isso significa que a amada agora se regozija no
Senhor, Dele fala e a Ele louva, e suas palavras não mais
manifestam seu ser natural, antes, testemunham da trans­
formação que Deus nela operou.

Os Lábios e o Fio de Escarlate


“Os teus lábios são como um fio de escarlate, e tua
boca é formosa” (Ct 4:3a). Em Josué 2:21 encontramos
outra referência a um fio de escarlate. Quando os espias de
Israel foram a Jericó, Raabe, uma prostituta, ocultou-os.
Por gratidão a isso, eles lhe disseram que ela deveria colocar
VIVENDO EM TRIUNFO 91

um fio de escarlate na janela de sua casa, e ali juntar toda a


sua família, pois quando voltassem à cidade para destruí-la,
esse sinal a salvaria. Por isso, o fio de escarlate representa a
redenção.
Quando estava diante do Deus santo, Isaías confessou
não ter uma boca formosa: “Ai de mim! Estou perdido!
porque sou homem de lábios impuros, habito no meio
dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei,
o Senhor dos Exércitos!” (6:5). Como Deus poderia usar
alguém assim como Seu profeta, para falar em Seu nome?
“Então um dos serafins voou para mim trazendo na mão
uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a
brasa tocou a minha boca, e disse: Eis que ela tocou os teus
lábios; a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado o teu peca­
do” (vs. 6, 7). Com isso, sua boca tornou-se formosa,
porque foi purificada. Agora, suas palavras são puras; ele
não fala mais palavras imundas, como o povo de impuros
lábios ao seu redor, mas de sua boca saem palavras que
edificam e suprem graça aos que ouvem (Ef 4:29). Além
disso, por ter a palavra da redenção constantemente em
seus lábios, esse cristão é protegido de toda influência do
mundo.
As Faces e as Romãs

“As tuas faces, como romã partida, brilham através


do véu” (Ct 4:3b). As romãs são um fruto cheio de grãos,
representando abundância de vida. Por viver além do véu,
no Santo dos Santos, e por não usar sobre o rosto um véu
quando vai à presença de Deus, esse cristão recebe mais e
mais da vida de Deus. Seu rosto é corado, como a romã,
manifestando vida e regozijo espirituais. De fato, essa
amada é muito bonita.
92 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

O Pescoço e o Arsenal

“O teu pescoço é como a torre 4e Davi, edificada para


arsenal; mil escudos pendem dela, todos broquéis de
valorosos” (Ct 4:4). O pescoço revela a submissão do
homem. O pescoço, a cerviz, de um homem natural é
duro, inflexível. Esse cristão era assim no primeiro
estágio. Mas agora, depois de experimentar mais e mais
a morte, a ressurreição e a ascensão com o Senhor, seu
“pescoço” já foi tratado, já está subjugado para fazer a
vontade de Deus— sua submissão é pronta e espontânea.
A referência a arsenal e escudos lembra-nos da arma­
dura de Deus em Efésios 6. O escudo da fé serve para
apagar os dardos inflamados do inimigo, e por estarem os
escudos no pescoço desse cristão, vemos que a submissão
é o canal para que a nossa fé atue, protegendo-nos dos
ataques do diabo. Por isso, depois de trabalhado, nosso
pescoço torna-se maleável, aceitando de pronto a vonta­
de do Senhor, ao mesmo tempo que é firme e forte como
a torre de Davi contra os ataques do inimigo. Desse
modo, podemos permanecer inabaláveis e sermos úteis
para cumprir o propósito imutável e eterno de Deus.

Os Seios e os Lírios
“Os teus dois seios são como duas crias, gêmeas de
uma gazela, que se apascentam entre os lírios” (Ct 4:5).
De acordo com o Novo Testamento, podemos dizer que
os seios representam a fé e o amor. Em 1 Timóteo 1 :4 ,5
encontramos referência à fé e ao amor. Em 1
Tessalonicenses 1:3 há nova referência, desta vez inclu­
indo a esperança. Esta, no entanto, diz respeito ao futuro,
enquanto fé e amor relacionam-se ao presente, à nossa vida
com Deus. Esses dois itens atuam sempre juntos (G15:6; Ef
VIVENDO EM TRIUNFO 93

3:17; 6:23; l T s 5 :8 ;l T m 1:14; 2Tm 1:13; T t3:15) —


a fé diz respeito a Deus, e o amor, tanto a Deus como aos
homens (Ef 1:15; Cl 1:4; Fm 5) — e são iguais, crescem
juntos, como as gêmeas de uma gazela.
Lírios, como dissemos, são os cristãos que se relacionam
com o Senhor de maneira simples, confiam Nele para seu
sustento e que a todo tempo O louvam. Se desejamos que
nosso amor e fé pelo Senhor cresçam, precisamos conviver
com os que amam o Senhor e Nele confiam.

M onte de M irra

O Senhor descreveu Sua amada em sete aspectos


diferentes. Isso significa a totalidade da beleza da nova
criação. Em Cristo, no novo homem, tornamo-nos abso­
lutamente formosos diante de Deus. O velho homem, a
velha criação, o que vem de nossa natureza caída são
coisas abomináveis diante de Deus, que tem trabalhado
intensamente em nós e ao nosso redor para produzir o
novo homem.
No estágio anterior, o Senhor precisou chamar esse
cristão várias vezes, e por meio de muito encorajamento,
para que ele saísse de sua introspecção. Mesmo assim, por
ter-se demorado, perdeu por algum tempo a comunhão
com o Senhor. Agora, porém, a reação é diferente. Esse
cristão amadureceu, por meio de conhecer o Senhor mais
intimamente no Santo dos Santos e por segui-Lo em Sua
procissão triunfante. Passando pela morte e pela ressurrei­
ção, ele experimenta agora a ascensão; ele está acima das
aparências e de seus sentimentos, importando-se apenas
com o Senhor. No primeiro estágio, ele se desculpava diante
dos irmãos, por estar preocupado com o que pensavam a
seu respeito, mas agora ele olha com singeleza para o Senhor,
94 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

sendo comovido interiormente pelo louvor que o Senhor


lhe prestou. Então, sua reação espontânea é: “Antes que
refresque o dia e fujam as sombras, irei ao monte da mirra e
ao outeiro do incenso” (Ct 4:6).
No início, a amada tinha um saquitel de mirra entre os
seus seios. Era uma pequena experiência de morte, um
tanto oculta. Mas pouco a pouco ela experimentou mais
da cruz. Com isso, começou a ser perfumada de mirra e
de incenso (3:6), manifestando seu conhecimento vivo de
Cristo. Agora, ela toma a iniciativa de ter uma experiên­
cia adicional e muito mais profunda com a cruz: ela
decide ir ao monte da mirra e ao outeiro do incenso. Essa
não é a experiência comum de morte e ressurreição do
Senhor, mas uma experiência sobrepujante, especial,
como a descrita por Paulo em Filipenses 3:7-11.
“Antes que raie o dia” (Ct 4:6 - RV) indica que esse
cristão deseja esperar a volta do Senhor em ressurreição,
e o monte também indica que ele está agora em ascensão
com o Senhor.
Conclusão

Ao final desse estágio, temos um cristão mais madu­


ro, perfumado por meio da mirra e do incenso. Chamado
pelo Senhor para o Santo dos Santos, ele desfrutou não
apenas a glória e a luz que lá existem, mas também a
fragrância de morte e ressurreição. Esse cristão agora
segue a Cristo por onde quer que Ele vá, em Sua procissão
triunfante. Quando o Senhor voltar, quando o dia raiar,
Ele o encontrará em triunfo, desfrutando da ressurreição
e da ascensão.
Capítulo Cinco

V IV E N D O N A A SC E N SÃ O

Leitura da Bíblia: Ct 4 :7 — 5:1

Cristo ascendeu aos céus e nos chama a viver com Ele


em ascensão. Por um lado, é fato que fomos ascendidos
com Cristo (Ef 2:6), por outro, precisamos viver de
acordo com esse fato. Para isso, precisamos ter experiên­
cias mais elevadas de morte e ressurreição. No início,
tínhamos apenas um saquitel de mirra, depois fomos
perfumados com ela, e agora, espontaneamente, deseja­
mos ir ao monte da mirra e ao outeiro do incenso.
Em Cântico dos Cânticos 2:17 a amada diz: “Antes
que refresque o dia, e fujam as sombras, volta, amado
meu ”, mas em 4:6 ela diz: “Antes que refresque o dia e
fujam as sombras, irei”. Anteriormente, o cristão repre­
sentado pela amada apenas esperava que o Senhor voltas­
se, mas agora não somente ele deseja que o Senhor venha,
mas ele vai, ele sai de si mesmo para ter experiências mais
maduras e elevadas de morte, ressurreição e ascensão.
Vivemos em ascensão? E possível perceber isso por
meio dos detalhes de nossa vida. Como reagimos diante
de dificuldades? Deixamo-nos abater por elas ou as apro­
veitamos para buscar ainda mais o Senhor? Como nos
portamos quando estamos com outros irmãos: nossos
assuntos são terrenais, mundanos, ou falamos das coisas
celestiais? Quando alguma determinação nos é dada, nós a
96 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

acatamos ou murmuramos contra a restrição? Nessas pe­


quenas coisas é que podemos observar em que estágio de
maturidade estamos. Muitos pensam que ser maduro espi­
ritualmente é ser um habilidoso pregador ou realizador de
milagres, mas na verdade é na vida cotidiana que manifesta­
mos quão maduro é nosso relacionamento com Cristo.

A Noiva

No novo estágio em que a amada se encontra, ela é


chamada pela primeira vez de noiva (Ct 4:8). Nos
estágios anteriores, o Senhor a chamava de formosa,
querida e pomba, mas agora ela é a noiva. Por identificar-
se plenamente com o Senhor em Sua morte, ressurreição
e ascensão, essa donzela foi desposada por Cristo. Por um
lado, ela representa cada cristão, por outro, representa a
igreja, a noiva de Cristo.
Como o Senhor vê Sua noiva? “Tu és toda formosa,
querida minha, e em ti não há defeito” (Ct 4:7). Há um
texto paralelo a esse em Efésios 5, justamente o capítulo
que melhor apresenta a igreja como a noiva de Cristo:
“Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela,
para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da
lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si
mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante, porém santa e sem defeito” (vs. 25-27). Como
o Senhor obteve uma noiva sem defeito? Por meio do
processo de disciplina pela cruz, lentamente Sua amada
deixou de viver em seu ser natural e aprendeu a viver no
Santo dos Santos, em plena comunhão com o Senhor,
recebendo Sua luz e glória, e sendo perfumada com o
perfume de Seu conhecimento. O resultado é uma noiva
toda formosa, sem mancha, sem defeito.
VIVENDO NA ASCENSÃO 97

Antes de recebermos o Senhor estávamos mortos em


nossos delitos e pecados e éramos filhos da ira (Ef 2:1-3).
Mas Deus nos amou com grande amor, e nos deu vida,
regenerou-nos com Sua vida em Cristo, fazendo-nos Seus
filhos legítimos (Jo 1:12,13). Além disso, fomos ascendi­
dos com Cristo e com Ele estamos assentados nos lugares
celestiais (Ef 2:6). Por essa razão, o Senhor hoje vê a igreja
pronta, gloriosa; mas diariamente Ele trabalha em nós para
que tenhamos essa realidade prática.

Vem do Líbano!
O cristão representado pela amada está em um estágio
de muita maturidade espiritual. Após aprender a tratar
com seu ser natural e com sua alma, após aprender a viver
em comunhão com o Senhor além do véu, depois de
conhecer o perigo de cair em introspecção e como dela sair,
esse cristão passou a viver em ascensão. Nos estágios
anteriores, ele tinha de sair das suas circunstâncias para
poder estar com o Senhor. Agora, porém, ele, por um lado,
está acima de todas as coisas, enquanto, por outro, é capaz
de desfrutar o Senhor em qualquer situação. Isso é matu­
ridade. Porém, ainda há o que crescer.
A amada, desde o primeiro estágio, tem procurado
satisfação. Quando estava no mundo, os prazeres que lá
encontrava não a satisfaziam plenamente, antes deixavam-
na ainda mais vazia. No entanto, quando ela encontrou o
Amado de sua alma, encontrou satisfação verdadeira. Ago­
ra, a amada deseja estar mais e mais satisfeita no Senhor.
Experimentou isso quando quebrou seu vaso de alabastro,
quando agarrou o Amado e levou-o para a casa de sua mãe
e quando o Amado levou-a para o Santo dos Santos.
Finalmente, ela experimentou satisfação plena na ressur­
reição e nas experiências iniciais de ascensão. Mas agora, à
98 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Sua noiva, o Senhor diz: “Vem comigo do Líbano, noiva


minha, vem comigo do Líbano” (Ct 4:8).
O Líbano, por ser uma região montanhosa, representa
a ressurreição, mas o Senhor chama esse cristão representa­
do pela amada para ir além do Líbano. Isso corresponde a
experimentar plenamente a ascensão. Aqui o Amado e a
amada já são um casal, estão unidos, por isso, onde Ele está
— nas regiões celestiais —, ela também deve estar, de
maneira prática. O Senhor diz ao cristão representado pela
amada que venha com Ele do Líbano, ou seja, que avance de
sua experiência de ressurreição para a ascensão plena.

A Guerreira

Há aqui um novo chamamento do Senhor: “Olha do


cume de Amana, do cume de Senir e de Hermom, dos
covis dos leões, dos montes dos leopardos” (Ct 4:8b).
Como veremos, esse novo chamamento é um convite
para a guerra: o Senhor deseja que Sua noiva seja também
uma guerreira. Como o Rei coroado com glória e alegria,
o Senhor chama Sua noiva para lutar com Ele contra Seu
inimigo. O Senhor necessita que Sua amada não mais fique
oculta somente desfrutando no Santo dos Santos, mas que
saia com Ele para lutar. Sua noiva precisa ser também uma
guerreira.
O livro de Efésios revela claramente esses dois aspectos
da igreja. No capítulo 5, Paulo fala do grande mistério,
Cristo e a igreja, revelando que a igreja é a noiva de Cristo.
No capítulo 6, Paulo traz um encorajamento para que a
igreja tome toda a armadura de Deus, a fim de ser uma
guerreira ao lado do Noivo.
Nenhum soldado é mais fiel do que aquele que luta por
amor ao seu país ou por uma causa. Os mercenários são
soldados que lutam por dinheiro: defendem quem lhes
VIVENDO NA ASCENSÃO 99

contrata os serviços. Por isso, não são dignos de confiança,


pois basta que o adversário de quem os contratou lhes
ofereça mais dinheiro para que eles mudem de lado. Por
isso, o melhor “exército” é a “esposa”. Os mercenários
podem fugir, mas a esposa, por causa do vínculo de amor,
permanecerá sempre junto de seu amado.
Essa lição espiritual é muito prática, e todos os que
servem ao Senhor devem atentar para ela. O normal e
adequado é que os irmãos que “guerreiam” pelo Senhor,
os que O servem, tenham uma esposa. Ao se casarem, os
dois tornam-se uma só carne. Mais do que uma mera união
física, o casamento é uma união em vida— os dois tornam-
se uma só pessoa. Por isso, devem lutar juntos pela mesma
causa e com o mesmo objetivo. Se lermos o livro de Gênesis
atentamente, veremos que Deus nunca fez uma esposa ou
uma companheira para Adão; Ele lhe fez uma auxiliadora.
Eva deveria auxiliar Adão na tarefa que lhe fora designada
por Deus de cultivar e guardar o jardim. Infelizmente, haje,
entre os cristãos, muitas esposas são apenas companheiras
do marido, mas não são auxiliadoras. Precisamos mudar
essa situação. Se amamos o Senhor, e se olharmos com
atenção para Cristo e a igreja, veremos que a esposa deve
ser uma auxiliadora, uma guerreira ao lado do marido,
lutando juntos para que a economia de Deus se cumpra.
Tal esposa precisa ser um exército. Não é suficiente ficar
em casa, cuidar bem dos filhos e, contudo, indiferente ao
encargo espiritual do marido. É preciso que o casal saia
junto para servir, juntos devem vir do Líbano.

Verdade, Armadura e Destruiç?^

Como podemos afirmar que o chamam*


nhor é para que Sua noiva seja uma guerreira? Os três
moiltes mencionados pelo Senhor (Amana, Senir e
100 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Hermom) indicam isso.^Amana significa verdâdeJSÍa ar­


madura de Deus mencionada em Efésios 6, o ponto mais
importante é a verdade, com a qual devemos cingir-nos.
Num exército, os soldados precisam trazer o cinto bem
justo à-cintura, pois lhes dá força e prontidão. A primeira
coisa que fazemos quando queremos descansar é soltar o
cinto, colocar uma roupa frouxa e relaxar. Um guerreiro,
no entanto, não pode proceder assim. Precisamos estar
constantemente cingidos. Se não estivermos cingidos, não
poderemos lutar ao lado do Senhor como um guerreiro^
/^Õ~próximo monte é^o Senir. auesienífícaarmaduraf
macia] Obviamente, uma armadura é para a guerra. Essa
"armadura é macia, pois nossa luta não é baseada em nós
mesmos, de acordo com nossa força, mas lutamos base­
ados na vitória que Cristo alcançou na cruz.
Por fim, há o Hermom, que significa destruição. A
quem destruímos? A destruição de nosso ser natura^é
feita pdopenhor, é nós destruímos o inimigo de Deus e
todas as suas obras. Nossa TufcTnão é contra carncTe
sangue, mas contra as forças espirituais do mal. E somen­
te quem primeiramente foi derrotado pela cruz de Cristo
pode lutar contra Satanás.

A Armadura de Deus

O Senhor não contrata mercenários para lutar com


Ele contra Satanás e a favor de Seu propósito eterno; Ele
deseja que os que foram conquistados e atraídos por Seu
amor se disponham a cooperar com Ele, lutando contra seu
inimigo. Por isso, é muito significativo que em Efésios, o
livro que melhor descreve o plano eterno de Deus, a igreja
seja simbolizada primeiramente por uma noiva, no capítulo
5, depois por uma guerreira, no capítulo 6. Se amamos o
VIVENDO NA ASCENSÃO 101

Senhor, se seguimos o Senhor, devemos, então, dispor-nos


a guerrear com Ele por Seus interesses.
Em Efésios 6, Paulo ordena duas vezes que tomemos
toda a armadura de Deus. Podemos ser muito diligentes
em servir ao Senhor, mas se esquecermos uma das peças
da armadura de Deus, corremos o risco de ser atingidos
pelo inimigo. Por isso, precisamos de toda a armadura de
Deus. “De Deus” denota que ela é espiritual e que tem em
Deus sua origem. Contra Satanás, mero conhecimento
teológico ou paciência natural não tem valor algum. Nada
que tenha origem no próprio homem é páreo para Satanás.
Somente o que tem origem em Deus e passou por morte,
ressurreição e ascensão pode derrotar o diabo. Por isso, a
noiva está sendo chamada para a ascensão. Morte e ressur­
reição são etapas muito importantes, porém, temos de
avançar. Precisamos ascender, precisamos estar acima dos
problemas, acima de nossas limitações, acima dos principa­
dos e potestades. Precisamos subir ao Amana, Senir e
Hermom!
Precisamos de uma armadura espiritual para poder­
mos ficar firmes contra as ciladas do diabo, que atua por
meio das forças espirituais do mal (vs. 10-12). Precisamos
sair do Líbano, avançar da ressurreição para a ascensão,
a fim de podermos lutar contra esses principados e
potestades. (\Iuta é travã3iliÕcirmeHéAmana e Senir, que 1
representam~áTrêgiões celestiais^somente no mõntè"\
JEIetmom^que tipifica o terceiro céu, o lugar onde D eu s/
est^é^que_podemos proclamar a vitónada cruz/^”
Paulo afirma que a função da armadura é preparar-nos
para resistir no dia mau (Ef 6:13). Não precisamos tomar
a iniciativa de atacar, mas devemos permanecer firmes.
Satanás ataca-nos incessantemente (cf. Ap 12:10), e a
maneira de derrotá-lo é permanecermos firmes em meio a
102 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

seus ataques. Mas como podemos ficar firmes? Cingindo-


nos com a verdade (Ef 6:14). Se tomarmos as verdades não
meramente como doutrinas, mas transformando-as em
nossa experiência, permaneceremos firmes diante de qual­
quer ataque do diabo. Um exemplo simples: todo cristão
sabe que deve confiar em Deus em qualquer situação. Isso
é uma verdade, mas quantos praticam essa verdade, quantos
estão cingidos com ela? Basta Satanás levantar determina­
da situação, em relação à qual Deus parece estar indiferen­
te, e logo duvidamos de Seu amor e cuidado. Isso mostra
o quanto precisamos estar cingidos com a verdade.
A couraça, outro componente da armadura, era usada
para proteger especialmente o peito, pois ali está o cora­
ção. Com o coração nós cremos no Senhor (Rm 10:10) e
O amamos (Mt 22:37). Portanto, precisamos da couraça
da justiça (Ef 6:14) para proteger nossa fé e amor.
Satanás sempre nos ataca visando abalar nossa fé e
esfriar nosso amor pelo Senhor. Ele é como um leão que
ruge procurando alguém para devorar (1 Pe 5:8). Como
ele nos devora? Quando encontra em nós alguma injus­
tiça ou pecado que não tenhamos confessado e do qual
não nos tenhamos arrependido. Nessa situação, estamos
debaixo da mão do inimigo de nossa alma. Por isso preci­
samos da couraça da justiça, não da nossa própria (Fp 3 :9),
mas a justiça que obtemos pelo sangue do Cordeiro. Em
nós mesmos, jamais seremos justos e nossa justiça jamais
satisfará a exigência de Deus (Is 64:6) e nunca responderá
as acusações de Satanás. Para vencermos Satanás devemos
usar o sangue do Cordeiro (Ap 12:11), que se torna nossa
couraça da justiça.
Devemos também calçar os pés com a preparação do
evangelho da paz (Ef 6:15). Esse versículo também pode
ser traduzido assim: “Calçai os pés com o zelo [ou firme
presteza] pelo evangelho da paz”. Na cruz, Cristo fez a
VIVENDO NA ASCENSÃO 103

paz por nós, tanto com Deus como com o homem, e esta
paz tornou-se nosso evangelho (2:13-17). Ao pregarmos
esse evangelho, nós somos os primeiros a ser salvos por
ele: somos salvos de nós mesmos, salvos de nossa pregui­
ça, de nossa introspecção, de nossa incredulidade e falta
de amor. Portanto, pregar o evangelho também nos
fortalece para lutarmos contra Satanás.
Além disso, precisamos embraçar o escudo da fé (6:16).
Quando louvou a beleza da nova criação em Sua amada, o
Senhor fez referência ao pescoço dela, donde pendiam mil
escudos (Ct 4:4). Colocando esses dois versículos juntos,
podemos dizer que a fé está relacionada à submissão,
representada pelo pescoço. Quando nos submetemos ao
Senhor e à Sua Palavra, a fé é gerada em nós. Alguém já disse
que a fé acontece quando o Senhor diz alguma coisa enós
dizemos o mesmo. Isso é ao mesmo tempo: fé e submissão.
Por esse motivo, quanto mais nos submetemos a Deus,
mais derrotamos Satanás (Tg 4:7). Não podemos ser de
dura cerviz, como Israel (Êx 32:9; 33:3, At 7:51), antes
precisamos permitir que o Senhor quebre nossa cerviz,
gerando em nós genuína submissão.
Nessa armadura há ainda a espada do espírito, sobre a
qual comentamos no capítulo anterior, e o capacete da
salvação (Ef 6:17,18). A salvação que o Senhor nos deu,
quando O recebemos como nosso Senhor e Salvador, é
eterna (Hb 5:9), ou seja, uma vez salvos, salvos para
sempre. A Bíblia também chama o momento da salvação de
regeneração, ou seja, nascer de novo ou nascer do alto (Jo
3 :7 - BJ). Ao nascermos de novo, recebemos uma nova
vida, a vida eterna e incriada de Deus (Dt 32:40; 1 Jo
5:12) e somos feitos filhos de Deus (Jo 1:12,13). Tomar
o capacete da salvação serve para proteger nossa mente
contra os pensamentos negativos injetados pelo maligno,
como ameaças, preocupações e ansiedades. Esses pensa­
104 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

mentos visam fazer-nos enfraquecer e desanimar. A


salvação plena e eterna de D^us é nossa proteção contra
isso, e essa salvação é, na verdade, o próprio Cristo, a
Quem experimentamos dia a dia.

Leão e Leopardo
Os leões e leopardos, em Cântico dos Cânticos 4:8
representam Satanás, por causa do perigo que represen­
tavam para os habitantes daquela região e para os viajan­
tes. Os felinos costumam rondar os rebanhos, procuran­
do, por exemplo, descobrir os animais mais novos, mais
fracos ou doentes. Então, quando atacam, fazem com que
esses fiquem isolados, tornando-se, assim, uma presa fácil.
Satanás está rondando o rebanho de Deus, procurando
devorar-nos. Mas o Senhor nos chama para ascendermos
com Ele. Dessa posição, podemos nos preparar contra os
ataques do inimigo. Se o leão quiser atacar-nos, resistimos
a ele por meio da justiça, apresentando-lhe o sangue do
Cordeiro e testemunhando de nossa redenção (Ap 12:11).
Desse modo, podemos permanecer firmes.

M inha Irmã
Em Cântico dos Cânticos 4:9 há uma doce declaração
de amor do Amado: “Arrebataste-me o coração, minha
irmã, noiva [ou esposa - VRC] minha; arrebataste-me o
coração com um só dos teus olhares”. A expressão “minha
irmã” tem profundo significado espiritual. É nossa irmã
quem é filha de nossos pais; ela é participante da mesma
vida que nós. Assim, o cristão representado pela amada é
participante da vida de Deus, a qual está no Senhor,
fazendo do Senhor e desse cristão irmãos.
Em Hebreus 2:14 lemos que o Senhor, para realizar a
obra de redenção por nós, participou de carne e sangue dos
VIVENDO NA ASCENSÃO 105

quais nós também participamos. Como resultado da re­


denção, nós nos tornamos Seus irmãos (vs. 11,12). Como
podemos ser irmãos de Cristo? Por nascermos do mesmo
Pai, o Deus eterno, e recebermos a mesma vida que Ele tem.
O apóstolo João escreveu que a vida eterna estava em
Cristo (1 Jo 1:2), e essa é a vida do próprio Deus (Dt
32:40). Por isso, quem tem o Filho tem a vida do Pai que
é o próprio Filho (1 Jo 5:12; Jo 1:4). Ao recebermos o
Senhor Jesus, recebemos a vida eterna de Deus e somos
feitos Seus filhos e irmãos legítimos de Cristo.
Segundo o poema de Salomão, ele e sua amada já
estavam casados, por isso ele a chama de esposa. De acordo
com a aplicação espiritual, ao chamar de esposa o cristão
representado pela amada, o Senhor indica que ele já
alcançou um estágio maduro e puro para um relaciona­
mento conjugal, que é baseado na vida e no amor.
O Senhor declara à Sua esposa: “Arrebataste-me o
coração”. Literalmente, essa frase significa “roubaste-me
o coração”. Como podemos arrebatar ou “roubar” o
coração do Senhor? Com um só dos nossos olhares de
submissão e obediência. A referência ao colar, como
vimos no primeiro estágio, indica o pescoço que, por sua
vez, representa a submissão. Nada nos torna tão belos aos
olhos do Senhor como nossa submissão. Ele quer nossa
obediência muito mais do que sacrifícios. “Tem
porventura o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacri­
fícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o
obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender melhor
do que a gordura de carneiros” (1 Sm 15:22). Portanto,
maturidade está relacionada à obediência, a agirmos de
acordo com a restrição imposta pela vida de Deus em nosso
interior, a não nos movermos mais de acordo com nossa
própria vontade.
106 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

No primeiro estágio, a amada era atraída pelo Amado de


sua alma. Agora, essa noiva está ataviada; ela é toda formosa,
sem defeito e submissa. Agora, ao olhar para ela, o Rei tem
Seu coração arrebatado. Precisamos almejar viver de tal
maneira que arrebatemos o coração de nosso Amado.

Melhor é o Teu Amor

“Que belo é o teu amor, ó minha irmã, noiva minha!


Quanto melhor é o teu amor do que o vinho, e o aroma
dos teus ungüentos do que toda sorte de especiarias!” (Ct
4:10). Essa declaração do amado em relação à sua amada
é muito semelhante à que ela fez para ele no capítulo 1
(vs. 2,3). Isso indica que esse cristão foi constituído com
tudo o que Cristo é e tem. No início, somente no Rei
havia o aroma dos ungüentos, mas agora a noiva também
tem o ungüento. Por quê? Porque os dois são participan­
tes da mesma vida e natureza divinas (2 Pe 1:4). Cristo é o
cabeça da igreja, a qual é o Seu corpo. “Assim como o
corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros
do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim
também é Cristo” (1 Co 12:12 - IBB-Rev.). Esse versículo
diz claramente que Cristo é o Corpo com seus muitos
membros. Vemos uma referência a isso no Salmo 133. Ali,
o óleo derramado sobre a cabeça de Arão, que representa
Cristo como sumo sacerdote, desce até a orla dos seus
vestidos (v. 2 - VRC). Quando o Cabeça foi ungido, a
unção alcançou todo o Corpo, ou seja, assim como Cristo
foi ungido, a igreja também foi.

Mel e Leite
“Favos de mel manam dos teus lábios, minha esposa!
Mel e leite estão debaixo da tua língua” (Ct 4:11 - VRC).
VIVENDO NA ASCENSÃO 107

Mel era um alimento muito apreciado em Israel. Era usado


para dar ânimo e vigor às pessoas cansadas (cf. 1 Sm 14:27-
29). Isso indica que as palavras desse cristão podem animar
e encorajar os irmãos enfraquecidos, porque suas palavras
são cheias de vida e força. Esse cristão não se preocupa mais
apenas com seu próprio desfrute, mas é capaz de suprir
desfrute para outros. A amada não é apenas bela exterior­
mente, mas é interiormente formosa, pois suas palavras
manifestam o que está no seu coração (Lc 6:45). E dito da
amada que mel e leite se acham debaixo da sua língua. Essas
palavras estão em sua boca, ainda não foram ditas. Ela não
fala precipitadamente, mas quando o mel é necessário, há
mel em seu interior que ela pode ministrar aos outros.
Ao observarmos a produção do mel, veremos que ele é
o resultado do acúmulo paciente de um trabalho diligente:
pequenas abelhas colhendo pequena quantidade de pólen
produzem, lentamente, o mel. Ocorre o mesmo conosco:
para termos lábios que destilem mel, precisamos de um
trabalho diligente na Palavra de Deus e na oração. Precisa­
mos acumular um bom depósito espiritual em nós (2 Tm
1:14) para que, no abrir de nossa boca, fluam não palavras
torpes, mas palavras boas para a edificação, que supram
graça ao necessitado (Ef 6:19; 4:29).
Ao descrever a terra de Canaã, todas as suas riquezas e
sua abundância, Deus referiu-se a ela como terra que mana
leite e mel (Êx 3:8). A boa terra representa Cristo com Suas
riquezas insondáveis (Dt 8:7-10; Ef 3:8). O resultado da
maturidade espiritual é termos constantemente em nossa
boca palavras que manifestem as riquezas de Cristo. Na
verdade, como vimos, ao falarmos sobre os rebanhos, o
caminho para a maturidade é comermos constantemente
de Cristo. Quanto mais comemos de Cristo, mais somos
cheios de Sua vida e natureza, mais somos limpos de nosso
108 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

ser natural e somos amadurecidos. Assim, somos preenchi­


dos de Cristo e O manifestamos pelo falar.
Assim como o mel é para os fracos e desanimados, o
leite é para o suprimento dos novos (cf. 1 Pe 2:2). Ambos
estão na boca da amada. Se algum irmão está fraco ou
desanimado, ela fala algo como mel, que o reanima e
encoraja a prosseguir; se tem contato com um irmão
novo ou infantil, sua palavra é apropriada como o leite,
para alimentá-lo. Isso é maturidade!
Tanto o leite como o mel são resultado da coopera­
ção entre a vida animal e a vegetal. O mel é produzido
pela abelha— um animal, a partir do pólen— vida vegetal.
O leite é produzido pela vaca, um animal, depois de
processar o capim, um vegetal que ela come. Podemos
dizer que o mel e o leite são a essência, a nata, o melhor da
vida animal com a vida vegetal. Isso representa Cristo e
Suas muitas riquezas: Ele é o resultado do mesclar do
homem com Deus; hoje Sua vida está disponível a nós,
graças ao longo processo pelo qual Ele passou, começando
com a encarnação e culminando com Sua entronização
como Senhor sobre todo o universo; Cristo não apenas
redimiu-nos, como também dispensou-nos Sua vida, e
hoje está mesclado ao nosso espírito. Cristo é maravilhoso!
e precisamos ter Suas riquezas em nossos lábios, sempre
prontos a manifestá-las.

Fragrância dos Vestidos

O Senhor elogia ainda outra característica de Sua


amada: “A fragrância dos seus vestidos é como a do
Líbano” (Ct 4:11). Na Bíblia, as vestes representam
nossos atos, atitudes e conduta (cf. Ap 19:8). O Senhor diz
que todas as atitudes, todo o viver humano do cristão
VIVENDO NA ASCENSÃO 109

representado pela amada têm a fragrância do Líbano, do


viver em ressurreição e ascensão. Andamos na terra como
todas as pessoas, e sofremos os mesmos problemas de
toda a humanidade, mas nossa atitude é diferente. En­
quanto as pessoas em geral murmuram e iram-se, nós
manifestamos nossa submissão ao Amado de nossa alma e
nossa satisfação com Ele. Outros podem agir de qualquer
maneira, de acordo com a vontade da carne e de seus
pensamentos (Ef 2:3); nós, porém, agimos de acordo com
a vida de Deus em nós. Como obtemos esse viver e esse
aroma? Somente permanecendo no Santo dos Santos em
comunhão com o Senhor. Quanto mais tempo permane­
cemos no espírito, mais vivemos de acordo com Sua vida
e mais conhecemos a Cristo.
E importante frisar que viver em ascensão não é viver
alienado do mundo, como se fôssemos um anjo ou um ser
de outro planeta. Nossa vida em ascensão não é mani­
festada por grandes realizações espirituais, mas por nosso
falar e nossas atitudes. Se falamos ou agimos como qualquer
pessoa, isso evidencia que não vivemos em ascensão.

Jardim Fechado

Os versículos 12 a 15 de Cântico dos Cânticos 4


descrevem de maneira muito profunda e elevada o está­
gio espiritual em que está o cristão representado pela
amada. Depois de muitas experiências de morte e ressur­
reição, depois de aprender a rejeitar a introspecção e a
viver no Santo dos Santos, ele se tornou um jardim
fechado (v. 12). Um jardim, diferentemente de um
pomar, não tem árvores frutíferas; antes, sua ênfase está
no desfrute da beleza e do perfume das flores. A amada não
é um jardim aberto para outros desfrutarem e apreciarem.
110 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Ela é um jardim para o desfrute exclusivo de Cristo, para


Sua exclusiva satisfação. O mesmo se aplica para manancial
recluso e fonte selada. Esse cristão não busca satisfazer a
ninguém a não ser o Senhor.
Em Provérbios 5:15-17 encontramos figuras de lin­
guagem semelhantes, referindo-se à fidelidade conjugal. E
o mesmo princípio que vemos em Cântico dos Cânticos:
o Senhor é nosso único Amado, nosso único Marido, e
devemos a Ele integral fidelidade. Nossa vida, nosso ser,
nossa alma, nossp coração, não podem ser entregues a
nenhum outro a não ser ao Senhor. Por ter experimenta­
do o amor do Senhor, passo a passo esse cristão rejeitou
tudo o mais, desejando ser apenas de seu Amado. Esse foi
o resultado espontâneo de buscar o Senhor e prová-Lo
por meio da morte, ressurreição e ascensão.
Somos apenas para o desfrute de Cristo. Nós nos
consagramos a Ele e O escolhemos como nosso único
Deus e Senhor. Fora Dele, nada temos e nada somos. Nada
pode substituí-Lo. Por isso, de bom grado Lhe entregamos
o que somos, a fim de ser usado somente por Ele, para Seu
desfrute e satisfação1.
Em Números 19:15 lemos que “todo vaso aberto, sobre
que não houver tampa amarrada, será imundo”. Por não ter
tampa, todo tipo de sujeira e contaminação podia cair nesse
vaso, por isso ele era imundo. Esse vaso representa um
cristão (Rm 9:23,24). Por amarmos ao Senhor precisamos
guardar-nos de toda contaminação (cf. 2 Pe 2:20), rejeitan­
do-a e dela fugindo (2 Tm 2:22). Nenhuma lei é capaz de
fazer-nos um jardim fechado para o Senhor, somente uma
profunda experiência com Seu amor; Seu amor é que nos
constrange a ser somente Dele.

1 N. do R.: Watchman Nee fala detalhadamente desse assunto no capítulo 6 do


volume 1 e do 4, da série Doze Cestos Cheios , publicada por esta Editora.
VIVENDO NA ASCENSÃO 111

Pomar e Fonte
Apesar da ênfase no aspecto do desfrute, há também na
amada a questão da vida. Por isso, em Cântico dos Cânticos
4:13,14, ela é comparada a um pomar, onde frutos e vários
vegetais são mencionados. Isso indica que o resultado do
desfrute de Cristo e de sermos somente Dele é o crescimento
da vida espiritual, que gera muitos frutos.
Os renovos indicam o poder da vida de ressurreição
que venceu a morte. Vemos isso na história da vara de
Arão que floresceu. Doze galhos secos de árvores foram
colocados diante de Deus, um para cada tribo de Israel,
e entre eles um representava Arão. “No dia seguinte
Moisés entrou na tenda do testemunho, e eis que a vara
de Arão, pela casa de Levi, brotara, e, tendo inchado os
gomos, produzira flores, e dava amêndoas” (Nm 17:6-8).
Um galho seco claramente indica morte, a impossibilidade
de gerar vida, e descreve nossa vida sem Deus; mas a vida
de ressurreição que encontramos em Cristo é capaz de
ressuscitar-nos e de levar-nos a produzir mais vida!
O resultado do crescimento da vida é representado
pelas romãs. Essa é uma fruta que tem muitas sementes,
representando a abundância de uma vida reprodutora. São
os frutos da vida de ressurreição, os frutos excelentes (Ct
4:13).
Os outros vegetais mencionados referem-se à nossa
satisfação, como a hena e o açafrão. O nardo é usado para
fazer ungüento, servindo tanto para nossa satisfação como
para a satisfação do Senhor. O cálamo refere-se à ressur­
reição, por ser um caniço que nascia em pântanos, e o
cinamomo refere-se à morte. Havia ainda no pomar toda a
sorte de árvores de incenso, além de mirra e aloés, e as
principais especiarias. Tudo isso alegra o Rei e O satisfaz. É
a manifestação da plenitude do desfrute de Cristo!
112 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Paulo tinha o profundo desejo de que os cristãos a


quem ele ministrava tivessem tais tipos de experiências
profundas e completas com o Senhor. Aos colossenses,
por exemplo, ele diz: “Não cessamos de orar por vós, e
de pedir que transbordeis de pleno conhecimento da sua
vontade [de Deus], em toda a sabedoria e entendimento
espiritual; a fim de viverdes de modo digno do Senhor,
para o seu inteiro agrado, frutificando em toda boa obra,
e crescendo no pleno conhecimento de Deus” (1:9,10).
Isso não é uma experiência comum com o Senhor, mas
uma experiência profunda, um fruto excelente. Precisa­
mos almejar maturidade para experimentarmos tais fru­
tos e poder oferecê-los ao Senhor.
Para que haja tal abundância de vida no pomar e no
jardim, é preciso uma fonte de águas, que é a própria
amada (Ct4:15). Ela é “torrentes que correm do*Líbano”,
que vêm do alto, da ascensão, vêm de Deus. Por um lado, a
amada é o jardim, por outro, é a fonte que rega o jardim.
Como isso é possível? Somente em Cristo. Nele somos um
jardim para Seu desfrute e, permanecendo Nele, temos a
água viva que nos sacia e faz Sua vida crescer em nós (Jo
4:13,14). Estarem Cristo é maravilhoso!

Vento Norte e Vento Sul

Como resposta aos louvores do Amado, esse cristão


diz: “Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul; assopra
no meu jardim, para que se derramem os seus aromas.”
(Ct 4:16). Esse poema foi escrito numa terra mais ao
norte do planeta, portanto, lá o vento norte é frio, repre­
sentando as dificuldades e provações, enquanto o vento
sul, por atravessar o deserto da Arábia, é um vento quente,
representando coisas agradáveis. Portanto, a amada não se
VIVENDO NA ASCENSÃO 113

importa mais com as situações exteriores, mas seu desejo é


que, quer em provações quer em tempos tranqüilos (Fp
4:12), os aromas de seu jardim se derramem e sejam
percebidos.
Nunca será demais ressaltar que esses aromas repre­
sentam o aroma de morte e ressurreição (2 Co 2:14-16;
4:7-12). Precisamos almejar que esse doce aroma se
manifeste em nós, em qualquer situação.

Vem, Amado

“Ah! Venha o meu amado para o seu jardim, e coma


os seus frutos excelentes!” (Ct 4:16b). De quem é o
jardim? E do Amado. E quem é o jardim? E a noiva. Ela
pertence ao Amado e seu regozijo está nisso. Todos os
frutos, toda a beleza e toda a fragrância do jardim, tudo isso
é unicamente para o Noivo. Ao final de tais experiências,
há uma oração desse cristão: “Senhor, sou totalmente Teu.
Não tenho satisfação em ninguém mais a não ser em Ti, e
quero que Tu encontres plena satisfação e desfrute em
mim”.
Diante de tal consagração, que pode responder o
Senhor? “Já vim para o meu jardim, irmã minha, minha
esposa: colhi a minha mirra com a minha especiaria, comi
o meu favo com o meu mel, bebi o meu vinho com o meu
leite; comei, amigos, bebei abundantemente, ó amados”
(Ct 5:1 - VRC). O Senhor não recusa tal consagração
plena, e vem desfrutar desse cristão. Na verdade, todo o
Deus Triúno (indicado pelas palavras amigos e amados)
desfruta dele.
Você quer ser desfrutado assim pelo Senhor? Busque
o crescimento da vida espiritual. Você precisa entrar no
Santo dos Santos e viver ali, viver no espírito a todo tempo,
114 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

não rejeitando nem fugindo das situações que levam seu


ser natural à morte. É assim que você experimentará a
ressurreição e a ascensão, conhecerá maiis de Cristo e
receberá mais de Sua luz. Então, você oferecerá ao Senhor
todo o seu ser. Por fim, você se tornará um lugar de
desfrute para o Senhor. Que melhor experiência do que
essa poderá haver?
Capítulo Seis

DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO

Leitura da Bíblia: Ct 5 :2 — 6:3

Ao final do quinto estágio, encontramos um cristão


totalmente do Senhor, sendo por Ele considerado um
manancial recluso e uma fonte selada. Esse cristão não é
útil apenas para a apreciação do Senhor, mas também
pode suprir toda a necessidade do Senhor, pode dar-Lhe
frutos de todas as espécies para Sua satisfação. Por estar
maduro, não importando qual seja a situação ao seu
redor, se boa ou má, ele está sempre exalando o perfume
do conhecimento vivo de Cristo. Quando sopra o vento
norte, representando as dificuldades, ele exala o perfume
que satisfaz o Senhor. Quando vem o vento sul, quando
tudo está bem, ele também exala o perfume para o
Senhor. Com isso, o Senhor ganha satisfação. Inegavel­
mente, esse cristão chegou ao cume de mais uma experiên­
cia espiritual.
Entretanto, ainda permanecem nele elementos da
vida da alma e, por isso, é necessário que ele aprenda
lições mais profundas de cruz.
É muito importante percebermos que nossa vida
cristã é formada de estágios progressivos. Jamais pode­
mos acomodar-nos em determinado estágio espiritual.
Podemos estar satisfeitos, mas será que o Senhor está? O
Seu plano eterno, que vai de Sua escolha até a nossa
116 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

glorificação, não é apenas para que O ganhemos para o


nosso desfrute, mas para que Ele ganhe todo o nosso ser.
Nós ganhamos o maravilhoso Cristo para que Ele nos
ganhe. Portanto, precisamos ter a nítida percepção de
que não podemos satisfazer-nos em permanecer imobiliza­
dos sob o pretexto de estarmos descansando no desfrute
de Cristo e de Suas insondáveis riquezas. Tudo o que Ele
deseja é fazer de nós cooperadores para a Sua obra. Diari­
amente, através de todas as situações, estamos sendo pre­
parados e aperfeiçoados por Ele, para sermos Seus fiéis
cooperadores.
Estarmos amadurecidos e em pleno desfrute do
Senhor é muito bom, mas ainda não é o objetivo do
Senhor. Sermos um jardim e um manancial é um estágio
muito elevado, mas nele o Senhor ainda não alcançou Seu
objetivo. Não é suficiente desfrutarmos no Santo dos
Santos e ali permanecer, isolados do mundo; o Senhor
precisa que trabalhemos fora do arraial. “Jesus, para
santificar o povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da
porta. Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu
vitupério” (Hb 13:12,13). O Senhor levou Sua amada a
uma experiência muita elevada, mas Ele deseja levá-la a
avançar mais. Do ponto de vista de nosso desfrute,
aparentemente não há mais o que progredir, mas há algo
muito importante do ponto de vista de Deus: Sua obra.
Ainda há uma obra a ser realizada.

Homem Interior e Homem Exterior

A amada diz: “Eu dormia, mas o meu coração velava”


(Ct 5 :2a). As experiências profundas e elevadas da morte,
da ressurreição, do conhecimento, do viver triunfante e
da ascensão proporcionaram à amada pleno gozo e
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 117

repouso — ela dormia. Mas sua declaração indica clara­


mente que ela conhece que em seu ser há dois aspectos
distintos, pois ela pode dormir ao mesmo tempo que
vigia. Isso se refere ao homem exterior e ao homem
interior. Por encontrar-se em um estágio de maturidade
espiritual, a amada discerne com clareza seu homem
interior de seu homem exterior.
O apóstolo Paulo tinha a mesma percepção. Ele disse
que mesmo que o homem exterior se corrompa ou se
consuma (IBB-Rev.), o homem interior se renova de dia
em dia (2 Co 4:16). Paulo percebeu que o Senhor usa
todas as circunstâncias, especialmente as provações e
tribulações, para que o homem exterior sofra a fim de
proporcionar renovação ao homem interior. Mas essa
tribulação é leve e momentânea, se comparada ao eterno
peso da glória que há de vir (v. 17).
O cristão representado pela amada amadureceu a tal
ponto que, ainda que exteriormente esteja dormindo, seu
coração está desperto; ainda que seu homem exterior
esteja desgastando-se em meio a dificuldades, em meio ao
vento norte, seu homem interior está atento a Deus. Por
esse motivo ele consegue ouvir a voz do seu Amado, que
está batendo à sua porta.

Batendo à Porta

Por estar vigiando, a amada pôde ouvir a voz de seu


Amado que batia à porta. Ao chamá-la, Ele usou quatro
atributos: minha irmã, minha querida, minha pomba e
imaculada [ou perfeita - RV] minha. É muito provável
que o Senhor a tenha chamado por quatro vezes, e cada vez
a tenha chamado de uma dessas maneiras, querendo cons­
tranger seu coração.
118 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Ele chegou com a cabeça molhada do orvalho, de­


monstrando que estava trabalhando no campo. “Meu Pai
trabalha até agora, e eu trabalho também”, disse Jesus em
João 5:17. Portanto, ao rogar para que a amada abrisse
a porta, o Senhor estava chamando-a para que O acom­
panhasse em Seu trabalho.
Precisamos ser constrangidos pela obra de redenção
do Senhor a nosso favor. Todo o Seu viver como homem
até a Sua crucificação foi de tribulações e sofrimentos.
Mesmo o fato de Ele, como o Deus Criador, tornar-se
uma criatura, já demonstra humilhação (Fp 2:6-8). Ele
não teve um nascimento digno, nascendo em uma man­
jedoura no estábulo de animais. “Era desprezado, e o
mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que
sabe o que é padecer; e como um de quem os homens
escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos
caso”, disse o profeta Isaías a Seu respeito (53:3). En­
quanto as aves tinham seus ninhos e as raposas seus covis,
Ele, como o Filho do homem, não tinha onde reclinar a
cabeça (Mt 8:20).
Algumas horas antes de Sua morte, o Senhor Jesus, ao
orar ao Pai no jardim do Getsêmani, foi tomado por tal
agonia que Seu suor se tornou como gotas de sangue (Lc
22:44). Jesus estava orando a Deus Pai pela obra de
redenção que seria realizada. Ele não queria desistir de
morrer pelos homens, como alguns interpretam, mas pe­
dia que, se fosse possível, o cálice fosse passado Dele. O
cálice é a cruz, o instrumento que seria usado para realizar-
se a redenção. O sofrimento na cruz era terrível, e Jesus,
como homem, pergunta ao Pai se seria possível completar
Sua obra pela humanidade de outra forma. Mas nessa
comunhão com Deus Pai, por perceber a necessidade de
que Seu sangue fosse vertido, o homem Jesus negou a Si
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 119

mesmo e disse: “Pai, seja feita a Tua vontade” (Mt 26:42).


Na cruz, Ele tomou sobre Si as nossas enfermidades e
as nossas dores; foi traspassado pelas nossas transgressões
e moído pelas nossas iniqüidades. O castigo que cada um
de nós deveria sofrer, Ele sofreu em nosso lugar para que
por Suas pisaduras fôssemos sarados. Foi oprimido e
humilhado, mas não abriu a Sua boca, assim como uma
ovelha que vai para o matadouro (Is 53:3-7). Para que hoje
possamos desfrutar Dele e de Sua obra, bebendo o cálice da
bênção e da alegria, Cristo precisou tomar o cálice da
amargura.
Esse foi o sofrimento pela redenção, do qual ninguém
participou; essa foi uma obra exclusiva do Senhor. De
que obra, então, podemos participar? Em que o Senhor
espera que cooperemos com Ele? Nossa responsabilida­
de é preencher o que resta das aflições de Cristo, na nossa
carne, a favor de Seu Corpo, que é a igreja (Cl 1:24). A
nós foi concedida a graça de padecer por Cristo, e não
somente de crer Nele (Fp 1:29).
O Senhor já completou a obra de redenção, no
entanto, Ele continua trabalhando para a edificação de
Sua igreja. Por causa da redenção, está assentado nos céus
(Cl 3:1; Hb 12:2), pois tudo está consumado; no entanto,
no que diz respeito ao cuidado de Seu povo, o Senhor está
em pé (cf. At 7:56), trabalhando.

Sujar-me Novamente?!

Mesmo tendo sido chamada insistentemente pelo


Amado, a amada foi lenta em reagir. Sua resposta mostra
sua indisposição: “Já despi a minha túnica, hei de vesti-
la outra vez? já lavei os meus pés, tornarei a sujá-los?” (Ct
5:3). Olhando apenas para si mesma, satisfazia-se por estar
120 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

no desfrute e no descanso de Cristo, e não se preocupou


com o árduo trabalho de seu Amado. Ela não olhou para
a situação à sua volta, não atentou para o muito trabalho
que ainda há por fazer, e não está disposta a participar dele.
Situação semelhante ocorreu com Paulo. Quando es­
creveu aos filipenses, ele disse ter o desejo de partir e estar
com Cristo, o que era incomparavelmente melhor (1:23).
Entretanto, se o viver nesta terra viesse a trazer fruto para
o seu trabalho, ele não saberia o que escolher (v. 22). Foi
hesitação semelhante a esta que o cristão representado pela
amada enfrentou. Paulo, no entanto, não permaneceu em
sua dúvida; ele disse: “Por vossa causa, é mais necessário
permanecer na carne. E, convencido disto, estou certo de
que ficarei, e permanecerei com todos vós, para o vosso
progresso e gozo da fé” (vs. 2 4 ,2 5 ). Por um lado, Paulo
considerava-se pronto para partir e estar com Cristo (ape­
sar de declarar, pouco depois, que ainda não havia obtido
a perfeição -3:12), por outro, reconhece que era útil para
Deus que ele permanecesse para cooperar com a obra de
edificação dos filipenses. Infelizmente, o cristão represen­
tado pela amada não teve a mesma reação.
E até compreensível que ele estivesse preocupado com
seu desfrute espiritual, pois passou por muitas dificulda­
des, provações e incompreensão em sua busca pelo Se­
nhor. Agora que aprendeu a viver em comunhão com o
Senhor em todo o tempo, ele pensa ser isso o máximo que
o Senhor pode pedir-lhe. Ele não quer sujar seus pés
novamente, não quer ir às pessoas do mundo para pregar-
lhes o evangelho ou aos irmãos mais novos para suprir-lhes
alimento espiritual, pois teme perder o que ganhou do
Senhor. Mas isso é não atender ao chamamento do Se­
nhor.
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 121

A M ão na Fresta

Enquanto a amada estava em suas considerações,


algo ocorreu: “O meu amado meteu a mão por uma
fresta, e o meu coração se comoveu por amor dele” (Ct
5:4). Que havia de especial nessa mão que era capaz de
comover alguém? Havia as marcas dos cravos, as marcas
da crucificação. No dia da Sua ressurreição, o Senhor
Jesus apareceu a Seus discípulos, mas Tomé não estava
reunido com eles. Quando os outros lhe disseram que o
Senhor havia aparecido, ele não acreditou, dizendo que
creria somente se pudesse ver e tocar o sinal dos cravos.
Oito dias depois, os discípulos estavam novamente reuni­
dos, incluindo Tomé. Jesus, então, novamente manifes­
tou-se a eles, e logo disse a Tomé que visse e tocasse o sinal
dos cravos em Seu corpo, ao que respondeu Tomé: “Se­
nhor meu e Deus meu!” (Jo 20:24-28).
Essas marcas podem comover nosso coração incrédu­
lo ou indiferente! Quando olhamos as mãos do Senhor,
percebemos que foi por nossa causa que Ele se entregou
à morte, por pessoas tão caídas, pecadoras e tão indife­
rentes a Ele. Quando olhamos esses sinais somos como­
vidos, pois eles manifestam o grande e incondicional
amor de Deus por nós. Como podemos ficar indiferen­
tes? Como é possível não sermos comovidos em nosso
coração? Como não sermos constrangidos a entregar-nos
totalmente para cooperar com nosso Amado ? Sua obra de
redenção por nós levou-0 a tamanho sofrimento —
como não atendermos ao Seu chamado para cooperar com
a edificação de Sua igreja?
No Antigo Testamento, a carne dos animais que eram
apresentados como oferta pelo pecado não poderia ser
122 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

comida, mas eles deveriam ser queimados fora do arraial


(Lv 4:12). O Senhor Jesus, o Cordeiro de Deus, por ser a
oferta pelos nossos pecados, foi oferecido fora das portas
de Jerusalém, no monte Gólgota (Hb 13:11,12). Por isso,
o Senhor nos chama para que “saiamos, pois, a ele, fora do
arraial, levando o seu vitupério” (v. 13). O Senhor neces­
sita que saiamos de nós mesmos para servi-Lo “fora do
arraial”, ou seja, servi-Lo no mundo.

Ele se Foi!

Depois de ver a mão do Amado, o cristão represen­


tado pela amada ainda demorou-se para atender e, ao fazê-
lo, Ele já se havia retirado (Ct 5:6). Ao abrir a porta, a
amada diz que suas mãos destilavam mirra. Isso tem duas
aplicações espirituais: primeiramente, indica que, ao aten­
der o chamado do Senhor, esse cristão percebe que mais
uma vez seria levado a experiências de morte, que cumprir
o chamamento do Senhor implica passar por sofrimentos.
Significa também que, até mesmo para atender a esse
chamamento, ele precisa morrer, deixar de lado suas con­
siderações e negar-se a si mesmo para seguir o Senhor.
Para seguirmos o Senhor, precisamos mais da Sua
morte; mesmo que sejamos maduros, ainda necessitamos
de experiências de cruz, necessitamos negar a nós mes­
mos, rejeitando as exigências e considerações de nossa
alma (Mt 16:24).
Infelizmente, a amada não atendeu imediatamente
ao chamado do Senhor: “Abri ao meu amado, mas já ele
se retirara e tinha ido embora; a minha alma se derreteu
quando antes ele me falou; busquei-o, e não o achei;
chamei-o, e não me respondeu” (Ct 5:6). Essa situação de
não conseguir encontrar o Senhor é muito pior do que
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 123

aquela ocorrida no terceiro estágio. Naquele estágio, a


comunhão que esse cristão tinha com o Senhorio Santo
dos Santos ainda era muito inconstante: ora ele estava no
espírito, ora fechava-se em sua alma. Mas agora, ele já
experimentou profundamente a presença do Senhor no
Santo dos Santos, recebeu Sua luz e o aroma do Seu
conhecimento. No entanto, por causa de um momento
de hesitação, de considerações em sua alma, ele perdeu
a comunhão íntima com o Senhor.
Não basta que nossa vida espiritual cresça; a isso
precisa corresponder nossa prontidão no espírito para
atender ao chamamento do Senhor — quando Ele bater
à porta, levantemo-nos imediatamente. Para o Senhor, é
necessário que saiamos fora do arraial, como Ele saiu.
Para poder salvar-nos, Ele saiu do terceiro céu e viveu
entre os homens, sofrendo todo tipo de rejeição e
incompreensão. Hoje, Ele nos chama para que continu­
emos Sua obra entre as pessoas, mesmo que isso implique
nosso sofrimento. Porém, muitas vezes ponderamos de­
mais sobre o chamamento do Senhor, perdendo, por fim,
o gozo de Sua presença.

Espancada Pelos Guardas

A amada, uma vez mais, saiu pela cidade procurando


o amado de sua alma. Ela narra o que ocorreu: “Encon­
traram-me os guardas que rondavam pela cidade; espan-
caram-me, feriram-me; tiraram-me o manto os guardas
dos muros” (Ct 5:7). Os guardas, que representam os
irmãos líderes na igreja (Hb 13:7, 17), trataram de
maneira severa o cristão representado pela amada. No
primeiro encontro com os guardas, por estar esse cristão
no início de sua vida espiritual, eles ajudaram-no, talvez,
124 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

orando com ele, de tal modo que imediatamente após


deixar os guardas, esse cristão encontrou o Senhor (Ct 3 :3,
4). Agora, no entanto, esses irmãos líderes foram severos
com ele. Eles devem ter-lhe dito: “Irmão, você não está
mais no estágio inicial de sua vida com o Senhor, você já é
um cristão bastante maduro. Por que, então, sua reação ao
chamamento do Senhor foi tão tardia? Por que você não
tem obedecido ao Senhor, saindo para cooperar com Ele
na pregação do evangelho e na divulgação de Sua Palavra ?
Por não seguir ao Senhor, agora você está sem desfrute
espiritual, sem a presença do Senhor. Você precisa estar
sempre pronto, não pode ficar distraído em suas conside­
rações”.
Esse cristão foi tratado com severidade, pois os
irmãos entenderam que sua maturidade lhe permitia
receber forte exortação — os guardas estavam tentando
ajudá-lo. Ele, no entanto, sentiu como se os irmãos o
tivessem espancado e ferido. O objetivo dos guardas em
ajudá-lo foi correto, mas os meios não foram, pois faltou-
lhes amor. Por um lado, devemos estar abertos à admo-
estação, correção e exortação. Por outro, quem o faz
deve fazê-lo sob o estandarte do amor, com tremor,
temor e muita mansidão. O objetivo da exortação deve
ser sempre ajudar e restaurar os irmãos, e não maltratá-
los e expô-los à vergonha. Jamais devemos “tirar o
manto” dos irmãos, isto é, expor os seus erros e proble­
mas publicamente. Não podemos agir como Cão, que
expôs a nudez de seu pai e foi amaldiçoado; antes
devemos ser como seus irmãos que, ao verem a condição
de seu pai, voltaram-se de costas e o cobriram (Gn 9:20-
23). Quando o Senhor nos comissionar a agir como
“guardas da cidade”, ao ajudarmos os irmãos precisamos
ser firmes e mostrar-lhes a seriedade da Palavra de Deus; ao
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 125

mesmo tempo, precisamos ser dóceis, amáveis, brandos e


mansos. A vida da igreja precisa ser vivida sob o estandarte
do amor.

Que Há de Especial no Teu Amado?

Por ter-se sentido ferido, o cristão representado pela


amada foi procurar comunhão com outros irmãos, não
tão maduros como ele, representados pelas filhas de
Jerusalém (Ct 5:8). A esses irmãos, o cristão representado
pela amada disse que estava doente de amor pelo Senhor.
Isso já havia ocorrido no segundo estágio, onde esse
cristão era movido principalmente por sua alma; seu amor,
apesar de sincero e genuíno, era muito infantil e muito
dependente de seus sentimentos. Ao final do terceiro
estágio, por sua vez, seu amor pelo Senhor tornou-se mais
concreto, não dependendo mais de sentir ou não alguma
coisa, mas era o resultado de sua comunhão com o Amado
de sua alma no Santo dos Santos. Porém, agora, no sexto
estágio, esse cristão novamente ficou “doente de amor”.
Ao falar com os outros irmãos sobre seu Amado, o
cristão representado pela amada manifesta sua angústia
por ter perdido a comunhão com o Senhor. Aqueles
irmãos, porém, por não terem o mesmo tipo de experiên­
cia profunda, não conseguem entender seu desespero, e
perguntam: “Que é o teu Amado mais do que outro
amado ? Por que teu Amado é tão importante ? Por que essa
busca incansável por Cristo para tua satisfação? Em que
Teu Cristo é tão especial?”
Evidentemente só há um Cristo, um só Senhor; no
entanto, a experiência com Ele difere muito de um cristão
para outro e está intimamente relacionada com quanto O
buscamos. Todos os que um dia O receberam como seu
126 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Senhor e Salvador, conhecem algo de Sua Pessoa. Infeliz­


mente, porém, muitos permanecem apenas no conheci­
mento de Cristo como seu Salvador, não avançando para
conhecer mais de Seus atributos e Suas riquezas. Como
Paulo claramente descreveu aos filipenses, para que cresça­
mos em tal conhecimento precisamos pagar o preço de
considerar tudo como refugo, especialmente as coisas que
consideramos importantes.
O cristão representado pela amada passou por várias
situações de sofrimento e de negar a si mesmo. Assim,
apesar de ter-se distraído com as considerações de sua
alma, graças ao conhecimento vivo que tem de Cristo,
esse cristão consegue descrevê-Lo de maneira tão clara e
doce para os outros irmãos.

Jesus, o M ais Distinguido entre Dez M il!

“Meu amado é alvo e rosado, o mais distinguido


entre dez mil” (Ct 5:10), respondeu esse cristão. Que
profunda experiência espiritual isso revela! Já menciona­
mos a história de Maria que, por amor ao Senhor,
derramou sobre Ele precioso perfume, após quebrar um
vaso de alabastro (Mt 26:6-13). Apesar de os discípulos
já estarem com o Senhor por mais de três anos, que
disseram eles da atitude de Maria? “Para que este desper­
dício ?” Apesar de conhecerem Cristo, a experiência deles
não chegava à altura da experiência de Maria, e por isso
não entenderam o que ela fez e até mesmo indignaram-
se com ela. Para Maria, porém, pouco importava a
opinião dos outros, pois para ela seu Amado era o mais
distinguido entre milhares.
Quadro semelhante vemos entre os cristãos. Entre os
que tiveram uma experiência genuína de regeneração, há
os que falam de Jesus e até mesmo pregam sobre Ele. Qual,
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 127

porém, é seu apreço pelo Senhor? quanto conhecem


realmente seu Amado? Somos os que se derramam sobre
Ele, os que O buscam desesperadamente, ou somos os que
acham desperdício entregar a vida a Ele integralmente,
buscando-O acima de tudo? Precisamos amar o Senhor a
ponto de Ele ser incomparável com qualquer outra pessoa
ou qualquer outra coisa desse universo.
Dizer que o Senhor é alvo refere-se à Sua pureza.
Ninguém é tão puro, santo e imaculado como o Senhor,
apesar de, como homem, ter sido tentado como qualquer
um de nós, mas sem pecar (Hb 4:15). Por isso, é capaz de
socorrer-nos em nossas fraquezas e compadecer-se de nós
(v. 16). Ser rosado significa que o Senhor é cheio de vigor,
de vida e de novidade de vida. Os antigos, especialmente,
diziam que uma pessoa estava com saúde quando seu rosto
estava corado, rosado. Nosso Senhor é tal pessoa cheia de
vigor e força. O Cristo que Paulo conheceu há quase dois
mil anos é o mesmo que conhecemos hoje, e cada manhã
Ele é novo para nós. Por isso, Ele é o mais distinguido entre
dez mil— ninguém se compara a Ele, pois Ele tem o nome
que éstá acima de todo o nome (Fp 2:9).

Nosso Cabeça é Sempre Novo!

Continuando a descrição de seu amado, a amada diz:


“A sua cabeça é como o ouro mais apurado, os seus
cabelos, cachos de palmeira, são pretos como o corvo”
(Ct 5:11). O Senhor Jesus é nosso cabeça e o primogênito
de toda a criação (Cl 1:15-18). Sua cabeça é como ouro,
que representa a natureza divina— Jesus, como Deus, é o
Cabeça de todo o universo. Mas o ouro aqui mencionado
é ouro depurado. Isso implica sofrimento e provação.
Como homem, o Senhor Jesus passou por sofrimentos
que o aperfeiçoaram para ser o Autor da salvação eterna
128 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

(Hb 5 :8 ,9 ). Os sofrimentos são como fogo que depura o


ouro (1 Pe 1:6, 7), e foi por meio do fogo, por meio dos
sofrimentos, que o Senhor Jesus foi habilitado a ser nosso
Salvador e Senhor sobre todas as coisas.
A referência aos cabelos, como já vimos, indica
submissão, glória e força. Por Sua absoluta submissão a
Deus Pai, o Senhor Jesus O glorificava e disso vinha Sua
força. Além disso, cabelos pretos como o corvo indicam
novidade de vida. À medida em que envelhecemos,
nossos cabelos tornam-se brancos, mas um corvo nunca
fica branco. Hebreus 13:8 diz-nos que nosso Senhor é
Aquele que nunca muda, e é sempre cheio de novidade de
vida, pois é insondável e imensurável. Na verdade, como
temos visto ao longo dos estágios de Cântico dos Cânticos,
nós é que precisamos conhecê-Lo de maneira sempre
nova. Por serem insondáveis as riquezas do Senhor, nunca
poderemos dizer que O conhecemos totalmente. Mesmo
as experiências da amada em relação ao amor do Senhor,
experiências que ela teve no início de sua vida espiritual,
devem ser renovadas cada dia; cada manhã ela pode expe­
rimentar de maneira nova que o amor do Senhor é melhor
do que o vinho.

Olhos Como de Pomba

Em Cântico dos Cânticos 5:12 lemos a descrição que


a amada faz dos olhos de seu amado: “Os seus olhos são
como os das pombas junto às correntes das águas, lavados
em leite, postos em engaste”. Ter olhos como de pombas
foi um atributo que o amado destacou em sua amada, mas
agora ela destaca essa característica nele. E como se ela
estivesse dizendo: “Os olhos do meu Amado são tão
singelos, tão mansos. Não são olhos como de águia,’ que
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 129

expressam violência, mas são olhos como de pombas junto


às correntes das águas, olhos cheios de vida e que transmi­
tem vida”. No Novo Testamento o Senhor é chamado de
Cordeiro e Seus olhos percorrem toda a terra (Ap 5:6), não
para julgar ou condenar, mas para, por meio da ternura e
amor que manifestam, conduzir os homens ao arrependi­
mento (cf. Lc 22:61, 62).

Faces e Lábios

A amada diz que as faces do seu amado “são como um


canteiro de bálsamo, como colinas de ervas aromáticas”,
e que os lábios dele “são lírios, que gotejam mirra
preciosa” (Ct 5:13). Em Cristo não há apenas formosura,
mas há o “perfume” de Deus — Ele manifestava Deus em
Seus atos e palavras. Em Sua boca havia somente palavras
de louvor a Deus, e Ele era totalmente dependente de
Deus — era como um lírio. Hebreus 13:15 diz que os
lábios que confessam o nome de Deus devem sempre
oferecer-Lhe sacrifício de louvor. Esse princípio espiritu­
al foi plenamente cumprido no Senhor Jesus em toda a
Sua vida. Todos os que ouviam Jesus “lhe davam testemu­
nho e se maravilhavam das palavras de graça que lhe
saíam dos lábios” (Lc4:22). Por outro lado, Suas palavras
sempre indicavam o caminho da cruz (Mt 16:21, 24).
Portanto, em relação a Deus, as palavras de Jesus são de
louvor, mas para nós são como mirra.

Ouro e Pedras Preciosas

Na descrição de seu amado, a amada ainda menciona:


“As suas mãos cilindros de ouro, embutidos de jacintos”
(Ct 5:14). As mãos dizem respeito ao trabalho na obra de
130 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Deus, e o fato de serem de ouro indica que tudo o que o


Senhor Jesus faz tem origem em Deus (Jo 5:19, 30).
Enquanto esteve na terra, o Senhor Jesus era como um
cilindro, um canal a quem Deus usava para fazer Sua obra.
A palavra jacintos em Cântico dos Cânticos 5:14 é a
mesma palavra traduzida em outros versículos, como
Ezequiel 1:16, para berilo. Essa pedra preciosa foi men­
cionada em Daniel 10:6 para descrever o corpo do
Senhor Jesus, que expressa a glória de Deus.
A amada diz que o corpo de seu amado é como obra
de marfim coberta de safiras (Ct 5:14 - IBB - Rev.). O
marfim também é um material precioso, de origem
animal. “Obra de marfim” indica um trabalho de entalhe,
de esculpir. Em Zacarias 3:9 o Senhor Jesus é apresenta­
do como uma pedra esculpida, referindo-se à Sua morte
na cruz. Para tornar-se nosso Amado, o Senhor Jesus foi
esculpido por Deus na cruz. Mas essa pedra esculpida é
também celestial, o que é representado pelas safiras. De
acordo com Êxodo 24:10, a safira se parece com o céu
claro. Assim, nosso Amado, como homem-Deus, foi
trabalhado por Deus na cruz para a nossa redenção.
Essas características do Senhor são manifestadas em
Sua humanidade elevada, representada pelo Líbano e
pelos cedros (Ct 5:15). Apesar de desprezado pelas
pessoas (Is 53), por não aparentar nenhuma formosura
exterior, o Senhor Jesus era o mais formoso aos olhos de
Deus e é o mais formoso aos olhos dos que O amam.

O Falar do Amado

“O seu falar é muitíssimo suave; sim, ele é totalmente


desejável. Tal é o meu amado, e tal o meu amigo, ó filhas de
Jerusalém” (Ct 5 :1 6 - IBB-Rev.). Mesmo quando o Senhor
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 131

nos exorta, mesmo quando Suas palavras nos conduzem


para experiências de cruz, Seu falar é ainda muitíssimo
suave e doce. Jeremias disse, após sua experiência com a
Palavra de Deus: “Achadas as tuas palavras, logo as comi;
as tuas palavras me foram gozo e alegria para o coração”
(15:16). Ezequiel relata experiência semelhante: “Eu o
comi, e na boca me era doce como o mel” (3:3), assim como
o salmista: “Quão doces são as tuas palavras ao meu
paladar! mais que o mel à minha boca” (SI 119:103).

Amado e Amigo

Ao final desse estágio, o Senhor Jesus não é apenas


nosso Amado, mas é nosso amigo. Ser amigo ressalta a
existência de uma relação de confiança, fidelidade e
companheirismo. Apesar de todas as provas e tribula-
ções, o cristão representado pela amada reconhece o
Senhor como seu amigo fiel. Além disso, Ele demonstrou
Seu amor dando Sua própria vida em favor de Seus
amigos, que somos nós (Jo 15:13, 14). Somos Seus
amigos porque tudo quanto ouviu do Pai Ele nos tem
dado a conhecer (v. 15).
Essa descrição tão completa do Senhor Jesus de­
monstra que esse cristão O conhece de maneira profunda
e pessoal; seu conhecimento do Senhor não é teórico,
mas vivo, não é de “ouvir falar”, mas de vê-Lo pessoal­
mente em seu espírito (cf. Jó 42:5). Esse genuíno conhe­
cimento de Cristo levou a amada a procurá-Lo com deses­
pero quando perdeu Sua presença.

Seguir e Pastorear

Os cristãos mais imaturos que a amada, as filhas de


Jer usalém, não entendiam essa busca incansável, por não ser
132 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

tão profunda a experiência deles com Cristo. No entanto, a


descrição que a amada fez de Cristo, tão completa, doce e
desfrutável, gerou uma reação nas filhas de Jerusalém: “Para
onde foi o teu amado, ó mais formosa entre as mulheres?
Que rumo tomou o teu amado? e o buscaremos contigo”
(Ct 6:1). Aleluia! Quando desfrutamos verdadeiramente o
Senhor e quando O apresentamos de maneira viva às pesso­
as, elas serão espontaneamente despertadas para O busca­
rem conosco: os incrédulos desejarão conhecê-Lo e os
cristãos serão avivados para terem uma comunhão mais
íntima com Ele.
Se alguém nos perguntasse sobre nosso Senhor, como
O apresentaríamos? Poderíamos descrevê-Lo com tantos
detalhes? Isso depende de quanto O experimentamos e
de quanto O conhecemos. Quanto mais intimamente
conhecemos alguém, com mais detalhes o descrevemos.
A reação das filhas de Jerusalém prova que as palavras da
amada não eram teóricas, mas eram o resultado de suas
experiências pessoais com o Amado, o que fez com que
elas fossem atraídas pelo Senhor.
Precisamos considerar nossa vida. Certamente, mui­
tos cristãos têm pregado o evangelho a pessoas que não
conhecem a Cristo, bem como falado Dele na comunhão
com irmãos e irmãs. Qual tem sido a reação de nossos
ouvintes? Nossas palavras os têm levado a apreciar e amar
mais a Cristo? Expressar apenas doutrina não irá atrair
ninguém. E importante que primeiramente tenhamos ex­
perimentado o que falamos. Isso fará com que nossas
palavras tenham realidade, o que provocará verdadeira
apreciação por parte de quem ouve. Para que atraiamos as
pessoas a Cristo é necessário que O apresentemos. Seja
através da palavra falada, seja da escrita, não deixemos de
apresentar o valor de nosso amado Senhor com todas as
Suas riquezas.
DERRAMANDO-SE POR LIBAÇÃO 133

Às filhas de Jerusalém, a amada respondeu: “O meu


amado desceu ao seu jardim, aos canteiros de bálsamo,
para pastorear nos jardins e para colher os lírios” (Ct 6:2).
O jardim do Senhor é, na verdade, esse cristão. Seu
Amado o havia chamado de jardim fechado (4:12), e
agora, por ter-se levantado e buscado ao Senhor, Ele o
apascentava e dele cuidava. Além disso, esse cristão está
encorajando os outros a também serem um jardim e lírios
para o Senhor. E por ter reencontrado o Senhor, esse
cristão declara: “Eu sou do meu amado, e o meu amado
é meu; ele pastoreia entre os lírios” (6:3). O Senhor
pastoreia os lírios para que eles amadureçam, não sendo
apenas pessoas que louvam ao Senhor, mas para que se
tornem um jardim fechado, pessoas que são para Seu
exclusivo desfrute.
Ao final desse estágio, a amada aprendeu a necessida­
de de ser vigilante. Apesar de ser madura, ela falhou em
ficar ponderando em si mesma, considerando a determi­
nação e o chamamento do Senhor de acordo com sua
alma. Por causa de um momento de consideração assim,
o cristão representado pela amada perdeu a presença do
Senhor. Por isso, precisamos ser vigilantes, a fim de não
sermos distraídos com as nossas considerações, e respon­
dermos ao Senhor rapidamente, em nosso espírito. Toda
vez que Ele nos chamar, devemos reagir prontamente,
vestindo nossa túnica outra vez e calçando nossos pés com
o evangelho da paz (Ef 6:15), pois são muito formosos os
pés de quem anuncia coisas boas (Rm 10:15). Como
resultado, o Senhor virá a nós, apascentar-nos. Que doce
experiência!
Capítulo Sete

VEN CEDO R

Leitura da Bíblia: C t 6 :4 — 7 :9

Passo a Passo

Muitos cristãos desejam amadurecer rapidamente,


vencer de um momento para outro todas as suas fraque­
zas e ter uma fé constante e inabalável no Senhor. No
entanto, o livro de Cântico dos Cânticos mostra que
nossa experiência espiritual, da salvação até a maturida­
de, é gradativa, desenvolvida passo a passo. Mesmo que
cheguemos a determinado estágio de maturidade espiri­
tual, nunca podemos considerar-nos prontos, como se
não houvesse mais lições a aprender.
Como já vimos anteriormente, mesmo depois de ser
considerado a esposa do Senhor, o cristão representado
pela amada ainda precisa aprender lições de cruz. Ele já não
vive mais pelo velho homem, mas totalmente pelo novo
homem. A esse cristão, o Senhor chamou para cooperar
com Ele. No entanto, por considerar ser suficieníte perma­
necer como jardim do Senhor e dar-Lhe desfrute, por
pensar ser suficiente ter ganho mais de Cristo, esse cristão
não atendeu ao chamamento do Senhor e perdeu Sua
presença.
Por que a Bíblia nos encoraja tanto a ganhar mais de
Cristo? Para que sejamos mais ganhos por Ele. O Senhor
136 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

deu-nos a Sua vida e faz com que essa vida cresça em nós,
não meramente para nosso proveito próprio, mas para que
possamos trabalhar juntamente com Ele. Para isso, precisa­
mos estar vigilantes. Aos nossos olhos, podemos estar
suficientemente maduros e, por isso, não atendermos
prontamente ao chamamento do Senhor para cooperar
com Ele. A falha do cristão representado pela amada foi
exatamente não estar preparado, não estar vigilante e
atento. Devemos saber que no tempo que antecede à volta
do Senhor, que é o tempo em que vivemos, o Senhor tem
muita necessidade de cooperadores, a fim de divulgar Sua
Palavra.
Em Mateus 24 lemos que, na Sua vinda, o Senhor
arrebatará alguns cristãos: dois cristãos estarão no campo,
um será deixado, e outro tomado; duas cristãs estarão no
moinho, uma será tomada e outra será deixada. Os que
serão arrebatados não estarão lendo a Bíblia ou orando,
mas serão pessoas que trabalham como todas as outras. Por
que, então, foram eles os escolhidos? Porque espiritual­
mente eles são maduros. Isso significa que além de terem
sido regenerados, eles permitiram que o Espírito Santo se
expandisse de seu espírito para sua alma1. Se esse não for
nosso caso, o Senhor terá de deixar-nos na terra, a fim de
amadurecermos durante a grande tribulação.
Amadurecer e sermos arrebatados dependem inteira­
mente de nossa genuína busca ao Senhor. Em tudo o que
fazemos, nosso coração deve estar voltado para o Senhor.
Por exemplo, enquanto lê a Bíblia ou enquanto ouve uma
mensagem sobre ela, onde está seu coração? Você sim­
plesmente ouve e analisa as palavras, satisfeito em ter

1N. do R.: Recomendamos a leitura dos livros O Grande Prêmio, compilado por Pedro
Dong, e A Plena Salvação de Deus, de Dong Yu Lan, que apresentam com mais
detalhes esse assunto.
VENCEDOR 137

entendido, ou exercita seu espírito a fim de ser iluminado


e transformado pela Palavra viva? É insuficiente entender­
mos a Palavra de Deus — precisamos aplicá-la a nós
mesmos a todo tempo. Precisamos ir ao Senhor, à luz do
que temos visto em Cântico dos Cânticos, e perguntar-
Lhe: “Senhor, em que estágio estou? Senhor, atrai-me para
que eu Te busque com diligência, incansavelmente”. Isso
não é entrar em introspecção, mas é responder de maneira
prática à luz da Palavra de Deus.
Precisamos ter nossa alma totalmente saturada pelo
Espírito Santo. Não basta analisar e entender a Bíblia
nem ter nossa emoção tocada pelo Senhor em uma
reunião; podemos concordar e chorar, mas isso não é
suficiente — precisamos prosseguir para que nossa alma
seja totalmente saturada pelo Espírito de Deus. Desse
modo, nossa mente será a mente de Cristo, nossa emoção
amará apenas o que Deus ama e nossa vontade aceitará
totalmente a vontade de Deus. Com isso, estaremos
preparados para a vinda do Senhor. Entretanto, mesmo
que estejamos em uma situação assim, ainda precisamos
vigiar, pois não sabemos quando o Senhor virá. Portanto,
devemos vigiar a todo tempo.

Cooperando com o Amado

Após reencontrar seu Amado, o cristão representado


pela amada, além de perceber que é o jardim do Senhor,
decide cooperar com Ele no apascentar os lírios. Agora,
quando o Amado trabalha, esse cristão trabalha com Ele.
Antes esse cristão havia desfrutado o nível espiritual mais
elevado, que era estar no Santo dos Santos, em comunhão
constante com o Senhor. Isso levou o Senhor a considerá-
lo Sua noiva, Sua esposa, e chamou-o também de guerrei­
138 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

ro. Mas quando ele foi chamado para sair e cooperar com
seu Amado, não estava vigilante. Isso o conduziu a uma
lição mais profunda de cruz e a um conhecimento mais
profundo do Senhor Jesus, pois nessá situação teve de
considerar seriamente o que o Senhor era para ele.
Agora esse cristão está totalmente identificado com
Deus, pois preocupa-se, juntamente com Ele, com o
rebanho a ser pastoreado. Mas, além de atender a necessi­
dade de Deus em relação às Suas ovelhas, cuidar de Seu
rebanho traz muitas lições. Essas lições não são aprendi­
das quando estamos a sós com o Senhor, mas quando
estamos pastoreando, servindo às ovelhas. Essa foi a
experiência do apóstolo Paulo. Em 2 Coríntios 6:1, ele
fala na qualidade de cooperador com Deus e exorta
aqueles irmãos, aquelas “filhas de Jerusalém”, a também
cooperar com o Senhor. Paulo era um com o Senhor ao
pastorear as igrejas. Como Paulo pastoreava? Não por
meio da repreensão ou do exercício da autoridade, mas
especialmente à maneira dos lírios: ele falava aos irmãos
e os conduzia a louvar a Deus e a receber a Sua Palavra.
Nos versículos 3 e 4, Paulo diz que os cooperadores
de Deus não devem dar nenhum motivo de escândalo
para que o ministério não receba qualquer tipo de
censura; pelo contrário, em todas as coisas, em todo o seu
viver, devem recomendar-se a si mesmos como ministros
de Deus. Logo depois, ele enumera as características do
ministério de um verdadeiro cooperador de Deus. Hoje,
muitos relacionam o servir a Deus ao sucesso, grandes
obras, reconhecimento popular e riquezas. Paulo, no en­
tanto, diz que ele se recomendava como ministro de Deus,
não em meio à abundância, mas “na muita paciência, na»
aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas
prisões, nos tumultos, nos trabalhos, nas vigílias, nos
VENCEDOR > : '139
\ .

jejuns, na pureza, no saber, na longanimidade, na bondáde,


no Espírito Santo, no amor não fingido, na palavra da
verdade, no poder de Deus; pelas armas da justiça, quer
ofensivas, quer defensivas; por honra e por desonra, por
infâmia e por boa fama: como enganadores, e sendo verda­
deiros; como desconhecidos, e entretanto bem conhecidos;
como se estivéssemos morrendo e contudo eis que vivemos;
como castigados, porém não mortos; entristecidos, mas
sempre alegres; pobres, mas enriquecendo a muitos; nada
tendo, mas possuindo tudo” (vs. 4-10).
Assim como a amada, Paulo aprendeu muitas lições
preciosas por meio dos sofrimentos, que serviram para
tirar suas impurezas, sua vida natural. E as tribulações
pelas quais Paulo passava eram resultado de ele apascen­
tar o rebanho de Deus. Os versículos mencionados acima
mostram como era atribulada a vida de Paulo, mas eram
tribulações resultantes de estar no jardim de Deus,
pastoreando o rebanho de Deus. Em 2 Coríntios 11:23-
29 ele novamente apresenta suas credenciais como minis­
tro, como cooperador de Deus: os sofrimentos por
pastorear o rebanho de Deus. Paulo não estava vanglo­
riando-se diante dos homens, ao falar dos seus sofrimen­
tos, pois conhecia sua fraqueza — ele sabia que por si só
jamais poderia suportar tanta tribulação. Mas a graça do
Senhor lhe bastava (12:9). Injúrias, necessidades, perse­
guições, angústias — a maioria das pessoas não suporta­
ria isso que Paulo sofreu, mas ele se alegrava nessas
coisas. Por quê? Porque podia cooperar com o Senhor em
Seu cuidado pelo rebanho. Paulo não carregava esse peso
sozinho, mas o Senhor o carregava com ele.
Atender ao chamamento do Senhor para cooperar­
mos com Ele, é um claro sinal de maturidade. Má dois
fatos importantes: precisamos ser chamados pelo Senhor
140 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

e devemos cooperar com Ele. Muitos cristãos tomam a


iniciativa de fazer coisas para Deus, sem terem sido
chamados por Ele, e realizam tais obras independente­
mente de Deus, sem buscar Sua luz e direção. Isso não é
correto. Precisamos servir ao Senhor à Sua maneira e com
Ele. Isso é maturidade espiritual.

Pronta para Reinar

Depois de ter reencontrado o Senhor e depois de ter


sido despertado para a necessidade que Ele tem de sua
cooperação, o cristão representado pela amada é louvado
pelo Senhor: “Formosa és, amada minha, como Tirza,
aprazível como Jerusalém, imponente como um exército
com bandeiras” (Ct 6:4 - IBB-Rev.). Tirza, anos após a
morte de Salomão, foi a cidade onde Jeroboão, rei de
Israel, morou (1 Rs 14:12, 17), tomando-se, posterior­
mente, capital do reino de Israel (1 Rs 15:3 3 ;1 6 :8,15,23)..
Pelo versículo de Cântico dos Cânticos, podemos deduzir
que Tirza era uma cidade muito bonita, comparável a
Jerusalém, a capital do reino de Judá. A referência à cidade
de Jerusalém denota que a amada está plenamente madura
e pronta para reinar juntamente com o Senhor. Ela é
como a capital do reino, o lugar onde a autoridade de
Deus é manifestada.
A amada é também imponente como um exército
com bandeiras, que são bandeiras de vitória. Ela não é
apenas como um exército que vai à guerra, mas é um
exército vencedor. Que ela venceu? Esse exército venceu
as ciladas do inimigo e seus dardos inflamados (Ef 6:11,
16), mas sua vitória mais importante foi sobre ela mesma,
venceu sua introspecção e sua falta de vigilância — ela foi
totalmente vencida por Cristo.
VENCEDOR 141

O mesmo ocorreu com Paulo. No caminho para Da­


masco, o Senhor apareceu a ele e lhe disse: “Saulo, Saulo, por
que me persegues?” Paulo lhe disse: “Quem és tu, Senhor?”,
talvez arrazoando consigo mesmo que nunca perseguiu a
Jesus, apenas ia prender os que invocavam o Seu nome.
Jesus tornou a falar-lhe, dizendo: “Eu sou Jesus, a quem tu
persegues”. Paulo nunca havia perseguido diretamente ao
Senhor Jesus, mas tinha carta de autorização do sumo
sacerdote para prender aqueles que criam. Então ele perce­
beu que perseguir os crentes era perseguir o próprio Cristo.
Isso foi como ver as marcas dos cravos, pois Paulo viu o
resultado da morte do Senhor: a igreja, o Corpo de Cristo
formado pelos cristãos. A partir disso, Paulo começou a
seguir totalmente ao Senhor Jesus e não foi desobediente à
visão celestial de Cristo e a igreja (At 26:19). Muitas vezes ele
sofreu a ponto de não mais agüentar (2 Co 1:8), mas quando
relembrava o sinal dos cravos nas mãos do Senhor, Paulo era
restaurado e levantava a bandeira da vitória de Cristo.

Teu Olhar me Perturba!

A amada de Cântico dos Cânticos retrata muito bem


a experiência de Paulo. Ambos passaram por muito
sofrimento até chegarem à maturidade. Pessoas assim
constrangem o coração do Senhor e O conquistam. Por
isso, Ele diz: “Desvia de mim os teus olhos, porque eles
me perturbam” (Ct 6:5). Será que o Senhor não queria
que ela olhasse para Ele?
Por um lado, esse pedido implica que a amada olhava
para seu Amado. No Novo Testamento, somos exortados
a olhar firmemente para Jesus (Hb 12:2). Enquanto
Pedro olhava para o Senhor, era-lhe possível andar por
sobre as ondas, mas quando desviou seu olhar para a força
142 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

do vento ao seu redor, imediatamente começou a afogar-


se (Mt 14:28-30). Portanto, em olhar somente para Jesus
estão nossa segurança e salvação.
Por outro lado, ao pedir para a amada desviar de Si
o olhar, o Senhor, na verdade, deseja que ela olhe mais e
mais para Ele. Ele não deu a ela uma ordem para que O
fitasse, mas pedindo dessa maneira, isso despertaria nela
um desejo espontâneo de olhar para Ele. O Senhor,
agora, pode confiar no amor do cristão representado pela
amada; sabe que ele não se permitirá mais perder a presença
do Senhor por qualquer razão. Mesmo que o Senhor
realmente o proibisse de olhar para Ele, ainda assim esse
cristão fitaria seu Amado.
Há outras situações na Bíblia em que Deus provoca
uma reação em Seus escolhidos, por meio de uma aparen­
te proibição ou restrição, com o objetivo de despertar-
lhes a busca. Em Gênesis 32, por exemplo, há um caso
assim. Encontramos ali o relato da luta entre Jacó e Deus,
a quem Deus não conseguiu vencer, mas conseguiu
apenas tocar a articulação de sua coxa, que representa sua
força natural. Ao raiar do dia, Deus disse a Jacó: “Deixa-
me ir”. Com isso, Deus, na verdade, queria provocar uma
reação em Jacó, para que ele Lhe pedisse: “Não vá, fique
mais um pouco”, pois Ele queria abençoar Jacó.
Em Êxodo 32 encontramos outro relato semelhante.
Esse trecho registra o povo de Israel adorando um bezerro
de ouro, enquanto Moisés estava com Deus no monte
Sinai. Por um lado, Deus amava Seu povo e não queria
destruí-lo, pois o havia escolhido para Si; por outro, Deus
precisava discipliná-lo por causa da idolatria. Disse Deus a
Moisés: “Tenho visto a este povo, e eis que é povo de dura
cerviz. Agora, pois, deixa-me; para que se acenda contra
eles o meu furor, e eu os consuma; e de ti farei uma grande
VENCEDOR 143

nação” (vs. 9,10). Deus queria mesmo exterminar Israel?


Na verdade, ao falar isso e acrescentar que faria de Moisés
uma grande nação, Deus queria provocar uma reação em
Moisés. O líder do povo, então, orou e intercedeu pelo
povo, e “se arrependeu o Senhor do mal que dissera havia
de fazer ao povo” (v. 14).
Portanto, em Cântico dos Cânticos 6:5a, está manifes­
tado o desejo do Senhor de que Sua amada O olhe mais e
mais, que ela tenha apenas a Ele diante de seus olhos, pois
isso desperta Seu amor por ela.

Submissa e Sorridente

O Amado diz ainda de Sua amada: “O teu cabelo é


como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de
Gileade” (Ct 6:5b - IBB-Rev.). Isso já havia sido dito para
a amada no capítulo 4, referindo-se à sua completa submis­
são. Tal elogio demonstra quão importante é para Deus
nossa submissão, e que só podemos cooperar com Ele e
considerar-nos verdadeiramente maduros quando apren­
demos a obedecer-Lhe.
A menção dos dentes brancos e limpos (v. 6), como
ovelhas lavadas que produzem gêmeos e das quais nenhuma
há sem cria, denota que a amada constantemente fala com o
Senhor, constantemente O louva e está sorridente, satisfeita,
em Sua presença. Por ser submissa ao Senhor, ela não fica
com o semblante descaído, mesmo em meio aos sofrimen­
tos e dificuldades, mas está sempre feliz com o que seu
Amado lhe tem dado. Dentes, gêmeos e crias denotam que
quando estamos enchidos com a vida do Senhor, nosso falar
tem o poder de reproduzir, de transmitir a vida divina.
Quando abrimos a boca, espontaneamente fluem palavras
de vida e edificação. Esta é a genuína pregação do evangelho:
144 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

gerar Cristo nas pessoas que nos ouvem. O poder


multiplicador e gerador de vida da Palavra de Deus está em
nossas palavras.
Por ser submissa ao Senhor e por falar palavras cheias
de vida, o rosto da amada, por trás do véu, manifesta vida
e vigor, representados pelas metades da romã (v. 7 - IBB-
Rev.). Ao partirmos uma romã, vemos a grande quantida­
de de sementes que ela tem. Isso representa a abundância
da vida de Deus. O Senhor Jesus disse que veio a nós para
que tenhamos vida, e a tenhamos em abundância (Jo
10:10). Da mesma forma, a cor das sementes da romã, em
tons avermelhados ou rosados, expressa o vigor da vida.
Um cristão que tem experiências com a vida de Deus
demonstra isso até mesmo em seu rosto. Esse é o resultado
espontâneo de quem conhece o Senhor de maneira viva,
além do véu.

Nuvem de Testemunhas

“Sessenta são as rainhas, oitenta as concubinas, e as


virgens sem número” (v. 8). Quem são essas? São as filhas
de Jerusalém que seguiram a amada em sua busca pelo
amado. Quando viram o amado, elas também testificaram
dele e da amada. São como a nuvem de testemunhas
mencionada em Hebreus 12:1, formada por todos os santos
do Antigo Testamento e do Novo Testamento, que
testificaram de Deus e estão aguardando o dia de receber sua
coroa juntamente conosco. Alguns deles são citados no
capítulo 11: Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José2
e Moisés entre outros. Todos os fiéis a Deus ao longo dos
séculos são como uma grande nuvem que nos rodeia,
2 N. do R.: O livro A Economia de Deus em Gênesis — Os Sete Dias da Criação, de
Dong Yu Lan, apresenta uma importante relação espiritual entre estes sete homens
e os sete dias da criação.
VENCEDOR 145

testificando que vale a pena seguir o Senhor e, até mesmo,


morrer por Ele, testemunhando do amor do Senhor e da Sua
necessidade de que cooperemos com Ele. Quando conside­
rarmos a obra de Deus pela edificação da igreja muito difícil,
devemos lembrar-nos dos que cooperaram com Deus antes
de nós, dos que se deram por Ele. Assim, seremos encoraja­
dos a desembaraçar-nos de todo peso e do pecado que nos
assedia, para correr com perseverança a corrida que o
Senhor propôs a nós (12:1). A coroa da justiça está guarda­
da para cada um deles, esperando o dia em que todos nós,
juntos, a receberemos (2 Tm 4:8). Esse dia será de louvor,
glória e honra, quando o valor de nossa fé será confirmado
(1 Pe 1:7, 8).

Formosa e Pura

Mesmo havendo tantos santos, o Senhor diz de Sua


amada: “Mas uma só é a minha pomba, a minha imaculada,
de sua mãe a única, a predileta daquela que deu à luz;
viram-na as donzelas e lhe chamaram ditosa; viram-na as
rainhas e as concubinas, e a louvaram” (Ct 6:9). Quão
doce é o amor do Senhor por nós! Ele nos ama como se
não houvesse mais ninguém no universo. O Senhor ama
a cada um de Seus fiéis e esse amor é único e especial.
Aleluia! Por outro lado, esse elogio indica a maturidade
do cristão representado pela amada em relação aos demais
cristãos, representados pelas donzelas, rainhas e concubinas
que também a louvaram.
No versículo 10, outro aspecto da amada é louvado:
“Quem é esta que aparece como a alva do dia, formosa como
a lua, pura como o sol, formidável como um exército com
bandeiras?” A lua não tem luz própria, ela apenas reflete a luz
do sol. Por isso, na Bíblia, o sol, que é a luz do mundo,
146 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

representa Cristo (Ml 4 :2 ;J o 8 :1 2 ).A lua, por sua vez,


representa a igreja, que não tem luz própria, mas manifesta
a luz da glória de Cristo. Por causa da abundância da vida
de Deus que há na amada, ela consegue expressar a beleza
da lua, isto é, a igreja, e a beleza do sol, isto é, o brilho do
conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (2 Co
4:6). Portanto, a amada, por ser cooperadora de seu Amado,
vive para Ele e para a igreja, Seu rebanho.
Isso faz a amada formidável como um exército com
bandeiras — ela é uma vencedora. Sua vida manifesta a
vitória do Senhor Jesus, desfilando com Ele na Sua
procissão triunfante. O Senhor é vencedor, por isso a
igreja também é vencedora; o noivo é vitorioso, por isso
a noiva também é vitoriosa. Isso é excelente e maravilho­
so! Amado e amada estão totalmente mesclados, não
apenas por terem a mesma vida, mas por terem agora os
mesmos interesses e objetivos. A amada agora vive plena­
mente o fato de ter morrido juntamente com Cristo, de
ter sido sepultada juntamente com Cristo, de ter sido
ressuscitada juntamente com Cristo e de estar assentada
juntamente com Cristo nos lugares celestiais. Mas além
de todos esses maravilhosos fatos espirituais, ela coopera
juntamente com Cristo em Seu jardim, proclamando a
vitória de Cristo por onde quer que vá. Isso denota a
maturidade do cristão representado pela amada.

Indo Para Quebrar a Casca das Nozes

A amada é o jardim do Senhor, e o Senhor é o


responsável por cuidar desse jardim. No primeiro está­
gio, esse cristão preocupava-se demais consigo mesmo,
cuidando apenas de sua própria vinha. No terceiro
estágio, por ter obtido algum crescimento espiritual, ele
VENCEDOR 147

acabou fechando-se em introspecção, para manter o que


ganhara do Senhor. Agora, porém, esse cristão representa­
do pela amada diz: “Desci ao jardim das nogueiras, para
mirar os renovos do vale, para ver se brotavam as vides,
se floresciam as romeiras” (Ct 6:11).
Esse cristão saiu do seu jardim, deixou de preocupar-
se somente com sua própria vinha e seguiu o Senhor para
cuidar de outras vinhas, até mesmo em outras cidades.
Ele está disposto a cuidar de outras pessoas, mesmo que
elas sejam difíceis, duras como nozes. Há um bom fruto
escondido pela dura casca da noz. Isso é como muitos
cristãos que não têm crescido espiritualmente, que não
têm permitido que a vida de Deus flua deles por causa da
casca de seu ego e da vida da alma. O Senhor precisa da
cooperação desse cristão para ajudar esses irmãos a rompe­
rem sua casca, permitindo que Deus flua livremente deles.
As nogueiras também representam aqueles irmãos que têm
experiência espiritual com o Senhor e são cheios de supri­
mento espiritual para os outros, mas têm dificuldade de
manifestar isso. Para desfrutar do suprimento interior que
eles têm é necessário quebrar sua casca dura, o que não é
uma tarefa fácil. Isso não ocorre pela força, mas é preciso
usar muito carinho e muita sabedoria. A melhor forma para
que a casca de alguém seja quebrada é supri-lo com a vida
de Deus e com a verdade revelada da Palavra de Deus. Não
podemos ser apressados; no tempo certo a casca se rompe­
rá e poderemos desfrutar da vida que há dentro dessa noz.
Devemos apenas fazer nossa parte: ministrar a vida e a
verdade divinas com muita oração.
Esse cristão não se satisfaz mais em estar apenas no seu
jardim, mas vai para outras cidades, cuidar de outros
jardins, para ver como os irmãos novos (os renovos do
vale) estão vivendo em meio às dificuldades e mesmo para
148 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

ver se os irmãos mais maduros continuam manifestando a


beleza de Cristo (as romeiras florescendo). Esse cristão é
como-os ramos de uma videira que se espalham por cima
dos muros (Gn 49:22), saindo de seus limites e alcançando
a muitos com a vida de Deus. Por haver crescimento de
vida nesse jardim, essa vida cresce e se espalha para outros
lugares, alcançando o jardim das nogueiras, os vales, as
vinhas e as romeiras. A amada do Senhor agora preocupa-
se com os outros, mais do que consigo mesma.
“Antes de eu o sentir, pôs-me a minha alma nos carros
do meu nobre povo” (Ct 6:12 - IBB-Rev.). Que carro era
esse? Era o palanquim feito por Salomão (3:9,10). Quan­
do começou a preocupar-se com outras igrejas e com
outros irmãos, talvez esse cristão tenha pensado que estava
indo sozinho. Mas sem ele perceber, o Senhor estava indo
junto com ele. Antes de ele sentir, já se encontrava no carro
do seu nobre povo, seguindo o Rei, indo para vários
lugares, levando esse exército formidável para testemu­
nhar da vitória do Senhor.

Sulamita, Volta!

“Volta, volta, ó Sulamita, volta, volta, para que nós te


contemplemos” (6:13a). Quem está pedindo à amada que
volte? São as filhas de Jerusalém, os cristãos mais imaturos,
com menos experiências com o Senhor. Pela primeira vez,
a noiva é chamada por um nome: Sulamita. Sulamita tem
o mesmo radical de Salomão, o qual significa paz. Isso
indica que ambos têm a mesma origem, a mesma vida e são
totalmente um (cf. Hb 2:11). Agora o cristão representado
pela amada está tão permeado pela vida do Senhor, tão
mesclado com Ele em seu viver cotidiano, que os outros
cristãos reconhecem ser ele uma “Sulamita”. É como se lhe
VENCEDOR 149

dissessem: “Irmão, deixe-nos contemplar você. Âgora


você manifesta tão plenamente o Senhor, em todos os seus
atos, em sua cooperação com Ele na obra de cuidar do
rebanho. Você é como uma cópia Dele”.
O desejo de Deus é conformar-nos à imagem de Cristo
para sermos como Ele é (Rm 8:29; 1 Jo 3:2). Isso se
processa dia a dia, em cada situação que o Senhor, soberana
e amorosamente, prepara para nós. Cada vez que negamos
a nós, cada vez que aceitamos o trabalhar da cruz, cada vez
que nos voltamos ao espírito para ter comunhão com
nosso Amado, somos um pouco mais conformados à Sua
imagem. No entanto, precisamos aprender com a amada:
não devemos esperar que os outros nos reconheçam como
uma “Sulamita”, como um cristão maduro, como alguém
que expressa Deus. Alguns cristãos almejam transformar
sua “maturidade” em um título, a fim de serem reconheci­
dos pelos outros. No entanto, isso é contrário ao genuíno
caráter cristão. >, .

Maanaim

A resposta da Sulamita às filhas de Jerusalém tem


/profundo e prático significado espiritual: “Por que quereis
olhar para a Sulamita como para a dança de Maanaim ?” (Ct
6:13 - IBB-Rev.). Ao contemplarem a Sulamita voltar, as
\sessenta rainhas, as oitenta concubinas e as virgens viram a
dança de Maanaim. Maanaim significa dois bandos ou dois
acampamentos, como vemos em Gênesis 3 2 :1 ,2 , referin­
do-se ao grupo de Jacó e ao grupo dos anjos. Por outro v
lado, na Bíblia, muitas vezes as danças são uma expressão
de vitória (Êx 15:20; 1 Sm 18:6; 2 Sm 6:12-16, 20-23).
Para entendermos mais claramente a aplicação espiritual de
Maanaim, vamos ver sua primeira menção na Bíblia.
150 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Após trabalhar na casa de Labão, seu tio e sogro, Jacó


resolveu retornar para a sua terra. Saiu, então, com suas
mulheres, filhos e rebanhos. Labão, descontente por ter
Jacó partido sem nada lhe falar, movido também pela
inveja de ter seu genro enriquecido muito, partiu atrás
dele. Antes de encontrar Jacó, Labão foi repreendido por
Deus, que lhe disse para nada fazer contra seu sobrinho. Ao
encontrarem-se, ambos estabeleceram entre si uma aliança,
e, depois, Labão partiu. “Também Jacó seguiu o seu cami­
nho, e anjos de Deus saíram a encontrá-lo. Quando os viu,
disse: Este é o acampamento de Deus. E chamou àquele
lugar Maanaim” (G n 3 1 :l — 32:2).
Maanaim, portanto, foi um marco na vida de Jacó.
Jacó, o escolhido de Deus, era um suplantador, e Deus
queria transformá-lo em Israel, o príncipe de Deus. A
primeira etapa da transformação de Jacó foi marcada pelos
sofrimentos causados por suas duas esposas e duas
concubinas e por Labão. Após essa etapa, Jacó encontrou-
se com os anjos de Deus no lugar que chamou de Maanaim.
No entanto, Deus ainda não terminara a Sua obra de
transformação em Jacó. Pouco depois Jacó lutou com
Deus no vau de Jaboque. Ali Deus tocou no nervo da coxa
de Jacó, deixando-o manco. A partir daquele dia, mesmo
que tentasse disfarçar ou ocultar, havia em Jacó uma marca
visível da transformação, uma marca de que ele havia sido
tocado por Deus.
Assim, aplicando estes fatos à menção de Maanaim em
Cântico dos Cânticos, podemos dizer que a Sulamita
estava alertando os outros cristãos a que não atentassem
tanto ao que ela vinha fazendo para o Senhor. É como se
ela estivesse dizendo àqueles cristãos: “Por misericórdia de
Deus, tenho tido algumas vitórias na obra de Deus. Mas
não fiquem olhando somente para a vitória, para a obra
VENCEDOR 151

que tenho realizado. Vocês estão olhando para a vitória


expressa pela dança, mas o mais importante é que vocês
percebam que Deus tem trabalhado em mim. O que impor­
ta não é o que faço para Deus, mas o que permito que Ele
faça em mim. Maanaim é apenas parte do que Deus quer
fazer em mim; ainda há muito para Ele ganhar em meu ser”.
Não podemos dar atenção excessiva para a obra, mas
precisamos atentar primeiramente para a transformação
operada por Deus na pessoa que executa a obra. A ênfase
de Cântico dos Cânticos não está na obra, nas realizações,
mas no operar de Deus no cristão. Não importa que obra
fazemos, o que importa é: Através da obra que fazemos
para Deus nós crescemos em vida? amadurecemos espiri­
tualmente? ou somos apenas “crianças” hábeis? Não po­
demos apenas ficar nos alegrando por causa da boa obra e
dançar, mas precisamos atentar para quem está dançando.
Os cristãos hoje são muito atraídos por obras, mas poucos
atentam para o genuíno crescimento espiritual. Por isso,
precisamos ser despertados pela exortação da Sulamita
neste versículo.

As Virtudes da Amada

Calçada para a Pregação do Evangelho

“Que formosos são os teus passos dados de sandálias,


ó filha do príncipe” (Ct 7:1). O Amado não diz que os pés
são bonitos, mas, sim, que são formosos os passos dados de
sandália. Isso está relacionado à pregação do evangelho (Ef
6:15). Nossos pés só se tornam formosos quando saímos
para pregar o evangelho (Rm 10:15).
O capítulo 10 de Romanos apresenta de maneira clara
e simples o caminho da salvação. Como as pessoas podem
152 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

ser salvas? Invocando o nome do Senhor (v. 13). Mas por


que elas invocariam? Por terem crido no Senhor (v. 14). No
entanto, para crer no Senhor, as pessoas precisam ouvir
sobre Ele. E quem vai fazer com que elas ouçam e creiam?
Aqueles que pregam o evangelho (v. 14). Para que estes
preguem^ precisam ser enviados, pois “quão formosos são
os pés dfc>s que anunciam cousas boas!” (v. 15). Isso é um
encorajamento de Paulo. Na verdade, todos os cristãos são
enviados por Deus a pregar o evangelho, e Paulo diz que o
Senhor não olha para nossa aparência exterior nem olha
para quantas coisas fizemos para Ele, mas atenta para nossos
passos. Ele deseja que onde quer que formos, ali seja
pregado o evangelho, levando as pessoas a invocar o nome
do Senhor, a reconhecer Jesus como o Senhor.
Devemos louvar ao Senhor por Lhe sermos úteis. Ele
enviou a cada um de Seus redimidos para pregar o evange­
lho. Todavia, devemos atentar para o evangelho que pre­
gamos. Não devemos apresentar às pessoas simplesmente
o evangelho da paz, o evangelho que diz que elas não irão
mais para o inferno ou que após receberem o Senhor todos
os seus problemas serão resolvidos. Esse não é o evangelho
do Novo Testamento nem o evangelho que Paulo pregava.
Devemos pregar o evangelho elevado, o evangelho da
igreja, o evangelho do reino (Mt 24:14), o evangelho da
vida. O genuíno evangelho revelado no Novo Testamento
é o que leva as pessoas a viverem a vida da igreja de acordo
com o padrão estabelecido por Deus— uma cidade* uma
igreja. Esse evangelho não apenas salva as pessoas da
perdição eterna* mas assegura sua salvação eterna e as traz
para o reino de Deus, para o governo de Deus sobre sua
vida. Após receberem o Senhor, as pessoas não apenas
mudam seu destino, mas mudam de dono. Antes, viviam
de acordo com o príncipe deste mundo, de acordo com as
VENCEDOR 153

vaidades de seus próprios pensamentos; mas depois de


recéberíem a salvação em Jesus, Ele se torna Senhor delas,
seu Dono, seu Possuidor com direitos absolutos sobíe òs
Séus. •.
Por outro lado, precisamos pregar esse evangelho
também para aqueles que já são filhos de Deus. Paulo disse
aos cristãos da cidade de Roma: “Quanto èstá èm mim,
estou pronto a anunciar o evangelhotambém a vós ou­
tros” (Rm 1:15); Portanto, nao é suficiente apenas ouvir o
evangelho para a salvação; os cristãos precisam saber que
foram salvos para crescer. Além disso, os cristãos foram
regenerados, nasceram de novo, para estar na vida da
igreja, para viver a igreja conforme estabelecido por Deus
no Novo Testamento: em cada cidade, aos olhos de Deus,
existe apenas uma igreja, e é preciso qué seja dadò esse
testemunho da unidade por meio de cristãos que se reú-
nam apenas como a igreja naquela cidade, sem ostentar
nenhum outro nome especial. Precisamos que nossos pés
estejam calçados para pregar esse evangelho elevado.

Trabalhada por Deus


“Os contornos das tuas coxas são como jóias, obr^
das mãos de artista” (Ct 7 :1 - IBB-Rev.). Muitos atentam
para a beleza física, mias essa não tem nenhum valor para
Deus. Deus atenta para o resultado de Seu trabalhar em
nós — o artista mencionado no versículo acima é Deus.
Jacó é um excelente exemplo. Ao chegar ao vale do
Jaboque, suas coxas eram fortes e musculosas, mas muito
feias. Por quê? Porque eram inúteis para Deus, represen­
tando toda a força e habilidade naturais de Jacó. Mas
quándo foi tocado por Deus na articulação da sua coxa,
Jacó tornou-se formoso. Aos olhos de Deus, bonita é urna
coxa manca! Isso é uma obra de artista. O mais difícil para
154 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Deus é conseguir derrotar-nos, conseguir fazer-nos desis­


tir de nossa força natural e de vivermos para nós mesmos.
Todos precisamos almejar ser tocados em nossa coxa por
Deus.
Cheia de Suprimento Espiritual

“O teu umbigo é taça redonda, a que não falta bebida; o


teu ventre é monte de trigo, cercado de lírios” (Ct 7 :2). Aqui
temos bebida, que provavelmente seja vinho, e trigo, do qual
se faz pão. Podemos dizer, então, que aqui há uma referên­
cia a vinho e pão. A primeira menção na Bíblia a vinho e pão
está em Gênesis 14. Depois de derrotar quatro reis e libertar
seu sobrinho Ló, Abraão foi recebido por Melquisedeque,
rei de Salém, que lhe trouxe pão e vinho. De acordo com o
livro de Hebreus, Melquisedeque prefigura o Senhor Jesus
(7:1-3). Portanto, o próprio Senhor nos alimenta quando
vencemos as lutas por Ele. E o resultado disso são os lírios,
o louvor ao Senhor, nossa gratidão por todo o seu supri­
mento espiritual.
Segundo a descrição do Amado, vinho e pão são encon­
trados na amada. Isso significa que após todos os tratamen­
tos e sofrimentos por que passou, e põr ter atingido a
maturidade, o cristão representado pela amada tem um
“bom depósito” interior de alimento espiritual. O conhe­
cimento de Cristo e de Sua Palavra capacitaram-no a ter
um suprimento constante de alimento espiritual para os
irmãos. Por suas palavras e atos, os cristãos são alimenta­
dos com as riquezas insondáveis de Cristo.

Fé e Amor Amadurecidos
A menção dos seios da amada nesse estágio (Ct 7:3)
implica estarem sua fé e seu amor plenamente amadureci­
dos. Isso indica que esse cristão maduro vive pela esperan­
VENCEDOR 155

ça da volta do Senhor (1 Ts 1:3), na certeza de que será


arrebatado por Ele. Enquanto O aguarda, continua viven­
do por fé e amando profundamente o rebanho de seu
Amado.

Submissa e com Discernimento

Antes insubmisso e tão tardio em obedecer, agora o


cristão representado pela amada tem um pescoço como
torre de marfim (Ct 7 :4), indicando que ele foi trabalhado,
esculpido. O Senhor, uma vez mais, destaca a beleza da
submissão. Os olhos da amada, antes como de pombas,
agora são comparados a piscinas, cujas águas são cristalinas
e brilhantes. Seu nariz, como a torre do Líbano, denota
sensibilidade espiritual elevada e cheia de discernimento
ou um “faro” espiritual aguçado. Como vimos no primei­
ro estágio, o nome do Senhor, que representa Sua própria
Pessoa, é como um aroma. Assim, precisamos de
discernimento espiritual para verificar se em determinada
situação, decisão ou ensinamento o Senhor Jesus está
presente ou não. Por ser maduro, esse cristão não é enga­
nado por nada, antes, em tudo exerce seu discernimento,
rejeitando tudo o que não tenha a presença do Senhor.

Amor em Delícias!

“A tua cabeça é como o monte Carmelo” (Ct 7:5). O


monte Carmelo era o lugar onde Elias, o profeta, ficava.
Ali, ele teve profundas experiências de falar por Deus, de
depender Dele e de exercer autoridade em Seu nome.
Portanto, essa comparação indica que a amada depende
de Deus e que seus pensamentos e intenções têm origem
em Deus. Os cabelos da Sulamita são como a púrpura,
indicando sua nobreza e honra por estar totalmente
156 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

identificada com o Senhor. - :


Enquanto Outros atentam apenas para as obras da
amada, Deus revela o que Ele considera realmente impor­
tante: “Um rei está preso nas tuas tranças” (v. 5), isto é, o
próprio Senhor está preso em sua submissão. Não impor­
tam primordialmente as obras, mas o crescimento de vida
que tornou esse cristão totalmente submisso, a ponto de
“prender” o Senhor em suas “tranças”, agora totalmente
de ouro. Por isso, Ele lhe diz: “Quão formosa, e quão
aprazível és, ó amor em delícias!” (v. 6).

Estatura de Cristo

“Esse teu porte é semelhante à palmeira” (v. 7). Em


Efésios 4 lemos que o Senhor deu apóstolos, profetas,
evangelistas e pastores e mestres à igreja, tendo em vista
o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério,
para edificação do Corpo de Cristo. Até que ponto preci­
samos ser aperfeiçoados? “Até que todos cheguemos à
unidade da fé è do pleno conhecimento do Filho de Deus,
ao estado de homem feito, à medida da estatura da pleni­
tude de Cristo” (vs. 11-13 -IBB-Rev.). Portanto, Cântico
dos Cânticos 7 :7 significa que o cristão representado pela
amada atingiu a estatura de Cristo.
“E os teus seios a seus cachos” (v. 7b). Isso corresponde
a Efésios 4:14, que fala de não sermos mais como meninos
espiritualmente. A amada não é mais como uma criança,
cujos seios não estão desenvolvidos. Agora ela está madu­
ra, e sua fé e seu amor são como cachos, são frutíferos e
podem alimentar a outros. A condição dá amada satisfaz seu
Amado de tal formâ que ele deseja desfrutar de sua maturi­
dade e colher os seus frutos (Ct 7:8).
A respiração da amada também é fragrante, exalando o
VENCEDOR 157

bom perfume do conhecimento de Cristo. Para exalar é


preciso primeiro inalar. Durante seu processo de cresci­
mento, ela inalou o bom perfume do conhecimento de
Cristo, ficando totalmente impregnada por ele. Agora, em
maturidade, sua respiração é o próprio perfume inalado.
Isso dá muita satisfação para o Amado de sua alma, que lhe
diz: “Os teus beijos são como o bom vinho” (v. 9a). O bom
vinho é o Espírito que transborda de seu interior para o
desfrute de seu Amado. Não apenas ela desfruta do bom
vinho, como também o derrama para o desfrute de outros
em forma de libação. Em Filipenses 2:17, Paulo diz que
mesmo que fosse oferecido como libação sobre o sacrifício
da fé deles, isso seria de muita alegria e gozo para ambos.
Como já vimos, a libação era uma oferta de vinho que era
derramada sobre as ofertas para intensificar o fogo consu­
midor do sacrifício. Dessa forma, aumentava a coluna de
fumaça que subia como aroma a Deus, tornando-Lhe mais
aceitável o sacrifício da oferta. O próprio Paulo é o vinho,
disposto a dar-se pelos irmãos.
Ao ouvir o reconhecimento do Amado sobre sua
disposição de dar-se como libação, a amada diz: “Vinho
que se escoa suavemente para o meu amado, deslizando
entre seus lábios e dentes” (v 9b). E como se ela dissesse
ao Senhor: “Tu me louvaste, dizendo que meus beijos são
como bom vinho. Pois eu quero que esse vinho escorra
suavemente para Ti, meu Amado”. Ela se derrama para
o desfrute de seu Amado, demonstrando sua consagração
completa, para a alegria mútua deles. Por tal disposição,
esse cristão é um vencedor.
Para muitos, esse estágio é por demais elevado, mas
devemos anelá-lo, devemos entregar-nos totalmente ao
Senhor para que Ele nos amadureça até esse ponto. Que
o Senhor tenha misericórdia de nós e nos faça buscá-Lo
incessantemente até o fim.
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Capítulo Oito

PLENA UNIÃO COM O SENHOR


Leitura da Bíblia: Ct 7 : 10 — 8: 14

Sulamita

Por ser maduro, esse cristão gera muitos frutos para o


desfrute do Senhor. Mas, além de dar frutos em sua própria
vinha, esse cristão também vai para outras cidades, para o
jardim das nogueiras, para os vales, para ver se outras vinhas
brotaram e se as romeiras floresceram. Porém, ao sair para
servir ao Senhor, esse cristão não vai sozinho, mas faz isso
juntamente com seu Amado. Mesmo sem entender total­
mente como isso ocorre, a Sulamita está no mesmo carro
que o rei. Anteriormente, ela apenas seguia o Rei, mas agora
o Rei está com ela, e ambos são totalmente mesclados.
Cooperar com o Senhor não é um fim em si mesmo, mas
é um meio muito eficiente usado por Ele a fim de ganharmos
mais de Sua vida. Em Cântico dos Cânticos 6:13 o Senhor
alerta àqueles que contemplam aSulamita: “Qüè vocês estão
contemplando na Sulamita? Suas obras? Ela tem sido vito­
riosa em cuidar do Meu rebanho e por isso está dançando.
Mas enquanto vocês estão apenas apreciando as obrás, Eu
estou apreciando a completa maturidade de Minha amada.
Eu não atento para a sua obra, não Me importo em saber se
ela falhou ou não. Quando ela falha, isso se torna uma
160 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

oportunidade para Eu levá-la em frente. O que realmente


Me importa é saber se, enquanto Me serve, ela aproveita
todas as oportunidades para crescer em vida, para ganhar
mais de Mim e para depender mais de Mim”.
O cristão representado pela amada agora não é tão forte
em sua vontade como no início de sua vida com o Senhor.
Naquela época, ele era como uma égua, mas agora é um
jardim e uma palmeira. No passado, quando alguém apon­
tava algum erro nesse cristão, ele sempre tinha desculpas
para dar. Por quê? Porque seu homem exterior era muito
forte. Ao longo de sua vida cristã, o Senhor está lutando com
ele para derrotá-lo, subjugá-lo e fazê-lo submisso. Agora que
esse cristão não vive mais por seu velho homem, ele pode
cooperar com Deus.
Para que tenhamos essa experiência, precisamos passar
pela morte. Muitos almejam ser úteis ao Senhor, mas não
aceitam o processo que o próprio Senhor estabeleceu para
fazer-nos úteis: primeiro morrer, para, então, ressuscitar.
Demonstramos quão “vivos” estamos, entre outras situa­
ções, quando não reconhecemos nossos erros, sempre ale­
gando que a culpa é dos outros. Quantos cristãos agem desta
maneira: estão sempre cheios de justificativas, sempre culti­
vando seu ego e amor-próprió, impedindo, assim, o cresci­
mento da vida de Deus neles. Ninguém que vive por si
mesmo ou para si mesmo cresce espiritualmente.
Provavelmente a Bíblia não registra ninguém mais forte
em seu ser natural do que Jacó. Desde o seu nascimento ele
foi ardiloso, sempre dando “jeitinhos” e encontrando saídas
para seus problemas, por ele mesmo. Mas, aleluia!, um dia
ele encontrou-se realmente com Deus. Esse encontro não
foi caracterizado por bênçãos materiais, mas Jacó foi tocado
em sua coxa. Agora ele está coxo. Mesmo que tente agii
como agia anteriormente, ele está coxo, ele tem uma mara
PLENA UNIÃO COM O SENHOR 161

visível de que foi tocado por Deus, e jamais será a mesma


pessoa. Aos olhos de Deus, a partir daquele momento Jacó
tornou-se formoso. Sua coxa tornou-se a obra de um artista.
Todo cristão que ama genuinamente seu Amado Senhor
deve almejar senpor Ele tocado em sua coxa. Enquanto isso
não ocorrer, poderemos estar ainda vivendo por nós mes­
mos, por nossos métodos e opiniões, mesmo quando pen­
samos estar servindo a Deus. Precisamos amadurecer!
Nunca poderemos ressaltar suficientemente este fato
fundamental: Deus não atenta para as nossas obras, mas para
o crescimento espiritual, para o crescimento da Sua vida em
nós. Seu desejo é que cresçamos até o ponto de sermos
totalmente permeados com Sua vida e por ela dirigidos. Se
formos corretos, o que significa estarmos abertos para o
trabalhar de Deus, nossa obra será correta, de acordo com a
Sua vontade. Se estivermos inadequados, vivendo segundo
a nossa vida da alma e de acordo com nosso ego, por melhor
que seja nossa obra, ela será rejeitada por Deus, pois não teve
origem Nele. Deus nos confiou uma obra não apenas para
que a façamos bem, mas principalmente para que cresçamos
em vida.
Em 2 Coríntios, capítulos 6 e 11, Paulo mostra clara­
mente como amadurecemos na obra do Senhor: por meio
de muitos sofrimentos. Se tivermos comunhão com Cristo
nos sofrimentos (Fp 1:29; 3:10), cresceremos em vida. Se
sofrermos sem haver crescimento espiritual, sofremos em
vão. Há cristãos que passam por muitos sofrimentos, mas
por manterem sua cerviz dura e seu ego intocado, não
recebem nenhuma adição da vida de Deus e o tempo de
provação foi vão.
O Senhor Jesus entregou-se totalmente por nós e ainda
hoje vive por nós (Hb 7:25). Por isso, quando o cristão
representado pela amada atingiu a estatura de Cristo, tam­
162 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

bém não vive mais para si mesmo. Há nele um bom vinho (Ct
7:9), não só para seu próprio desfrute, mas é um vinho
ofertado ao Amado e derramado por causa dos irmãos,
como libação. Uma pessoa assim não se oferta somente a
Deus, mas também se oferta à igreja. Esta é a Sulamita.

Saudades!
Por ter um profundo e vivo conhecimento de Cristo, o
cristão representado pela amada pode dizer: “Eu sou do
meu amado, e ele tem saudades de mim” (Ct 7:10). Agora
esse cristão é como a noiva ataviada, pronta para ser despo-
sada por seu noivo. Seu crescimento pleno até a estatura da
plenitude de Cristo a qualifica como a esposa do Cordeiro.
A esposa precisa ataviar-se a si mesma, com linho finíssimo,
que são os atos de justiça (Ap 19:7-9). Esses atos referem-se
a tudo o que fazemos segundo a vida de Deus. Portanto, as
vestes da esposa do Cordeiro, que indicam nossa maturida­
de, são responsabilidade absolutamente nossa. O Senhor já
fez Sua parte, dando-nos Sua vida e o Espírito; de nossa
parte, precisamos permitir que Sua vida cresça em nós, e
viver por ela.

Amor Prático
“Vem, ó meu amado, saiamos ao campo, passemos as
noites nas aldeias” (Ct 7:11). As aldeias representam cida­
des, outros lugares para onde a amada vai com seu Amado
para pastorear. Seu convite ao Amado continua:
“Levantemo-nos cedo de manhã para ir às vinhas; vejamos
se florescem as vides, se se abre a flor, se já brotam as
romeiras; dar-te-ei ali o meu amor” (v. 12). O cristão
representado pela amada não é preguiçoso (cf. Jr 48:10),
mas diligente, assim como Cristo. Cedo de manhã ele sai
para ver se os irmãos cresceram em vida. Esse cristão cresceu
PLENA UNIÃO COM O SENHOR 163

em vida e quer ajudar outros a crescer também. Ele é como


uma romã cheia de vida, e quer ver se os outros cristãos
também estão cheios de vida. Por estar tão plenamente
unido a Cristo, é espontânea nesse cristão a preocupação
pela situação espiritual de outros.
“Dar-te-ei ali o meu amor”, disse a amada ao seuAmado.
Em meio ao cuidado que temos uns pelos outros, demons­
tramos nosso amor pelo Senhor, para Seu desfrute e gozo.
Esse cristão consagrou-se totalmente ao Senhor e demons­
tra seu amor apascentando os rebanhos. Isso lembra-nos o
diálogo do Senhor Jesus com Pedro, registrado emJoão 21.
Por três vezes o Senhor pergunta a Pedro se ele O ama. A
resposta positiva de Pedro, o Senhor lhe diz: “Apascenta os
Meus cordeiros, pastoreia e apascenta as Minhas ovelhas”.
Amar ao Senhor é algo muito prático. Talvez preferíssemos
apenas adorá-Lo em nosso espírito, longe de tudo e de
todos, mas Ele nos diz para cuidar de Seu rebanho, como
prova de nosso amor por Ele. Quando nos preocupamos
com o estado de cada irmão, de cada “cordeiro” ou “ove­
lha”, estamos amando o Senhor.

Filhos

Cântico dos Cânticos 7:13 descreve o ambiente do


encontro do Amado e Sua amada, do qual ela diz: “As
mandrágoras exalam seu perfume; à nossa porta há de todos
os frutos: frutos novos, frutos secos, que eu tinha guardado,
meu amado, para ti” (BJ). O resultado da plena união do
cristão com o Senhor é muitos filhos espirituais. Isso é
denotado pelas mandrágoras. Em Gênesis 3 0 encontramos
referência a essa planta, que tem seu significado espiritual.
Rúben, filho de Lia, uma das mulheres de Jacó, colheu
mandrágoras no campo. Raquel, outra esposa de Jacó, quis
164 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

as plantas e em troca delas, permitiria que Jacó possuísse Lia.


Isso pode soar-nos estranho, mas é preciso lembrar que
naquela época a função primordial do casamento era dar
continuidade à vida por meio de gerar filhos. Assim, após
coabitar com Lia, esta gerou Issacar. Assim, as mandrágoras
representam o casamento e a geração de filhos.
Os filhos da união entre o Senhor e esse cristão são de
todo tipo— há frutos novos, representando cristãos recém-
convettidos, e frutos secos, irmãos mais velhos e maduros.
Como a amada do Senhor, devemos ser férteis, gerando
muitos filhos espirituais para Seu desfrute. Precisamos ter o
coração da Sulamita, de casar-nos com o Senhor para dar-
Lhe filhos, que são reservados para Ele, para Seu exclusivo
desfrute. A vida do Senhor não pode parar em nós, sem
reproduzir-se. Ela precisa fluir de nós a fim de alcançar as
pessoas para gerar novos frutos. Em João 15 somos compa­
rados aos ramos da videira. Para darmos frutos é necessário
que estejamos ligados à videira. Isso, porém, não basta. E
necessário também que os ramos que já frutificaram sejam
podados, para dar frutos mais fortes e melhores. Muitas
vezes fugimos da poda do Divino Agricultor, tornando-nos,
assim, ramos infrutíferos. Se não mudarmos nossa condi­
ção, corremos o risco de ser cortados da videira, que
significa perder o desfrute pleno de Cristo. Quanto mais
frutos geramos para o Senhor, mais Dele desfrutamos.

Um Anelo

O livro de Cântico dos Cânticos poderia terminar aqui,


já que o cristão representado pela amada atingiu a maturida­
de, ele e o Senhor estão em plena união, todas as dificuldades
passaram e filhos já foram gerados. Que mais há a apresentar
sobre a amada? Ela já amadureceu, e em sua maturidade ela
PLENA UNIÁO COM O SENHOR 165

tem um profundo anelo. A Sulamita não vive mais para si


mesma, mas vive para os interesses de seu Amado, e demons­
tra isso por seu cuidado com os outros. Ela está pronta para
desfrutar o milênio com o Senhor e tem experimentado cada
dia, profundamente, a união orgânica com seu Amado.
Nessa situação, ela demonstra seu desejo de experimentar
ainda mais essa identificação plena com o Senhor. Essa é a
aplicação espiritual de Cântico dos Cânticos 8:1a, onde
lemos: “Oxalá fosses como meu irmão, que mamou os seios
de minha mãe!”
Desde o momento da salvação, o cristão torna-se um ser
bastante complexo. Por um lado, ele tem a natureza humana
caída, por outro, é participante da natureza divina (2 Pe 1:4)
e tem a vida de Deus emJesus Cristo (1 Jo 5:12). A vida cristã
que devemos desenvolver a partir da salvação, nada mais é
do que recebermos mais da vida divina, de modo que ela
cresça em nós e se manifeste por meio de nós. Para que
pudéssemos receber a vida divina, o próprio Deus, emJesus,
tornou-se homem (Jo 1:1, 14), participando de carne e
sangue como nós (Hb 2:14). Em outras palavras, Ele parti­
cipou da natureza humana, mas sem pecar, para que nós
pudéssemos participar da natureza divina. O cristão repre­
sentado pela Sulamita tem tido experiência com o Senhor
em muitos aspectos da Sua natureza divina, mas agora ele
deseja vê-Lo como homem, isto é, na Sua humanidade. Ele
aguarda o Senhor na Sua segunda vinda e deseja vê-Lo na
Sua humanidade. Após a encarnação, viver humano, morte
e ressurreição, nosso Deus hoje não só tem a natureza divina,
mas também possui a natureza humana. Estêvão, ao ser
apedrejado, viu os céus abertos e o Filho do homem em pé
à destra de Deus (At 7:56). Aleluia, hoje há uma homem na
glória, que anelamos ver naquele dia!
166 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Descansando

Depois de manifestar seu desejo de mesclar-se mais com


o Senhor, o cristão representado pela amada acaba por
descansar, ao perceber que experimentará isso espontanea­
mente enquanto desfruta mais e mais do Senhor. Em Cântico
dos Cânticos 8:4, o Senhor novamente ordena que não
acordem Sua amada, pois ela está descansando.
Quando a Sulamita despertou, por estar totalmente
unida a seu Amado ela se apresenta como aquela que sobe do
deserto encostada a Ele (v. 5a). Onde ela estava quando foi
despertada? Debaixo da macieira descansando, desfrutando
da sombra e do fruto dessa árvore (v. 5b). Aqui também é
mencionada sua mãe que, com dores de parto, a gerou. Qual
é o significado espiritual disso? Em 1 Tessalonicenses 2:7,8,
Paulo se comparou a uma mãe que amamenta seus filhos,
pelos quais se dispõe a oferecer a própria vida. Podemos
dizer, portanto, que o cristão representado pela Sulamita foi
gerado pelo trabalho de um apóstolo.
Agradecemos muito a Deus pelos apóstolos que Ele tem
levantado para trazer alimento espiritual à Sua igreja, por
meio da revelação na Sua Palavra. Os apóstolos são enviados
pelo Senhor para servir nas igrejas, como mordomos de
Cristo. Assim foi o apóstolo Paulo, que se derramou em
favor das igrejas e por elas sofreu tribulações, muitas vezes
arriscando a própria vida. Lendo com atenção o livro de 2
Coríntios, veremos ali inúmeras situações que ele viveu por
causa do propósito de Deus. No capítulo 11 ele menciona
várias situações enfrentadas, mas nenhuma delas compará­
vel à preocupação que tinha pelas igrejas. Isso demonstra o
amor “maternal” de Paulo pelos cristãos que Deus lhe
incumbira cuidar.
PLENA UNIÃO COM O SENHOR 167

Amor e Ciúme

Nos versículos 6 e 7 de Cântico dos Cânticos 8, o


Senhor procura descrever a intensidade do amor entre Ele
e o cristão representado pela Sulamita. Seu desejo é ser
selado, impresso, esculpido no coração de Sua amada, bem
como em seu braço, para que jamais seja tirado nem esque­
cido. Isso lembra-nos a declaração de Paulo aos coríntios,
quando disse-lhes que eles eram sua carta, escrita em seu
coração, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo (2
Co 3 :2 ,3). Isso é algo que não se pode apagar, é a prova e
a marca profundas do amor que nos une ao Senhor e Ele a
nós.
“O amor é forte como a morte; o ciúme é cruel como o
Seol; a sua chama é chama de fogo, verdadeira labareda do
Senhor” (Ct 8:6 - IBB-Rev.). Por amar-nos, o Senhor tem
profundo ciúme de nós (Tg 4:5). Ele é um Deus zeloso e
ciumento, e Seu amor e Seu ciúme são como fogo consumi­
dor (Hb 12:29). Por nos amar, Ele não aceitará que nada
nem ninguém O substitua em nosso coração. Se alguma
coisa ou pessoa estiver roubando Seu lugar em nosso cora­
ção, então Ele manifestará quão cruel é Seu ciúme (cf. Os
2:5-7,9,11 -14). O amor do Senhor é tão forte e ardente que
as muitas águas não podem apagá-lo nem os rios afogá-lo
(Ct 8:7).

Uma Preocupação

Ao pensar no grande amor do Senhor, uma preocupa­


ção é despertada no cristão representado pela Sulamita:
“Temos uma irmãzinha, que ainda não tem seios; que
faremos a esta nossa irmã, no dia em que for pedida?” (v. 8 a).
Essa irmãzinha representa o cristão que não cresceu espiri­
168 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

tualmente. A fé e o amor desse cristão não cresceram, e a


Sulamita preocupa-se com ele, pois não poderá ser pedido
em casamento pelo Senhor por não estar maduro. Que fazer
para ajudar esse cristão imaturo?
“Se ela for um muro, edificaremos sobre ele uma torre
de prata; se for uma porta, cercá-la-emos com tábuas de
cedro” (v. 9). Muro indica separação. Se esse cristão for
separado do mundo, será possível edificar sobre ele uma
torre de prata. Como já vimos nos capítulos anteriores, a
prata representa a redenção do Senhor. E a torre? Através de
Gênesis 11, podemos dizer que torre tem por função exal­
tar. A torre de Babel foi edificada com tijolos, que simboli­
zam o trabalho humano, com o objetivo de exaltar o nome
do homem. Portanto, a torre de prata é para divulgar o nome
do Senhor, para exaltar Sua redenção. Portanto, se formos
um muro, se formos separados do mundo, em nós o nome
' do Senhor será exaltado.
Outra opção é apresentada a esse cristão imaturo: ser
uma porta. Uma porta pode permitir que coisas do mundo
entrem. Por isso, é preciso cercá-la com tábuas de cedro,
vegetal que simboliza a natureza humana elevada. Mas
mesmo a mais refinada natureza humana não é suficiente
para impedir a entrada das coisas do mundo em nós. Esse
cristão é, afinal, um muro ou uma porta? A irmãzinha
imediatamente responde: “Eu sou um muro, não sou uma
porta. Eu não quero deixar as coisas mundanas entrarem.
Quero ser um muro com torres de prata, para exaltar o
nome do Senhor. Eu invoco o nome do Senhor e, por isso,
tenho certeza de que minha fé e meu amor vão crescer, e eu
estarei pronta para ser desposada por Cristo” (v. 10a).
“Então eu era aos seus olhos como aquela que acha paz”
(v. 10b - IBB-Rev.). Neste momento, aos olhos de Salomão,
essa irmãzinha também é uma Sulamita. Salomão e Sulamita,
PLENA UNIÃO COM O SENHOR 169

em hebraico, têm a mesma raiz que a palavra paz. Portanto,


a irmãzinha, por decidir ser separada do mundo por invocar
o nome do Senhor, acha paz com o Amado e torna-se
madura como a Sulamita. Com isso, ela deixará de ser um
cristão infantil e também poderá participar do reino milenar.
Invocar o Nome do Senhor
s
Gostaríamos de falar um pouco mais sobre invocar o
nome do Senhor. Essa é uma prática espiritual muito saudá­
vel, iniciada pela geração de Adão à época do nascimento de
Enos (Gn 4 :26). Todos os que tinham uma experiência com
Deus invocavam Seu nome, não como um ritual ou hábito,
mas como uma reação espontânea de dependência Dele.
Muitas pessoas criticam aqueles que invocam o nome do
Senhor, pensando que eles estão tomando em vão o Nome
santo. De fato, jamais podemos fazer do invocar o nome do
Senhor um ato vão. Invocar “Senhor Jesus” deve ser uma
atitude tão espontânea e viva quanto respirar, comer e beber.
Paulo disse aos romanos que o Senhor é rico para com todos
os que O invocam (Rm 10:12). Portanto, invocar o nome
do Senhor não é apenas para a salvação, mas também para o
crescimento de vida. Cada vez que invocamos Seu nome
com realidade, somos enriquecidos por Cristo para nosso
crescimento.
Invocar é bastante simples: basta dizer “Senhor Jesus”
de maneira viva, com o desejo genuíno de ter um contato
vivo com Ele. Não há regras ou métodos específicos. Quan­
do invocamos o nome do Senhor damos a Ele gozo e
satisfação, e nós mesmos experimentamos mais da Sua vida,
que nos revigora e alimenta. Podemos invocá-Lo em qual­
quer lugar e a todo tempo, e dessa maneira estaremos
fazendo com que nossa fé no Senhor e nosso amor por Ele
cresçam até a maturidade plena.
170 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

O Evangelho do Reino

O cristão representado pela Sulamita, pode dizer, comò


disse Paulo, que uma coroa lhe está guardada, pois já
combateu o bom combate e guardou a fé. Mas, como Paulo,
ele se preocupa com os irmãos novos, os irmãos imaturos,
os irmãos que estao vivendo de acordo com a carne ou estão
amando o mundo. Como ajudá-los? Paulo, por exemplo,
tinha um profundo encargo até mesmo pelos judeus, seus
compatriotas. Por não terem eles recebido o Senhor Jesus
como o Messias, não podem participar' de todas as bênçãos
da salvação eterna de Deus, incluindo não poderem partici­
par do reino milenar, como co-reis com Cristo. Por causa
dessa sua profunda preocupação, Paulo dedica todo o
capítulo novè de sua carta aos romanos para falar desse
assunto.
Nos primeiros três versículos desse capítulo, o apóstolo
fala de sua grande tristeza pelo fato de os judeus não
participarem da vida de Cristo. É tanta a sua dor por isso,
que ele mesmo desejaria estar separado de Cristo, caso isso
colaborasse para que os judeus Dele participassem. Nos
versículos 4 e 5, ele mostra todas as bênçãos que os judeus
receberam de Deus, dentre elas, o próprio Cristo. Cristo era
um judeu e os cristãos, em decorrência disso, também têm
sua origem nos judeus. Paulo era um cristão maduro quan­
do escreveu essa carta e, provavelmente, já estivesse pronto
para ser recebido por Deus na glória; no entanto, por causa
de sua maturidade, ele deseja profundamente que seus
irmãos segundo a carne conheçam o Messias.
Podemos fazer uma aplicação espiritual aqui. Há muitos
cristãos hoje que deixaram as divisões do Corpo de Cristo
e estão reunindo-se na base da unidade determinada pór
Deüs: uma cidade, uma igreja. Por estarem na posição
PLENA UNIÃO COM O SENHOR 171

correta diante de Deus e por permitirem Seu trabalho de


transformação, esses cristãos poderão vir a participar do
reino milenar com o Senhor. Mas e quanto àqueles irmãos
com os quais nos reunimos no passado, nas divisões? Se
tivermos genuinamente esse encargo, oraremos: “Senhor,
não volte tão cedo, não volte agora. Desejo muito reinar
Contigo, mas há muitos irmãos que ainda não estão Te
desfrutando plenamente, que ainda estão afastados da Tua
vontade. Senhor, eles precisam conhecer a realidade sobre a
igreja”. Temos esse encargo, essa preocupação? Precisamos
trabalhar com o Senhor para que esses irmãos venham, a
participar do milênio. Devemos, no mínimo, lembrar-nos
deles em nossas orações. ,

No Tempo que se Chama Hoje

Hoje é o tempo de trabalharmos com o Senhor afim de


levar todos os Seus redimidos ao pleno desfrute de Sua vida.
Precisamos pregar o evangelho do reino (Mt 24:14). Esse
evangelho não visa apenas dizer às pessoas que elas podem
ser salvas da perdição eterna, mas principalmente fala do
desejo de Deus de ter uma expressão na terra por meio de
um povo de Sua particular propriedade (Êx 19:6). O evan­
gelho do reino não fala apenas do Salvador, mas fala do
Senhor, Daquele que tem a autoridade e plenos direitos
sobre nós. Esse é o evangelho que gera a igreja de acordo
com a vontade de Deus. Esse evangelho elevado, que fala de
Cristo e a igreja, tem sido pregado até os confins da terra.
Porém, em muitas cidades, o testemunho de Jesus Cristo,
sustentado pela prática da unidade do Corpo de Cristo,
ainda não foi estabelecido. Nós devemos ir a todos os
lugares, no carro de nosso Amado, não apenas para pregar­
mos o evangelho, mas também para levantar o testemunho
172 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

de Jesus Cristo. No tempo que se chama hoje, devemos


divulgar ao máximo a revelação da Palavra de Deus, que
mostra Cristo e a igreja, que mostra que a igreja em uma
cidade é a manifestação prática da unidade do povo de Deus,
o que sempre esteve em Seu coração (Jo 17).
Todos os sinais indicam que a volta do Senhor está
muito próxima, e que os últimos sete anos da história da
humanidade devem iniciar-se em breve. Nos primeiros três
anos e meio, o anticristo cumprirá uma aliança que fará com
os judeus, permitindo-lhes que pratiquem seu culto de
acordo com as prescrições do Antigo Testamento. Ao
mesmo tempo, permitirá total liberdade de culto, usando a
religião formal como apoio para seu governo. No entanto,
após esses três anos e meio, o anticristo romperá a aliança
com Israel, erigirá sua imagem no templo em Jerusalém e
destruirá toda a assim chamada religião cristã (Ap 17).
Quando isso ocorrer, os cristãos não terão mais onde
reunir-se, e procurarão um lugar onde possam receber a
revelação da Palavra de Deus que possa gerar neles encora­
jamento e perseverança, a fim de resistirem à perseguição do
anticristo até o fim, sem negar o nome do Senhor. Como
encontrarão esse lugar? Onde vão procurá-lo ? Por meio da
palavra escrita que distribuímos saberão que devem procu­
rar a única expressão local da igreja em sua cidade, pois a
genuína igreja de Deus, por ser obra divina, permanecerá, a
fim de acolher todos os filhos de Deus sequiosos da verdade.
Por isso, precisamos espalhar, como semente, a palavra
revelada que Deus nos tem dado. Não temos nenhum
motivo de orgulho, pois se recebemos a revelação sobre a
igreja, isso é a absoluta misericórdia de Deus. Por esse
mesmo motivo, por não ser isso uma doutrina humana, mas
a determinação de Deus, precisamos divulgar o que temos
visto. A revelação da Palavra de Deus não é para “uso
PLENA UNIÃO COM O SENHOR 173

exclusivo” de ninguém, mas é para todo o povo de Deus. Ele


deseja não apenas que todos os homens sejam salvos, mas
que cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1 Tm 2:3,
4). Isso inclui a verdade sobre Cristo como nossa vida, sobre
o mesclar do Espírito Santo com o nosso espírito na regene­
ração e sobre a igreja, entre outras. Naquele dia, então, os
cristãos desejarão saber como praticar tudo o que um dia
leram nos livros que apresentam essas verdades. Aplicando
a profecia de Zacarias 8:23, dez cristãos agarrar-se-ão a um
irmão que Vive a realidade da igreja e pedirão que ele lhes
ensine como vivê-la também. Certamente todos nós deseja­
mos ser vencedores e ser guardados da grande tribulação;
por outro lado, precisamos preparar-nos para ajudar aos
que nos pedirem, quer seja nessa era, quer naquele tempo.
Que o Senhor seja misericordioso conosco, e abra nossos
olhos para que vejamos essa necessidade!

A Recompensa

“Teve Salomão uma vinha em Baal-Hamom; entregou-


a a uns guardas, e cada um lhe trazia peló seu fruto mil peças
de prata” (Ct 8:11). Baal-Hamom significa senhor de todos.
Salomão era senhor de todos e senhor da vinha, represen­
tando o Senhor Jesus como o Senhor da igreja. Podemos
relacionar esse versículo com a parábola dos trabalhadores
na vinha, em Mateus 20, e com a parábola dos talentos, em
Mateus 25. Cada um de nós foi contratado pelo Senhor para
trabalhar em Sua vinha em momentos distintos, ao tempo de
nossa experiência de regeneração. Somos os trabalhadores
da última hora, no entanto, receberemos o mesmo que
aqueles que começaram a trabalhar nas vinhas antes de nós.
Todos receberemos a mesma recompensa, isto é, a coroa da
justiça que está guardada para todos os que reinarão com
174 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Cristo (2 Tm 4:8), pois Deus é galardoador. 0


Por sua vez, na parábola dos talentos, cada um de nós
recebeu mais ou menos talentos segundo nossa capacidade
individual de negociá-los. Quem recebeu cinco deverá ganhar
pelos menos mais cinco. Quem recebeu um talento deverá
ganhar pelo menos um talento a mais. Se assim o fizermos,
teremos direito de entrar no gozo do Senhor, nas Suas bodas
que durarão mil anos, quando reinaremos com Ele.
Que ocorreu com aquele que recebeu um talento? Não
o negociou, antes se escusou diante do Senhor dizendo que,
por receio Dele, enterrara o talento. O Senhor, então, o
reprovou dizendo que ele deveria ao menos ter entregue o
talento aos banqueiros, que são os irmãos na igreja, pois eles
fariam o talento render juros. Isso significa dar frutos espi­
rituais. Mas, por não dar fruto, esse servo mau e negligente
irá para as trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de
dentes (Mt 25:30), isto é, ele não participará do milênio.
Aqueles que aplicaram seus talentos receberão o galardão do
Senhor, que é reinar com Ele por mil anos.
“A vinha que me pertence está a meu dispor; tu, ó
Salomão, terás os mil siclos, e os que guardam o fruto dela,
duzentos” (Ct 8:12). Salomão, por ser o senhor de tudo, vai
ganhar mil siclos, e os que trabalharam na vinha receberão
duzentos. No Senhor, nosso labor não é vão (1 Co 15:58).
Quanto mais servirmos ao Senhor, quanto mais nos desper­
diçarmos pelo Senhor, quanto mais nos entregarmos a
cuidar dos irmãos, mais estaremos dando ao Senhor os mil
siclos por Sua vinha. Essa é nossa incumbência. Então, como
resultado, um dia Ele nos galardoará com “duzentos siclos”;
receberemos Dele o galardão sem igual de participar, por mil
anos, das bodas do Cordeiro. Como poupar-nos diante de
tão encorajadora recompensa?
PLENA UNIÃO COM O SENHOR 175

O Espírito e a Noiva
“Ó tu que habitas nos jardins, os companheiros estão
atentos para ouvir a tua voz; faze-me, pois, também ouvi-la.
Vem depressa, amado meu, faze-te semelhante ao gamo ou
ao fiho da gazela que saltam sobre os montes aromáticos”
(Ct 8:13, 14). Estes são os dois últimos versículos de
Cântico dos Cânticos, e apresentam dois fatos maravilho­
sos : o Esposo desejando ouvir a voz de Sua esposa e a esposa
anelando pela volta Dele. Isso retrata a conclusão do plano
eterno de Deus, a Sua economia, na Nova Jerusalém. Ali,
Deus e nós estaremos totalmente mesclados pela eternidade.
A consumação final e máxima do Deus Triúno, o Espírito,
estará falando juntamente com a noiva, que somos nós, a
igreja (Ap 22:17), formando, assim, o casal universal. O
Espírito e a noiva dizem: Vem! Não é mais o falar apenas do
Espírito, ou seja, apenas de Deus, mas por meio do Seu
trabalhar em nós, tornar-nos-emos uma entidade única com
Ele pela eternidade. Tudo estará consumado. Que maravi­
lhosa união orgânica!
Conclusão
Hoje, nosso mais profundo anelo deve ser: “Vem
depressa, amado meu” (Ct 8:14). Por um lado, desejamos
que Ele venha logo, por outro, esperamos que isso não
ocorra hoje, pois percebemos que ainda não estamos sufici­
entemente amadurecidos. Nossa fé e nosso amor ainda não
estão totalmente desenvolvidos. Não atingimos a maturida­
de que nos qualifica a reinar com Ele. Por amar-nos, Ele tem
sido longânimo conosco em não ter vindo ainda, para que
todos nós cheguemos ao arrependimento de nossa condi­
ção e nos preparemos para Sua volta (2 Pe 3:8, 9). De
qualquer maneira, somos os que amam a vinda do Senhor
176 CÂNTICO DOS CÂNTICOS

(2 Tm 4:8). Sempre que dissermos: “Vem, Senhor Jesus”, o


Senhor responderá: “Certamente venho sem demora”. Que
maravilhosa conclusão para este livro!
Portanto, vigiemos, oremos e preparemo-nos, cuidan­
do de nossa vida, enchendo nossa alma (a vasilha) com o
Espírito (o azeite), para que nosso espírito (a lâmpada) brilhe
no dia da chegada de nosso Noivo (Mt 25:1-13). Devemos
atentar também para nosso serviço ao Senhor, como retra­
tado pela parábola dos talentos. Quando amadurecemos
espiritualmente, o serviço a Ele é espontâneo e devemos
sempre executá-lo em submissão à vontade e à vida do
Senhor em nós.
Nossa oração diante de Deus é que todos os leitores
deste livro sejam ajudados em sua carreira espiritual. Nossa
intenção principal não foi apresentar doutrinas extraídas de
Cântico dos Cânticos; antes, foi descobrir nesse livro orien­
tações práticas para podermos avançar no conhecimento
vivo de Cristo. Nosso propósito é proporcionar o cresci­
mento espiritual dos leitores, que resultará espontaneamen­
te na edificação da igreja, o Corpo de Cristo, a Noiva coletiva
de Cristo, preparando-a e ataviando-a para a Sua vinda. Por
ser Cântico dos Cânticos um livro que fala de nossa relação
de amor com o Senhor, precisamos considerar se Ele tem
sido nosso único Amado ou se temos tentado amá-Lo ao
mesmo tempo que amamos o mundo ou outras pessoas
mais do que a Ele. Precisamos consagrar-nos uma vez mais
ao Senhor, para que Ele nos encontre fiéis na Sua vinda. Que
o Senhor tenha misericórdia de nós, para que estejamos
prontos, maduros e crescidos no dia de nos encontrarmos
com Ele, nosso Amado.

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